TGI II - Entre Vila e Metrópole

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Tito Augusto Barbieri Longhini

ENTRE VILA E METRÓPOLE

reapropriação de antiga cervejaria Trabalho de Graduação Integrado II Instituto de Arquitetura e Urbanismo Universidade de São Paulo

São Carlos novembro 2018 3


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comissão de acompanhamento permanente

David Moreno Sperling Joubert José Lancha Lúcia Zanin Shimbo Luciana Martins Schenk

coordenação do grupo temático

Aline Sanches Corato 5


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BANCA EXAMINADORA

PROF. ª DRA. ALINE COELHO SANCHES CORATO coordenadora do grupo temático

PROF. DR. JOUBERT JOSÉ LANCHA comissão de acompanhamento permanente

PROF. ª DRA. MAISA FONSECA DE ALMEIDA convidada

CONCEITO FINAL

DATA 7


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agradeço aos meus pais, irmão, namorada, avó, primos e tios, pelo amor e apoio incondicionais; aos meus companheiros de 014 e de Área 51, pela amizade e por todas as cervejas; às minhas companheiras de grupo temático, pela cumplicidade e por todo o auxílio; a todos os docentes e funcionários do IAU, especialmente Aline e Joubert, pela orientação, sabedoria, dedicação e paciência. 9


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RESUMO Este trabalho parte de discussões vigentes no campo do patrimônio e restauro: memória, patrimônio industrial e apropriação do patrimônio arquitetônico pela lógica mercantilista de produção da cidade. O objeto de intervenção é a antiga fábrica da Cervejaria Antártica, em Ribeirão Preto. A leitura e análise compreende a cidade como um todo, o Centro, a Vila Tibério e o próprio sítio. Tem-se como premissa o entendimento da antiga fábrica da Antártica como elo histórico, geográfico e idiossincrático entre vilas e metrópoles: a antiga vila que, impulsionada pela indústria pela cerveja, deu origem à atual metrópole; e a Vila Tibério e o Centro. Adota-se como intuito a plena incorporação da área pela cidade que a circunda. Propõe-se conjuntos de uso misto e a reconversão dos edifícios existentes em equipamento cultural.

palavras-chave: arquitetura; patrimônio industrial; memória; ribeirão preto; antártica.

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“Aqui nesta casa não tem bafudo...” “Seu” Pedro tinha orgulho de dizer que naquela casa só entravam produtos da Antarctica, fabricados na Vila Tibério, e que ele, embora filho de ferroviário da Mogiana, sempre trabalhara na cervejaria. Orgulho maior era dizer que toda a família era composta de botafoguenses. Domingo, meados dos anos 60. Carlos ia almoçar pela primeira vez na casa de Carmem Lúcia. Pensava em casamento. Desceu a Duque de Caxias e, ao chegar na Luiz da Cunha, parou na cancela do trem. Era a única ligação do Centro da Cidade com a Vila Tibério. “Maldita porteira, tinha que fechar bem agora!”, lamentou. Uma locomotiva a vapor, conhecida como Maria-Fumaça, fazia manobra pelo pátio da Estação da Mogiana. As “porteiras” interrompiam a passagem de veículos e pedestres. Os mais apressados corriam pelo túnel malcheiroso que passava por baixo da linha férrea. A maioria aguardava o fim das manobras. Carlos, impaciente dentro do sua “Vemaguete”, pensava que poderiam não gostar do seu atraso. Mas, na verdade, o que o incomodava mesmo, era o fato de ele ser torcedor do Comercial, e isso era considerado um crime pelo pai de Carmem Lúcia. Ela aceitava a preferência do seu amado, mas pedia para Carlos guardar segredo. “É melhor não falar em futebol”, dizia ela.

“Aqui, graças a Deus, não tem nenhum bafudo”, dizia, atrás de um bigodinho bem aparado. Carlos passou pelos bares da Luiz da Cunha, todos lotados, e virou na Conselheiro Dantas. Passou em frente ao Grupo Escolar Dona Sinhá Junqueira, ao lado da Igreja Nossa Senhora do Rosário e virou na Santos Dumont, na esquina do Bar do Paciência. Enfrentando o Sogrão Parou em frente à casa com um pequeno alpendre e desceu, enxugando o suor, provocado pelo forte calor e pela ansiedade. Carlos foi recebido por Carmem Lúcia e seu irmão, um jovem com seus 16 anos. Entraram e “seu” Pedro foi logo oferecendo um copo de cerveja. A mãe, dona Lurdes, veio cumprimentar o rapaz e voltou logo para a cozinha, acabar o almoço. “Seu” Pedro foi logo inquirindo sobre o que fazia e qual time torcia. Carlos contou que trabalhava como vencedor em uma loja e que não ligava pra futebol. “O quê? Não gosta de futebol, pois hoje tem Come-Fogo e você vai comigo ver o que é um time de verdade”, afirmou.


Carlos não teve outra alternativa. Depois de uma deliciosa macarronada com frango e muita cerveja, foi com o “sogrão” e o “cunhadinho” para o Estádio Luiz Pereira, a alguns quarteirões dali.

No Come-Fogo

O Botafogo ganhou por 5 a 2, com gol de Laerte, dois de Antoninho e dois de Geo. Era um tal de abraços e pulos que não acabava mais. Carlos quase se traiu no gol de Carlos Cézar. Depois do jogo, “seu” Pedro falou que a comemoração de verdade iria acontecer no Bar Botafogo, do Chanaan Pedro Alem. Lá, centenas de pessoas, todas com cerveja na mão, gritavam eufóricas. Um caixão de defunto apareceu dos fundos das canchas de bocha e imediatamente “seu” Pedro pegou uma das alças e colocou as mãos do “ genro” em outra. Virou uma verdadeira procissão com a multidão acompanhando o caixão e cantando: “Dia 13 de Maio, na Vila Tibério, o Bafo apanhou de cinco a zero; Ave, Ave, Ave Maria...”. Carlos, segurando uma das alças daquele fatídico caixão pensou: “O que a gente não faz por amor!”.

O Noivo Bafudo (2014), de Fernando Braga


INTRODUÇÃO É com afeto que o cronista fala da Vila Tibério. Para além de sua geografia e situação perante a cidade, descreve a profusão de relações estabelecidas entre seus habitantes e os lugares e instituições que, em meio ao frenético crescimento que nossas cidades experimentaram durante o século XX, lograram prover identidade e sensação de pertencimento a uma determinada comunidade emergente – aqueles que os construíram, por eles passaram, neles trabalharam e eles frequentaram. Investidos de forte aura simbólica perante tal coletividade, estes lugares se estabelecem como lugares de memória (NORA, 1993). Mais que do um registro saudosista, a crônica, escrita em 2014, representa um pedido de socorro de uma coletividade que tem seus símbolos e memórias, materializados em edifícios, ameaçados pelas forças da dinâmica fundiária metropolitana. Ao encontro do processo global de mercantilização da produção da cidade, pretende-se construir na antiga fábrica da Antártica, objeto deste trabalho, um shopping center, justamente uma tipologia ícone da urbanização banal, sem identidade e estandardizada apontada por Munõz (2008) ao propor o conceito de urbanalización. E não só a Antártica, a Vila Tibério ou Ribeirão Preto: estas questões – memória, lugar, pertencimento e mercantilização da cidade – fazem-se igualmente presentes ao se pensar as cidades de médio e grande porte do interior paulista. São incontáveis os clubes, estádios, armazéns, fábricas, estações, entre outros tipos simbólicos do efusivo processo de industriali14

zação e crescimento pelos quais tais cidades passaram de meados do século XIX ao terceiro quartel do século XX. Possuidores de notório valor histórico, formal, memorial e simbólico, tais edificações e conjuntos se estabelecem como protagonistas na esfera do Patrimônio Cultural local. Desde meados do século XX, os rumos das dinâmicas macroeconômicas e urbanísticas acabaram por tolir de muitos destes conjuntos e edifícios sua serventia exordial, minorando sua utilização e colocando em cheque sua integridade. Em meio à lógica mercantilista das forças que regem a dinâmica fundiária urbana, acabam vitimados por seu desapreço, descuido e concupiscência. Ainda que materialmente puídos, continuam plenos, no entanto, enquanto lugares de memória; enquanto significado; enquanto referencias estruturais a determinados grupos. Uma vez que as cidades vivem se refazendo e jamais estão prontas (DOS SANTOS, 1986), é preciso que estes edifícios sejam reapropriados e ressignificados pela dinâmica e paisagem urbanas, repensando-se a relação entre passado e presente (BRAGA, 2017). Isto posto, este trabalho pretende propor respostas — teóricas e projetuais — a indagações previamente levantadas com relação aos campos do patrimônio e da produção urbana contemporânea: Como se relacionam memória, identidade e lugar? No que consiste o Patrimônio Cultural e o Patrimônio Industrial e quais suas especificidades no interior paulista? Qual a situação geral dos sítios patrimoniais da industrialização frente às atuais dinâmicas urbanas? Quais as condutas possíveis e desejadas no que diz respeito a intervenções no Patrimônio edificado? Como ressignificar e reinserir antigas áreas industriais na cidade contemporânea?


FIGURA 1 cruzamento da Rua Duque de Caxias (que passa a se Chamar Luiz da Cunha) com a Avenida Gerônimo Gonçalves, entre o Centro e a Vila Tibério, onde se situava a antiga cancela da ferrovia; à esquerda, edifício da antiga fábrica da Antártica.

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LUGAR DE MEMÓRIA

(...) Carlos passou pelos bares da Luiz da Cunha, todos lotados, e virou na Conselheiro Dantas. Passou em frente ao Grupo Escolar Dona Sinhá Junqueira, ao lado da Igreja Nossa Senhora do Rosário e virou na Santos Dumont, na esquina do Bar do Paciência. É sobretudo nos lugares que o autor da crônica ancora as memórias de sua juventude em uma idílica Vila Tibério. Para o historiador francês Pierre Nora, estaríamos vivendo um “fim da história-memória”, em que o sentimento de continuidade se torna residual aos locais. Há locais de memória porque não há mais meios de memória (1993, p. 7). Com o fim das sociedade-memória, o sujeito perde seu referencial; cria, no entanto, outras formas para continuar existindo: os lugares de memória, que nascem e vivem do sentimento de que não há memória espontânea. Desta forma, consagramos os lugares porque já habitamos nossa memória; os lugares de memória seriam, antes de tudo, “restos”. Guedes Junior (2011, p. 8) define lugares de memória como:

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(...) lugares materiais onde a memória social se ancora e pode ser apreendida pelos sentidos; são lugares funcionais porque têm ou adquiriram a função de alicerçar memórias coletivas e são lugares sim-

bólicos onde essa memória coletiva se expressa e se revela. São, portanto, lugares carregados de uma vontade de memória. Pode-se pensar o lugar em seu sentido material, histórico e funcional; só se pode falar em lugares de memória, no entando, quando a imaginação o investe de uma carga simbólica (NORA, 1993, p. 21). É através da ação recíproca do sujeito sobre o lugar que se constrói a memória; é nestes lugares onde a memória coletiva se expressa e se revela:

Entendemos o espaço urbano como um registro não só de práticas sociais, mas de memórias coletivas, o que nos leva a considerar a cidade como um dispositivo de transmissão de informação, um estoque de conhecimentos e experiências que constitui a cidade. Deste modo, é importante a análise da comunicação simbólica, que permite identificar as memórias que compõem ou costuram estas relações com o espaço. Assim podemos tomar a cidade como texto, por ser o espaço urbano um lugar de registros de memórias coletivas, enfatizando a cidade como espaço de produção e fixação de uma memória. (GUEDES JUNIOR, 2011, p. 21). Entende-se o lugar como espaço ocupado pelo homem, física ou simbolicamente, e por ele dotado de valor - O lugar é a concreta manifestação do habitar humano, conforme preconiza Norberg Schulz (apud REIS-ALVEZ, 2007). O casarão em ruínas; a praça XV, o quarteirão paulista, a biblioteca, o grandioso Diederichsen; os sobrados com lojinhas no térreo;


o armarinho, a pastelaria, o botequim decadente; o renque de lojas de ciclismo; o rio; a praça da maria-fumaça e a Antártica; o pequeno comércio; a praça Coração de Maria, a igreja e a Sinhá Junqueira. Uma mera reconstituição atual do percurso de Carlos pelas ruas Duque de Caxias e Luiz da Cunha já nos é capaz de revelar um sem número de pontos referenciais, amplamente conhecidos, que têm seu lugar cativo na memória coletiva da cidade. Estes lugares, que apresentam conformações cumulativas, não só conformam, mas também informam (DOS SANTOS, 1986); Dizem muito a muitos; Possuem, cada um – ou seu conjunto –, um significado para o sujeito que a habita; São recriados na memória de cada um por seus afetos, sensações e ideias.

Entre os conhecimentos básicos que permitem a convivência de milhares de pessoas e interesses, nos espaços tão reduzidos das cidades modernas, está a atribuição de um mínimo de significados coincidentes a uma coleção de lugares ordenados segundo convenções que, para os membros daquele grupo, são referências estruturais. (DOS SANTOS, 1986).

A cidade é, dessarte, uma profusão de lugares de memória. A Vila Tibério que o diga! Uns ligados a determinadas coletividades – o antigo estádio e poliesportivo do Botafogo; outros, de abrangência quase que universal – o terminal rodoviário, antiga estação da Mogiana. Uns física e materialmente delimitados e identificados – a Praça Coração de Maria; outros, espraiados e amalgamados na urbe – as centenárias fachadas de residências típicas dos construtores italianos (GLERIA LIMA, 2016). Uns conscientemente percebidos e zelados como tal – a Escola Sinhá Junqueira; outros, ainda carentes do devido reconhecimento – o Lar Santana. A compreensão das noções aqui apresentadas é essencial para se pensar a cidade – e se intervir nela. Lugar preferencial do homem para a realização e percepção da própria história (DOS SANTOS, 1986), a cidade mantém camadas de sua memória corporificadas em edifícios. Frutos da modernidade das locomotivas, as cidades de pequeno e médio porte do interior paulista os têm sobretudo naqueles diretamente oriundos da industrialização, que conformam aquilo que se denomina Patrimônio Industrial.

A percepção e a interação com o lugar estão, portanto, intimamente atreladas às memórias coletiva e subjetiva; São estas que vão guiar a relação do indivíduo com o espaço urbano (GUEDES JUNIOR, 2011). Para Paula Marques Braga (2017, p. 9), é através do habitar desses espaços que se desenvolvem as relações cotidianas e os vínculos afetivos com o lugar e com os outros, propiciando uma apropriação do homem daquilo que está à sua volta, permitindo a constituição da identidade e da memória. 19


CONCEITUANDO PATRIMÔNIO

O Patrimônio Cultural é referência do passado, mas é, ao mesmo tempo, também matéria e materialidade presente. (BRAGA, 2017, p. 14) Em meio à população em geral, quando se fala em patrimônio histórico e cultural, é comum que automaticamente se associe o tema a ostentosas edificações, concebidas como monumentos a fim de exaltar determinada pessoa, classe social, povo ou instituição; “de estilo arquitetônico antigo ou que teve algum dia um uso cultural ou social relevante” (ROSA, 2011). Geralmente, vêm à mente exemplares paradigmáticos da arquitetura colonial nacional e manifestações locais do ecletismo arquitetônico da república velha. Pensa-se naqueles tipos que ratificam o poder, comumente do Estado, da Igreja, de uma classe ou de uma família: O Palácio Rio Branco, que abriga a sede do executivo municipal; a antiga sede da Sociedade Recreativa, atual Museu de Arte; O Palacete Camilo de Matos; o Palacete Sinhá Junqueira (homônimo da escola), hoje biblioteca; O quarteirão Paulista (FIGURA 2), onde está o Teatro D. Pedro II e o Pinguim – todos componentes do “corredor de patrimônio” das ruas Duque de Caxias / Luiz da Cunha, que, passando pela Antártica, culmina na praça Coração de Maria, onde estão a igreja e a escola citadas na crônica. O que deve ser entendido como patrimônio, no entanto, vai infinitamente além: a Constituição 20

Brasileira entende como patrimônio cultural os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira (BRASIL, 1988, Art. 216). Abrangido no espectro do Patrimônio Histórico e Cultural está o campo da preservação, conservação e restauro de monumentos. Há pelo menos duzentos anos vem se consolidando como campo disciplinar, tanto através de experiências práticas quanto de formulações teóricas. Antes uma ação meramente pragmática, a conservação e restauro de edifícios adquire conotação cultural – por questões documentais, simbólicas e memoriais, científicas e éticas (KÜHL, 2006). É hoje regido, internacionalmente, pela Carta de Veneza. Ainda que já revisado criticamente, permanece como documento guia no que tange a ações sobre edifícios históricos. É, portanto, um documento balizador deste trabalho. Seu primeiro artigo, que conceitua monumentos históricos, vem ao encontro das noções de patrimônio cultural contidas na Constituição Federal Brasileira:

Art.1 - O conceito de monumento histórico engloba, não só as criações arquitetônicas isoladamente, mas também os sítios, urbanos ou rurais, nos quais sejam patentes os testemunhos de uma civilização particular, de uma fase significativa da evolução ou do progresso, ou algum acontecimento histórico. Este conceito é aplicável, quer às grandes criações, quer às realizações mais modestas que tenham adquirido significado cultural com o passar do tempo. (ICOMOS. Carta de Veneza. Art. 1)


A restauração e conservação desses bens visando sua preservação para as gerações futuras hoje é pensada e praticada como um “ato crítico alicerçado na análise da relação dialética entre as instâncias estéticas e históricas de uma dada obra (BRANDI, 2004 apud KÜHL, 2006). O artigo 9 da Carta esmiuda um pouco mais a respeito das diretrizes gerais do restauro:

Art.9 - O restauro é um tipo de operação altamente especializado. O seu objetivo é a preservação dos valores estéticos e históricos do monumento, devendo ser baseado no respeito pelos materiais originais e pela documentação autêntica. Qualquer operação desse tipo deve terminar no ponto em que as conjecturas comecem; qualquer trabalho adicional que seja necessário efetuar deverá ser distinto da composição arquitetônica original e apresentar marcas que o reportem claramente ao tempo presente. O restauro deve ser sempre precedido e acompanhado por um estudo arqueológico e histórico do monumento. (ICOMOS. Carta de Veneza. Art. 9) Beatriz Kuhl defende que não há uma metodologia universal, ainda que haja princípios gerais que regem o campo. A aplicação destes princípios variaria em função da realidade de cada obra ou conjunto de obras, de sua constituição física, de seus materiais e patologias, de sua configuração e inserção num dado ambiente, de seu particular transcurso ao longo do tempo (KÜHL, 2006, p. 4). Cada bem deve ser entendido como único não só por suas qualidades arquitetônicas, artísticas, técnicas e materiais específicos, mas principalmente por sua importância ante o que e quem o cerca; deve ser prioritariamente entendido pelas relações que estabeleceu com o

espaço e a sociedade em que está inserido ao longo de sua evolução; pelos registros das diversas temporalidades e transformações que testemunhou – ou até mesmo provocou; pela percepção da realidade que desperta em uma determinada coletividade e pela memória coletiva que ajudou a erigir; deve ser, deste modo, entendido como lugar de memória. Estas considerações são responsáveis diretas por intenções e ações projetuais presentes neste trabalho, como a manutenção e incorporação de parte dos antigos muros da fábrica a sudeste do conjunto. A conservação e restauração de bens é um ato, ainda que evidentemente respeitoso ao passado, interpretado no presente e voltado para o futuro (KÜHL, 2006). O entendimento do que é patrimônio, assim como a práxis vigente, está em constante mutação desde os primórdios de seu estabelecimento como disciplina. Logo, qualquer proposição ou intervenção é uma postura diretamente atrelada ao presente histórico em que se insere; mais precisamente, à maneira como tal presente histórico se relaciona com determinado passado. Assim, este trabalho não tem como objeto uma fábrica de 1911, mas sim um sítio onde se situava uma antiga fábrica em Ribeirão Preto em 2018. A intervenção nele delineada, ainda que porventura siga estritamente os critérios técnicos estabelecidos pela Teoria do restauro, não recomporá a fábrica como fora um século atrás, mas sim acrescentará a ela uma camada. Entendida dentro do contexto do Patrimônio Cultural, a preocupação com o Patrimônio Industrial é relativamente recente, tendo seus primórdios no terceiro quartel do século XX. Antes vistos como meros resíduos materiais de atividades econômicas, os vestígios da produção industrial passaram a ser dotados de valor, sendo ressignificados e reapropriados 21


(ROSA, 2011). Desde então, tem-se procurado definir o que é patrimônio industrial, estabelecer parâmetros cronológicos e elaborar registros e estudos, com o objetivo de determinar o que e por que preservar (KUHL, 2006). O The International Committee for the Conservation of the Industrial Heritage (TICCIH), criado em 1978, define Patrimônio Industrial através da Carta de Nizhny Tagil (2003, p. 1):

O patrimônio industrial compreende os vestígios da cultura industrial que possuem valor histórico, tecnológico, social, arquitetônico ou científico. Estes vestígios englobam edifícios e maquinaria, oficinas, fábricas, minas e locais de tratamento e de refinação, entrepostos e armazéns, centros de produção, transmissão e utilização de energia, meios de transporte e todas as suas estruturas e infraestruturas, assim como os locais onde se desenvolveram atividades sociais relacionadas com a indústria, tais como habitações, locais de culto ou de educação. O estudo do Patrimônio Industrial se apoia, primeiramente, na arqueologia industrial, que seria a descoberta, registro e estudo dos resíduos físicos de indústrias e meios de comunicação do passado (HUDSON, 1976 apud KUHL, 2010, p. 25). Na Arqueologia Industrial, trabalha-se processos produtivos, meios de transporte e formas de produção de energia de maneira associada, uma vez que estão inerentemente associados. Demanda-se, em seu estudo, uma articulação entre diversas áreas do conhecimento, uma intensa interdisciplinaridade, uma vez que está ligada à Antropologia, à Sociologia e às diversas área da História - social, do trabalho, econômica, das ciências, da técnica, da engenharia, da arte, da arquitetura, das cidades etc. 22

(KUHL, 2006). Assim, a Carta de Nizhny Tagil (2003, p. 1) a define como:

A arqueologia industrial é um método interdisciplinar que estuda todos os vestígios, materiais e imateriais, os documentos, os artefactos, a estratigrafia e as estruturas, as implantações humanas e as paisagens naturais e urbanas, criadas para ou por processos industriais. A arqueologia industrial utiliza os métodos de investigação mais adequados para aumentar a compreensão do passado e do presente industrial. O período histórico de maior relevo para este estudo estende-se desde os inícios da Revolução Industrial, a partir da segunda metade do século XVIII, até aos nossos dias, sem negligenciar as suas raízes pré e proto-industriais. Para além disso, apoia-se no estudo das técnicas de produção, englobadas pela história da tecnologia.


FIGURA 2 à esquerda, o edifício Diederichsen; à direita, o Quarteirão Paulista, que sedia o Teatro Pedro II. construído pela Companhia Cervejeira Paulista, é símbolo da pujança econômica do início do século XX e da dimensão da indústria da cerveja na cidade 23


PATRIMÔNIO E PRODUÇÃO DA CIDADE

(...) “Seu” Pedro tinha orgulho de dizer que naquela casa só entravam produtos da Antarctica, fabricados na Vila Tibério, e que ele, embora filho de ferroviário da Mogiana, sempre trabalhara na cervejaria. Dado o recorte temporal especificado - desde os inícios da Revolução Industrial, a partir da segunda metade do século XVIII, até aos nossos dias – e seu âmago - vestígios, materiais e imateriais, os documentos, os artefactos, a estratigrafia e as estruturas, as implantações humanas e as paisagens naturais e urbanas criadas para ou por processos industriais -, é presumível dizer que ao se lidar com Patrimônio Industrial se está lidando com registros materiais da modernidade, aqui entendida como o conjunto de experiências - de tempo e espaço de si mesmo e dos outros, das possibilidades e perigos da vida - que são compartilhadas por todo o mundo hoje (BERMAN, 1987). A industrialização - contextuada junto às grandes às descobertas científicas, às novas formas de lutas de classe, à explosão demográfica e a um mercado capitalista mundial, flutuante e em permanente expansão – é um processo histórico e social que conforma esta nova realidade. A partir de meados do século XIX, o Brasil foi palco de um veemente processo de transformações socioeconômicas, culturais e geográficas, no qual a ferrovia - e sua arquitetura - exerceu papel fundamental: levou 24

aos confins do país referências industriais, conceitos e hábitos modernos, assumindo uma significação fundante dos princípios modernizadores do discurso oficial no imaginário urbano. No interior paulista, incontáveis cidades foram fundadas ou tiveram seu crescimento impulsionado doravante à chegada da ferrovia. E não só a ferrovia e seu conjunto inerente de edificações: logo vieram os armazéns, as centrais energéticas, as oficinas, as fábricas, entre outras tipologias industriais. Em Ribeirão Preto, a Mogiana chegou em 1883, vinte e três anos após sua fundação. Ao redor do que fora um pequeno povoamento ou uma estação de ferroviária, rapidamente formaram-se cidades de dezenas de milhares de habitantes. Trabalhadores chegavam, às centenas, para empregarem-se em um determinado sítio industrial – na ferrovia, na tecelagem, na carvoaria, na cervejaria — a exemplo, uma década antes da Antártica, os italianos Livi & Bertoldi fundaram a primeira cervejaria da cidade. Ao redor destes lugares, estabeleciam-se e faziam crescer suas famílias, muitas vezes em moradias operárias pertencentes às instituições. O alcance de sua qualidade simbólica extrapolava os indivíduos a eles formalmente vinculados, tornando-os referências a toda a florescente população da urbe. Tais lugares, mais do que como materializações da modernidade brasileira, tiveram – e ainda têm - uma importância fulcral como espaço de socialização e estruturação de relações pessoais, servindo como plataforma para o florescimento de uma vida coletiva própria àquela realidade. Deste modo, exerceram um papel crucial na dinâmica urbana destas cidades e, enquanto lugares de memória, formam um componente vital para a construção identitária e memória coletiva de suas populações (ROSA, 2011). Tal realidade foi afetada pela ruptura provocada pela desindustria-


lização e pelas novas dinâmicas da indústria a partir da segunda metade do século XX, acarretando perda de memórias e de “substâncias” culturais. (BERGERON; DOREL-FERRE, 1996 apud ROSA, 2011). A partir do terceiro quartel do século XX, o sistema ferroviário foi suplantado pelo rodoviário; plantas industriais pioneiras tornaram-se insuficientes e obsoletas, levando a produção a ser transferida a zonas mais afastadas, à procura de estruturas mais adequadas às novas demandas (CAMARGO; RODRIGUES, 2010); ciclos e crises econômicas – notadamente, a crise do petróleo nos anos 1970 - e avanços tecnológicos abalaram e até desmantelaram setores, plantas e companhias. Surgiram, assim, os denominados “cinturões de ferrugem” (HOBSBAWM, 1995 apud CAMARGO; RODRIGUES, 2010). Em Ribeirão Preto, o “cinturão” parece justamente envolver o centro ao passar pelos já citados bairros operários da periferia imediata: os barracões de café na Vila Virgínia (FIGURA 6); a tecelagem Matarazzo, nos Campos Elíseos (FIGURA 4); A Cerâmica São Luiz, no Ipiranga (FIGURA 3); e, evidentemente, a Antártica, na Vila Tibério. Dessa maneira, a modernização exige a mudança física na cidade em decorrência de um avanço tecnológico ou científico e social (SOUZA; STEIGLEDER, 2014). Estes lugares, já desprovidos de suas atividades originárias, passam a conformar uma “periferia histórica” nas bordas do centro da cidade, uma vez que foram posicionados às margens não só pela geografia, como também pela história (SOLA MORAES, 2008). Constantemente preteridas pelos agentes de produção da cidade, revelam-nos um processo de fragmentação do tecido urbano (BRAGA, 2017), evidenciado por Carlos Nelson dos Santos nos anos 1980:

(...) basta virar uma esquina da avenida de maior movimento para encontrar casarões velhos transformados em cabeças-de-porco, hospedarias, oficinas (...). No quintal de edifícios com ótima aparência podem existir barracos e construções precárias. Isto sem falar nos bairros chamados decadentes, que costumam cercar a área mais central das maiores cidades. Extensões contínuas de casario antigo, ruas, praças ... que o governo costuma ver como resíduos, como enclaves que já não servem para nada. Daí, passa a considera-las como reservas que, assim que for possível, será preciso pôr abaixo e reconstruir nos padrões desejáveis (DOS SANTOS, 1986, p. 59). Este processo de fragmentação do espaço urbano é fruto do tratamento dissociado entre produção do espaço urbano, as intervenções urbanas em áreas consolidadas e os processos de conformação e produção de novas espacialidades por parte das ações de intervenção e planejamento das cidades (BRAGA, 2017). Paula Marques Braga chama atenção para um processo de empresariamento da cidade que se revela a partir da transformação do espaço em mercadoria (2017). O patrimônio, nesta lógica, também é convertido em mercadoria, ficando à mercê dos interesses dos agentes que instigam os rumos das políticas públicas de preservação do patrimônio cultural e planejamento urbano. A desarticulação entre os campos da gestão urbana e da preservação de patrimônio, aliada à mercantilização da cidade, acaba por fazer com que o próprio tombamento de um bem leve a um processo de valorização que chama a atenção do mercado, desencadeando processos de intervenção de viés econômico (BRAGA, 2013, p. 76). Logo, não só a 25


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5 FIGURAS 3, 4, 5 e 6 “cinturão de ferrugem” em Ribeirão Preto: armazéns de café, na Vila Vigínia; Cerâmica São Luiz, no Ipiranga; Cianê Matarazzo, nos Campos Elíseos; Companhia Cervejeira Paulista, no Centro. 26


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consciência de seu valor, mas sobretudo a nova complexidade urbana que acarreta diversos problemas político-econômicos – vinculados à especulação imobiliária e ao turismo -, junto ao aumento demográfico e à saturação territorial, fazem aumentar o interesse sobre o patrimônio edificado (CAMARGO; RODRIGUES, 2010). Os sítios de patrimônio do patrimônio industrial acabam inseridos, assim, em um grande esforço de inserção das cidades no mercado mundial, responsável por um processo de generalização e homogeneização da paisagem urbana. Formam-se territórios sem identidade, estandartizados, orientados para um mesmo padrão, um mesmo relato visual. Muñoz (2008) conceitua Urbanalización como um processo de simplificação e perda da diversidade e complexidade da cidade, bem como da gestão das pequenas diferenças que resistem à homogeneização imposta pela globalização. Desta forma, o Patrimônio Cultural acaba sendo adaptado a essa nova dinâmica, pautada pelo consumo (BRAGA, 2013, p. 32). O próprio Muñoz (2008) propõe que, no contexto da urbanalización, a arquitetura e o urbanismo atuem no sentido de manter a força dinâmica do urbano e a possibilidade de sempre revelar novas situações, o que é inerente à cidade. A qualidade do Urbano como vínculo entre civitas e urbes propiciaria o estabelecimento de lugares onde a arquitetura se firma como produtora de significado coletivo. A arquitetura, enquanto transmissão de um sentido de urbanidade, está imersa na dubiedade de expressar ora uma coletividade local, ora uma cultura globalizada. Faz-se necessário, desta forma, um urbanismo que dê lugar, fisicamente, a processos.

Nesse sentido, saber ler os potenciais de urbanidade onde mostram maior efervescência – nas periferias, 28

nos interstícios, nas descontinuidades do urbanizado, no território onde cidade e paisagem se hibridam -, nos é revelado um caminho proveitoso para criar lugares, e com eles paisagem, até onde o canon urbano não os reconhece. (MUÑOZ, 2008) Fortuitamente, são essas “periferias, interstícios, descontinuidades do urbanizado” que concentram sítios de Patrimônio Cultural ainda a serem devidamente incorporados às ações de intervenção e planejamento das cidades. Os bens edificados do Patrimônio Cultural são, enquanto produtos arquitetônicos e urbanísticos, conformadores da paisagem e dinâmica urbanas. Para Beatriz Kühl (2010), independentemente de suas qualidades materiais, todo objeto arquitetônico tem parte nas transformações ocorridas ao longo do tempo no espaço e sociedade onde está inserido. É a partir do entendimento das relações estabelecidas por estas edificações com a coletividade – aqueles para quem tem valor de identidade e memória – e seu entorno - onde há confusão; onde há calma; onde se trabalha; onde há segurança; onde vão os ricos; onde se adquirem bens úteis ou supérfluos (DOS SANTOS, 1986, p. 60) - que se deve pensar ações de intervenção. É preciso olhar a paisagem da cidade em suas particularidades, considerar dinâmicas, formas de apropriação, usos cotidianos e grupos usuários diversos (BRAGA, 2017, p. 14). No Brasil, o cenário das intervenções em bens do Patrimônio Industrial está longe da harmonia em sua práxis. Como já exposto, muitas das intervenções praticadas são consequência direta dos processos de mercantilização do espaço e do patrimônio. Ainda que o campo disciplinar da restauração e conservação ofereça instrumentos teórico-metodológicos e técnico-operacionais adequados para que os bens sejam usufruídos no pre-


sente e transmitidos ao futuro da melhor maneira possível (KÜHL, 2010), ignora-se sistematicamente os princípios que deveriam reger as ações nos bens culturais – como o pleno respeito pelos seus aspectos materiais, documentais e de conformação, pelas suas várias estratificações e pelas próprias marcas da passagem do tempo – em prol de intenções pragmáticas e mercadologicamente orientadas. Se qualquer intervenção deve ser justificada do ponto de vista das razões por que se preserva, é preciso que qualquer tomada de decisão neste sentido seja ancorada nos referenciais teórico-metodológicos e técnico-operacionais próprios à restauração. À luz destes, é possível distinguir o que e como preservar e restaurar tais bens, como asserta Beatriz Kühl (2006, p. 4):

Paulo, 2000) (FIGURA 10); SESC Pompeia, de Lina Bo Bardi (São Paulo, 1983) (FIGURA 11); Pinacoteca do Estado, de Paulo Mendes da Rocha (São Paulo, 1998) (FIGURA 12); Matadero, de Josemaría de Churtichaga e Cayetana de la Quadra-Salcedo (Madrid, de 2011) (FIGURA 13); Jardim da Artes Malopowska, de Krzysztof Ingarden e Jacek Ewý (Cracóvia, 2005) (FIGURA 14).

Não se trata de conservar tudo, nem, tampouco, de demolir ou transformar radicalmente tudo. Apesar de a preservação ter pertinência relativa – por ser seletiva e ato de um dado presente histórico –, nem por isso é ato arbitrário, por dever estar ancorada nas ciências, em especial nas ciências humanas. Deve-se lembrar que são sempre testemunhos únicos, não repetíveis, e por isso as propostas devem ser baseadas em rigorosos critérios. Desta forma, cita-se alguns projetos de intervenção em Patrimônio, exitosos em sua proposta e execução, que são referências a este trabalho: Viviendas María Ribera, de JSa arquitetos (Cidade do México, 2016) (FIGURA 7); Z Gallery, O-OFFICE Architects (Shenzhen, 2014) (FIGURA 8); Teatro Erotides Campos, de Francisco Fanucci e Marcelo Ferraz (Piracicaba, 2012) (FIGURA 9); Cinemateca brasileira, de Nelson Dupré (São 29


7 9 8 10

30


11 13 12 14

31


32


33


A ANTÁRTICA EM RIBEIRÃO PRETO: DA VILA À METRÓPOLE

“Ribeirão Preto se movimentava através da Antarctica. Pra você ver, carregava uma média de cem, cento e vinte caminhões por dia. Esse pessoal vinha até do Mato Grosso carregar aqui! O nosso comércio ganhava tudo! Essas pensões, esses restaurantes, hotéis, mercado. O pessoal comprava aqui para levar para a cidade deles. Todo dia eram cem, cento e vinte caminhões. A Antarctica significava muito para a cidade. (Sr. Manoel, 60 anos) Na esteira do binômio ferrovia-café, Ribeirão Preto virou o século XIX com população imigrante superior à de brasileiros natos. Incialmente restrita aos arredores do que hoje é a Praça XV, a vila era agora uma robusta cidade. O núcleo colonial Antônio Prado dera origem aos Campos Elíseos e ao Ipiranga. Junto à Vila Tibério, estes formaram a periferia imediata do centro a norte e a oeste e se estabeleceram como seio do operariado ribeirão-pretano. A dualidade operariado/burguesia se materializou nos hoje solapados palacetes do centro e, posteriormente, nas mansões da 9 de Julho, a sudoeste. Se as instalações industriais/ferroviárias e adjacências, localizadas nestes bairros operários, formaram o cerne da socialização e estruturação de relações pessoais das camadas populares, tal dualidade encontrou sua outra metade nos Teatros, Cafés, Clubes e Cabarés da região central. 34

(...) no século XIX, a cidade de Ribeirão Preto passou de arraial para a cidade que se tornaria o maior centro produtor cafeeiro do Brasil. A produção de café e o desenvolvimento econômico da região acentuaram as contradições que já eram marcantes na sociedade brasileira: a exclusão, o preconceito, a pobreza, a falta de participação nas decisões políticas, a concentração de renda (TUON, 2010, p. 31, apud CASTRO, 2015, p. 25). E por falar em dualidade, o Teatro Dom Pedro II (FIGURA 2), referência cultural, histórica e arquitetônica da Cidade, foi erguido pela Companhia Paulista, grande concorrente da Antártica, que em 1914 se instalara na margem oposta do ribeirão preto. De acordo com Placciti (2012, p. 13, apud CASTRO, 2015, p. 24): Neste passado ribeirãopretano que é carregado de relevância econômica, cultural, e social, é visível a participação desta indústria neste contexto mais amplo, que vai além da produção e consumo da cerveja. A vida noturna da cidade era muito movimentada. Neste cenário, a companhia Antarctica procurou se estabelecer e prosperar de maneiras diversas e alternativas, a fim de estimular o consumo da cerveja, a bebida mais acessível do período, mas ainda sim de luxo. Um primeiro ensaio de ruptura viria em 1929: com a quebra da bolsa, declinou-se a luxúria que caracterizou a cidade nas primeiras décadas do século. Combalido o café, a Antártica, principal indústria da cidade, assume de vez seu protagonismo na esfera econômica local, atingindo seu auge na década de 1940:


Inaugurada em 1911, a Antarctica foi uma das primeiras grandes indústrias de Ribeirão e virou símbolo da cidade no começo do século. Até a década de 70, foi a indústria que mais empregou e que mais gerou impostos. (SASTRE, 2000, apud, CASTRO, 2015, p. 61). A fábrica, no entanto, seguiu o destino comum a seus pares em meio à desindustrialização: Tornou-se obsoleta e foi paulatinamente desativada entre 1998 e 2003. Cumprindo à risca o trágico roteiro do processo de empresariamento da produção da cidade e homogeneização da paisagem, a área foi adquirida por uma incorporadora, que em 2012 anunciou a construção de um grande complexo com shopping center no local (FIGURA 15). Pretendia-se manter comente o edifício comercial de três pavimentos na Rua Luiz da cunha, aqui referido como parte do “núcleo 1”. Após contendas (FIGURA 16) envolvendo sociedade civil, poder público e os agentes financeiros interessados, decidiu-se pela preservação de outras — poucas — edificações. Em 2016, iniciou-se o processo de demolição, ainda incompleto.

FIGURA 15 placa fixada na fachada do antigo edifício comercial (FIGURA 1) 35


FIGURA 16 empresariamento da produção da cidade: a fábrica da antártica de 2000 a 2016 36


37


1

MAPAS 1, 2 E 3 mercantilização do espaço e do patrimônio: demolição da antártica entre 2015 e 2017 38

2015


2

3

2016

2017 39


2018: A METRÓPOLE

Segundo o Sr. Manoel, de 60 anos, “Ribeirão Preto é conhecida, nacionalmente. Qualquer lugar que você vai, é conhecida: “Ah, lá é a terra do chopp?” Eu digo: “Era. ” Inclusive, eu estava lá em Belém do Pará, um homem me falou: “Ou! Não é lá que faz a melhor cerveja do Brasil?” Eu respondi: “Fazia. Fechou.” (CASTRO, p. 61, 2015)

Estimulada pelo café e inebriada pela cerveja ao longo do século XX, Ribeirão Preto pretere a agricultura e a indústria e assume, a partir da segunda metade do século XX, vocação comercial. Beirando os 700 mil habitantes, teve recém aprovada sua condição de sede da 6º região metropolitana do estado. Firma-se não só como importante polo regional, mas também, dentro de alguns setores, como estadual ou até mesmo nacional. Atrai, diariamente, centenas de visitantes. Destacam-se as indústrias da saúde e da educação. A vila fundada em 1856 no meio do cerrado virou metrópole. A cidade muito cresceu, mas nem tanto mudou: as antigas contradições foram acirradas. A dualidade centro/periferia imediata hoje assume contornos cardeais: O sul concentra investimentos, enquanto o norte se estabelece como território da pobreza (MAPA 4). O centro já não é soberano

na atividade mercantil, uma vez que se formaram outros eixos robustos de 40

comércio e serviços, além dos estandardizados shopping centers. Continua, no entanto, absolutamente vivo: mistura, paulatinamente habitação, comércio, serviços e equipamentos diversos. Continua plenamente habitado e frequentado. A Praça XV, marco zero da cidade, concentra em seu entorno um número relevante de edifício tombados como patrimônio histórico e equipamentos culturais, sobretudo a sudoeste, na Rua Duque de Caxias (MAPA 7): O Museu de Arte de Ribeirão Preto, sediado na antiga sede da Sociedade Recreativa; A Biblioteca Altino Arantes sediado no antigo Palacete Sinhá Junqueira; o Centro Cultural Palace, sediado no antigo Palace Hotel; o Teatro Dom Pedro II; Após atravessar o rio — ponto nodal onde se encontra a Antártica —, passa a se chamar Luiz da Cunha. Alguns quarteirões adiante, chega-se à praça Coração de Maria e à Escola Sinhá Junqueira. Configura-se, desta forma, um “corredor de patrimônio e cultura”


FIGURA 17 41


2018: A VILA

Desceu a Duque de Caxias e, ao chegar na Luiz da Cunha, parou na cancela do trem. Era a única ligação do Centro da Cidade com a Vila Tibério. “Maldita porteira, tinha que fechar bem agora!”, lamentou.

Já não se vê vestígios físicos da porteira; tampouco da linha, do pátio de manobras ou da estação da Mogiana. Já não restam evidências materiais de que aquelas praças um dia formaram o âmago do aparato ferroviário que um dia trouxera a modernidade àquela vila recém-fundada no meio do cerrado. Imediatamente defronte à antiga cancela, ergue-se, cansado e orgulhoso, um dos três edifícios sobreviventes do complexo da Antártica. Se há muito foi encerrada por ali a produção de cerveja, o mesmo não se pode dizer do consumo: os bares da Luiz da Cunha (FIGURA 22) continuam movimentados. A Igreja Nossa Senhora do Rosário, naturalmente, mantém sua posição – geográfica e social – no bairro. Ambos parecem conservar os mesmos fiéis desde os tempos de Carlos. O edifício do Grupo Escolar hoje é um bem tombado pelo CONDEPHAAT. Bafudos – alcunha pejorativa dos torcedores do Comercial F.C. – continuam não sendo bem-vindos. Alegoricamente, a “maldita porteira” resiste. 42

A Vila Tibério se estabelece, desta forma, como um enclave de uma vida coletiva e de uma dinâmica urbana diretamente legatárias daquelas estabelecidas no momento da constituição do bairro, que por sua vez eram oriundas do efusivo processo de transformações socioeconômicas, culturais e geográficas pelo qual passava o Brasil na virada do século XIX para o XX. Tão próxima ao centro de uma metrópole, mantém firme seu caráter de bairro operário, de perfil de renda média/baixa (PLANO DIRETOR MUNICIPAL, 2003). Dá-se a impressão de que a maior parte dos seus habitantes não moram ali a anos, mas a gerações. Percebe-se uma alta proporção de idosos entre seus habitantes e frequentadores. O comércio é, em grande parte, familiar. Mantém-se vila. Surpreendentemente, a área não se verticalizou. O gabarito de dois pavimentos ainda prevalece. Após perder, nos anos 1970, a ferrovia, está próxima de perder a Antártica, principal sítio industrial do bairro, que foi vital para a construção identitária e memória coletiva de sua população. Está próxima de perder seu lugar de memória. Desta forma, este trabalho pretende se desenvolver a partir do entendimento de Ribeirão Preto enquanto metrópole e da Vila Tibério enquanto vila, geográfica e idiossincraticamente. O sítio da antiga fábrica da Antártica, elo histórico, geográfico e identitário entre ambos, é o objeto escolhido para a intervenção.


FIGURA 18 43


19

20

FIGURAS 19, 20, 21 E 22 o pequeno comércio, o bar, a praça, a fachada, o paralelepípedo: a vila resiste enquanto vila

FIGURAS 23, 24 E 25 tipologia habitacional predominante 44

21


23

24

22

25

45


MAPA 4 uma Ribeirão dividida: contradições centenárias que se renovam geograficamente 46


antártica quadrilátero central

norte: território da pobreza sul: altos investimentos

47


antártica vila tibério campos elíseos centro

MAPA 5 a antiga fábrica está situada no encontro do ribeirão preto com o córrego retiro saudoso, na tríplice divisa entre Vila Tibério, Campos Elíseos e Centro 48


antártica habitação comércio / serviços misto hab unifamiliar misto hab multifamiliar institucional

MAPA 6 em direção à Vila, predomínio do uso habitacional e misto horizontal; em direção ao centro, do uso misto vertical e comércio e serviços 49


antártica equipamento cultural equipamento esporte/lazer patrimônio parques e praças

MAPA 7 a região concentra boa parte do equipamento de cultura e do patrimônio arquitetonico da cidade; destaque para a praça XV e entorno. 50


terminal rodoviário

biblioteca altino arantes ru

al

parque maurílio biagi

uiz

da

cu

quarteirão paulista

nh

a

MARP ru

ad

uq

ue

de

ca

xia

s

palácio rio branco MAPA 8 eixo de cultura e patrimônio ao longo da rua Duque de Caxias, que passa a se chamar Luiz da Cunha após o rio. 51


2018: ANTÁRTICA

Medindo aproximadamente 6 ha, a área conta com três núcleos de edifícios remanescentes: Escritórios (1), Fábrica (2) e Armazéns (3), além de outras reminiscências, como um reservatório de água, portões e o muro envoltório. Em seu início, a Fábrica ocupava somente uma gleba, a oeste.. A quadra era cortada pela Ferrovia Mogiana, que possuía seu pátio de manobras na atual Praça Antártica. Quando as atividades foram encerradas, já ocupava quase toda a grande quadra, exceto pela ponta leste, que abriga a CATI (Coordenadoria de Assitência Ténica Integral) da Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento

52


CATI

3

2

1

53


NÚCLEO 1: ESCRITÓRIOS

Está situado no início da rua Luiz da Cunha, defronte à Praça Antártica, antigo Pátio da Mogiana – local onde se situava a notória Porteira da Mogiana. Implantado rente à ferrovia, que cortava a atual praça e seguia pelo miolo de quadra, onde guinava quase 90 graus a noroeste. Está situado na gleba que pertencera à Cervejaria Paulista, que se fundiu à concorrente em 1973. Construído por volta de 1920. É composto por um antigo edifício comercial de três pavimentos, dois galpões e um anexo. O piso do primeiro e segundo pavimentos do edifício comercial foi retirando, gerando um pé-direito triplo, ideal para instalações artísticas. Edificado em alvenaria estrutural e telhado com estrutura de madeira e telha cerâmica, parcialmente substituída por fibrocimento. Aproximadamente 680 m² de área útil. 54


elevação noroeste

planta

FIGURA 26

FIGURA 27

FIGURA 28 55


NÚCLEO 2: FÁBRICA

Antigo núcleo fabril, está situado na antiga gleba original da Cia. Antártica. É parcialmente remanescente das edificações originais, de 1911. Restam, no entanto, poucos elementos desta. Sua volumetria é decorrente de diversas intervenções e anexos que recebeu ao longo do tempo. “Foi executado por técnicos alemães e a concepção do edifício é semelhante à de cervejarias alemãs do final do século XIX e início do século XX” (ESTEVES, 2011). 56


a

FIGURA 29

FIGURA 30

elevação noroeste

planta térreo

corte aa’

a’

planta primeiro pavimento

FIGURA 31 57


NÚCLEO 3: ARMAZÉNS

Os antigos armazéns estão situados na divisa dos lotes da Antártica e da CATI, na antiga gleba do Banco Hippotechário. Inaugurando em 1911, mesmo ano em que a outrora vizinha fábrica da antártica, foi um dos primeiros edifícios ligados ao agronegócio na cidade (ESTEVES, 2011). O jogo de volumes formado pelo avanço irregular dos galpões visava seguir a

curvatura da ferrovia que por ali passava. Apresenta “linguagem arquitetônica eclética e inspirada e representativa da arquitetura industrial da época, empregada sobretudo em oficinas e tecelagens”. Ainda que a percepção volumétrica sugira quatro galpões, internamente constitui-se de apenas dois: o “alto”, a norte; e o “baixo”, a sul. Seu pé-direito sofre uma alteração brusca: aproximadamente na metade de sua extensão, a partir das entradas principais, a cobertura é rebaixada em 3,1 metros. Sua estrutura de tijolos conta com embasamento em pedra e pilares internos de aço rebitado. (ESTEVES, 2011). A cobertura original foi substituída por telhas de cimento e amianto; o assoalho do “salão alto” já não existe; o embasamento se dá em pedra com arcos. 2120 m2. 58


elevação leste

planta - térreo

corte aa’

FIGURA 32

FIGURA 33

FIGURA 34 59


OUTRAS EXISTÊNCIAS

Estão preservados parte do muro envoltório, uma portaria junto ao núcleo 1, portões e um reservatório de água elevado – este último indicado para tombamento (RELATÓRIO CONPPAC). 60


FIGURA 35

FIGURA 36 61


EDIFÍCIOS INSTITUCIONAIS

Além da gleba da CATI, que abriga uma lâmina de notória expressividade arquitetônica e pequenas edificações, há também uma pequena estação de tratamento de água na ponta norte da quadra.

62


FIGURA 37

FIGURA 38 63


39

40

41

FIGURAS 39, 40, 41 E 42 entorno imediato: Avenida Francisco Junqueira; Rua Castro Alves; Praça Antártica; e Avenida Geronimo Gonçalves. 64


42 65


portanto, flexível, uma vez que não há necessidade de se cumprir todas as funções nesta extensão.

PROGRAMA

Primeiramente, propõe-se um programa cultural ao conjunto. Este surge a partir das seguintes constatações: O sítio está em meio a um “corredor de patrimônio e cultura” que se estende ao longo das ruas Duque de Caxias e Luiz da Cunha; Dois dos equipamentos desse corredor atualmente enfrentam limitação de espaço nos edifícios históricos nos quais se encontram – O MARP, sediado na antiga sede da Sociedade Recreativa, e a Biblioteca Altino Arantes sediada no Palacete Sinhá Junqueira; O Museu da Imagem e Som de Ribeirão Preto atualmente se encontra sem sede; O caráter metropolitano e de polo inter-regional adquirido pela cidade, assim como a localização do sítio próxima ao Terminal rodoviário, clamam por um espaço amplo e diversificado de cultura, capaz de atrair visitantes de fora; A possibilidade de trazer parte do equipamento cultural da cidade, concentrado no centro – no entorno da praça XV, mais especificamente – para a vila. Definiu-se, assim, quatro instituições culturais a ocuparem o sítio: MARP, Biblioteca Altino Arantes, Museu da Imagem e Som e o Memorial do trabalhador cervejeiro, criado especificamente para o local. Para se estabelecer um programa para o MARP, foi consultado Nilton Campos, diretor da instituição, que expressou a necessidade de um novo

espaço, mas também o desejo de permanecer concomitantemente na atual sede. Demanda-se, assim, uma extensão. O programa de necessidades é, 66

Quanto à Biblioteca Altino Arantes, também se consultou o diretor da instituição, Luiz Roberto, que tem posição quase idêntica a ser par: A instituição urge espaço, mas não quer abandonar o edifício que historicamente o sedia. Apontou, porém, o que gostaria de ver em um segundo edifício: uma midiateca, que demanda espaço e estrutura para instalações técnicas que o atual edifício não comporta. Já o Museu da Imagem e Som demanda um programa de necessidades completo, uma vez que estará integralmente sediado no conjunto. André Riul, ativista cultural, atual funcionário do MARP e antigo funcionário do MIS entrevistado, apontou que não há grandes diferenças em termos de necessidades e funcionamento entre ambos. Ressalta apenas que deve haver um maior cuidado quanto ao espaço reservado ao acervo, já que este é constituído por material altamente inflamável. A fim de memorar os processos produtivos e pessoas que um dia ocuparam o próprio edifício, propõe-se o Memorial do Operário Cervejeiro. Parte-se do entendimento do edifício enquanto materialização da identidade e memória coletiva de uma comunidade, sobretudo daqueles que ali trabalharam. A museificação do edifício, com temática industrial e tecnológica, tem proposta cultural e pedagógica evidentes e se relaciona diretamente ao próprio processo da compreensão do significado e da valorização desse patrimônio (RODRIGUES; CAMARGO, 2010, p. 156). Busca-se, assim, um programa específico, sobretudo o expositivo, que leve em consideração as peculiaridades do processo produtivo que um dia ali teve lugar.


(...)uma espacialização criativa que não apenas equacione necessidades infra-estruturais (como climatização, acessibilidade, circulação, etc.), mas que produza sentidos e acrescente, visualmente, conteúdos e representações afinadas à missão e ao perfil do museu. ” (FRANCO, 2005, p. 5) Por fim, dentro do programa cultural, propõe-se a criação de um edifício de uso comum a todas essas instituições, que abriga anfiteatro, café, cozinha, banheiros, loja e sala administrativa.

Uma vez que já há, nas proximidades (MAPA 4), equipamento esportivo de fato, como o Parque Maurílio Biagi e o antigo Poliesportivo do Botafogo (em vias de se tornar público), as canchas propostas têm função estritamente de lazer. Quanto às áreas verdes, o programa reinvindica a arborização necessária ao conforto dos moradores, visitantes e transeuntes. Não se pretende construir um parque. Demanda-se, por fim, um tipo de espaço público ausente nas áreas centrais de Ribeirão Preto: áreas livres secas, de escala relativamente larga, que possam comportar as mais diversas apropriações pela população, como manifestações, comemorações, feiras e eventos em geral.

Por outro lado, o programa se desdobra em habitação, comércio e serviços. Situado em uma transição entre centro e bairro, a maior parte do entorno imediato do sítio é relativamente pouco habitada. Apesar de estar em um ponto nodal da cidade, a área atualmente é um tanto hostil a quem por ela transita, sobretudo a pé, estabelecendo-se como um interstício, uma descontinuidade do urbanizado a ser reapropriada e ressignificada. Surge, assim, a demanda por “recosturar” bairro e centro, provendo vivacidade ao local. A fim de amalgamar o habitar da vila ao habitar da metrópole, propõe-se edifícios de uso misto com padrões variados de unidades habitacionais que assumem a forma de conjuntos fechados de lâminas e torre com um pátio central. O programa previsto para os espaços livres dá sequência ao dos edifícios. Como extensão do equipamento cultural, propõe-se um anfiteatro aberto e espaços designados para exposição de obras ao ar livre; como demanda inerente ao programa de habitação, propõ-se canchas esportivas. 67


68


69


O TODO: IMPLANTAÇÃO

Incorporar a área da antiga fábrica da Antártica à cidade que a circunda, devolvendo-a à população que a tem como lugar de memória, é a intenção maior deste projeto. A área deve passar a ser parte do tecido urbano. A disposição dos edifícios e espaços livres propostos parte do entendimento dos pontos de convergência com o tecido urbano, dos edifícios existentes e das linhas e pontos de força criados pelo amalgamento destes. Eixos e pontos nodais são, assim, ressignificados ou propostos. 70


MAPA 9 a intervenção em meio à cidade; 71


CONJUNTO 3 CONJUNTO 2

MEMORIAL OPERÁRIO CERVEJEIRO MARP / MEDIATECA

CONJUNTO 1

MIES

PERSPECTIVA ISOMÉTRICA: IMPLANTAÇÃO 72

CONJUNTO 4

INSTITUCIONAL / CATI

ANEXO CULTURAL


IMPLANTAÇÃO

73


PERSPECTIVA 1 vista a partir da esquina da Rua Mariana Junqueira com a Avenida Gerônimo Gonçalves,ao lado dos Estúdios Kaiser; entre Paulista e Antártica, o ribeirão preto e as palmeiras centenárias; parte das paredes envoltórias é mantida. 74


IMPLANTAÇÃO: EIXOS

75


SUBTRAÇÕES A maior parte dos muros, sem qualquer valor arquitetônico ou funcional, é removida. Conserva-se apenas dois trechos, ambos junto à avenida Gerônimo Gonçalves: o trecho que parte do portão anexo ao edifício de escritórios (A), na Rua Luiz da Cunha, contornando a esquina com a Avenida Gerônimo Gonçalves e chegando até o alinhamento da Rua Mariana Junqueira, contendo o anexo do MieS; e todo o trecho que rebate o antigo edifício da Companhia Paulista (B) (PERSPECTIVA 1), hoje Estúdios Kaiser, antiga rival e que igualmente relevante à cidade foi, a fim de estabelecer uma reafirmação da velha antítese que os colocava em lados opostos do rio e da indústria cervejeira. Ambos, ao longo de quase toda sua extensão, são continuados verticalmente pelas chapas perfuradas que perfazem a volumetria dos anexos culturais. Opta-se também por conservar o grande portão da rua Castro Alves (C), que adquire conotação de portal (PERSPECTIVA 5). O lote pertencente à CATI é incoporado pela intervenção; remove-se, por conseguinte, seus muros. Sua função institucional, entretanto, permanece inalterada. Propõe-se também a demolição do anexo oeste do antigo Núcleo Fabril (D), desprovido do devido valor arquitetônico e prejudicial à percepção de volume e fachadas do núcleo original; dos pequenos anexos do edifício de escritórios (E); e de uma pequena edificação pertencente à CATI (F).

76

PERSPECTIVA ISOMÉTRICA: EDIFÍCIOS SUBTRAÍDOS


IMPLANTAÇÃO: SUBTRAÇÕES

E FIGURA 43

F D

B

A

FIGURA 44

E D C

FIGURA 45

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EDIFÍCIOS PROPOSTOS Quatro Conjuntos de torre + lâmina são propostos para suprir o programa de comércio + habitação e serviços. São eles, junto aos edifícios existentes e seus anexos, as balizas da implantação; as lâminas contam com quatro pavimentos; as torres, onze. Os andares são inteiramente residenciais. Os térreos, por sua vez, são ocupados por espaços para comércio e serviços. Através de sua implantação e qualificação do térreo, estes conjuntos conformam ruas peatonais, sendo primordiais na incoporação da área ao tecido urbano. (ESQUEMA 1). Os limites da área com as ruas Luiz da Cunha e Castro Alves e a Avenida Francisco Junqueira recebem, por quase toda sua extensão, lâminas e torres. Pretende-se, assim, prover vivacidade não somente ao interior da quadra, mas também aos seus limites, também parte da intervenção. As lâminas são propostas enquanto incorporação da Vila Tibério; as torres, do centro, da metrópole. As primeiras abrigam unidades de Habitação de Interesse Social e Habitação de Mercado Popular; As segundas, kitnets e apartamentos de maior metragem. A fachada das lâminas, com seu ritmo de janelas e portas para balcões, é uma citação direta à tipologia habitacional predominante no bairro (FIGURAS 23, 24 E 25). As torres se pretendem marcos visuais e simbólicos: assinalam pontos de convergência com o tecido urbano, orientam a perspetiva no entorno e inserem a área no skyline ribeirão-pretano. 78

PERSPECTIVA ISOMÉTRICA: EDIFÍCIOS PROPOSTOS


CONJUNTO 3

ANEXO 3

CONJUNTO 4

CONJUNTO 2 ANEXO 2 CONJUNTO 1

ANEXO 1 CONJUNTOS TORRE + LÂMINA ANEXOS EQUIPAMENTO CULTURAL IMPLANTAÇÃO: EDIFÍCIOS PROPOSTOS

79


Conjunto 1 e Conjunto 2, idênticos, são orientados a partir da quadrícula que rege a cidade. Suas torres marcam o eixo Duque de Caxias/Luiz da Cunha, principal ligação entre bairro e Metrópole, servindo como marco visual para quem transita entre ambos, incorporando a função que fora da antiga porteira. Estabelecem uma linha com um marco visual da Vila, o Hotel Dann, a elas alinhado a dois quarteirões dali, conectando a Vila ao skyline do centro. Também demarcam os acessos a partir das ruas Padre Feijó e Castro Alves. A sudoeste, as lâminas reconstroem a volumetria dos grandes barracões da fábrica, que se extendiam pelo alinhamento com a rua Luiz da Cunha desde a ferrovia até a esquina com a Castro Alves; a nordeste, conformam uma grande via peatonal, que margeia o antigo edifício da Fábrica, agora Memorial, e a grande área livre no miolo da quadra. A noroeste, o Conjunto 1 se alinha à rua Castro Alves, sendo continuado pelo Conjunto 3. A sudeste, o Conjunto 1 rebate o antigo edifício comercial e seu anexo, agora MieS, abrindo uma perspectiva que retoma o antigo caminho dos trilhos da Mogiana. Entre os conjuntos, é conformado um prolongamento peatonal da Rua Padre Feijó, que se abre para os edifícios patrimoniais no miolo da quadra. O Conjunto 3 se desmonta em dois sub-conjuntos: um a oeste, com implantação de geometria irregular, cujos lados se alinham à rua Castro Alves e à implantação dos armazéns; e um um a leste, ortogonal, alinhado à avenida Francisco Junqueira, coroado por uma torre. A norte, a união de ambos “abraça” a estação de tratamento de água; a sul, conforma, junto ao caminho que margeia o anexo dos armazéns reconvertidos, um núcleo de arborização triangular (PERSPECTIVA 9). A torre se une à enorme figueira existente para marcar o encontro das ruas Sergipe e Antonio Grelet com a avenida Francisco Junqueira, assumindo a responsabilidade de abrir 80

a intervenção para os Campos Elíseos. Por fim, o Conjunto 4 é contituído apenas por torre e uma única lâmina, não se fechando. Sua lâmina, sequência do Conjunto 3, margeia a avenida Francisco Junqueira e conforma, junto à lâmina da CAT existente, um espaço livre que contêm os edifícios remanescentes da instituição. A nivel de diretriz, define-se os andares desta lâmina como de uso institucional. Sua torre pretende marcar o encontro do Ribeirão Preto com o córrego Retiro Saudoso, ponto nodal fundante da cidade. Os três núcleos de edifícios remanescentes, protagonistas arquitetônicos da área e maiores receptáculos de memória coletiva acumulada, são destinados a receber o programa cultural. A nível de diretriz, define-se que o núcleo 1, dos antigos edifícios de escritórios, é destinado ao Museu da Imagem e Som. As edificações existentes – edifício de escritórios agora com pé-direito triplo, anexo e dois armazéns, são integralmente destinadas às áreas de exposições. O anexo 1, volumetricamente contínuo, expande a área de exposições e abrange o restante do programa de necessidades: recepção, guarda-volumes, os sanitários públicos e as áreas restritas (acervo, administração, diretoria, copa, vestiários, laboratórios, apoio técnico). Seu acesso se dá pelo pequeno jardim conformado pelo muro remanescente e pelo caminho peatonal alinhado aos antigos escritórios. Também a nível de diretriz, o Núcleo 2, antigo núcleo da fábrica, recebe, evidentemente, o Memorial do Operário Cervejeiro. Ao contrário dos outros dois núcleos, de planta notadamente livre, o antigo núcleo fabril é deveras recortado por diversas salas. Intenciona-se, desta forma, tornar as salas do térreo salas de exposição, e alocar administração, secretaria, labo-


TÉRREO: EDIFÍCIOS PROPOSTOS

COMÉRCIO/ SERVIÇOS LOGGIA MOBILIÁRIO RENQUE DE ÁRVORES

ESQUEMA 1 81


ratórios, acervo, vestiários e copa no segundo piso. Os anexos do MARP e a Mediateca da Biblioteca Altino Arantes dividem o núcleo 3, antigos armazéns, que será melhor esmiuçado na sequência. A ele se une o Anexo 3. Por fim, também é proposto, novamente como diretriz, o Anexo 2, destinado a abrigar um programa comum às quatro instituições culturais ali instaladas. Implantado ao longo da avenida Gerônimo Gonçalves, seguindo o já comentado rebatimento da Cia. Paulista (PERSPECTIVA 1)., abrigará um auditório e seu programa inerente, como copa e sanitários.

EQUIPAMENTO DE LAZER E MOBILIÁRIO URBANO

82

PERSPECTIVA ISOMÉTRICA: EQUIPAMENTO DE LAZER

Como extensão dos equipamentos culturais, propõe-se um anfiteatro (CORTE AA); como lazer aos habitantes, um campo de futebol (PERSPECTIVA 6) e uma quadra de vôlei (PERSPECTIVA 2). O mobiliário urbano é alocado ao longo dos térreos dos conjuntos habitacionais (ESQUEMA 1), contribuindo com sua qualificação enquanto espaços de sociabilidade. Pretende-se que as ruas peatonais conformadas na área sejam espaço não somente de passagem, mas de encontro e permanência (PERSPECTIVA 3). Algumas árvores, aquelas designadas como balizas para confluências de fluxos e linhas de força, são envolvidas por bancos circulares de concreto.


IMPLANTAÇÃO: EQUIPAMENTO DE LAZER E MOBILIÁRIO URBANO

PERSPECTIVA 2 quadra de vôlei e árvore com banco 83


DESENHO DE PISO Toda a área livre, pública e não permeável da intervenção é revestida por pedra portuguesa. São designadas três tonalidades: cinza (A), que designa as áreas de passagem, que devem receber maior fluxo de pedestres; avermelhada (B), que designa áreas livres de maior escala, onde toda sorte de eventos, como comemorações e feiras, pode ocorrer, e envolve parte das fachadas do Memorial do Operário Cervejeiro e do MARP/Mediateca; e escura (C), que envolve marcos na paisagem. As interseções entre caminhos peatonais, originados das linhas de força provenientes do tecido urbano e dos edifícios implantados no conjunto, recebem esses marcos. O desenho de piso que se forma é ora triangular, limítrofe a áreas verdes e a caminhos peatonais, contendo uma árvore (PERSPECTIVAS 2, 4 E 9); e ora circular, em meio ao caminho cinza, contendo uma escultura (PERSPECTIVA 4); além do desenho, também circular, que envolve o reservatório elevado de água e orienta os fluxos que ali convergem. Pretende-se que esses marcos sejam referências visuais e orientem a perspectiva do transeunte.

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PERSPECTIVA ISOMÉTRICA: DESENHO DE PISO

O estacionamento dos conjuntos habitacionais, restritas aos moradores, recebe piso intertravado de concreto (D) em sua área carroçável. A mesma pedra portuguesa avermelhada (C) reveste seus corredores peatonais e os acessos a escadas e elevadores.


TÉRREO: DESENHO DE PISO

A

B

C

D 85


ARBORIZAÇÃO A quase totalidade dos conjuntos habitacionais é margeada por renques de árvores, que provêm conforto térmico e propiciam o surgimento de espaços de permanência junto ao pequeno comércio A linearidade da massa arbórea ao longo das lâminas se une à loggia e ao piso para dar forma e identidade às ruas peatonais conformadas (ESQUEMA 1). Para manter visualmente livres as fachadas mais relevantes dos edifícios de patrimônio e conformar os grandes espaços livres, opta-se por manter o miolo de quadra sem massa arbórea (PERSPECTIVA 4). Alguns espaços livres, voltados ao estar, concentram um maior número de árvores (PERSPECTIVA 9). Em diálogo com a enorme figueira existente junto à Avenida Francisco Junqueira, como “negativo” do anfiteatro, é proposta uma árvore de maiores dimensões (PERSPECTIVA 4), implantada no espaço triangular conformado pelo Memorial do Operário Cervejeiro, MARP/Mediateca e a 86

PERSPECTIVA ISOMÉTRICA: ARBORIZAÇÃO

área verde abraçada pelo Conjunto 3.


IMPLANTAÇÃO: ARBORIZAÇÃO

Tibouchina granulosa

Jacaranda mimosifolia

Handroanthus albus

Caesalpinia pluviosa

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88


IMPLANTAÇÃO: TÉRREO 1:1000



a

A

CORTE aA



B b

CORTE bB


PERSPECTIVA 3 térreo dos conjuntos habitacionais destinado a comércio e serviços. 94


95


PERSPECTIVA 4 desenho de piso organiza os espaços livres; marcos na paisagem orientam a perspectiva. 96


97


PERSPECTIVA 5 a fábrica da antártica reinserida e resignificada na urbs, na civitas e na polis: espaços livres e secos abrigam manifestações populares. 98


99


PERSPECTIVA 6 equipamento de lazer: “campinho de pelada”; ao fundo, os antigos edifícios de escritórios convertidos em sede do MIeS 100


101


102


103


UMA PROPOSIÇÃO: CONJUNTO TORRE + LÂMINA

É designado como objeto de recorte o Conjunto 1. Suas especificidades, no entanto, se aplicam aos outros três. Módulos de 7,5 m x 7,5 metros de estrutura metálica sustentam térreo + quatro pavimentos de lâmina e onze de torre. O térreo abriga, além dos espaços flexíveis de 5 m x 7,5 m para comércio e serviços, banheiro público e estacionamento para os moradores. Ocupando 2 /3 de cada módulo de 7,5 m x 7,5 m, contam com pé-direito variável, podendo abrigar mezaninos. O terço restante do módulo é ocupado pela loggia, que pode ser apropriada como extensão do estabelecimento. Alguns canteiros lineares, parcialmente alinhados a aberturas zenitais, são posicionados ao longo dos caminhos peatonais do estacionamento e recebem árvores, cujas copas atravessam as aberturas e surgem no pátio acima. 104

No primeiro pavimento, além de circulação e acesso ao primeiro nível de unidades duplex, há pátios internos, destinados ao lazer e sociabilidades dos moradores do conjunto. (PERSPECTIVA 7). Estes abrigam canteiros contornados por bancos e equipamento de recreação infantil. Toda a circulação horizontal das lâminas se dá por corredores em galeria voltados ao interior dos conjuntos. O primeiro e segundo pavimentos da torre recebem um salão comunitário, sanitários, escritório de administração e depósito. São quatro as tipologias habitacionais : HMP, HIS, Kitnet e Padrão Médio. As unidades da lâmina, duplex HIS e HMP semi-geminadas, permitem que essa circulação se dê apenas pelo primeiro e terceiro pavimentos. Desta forma, as unidades recebem ventilação cruzada e somente as aberturas da sala de estar estão voltadas ao espaço comum. A fachada das lâminas é uma menção à tipologia habitacional predominante no bairro (FIGURAS 23, 24 E 25): duas janelas alinhadas e uma porta. A geminação predominante no bairro é traduzida nas lâminas em unidades com pavimentos cruzados.


ELEVAÇÃO SUDOESTE

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ELEVAÇÃO NOROESTE 106


PLANTA: TÉRREO

107


c

C

CORTE cC 108


PLANTA: PRIMEIRO PAVIMENTO

109


d D

CORTE dD 110


PLANTA: SEGUNDO PAVIMENTO

111


PERSPECTIVA 7 unidades geminadas cruzadas HIS e HMP são acessadas por corredores em galeria; pátio interno sobre o estacionamento provém lazer aos moradores. 112


113


HIS ~48 m² 216 unidades 864 moradores (estimativa 4 morradores / unidade)

114

1:100


HMP ~64 m² 216 unidades 864 moradores (estimativa 4 morradores / unidade)

1:100

115


KITNET ~24 m² 56 unidades 56 moradores (estimativa 1 morrador / unidade)

PLANTA ANDAR TIPO TORRE 1:200 116

1:100


PADRÃO MÉDIO ~97 m² 65 unidades 320 moradores (estimativa 5 morradores / unidade)

1:100

117


118


119


madas em “vitrines” através de volumes que saltam dela.

UMA RECOVERSÃO: ARMAZÉNS

Aos antigos armazéns são designados dois anexos de instituições localizadas no eixo da Rua Duque de Caxias: MARP (Museu de Arte de Ribeirão Preto), que recebe um novo espaço de exposições; e Biblioteca Altino Arantes, que recebe uma mediateca. Uma vez que são meros anexos de outras instituições, o programa de necessidades é reduzido e compartilhado por ambas. O “Salão Alto” recebe a sala de exposições; o “Salão Baixo”, a mediateca. O acesso se dá por uma sala já existente, na extremidade noroeste, onde está a recepção. A seguir, um mezanino distribui o fluxo (PERSPECTIVA 8). À exceção do mezanino e do depósito sob ele, os salões são integralmente aproveitados enquanto sala de exposições e mediateca. O restante do programa de necessidades é integralmente locado no anexo. Pouco se remove: a cobertura, que ainda se faz presente apenas na parte mais alta dos salões, está comprometida e é substituída por cobertura em policarbonato e chapas metálicas sustentadas pelas tesouras existentes; e aberturas pontuais nas paredes para conectar as alas. As aberturas da fachada, tamponadas, são reabertas. Duas aberturas na fachada sul são transfor120

O restante da cobertura dos salões, inteiramente nova, se dá em telhas sanduíche. A estrutura original, em pilares de alvenaria e pilares metálicos no centro dos salões, sustenta a estrutura da cobertura proposta. No centro dela, ocupando oito módulos, um grande cubo se eleva. A fachada sul, cega, assim permanece; uma vez que passa a margear uma via peatonal e incorporando a nova missão do edifício, torna-se um grande mural destinado a artistas locais (CORTE bB) O anexo, na cota de acesso, abriga o programa de necessidades: sanitário públicos, escritórios, sala de funcionários, apoio e depósito. O pavimento inferior, aproximadamente três metros mais baixo, obedece à lógica dos térreos dos conjuntos e se incorpora à via peatonal (PERSPECTIVA 9). Dois módulos são extensões da sala de exposições; dentro dessa lógica de loggia com comércio e serviços, atuam como “vitrines” do museu; um terceiro módulo é destinado ao acesso de funcionários e sala de apoio. Os outros três módulos são destinados a comércio e serviços, sacramentando a integração deste anexo ao restante do conjunto. O anexo e os volumes da cobertura – assim como os dos outros edifícios anexos ao equipamento cultural – são envelopados por chapas metálicas. Desenhadas parametricamente, são perfuradas por linhas de hexágonos de tamanho variável. Os volumes produzidos, ainda que cúbicos, ganham ritmo e sensação de movimento; a textura contrasta com o existente, evidenciado-o enquanto monumento. Procura-se, desta forma, diferenciar, respeitosa e criteriosamente, a presente intervenção das camadas anteriores dos edifícios e marca-la enquanto produto de nosso tempo.


ANEXOEXPOSIÇÕESMEDIATECA

ELEVAÇÃO OESTE 1:100

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CHAPA DE ALUMÍNIO PERFURADA ~2 mm

POLICARBONATO TRANSLÚCIDO 6 mm

DETALHAMENTO: FECHAMENTOS LATERAIS

122

PERSPECTIVA ISOMÉTRICA: SUBTRAÇÃO


telha sanduíche

degraus em madeira no vazio do assoalho cubo metálico

mezanino

anexo volumes salientes - “vitrines” nas antigas aberturas

aberturas frontais detamponadas

PERSPECTIVA ISOMÉTRICA: ADIÇÃO

123


1. átrio / recepção 2. mesanino 3. mediateca 4. exposições 5. sanitário 6. escritório / reuniões 7. copa / descanso funcionários 8. apoio técnico 9. depósito 10. acesso funcionários / apoio 11. espaço comercial

522

11

11

10

4

4

9

124

11

4

PLANTA: PAVIMENTO INFERIOR


5 5

5

6

7

5 8

9

1

525

2

3

PLANTA: PAVIMENTO SUPERIOR

125


126


e E

CORTE eE

127


128


f

F

CORTE fF

129


PERSPECTIVA 8 mezanino distribui o fluxo entre o salão de exposições, a mediateca e o anexo. 130


131


PERSPECTIVA 9 a arborização acontece em renque, rente às vias peatonais; em núcleos, onde se adensa; e nos “marcos”, circundadas por bancos. pavimento inferior do MARP / Mediateca se integra à via. 132


133


nível em: <http://anpur.org.br/xviienanpur/principal/publicacoes/XVII. ENANPUR_Anais/ST_Sessoes_Tematicas/ST%207/ST%207.9/ST%20 7.9-04.pdf>.

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136

ÍNDICE DE FIGURAS

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35. Arquivo pessoal. 36. Arquivo pessoal. 37. Arquivo pessoal. 38. Arquivo pessoal. 39. Arquivo pessoal. 40. Arquivo pessoal. 41. Arquivo pessoal. 42. Arquivo pessoal. 43. Arquivo pessoal. 44. Arquivo pessoal. 45. Arquivo pessoal. 46. http://www.ecoflorabh.com.br/produto/plantas/quaresmeira-220mt/10798. 47. https://pt.kisspng.com/kisspng-3o6nf4/.

26. Relatório CONPACC - Cervejaria Antártica.

48. http://www.klimanaturali.org/2011/06/sibipiruna-caesalpinia-peltophoroides.html.

27. Arquivo pessoal.

49. https://es.kisspng.com/kisspng-utkqel/preview.html

28. Relatório CONPACC - Cervejaria Antártica. 29. Relatório CONPACC - Cervejaria Antártica. 30. Arquivo pessoal. 31. Arquivo pessoal. 32. Relatório CONPACC - Cervejaria Antártica. 33. Relatório CONPACC - Cervejaria Antártica. 34. Relatório CONPACC - Cervejaria Antártica. 137


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