PrefacioNão Olhe para o Cara Gordo de Saia!
O
lá, meu nome é Cynthia Mary de Moraes Sallders. Mas você verá que todos me chamam de Cind. Ou por Serena Moraes.
Tenho 14 anos e estou no sexto ano do fundamental. Nasci nos Estados Unidos em Fort Smith, Arkansas, porem, hoje eu vivo no Brasil, em Colombo no Paraná. E estou sendo perseguida por uma ordem secreta de magia. Ta, que criativo!, você deve ter imaginado, mas isso é verdade, a minha história é verdadeira. E a Ordem existe mesmo. Agora você deve estar pensando: Cind se isso é verdade, por que você contou onde está...? E se te pegarem? Eu estou te contando isso porque a Ordem também já sabe. Meu amigo Pynke me contou (ele faz parte da Ordem, mas, assim como eu, não concorda com o que eles fazem. Então por que ele simplesmente não sai?, qualquer pessoa perguntaria. Calma, eu vou contar isso com o decorrer da história), e ele disse também que eu deveria estar pronta para qualquer coisa. Pois eles poderiam vir a qualquer momento me pegar. E a minha mãe disse que se nos encontrássemos novamente, ela mesma me mataria. Como deve ter visto, esta não é uma historia comum. Não espere que o mocinho seja como um cara normal que é atingido por um raio (eu amo essa história!); ou uma garota metida com super poderes e um bom coração (ta, talvez eu seja a garota metida com superpoderes [, mas não tenho um bom coração! Então não espere que eu seja boazinha.]); muito menos cenas românticas de passeios no parque e idas ao cinema que terminam em um beijo e um inicio fofo de namoro (tá, talvez tenha acontecido algumas vezes assim, mas, se colocar em perspectiva, elas não foram nada românticas). E não espere que a personagem principal seja a salvadora da pátria que foi treinada para tal coisa. Ta bem, após o meu pai morrer eu realmente fui treinada, entretanto, para matar quem ficasse no meu caminho e dominar o mundo todo. Em minha defesa, eu admito que não sabia que estava sendo preparada para isso, a minha mãe não contava tudo e o que ela me contou descobri depois que era mentira.
Não sei muito sobre a minha família, menos sobre a minha ascendência. Cresci numa casa onde havia muitas brigas e desentendimentos e poucos momentos de união (raros parando para contar). Meu pai era um pequeno senador francês, Gerrad Blontch Garnier Sallders, que se aposentou cedo para ficar com a família, então não tente procurar qualquer coisa sobre ele na internet que não irá achar. De qualquer forma, ele se apaixonou por uma secretaria pública de segurança municipal estadunidense, Donna de Moraes. Eles se conheceram numa reunião na embaixada francesa em algum lugar da Virginia. Não sei ao certo, mas posso afirmar com toda certeza que este foi o seu pior erro! — Um sorriso e pronto! —, ele sempre me dizia. — Foi paixão a primeira vista. E você já parou para pensar que se esse erro não tivesse acontecido, você talvez não nascesse...?, a garota mais inteligente perguntaria. Porem você também pensaria igual se fosse filha da minha mãe. E o meu pai também não sabia o que aconteceria depois, dos anos de aflição e brigas, que eu quero (e prefiro) esquecer. Eles se separaram claro, mas a minha mãe não nos deixou em paz. Ela nunca me amou, não tenho duvidas. Meu pai sempre tentou me fazer ver o contrario, mas eu não precisava disso. Ela jamais disse um “eu te amo”; nunca me abraçou ou me colocou pra dormir. Sempre foi o papai quem fez isso, eu fui a primeira e única filha dele, então tudo o que ele aprendeu como pai foi errando e acertando comigo. Alem do que, os problemas com os deuses e monstros foi por causa da família dela! Porque ela é uma sacerdotisa egípcia descendente da Antiga Civilização Egípcia. Quer dizer, ela nascera no Brasil, nacionalizou-se estadunidense, mas usa de magia egípcia. E ela é basicamente, como um general. Uma sacerdotisa leitora-chefe! Ela é uma elementista do fogo, de Ísis, a deusa da maternidade, da magia e do amor. Mas não se engane, as duas podem ser bem ardilosas (e gananciosas também) quando querem (o que é quase sempre!)! Assim como o mundo normal, a magia egípcia é muito complicada! Só pra começar. Então não me peça para explicar, pois para entender de verdade, você precisaria estar envolvido com tudo sobre o Egito — com tudo mesmo —, se não, jamais saberá como é.
Mesmo que eu explique, e acredite, e eu já tentei fazer isso com alguém, você não irá compreender!
x Eu não gosto de me descrever. E não é por causa daquele ditado popular: quem se descreve se limita. E sim porque não gosto mesmo! Quer dizer, o que demais há para falar de mim? Meu nome, idade, lugar onde moro (e ate os nomes dos meus pais) já falei. Então, eu deveria falar mais o que? Que tenho pele parda (entre o amarelo girassol e o dourado — e eu não estou brincando), olhos negros (sem pupilas, pois tenho uma doença rara nas córneas), não gosto do termo, mas, sou aquele típico estereotipado de “patricinha” (que gosta de pensar só em si, ler revistas de fofocas, para saber das vidas dos famosos, sabe...? [então, conforme-se!]), não gosto de deixar o meu cabelo crespo e negro crescer muito (alem de mantê-lo sempre em um coque), sempre os deixo ficar ate pouco a baixo da linha de minhas clavículas, gosto de vestir roupas de estilistas famosos e caras (ah, quer saber? Julgue-me!). Viu? Não há muito o que falar. Meu pai diria o contrario, sabe, ele era um cara legal. Os melhores anos que me lembro de ter vivido foram com ele! Quem me ensinou a andar de bicicleta foi ele (e quem nunca permitiu que eu desistisse de tentar também); quem me levou ao primeiro dia de escola; quem limpou o meu primeiro machucado e colocou um curativo; quem me ajudou com o dever de casa; quem me ensinou a diferença entre certo e errado; quem me colocou pra dormir durante doze anos, tudo foi ele. (se eu era grande demais para ele fazer isso? Não, ele nunca se importou com isso. E eu também não.) E então você deve estar me perguntando agora: ta, mas e o que tem demais a sua mãe? A única coisa que consigo explicar por hora é que, ela é má! Não má do tipo que “faz os filhos fazer o dever e comer os vegetais”, quem dera! Alem do que esse era o meu pai; alias, desde que meu pai morreu, nem a escola eu ia por causa dela. Ela diz que não precisamos ir sempre, que escola é uma coisa que os humanos comuns criaram para que os pais não tenham que aturar tanto os filhos. Tá, por
mais que ela estivesse certa, isso não justifica o que ela fez durante todos esses anos comigo e o papai. Ele sempre foi o bonzinho na história, aquele que pensava no certo, que queria o certo! E para todo mundo. E consequentemente, aquele que não poderia continuar criando a filha dela! Fora o fato que ele não tinha um pingo de magia no corpo. Ele me ensinou muitas coisas. Alem de ensinar como andar de bicicleta, ele me amou. — Você é minha filha! —, ele me dizia quando eu pensei em desistir de aprender a andar de bicicleta. Tinha três anos na época, idade boa para se aprender muitas coisas. Era esse um de seus lemas. “Você é forte o suficiente para conseguir! Basta acreditar.” ele completou e me fez continuar tentando. Também brincou comigo, me fez entender melhor o que é a vida, ele me ensinou o que é o amor. A melhor lembrança que tenho dele foi de quando tinha cinco anos e brincamos de cowboy (ele) e policial (eu) na sala do nosso apartamento em Petersburg. Usamos o telefone, os travesseiros e os controles remotos como armas para “abater” (ou enlaçar) a tevê e a nossa empregada (Cally ou qualquer coisa assim). Rimos ate doer nossas barrigas. E Ela chegou fazendo um escândalo, dizendo que alguém teria de limpar depois (como se [qualquer maneira] fosse ela)! Mas não me importo mais com o que ela diz. Visto que hoje aprendi que o que sai de sua boca são apenas mentiras. Quer dizer, nem sempre ela se mostrou ser uma mãe ruim. Uma vez ate me chamou para governar o mundo junto com ela, e ainda num combo multi, escravizar as outras pessoas!
x Agora você deve estar pensando: Óh, Cind que legal que a sua mãe é com você! Ou então, Você é a garota mais sortuda do mundo, por que recusou uma coisa dessas hein? E eu não recusei. Serio! Ela disse que eu teria de fazer uma coisa primeiro.
Depois de todas as provas e testes que ela e toda a sua organização me submeteram, minha mãe queria mais! Depois de eu quase morrer tentando sobreviver a um deus do rio, uma serie de lanças voadoras, leões gigantescos, burros explosivos e a própria morte, tudo junto, tive que matar outros magos, aprender a usar armas maiores do que a minha altura, enfrentar deuses do caos e ser rápida para fugir quando tudo estivesse perigosamente arriscado (“arriscado” do tipo que poderia entregar o que a Ordem faz ao mundo). Ela nunca se importou de verdade comigo. Para ela eu sempre fui como uma boneca que perdeu a graça, um brinquedo que ficou obsoleto e insignificante. Mas então, quando meu pai morreu ela (subitamente) voltou a ter interesse em mim. Quero dizer, nos meus poderes. Sou uma maga menor, sacerdotisa de Serket, a deusa dos escorpiões. Ainda não sei exatamente o que posso (ou como posso) fazer com os meus “dons”, nem que tipo de maga eu sou. Mas, aparentemente, quando todos pensavam que o sacerdócio à esta deusa estava perdido, eu nasci e mostrei o meu domínio sobre venenos e que sei encantar animais (em especial os peçonhentos). E foi aí que a minha mãe começou a olhar para mim de uma forma diferente. Ela dizia que somos descendentes de um grande faraó, talvez algo como Quéops. Aquele cara que construiu (ou mandou construir) as pirâmides de Gizé. Mas não posso ter certeza. Bem, como eu dizia, ela me chamou para ajudá-la a realizar um plano. Começando por eu me tornar uma maga da ordem e logo depois recrutar outros magos. E neste caso, ela não poderia ter escolhido recrutas piores. Naquela época eu ainda estava tentando impressioná-la. Antes de cumprir a ordem que ela deu, eu havia procurado um dos seus maiores inimigos, Aquiles Karadağ (um cara qualquer e sem importância), e lhe dei alguns tapas, ate que ele me devolveu com uma bela surra. E o pior foi que ele nem precisou usar seus poderes (viu, sem importância). Portanto, ainda estava com o corpo todo dolorido quando esbarrei em um homem alto e vestido de vermelho e preto. Eu estava em Salem, MA, na Rua Proctor St perto da esquina com a Mansell Pkwy, e ao lado do Gallows Hill Park. Com casas brancas, de madeira, e
arvores frondosas e de varias espécies (que na verdade lembro de ter reconhecido apenas um salgueiro que há na frente ao parquinho) em volta. Havia alguns poucos casais que passeavam com seus bebes; algumas crianças brincando nos balanços e nas gangorras e os pais e mães (e/ou babás) conversavam interagindo uns com os outros em bancos feitos inteiramente de concreto. Lembro que a quadra de basquete estava vazia e o sol a pino. Talvez fosse meio dia ou 13 horas, não recordo agora. Eu fui mandada para procurar e levar ate o centro mais próximo da Ordem quatro garotos e três garotas. Sabia apenas seus primeiros nomes (Elizabett, Lucas, Rian e Tina, que eram os únicos irmãos, John, Justin e Marcela). Pois me informaram que quando eu me aproximasse de cada um deles saberia na hora (ou [“sentiria”] com a demora de alguns segundos, como aconteceu com Lucas) que são magos. Elizabett, Lucas e John já haviam sido encontrados e levados. Faltando então Rian e Tina, Justin e Marcela para que eu os achasse. Sabia que pelo menos dois deles estavam perto de mim, mas ainda não tinha sentido onde exatamente nem quem eram. — Desculpa. — falou o homem calma e distraidamente. — Me desculpa, moça bonita. — eu custei a entender suas palavras. Estava mais interessada em encontrar os garotos que iriam ser recrutados. — Olha só quem apareceu por aqui... — ele disse em tom maroto. Lentamente prestei atenção no homem a minha frente. Com quase 1,85, ele tinha porte de um jogador de futebol americano aposentado. Ele usava camisa social de linho branco por baixo de um manto vermelho listrado de verde e vermelho e um kilt (ou saia), que ia ate os joelhos e onde terminavam também suas meias enormes. Com uma barriga saliente e um andar assoberbado, parecia ter pouco mais de quarenta anos, com as pernas e braços bem cabeludos. — Quem é você? — foi o que falei (ou o que eu queria ter pensado apenas) a principio. Seus olhos verdes, cor de pasto lavrado, estavam calmos, mas mostravam uma tempestade internalizada. O cabelo espetado e de tons diferentes de amarelo e marrom pareciam não combinar com a barba castanho claro.
— Eu esperava que a filha de Donna Sallders fosse me reconhecer mais rápido. — ele disse simplesmente colocando as duas mãos na cintura e me encarando. — Chloe, Charlie, Carlie, Carmen... — Cynthia. — disse o corrigindo. — Iiiiiisso! — ele falou balançando o dedo perto do queixo. Eu me lembrei que tinha coisas mais importantes para fazer e tentei dizer que não me sobrava tempo. Mas ele resistiu. — Você não lembra mesmo de mim...? — ele fez a cara mais ridícula de tristeza (e que não me convenceu), ate que olhei pra baixo e percebi seus sapatos. Eram botas de caçador negras e enlameadas. O que...? O que sinceramente, me pareceu estranho, pois fazia sol e não chovia a algum tempo naquela região. — Olha, eu sei que o papo ta bom, mas eu tenho que ir ta...? — eu falei me virando. — então... — disse. — E quem foi que disse que eu terminei? — ele falou segurando o meu braço firme e eu soube na hora onde iria dar aquilo! — Você é um mago. — falei sem me virar para ele. Puxei meu braço de volta e segurei o nariz pela fonte notando o quão idiota fui. Quando voltei-me a ele encontrei uma varinha perto (demais) do meu rosto e um sorriso maldoso nos lábios do homem. Ele segurava um objeto curvo branco feito de marfim, cheio de hieróglifos com imagens de faraós e guerreiros lutando e monstros. Um mago de combate eu creio., completei mentalmente. Ao invés disso, falei: — Talvez um sacerdote qualquer de quinta categoria, ou um idiotazinho qualquer que encontrou um graveto branco e que acha que é mágico! — me irritei na mesma hora. Já tinha noção que poderia ser (extremamente) perigoso ofender um mago mais velho, mas eu não ligava. E o homem pareceu ficar um pouco bravo, entrementes, não demonstrou com ações ou palavras. Apenas desfez seu sorriso imbecil. — Olha aqui, garota... — Olha aqui você! — o interrompera erguendo um dedo. Aprendi desde cedo a não ter medo de outras pessoas, magos ou humanos comuns. — Eu não sei quem você é, ou quem acha que é. Mas eu não
vou perder meu tempo com um cara... — olhei para baixo. — e de saia. — segurei um riso. — É kilt! — ele gritou atenuando seu sotaque. Eu não sei se ele é escocês, mas eu percebera um leve sotaque britânico. — E meu nome é Calvin Minnor. — ele falou e eu tive um leve vislumbre de algum Cal (apelido de Calvin, em algumas situações) Sei-lá-o-que conversando (ou discutindo) com a minha mãe quando eu era pequena. — Serio mesmo que você não se lembra de mim? — ele tentou uma ultima vez. E suas feições faciais mudaram para um sorriso estranhamente feio. — Não! Cara, sinto muito pelo que te fizeram, mas não posso continuar te dando atenção! — disse revirando os olhos e dando um passo a frente para não precisar gritar e para ser bem ouvida também. — Tenho que ir. Tchau... — me virei e comecei a andar novamente. — Ho ho..., — ele disse no passo em que se encaminhou para onde eu estava indo (acredito que ele quisesse dizer algo tipo Hey ou How [ou sei lá o que], mas por causa do sotaque foi o que ele conseguiu naquele instante). Ele parou a minha frente e continuou: — O que você quis dizer com “sinto muito pelo que fizeram”...? — ele fez uma cara vazia. — No seu rosto! — falei simplesmente demonstrando impaciência fiel (não tente me entender, sou hiperativa e impaciente mesmo!). — Você não se olha no espelho? — O que? — ele disse com um tom alterado. Sua varinha já não estava mais apontada para o meu rosto, mas eu estava tentando evitar usar a minha. — O que você quer dizer com isso? — Cara,... — falei perdendo a paciência. Eu não tenho tempo pra você!, falei mentalmente. — você não é... quer saber... — falei completamente sem tempo. Observei-o de cima a baixo, parando na cabeça cabeluda e de penteado simples. Aquele cara não devia ser o mais idiota, mas com certeza o mais imbecil. — Você deve ter a mãe mais orgulhosa do mundo. — falei cruzando os braços na minha habitual pose e voz debochadas. — Por que? — ele perguntou com um sorriso brilhante, e admito que isso me pegou de surpresa.
E a verdade que teria me atingido foi ainda mais. A mãe dele também nunca disse uma palavra de carinho ou orgulho! Eu reconhecia aquela feição no do seu rosto, pois a via sempre que minha mãe se demonstrava (insatisfeita ou desinteressada ou) desapontada e depois eu me olhava no espelho. Somos duas crianças buscando o amor de nossas mães! — Você acha? — Oh, é claro que sim! — ironizei, mas ele pareceu não notar. Sinto muito pelo que vou fazer, mas depois você vai me agradecer! — Que mãe não se orgulharia de ter um filho tão idiota e imbecil como você? A principio ele não acreditou, com sua varinha abaixada, seu sorriso sumiu na mesma hora que as palavras passaram pela minha boca. E eu pensei que não faltaria muito para que me livrasse dele. Obvio que eu estava redondamente enganada. — O quê? — ele mostrou um olhar meio triste, mas isso não me intimidou. Deu-me esperança. Ate que vejo por cima do ombro de Calvin um garoto negro empurrando uma garota loura branca saindo do parque. A garota era franzina e sem graça na cadeira de rodas e o cara era baixinho, gordo e provavelmente devia adorar passar mais tempo numa lanchonete comendo Donuts do que na academia. Mas o quê?, soltei em pensamento. — Eu vou adorar matar você. — Calvin falou no tempo em que concluí o meu pensamento sobre o Justin ou Rian. E o homem a minha frente ergueu sua varinha novamente, desta vez a cima de sua cabeça pretendendo bater em mim (o que poderia ter sido muito ruim pra mim). Ah, quer saber... Dane-se!, pensei antes de falar o primeiro feitiço que veio a mente. — Ha-di! — gritei levantando a mão esquerda rápido.
Quebrar em egípcio antigo brilhou na minha frente em dourado. E pronto! O pior erro da minha vida, pelo menos ate aquele momento, havia acontecido. Pois tanto Calvin quanto eu voamos pelos ares com nossas magias se combinando opostas. Eu caí para longe do meio fio da calçada ficando aturdida na mesma hora e parando no meio do asfalto, onde um cara passava de carro com o cachorro e quase me atropelou, me levando a morte certa. Calvin caiu muito mais longe, e eu não podia vê-lo nem o que aconteceu a ele ou a minha volta (porque estava com os olhos fechados, dã!). Assim, tudo o que consegui ouvir era como se estivesse a quilômetros de distancia da confusão toda e sentia como se fosse por cima de varias camadas de pele e de roupas. — Aquela garota explodiu uma bomba...?! — escutei a voz de uma mulher perto de mim que parecia estar berrando comigo no outro lado da cidade. Alias, não era apenas ela que gritava, após eu ter usado o feitiço Ha-di muitas pessoas começaram a correr descontroladas. — Chamem a policia! — falou outra pessoa no meio da rua. Eu não sei o quanto fiquei deitada, mas sabia que não podia continuar ali. — Chamem uma ambulância. — exclamou um homem baixinho se aproximando. Eu podia ver apenas seus pés enquanto sentia seus dedos frios tocar a minha pele verificando a minha pulsação. — Você está bem? — ele perguntou. Eu prossegui com os olhos abertos tentando recuperar os sentidos e fazer o meu cérebro lembrar-se de que tenho pernas e braços que poderia (e deveriam) ser usados! — Sim, — disse como se tivesse bebido cerveja ate cair de zonza e depois tentava falar. Minha visão não era a melhor, mas quando tentei mexer um dedo ela focou o homem em cima de mim. Era velho, talvez com quase setenta anos e uma barba comprida e branca, pele branca e roupas modernas slim. — sim... — minha língua ainda não estava completamente controlada. Tentei me levantar e não tive muito sucesso. Verifiquei mentalmente cada membro e cada parte minha para ter certeza que estava bem. Meu pescoço e meu corpo estavam intactos; alguns dedos da mão e uma perna ainda estavam dormentes; aparentemente um pé
não estava bem, meu tornozelo esquerdo queimou completamente quando tentei movê-lo. E um braço havia sido arranhado na queda, mas eu não poderia dar muita atenção. — Fique parada, fique quieta... — disse alguém atrás do homem mais perto de mim. — A ambulância já está vindo. — disseram três pessoas a minha volta, que não prestei atenção quem eram. Um grupo grande se aglomerou ao meu redor, percebi na hora. Sons de policiais e ambulâncias se aproximavam, mas ainda parecia estar muito longe. Pessoas corriam de um lado pro outro gritando coisas como atentado, bomba e explosão. Lembro de ter visto uma mulher com cabelos vermelhos como sangue agarrada a uma criança de dois anos, talvez menos, correndo na calçada ao lado das casas indo em direção a Looney Ave, ou à Witch Hill Rd, mas não prestei muita atenção direito na hora. — É, Cleo, fique no chão. — soou uma voz masculina no céu. Meu corpo ainda estava dormente, mas sabia de quem era a voz e principalmente o quão idiota é seu dono. Minha raiva cresceu mais ainda, o que me deu forças e vontade para mexer o corpo, entrementes, pelo fato dele não ter simplesmente morrido ou apenas fugido como um animal com medo. Ao invés disso ele estava lá, sobrevoando a minha volta dentro de um abutre gigante roxo-opaco holográfico, com envergadura de mais de seis metros de asa a asa e quase três metros e 50 de tamanho. LEGAL!, os mais nerds e bobalhões diriam. Porem, se você que gostou do que ele fez fosse eu não pensaria dessa forma (e se eu fosse você, teria rido da sua cara nessa situação. Mas como não sou você e nem você sou eu, então... deixa pra lá, é melhor mesmo apenas continuar a história). — Isso. Fique aí, como uma fraca que é! — ele gargalhou batendo as asas arroxeadas. Seu corpo pareceria o de um anjo sombrio se não fosse pelas pernas cumpridas de ave, o bico em gancho e os dedos com garras nas patas. Se era briga que ele queria, tinha acabado de encontrar! Ninguém me chama de fraca e sai impune disso! Não mesmo.
As pessoas que me ofereciam ajuda ainda continuavam a minha volta sem saber que algo perigoso acontecia ali e naquele mesmo momento. Porque talvez não vissem nem ouvissem o Calvin perto de nós. A mente humana capta apenas aquilo que lhe é conveniente entender e aceitar. — Olha, um corvo gigante... — uma criança apontou para cima no outro lado da rua. Aparentemente algumas pessoas são mais suscetíveis a percepção de magia que outras (crianças principalmente. E eu acredito que foi por isso que ninguém deu ouvidos ao garoto). Forcei meu corpo a se erguer do chão, com ou sem pé doendo no tornozelo. Meu corpo pareceu acordar de repente de um sono exaustivo (peço perdão pela figura de linguagem) e tentei ainda cansada me levantar. Consegui fazê-lo na terceira tentativa, pois algumas pessoas me faziam voltar a deitar no chão ou então sentia dor em algum membro. Mas não desisti. Você é um sacerdote de Nekhbet...?!, imaginei enquanto mexia as pernas. Vou adorar acabar com você...! — Se quiser, levante-se... Melhor assim. — ele disse como se não fosse nada demais. Como se pudesse acabar comigo com apenas uma mão e os olhos fechados. Pedi para que todo mundo se afastasse de mim, eu queria respirar um pouco de ar puro e novo. E algumas pessoas me obedeceram, outras, como o homem velho de barba comprida, continuaram onde estavam. Ademais, o restante ainda estava próximo demais! E não que eu me importasse naquela época com o que acontecesse aos outros (e não me importava mesmo!), mas, mesmo que o meu pai tenha me feito acreditar que ser boazinha é correto, eu também era muito egoísta e egocêntrica. Alem do fato que seria mais difícil bater naquele babaca com todos na volta. — Se eu fosse você não contaria vitória antes da hora. — falei baixo sentindo leves dores nas costas. Ate parecia uma velha sentindo tanta dor. Alem de ter perdido tanto tempo caindo, também fiquei com dores nas costas e numa das pernas. Porque falar um feitiço tão poderoso quanto aquele requer muito poder, e neste caso o meu (assim como esperteza, o que sinceramente não é o meu forte [quem não gostar pode vir falar comigo!]), e eu admito que não fui muito
inteligente naquele momento, mas não estava aguentando continuar ouvindo-o falar. E isso não mudou depois. — Garota, — neste instante então o seu sotaque britânico se acentuou — você não deve ser muito mais forte que eu. — ele disse pousando a alguns metros de mim, desfazendo o enorme abutre brilhante (mas mantendo o seu sorriso idiota). O grupo de pessoas que me observavam curiosos se desfez cada vez mais a medida que o primeiro carro de policia chegou. Ate que enfim...!, soltei em forma de suspiro (eu detesto a sensação de confinamento). Mas sobrou apenas um homem e uma mulher, que me observavam como se eu fosse um ser estranho, ate que um policial se aproximou de onde estávamos perguntando se a mulher estava bem. E eu aproveitei a oportunidade de uma distração de mim para sair pela tangente. — Há-há-há! — Calvin regozijou-se. Sua varinha não estava mais na sua mão, provavelmente perdera quando ele caiu. — Por que você não vai para casa correndo para a saia da sua mãe? Ele provavelmente não queria mexer comigo dessa maneira, mas não sabia também que não sou a mais lembrada ou a mais amada ou a mais simpatizada com a minha mãe. — E você nem se acha, né?! — disse eu dando um passo a frente, sentindo as suas palavras. — Vamos ser sinceros um com o outro... — falou dando um passo também. O que ele sabe sobre mim...?, eu disse querendo que ele não conseguisse nada mais que me irritar (o que sinto em admitir que estava conseguindo). — Sim, vamos! — disse eu em tom insolente querendo ganhar tempo. Eu estava tentando (realmente) pensar em um plano, uma forma de sair dali e fugir dele. Não sabia onde devia estar o casal que eu procurava, mas naquele momento esse tipo de coisa não importava mais.
— Menina, você sabe com quem está falando? Quem eu sou? — ele disse com um tom orgulhoso na voz e as mãos na cintura, pronto para que eu lhe desse a deixa perfeita para que ele pudesse se gabar de quem é ou do nome que tem ou sei lá do que. — Eu sou Calvin Minor. O... — Grande Idiota que Está me Atrasando! — completei na sua frente revertendo o jogo novamente. Se é ou não filho de mãe relapsa, que se dane! Eu já havia perdido o paradeiro das pessoas que viera procurar, perdera também a paciência e algumas partes importantes do meu corpo. — Olha, eu conheço bem o seu tipo tá... — falei mostrando certa impaciência (o que não foi uma mentira completa). — Conhece o meu tipo...? — É... — falei buscando forças mágicas do Duat. Poderia sacar minha varinha de lá e fazer algo (que talvez fosse ser muito estúpido e arriscado), ou então minha bolsa com meu equipamento (e talvez fazer algo ainda pior). Mas eu não tenho outra opção mesmo. — Sim, você é aquele tipo de babaca que pensa que mulher foi feita pra ficar em casa, cuidando da casa e dos filhos. — eu disse provocando-o (eu posso ser bem irritante quando quero [e eu sei disso]!). — Acertei...? — fechei um olho de forma a duvidar. — Hã...? — perguntou. Distraidamente, como se não fizesse nada demais cruzei os braços atrás das costas, e adentrei as camadas do Duat. Queria encontrar minha bolsa com minha varinha e meus pertences mágicos. O que vale ressaltar pra quem nunca fez esse tipo de coisa antes: é muito nojento! É como colocar a mão dentro da barriga de uma criatura, de um animal (a sensação pelo menos eu acredito que seja a mesma). Você tem que atravessar camada a camada, como empurrar varias cortinas de uma persiana ao mesmo tempo. — É, sabe aquele tipo de cara escroto...? — disse já sentindo o zíper da bolsa abrindo dentro de uma camada mágica. Calvin estava tão
distraído com as minhas palavras que não percebeu os meus movimentos. — Aquele tipo idiota e alienado... — Você acha que eu sou machista...? — a palavra na sua boca soou tão ridícula que parei o que estava fazendo. Eu estava pensando em outro adjetivo para dizer a ele, mas não o conhecia o suficiente para dizer que ele é machista. — Olha, Charlie, você vai ter que me desculpar. Porque eu vou matar você de qualquer jeito! — ele falou dando mais dois passos de uma vez. Eu já poderia sentir sua raiva e sua força me atingirem subliminarmente. Quando um policial se aproximou da gente perguntando se precisávamos de alguma coisa. Uma paramédica trazia uma maca alegando que disseram que uma garota teria caído e se machucado ali perto, e eu me xinguei por isso. Estava chamando muita atenção pra mim. — Não policial. Estamos bem. — Calvin mentiu. E eu consegui sentir a textura de minha varinha. Mas o policial percebeu algo e fitoume pondo a mão no coldre de sua arma. — Apenas conversamos minha sobrinha e eu. — Espere, o que você está fazendo aí...? — perguntou o policial olhando-nos, entretanto Calvin não lhe deu importância. Apenas virouse para ele e tocou-lhe a testa dizendo “Vá embora!”, e o policial foi junto da paramédica, parecendo estarem perdidos. — Já estava ficando sem paciência. — ele soltou num suspiro aliviado. Mas assim que pude, puxei a minha varinha. E disse bem alto e rápido: — Sa-per!
Errar. E Calvin errou! Quer dizer, assim que viu a minha varinha percebera tudo, arregalou suas pálpebras e abriu a boca para falar algo. Mas não teve tempo.
E assim que eu disse ele começou a se bater com as mãos, como fazem alguns esquizofrênicos em seus ataques. E eu me virei para o outro lado mancando tentando correr e fugir dele. Alguns policiais e pessoas tentaram me seguir, algumas querendo me entender e outras apenas pensando que outro ataque acontecia. Cheguei na esquina da Looney e atravessei a rua quando outra viatura chegava. Uma policial, Cabo Sharon Alguma-Coisa, saiu e me parou perguntando o que aconteceu. Eu apenas parei com ela segurando o meu braço. — O que foi, o que foi? — ela repetiu a sua pergunta. Eu olhei para trás e apontei para Calvin como quem estivesse triste e nervosa. — Ele fez alguma coisa a você...? — ela perguntou calmamente. Lembro que Sharon era bem mais alta, um pouco mais gordinha e tinha pele mais escura. Aparentemente ela aceitou o que eu disse como verdade e começou a ir em direção ao Calvin Minor, O Idiota. — Fique aí...! — ela disse assim que chegou a esquina e se virou para me olhar. Sheron sacou sua arma assim que o viu melhor, e logo depois pareceu entender. Porem, algo aconteceu. E admito que não esperava por isso. Calvin simplesmente parou de se bater e olhou para todos os lados me procurando. Haviam ambulâncias, vários carros da policia e um grupo especial tático anti-bombas. Eu não tinha percebido antes, mas, aparentemente, meu feitiço fez muito mais que apenas lançar dois magos longe um do outro. Algumas pessoas ficaram muito assustadas e nervosas, algumas ate mesmo desmaiaram e outras entraram em pânico e começaram a correr (e um carro quase explodiu quando bateu num poste... É, sou poderosa!). E eu percebi isso naquele instante, atrasada (e infelizmente). — JÁ CHEGAAAAAAAA!!! — Calvin berrou para os quatro cantos me fitando. Ele lançou suas mãos para o alto e logo depois as soltou ao lado do seu corpo, em garras. Meu poder pode ter sido quase suficiente para botar fogo em metade do bairro, mas Calvin é mais forte (ou pelo menos teve um
treinamento melhor). Porque assim que se fez ouvir por todos a sua volta e na rua onde eu estava, qualquer um que tivesse o mínimo de algo que pudesse se chamar de cérebro e fosse um ser, simplesmente parou. Tudo estava completamente congelado, como quando damos pause num filme no DVD. O que me fez arregalar os olhos impressionada, principalmente porque fui a única, alem do próprio Calvin, que não foi afetada. Pois ate mesmo insetos e animais que passavam pararam onde estavam, por exemplo, o gato que corria na direção oposta a minha de um cão, e ambos estagnaram no lugar (numa cena com caretas engraçadas se a situação fosse outra). — Você! — ele disse apontando para mim querendo estender seus poderes ate meu corpo. Minha cabeça começou a ferver de repente e minha respiração tentava suprir a falta de oxigênio no cérebro. Sem sucesso. — Não me importo quem são seus pais, como você se chama ou se você é uma garota comum ou uma maga e se é da Casa — ele andou ate perto da onde eu estava quando disse isso e eu não dei atenção no inicio, estava mais preocupada com meus neurônios queimando (literalmente, e não era brincadeira. [e por que eu iria brincar com um feitiço contra minha pessoa?]) — ou da Ordem...! Ele já estava quase em cima de mim quando involuntariamente meu braço entrou na quarta camada do Duat, onde estava minha bolsa com meu equipamento, puxando meu cajado (ainda não sei explicar que “força” foi essa que fez isso pra mim, mas naquele instante quase fiquei grata). Eu gostaria de ter pensado em algo mais elaborado para fazer naquele minuto, mas com toda a situação em que eu havia me metido não tive tempo pra pensar nisso. Então fiz a coisa mais lógica que alguém que tem a cabeça fritada por um sacerdote mais velho faria: soltei o meu cajado no chão! — Há-há-há... — ele riu maliciosamente sentindo o gosto da vitoria sobre mim. (Creio que nem todos os britânicos e homens que vestem saia sejam como ele, mas naquela hora a minha maior vontade era de exterminá-los) O kilt de Calvin já estava todo chamuscado e meio rasgado, suas cores se misturavam e pareciam irreconhecíveis (porem ainda dava muita raiva de vê-lo com ele), e sua camisa de linho estava um pouco suja com terra e grama. — Você já perdeu! Ele riu novamente assim que alguma coisa completamente inesperada aconteceu a meus pés: meu cajado começou a vibrar, como
se alguém estivesse completando uma chamada de telefone e meu cajado tivesse virado um celular. E ele crescera, formando seus dentes ferozes e mostrando a calda grossa. E isso fez Calvin parar onde estava, assim como seu feitiço fez com todo mundo a nossa volta. A cobra que invoquei tinha quase cinco metros de comprimento e presas do tamanho do meu rosto, com pouco mais de 1 metro de grossura de tronco (e com isso acredito que ninguém vá dizer que achou isso “LEGAL!”...!?). Seus olhos eram de serpente, mas num tom de vermelho alaranjado, e lembro que ela tinha a pele na cor de areia seca com desenhos e manchas marrons e triângulos negros que saiam de pouco acima de seus olhos, como uma víbora-cornuda (eu pesquisei depois, ta). O animal levantou a cabeça olhando para Calvin posicionandose, virou sua cabeça para trás e fitou-me inquisitivamente como se me perguntasse se poderia devorá-lo. Ela meneou seu crânio enorme (reverenciando-me, obvio!), e começou a rastejar sibilante ate meu oponente. — Ainda não. — soltei a Calvin com a respiração mais leve. Meus pulmões puxaram o ar mais contentes (e eles agradeceram sim), e minha cabeça já tinha saído dos comandos do Sr. Minor. Assim que me senti mais livre e forte, sorri repetindo: — Hoje não. E voltei a correr, desta vez sem que Calvin ou qualquer outra pessoa me impedisse. Lembro que não olhei para trás, mas sabia que Calvin não fez muitos movimentos logo após a minha saída (espero que tenha sido devorado!, torci). Assim que me dei conta que podia, usei a minha varinha para ligar um Chevette 2014 azul e listrado que estava mais próximo e o penetrei, virando o volante em seguida (essa não foi a primeira [ou a ultima] vez que roubei um carro [ou qualquer outra coisa]!), saindo pela rua em direção a Hillside e depois à Proctor novamente e em direção a Highland Ave. E foi assim que saí do parque, de perto do Calvin, pelo menos naquele momento. E saí de lá, querendo cama, sombra e um ótimo massagista para os pés. Apenas deixando que os meus instintos me guiassem na direção certa (ou só para longe do Calvin mesmo!).