1947:um verso a mais

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1947 um verso a mais Regina CĂŠlia de Almeida Scheiner (Catita)


Aos meus filhos Artur e Frederico. Homenagem póstuma Aos meus amáveis pais Iraci Freitas de Almeida e Artur José de Almeida. Aos meus estimados filhos Christiano e Caio Júlios. E ao meu saudoso esposo Eduardo.


1947 um verso a mais Regina Célia de Almeida Scheiner (Catita)

Florianópolis – 2016 1a edição


© 2016, Regina Célia de Almeida Scheiner Proibida a reprodução, no todo ou em parte, mediante quaisquer meios. PRODUÇÃO EDITORIAL Coordenação Christiano Scheiner Projeto gráfico e capa Fernanda Hinnig Revisão Denize Gonzaga Nesta edição, respeitou-se o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

S318m Scheiner, Regina Célia de Almeida (Catita), 1947-. 1947 : um verso a mais / Regina Célia de Almeida Scheiner (Catita). – Florianópolis : Tripous, 2016. 103 p. : 14x20 cm.

ISBN 978-85-93325-00-7

1. Literatura brasileira. 2. Poesia. I. Título.

CDD B869.91

Ficha catalográfica elaborada por Juliana Pitz – CRB 14/1362.

Direitos desta edição: www.tripous.com.br info@tripous.com.br (48) 996214277


PREFÁCIO – ESCLARECIMENTO LUMINAR

Explico aos leitores não somente o que significa esta obra para mim, mas também o seu ponto luminar, pois quem se motivou a organizá-la e editá-la foi meu filho Christiano de Almeida Scheiner. Idealizador da Christiano Scheiner Editora, ele tinha o objetivo de publicar obras de autores desconhecidos ou não reconhecidos, de cunho não comercial e inédito, represadas durante longo tempo. Queria era dar voz a autores anônimos, que nunca tiveram a satisfação de ver suas obras publicadas, mas que desejavam transmitir sua marca às futuras gerações: deixar “mais que uma semente, o fruto de sua escrita”.1 Para minha felicidade (sendo muito o que o motivou a abrir a editora), fui escolhida para ser a primeira autora publicada. Nada mais gratificante para uma mãe que isso! Meu filho se dedicou muito à sua edição, passando madrugadas digitando os poemas manuscritos, indo e vindo com sugestões de arte gráfica, dando o seu melhor, com todo o carinho que ele, tenho certeza, teria tratado seus autores anônimos, não fosse o fato de ter falecido, precocemente, em 15 de outubro de 2015. Desse modo, senti-me no dever de retribuir toda a sua dedicação e finalizei o seu último sonho luminar: ver publicada a primeira obra pela editora. Contei com o apoio do meu filho Fred, de Denize Gonzaga e de Fernanda Hinnig para poder terminá-la, já que a empresa teve suas atividades encerradas. Quero, nesse sentido, agradecer a todos que me ajudaram nesta caminhada, pois também quiseram ver o desejo do Christiano realizado. Dedico esta obra a ele, com toda minha ternura materna, e também a todos que “evocam” amor, paz, gratidão, amizade, companheirismo, coletividade, coisas que ele distribuía sem pudor a muitas pessoas e sentimentos que este mundo de injustiças e de guerra está precisando. Célia Regina de Almeida Scheiner.

1 Retirado do texto institucional da Editora Christiano Scheiner.



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Um passado distante, sonhos que se foram Ideais perdidos no tempo, um sorriso inocente Um sol quente E um riacho caprichoso, fazendo suas curvas, delineando espaços, e a água refrescante. Minha flauta de bambu As brincadeiras deliciosas Sinto uma falta constante do milharal desabrochando. Os meus pés descalços na terra fofa No orvalho da manhã. Meus olhos investigando o pomar Onde os pássaros ainda tinham seus ninhos. O perfume suave da mata de eucalipto. Um forro de água fresca. Um copo de vinho suave Teu olhar, meu sorriso, tuas brincadeiras. Sinto falta desse passado distante.

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Neste momento minha mente revive os magníficos quadros do passado e lágrimas colhidas de lamento brilham em meus olhos. Neste momento profundo sou apenas um ser humano, em busca... pelos campos de trigo.

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Sigo contigo, vamos à próxima aldeia Nada temia, trago no bornéu vinho e pão Vamos atravessar esta distância, descansando embaixo de árvores pelo caminho? Velarei teu sono tocando minha flauta de bambu. Velarias por mim cantando um poema? Chegaremos rápido na próxima aldeia. Faremos nossa cabana, um pão sempre pronto. Um beijo adocicado. Mas, se um dia quiseres deixar-me, não se acanhe Eu continuarei tocando a flauta Uma taça de vinho sempre posta E sempre direi: tu foste Tu és A minha maior saudade.

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Revivo meu cérebro E rastejo no pedregulho. Bebo meu vinho Mastigo pedras Toco minha flauta

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E escuto o uivo do lado Piso na grama verde E meus pés sangram nos espinhos. Ando na floresta imersa e escondo-me no deserto. Sinto teu perfume, e vejo névoa Busco a água clara da fonte, e derramo barro no jarro. Como o trigo temperado e engulo aquele fel. Ando devagar e calmo... e caio de tanto correr Tenho medo da noite. Mas busco as estrelas. Hoje estou longe de onde Minha alma pede, Quero correr, correr para você Perdão, a lágrima continua. Quero minha flauta Quero meu vinho Quero teu corpo dentro do meu Vou nesta viagem com este vento ameno vou dormir, dormir.


Quando me tiraram as vestes Cobri-me com palha seca Quando me tiraram a água e o vinho Matei minha sede, com lama e sangue. Quando tiraram todos os alimentos Encontrei espinhos e os comi.

Destruíram a minha família Encontrei os amigos E, na tortura, engoli minha língua e me calei.

Mas minha alma não se perdeu no mal Então continuei lutando, gritando Paz Meu coração não foi maculado. E bateu novamente. Minha voz ainda grita Liberdade…

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Quando, enfim, tiraram-me a Pátria e jogaram-me para o exílio Verti lágrimas, e feri meus pés.

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Quando levaram meus filhos Encontrei filhos abandonados


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Rasgo os livros da estante e entre o desconforto físico, o frenesi mental, Mastigo os pedaços, destroçador engulo-os embebidos pelo vinho espalhados ao chão.

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Lentamente, toco minha flauta de bambu. A estante está vazia. Meu estômago está cheio. Vou andar, andar.


Quando apareceste a mim Com teu olhar, sereno e calmo Tive certeza de que ainda havia uma porta aberta Agora bato nesta porta Espero vĂŞ-la aberta.   1947: um verso a mais |

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Curvei-me diante do anjo e Perguntei, Pra onde vai esta estrada? Respondeu-me ele, esta estrada te levará para campos verdejantes e riachos de água pura. Reluei-me Não irei para a paz sem antes conquistar a paz que almejo. Perguntou-me o anjo Qual é a tua paz? Respondi que minha paz é para Todos.


A energia vibra em minha volta. O sol, a lua, as estrelas ainda brilham no infinito Sou quase nada. Apenas um milésimo de átomo, que pulsa neste universo sem fim.   1947: um verso a mais |

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Num silêncio profundo Adormeci meus ouvidos Calei minha voz E deixei cair a flor Nunca tive um silêncio tão louco, tão calmo, tão brilhante.

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Vou dançar e cantar No bambuzal Vou tomar vinho Vou tocar minha flauta Aldeia de minha infância Ainda te pertenço Enxuga meus olhos Cura as feridas dos meus pés Esqueci-me de que era asfalto

Tragarei de uma só vez A saudade que me corrói. Amo-te, aldeia da minha infância.

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Na minha lembrança Ainda era de terra fresca


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A minha aldeia é simples e pobre Nossa gente humilde, A energia da minha aldeia É a força do amor Levanta no pó Num frenesi antagônico Suave é o balançar dos galhos. Que vem das árvores alegres, Sentimos a aragem, Sempre fresca. Na minha aldeia, Todos dançam, de mãos dadas. Lá existe paz. Não há fome, não há dor. A minha aldeia é a minha Alma


O homem destrói Crescem ilusões, mascaradas A sociedade aceita.

A mãe sofre até a exaustão pelo filho que parte. O amor umedece seu coração Acalma sua alma. O perfume beatifica o ambiente A luz ilumina a escuridão e o pensamento flui A caneta corre, o papel obedece A vida toma rumos diferentes. Pra onde foram as flores?

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A doença é triste É sofredora Choram, rezam, meditam A saúde volta, Alegria.

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O rio corre faz curvas Leva as pedras A estrada lameada pela chuva Seca com o sol. As flores Brincam na primavera Vem o verão As flores murcham As crianças brincam De esconde-esconde. As árvores crescem


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Vejo você em minha frente. Sua silhueta esguia. Seus traços perfeitos Seus trejeitos. Seu rosto delicado num papel qualquer Fecho os olhos. Você dança novamente em meu coração Refresca novamente minha alma. Meu corpo cai. Entrego-me a seus devaneios. Meus braços procurando os teus Minhas mãos apertando Tua cabeça em meu peito Teu suor. Teu sabor. Abro os olhos. Pensei que estivera a sonhar. Não. Apenas uma ventura parcial. Está em minha frente. Teus cabelos, tua barba roça meu rosto. Vem, digo-te. Desta vez não derramo na garganta o meu doce vinho. Pois saciei ardentemente minha sede. Minha loucura por você impede-me de Tocar a minha flauta. Num ímpeto, sou sua dona. Beijo-te tanto, tanto… Ventura total. Deixo fervilhar meu sangue. Rolamos no tapete.


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Sem palavras. Apenas sussurros. Sussurros. Suspiros de prazer. Roupas rasgadas Pés descalços Cabelos em desalinho Uma manga madura no alto Uma menina Que sobe como uma lagartixa na mangueira. Apanha o fruto amadurecido Sobe um pouco mais, Os galhos suportam. Lá no alto, o sol nascendo é lindo! Volta rápido Canta, dança, todos acordam Com a inocência de sua infância. Brinca. Todos estão sorrindo. Nem passado, Nem futuro, Somente o presente.



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