folheto .CIDADE LIVRE / Ed. 01 Nov. 2014

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Folheto do projeto “Por Uma Vida Sem Catracas”, Edição 01, Novembro de 2014

CIDADE LIVRE

o folheto sem catracas

NEM SÃO FRANCISCO NA CAUSA

Sucateamento do transporte coletivo causa indignação entre passageiros em Juazeiro do Norte. Superlotação, demora e constantes quebras são sintomas do problema principalmente nos bairros mais pobres. Empresas culpam falta de subsídios e pedem aumento.

Passageiros têm que lidar com a superlotação e más condições dos veículos.

A má qualidade do serviço de transporte coletivo em Juazeiro do Norte tem sido motivo de insatisfação popular entre moradores dos bairros Frei Damião, Parque São Geraldo, Antônio Vieira, Aeroporto e Timbaúbas. Veículos velhos em más condições, superlotação, longo tempo de espera e frequentes quebras são as reclama-

ções mais frequentes. Segundo a empresa responsável pelas linhas, falta dinheiro e subsídio da prefeitura para renovação da frota. Quem depende do transporte coletivo está acostumado a esperar 15min à 30min pelo ônibus. Mas o intervalo mínimo de 40min à 1h entre os ônibus da linha 05 (Frei Damião/Parque São Geral-

do) e linha 06 (Antônio Vieira/ Aeroporto) é fonte de estresse e problemas para os usuários. Para a professora Gerusa Martins, moradora do bairro Frei Damião, é “precário e inaceitável” o serviço oferecido à população. Segundo ela, quem mora nesses bairros tem seus compromissos dependentes do escasso horário dos ônibus.

Orientador/Supervisor: Tiago Coutinho Parente. Repórter/Diagramação: Alana Maria Soares. Fotos: Alana Maria Soares, Vamille Furtado, Márcio Feitosa. Núcleo do projeto: Daniele Ribeiro, João Barbosa, Alana Maria Soares, Gabriel Machado e Geovani Tavares


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Horários escasos e frequentes quebras são motivos de reclamação.

A operadora de telemarketing Antonia Saraiva encontrou sossego e aluguel razoável no bairro Aeroporto, mas para ela o transporte se tornou um problema. Cansada da má qualidade do ônibus, comprou uma moto na primeira oportunidade que teve. “Ônibus é transporte de trabalhador, mas não precisa ser tão ruim assim, não é mesmo?”, questiona Antonia. Para ela, evitar o aperto e estresse da espera faz valer a pena os custos a mais com gasolina e manutenção da moto. Natanael Junior ainda é estudante, mas de segunda à sexta, a partir das 5:30 da manhã pega a linha 06, que geralmente vai e volta superlotado, para o trabalho de meio período numa fábrica de folheados no bairro Antônio Vieira. Natanael diz que sua sorte é ainda pagar meia-passagem com a carteirinha. Atualmente, cada empresa de transporte tem sua própria carteirinha, que podem variar de 2 semanas a 4 meses para entrega, com validade anual. Enquanto alguns reclamam melhor qualidade no serviço, mo-

radores do bairro Timbaúbas exigem a volta da antiga rota que os atendia. Em 2012, devido ao alagamento da principal avenida que dava acesso ao Timbaúbas, a rota foi modificada para bairro onde foi lançado o Minha Casa, Minha Vida. A rua foi consertada, mas a linha não voltou, deixando 10 mil moradores sem atendimento de transporte público. Alguns moradores alegam “politicagem” e “troca de favores” nessa decisão. Segundo a Associação de Moradores da localidade, foram feitas reuniões com a viação responsável pela linha, Demutran, Prefeitura e duas audiências públicas com a Defensoria Civil e Câmara de Vereadores para conseguirem a provisão de uma linha de topic passar pelo bairro. Mas, para residente Maria Helena de Assis, ainda não é suficiente. “Em horário de pico, a topic vai lotada, mas quando eles acham que o movimento está fraco, eles não passam pelo bairro, deixando quem tá esperando jogado à sorte”, desabafa. Em Juazeiro, são 13 linhas de

ônibus que percorrem a cidade, com passagem de R$1,50, além das vans e topics do sistema alternativo. Duas das três principais empresas concessionárias de transporte coletivo urbano em Juazeiro do Norte são de um mesmo dono. Francisco de Assis Souza detém o direito de exploração de linhas municipais na viação São Francisco e, desde 2007, da viação Lobo. A terceira empresa, a intermunicipal Via Metro, trabalha com linhas para Crato, Barbalha ao preço de R$1,65, e Missão Velha, e R$3,50.

Os ônibus nem qualidade tem! Eu tenho é medo de entrar e ficar no prego. folheto CIDADE LIVRE n 01 nov 2014


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Com 263.704 habitantes, a estimativa é que circulem diariamente dentro do munícipio em média 28 mil pessoas no transporte coletivo. Nenhum dos veículos atendem às exigências de acessibilidade para pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, o que gera insatisfação para os 33 mil idosos que usam o sistema. Para baratear os custos, os ônibus são comprados de segunda mão. A frota tem idade média de 14 anos e os veículos mais velhos ainda que ainda rodam são de 1995, e os mais recentes de 2006. Sobre as más condições dos veículos, empresa responde que a troca de ônibus “vai depender da linha que faz”. Para a empresa, vale mais a pena colocar ônibus mais novos para as linhas com movimento mais constante, como Linha 01 – Novo Juazeiro. Rotas para bairros afastados, como Frei Damião,

Campo Alegre, que são “linhas mais fracas, que faturam pouco” e são locais precários em infraestrutura, segundo a empresa, não compensam a troca dos ônibus. As empresas São Francisco e Lobo acusa a prefeitura municipal de não dar subsídios para custear os passes-livres e meia-passagem ou mesmo conceder o aumento de tarifa necessário. “O certo seria aumentar 0,20 centavos por ano”, afirma e avisa que renovação de frota vai depender do aumento da passagem no próximo ano. Para a lojista Cícera Saraiva, o preço a R$1,50 não é caro, mas não faz jus diante das más condições dos ônibus. “Nem qualidade tem! Eu tenho é medo de entrar e ficar no prego”, confessa diante de casos frequentes de quebra tanto por más condições de vias, como dos próprios ônibus. “Se eles (as empresas) não querem trabalhar

direito, pois saiam e coloquem outros que queriam”, desabafa. Organização popular pela melhoria e gratuidade do transporte público, o Fórum Aberto Pelo Passe Livre, acredita que se for comparada a qualidade do serviço com o valor da passagem, quem sai no lucro é a viação. “A empresa coloca ônibus de hora em hora para um bairro como o Frei Damião, de 30 mil habitantes, claro que vai ficar lotado. E eles (a empresa) querem que fique lotado, porque é mais dinheiro e menos custo com motorista, manutenção, gasolina...”, afirma. Segundo o Fórum do Passe Livre, a ideia de que transporte público tenha que ser pago é uma criação social. Para eles, este serviço é inevitável e fundamental, que deve ser entendido como um direito social, assim como a saúde e educação, e por consequência, ser pago indiretamente via imposto.

Enquanto usuários exigem melhores condições de transporte, empresas pedem aumento de tarifa.

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Inclusão? Transporte (in)acessível dificulta o deslocamento de idosos Sem as adaptações exigidas pela lei, as linhas de ônibus em Juazeiro do Norte são um problema a parte na vida de idosos. Demora, degraus altos, lotação e discriminação são as principais reclamações.

O centro comercial de Juazeiro do Norte é conhecido pelo seu calor durante o dia, mais ainda no mês de Outubro, quando a temperatura vai às alturas. O senhor Antônio Ribeiro, de 66 anos, espreitava um pouco do ar-condicionado de uma loja de roupas enquanto esperava a Linha 05 – Frei Damião/Parque São Geraldo. O ponto de ônibus improvisado não dava nenhum conforto ou segurança contra o forte sol do começo da tarde. A condução chega depois de uma hora e meia de espera, o que Seu Antônio, apesar de irritado, já considera rotineiro. Logo um amontoado de pessoas se formou em cada porta do veículo. Os idosos se seguram como podem nas alças da porta e dão um impulso para subir os altos degraus. A disputa por um assento é acirrada, e a partida é dada antes que todos se acomodem. Seu Antônio, que tem mobilidade reduzida por um problema de catarata e rompimento do tendão, afirma que sente a falta de um transporte mais acessível e confortável. O ônibus naquela altura atingia sua lotação, e alguns idosos em pé se seguravam na medida do possível entre os estudantes. O cenário vivido pelo aposentado Antônio é cotidianamente

reproduzido por pelo menos 34 mil cidadãos idosos usuários de transporte coletivo em Juazeiro do Norte, segundo a ONG Assistência à Melhor Idade. A cidade leva o título de terceira mais populosa do Estado, com 263.704 habitantes, com 95% do território urbanizado, mas em relação ao transporte coletivo tem comparativo de mais de 4 mil pessoas para um ônibus. O quadro se agrava quando se contasta que nenhum dos ôni-

Idosos denunciam serem obrigados à pagar passagem no sistema alternativo

bus urbanos que fazem linhas para bairros em Juazeiro do Norte é adaptado para pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, como é o caso dos idosos. A expectativa é de quase 28 mil pessoas circulem nos coletivos dentro de Juazeiro diariamente. Na cidade, são 13 linhas ofertadas que transitam nos bairros e centro, com preço tarifário de R$1,50. Mas apenas as quatro linhas intermunicipais, que são mais caras (R$1,65), têm ônibus adaptados para facilitar a acessibilidade. A professora Maria José Sales, de 58 anos, usa o transporte público todos os dias para trabalhar, e lembra que no início da profissão ia para qualquer lugar da cidade a pé. Mas agora com a idade avançada e com o tráfego intenso, diz ser um “perigo terrível” atravessar as ruas sozinha. “Mesmo sendo bem difícil andar nesses ônibus daqui, é a necessidade”, desabafa. Para ela, as principais dificuldades com as condições do transporte coletivo em Juazeiro são a falta de acessibilidade e o sucateamento. “Os ônibus são sujos, acabados. A gente vê até os buracos no piso, nas paredes e não tem segurança ou suporte de acessibilidade para os mais velhos...”, relata. folheto CIDADE LIVRE n 01 nov 2014


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Estima-se que 34 mil idosos utilizam o transporte coletivo em Juazeiro do Norte.

A ausência de equipamentos que possibilite acessibilidade aos passageiros também é uma barreira na vida de pessoas com deficiência. Todos os Estados brasileiros são obrigados pela Legislação Brasileira sobre Pessoas com Deficiência a tomarem medidas apropriadas para eliminar obstáculos e assegurar às pessoas com deficiência o acesso aos meios de transporte. Ao ser questionado pela irregularidade, Francisco de Assis Souza, atual dono de duas das três empresas com concessão em Juazeiro do Norte, viação São Francisco e viação Lobo, afirma que a próxima renovação da frota será com ônibus rebaixados e com elevadores, mas isso dependerá da Prefeitura con-

ceder um aumento da tarifa. “A passagem está defasada, estamos pressionando para um aumento de pelo menos 0,20 centavos”, declara. A empresa alega que o governo municipal não fornece subsídio para custear a média diária de 7.500 passageiros não-pagantes.

Estamos de acordo com a lei. O idoso que entrar depoisde lotar vai em pé mesmo .

A medida encontrada pela viação Lobo foi colocar a catraca próxima à porta da frente, para controlar a entrada dos passageiros pagantes e não-pagantes. Idosos, gestantes e demais portadores de passe-livre se espremem nos cinco assentos reservados. “Estamos de acordo com a lei, que pede os assentos exclusivos. O idoso que entrar depois de lotar, vai em pé”, diz a empresa. Ainda existem linhas que cobram passagem para quem, na lei, não deveria pagar. Passageiros denunciam que o no sistema alternativo (vans e topics), idosos e demais portadores de passe livre são obrigados a pagar. O mesmo acontece com a Expresso Bom Jesus do folheto CIDADE LIVRE n 01 nov 2014


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Horto, que negaram entrevista. Passageiros continuam a reclamar. Para o aposentado Francisco das Chagas, o aperto que os idosos são obrigados a passar é desumano. “Temos que pagar e ainda é sempre cheio, ruim e desconfotável”, afirma. Ele ainda conta que já foi e já presenciou muitas cenas de desaforo e maus-tratos por parte dos funcionários das empresas. “Somos tratados com discriminação, como se a gente não fosse gente”, denuncia. Segundo o Centro de Referência À Atenção Ao Idoso (CERAI), são muitas as reclamações por parte dos idosos sobre o serviço de transporte, desde acidentes até serem ignorados nos pontos de espera. Apesar do CERAI não ter poder de interferir no cenário, recomenda “sempre que isso acontece, nós aconselhamos aos idosos reclamarem seus direitos”. De acordo com a viação Lobo e São Francisco os bate-bocas são resultado da “natureza humana” e que foge ao controle qualquer discussão desse teor. Mas garante que são realizados, a cada 90 dias, momentos de auxílio com os funcionários para evitar estes casos.

Acidentes envolvendo idosos são comuns devido à altura do veículo.

SERVIÇOS DE ATENDIMENTO Alô Idoso 0800-850022 Centro de Referência a Atenção Ao Idoso (88) 3512-2942 ONG Assistência à Melhor Idade (88) 3511.5870 Centro Social Urbano (88) 3572-3900

Por Uma Vida Sem Catracas O folheto CIDADE LIVRE é uma produção jornalística experimental do projeto “Por Uma Vida Sem Catracas”. Com ajuda da Pró-Reitoria de Cultura e de Extensão da Universidade Federal do Cariri, o projeto realizou ao longo de 2014 encontros de estudo e discussão sobre Mobilidade Urbana e Direito à Cidade. O projeto compartilhou saberes e teceu críticas ao capitalis-

mo que impõe barreiras à vida nas cidades. Discutimos grandes obras e mega-eventos, tal como o direito à cidade por recortes em classe, gênero e etnia. Você pode saber mais sobre o projeto, sobre quais atividades estão por vir e como conseguir uma cópia gratuita do zine “Menos Catraca, Mais Inclusão” acessando a página facebook.com/SemCatracasCariri. folheto CIDADE LIVRE n 01 nov 2014


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