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ARTE
Por Marta Lança Fotografia DR
Lino Damião O artista plástico Lino Damião apresentou recentemente em Portugal a exposição "Primeira Paragem: Lisboa". Este foi o pretexto mais-que-perfeito para uma conversa com o jovem talento angolano. O Lino tem um sorriso de menino que descomplica tudo. A sua agilidade e calma parecem resolver todos os problemas do mundo. Aos 34 anos encontra-se em Portugal, entre outros factores pessoais porque este canto da Europa é uma boa ponte para outras paragens. E foi a propósito da sua “Primeira Paragem: Lisboa”, que nos encontrámos em plena baixa alfacinha para saber da sua vida. Iniciamos o percurso na Luanda onde nasceu e cresceu. Da Cidade Alta para o bairro Hoji-ya Henda e depois para a Chicala onde a sua família tem inquestionável fama de bom acolhimento. Uma infância descontraída antecedia as estratégicas fugas da escola às rusgas da tropa e ser afinal apanhado na praia, estórias na boca de qualquer angolano que tenha passado a juventude nos anos 90. O bairro da Chicala, albergava a casa nº 37 onde Lino vivia com o pai, o conhecido fotógrafo “cota Cinquenta”, e os irmãos. A Chicada desses tempos, que
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ainda tinha ruas arejadas e limpas, palmeiras e chafarizes num certo conforto visual, foi-se enchendo de famílias que fugiam da guerra. Uns entretanto regressaram outros ficaram pela cidade contribuindo para a sobrepopulação. As casas de chapa foram-se amontoando, chapas de armário ou carro, que não resistem às intempéries. “A chuva levou a nossa casa muitas vezes, e recomeçámos sempre de novo.” É este estado algo provisório e de resiliência que o obrigou a crescer rápido, a tomar conta da situação e a ter responsabilidades de crescido como tratar dos irmãos (que eram cinco), ir buscá-los, fazer-se à vida.
Entrada na UNAP Recorda com muito gosto quando ia, depois da escola, para o trabalho do pai, acompanhando-o em reportagens, exposições, uma criança na redacção do Jornal de Angola entertida a fazer desenhos, picotados para a página infantil, o Kanuco. Aí frequentava a câmara escura
onde um senhor a quem chamavam Avô revelava as fotografias e se encarregou de o iniciar no laboratório. Uma vez fartou-se de rir com a reacção de um primo que lá foi e que, ao ver surgir gradualmente a cara de uma pessoa conhecida numa imagem em revelação, assustou-se, chamou de feitiçaria àquele estranho sistema. “Ainda domino as técnicas, os produtos é que são caros e agora é mais o digital.” Ainda no bairro Hoji-ya-Henda o pai já fazia uso de uma máquina fotográfica a cores. Lino começou por trabalhar a partir das fotografias do pai, em cima das quais pintava e gravava. Achava que um dia ia fazer mais fotografia, mas a pintura tornou-se o centro da sua actividade artística. Já tinha frequentado a escola de artes Barracão quando conheceu a UNAP, também com o pai. Começou a relacionar-se com esta geração de artistas angolanos mais velhos como Viteix e Paulo Capela. A UNAP da altura pautava-se por um voluntarismo e dedicação muito consistentes, era tudo
baseado em “muito amor à arte”, diz Lino que elogia o funcionamento associativo desses tempos: dinâmico, cheio de actividades, com duas galerias sempre abertas, dando espaço e condições aos artistas por exemplo no acesso ao material com preços muito em conta. As direcções de Viteix e Álvaro Cardoso “sabiam fazer as coisas.”
Angolanidade O convívio com uma geração de artistas que discutia a Angolanidade na arte e tinham um sentido de intervenção artística, fazendo o programa Salarelo com o Tirso Amaral, foi muito produtivo. “Esses cotas frequentavam a nossa casa, passavam no meu atelier, iam vendo o meu trabalho.” O atelier do Viteix parecia uma sala de aulas de pintura. “Eu era o único puto, ele dava-me dicas, orientava as primeiras linhas. E fizemos duas exposições em Angola e Joanesburgo.” Numa das suas estadas no Jornal de Angola,
o director, David Mestre, convidou o Viteix a fazer um mural, Lino Damião, pintor de 16 anos, ajudou nessa obra. Também atravessava de canoa para ir ao atelier do Henrique Abrantes, onde tinha aulas de banda desenhada. Havia toda uma partilha intergeracional de referências.
Artistas da Baixa Lino trabalhava muito com gravura, figuras, sombras, contornos a preto-e-branco, até perceber que o seu estilo próprio: “Comecei a pintar e aqueles traços nunca me passaram, quando dei por mim era aquilo que pintava. Não procuro o realismo, destorço as imagens, as minhas figuras não têm pescoço, isso já vem de há muito tempo.” E vai estilizando figuras de rua, do quotidiano caluanda, deixando diferenciar os rostos apenas com um tracinho que invoca uma expressão particular. Depois os artistas da baixa da nova geração começaram a encontrar-se
e criaram juntos o grupo Nacionalistas. E Nacionalistas porquê? “Era uma coisa nacional, queríamos andar por essa Angola afora e criar em memória dos grandes nacionalistas. O nome chegou a ser mal interpretado no nosso tempo”. Mas o que estava em causa era fazer trabalhos em colaboração: reunir, conviver e fazer coisas juntos, ao contrário de hoje em que “estamos mais dispersos.” Pertenciam ao colecivo o Sebastião Eduardo, o Sabby, o estilista Muamby, a Zizi, o Thó Simões, o fotógrafo Lousada. Fizeram primeiro “Apresentações” em cinco partes, e muitas mostras, participaram na Bienal em Cuba, em Salvador, no Porto. O artista Yonamine, com quem começou a colaborar em 1995, tem sido uma boa parceria pela sua ousadia e criatividade. Fizeram a actividade Portas Abertas, com performances e instalações de arte pública e logo depois a exposição Angola Combatente, já integrada na 1ª Trienal de Luanda (2005).
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ARTE
A partir daí a dinâmica das artes em Luanda mudou. “Foi uma experiência muito interessante de partilhas, de ateliês, ideias, mas depois cada um partiu para a sua vida.” Lino participou na primeira e segundo Trienal e reconhece como a mesma trouxe dinâmica à vida cultural, criou coleccionadores, estimulou o mercado, abriu muitas portas, alargou a visão das artes, “havia conferências, exposições acessíveis a todas as pessoas. Foi um verdadeiro movimento”, e que internacionalizou alguns artistas angolanos. Desde cedo Lino fez esforço para viajar, através de embaixadas e das suas produções. “Temos que mostrar o nosso trabalho lá fora, fui logo que pude a Cabo Verde, ao Zimbabwé.” Paralelamente tem trabalhado para a JJJazz, com Jerónimo Belo, em espectáculos e produções, frisando uma grande ligação do seu trabalho ao jazz: “tem muito a ver, é tudo a partir de imagens” Trabalhou recentemente na exposição “Restos, rastos, rostos” onde com Gégé Belo,
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Tirso Amaral e Victor Teixeira organizaram o projecto “comidas, sons e blues”. Reside há três anos em Portugal, entre Lisboa e Aveiro, com a sua esposa Isabel. Neste tempo voltou duas vezes a Luanda. Custou-lhe adaptar-se ao frio e ao corre-corre da vida europeia, sente falta de estar na rua com as pessoas, de um tempo mais descontraído, “mas em termos profissionais é outra visão, a relação com as pessoas e a arte, os materiais mais acessíveis. Tive sorte, bons contactos e o trabalho tem tido saída.” Mas Angola nao sai do seu horizonte, para Lino Damião os lugares e a baixa de Luanda, estão bem presentes na sua memória e saudades.
Viajante permanente Este projecto das “Paragens” começou em Angola, através de uma sociedade de arquitectos que apoia com espaços artistas que contribuem também para a decoração dos seus edifícios levando artistas a lugares onde eles têm escritórios. Depois faz-se exposições abertas ao público,
com liberdade para criação nessa residência artística. Agora está com o Nelo Teixeira, o Hamílton, o Sabby, a Zizi. A “Primeira paragem: Lisboa”, que está aberta até 31 de Janeiro num espaço novo, branco e bonito é resultado do trabalho do Lino e Nelo Teixeira. A próxima paragem será Maputo e ainda vai a Macau para o Festival de Literature, com o apoio do IPOR (Instituto Português do Oriente). Acabado de chegar da Tailândia a experiência asiática foi interessante, a “arte deles é muito local, e eu levei a minha África para lá.” Achou a Tailândia com muita vida, paz, ilhas de paraíso, ficou com vontade de conhecer os países à volta apesar das 29 horas retido no aeroporto de Hong Kong, tendo já uma longa relação difícil com aeroportos. Nisto tudo, Lino quer sempre voltar a Angola que é a fonte da sua obra e porque é o rapaz desenrascado da Chicala que dá a força necessária para os desafios da vida e do futuro. ©
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