Revista CNT Transporte Atual - Abril/2006

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EDIÇÃO INFORMATIVA DO SEST/SENAT

CNT

ANO XI NÚMERO 128

T R A N S P O R T E

AT UA L

TRANSGÊNICOS

PODE CONTER OU CONTÉM FERROVIAS

RESGATE DO PATRIMÔNIO

UMA ESCOLHA QUE VALE MILHÕES DE REAIS PARA O TRANSPORTE

VIDA NA ESTRADA

ÔNIBUS ESPECIAL PARA ARTISTAS

VEJA COMO É O DIA-A-DIA DOS PILOTOS DE AVIÃO NO BRASIL



CNT TRANSPORTE ATUAL

EDIÇÃO 128

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“O setor transportador jamais faltou ao chamado da sociedade para impulsionar o desenvolvimento nacional” EDITORIAL

FLÁVIO BENATTI

Cursos técnicos, inovação bem-vinda

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Sest/Senat iniciou este ano, em determinadas unidades regionais, a oferta de cursos técnicos em logística e transporte de cargas e de transporte urbano e rodoviário de passageiros, com o objetivo de ampliar ainda mais os seus esforços na formação de profissionais cada vez mais especializados para o setor transportador. Os cursos têm um caráter único e inovador na formação do trabalhador em transporte. Com esses cursos, o Sistema CNT reforça a sua posição de que a expansão do ensino técnico, logicamente além da educação continuada, é uma das grandes saídas para multiplicar as oportunidades e melhorar as condições sociais de milhões de jovens brasileiros. Isso porque muitos desses jovens não conseguem encontrar ao longo da vida o apoio necessário para ampliar seus horizontes profissionais. Os novos cursos do Sest/Senat têm uma finalidade clara: elevar a escolaridade e a formação profissional do trabalhador do setor de transportes, aumentando dessa maneira a possibilidade de inclusão dos beneficiados no mercado de trabalho. Assim, a posição da CNT está coerente com a política educacional do Governo Federal que, entre outras questões, vem incentivando o fortalecimento do ensino técnico para que os jovens, desde cedo, adquiram os conhecimentos exigidos pelos diversos segmentos da economia brasileira.

Desse modo, o Sistema CNT complementa a sua contribuição à sociedade, com a oferta de cursos em nível técnico, tanto na área de logística e transporte de cargas quanto na de transporte urbano e rodoviário de passageiros, agregando-os aos seus mais de 200 cursos de qualificação profissional hoje disponíveis. Há inegavelmente no Brasil a urgente necessidade de se multiplicar a oferta de opções de formação profissional, por meio do ensino técnico. O Sest/Senat presta, assim, a sua mais nova colaboração ao setor transportador. O Sistema CNT possui uma vasta rede de unidades operacionais distribuídas nas grandes e médias cidades e nas rodovias do país. Um dos focos dessa rede abrangente é aprimorar a qualificação e a reciclagem profissional do transportador e do trabalhador em transporte, com o objetivo de melhorar suas condições de vida. Ao longo da história do Brasil, o setor transportador jamais faltou ao chamado da sociedade para, unido a outros setores da economia, impulsionar o desenvolvimento nacional. Com a criação dos primeiros cursos técnicos em unidades do Sest/Senat, os transportadores inovam e reforçam a sua fé e o compromisso inarredável do setor para com o progresso educacional dos trabalhadores brasileiros.


CNT CONFEDERAÇÃO NACIONAL DO TRANSPORTE PRESIDENTE DA CNT Clésio Andrade PRESIDENTE DE HONRA DA CNT Thiers Fattori Costa VICE-PRESIDENTES DA CNT TRANSPORTE DE CARGAS

Jésu Ignácio de Araújo Jorge Marques Trilha Oswaldo Dias de Castro Romeu Natal Pazan Romeu Nerci Luft Tânia Drumond Augusto Dalçóquio Neto Valmor Weiss Paulo Vicente Caleffi José Hélio Fernandes

Newton Jerônimo Gibson Duarte Rodrigues TRANSPORTE AQUAVIÁRIO, FERROVIÁRIO E AÉREO

Meton Soares Júnior TRANSPORTE DE PASSAGEIROS

Benedicto Dario Ferraz TRANSPORTADORES AUTÔNOMOS, DE PESSOAS E DE BENS

José Fioravanti PRESIDENTES DE SEÇÃO E VICE-PRESIDENTES DE SEÇÃO TRANSPORTE DE PASSAGEIROS

Otávio Vieira da Cunha Filho Ilso Pedro Menta TRANSPORTE DE CARGAS

Flávio Benatti Antônio Pereira de Siqueira TRANSPORTADORES AUTÔNOMOS, DE PESSOAS E DE BENS

José da Fonseca Lopes Mariano Costa TRANSPORTE AQUAVIÁRIO

Glen Gordon Findlay Claudio Roberto Fernandes Decourt TRANSPORTE FERROVIÁRIO

Bernardo José Gonçalves de Figueiredo Clóvis Muniz TRANSPORTE AÉREO

Wolner José Pereira de Aguiar (vice no exercício da presidência) CONSELHO FISCAL (TITULARES) Waldemar Araújo David Lopes de Oliveira Luiz Maldonado Marthos Éder Dal’lago CONSELHO FISCAL (SUPLENTES) René Adão Alves Pinto Getúlio Vargas de Moura Braatz Robert Cyrill Higgins DIRETORIA TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE CARGAS

Denisar de Almeida Arneiro Eduardo Ferreira Rebuzzi Francisco Pelúcio Irani Bertolini

CONSELHO EDITORIAL Almerindo Camilo Aristides França Neto Bernardino Rios Pim Etevaldo Dias Hélcio Zolini Jorge Canela Maria Tereza Pantoja REDAÇÃO AC&S Mídia [www.acsmidia.com.br] EDITOR RESPONSÁVEL

Almerindo Camilo [almerindo@acsmidia.com.br] EDITOR-EXECUTIVO Antonio Seara [seara@acsmidia.com.br]

TRANSPORTE DE PASSAGEIROS

Luiz Wagner Chieppe Alfredo José Bezerra Leite Narciso Gonçalves dos Santos José Augusto Pinheiro Marcus Vinícius Gravina Oscar Conte Tarcísio Schettino Ribeiro Marco Antônio Gulin Eudo Laranjeiras Costa Antônio Carlos Melgaço Knitell Abrão Abdo Izacc João de Campos Palma Francisco Saldanha Bezerra Jerson Antonio Picoli

PONTE DA AMIZADE

VIDA NO ASFALTO

Receita Federal intensifica operações na fronteira de Brasil e Paraguai

Artistas rodam nas estradas do país em ônibus especiais

TRANSPORTADORES AUTÔNOMOS, DE PESSOAS E DE BENS

Edgar Ferreira de Sousa José Alexandrino Ferreira Neto José Percides Rodrigues Luiz Maldonado Marthos Sandoval Geraldino dos Santos José Veronez Waldemar Stimamilio André Luiz Costa Armando Brocco Heraldo Gomes Andrade Claudinei Natal Pelegrini Getúlio Vargas de Moura Braatz Celso Fernandes Neto Neirman Moreira da Silva TRANSPORTE AQUAVIÁRIO, FERROVIÁRIO E AÉREO

Glen Gordon Findlay Luiz Rebelo Neto Moacyr Bonelli Alcy Hagge Cavalcante Carlos Affonso Cerveira Marcelino José Lobato Nascimento Maurício Möckel Paschoal Milton Ferreira Tito Silvio Vasco Campos Jorge Cláudio Martins Marote Jorge Leônidas Melo Pinho Ronaldo Mattos de Oliveira Lima Bruno Bastos Lima Rocha

FALE COM A REDAÇÃO (31) 3291-1288 • revistacnt@acsmidia.com.br Rua Martim de Carvalho, 661 • Santo Agostinho CEP 30190-090 • Belo Horizonte (MG) ASSINATURAS 0800-7282891 ESTA REVISTA PODE SER ACESSADA VIA INTERNET: www.cnt.org.br ATUALIZAÇÃO DE ENDEREÇO atualizacao@cnt.org.br PUBLICIDADE Remar (11) 3086-3828 REPRESENTANTES

Celso Marino (11) 9141-2938 Fabio Dantas (11) 9222-9247 Publicação do Sest/Senat, registrada no Cartório do 1º Ofício de Registro Civil das Pessoas Jurídicas do Distrito Federal sob o número 053. Editada sob responsabilidade da AC&S Assessoria em Comunicação e Serviços Ltda. Tiragem 40 mil exemplares

Os conceitos emitidos nos artigos assinados não refletem necessariamente a opinião da CNT Transporte Atual

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PROFISSÃO PILOTO

Apesar da boa remuneração, são muitas as etapas a serem cumpridas para quem quer se tornar um piloto de avião

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ANO XI | NÚMERO 128 ENTREVISTA

RESGATE DA MEMÓRIA

Trem turístico vai ligar a partir deste mês os municípios mineiros de Ouro Preto e Mariana e será promotor de programas educacionais e culturais

REPORTAGEM DE CAPA

Adoção do termo "contém" transgênico nas embalagens no lugar da expressão “pode conter” pode trazer um aumento de custos de até 30% para os empresários do setor transportador

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E MAIS Editorial Cartas Mais Transporte Alexandre Garcia Mini-submarino Polícia Federal Sest/Senat Debate Idet Humor CAPA RICARDO SÁ

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Ivan Sant’Anna conta como deixou o trabalho no mercado de capitais para se tornar escritor PÁGINA

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PERIGO NAS ESTRADAS PÁGINA

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Acidentes vitimaram 6.352 pessoas nas rodovias brasileiras no ano passado PÁGINA

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Escreva para CNT TRANSPORTE ATUAL As cartas devem conter nome completo, endereço e telefone dos remetentes revistacnt@acsmidia.com.br

FERNÃO DIAS É bom saber que poderemos ter mais uma rodovia passando à iniciativa privada. Dessa vez, é a Fernão Dias, que liga Belo Horizonte a São Paulo, conforme reportagem da Revista CNT Transporte Atual, edição 127. Cada dia me convenço mais que ao governo cabe cuidar da educação e da saúde da população. Assuntos como rodovia devem estar nas mãos de quem tem condições para gerenciar um negócio tão importante, mas que exige agilidade de decisões, no caso, o setor privado. Basta olhar para algumas rodovias paulistas, como tem mostrado as edições anteriores dessa revista, para vermos que vale a pena pagar um pedágio para termos estradas boas, em ótimo estado de conservação, com sistema de segurança e ambulância espalhadas por todo o seu trajeto, o que encurta a distância e aumenta a durabilidade dos automóveis. Especialmente dos caminhões, que são responsáveis por transportar a maior parte de nossas riquezas por esse imenso Brasil. A própria Pesquisa Rodoviária, realizada anualmente pela CNT, referenda minha opinião: simplesmente as melhores rodovias, considerando todos seus aspectos, como a sinalização, pavimento, são aquelas que estão fora da esfera do governo. Meu desejo é que sejam

“VALE A PENA PAGAR PEDÁGIO PARA TERMOS ESTRADAS BOAS, EM ÓTIMO ESTADO DE CONSERVAÇÃO, COM SISTEMA DE SEGURANÇA E AMBULÂNCIA” ampliadas as rodovias em mãos da iniciativa privada para que possamos nos aproximar da qualidade das estradas dos países como os Estados Unidos e os da Europa Jayme de Jesus Silva São Paulo (SP) AVIÕES EM PERIGO Quando você acaba de ler a matéria “Aviões em Perigo” da edição 126, da Revista CNT Transporte Atual, fica bem claro mais uma vez o descaso das autoridades responsáveis e o empurra-empurra de quem tem condições para solucionar o problema. A situação dos lixões perto de aeroportos vem se arrastando há

DOS LEITORES

muito tempo sem soluções definitivas e acho importante ser publicado matéria sobre o assunto para conscientizar e informar todas as pessoas envolvidas ou não no problema. Espero ver em breve matéria falando das soluções tomadas sobre o assunto. Ana Amélia Santos Contagem (MG) DIREITO DE IR E VIR Não deveria ter que existir um curso como o “Transporte para Todos” citado na matéria “Direito de ir e vir” da edição 126, da Revista CNT Transporte Atual. A população deveria ter a consciência da dificuldade de se locomover que uma pessoa com deficiência tem, mas já que não é assim que funciona, é bom saber que existem pessoas sérias preocupadas com o bem estar dos deficientes. As matérias do Sest/Senat mostradas pela CNT mostram a seriedade e a preocupação dessa instituição com o próximo e matérias assim são sempre bem-vindas e agradáveis de ler. Antônio dos Reis Rio de Janeiro (RJ)

SHOPPING EM AEROPORTOS Tenho tido a oportunidade de presenciar as mudanças pelas quais os aeroportos brasileiros, especialmente os internacionais, estão passando e posso dizer que estão ficando muito melhores. A maior opção de lojas é uma das boas medidas que podem ser comemoradas. Ajudam a passar o tempo e permitem comprar aquele presente ou lembrancinha prometida e que o tempo não permitiu que fosse adquirida antes. Com o inchaço das metrópoles é melhor chegar ao aeroporto mais cedo e fazer as compras próximo ao local de embarque. Jonatas Ribeiro Brasília (DF) AGRADECIMENTOS A Revista CNT Transporte Atual agradece as mensagens enviadas: Ministro José Delgado, do Superior Tribunal de Justiça; Antonio Salim Curiati, deputado estadual (SP) CARTAS PARA ESTA SEÇÃO

Rua Martim de Carvalho, 661 30190-090 - Belo Horizonte (MG) Fax (31) 3291-1288 E-mail: revistacnt@acsmidia.com.br Por motivo de espaço, as mensagens serão selecionadas e poderão sofrer cortes



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AUTOR DE ”CARGA PERIGOSA” DIZ QUE LIVRO É MUITO REAL E CONTA UMA HISTÓ TEMPO, DAS ESTRADAS, DOS ASSASSINATOS DE CAMINHONEIROS, DE ROUBOS DE CAMI

ENTREVISTA

IVAN SANT’ANNA

“SOU UM AVENTUR POR

van Sant’Anna é carioca e tem 66 anos. Diplomado em mercado de capitais pela Universidade de Nova York, trabalhou no mercado financeiro brasileiro e também como corretor das bolsas de Nova York e Chicago. Foi dono de uma corretora e sócio de um banco. Viveu por 37 anos a adrenalina do mundo financeiro, onde aprendeu que para ganhar é preciso arriscar. Em 1995, realizou uma operação arrojada: abandonou o mercado financeiro e apostou no sonho de tornar-se escritor. Hoje dedica-se exclusivamente à literatura e a palestras. Apaixonado por aviões, é piloto amador. É autor de “Caixa-Preta” (Editora Objetiva), livro que reconstitui a história de três acidentes de aviação. A partir de um amplo trabalho de pesquisa em cartas, documentos, laudos e entrevistas,

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MOZAHIR SALOMÃO

Sant’Anna reuniu informações inéditas sobre os episódios e reproduziu, com maestria de ficcionista, todos os instantes dos vôos. “Carga Perigosa” (Editora Objetiva), é uma viagem pelo fascinante e perigoso cotidiano dos caminhoneiros brasileiros. Uma aventura que começou em uma entrevista para escrever um romance policial sobre roubo de cargas, seguida do convite de um motorista que ofereceu carona ao autor na boléia de um Scania. A largada rumo a esse universo particular foi em São Paulo e terminou em Rondônia, depois de 15 dias, 6.000 quilômetros e muitas histórias para contar. É também autor de ”Rapina”, ”Mercadores da Noite” (Editora Rocco), ”Bicho Solto (Editora Objetiva)” e roteirista de ”Carga Pesada”, seriado da Rede Globo de Televisão.

Vamos começar por sua trajetória: piloto de avião, depois operador do mercado financeiro durante 37 anos. Um dia você resolve largar tudo, virar escritor, investigar coisas e contar boas histórias. Qual foi o momento dessa decisão? As pessoas gostam muito de rotular as outras. Algumas, aquelas que me chamam de operador do mercado financeiro, são as que gostam dos meus primeiros livros, como “Rapina” e “Mercadores da Noite”. Outras, as que gostam de ”Caixa Preta” me chamam de aviador. Por causa do seriado ”Carga Pesada”, da Rede Globo, qualquer autor de telenovela que tenha alguma dúvida sobre caminhões liga para mim. Na Globo eles costumam falar: “Ivan Sant’Anna é aquele cara que entende de caminhão”. Quando dou uma palestra numa Facul-

dade de Ciências da Aeronáutica eles dizem: “Ivan Sant’Anna é aquele cara que escreve sobre desastres de avião”. Se vou numa Faculdade de Economia, me apresentam como operador do mercado financeiro. Eu acho que sou um aventureiro, uma pessoa que, aos 65 anos de idade, ousa pensar que o melhor da vida ainda está por acontecer. Estou sempre procurando novos desafios, tanto na televisão como na literatura e eventualmente no cinema. Dizem que “Caixa-Preta” não é o livro que você mais gosta, mas é o livro que as pessoas mais associam diretamente a você. “Caixa-Preta” é um livro de investigação. Eu não sou jornalista, porque não sou formado em jornalismo, mas em “Caixa-Preta” tive que me tornar jornalista. É um trabalho


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RIA DO NOSSO NHÕES E CARGAS

EIRO” de apuração. Investiguei e tentei descobrir o que aconteceu em três acidentes aéreos: em 1973, na queda de um avião da Varig em Paris; em 1988, quando um seqüestrador tentou lançar um avião sobre o Palácio do Planalto num atentado fracassado contra o presidente Sarney; e o terceiro é a história de um famoso vôo que se perdeu na Amazônia, viajando de Marabá para Belém. O rumo certo era 27 (norte) e o piloto tomou o 270 (oeste), ao digitar um zero a mais no equipamento que determina a rota. O vôo que deveria durar 45 minutos durou 3 horas e 45 minutos, a aeronave ficou sem combustível e caiu à noite na floresta amazônica. O livro foi feito em um processo rigoroso de investigação sem exagerar nada, com consulta a cerca de dez mil documentos, apenas colhendo os fatos.

Outro trabalho bastante conhecido, em que a linguagem não tem a ver diretamente com a literatura, são seus roteiros para televisão no programa ”Carga Pesada”, da Rede Globo. O que você usa na televisão das apurações feitas anteriormente para escrever livros como ”Carga Perigosa”, e o que significa para você, enquanto escritor, ter que transformar fatos reais em ficção? ”Carga Perigosa” é um livro que conta uma história do nosso tempo, muito real, que é a história das estradas, dos assassinatos de caminhoneiros, roubos de caminhões e cargas,

mostra como caminhões e cargas roubadas passam pela fronteira do Brasil com a Bolívia. Descobri isso viajando, sentei na boléia de um caminhão e viajei durante um mês. Fiz várias idas e vindas de São Paulo até o Acre, mudei de caminhão muitas vezes. Depois fui de automóvel até o interior da Bolívia para descobrir as rotas de contrabando, apurar como a carga roubada é trocada por cocaína e como a droga acaba entrando no Brasil. Foi em função do livro ”Carga Perigosa” que a Rede Globo me convidou para escrever para o seriado ”Carga Pesada”, que também é inspirado na vida nas estradas. Meu trabalho de ficção, com

apenas duas exceções, é todo baseado em fatos reais. Mas, na ficção, há o lado psicológico, o perfil dos personagens... É claro, em cima dos fatos reais eu vou criando as histórias. Se nas viagens de caminhão para escrever “Carga Perigosa” eu tivesse achado uma história completa de um caminhoneiro que preenchesse todo o requisito da dramaturgia que eu queria, teria narrado apenas a história desse caminhoneiro. Mas eu pincelei histórias de vários caminhoneiros, descobri como são realizados os assaltos, como as cargas são roubadas e aí criei para o livro uma


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“MEU TRABALHO DE FICÇÃO, COM DUAS EXCEÇÕES, É BASEADO EM FATOS REAIS” EDITORA OBJETIVA/DIVULGAÇÃO

NA TV Escritor Ivan Sant’Anna é roteirista da Rede Globo

trama que trata da vida de quatro caminhoneiros. O que vem para o futuro? No momento eu estou pesquisando os ataques terroristas de 11 de setembro nos Estados Unidos para escrever ”Caixa-Preta 2”, que contará toda a história dos quatro vôos do atentado: como foram planejados, como os aviões foram seqüestrados, como os seqüestradores entraram nos EUA, quem eram, onde foram cria-

dos, onde e porque se tornaram fanáticos religiosos, a história dos passageiros, além de algumas histórias vividas nos prédios do World Trade Center e no Pentágono. É um livro onde não há nada de ficção, mas vai ser narrado como se fosse ficção, de modo eletrizante. Não vou narrar os fatos separadamente, mas simultaneamente, como se fosse um filme, para que a pessoa não pare de ler. Aliás, esse é sempre um dos objetivos dos meus livros. ●

TRECHO Leia, a seguir, um trecho de ”CARGA PERIGOSA” [Editora Objetiva, 320 páginas] ”Nenhum detalhe da estrada preocupava a mente de Dimas, entorpecida pelo cansaço. Ele se limitava ao essencial: manter as 18 rodas de sua carreta Scania 112 HW entre a faixa amarela do centro da rodovia e a faixa branca da direita, coisa que fazia maquinalmente. (...) O relógio localizado um pouco acima do pára-brisa marcava onze e meia. Depois de olhar as horas, Dimas usou o polegar e o indicador da mão direita para girar um botão no lado esquerdo do painel e diminuir um pouco a luminosidade dos instrumentos, que o incomodava. Cada uma daquelas pequenas tarefas o ajudava a manter-se acordado. Encontravase ao volante desde as seis da manhã da véspera. (...) Como se não bastasse o cansaço, nas pernas repletas de varizes as articulações do joelho começaram a doer, por causa da grande quantidade de horas na mesma posição. Para aliviar a dor, Dimas puxou um botão localizado no centro do painel – semelhante ao manete de um avião monomotor —, acionando o acelerador de mão. Pôde então tirar o pé do pedal. Esticou a perna para o lado, sentindo enorme alívio. Observou o conta-giros. Viu que acelerara um pouco demais. Empurrou ligeiramente o manete e restabeleceu o ritmo ideal do motor, que antes vinha mantendo com os pés. Girou o botão ligeiramente para a esquerda, apertando-o bem, para manter constante a aceleração. Aquele trecho da BR-163, no sul de Mato Grosso, entre a cidade de Rondonópolis e a divisa com Mato Grosso do Sul, é formado por uma sucessão de retas bem pavimentadas. Com exceção de alguns pontos críticos, é uma estrada "leve" (adjetivo que os caminhoneiros usam para definir rodovias planas, com poucas curvas, nas quais se pode manter uma média alta de velocidade, mesmo com o veículo carregado). Dimas de Souza - 55 anos, mineiro de Governador Valadares, morador havia muitos anos na cidade de São Paulo – costumava dizer que na subida um caminhão gasta óleo. Na descida, freios. Por isso sempre procurava fretes para Mato Grosso, Rondônia e Acre, estados que visitava umas 15 vezes por ano. Mas, sendo vantajoso, viajava para qualquer lugar. Orgulhava-se de conhecer quase todo o Brasil.”



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MAIS TRANSPORTE SCANIA/DIVULGAÇÃO

INTERMODAL Acontece de 26 a 28 de abril, em São Paulo, a Intermodal South America, maior feira do setor de negócios de comércio exterior, de logística internacional e de transportes de carga da América Latina. Cerca de 400 expositores, entre eles 14 portos internacionais, deverão estar no Centro de Exposições do Transamérica, que dispõe de uma área de 30 mil metros quadrados. O público previsto é de 40 mil pessoas, 5.000 deles estrangeiros. Para mais informações, acesse www.intermodal.com.br.

SÓ PARA MULHERES As mulheres terão vagões exclusivos em trens e metrôs do Rio de Janeiro. A medida prevê essa reserva nos horários de maior movimento, das 6h às 9h e das 17h às 20h. O projeto de lei, de autoria do deputado Jorge Picciani (PMDB), foi sancionado pela governadora Rosinha Matheus. As concessionárias, que têm 30 dias para cumprimento da lei, estudam a melhor forma de adaptação dos seus sistemas no prazo estipulado. A multa para quem não cumprir a lei é de 50 Ufirs.

TRANSPORTE DA SELEÇÃO A Scania apresentou o projeto Time dos Sonhos, 15 ônibus com a bandeira do Brasil estilizada especialmente para a Copa do Mundo. A empresa fornece o ônibus oficial da seleção brasileira, que conta também com o brasão da CBF. Os ônibus partirão pelas estradas do país, passando por São Paulo, Caxias do Sul, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Salvador, em cinco meses de apresentação.

SUPERSIMPLES A medida provisória 275 foi aprovada pela Câmara dos Deputados. Chamada de Supersimples, a MP dobra os limites do faturamento para o enquadramento das empresas no

Simples. Os deputados aprovaram a MP na forma que foi editada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que prevê a renúncia fiscal de R$ 750 milhões neste ano, segundo a Receita Federal. A maior alíquota

do Simples será de 12,6%, e a menor, 3%, para empresas com faturamento anual bruto de R$ 120 mil até R$ 1,2 milhão. O texto segue para o Senado para aprovação em plenário.


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“Acreditamos que não basta a empresa se livrar dos seus resíduos“ FÁVIO BASSO, GERENTE DE MARKETING DA DPASCHOAL

ENTREVISTA MEIO AMBIENTE

MAIS 2 SEST/SENAT A CNT inaugurou em março mais duas unidades do Sest/Senat. A unidade de Poços de Caldas (MG), com área de 27.700 metros quadrados, vai atender uma região com 8.500 trabalhadores do setor transportador e 250 empresas de transporte. O Sest/Senat de Bauru (SP) tem uma área de 63 mil metros quadrados e vai atender uma população de 343 mil habitantes. A região tem 15 mil trabalhadores

Reciclagem completa envolvidos com a atividade transportadora e 1.450 empresas de transporte. Ambas as unidades vão oferecer atendimento médico-odontológico e oftalmológico e cursos de aperfeiçoamento profissional para todos os trabalhadores em transporte, seus familiares e a comunidade. As inaugurações das unidades foram comemoradas com shows do cantor Sérgio Reis. SEST/SENAT/DIVULGAÇÃO

POR

ALICE CARVALHO

Muito se fala sobre reciclagem de pneus, mas uma revisão no carro pode gerar muito mais resíduos do que a troca dos compostos de borracha. São escapamentos e amortecedores, entre outros itens, que podem ser reciclados ou devem receber uma destinação correta para não agredir o meio ambiente. Pensando nisso, a DPaschoal (rede de serviços automotivos) lançou em 2002 o programa Garantia Ambiental. É o que informa o gerente de marketing da empresa, Fábio Basso, na entrevista abaixo. Por que a empresa tomou essa iniciativa? Acreditamos fortemente que não basta à empresa se livrar dos seus resíduos sem se preocupar com o que está sendo feito com eles. Isso é empurrar o problema para que outro cuide, e não buscar a solução. Como se dá o início da reciclagem? O início se dá com a orientação dos próprios funcionários da DPaschoal, que aprendem a separar e armazenar de maneira correta os produtos retirados dos veículos que são deixados pelos clientes nas lojas. Após a coleta, a empresa recebe todo mês relatórios com a comprovação da correta destinação do material. Como todo o processo é acompanhado, torna-se possível rastrear a localização exata dos resíduos.

POÇOS DE CALDAS Unidade atenderá 8.500 trabalhadores da região

Quem faz o trabalho de reciclagem? A DPaschoal fechou parceria com a Mazola Logística e Reciclagem. Ela cuida da gestão dos resíduos de toda a empresa, processo que vai da vistoria do local onde os resíduos ficam armazenados até o acompanhamento do correto destino dos produtos no reciclador.


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ESTANTE

MAIS TRANSPORTE ADRIANO CORDEIRO/ GAZETA DO POVO/ FUTURA PRESS

ENCONTRO EM MG A Fetcemg (Federação das Empresas de Transportes de Cargas do Estado de Minas Gerais), com apoio dos seus sindicatos filiados, realizará nos dias 11 e 12 de maio o 11º Encontro Mineiro do Transporte Rodoviário de Cargas, no Actuall Hotel e Eventos. O encontro, que reúne empresários de diversas regiões do país e líderes políticos, inclui palestras sobre a conjuntura política e econômica, recursos humanos e questões técnicas do TRC. Mais informações: (31) 3490- 0303.

Em pé novamente Após 14 meses de trabalho, a reconstrução da ponte sobre a represa do Capivari, na BR-116, que liga Curitiba a São Paulo chegou à sua fase final. Segundo o engenheiro David Gouvêa, coordenador do Dnit (Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transporte) do Paraná, dentre as várias possibilidades de reconstrução da ponte, o Dnit escolheu a mais rápida e econômica, com vigas metálicas pré-fabricadas e acabamento em concreto. Os 80 metros que caíram foram substituídos por 120 metros de ponte. Todas as obras necessárias para a reconstrução da ponte, como grampeamento de aterro, manutenção do tráfego, retirada da laje, contenção do maciço e da encosta, projetos e controle de cargas, consumiram

cerca de R$ 30 milhões. A ponte foi liberada para o tráfego no final de março. A ponte do Capivari caiu em janeiro de 2005. Devido a uma forte chuva, o aterro da cabeceira norte da ponte deslizou sobre a represa, lançando toneladas de terra contra linha de pilares. As sustentações quebraram e as duas seções da ponte, de 40 metros cada, caíram como um dominó. No momento do deslizamento, um motorista caiu com o seu caminhão dentro da represa e morreu. A BR-116 compõe o chamado Corredor do Mercosul. É a principal ligação do Sul com resto do país, unindo as duas regiões economicamente mais importantes do Brasil, o Sul e o Sudeste. (Por Alice Carvalho)

O livro trata da transformação do país em uma potência mundial, que muda os mapas de todos os setores da economia. A jornalista foi correspondente em Pequim por um ano e mostra, também, como é o cotidiano de um estrangeiro no país asiático. De Cláudia Trevisan. Ed. Planeta, 240 págs, R$ 32,50

ADIN DA CATRACA O ministro Marco Aurélio, do STF (Supremo Tribunal Federal), é o relator da ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 3690 ajuizada pela CNT. A entidade contesta a lei paranaense 14.970/05, que proíbe a utilização de catracas eletrônicas e outros mecanismos nos veículos de transporte coletivo do Estado. Na ação, a CNT alega que a lei é inconstitucional por vício de competência e de iniciativa, pois a Assembléia Legislativa do Paraná legislou sobre trânsito e transporte e direito do trabalho, e teria invadido competência privativa da União (artigo 22, incisos I e XI da Constituição Federal).

Relato sobre a produção do documentário que mostra como vivem os meninos que trabalham no tráfico e nas áreas dominadas pela droga, realizado entre 1998 e 2006. Dos 17 entrevistados, 16 estavam mortos quando o livro ficou pronto. De MV Bill e Celso Athayde. Ed. Objetiva, 272 págs, R$ 33,90

Os Virtuosos Ensaio que defende a tese de que a corrupção não era prática comum nos governos de Prudente de Moraes, Campos Sales e Rodrigues Alves, que governaram o país logo após a fundação da República. De Luiz Felipe D’Avila. Ed. Girafa, 248 págs, R$ 36


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PESQUISA FIA/DIVULGAÇÃO

CIT NO PERU Nos dias 27 e 28 de fevereiro o secretário-geral da CIT, Paulo Caleffi, esteve em Lima, no Peru. Caleffi se reuniu com empresários da área de transportes para tratar da unificação do sistema e da adoção de um estatuto para que as reuniões ocorram dentro dos mesmos princípios estabelecidos nos encontro internacionais da CIT. No Palácio Presidencial, acompanhado do ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, foi recebido pelo presidente do Peru, Alejandro Toledo. Outro assunto abordado foi a ligação inter-oceânica Atlântico x Pacífico. CIT/DIVULGAÇÃO

ENCONTRO Paulo Caleffi e Alejandro Toledo, em Lima

TECNOLOGIA Seminário em São Paulo discute combustível alternativo

EM BUSCA DE ENERGIA LIMPA O Brasil, um dos países líderes mundiais nas pesquisas tecnológicas em busca de combustíveis alternativos e limpos, foi sede do seminário internacional Combustíveis e Veículos Menos Poluentes na América Latina, que aconteceu em março em São Paulo. O evento foi promovido pela Fundação da FIA (Federação Internacional de Automobilismo) e pela Unep (programa da Organização das Nações Unidas responsável pelo cuidado com o meio ambiente). A AAB (Associação Automobilística do Brasil) coordenou a reunião, em que estiveram presentes representantes de mais de dez países, princi-

palmente da América Latina. Durante o encontro, os participantes destacaram as vantagens econômicas do álcool como combustível e a posição privilegiada do Brasil, principalmente em relação ao biodiesel. O seminário foi aberto por Ivan Fonseca e Silva, presidente da AAB, que falou da importância do Brasil como pioneiro no desenvolvimento da tecnologia de álcool combustível. Uma das conclusões do seminário foi a necessidade do uso de fontes alternativas de energia para o combate à poluição, que a cada ano é responsável por cerca de 800 mil mortes em todo o

mundo por complicações respiratórias e cardiovasculares. O número de mortes é três vezes maior do que as provocadas por acidentes de trânsito, segundo dados da Unep. O engenheiro Ozires Silva, do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, destacou em sua palestra a importância da busca imediata de alternativas viáveis para os combustíveis não derivados de petróleo no futuro. “Alguns especialistas acreditam que o petróleo vai acabar. Eu acho que vai se tornar escasso, mas a questão principal hoje é ecológica, mais do que econômica.” (Por Fernanda Lassi)



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“Nossa sorte é que a economia mundial continuou crescendo e a China não é nossa concorrente na maioria dos produtos” 0PINIÃO

ALEXANDRE GARCIA

Não dá para parar rasília (Alô) – Tratando mais de banco e menos de desenvolvimento, o 47º Encontro de Governadores do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) recém-realizado em Belo Horizonte, foi uma oportunidade pouco aproveitada para sacudir quem imagina que tudo vai bem no comércio exterior brasileiro porque, afinal, as exportações não param de crescer. Engano. Nós é que corremos o risco de parar ante os bons números das exportações. Em primeiro lugar, porque o ritmo de crescimento das vendas já não tem o mesmo ímpeto, principalmente nos manufaturados; segundo, porque o mundo não fica parado. Muito especialista previa que o dólar abaixo de R$ 3 seria uma catástrofe para as exportações. Não foi. Nossa sorte é que a economia mundial continuou crescendo e compradora, que a China não é nossa concorrente na maioria dos produtos, que a Argentina, nosso segundo maior importador, cresce pelo terceiro ano consecutivo a taxas muito altas, e o preço externo de nossos produtos valorizou-se bastante, restando problemas apenas para calçados, têxteis e móveis – que perderam competitividade –, e o frango, por causa do medo da gripe. O aumento médio das cotações de nossos produtos de exportação foi de 39% nos últimos três anos, período em que o dólar se desvalorizou quase no mesmo percentual. Há quem preveja um recuo do dólar até R$ 2, mas há estimativas de estabilizar-se em torno de R$ 2,20. A China importa o que produzimos e não produz o que vendemos e está liderando o crescimento. Hoje é a campeã mundial de reservas de divisas. Ainda que tenhamos duplicado nossas exportações de 2001 a 2005, ainda que o saldo superavitário do nosso comércio exterior tenha saltado de US$ 2,65 bilhões para

B

US$ 44,76 bilhões no mesmo período, ainda que nossas exportações alcancem, neste ano, US$ 135 bilhões, não dá para parar. O empresariado precisa se mobilizar para remover os obstáculos que persistem, atrapalham o escoamento das exportações e encarecem nossos produtos, diminuindo-lhes a capacidade de competir. O Encontro do BID discutiu as chances de desenvolvimento da região e nós perdemos nas comparações. Nos falta investimento em educação, sem o que não há futuro. Nos falta reformar as instituições, que são lentas, pesadas e atrapalham. Nos falta capacidade própria de investir – ficamos na dependência de recursos voláteis de fora. E nos falta abertura para o mundo. Continuamos um país fechado pela burocracia, pelos tributos, pelo custo de nossos portos, pela fragilidade de nossas rodovias e pela falta de ferrovias. Tramitam no Senado projetos sugeridos por CNI e Fiesp para uma modernização cambial, que facilitaria o trânsito de divisas e reduziria o custo das transações cambiais. Existe também a idéia de credenciar instituições financeiras para a abertura de contas em moeda estrangeira, sob a fiscalização do Banco Central. Nosso maior comprador, os Estados Unidos, foi responsável por 19% de nossas exportações no ano passado. O segundo é a Argentina que, somada ao México e Chile, dá quase 15% de nossas vendas para o exterior. Esses três grandes parceiros estão na área do BID e, enquanto ficamos na lenga-lenga de medo da Alca, poderíamos ativar mais relações além das que já existem com esses parceiros. Enquanto isso, a saída é botar a boca no trombone para exigir mais lubrificação nos canais do comércio exterior. A reunião do BID em BH foi uma tribuna que desperdiçamos.


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FERROVIA PRESERVADA

HISTÓRIA

NOS TRILHOS TREM TURÍSTICO ENTRE OURO PRETO E MARIANA RESGATA A MEMÓRIA E SE TORNA PROMOTOR DE AÇÕES CULTURAIS POR SANDRA CARVALHO

oradores de Ouro Preto e Mariana, em Minas Gerais, estão comemorando o resgate de um som que despertou as duas antigas capitais do Estado todos os dias durante mais de meio século: o apito do trem. A velha Maria Fumaça, que um dia simbolizou o progresso, está de volta e, desta vez, em caráter turístico, acompanhada de atrativos culturais, lúdicos e educacionais. O trem Ouro Preto-Mariana será inaugurado neste mês e voltará a interligar os dois mais importantes patrimônios históricos e culturais de Minas. O projeto é uma

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iniciativa da Fundação Vale do Rio Doce, através da Lei Federal de Incentivo à Cultura. Uma locomotiva a vapor, com alimentação a diesel e seis vagões pintados de vermelho, com interior em madeira e seguindo o modelo dos antigos trens, fará o passeio com os turistas, em um trecho de 18,7 km de extensão. Para colocar a Maria-Fumaça de volta nos trilhos, a Fundação investiu R$ 47 milhões. Segundo informações da empresa, a malha ferroviária foi praticamente reconstruída e as quatro estações que se encontram no trecho – Ouro Preto, Vitorino Dias, Passa-


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PREFEITURA DE MARIANA/DIVULGAÇÃO


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TREM DOS INCONFIDENTES

Linha foi inaugurada em 1888 O passeio de trem pelas cidades de Ouro Preto e Mariana resgata o trajeto do chamado Trem dos Inconfidentes. A linha, um trecho de 18 km, foi aberta em 1888. A inauguração contou com a presença do imperador Dom Pedro II. Ele percorreu essa parte do trecho que servia para ligar a capital de Minas Gerais – na época, Ouro Preto – às outras regiões do Estado. O trem simbolizava o progresso, pois a produção local (minério) deixou de ser transportada em carros de boi e passou a chegar mais rápido aos seus destinos. O trem operou regularmente até 1959 sob a administração da Central do Brasil, servindo ao transporte de cargas e de pas-

gem de Mariana e Mariana – foram reformadas com a aprovação do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Um dos destaques do passeio é o vagão panorâmico, que terá a lateral transparente, permitindo que se observe toda a paisagem ao longo da travessia. As obras foram iniciadas em agosto do ano passado e concluídas em março. A inauguração estava anteriormen-

sageiros. Em 1965, a linha passou à responsabilidade da Rede Ferroviária Federal, transportando carga e esporadicamente passageiros. Desativado na década de 1980, o trem só voltou a entrar em operação em 1986, quando o governo de Minas Gerais inaugurou o trem turístico a vapor. Duas antigas locomotivas – uma Baldwin americana de 1927 e uma Pacific inglesa de 1928 – chegaram a realizar o passeio durante pouco mais de um ano, mas foram desativadas por falta de fluxo. Em 1996, o trecho da ferrovia passou a ser administrado pela Ferrovia Centro Atlântica e foi totalmente recuperado pela Vale do Rio Doce.

te marcada para o feriado de 21 de abril, mas, segundo o ministro do Turismo, Walfrido dos Mares Guia, as festividades do dia de Tiradentes poderiam “ofuscar a importância da volta do trem turístico que resgata a ligação das duas mais antigas capitais do Estado”. Por isso, a Maria Fumaça dará o apito inicial no próximo dia 28. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva confirmou a presença na soleni-

GRATUITO Parte externa de estação de Ouro Preto abriga


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NENO VIANNA/PREFEITURA DE OURO PRETO/DIVULGAÇÃO

MEMÓRIA VIVA

Dia especial para aposentado

rá um circo, batizado de Lona Cultural

Para o ferroviário aposentado Nilson Lourdes de Oliveira, 76 anos, a volta da Maria Fumaça terá um significado especial. O trecho percorrido entre Ouro Preto e Mariana sempre esteve presente em sua vida. “Sou filho de ferroviário. Nasci praticamente dentro da estação Vitorino Dias, pois meus pais moravam numa casa anexa à estação. Cresci vendo o movimento dos trens, das pessoas na estação, das cargas”, diz. Oliveira trabalhou durante 36 anos como supervisor geral de administração de todo o ramal da linha férrea, do qual o trecho Ouro Preto-Mariana faz parte. Ele só parou em 1978 para se aposentar. “Na década de 1950, chegamos a ter dois mistos (trens de passageiros e carga) e de 10 a 15 vagões somente de carga. Por dia, também passavam dois expressos

dade de inauguração. O trem irá circular de quinta a domingo e terá capacidade para 360 passageiros por viagem e 112 mil passageiros por ano. A viagem terá duração de aproximadamente 55 minutos. A operação ficará a cargo da FCA (Ferrovia Centro-Atlântica), empresa controlada pela Vale do Rio Doce e que também opera o trem que liga as cidades históricas de São João del-Rei e Tiraden-

de passageiros de primeira classe, três de segunda classe, acompanhados de um carro para pequenas bagagens. Todos com boa lotação. Era um movimento só.” O trem a vapor percorria a paisagem de cachoeiras, rios e matas. Sua lembrança do trajeto é de uma topografia recheada de belezas naturais, com um traçado bem feito e quatro túneis. Ele é convidado de honra pelo prefeito de Ouro Preto, Ângelo Osvaldo, para participar da inauguração. “Vou ficar feliz quando entrar no trem, por percorrer novamente o trecho depois de mais de 20 anos. Mas também vou ficar triste, nostálgico, porque a paisagem não é mais a mesma. Apesar disso, verei coisas novas nas estações e a busca pela preservação ambiental acontecendo.”

“O passeio desperta a consciência da preservação ambiental e patrimonial” VITTÓRIO LANARDI, SECRETÁRIO DE TURISMO DE OURO PRETO

tes. Até o fechamento desta edição, a FCA ainda não havia divulgado o valor da tarifa a ser cobrada pelo passeio de trem. Segundo a assessoria de imprensa da CVRD, a opção pelo investimento em um trem turístico em vez de um trem regular de passageiros não passa por questões de viabilidade financeira. A empresa frisa que o projeto não é tratado como um negócio e, sim, como uma iniciativa de responsabilidade social. “O intuito vai muito além da questão turística, pois o objetivo principal é consolidar valores como cidadania e educação patrimonial dentro da comunidade das duas cidades”, diz Ana Ledic, coordenadora do Santa Rosa Bureau Cultural, empresa contratada pela Fundação Vale do Rio Doce para a concepção do projeto. De acordo com Ana Ledic, esses valores serão trabalhados nas estações, nos vagões e no entorno desses complexos ferroviários. A parte externa da estação de Ouro Preto, por exemplo, terá um circo da estação da cidadania, batizado de Lona Cultural, um espaço amplo onde serão realizadas atividades gratuitas voltadas para jovens da rede pública de ensino como dan-


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“A volta do trem significa o resgate do res CELSO COTA, PREFEITO DE MARIANA

EUGÊNIO MORAES/HOJE EM DIA/FUTURA PRESS

EM ATIVIDADE Maria Fumaça entre Tiradentes e São João del-Rei foi inaugurada em 1881 e nunca deixou de circular

“O objetivo principal é consolidar valores como cidadania na comunidade” Ana Ledic, coordenadora do Santa Rosa Bureau Cultural

ça, música, teatro e técnicas circenses. “Durante essas atividades, a criatividade e a expressão desses jovens serão estimuladas, e também serão trabalhados, de maneira lúdica, os conceitos de cidadania”, afirma. Dois vagões adaptados darão suporte ao circo. Também na estação ouropretana, funcionarão o vagão cafeteria e o sonoro ambiental, abertos ao público em geral. Nesses vagões, serão realizadas atividades de musicalização e confecção de instru-

mentos musicais. Um museu que resgata a história da linha férrea e da cidade também poderá ser visitado na estação de Ouro Preto. Já em Mariana, na parte externa da estação, foi criado um parque lúdico-musical, uma área de 700 metros quadrados onde estarão disponíveis cerca de 30 brinquedos sonoros. Outro destaque do projeto é o vagão dos sentidos, onde a percepção dos visitantes sobre aspectos históricos e culturais é trabalhada através da exibição de proje-

ções, vídeos e sons. A cidade também contará, entre outras atrações, com uma biblioteca infanto-juvenil, com acervo de mais de 4.000 títulos. Vários materiais didáticos e atividades de conscientização sobre a importância da preservação patrimonial também fazem parte do projeto nas quatro estações. A visitação a esses espaços e participação das atividades será inteiramente gratuita. O projeto também teve apoio da Associação Brasileira de Preservação Ferroviária


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peito ao patrimônio e à cultura barroca”

SEM INTERRUPÇÃO

Linha entre São João del-Rei e Tiradentes resiste ao tempo Outra atração turística nos trilhos de Minas Gerais é a Maria Fumaça que liga as cidades históricas de São João del-Rei e Tiradentes. Inaugurada em 1881 por Pedro II, a Maria Fumaça nunca deixou de operar. Os trens a vapor – antigas locomotivas Baldwins – são os únicos do mundo com bitola de 760 mm que transportam passageiros. O passeio é realizado na antiga Estrada de Ferro Oeste de Minas, com extensão de 12 km. A viagem resgata o contexto histórico do lugar, retratando os ciclos do ouro e do diamante e o barroco mineiro. A linha férrea liga estações

da Universidade Federal de Ouro Preto. A instituição cedeu o prédio da estação de Ouro Preto. Os alunos dos cursos de artes cênicas, história, letras e artes plásticas integrarão os projetos comunitários e oficinas nas estações. As Prefeituras de Ouro Preto e Mariana e o Ministério do Turismo também contribuíram para a concretização do projeto, realizando obras de infra-estrutura no entorno do complexo ferroviário. Para o secretário de Turismo de Ouro Preto, Vittório La-

construídas no século 19 e passa por fazendas centenárias, entre rios e montanhas. Segundo a Ferrovia Centro Atlântica, que opera o trecho desde 2001, os antigos prédios que serviam de almoxarifado e armazém ferroviário desde a inauguração da estrada foram totalmente restaurados e neles funcionam centros de artesanato, auditório e centro de convenções. As estações das duas cidades também foram completamente recuperadas. A estação coberta de São João del-Rei foi totalmente restaurada em 1981, ano do centenário da Oeste

nardi, o trem representa mais que um atrativo turístico. “Além de lazer, o passeio desperta, de forma agradável, a consciência da preservação ambiental e patrimonial nos visitantes”, diz Lanardi. Ele também destaca a criação de postos de trabalho. As obras geraram 500 empregos diretos, 350 em Ouro Preto e 150 em Mariana. “A volta da Maria Fumaça representa, antes de qualquer coisa, o resgate do respeito ao patrimônio, da cultura barroca e da promoção social das

de Minas, e passou a abrigar um museu ferroviário, onde está a primeira locomotiva da estrada de ferro – a número um, com a réplica do vagão no qual viajou o imperador dom Pedro II – e outros veículos ferroviários, além dos antigos documentos utilizados na ferrovia. O complexo ferroviário de São João del-Rei é tombado pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Segundo informações do projeto Memória Ferroviária, a cidade reúne o maior acervo do mundo de locomotivas a vapor preservado e original de um mesmo fabrican-

comunidades”, afirma o prefeito de Mariana, Celso Cota. Há também a expectativa de crescimento no número de turistas. Mariana recebe anualmente 50 mil visitantes e a vizinha Ouro Preto, Patrimônio da Humanidade, atrai dez vezes mais. “Quem for a Ouro Preto, por meio do passeio de trem, virá a Mariana. Por isso, vislumbramos, no mínimo, dobrar o número de turistas que recebemos, o que impactará positivamente na economia da cidade”, diz Cota. O prefeito de Mariana

te – a Baldwin – e de uma mesma ferrovia – a Oeste de Minas. No local, existem 15 locomotivas especialmente fabricadas para bitola de 760 mm, sendo que apenas uma está sucateada. Seis estão em operação, duas a lenha e quatro a óleo. As outras oito locomotivas estão completas, mas paradas, em exposição. Os trens correm às sextas-feiras, aos sábados, aos domingos e nos feriados, com partidas às 10h e às 15h, de São João del-Rei, e às 13h e às 17h, de Tiradentes. Outras informações podem ser obtidas pelo telefone (32) 3371-8485.

acrescenta que o trem e outros projetos turísticos como a Estrada Real vão garantir o futuro econômico das duas cidades, que têm ainda na mineração a principal atividade econômica desenvolvida. “Passamos pelo ciclo do ouro, que projetou Ouro Preto e Mariana mundialmente. Estamos passando pelo ciclo do minério, que também vai acabar um dia. Mas, antes que isso aconteça, estamos entrando no ciclo do turismo, que acredito ser eterno”, diz Cota. ●



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PROTOCOLO DE CARTAGENA

AMEAÇA AO TRANSPORTE ADOÇÃO DO TERMO "CONTÉM" TRANSGÊNICO PODE TRAZER UM AUMENTO DE CUSTOS DE ATÉ 30% PARA O EMPRESÁRIO DO SETOR POR

“C

QUEILA ARIADNE

ontém” ou “pode conter”? Eis a questão. A polêmica discussão levantada pelo Protocolo de Cartagena (tratado mundial de biossegurança) sobre a identificação das cargas de OVMs (Organismos Vivos Modificados) - os transgênicos - pode trazer um aumento de custos a ordem de até R$ 1,5 bilhão por safra de soja para o setor produtivo, o que inclui o setor transportador. Segundo pesquisas da Unicamp, somente o transporte pode sofrer impactos de 10% a 20%. Entretanto, o bolso do setor e de outros segmentos da cadeia produtiva só será diretamente afetado daqui a seis anos, se o governo brasileiro aderir à identificação “contém” - o que demandaria gastos com testes e com o atraso provocado pela

elevação do tempo de espera dos caminhões e navios nos portos exportadores. Por enquanto, a MOP-3 (3º encontro entre as partes do Protocolo), que aconteceu em Curitiba, de 13 a 17 de março, só decidiu se vai adotar “contém” ou “pode conter” na MOP-6, marcada para 2012. Desde que o Brasil aderiu ao Protocolo de Cartagena, em 2004, o ponto sobre a melhor maneira de identificar cargas com transgênicos, mais precisamente o artigo 18, empacou. A expressão “contém” indica que o país terá que segregar grãos transgênicos dos convencionais, comprovando a separação por meio de testes nos carregamentos. Já o “pode conter”, atualmente adotado, fornece as informações necessárias para que o país importador


FIQUE POR DENTRO O QUE É • O Protocolo de Cartagena é um tratado ambiental mundial que faz parte da Convenção sobre Diversidade Biológica. Foi aprovado 2000 e entrou em vigor em 2003. O Brasil aderiu em 2004 OBJETIVO GERAL • Contribuir para assegurar um nível adequado de proteção para a saúde humana no campo da transferência, da manipulação e do uso seguro dos organismos vivos geneticamente modificados (OVMs), com enfoque nos movimentos transfronteiriços OBJETIVOS ESPECÍFICOS • Garantir que os países importadores tomem decisão quanto à importação de um OVM que será intencionalmente liberado no meio ambiente • Garantir que os países tenham acesso às informações referentes às autorizações de cultivo e de importação de OVMs destinados à alimentação humana, animal e ao processamento • Encorajar e fomentar a conscientização e a participação pública no que se refere à segurança do transporte e do manuseio dos OVMs em relação à conservação e ao uso sustentável da diversidade biológica • Desenvolver recursos humanos e capacidade institucional em biossegurança da biotecnologia nos países signatários do Protocolo. Fontes: MMA/MCT/CIB

evite danos ao ambiente, com tolerância para alguma mistura. Se a primeira opção for aprovada, caberá ao país produtor fazer os testes. Esse é o medo do setor produtivo, de economistas e entidades defensoras dos transgênicos, pois eles temem que tais despesas onerem demais as exportações e atrapalhem o comércio exterior de commodities como soja, milho e algodão. De acordo com o gerenteexecutivo da Unidade de Competitividade Industrial da CNI (Confederação Nacional da Indústria), Maurício Mendonça, a obrigatoriedade de informação detalhada sobre o que se está

comercializando custaria R$ 50 milhões para a indústria brasileira. “Isso tiraria a competitividade do país em relação a grandes exportadores de commodities como os Estados Unidos e a Argentina, que não são signatários do Protocolo de Cartagena”, diz. Na avaliação de Mendonça, a manutenção da expressão “pode conter transgênicos” dá a mesma liberdade para o importador recusar o produto ou até custear os testes para verificar se contém ou não OVMs. “Esse custo não deveria ir para o exportador”, afirma. Um estudo coordenado pelo

professor José Maria Silveira, do NEA (Núcleo de Economia Agrícola) da Unicamp, em parceria com o Icone (Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais) revela que a escolha do “contém” pode elevar o custo das exportações de soja em até 8,7%. No caso do “pode conter”, o ônus cairia para 0,2%. Mas de onde viria esse aumento de custos? De acordo com o professor Silveira, ele viria principalmente do encarecimento com o transporte e armazenagem. “Na hipótese mais dura da adoção do “contém”, para cada caminhão que

chegar no porto será necessário coletar amostras e aplicar testes para provar que não há misturas de transgênicos nas cargas a serem exportadas. Isso geraria um enorme atraso”, afirma Silveira. TEMPO É DINHEIRO Para se ter uma idéia, um navio parado no porto custa cerca de US$ 40 mil por dia. Portanto, afirma Silveira, caso seja necessário esperar os resultados de testes, para os quais ainda nem se sabe ao certo o tipo nem o tempo que demorariam, as despesas se elevariam enorme-


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MOP-3/DIVULGAÇÃO

ADESÃO A CARTAGENA Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva

mente. Tomando como referência o Porto de Paranaguá, no Paraná, que embarca de três a quatro navios por dia, um teste que demorasse cinco dias geraria um custo de US$ 1,8 milhão. Isso sem considerar o efeito cascata provocado, uma vez que existe uma fila de caminhões para desembarcar as mercadorias nos portos e, se o da frente atrasa, todos de os de trás também ficam atrasados. Portanto, na avaliação do professor, o “contém” daria dimensões muito maiores a graves problemas que o Brasil enfrenta com logística, transporte e armazenamento que, sozi-

nhos, já comprometem a competitividade dos produtos brasileiros, tornando-os mais caros frente aos concorrentes internacionais. CONTA Ainda não se sabe ao certo nas mãos de quem essa conta vai parar. Na opinião da secretária-executiva do CIB (Conselho de Informações Biotecnológicas), Alda Lerayer, ela será dividida entre os diversos setores da cadeia produtiva de exportação, mas a parte mais pesada deve cair no colo, ou melhor, no bolso dos produto-

“Para cada caminhão no porto será necessário coletar amostras e aplicar testes nas cargas” JOSÉ MARIA SILVEIRA, PROFESSOR DO NÚCLEO DE ECONOMIA AGRÍCOLA DA UNICAMP

res. “O próprio governo já deu sinais que isso vai acontecer, ao falar no lançamento de linhas de financiamento especiais para ajudar o produtor no processo de segregação de grãos”, ressalta Alda. Tal preocupação já foi materializada pela CNA (Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária). É dela o cálculo de aumento de custos de R$ 1,5 bilhão por safra de soja. Em nota oficial, a entidade que representa o setor produtivo fez um alerta ao governo sobre as dificuldades e os custos que tal regulamentação poderia acarretar sobre o produtor agrícola brasi-


“O governo já deu sinais de que a parte mais pesada da conta ALDA LERAYER, SECRETÁRIA-EXECUTIVA DO CONSELHO DE INFORMAÇÕES BIOTECNOLÓGICAS

EMBALAGENS

Lei de 2003 ainda não pegou No Brasil, existe uma lei que obriga, desde 2003, as indústrias a informarem a presença de transgênicos no rótulo. Ainda não “pegou”. De um lado, defensores do consumidor exigem uma identificação clara nas embalagens, informando o percentual de transgênicos nos alimentos. De outro, a indústria alega que isso, além de gerar elevados custos, poderia afugentar o consumidor. De acordo com a diretora da Pro Teste (Associação Brasileira de Defesa do Consumidor), Maria Inês Dolci, não há fiscalização. “Não somos contra os transgênicos, mas defendemos o direito que o consumidor tem de saber o que come, o governo deveria ser mais rigoroso e fiscalizar os rótulos, o que tem que ser feito pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) ou pelos Procons”, diz. Pela lei, afirma Maria Inês, os produtos com OGM deveriam trazer na embalagem um triângulo de fundo amarelo com a letra T – sím-

bolo que indica a presença de mais de 1% de OGMs. De acordo com um relatório da ONG norte-americana International Service for the Acquisition of AgriBiotech Apliations (ISAAA), no ano passado, o Brasil cultivou 9,4 milhões de hectares de transgênicos, um volume 88% maior do que os 5 milhões de hectares plantados em 2004. Só em 2003, após constatar que a safra de soja transgênica de 2003 chegava a 8% do total, estimada em R$ 1 bilhão, o governo brasileiro autorizou a venda da soja geneticamente modificada. Antes disso, sementes contrabandeadas da Argentina já eram plantadas. Em 2005, o governo permitiu o cultivo de algodão em determinadas regiões do país. Segundo o Ministério da Agricultura, no ano passado cerca de 109 mil agricultores plantaram transgênicos, a maioria no Rio Grande do Sul, onde cerca de 80% da safra é de soja transgênica.

FISCALIZAÇÃO Agentes da Secretaria de Agricultura do Estado

leiro, contribuindo para piorar ainda mais a mais grave crise experimentada pelo setor em toda sua história. “Seguramente quem pagará essa conta é o produtor de soja, hoje enfrentando enormes dificuldades, uma vez que em 2004 e 2005 a sojicultura apresentou queda no faturamento de quase 30%”, afirma a nota. A CNA entende que o momento atual é grave e requer políticas de redução de custos e estímulo ao aumento da competitividade. A entidade reforça ainda que os produtores brasileiros acompanharão com atenção os debates no Congresso Nacional, durante

os quais deverão ser ouvidos todos os segmentos diretamente envolvidos na questão. GARGALOS Segundo a secretária-executiva do CIB, Alda Lerayer, as defasagens brasileiras nas condições de logística e armazenamento deixam o país ainda mais vulnerável aos efeitos negativos da expressão “contém”. “Tais condições fazem com que os carregamentos façam vários transbordos, trocas de meio de transporte durante o percurso, até chegarem ao destino final, ou seja, nos portos”, afirma. Se o exportador for obrigado a


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deve ser dos produtores” DA REUNIÃO EM CURITIBA ALBARI ROSA/GAZETA DO POVO/FUTURA PRESS

QUEM PARTICIPOU • Delegações de 97 partes (países signatários do Protocolo), 14 países observadores e ONGs. Foram mais de 3.000 participantes PRINCIPAIS PONTOS DISCUTIDOS • Identificação, embalagem, manuseio e uso de organismos vivos modificados • Responsabilidade e reparação/compensação decorrentes de danos resultantes do transporte de OVMs entre países • Avaliação, manejo e comunicação de risco • Cooperação com outras organizações, convênios e programas • Metodologias para identificação de OVMs • Percepção e participação pública na implementação do Protocolo * CONTÉM X PODE CONTER Contém OVM • Indica que o carregamento contém OVMs (transgênicos) comprovado por testes feitos pelo país exportador, para garantir maior nível de informação ao país importador. Foi a posição defendida pelo governo brasileiro na MOP-3

do Paraná, na BR-376, para cumprir decreto de área livre do transgênico

identificar a carga com “contém OVMs”, a cada transbordo o transportador terá que esperar por testes e se responsabilizar pela rotulagem da carga, que terá que ser renovada a cada ponto onde for testada. “Os custos vão recair sobre os produtores, mas é o governo federal quem deve gastar com investimentos em infra-estrutura para melhorar as estradas e demais modais, tornando o transporte mais ágil e eficiente”, comenta Alda. O estudo da Unicamp e do Icone mostra que é possível haver de três a cinco transbordos numa única rota. Quanto mais longe for o produtor do porto, maior será o custo.

Outro fator que influencia diretamente os custos é a origem do carregamento. Na prática, o Rio Grande do Sul será o Estado que menos sofrerá impactos. Segundo o estudo, uma vez que é declaradamente o maior produtor de transgênicos, fica mais fácil realizar os testes, pois já se sabe das misturas. Enquanto o custo adicional para os produtores de soja aumentaria em 0,2% do valor das exportações, considerando a rota Passo Fundo-Rio Grande. Nesse caso, as despesas com transporte não seriam encarecidas. Já no norte do Paraná, na rota Maringá-Paranaguá, so-

PODE CONTER • Requer testes menos rigorosos, partindo do pressuposto de que a carga a ser importada já foi aprovada pelo país importador. Foi a posição defendida por economistas, produtores e pesquisadores, que temem que os testes encareçam a produção e faça com que o produto brasileiro perca competitividade

mente com o transporte o produtor gastaria 30,5% a mais. Na média total, o impacto subiria para 7,5% do valor das exportações. O maior custo ficaria para o Sudeste de Goiás, na rota Rondonópolis-Paranaguá, com um aumento geral de 8,7%. O custo com o transporte também ficaria 30,5% mais caro. Os cálculos consideraram a modalidade de teste mais cara. PRAZO A decisão de adotar “contém” ou “pode conter” no Protocolo de Cartagena só será realmente consolidada daqui a seis anos. O texto

aprovado na MOP-3, em março deste ano, determinou que nos casos onde a identidade preservada dos OVMs é conhecida, os carregamentos utilizaram o termo “contém OVMs”, já nos casos onde a identidade preservada dos OVMs não é conhecida, os carregamentos utilizaram a expressão “podem conter” para um ou mais OVMs que são utilizados como alimento humano, animal e processamento. Os países se reunirão novamente na MOP-4 em Montreal daqui a dois anos, porém, apenas na MOP-5, daqui a quatro anos, os países signatários irão avaliar os resulta-


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dos obtidos com o uso do “pode conter” e as possibilidades de melhorar a biossegurança com o termo mais restritivo, o “contém”. A partir daí, eles terão dois anos para implementar de fato esse tipo de rotulagem. O governo brasileiro defende o “contém” por julgar a expressão mais rigorosa. Segundo a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, só esse termo pode evitar que grãos transgênicos cruzem com cultivos convencionais, podendo exterminar espécies nos países importadores. Para a ministra, a decisão é um enorme progresso. “Foi um avanço. O Brasil deixa o impasse e passa para uma posição pró-ativa”, disse a ministra, durante a abertura do Fó-

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rum Global da Sociedade Civil, um dos eventos paralelos a MOP-3. A medida vai facilitar a rotulagem dos transgênicos, já que países importadores terão mais facilidade de identificá-los para os consumidores dos produtos. Ainda durante a MOP-3, a ministra afirmou que o Brasil vai defender uma fase de transição. “É preciso criar uma logística para a rastreabilidade, segregação e identificação da produção de grãos geneticamente modificados. Não significa que o “contém” será usado somente depois de quatro anos. É um processo cumulativo. Na medida em que se faz a segregação, vai fazendo a identificação. Na medida em que se faz a identificação, o Protocolo de Carta-

“Defendo o direito que o consumidor tem de saber o que come, o governo deveria ser mais rigoroso e fiscalizar os rótulos” MARIA INÊS DOLCI, (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DEFESA DO CONSUMIDOR) DIRETORA DA PRO TESTE

gena avança. Do contrário, logo o país será alvo de barreiras não tarifárias”, declarou na MOP-3. Segundo a secretária-executiva do CIB, Alda Lerayer, a manutenção do “pode conter”, além de mais barata, não traz riscos para a biossegurança. “Mesmo porque quando um país importa um produto, ele já aprovou a carga, então, se quer questionar a segurança, os custos do teste devem ficar por conta dele, e não dos exportadores”, afirma. Na opinião do professor Silveira , a solução mais viável seria o “pode conter”. Mas, no caso de o “contém“ ser aprovado, o mais indicado e mais barato é usar caminhões autolimpantes. “Se o medo é a possibilidade de misturar cargas com OVM e cargas convencionais, o caminhão deveria ser lacrado. Quando chegasse no porto seco, o silo deveria ser limpo ou destinado especificamente para transgênico e não-transgênico, separadamente. Caso em um determinado momento só se receba transgênico e logo a seguir, não-transgênico, a limpeza tem que ocorrer”, destaca Silveira.


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GRIPE AVIÁRIA

Transportador deve andar com guia de trânsito animal Ela ainda não pousou no Brasil, mas o governo já está se preparando para enfrentar uma possível pandemia (doença epidêmica amplamente difundida) da gripe aviária, embora a possibilidade por enquanto seja remota. Os ministérios da Saúde, Agricultura, Transporte e Defesa, entre outros, se uniram para elaborar estratégias que vão desde a intensificação do controle sanitário até a compra de kits para tratamento da doença. O Ministério da Saúde instalou 66 pontos de detecção, que auxiliarão no alerta caso haja diagnóstico de gripe aviária na população brasileira. Além disso, o governo comprou um estoque estratégico de 9 milhões do antiviral Oseltamivir (Tamiflu), para uma possível pande-

mia. E ainda liberou R$ 3,1 milhões para acelerar a construção de uma nova fábrica no Instituto Butantã (SP), onde será desenvolvida uma vacina. Apesar da preparação do governo, o diretor do departamento de saúde animal do Ministério da Agricultura, Jorge Caetano Júnior, alerta para a necessidade da colaboração do setor transportador de aves. “Neste momento, em que a gripe se espalha pelo mundo, é fundamental que o transportador ande com a guia de trânsito animal”, diz. Pela legislação nacional, toda carga de animal vivo é obrigada a ter o documento. Mas, segundo Caetano Júnior, agora a guia se torna ainda mais necessária para facilitar a identificação da origem dos

animais e ampliar as chances de controle no caso de identificação de alguma ave doente. “A guia é emitida pelas secretarias estaduais de agricultura, com um laudo de um técnico veterinário atestando a saúde dos animais.” POSSIBILIDADE Até agora, a gripe aviária atingiu 41 países, todos na Ásia, África e Europa. Entretanto, apenas oito deles, todos asiáticos, registraram vítimas humanas fatais. Desde 2003, 101 pessoas morreram. Na Europa e na África, só há registros em aves e alguns mamíferos. Segundo o infectologista José Jacyntho da Silva, professor da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, a

gripe aviária só vai se transformar numa pandemia se o vírus H5N1 sofrer uma mutação que possibilite a transmissão de humano para humano. Por enquanto, a contaminação se dá através do contato direto com aves doentes. “Contrair a doença através da ingestão de carne de frango ou ovos também é uma hipótese distante, pois ninguém come os alimentos crus e o vírus não resiste ao cozimento”, diz o infectologista. Outra possibilidade de a gripe aviária desembarcar no Brasil é através da migração de aves. No entanto, destaca Silva, as chances são muito remotas, pois as rotas das aves das regiões onde já foram identificados casos da doença não incluem o Brasil. ●

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CÈSAR TROPIA/O TEMPO/FUTURA PRESS

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VIOLÊNCIA NAS ESTRADAS

PERIGO SOBRE RODAS SOMENTE EM 2005, 6.352 PESSOAS PERDERAM A VIDA NAS ESTRADAS BRASILEIRAS POR

ANA PAULA PEDROSA

stradas malconservadas, com sinalização deficiente e fiscalização insuficiente. Junte-se a isso motoristas imprudentes, que trafegam em alta velocidade, realizam ultrapassagens perigosas, muitas vezes sob o efeito de álcool ou sem dormir, e está montado o cenário que somente em 2005 provocou 109.745 acidentes nas rodovias brasileiras. Foram 6.352 mortos e mais de 66 mil feridos no período, de acordo com a Polícia Rodoviária Federal. O Estado com maior número de acidentes e de mortos é Minas Gerais, com 26.178 ocorrências e 1.608 vítimas fatais. Em seguida, aparece Santa Catarina, onde 18.665 aci-

E

dentes tiraram a vida de 819 pessoas. Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo completam a lista dos cinco Estados brasileiros onde o trânsito matou mais gente no ano passado. As estatísticas mostram que a maior parte dos acidentes acontecem em trechos onde a estrada tem boas condições de tráfego, quando o tempo está bom e é de dia. Esses dados poderiam indicar que o motorista é o único culpado pelos acidentes, mas quem estuda o assunto ressalta que o mau estado de conservação de boa parte das rodovias brasileiras também contribui, e muito, para agravar a situação. Estudo realizado pela Pamcary, empresa especializada em seguro de carga, mostra


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que no Brasil há 281 mortes por ano para cada grupo de 100 mil caminhoneiros. Para comparar, nos Estados Unidos a proporção é 11 vezes menor, 25 mortes a cada 100 mil motoristas profissionais. O cansaço é o grande vilão desses acidentes. O motorista de caminhão se envolve em oito acidentes a cada 10 mil viagens, enquanto o de ônibus, para o mesmo deslocamento, sofre apenas 0,87 acidente. O diretor de gerenciamento de riscos da Pamcary, Darcio Centoducato, que coordenou a pesquisa, afirma que a disparidade não é por acaso. Ele lembra que o motorista de ônibus normalmente é contratado de uma empresa, tem salário e jornada de trabalho fixos, enquanto o caminhoneiro é autônomo e é obrigado a ficar mais horas na estrada para aumentar seus ganhos. Por isso, à medida que a semana passa e o motorista está há mais tempo na estrada, aumenta a proporção de acidentes. Às segundas-feiras, são expedidas 17% das mercadorias da semana, em média. Esse dia é responsável por apenas 5% dos acidentes no período. Já no sábado, quando são expedidas somente 5% da carga da semana, os acidentes somam 15% do total semanal. Aliados ao cansaço, aparecem outros fatores de risco, como

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VIDA EM RISCO Ultrapassagem em curva e avanço sobre a pista contrária são algumas das cau

tempo ruim, trânsito livre, excesso de velocidade e peso acima do limite permitido. As pistas esburacadas e a falta de sinalização podem ser apontadas como causas indiretas dos acidentes, já que a maior parte das ocorrências não acontece nesses locais. Centoducato explica que, em trechos muito ruins, a velocidade tem que ser menor e, para não atrasar muito o trajeto, o motorista tenta recuperar o tempo perdido nos trechos onde há boas condições de tráfego. “O motorista tende a percorrer os trechos malconservados com velocidade reduzida. Porém,

“Longas jornadas e imprudência são uma combinação desastrosa” NEWTON GIBSON, PRESIDENTE DA ABTC

ao vencer essa etapa, ele tenta tirar o atraso nos trechos bons, quando abusa da velocidade e luta contra o cansaço. É quando aparece a curva e o veículo tomba”, afirma. Segundo a Pamcary, no setor de transporte de cargas, 14 a cada 100 acidentes têm pelo menos uma vítima fatal e os prejuízos chegam a 28% do valor transportado. Para fazer a pesquisa, foram analisados 4.200 acidentes atendidos pela empresa no período de julho de 2004 a junho do ano passado. O levantamento levou em conta ainda os históricos de 15 milhões de viagens rodoviárias


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ALEX RIBEIRO/FUTURA PRESS

MOTORISTAS X SONO NOVA DUTRA/DIVULGAÇÃO

• 16% dos motoristas assumem dormir ao volante • 48% dos motoristas estão sonolentos em horário de trabalho • 52% dos motoristas têm apnéia no sono (o sono não atinge a fase mais profunda e não recupera o organismo) * Motoristas podem sofrer de mais de um fator, por isso a soma é maior que 100% O SONO E OS ACIDENTES NO MUNDO

Acidentes causados por sono: 29% a 32% Percentual de mortes porque alguém dormiu ao volante: 17% a 22%

sas de acidentes nas rodovias brasileiras

registrados pela Pamcary nos últimos quatro anos, além de arquivos de órgãos como Susep (Superintendência de Seguros Privados), autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda, e Polícia Federal. Quem está nas estradas no dia-a-dia confirma na prática o que diz o estudo. O presidente da ABTC (Associação Brasileira dos Transportadores de Carga), Newton Gibson, afirma que “longas jornadas associadas com estradas ruins e uma certa dose de irresponsabilidade são mesmo uma combinação desastrosa”. Segundo ele, as pistas danifica-

VIA DUTRA Rodovia concessionada investe em radares

das aumentam o valor do frete em 30%, mas o dinheiro muitas vezes não é suficiente sequer para cobrir os prejuízos da viagem. “Tem autônomo que perde dois pneus em uma viagem e perde o valor do frete nos consertos”, afirma. Para reduzir o prejuízo, o motorista se sujeita a dirigir durante horas a fio, sem parar para dormir, ou coloca uma carga excessiva no caminhão, para tornar a viagem mais rentável. Para coibir esse tipo de situação, além da recuperação da malha viária, a entidade admite que é preciso fiscalização rigorosa.

“Tudo que inibe qualquer tipo de acidentes é importante” JOSÉ DA FONSECA LOPES, PRESIDENTE DA ABCAM

• Após 12 horas dirigindo, o risco de se envolver em um acidente aumenta em 50% • Percursos entre 1.500 km e 2.800 km têm risco 2 vezes maior de provocar sinistros do que trechos entre 120 km e 700 km PARA VENCER O SONO • Evitar dirigir por mais de 9 horas seguidas ou quando estiver acordado há mais de 16 horas • Fazer cochilos programados de 20 minutos (ou múltiplos de 20) durante a jornada de trabalho • Não usar bebida alcoólica antes de dormir porque a bebida inibe a fase de sono responsável por recuperar os aspectos cognitivos Fonte: Unifesp


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PERIGO INVISÍVEL

Sono é fator de risco

“Feita a recuperação das estradas, não só do asfalto, mas da sinalização, dos acostamentos, as condições de operação melhoram”, diz. “Precisa também de operação de fiscalização para orientar e punir continuadamente, não só nos períodos de mais movimento.” Intensificar a fiscalização das estradas também é uma das soluções apontadas pelo professor Carlos Alberto Bandeira Guimarães, do Departamento de Geotecnia e Transporte da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). “A experiência mostra que a fiscalização reduz muito a ocorrência de acidentes”, afirma. Mas segundo sua avaliação, somente a intensificação do patrulhamento ou instalação de mais radares não é suficiente para mudar o quadro. O trabalho teria que ser sustentado por um tripé, cujos outros pilares seriam a educação para o trânsito e a engenharia de tráfego, em que entram estradas com bons traçados, manutenção permanente e sinalização adequada. O coordenador do movimento SOS Estradas, Rodolfo Rizzotto, concorda com a fórmula. “Multar é uma forma de edu-

Uma boa noite de sono pode atrasar um pouco a viagem, mas também pode ser decisiva para que o motorista chegue são e salvo ao destino. É isso que mostra a pesquisa “Avaliação do padrão e queixas de sono em motoristas profissionais”, conduzida por professores do departamento de psicobiologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). O levantamento mostra que estar acordado há mais de 19 horas significa ter reflexos, atenção e atividade motora como se estivesse embriagado. O coordenador do Centro de Estudos Multidisciplinares em Sonolência e Acidentes da Unifesp, Marco Túlio de Mello, um dos responsáveis pelo estudo, diz que, para a segurança ao volante, deve-se respeitar os limites do corpo. Após nove horas dirigindo ou 16 horas acordado, o risco de acidentes aumenta. De acordo com o presidente da Fundasono (Fundação Nacional do Sono), o médico Dirceu de Campos Valadares Neto, quando a pessoa dorme duas horas a menos que o ideal, os reflexos diminuem drasticamente. Em geral, uma pessoa leva 0,3 segundo para processar uma informação. Com sono acumulado, esse tempo pula para 0,6 a 0,8 segundo”, afirma. Ele diz que o sono é um

inimigo silencioso e não costuma provocar sintomas físicos facilmente identificáveis. Por isso, quem dirige muito tempo seguido deve programar pausas de 20 minutos. Para tentar reduzir os riscos de um motorista dormir ao volante, os pesquisadores da Unifesp propuseram ao Denatran um exame específico para identificar se o sono é ou não fator de risco. Se for, a carteira de habilitação seria renovada por um ano e o motorista encaminhado a um especialista, que faria o exame mais preciso, a polissonografia. A proposta foi aprovada pela Câmara Temática de Saúde e Meio Ambiente do Denatran e está sendo avaliada pela procuradoria do Ministério das Cidades. Depois, deve ser levada ao Contran (Conselho Nacional de Trânsito). Já a Fundasono vai propor às autoridades de trânsito que seja feito uma pupilografia na renovação das carteiras. O exame é mais simples, dez vezes mais barato que a polissonografia e detecta em 12 minutos se a pessoa tem ou não tendência à sonolência em excesso. O presidente da Abcam (Associação Brasileira de Caminhoneiros), José da Fonseca Lopes, aprova as propostas. “Tudo que vem para inibir situações que provoquem acidentes é importante.”

TAPA-BURACO Operá

O MOTORISTA DE CAMINHÃO SE ENVOLVE EM OITO ACIDENTES A CADA

10 MIL VIAGENS


EDSON RUIZ/AG. A TARDE/FUTURA PRESS

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OPERAÇÃO VERÃO

Queda de 10,7% nas mortes

rios trabalham na recuperação de trecho de asfalto em estrada do país

DUAS ESTRADAS, DUAS MEDIDAS Compare os serviços de uma rodovia concessionada e outra pública DUTRA NovaDutra 563 km

ESTRADA

FERNÃO DIAS

Administração

Federal

Extensão

402 km

Ligação

São Paulo a BH

Primeiros socorros

depende das cidades próximas

Resgate

depende das cidades

Guinchos

depende das cidades

SAU

não há

nas 11 bases do SAU

Tel.: de emergência

não há

4 em SP e 2 no RJ

Praças de pedágio

não há

R$ 1,55 a R$ 42,60

Valor do pedágio

não há

Postos da PRF

7 em MG e 3 em SP

São Paulo ao Rio 13 ambulâncias UTIs, equipe médica dos 13 viaturas 8 pesados e 18 leves 11 bases operacionais

não há

De dezembro de 2005 a março deste ano, enquanto durou a Operação Verão da Polícia Rodoviária Federal, 1.382 pessoas morreram nas estradas brasileiras – equivalente a 17 mortes por dia. O número é l0,7% menor que os 1.544 óbitos registrados no mesmo período do ano anterior, mas ainda assusta. Contando os feridos, são cerca de 200 vítimas por dia. De acordo com a PRF, os locais de maior freqüência de acidentes não mudam durante o ano. Minas Gerais, onde está a maior malha viária do país, lidera o ranking. A exemplo do que acontece no âmbito nacional, os acidentes em Minas também são mais freqüentes em locais onde a pista está boa, afirma o chefe do Núcleo de Comunicação Social da PRF no Estado, inspetor Aristides Amaral Júnior. Cerca de 35% das ocorrências acontecem na BR-381 (Fernão Dias). A duplicação da rodovia, concluída em 2005, não reduziu o número de ocorrências, mas mudou as características dos acidentes. O inspetor Amaral Júnior diz que antes eram registradas muitas colisões frontais, decorrentes de ultrapassagens perigosas. Agora, o mais comum são acidentes causa-

dos por excesso de velocidade, como saídas de pista, capotamentos e colisões com muretas de proteção. Nas estradas administradas pela iniciativa privada, o número de acidentes vem se mantendo estável na casa dos 59 mil por ano, de acordo com a ABCR (Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias). A entidade diz que em épocas de maior movimento, como férias e feriados, as empresas mobilizam toda sua infra-estrutura de socorro e organizam plantões especiais para suportar o aumento no movimento. As empresas investem também na eliminação de pontos críticos, como construção de passarelas onde há grande número de atropelamentos, e na manutenção das vias. O coordenador do SOS Estradas, Rodolfo Rizzotto, diz que a grande diferença entre as estradas concessionadas e as públicas é a rapidez no atendimento às vítimas. Nas rodovias privatizadas, há equipes médicas de plantão e câmeras monitorando toda a via. Dessa forma, é muito mais rápido detectar o ponto exato do acidente e providenciar socorro com maior agilidade. Nas estradas administradas pelo poder público, o atendimento é precário e o resgate depende da infra-estrutura existente na cidade mais próxima.

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PRIMEIROS SOCORROS

Atendimento especializado

GUIA PARA O VIAJANTE EM CASO DE ACIDENTE, VOCÊ PODE FAZER: • Mantenha a calma. Atitudes desesperadas podem piorar a situação • Chame o socorro especializado • Sinalize o local para evitar novos acidentes. É importante iniciar a sinalização em um ponto onde o acidente ainda não está visível, para que os outros motoristas tenham tempo de reação • Se houver hemorragia externa, tente estancá-la comprimindo o ferimento com uma gaze ou pano limpo • Verifique se a vítima está consciente fazendo perguntas simples (Qual seu nome? O que você sente?). As informações são importantes para o atendimento médico • Proteja a vítima do sol, da chuva ou do frio com qualquer peça de vestimenta que estiver disponível EM CASO DE ACIDENTE, VOCÊ NÃO PODE FAZER: • Não movimente a vítima. A remoção de forma inadequada pode

Se você presenciou um acidente ou se envolveu em um e saiu ileso, o melhor para ajudar quem ficou ferido é observar bem o cenário do acidente (quantos veículos envolvidos, se há vítimas e estão conscientes, se há alguém preso nas ferragens) e chamar o atendimento especializado. Os telefones de urgência - Bombeiros (193), Samu (192) e Polícia Militar (190) - têm número único no país, o que facilita a memorização. Outra vantagem: podem ser gravados na agenda do celular. Enquanto espera o socorro chegar, o mais indicado é sinalizar o local, afastar os curiosos e não mexer nas vítimas, diz o presidente da comissão de Medicina do Tráfego da Associação Médica de Minas Gerais, José Elísio Correia Lima. O médico, que du-

rante 20 anos presidiu a Divisão Médico-Psicológica do Detran de Minas, e na década de 90 ajudou a elaborar as regras para o curso de primeiros socorros, obrigatórios para quem vai tirar carteira de habilitação, é contra o excesso de conhecimentos exigidos do aluno. “É uma faca de dois gumes.” Ele diz que o curso passa noções de procedimentos, como avaliar o estado da vítima medindo o pulso ou a respiração, mas em geral apenas uma pessoa capacitada em saúde tem serenidade e discernimento para executá-los. Lima diz que as aulas de primeiros socorros das auto-escolas deveriam ser ministradas por membros das equipes de resgate. “Eles podem mostrar que o mais importante é a informação, para a equipe chegar preparada.”

agravar lesões na coluna ou fraturas e dificultar a recuperação. Movimentar a vítima só é recomendado se houver risco imediato (incêndio, explosão, o carro cair em um abismo) • Não tire o capacete de um motociclista. Evita movimentos na cabeça e pescoço que podem agravar lesões • Não aplique torniquetes. Somente profissionais treinados devem utilizar esse método • Não dê nada para a vítima ingerir, nem mesmo água. A ingestão de alimentos ou líquidos pode dificultar o atendimento médico. PARA VIAJAR SEGURO • Faça revisão periódica do veículo • Mantenha cintos de segurança em bom estado de conservação. O uso do equipamento é obrigatório mesmo para percorrer distâncias curtas • Crianças com menos de 10 anos só podem viajar no banco traseiro • Não dirija com sono, depois de ingerir bebida alcoólica nem sob o efeito de emoções fortes • Procure informações sobre a condição das estradas antes de sair de casa • Respeite a sinalização e as normas de trânsito Fonte: Denatran

car”, diz. Na opinião dele, conscientizar o motorista é fundamental para reduzir o número de acidentes. “O ser humano que está dirigindo tem que ter cuidados, redobrar a atenção, reduzir a velocidade”, diz. Rizzotto diz que nos primeiros meses de vigência do Código de Trânsito Brasileiro, que começou a valer em janeiro de 1998, o índice de acidentes caiu muito. “As ruas eram as mesmas, os problemas eram os mesmos, os motoristas eram os mesmos, mas havia a sensação de que quem desrespeitasse as leis seria punido”, diz. Só a lei não é suficiente. Para Rizzotto, os cuidados exigidos do moto-

rista não dispensam o poder público dos investimentos necessários para manter as estradas em boas condições de tráfego. De acordo com o professor Guimarães, os trechos em condições mais precárias não são os que oferecem maior risco à vida de motoristas e passageiros, porque ali a velocidade é obrigatoriamente reduzida -– é impossível correr em uma pista totalmente esburacada. Mesmo em situações em que o motorista tem que trafegar na contramão, para fugir de um buraco, por exemplo, há tempo suficiente para uma reação que impeça os acidentes. Nesses trechos, os maiores danos ficam para o veí-


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ALEXANDRE C. MOTA/O TEMPO/FUTURA PRESS

ACIDENTES EM NÚMEROS OPERAÇÃO VERÃO 2006 (*) (**) 2005 Acidentes 24.981 25.360 Feridos 15.222 16.152 Mortos 1.378 1.544 Veículos fiscalizados 1.647.084 1.716.543 Notificações 319.675 315.430 Veículos apreendidos 22.760 24.169 CNHs apreendidas 5.435 5.529 (*) De 16/12/2005 a 5/3/2006 (**) De 17/12/2004 a 6/3/2005 PRINCIPAIS CAUSAS • Excesso de velocidade • Ultrapassagens indevidas • Não guardar distância segura do veículo da frente ONDE ACONTECEM OS ACIDENTES • De dia, na reta e com tempo bom

ACIDENTES Conhecido como Viaduto das Almas, local em Minas é famoso pelo alto índice de ocorrências

culo e para o bolso do proprietário (problemas de suspensão, rodas quebradas, aumento no gasto de combustível). O grande perigo está nas estradas em que a situação é só um pouco melhor, aquelas onde o asfalto está ruim, mas ainda não há grandes buracos que impeçam o motorista de alcançar uma velocidade alta. “E a maior parte da nossa malha viária está assim. O motorista consegue andar, mas não tem a segurança necessária”, diz. Além de fiscalização e conscientização dos motoristas, a Pro Teste, associação de defesa do consumidor com sede em São Paulo, propõe uma série de medi-

das que aumentariam a segurança dos veículos. A idéia, que nasceu de um seminário internacional promovido pela entidade para discutir o assunto, é que o governo reduza a carga tributária sobre autopeças relativas à segurança, para que elas possam estar presentes em um número maior de veículos. Haveria perda de arrecadação nos impostos, mas economia nos gastos com o SUS (Sistema Único de Saúde), que atende os feridos. A entidade quer ainda a inclusão de um “kit básico de segurança” entre os equipamentos obrigatórios do veículo. A maioria dos itens é vendida hoje como opcionais. O kit seria com-

posto por airbags, cintos de segurança retráteis e com pré-tensionadores, encostos de cabeça ajustáveis para todos os ocupantes do veículo, vidros nãoestilhaçáveis e barras de proteção lateral de série. A entidade diz que o ideal seria ter também isofix (sistema para instalar cadeiras de bebê em carros previamente equipados, sem usar o cinto de segurança do automóvel, que se encaixa no banco traseiro) e sensores sobre as condições de segurança, como alarmes de aproximação, e avisos de portas abertas e cintos soltos. Há também propostas como a criação de um programa de avaliação de carros novos para a

América Latina, a exemplo do que já existe na Europa, realização de testes de colisões frontais e laterais, para avaliar a segurança proporcionada pelo veículo a passageiros e pedestres, pesquisa de materiais que garantissem mais segurança a ocupantes do veículo e pedestres e aperfeiçoar a comunicação de recalls para que proprietários não deixem de sanar os defeitos por falta de informação. As propostas foram encaminhadas aos Ministérios da Saúde e das Cidades (por meio do Denatran) mas deve ser avaliada pelo Ministério da Fazenda, responsável por conceder isenções fiscais, no dia 15 de março. ●


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CRISE BILATERAL

ROTA DE COLISÃO AÇÕES DA RECEITA NA FRONTEIRA ENTRE BRASIL E PARAGUAI INTENSIFICAM APREENSÃO DE VEÍCULOS DOS TAXISTAS

ADUANA Veí

POR ROSSANA SCHMITZ

CERCA DE

20 MIL PESSOAS DEPENDEM DO COMÉRCIO BINACIONAL

esde o dia 6 de março, os fiscais da Receita Federal de Foz Iguaçu (PR) intensificaram a fiscalização e estão apreendendo qualquer tipo de veículo utilizado no transporte de mercadorias oriundas de Ciudad Del Este, no Paraguai, que revelem finalidade comercial e que não se enquadrem no conceito de bagagem. É uma das piores crises e incertezas vivenciadas por motoristas de táxis, vans, motos ou ônibus de turismo na região conforme foi noticiada na edição 126 da Revista CNT

D

Transporte Atual, num conflito que se arrasta sem solução desde o final do ano passado. A medida adotada no mês passado foi anunciada pelo delegado da Receita em Foz, José Carlos de Araújo, e faz parte da seqüência de ações realizadas através da Operação Fronteira Blindada. Segundo o delegado, a meta é retirar de circulação até o final do ano cerca de 2.000 veículos, entre carros de passeio, vans, táxis, ônibus circular e mototáxis em situação irregular. As atuações acontecem tanto na zona primária, na cabe-

ceira da Ponte da Amizade, local da Aduana brasileira, ou extrazona (rodovias estaduais, federais e secundárias). Segundo o delegado Araújo, a medida está embasada pelo artigo 617 do Regulamento Aduaneiro, que prevê a perda do veículo quando configurar dano ao erário, conforme determinam os decretos nº 37, de 1966, artigo 104, e nº 1.455, de 1976, artigo 24. Um acordo firmado entre os dois países, em abril de 2005, prenunciou o aumento da segurança na fronteira, com vistas a inibir o


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FOTOS ADRIANA CARDOSO

culos são parados para vistoria em posto da Receita Federal em Foz do Iguaçu, na divisa com o Paraguai

contrabando. Entre as medidas previstas há um controle maior na emissão e recepção das notas fiscais ou recibos de compra, e uma investigação sobre a eventual arbitrariedade na apreensão de veículos dos dois lados. Nesse período, o Brasil aumentou a cota de compras para o turismo, que passou dos US$ 150 (cerca de R$ 330) para US$ 300, aproximadamente R$ 660. Entretanto, a apreensão, pela Receita Federal, de táxis, vans e mototáxistas (dos dois países) gerou revolta e os trabalhadores de

ambos os lados da fronteira iniciaram vários protestos na Ponte da Amizade, bloqueando e abrindo a passagem sucessivas vezes na segunda quinzena de março. Segundo o presidente do Sindtaxi (Sindicato dos Condutores Autônomos de Veículos Rodoviários de Foz do Iguaçu), Nilton Noel da Rocha, existem na cidade 1.200 profissionais sindicalizados, a frota se constitui de 372 veículos, sendo que aproximadamente 100 deles trabalham em pontos fixos próximos à aduana Brasil-Paraguai.

"Intervenção do sindicato conseguiu liberar veículos como fiel depositário" NILTON NOEL DA ROCHA, PRESIDENTE DO SINDTAXI

Rocha contabiliza 13 táxis brasileiros apreendidos no pátio da RF. “Temos esses carros presos e motoristas sem trabalhar, porque o passageiro estava transportando mercadorias dentro da cota de US$ 300, mas nossos táxis valem R$ 20 mil”, diz. Ele também deixa claro que o Sindtaxi e seus associados não concordam com o contrabando. “Mas não cabe a ele (o taxista) selecionar, muito menos discriminar, interrogar passageiros, revistar, examinar bagagens, etc, como sugere o delegado (José Carlos de Araújo) .da Receita”, diz Rocha. Ele defende a prisão, mas dos “verdadeiros contrabandistas, não do taxista que está defendendo seu ganha-pão e de sua família”. Em contraponto às ações da RF, o prefeito de Ciudade Del Este, Javier Zacarias Irún, determinou a apreensão e aplicação de multas a veículos brasileiros, culminando com a apreensão de cerca de 200 carros, sendo cinco táxis de Foz. Segundo a Polícia de Trânsito de Ciudad Del Este, a medida foi tomada depois que a Receita brasileira apreendeu táxis e vans, sendo três do Brasil e 20 do Paraguai, por transporte irregular. “Com a intervenção do sindicato, conseguimos liberar esses veículos como fiel depositário, pagando multas que variam de R$ 100 a R$ 150 para cada motorista,


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DESDE

2004, JÁ FORAM APREENDIDOS

AJUDA

Sindicato doa cestas básicas No centro desse abre e fecha da ponte, encontra-se o taxista. É essa categoria que sofre com as investidas da fiscalização acirrada da Receita Federal. Na terça-feira, 28 de março, uma comitiva bilateral reuniu-se em Foz para reavaliar os acordos. Entretanto, as sucessivas reivindicações da categoria não tiveram quórum. Enquanto o embaixador Ruy Pereira, chefe de gabinete da Secretaria Geral do Itamaraty, debatia a situação com representantes da diplomacia e do setor de fiscalização do Brasil e Paraguai, motoristas dos dois países protestavam nos portões da delegacia da RF. Apesar de prometer estudar as reivindicações apresentadas pelo prefeito de Foz, Paulo Mac Donald Ghisi – que pediu a reavaliação das normas que culminam na apreensão de táxis que transportam passageiros com mercadorias contrabandeadas -, a situação permanece a mesma. Ou deve piorar, uma vez que o embaixador Ruy Pereira anunciou um reforço de 50 servidores federais para operações em abril e uma renovação do efetivo de 30 fiscais e mais 40 técnicos até julho. Ruy Pereira também afirmou que o problema do transporte tem “alta complexidade, mas que é preciso considerar o ponto exato que

separa a legalidade da ilegalidade”, afirmando que motoristas transportam mercadorias destinadas ao comércio, com ou sem conivência do passageiro. O presidente do Sindtaxi, Nilton Noel da Rocha, apóia o reforço, mas com ressalvas. “Eu acho ótimo reforço para combater o contrabando. Por mim, podem vir até mil (fiscais). O que acho injusto é a pessoa responsável (pela apreensão do táxi) sair pela porta da frente da RF, enquanto nós perdemos um carro que levamos anos para conquistar.” Rocha lembra que a categoria está em “pane”. Ele relata o exemplo de um dos motoristas que está com seu veículo apreendido na RF. “Ele não quer roubar, está trabalhando na informalidade, com carro particular, tentando sobreviver.” O sindicato possui um fundo de reserva e já distribuiu cestas básicas para três famílias, além de botijão de gás. “Estamos à mingua, já entramos em contato com as autoridades competentes para resolver esse impasse. Porque, se não podemos transportar passageiros do Paraguai, ficamos sem a nossa única ferramenta de trabalho, isso está incorreto e cria um problema social que se espalha dia-adia”, desabafa.

LOTADO Veículos paraguaios e brasileiros apreendidos e levados para o

com alegações como: sem uso do cinto, sem lista de passageiros, sem sinalização em ordem. Acredito que isso foi uma forma de represália, mas dizem que estão cumprindo a lei”, diz Rocha. Na tentativa de acalmar os ânimos dos trabalhadores que vivem do comércio Foz-Ciudad Del Este – segundo o departamento de migração paraguaia, cerca de 20 mil pessoas dependem do comércio binacional –, uma comitiva bilateral reuniu-se em Brasília no dia 20

de março. O vice-chanceler paraguaio, Emilio Jiménez, disse que, com o acordo de combate ao contrabando, ratificado nessa reunião, o governo de seu país pôde garantir que a Ponte da Amizade fosse reaberta, o que ocorreu no dia seguinte ao encontro. Mas na tarde de quarta-feira a ponte estava novamente bloqueada. O novo fechamento, liderado por motoristas paraguaios, que exigiam de volta os veículos apreendidos no Brasil, contrariou


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MAIS DE

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2.600 VEÍCULOS COMÉRCIO

Bloqueio acarreta prejuízos

pátio da Polícia Federal em Foz do Iguaçu

o compromisso entre os dois países de manter livre circulação, estabelecido em Brasília. Segundo o sub-secretário para assuntos da América do Sul da chancelaria brasileira, José Felício, além das medidas de curto prazo, que entrariam em vigor no final de março, Brasil e Paraguai estudam como recuperar a região. O Brasil está reformando o seu lado da fronteira (um aporte de R$ 6 milhões) em Foz do Iguaçu e pode ajudar a financiar a parte do

O bloqueio da ponte paralisou Ciudad del Este. Todas as lojas do Paseo San Blas, o coração comercial da cidade, fecharam por dois dias seguidos. Cerca de 2.000 brasileiros, entre trabalhadores do comércio, compristas (laranjas ou sacoleiros) e até turistas ficaram retidos do outro lado. Escolas e prédios públicos não funcionaram. O prefeito Javier Zacarias Irún calculou prejuízo de US$ 200 milhões. A diretoria do Centro de Importadores e Comerciantes do Alto Paraná, no Paraguai, alega que o país deixou de vender R$ 35 milhões em mercadorias e a prefeitura teria deixado de arrecadar quase R$ 5 milhões em impostos. Do lado brasileiro, a situação não é melhor. Segundo o presidente da Associação Comercial da Vila

Paraguai, na Ciudad del Este (cerca de R$ 3 milhões). “O importante é aperfeiçoarmos a infra-estrutura, para atrair turistas e reduzir o contrabando”, afirmou Felício. “As autoridades brasileiras estão buscando o fim do comércio de Ciudad. Por isso, não respeitam ninguém. Temos nossos veículos legais e habilitados”, diz o prefeito de Ciudad Del Este, Zacarias Irún. A indignação do prefeito chegou às mãos do presidente paraguaio, Nicanor Duarte Frutos. Em

Portes (maior centro de importação e exportação), Élio Nomura, somente nesses dias de protesto e fechamento houve uma queda de 70% nas vendas. “Nosso mercado depende dos paraguaios que fazem compras aqui e do movimento de pessoas que querem passar pela ponte. Nós damos empregos, pagamos nossos impostos e estamos sendo prejudicados com esse impasse”, diz Nomura. “Caso a ponte continue nesse abre-fecha, haverá desemprego na região. Sei de muitas empresas que dispensaram funcionários, e com a continuidade das manifestações outros serão demitidos e estabelecimentos estarão fechando as portas. Estaremos vivendo um caos social”, diz o presidente.

"Importante é aperfeiçoar infra-estrutura para reduzir o contrabando" JOSÉ FELÍCIO , SUB-SECRETÁRIO PARA ASSUNTOS DA AMÉRICA DO SUL DA CHANCELARIA BRASILEIRA

ofício, o prefeito marca posição: “Lamentamos o não-cumprimento dos acordos verbais firmados recentemente em Brasília, situação que põe em risco a construção de novos convênios que possibilitem o livre trânsito de veículos, pessoas e mercadorias através da Ponte da Amizade. Também lamentamos o não-cumprimento dos acordos verbais a continuar os controles exagerados, desmedidos, abusivos e agressivos”. Já o delegado da Receita Federal em Foz, José Carlos Araújo, empurra para o governo do Paraguai o não-cumprimento do acordo firmado. O órgão também sustenta que muitos turistas brasileiros que vão ao Paraguai fazer compras, na verdade, são pequenos contrabandistas, os “sacoleiros”, que cruzam a ponte com grandes sacolas sem pagar impostos” – levantamento da RF aponta para uma circulação média diária de 20 mil veículos e 30 mil pedestres. Apesar da reunião em Brasília, a Receita foi categórica em afirmar que “não haverá flexibilização na fiscalização e no combate ao contrabando e o descaminho”. “A liberação de qualquer veículo só ocorre judicialmente (mandado de segurança ou ação ordinária)”, diz o delegado. Desde 2004, já foram apreendidos mais de 2.600 veículos, a maioria ônibus que estão nos pátios da RF. Muitos já foram doados para ONGs. ●


VIDA NA ESTR ARTISTAS QUE OPTAM POR IR DE ÔNIBUS ATÉ O LOCAL DOS SHOWS ESPECIAIS QUE OFERECEM TODO O TIPO DE CONFORTO PARA TORNAR


MARCOPOLO/DIVULGAÇÃO

ADA

COMODIDADE

CONTAM COM VEÍCULOS A VIAGEM PRAZEROSA

POR

MARCELO FIÚZA

omo já disseram Milton Nascimento e Fernando Brant na canção “Bailes da Vida”, “todo artista tem de ir aonde o povo está”. Mas quando o local do espetáculo não está nas rotas aéreas ou a temporada de shows pede a permanência prolongada em determinada região, a solução muitas vezes é, literalmente, morar na estrada. Hoje, isso é sinônimo de conforto. Os antigos ônibus de carreira cada vez mais são substituídos por veículos personalizados com camas, sala de estar, mesa de jogos, cozinha, ar-condicionado e até estúdios sonoros para ensaios e gravações. Há 35 anos, quando a dupla sertaneja Chitãozinho e Xororó começou a carreira, os shows, em sua maioria, aconteciam em pequenos circos do interior. Foi assim que eles notaram as vantagens de se ter uma boa infra-estrutura na estrada. “Foram 10 anos sobrevivendo de circo. Era onde as duplas sertanejas se apresentavam. No circo, víamos o pessoal acampado em trailers e barracas. Aquilo nos levou a comprar nosso primeiro motorhome”, diz Chitão. “Quando o show terminava, podíamos seguir imediatamente para outra cidade. Era mais confortável e menos cansativo”, diz o cantor que, em fevereiro, encomendou à fábrica de carrocerias Marcopolo e à montadora Mercedes-Benz um ônibus completo, com bar, banheiro, sala de estar, sistema de som e aquecedor de alimentos. O ônibus é utilizado pela dupla e a equipe quando as distâncias são mais próximas de suas moradias – os dois residem em Campinas (SP). “No passado, tivemos de comprar tudo e botar na estrada. Depois, vendemos o trailer e fizemos parceria com uma transportadora. Agora, compramos novamente um ônibus. Sem con-

C


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"Do Carnaval até final de outu SOLIMÕES, QUE FAZ DUPLA COM RIO NEGRO

RIO NEGRO E SOLIMÕES/DIVULGAÇÃO

ESTRUTURA A dupla Rio Negro e Solimões utiliza uma carreta para transportar os equipamentos

"Poltrona confortável, cama e sala com TV e DVD. Ninguém vê a viagem passar" CHITÃOZINHO, CANTOR SERTANEJO

tar a poltrona, muito confortável e na quantidade certa, ele tem cama e sala com TV e DVD. Todo mundo vai jogando baralho, vendo filmes e não vê a viagem passar”, diz. Com a agenda cheia, a dupla não pode deixar de viajar também de avião, mas Chitão demonstra saudade do tempo em que tudo era apenas pela estrada. “Gosto de viajar com a equipe. Há uma inspiração para compor. Como você fica mais tempo envolvido naquela situação, acaba pensando um monte de coisas, criando arranjos novos e dá para ensaiar.” O cantor, entretanto, não tem boas recordações da falta que sentia de casa. “Já cheguei a ficar 20 dias longe da fa-

mília. Vejo que a mulher de caminhoneiro tem motivo para chorar. É uma vida muito difícil, ainda mais no Brasil, que tem caminhões maravilhosos, o que há de melhor no mundo em tecnologia, mas não tem as estradas que deveria ter.” Para Xororó, as melhores pistas estão em São Paulo. “A que nós mais utilizamos é a Bandeirantes, e ela é ótima, muito bem estruturada. Tem câmeras e monitoramento em todos os trechos, apoio, assistência, boas paradas, ambulância”, diz. Já as piores estão em Minas, na opinião do artista. “Elas têm enormes buracos e trechos impossíveis de trafegar. As estradas federais em Minas estão aban-

donadas. Como fazemos muitos shows por lá, estamos tendo freqüentemente problemas em algumas dessas rodovias”, afirma. Outra dupla que também precisa de boa estrutura para fazer shows pelo interior é Rio Negro e Solimões. Há anos, eles usam os serviços de empresas de transporte, mas agora Rio Negro comprou caminhão para cenários e equipamentos, enquanto a dupla e a equipe de 38 pessoas usam um ônibus de dois andares. Uma rotina que se repete há 16 anos para a dupla, atualmente residente em Franca (SP). “Nossa atividadel pede equipe grande e tem de ter condução própria. Até hoje optamos por terceirizar esse serviço, com motoristas profissionais, porque, do Carnaval até o final de outubro, vivemos praticamente dentro de ônibus, hotéis e palcos”, diz Solimões. “Tem de ser ônibus novo porque não podemos ter problemas na estrada”, diz o artista sobre o veículo que possui sala e duas camas privativas no piso inferior e poltronas-leito no segundo andar. “A banda já se acostumou a dormir assim. Eu e o Rio Negro temos nossas camas. Já me habituei com o balanço e durmo igual criancinha.” Para Solimões, as melhores rodovias do país são “a Bandeirantes e a Anhangüera”. E com a experiência de quem já rodou o país,


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bro, vivemos dentro de ônibus, hotéis e palcos"

PERSONALIZADO SERVERS/DIVULGAÇÃO

Ônibus custa até R$ 1 milhão Para ser dono de um ônibus personalizado, o artista deve escolher o modelo de chassi de linha das montadoras e encomendar o interior a uma das produtoras de carrocerias do país. Independentemente da marca do chassi, um ônibus zero km, de dois andares, com carroceria personalizada e todos o conforto pode custar até R$ 1 milhão. Outra maneira, a mais comum, é terceirizar esse serviço a empresas especializadas. “A banda ou o artista fala o que precisa e fazemos a carroceria de acordo com essas necessidades”, diz Bruno Dias, da transportadora BRA, que atende, entre outros grupos, o Falamansa. “Normalmente, quando são duplas de cantores, elas pedem que a parte de baixo do ônibus seja reservada para os artistas. A Wanessa Camargo, por exemplo, tem o andar inferior só para ela e a banda viaja no piso de cima. Há bandas que pedem ônibus com 17 leitos. Outras querem 35 assentos de turismo. Outros grupos menores já querem camas para todos da equipe”, diz. Proprietário da Servers Viagens e Turismo, que atende a artistas como Leonardo e Zezé Di Camargo e Luciano, o empresário Marcelo Christianote conta que já recebeu

solicitações impossíveis. “Pediram uma vez uma academia de ginástica completa. De outra vez, encomendaram um chuveiro dentro do banheiro, o que não há condições de fazer”, diz. “Temos ônibus de um ou dois andares. Muitas bandas preferem o de um andar só porque tem entrada pela frente e um bagageiro grande no qual cabe todo o equipamento, o que economiza o caminhão de transporte. A maioria nos pede ônibus com leito rodoviário, mas também temos produtos diferenciados, como a poltrona-cama, que é aquela que deita 180º, só que isso reduz o número de pessoas no veículo”, afirma Christianote. O que mais encarece a locação é a pintura externa do veículo. Se o cliente pede uma estampa com a logomarca do artista, aquele ônibus não pode mais ser alugado a terceiros. Definido o pedido do artista, a tarefa fica por conta da fábrica de carrocerias. No caso do ônibus de Chitãozinho e Xororó, por exemplo, foi feita uma venda conjunta entre a Marcopolo e a Mercedes-Benz. “O modelo custou R$ 800 mil e demorou 45 dias para ficar pronto”, diz a assessoria de imprensa da Marcopolo.

CARA NOVA Ônibus recebe adaptação para atender cliente

ele afirma que um dos piores trechos pelo qual passou está em Goiás, entre Itumbiara e Rio Verde (rodovia BR-452). “Inúmeros e enormes buracos, andávamos a 10 km/h”, diz. O grupo de forró Falamansa nos últimos sete anos também experimentou uma rotina de aeroportos e rodoviárias para cumprir a agenda de shows, muitas vezes mais de um por dia em cidades diferentes. Até decidirem por ter um confortável ônibus personalizado para esses trajetos. Em temporadas no Nordeste, por exemplo, são semanas na estrada. “Optamos por viajar mais de ônibus. Fizemos

uma adaptação num ‘double-deck’ (dois andares). Em cima, ficam as camas e embaixo, onde seria a sala, montamos um estúdio para ensaios. Tem bateria, guitarra, baixo, microfone, tudo plugado no amplificador”, diz Tato, vocalista do grupo. “Foi o jeito que encontramos para tocar e ensaiar enquanto viajamos. Conseguimos não só compor, mas aliviar a cabeça do próprio trabalho.” Tato enumera as vantagens da vida da estrada quando se possui essa infra-estrutura. “O conforto é o melhor de tudo. Hoje, conseguimos sair de uma cidade logo depois do show e ir dormindo até a


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"Na sua primeira turnê Esmeralda le EDUARDO MOREIRA, DIRETOR E ATOR DO GRUPO GALPÃO GRUPO GALPÃO/DIVULGAÇÃO

VERSATILIDADE A Veraneio Esmeralda modelo 1974 virou parte de peça teatral do Grupo Galpão

"Optamos por viajar mais de ônibus, onde montamos um estúdio para ensaios" TATO, VOCALISTA DO FALAMANSA

outra. De avião, isso não é possível, porque tem o tempo de deslocamento e de espera no aeroporto, a ida até o hotel. No ônibus, descansamos muito mais. Sem falar na autonomia de fazer seu próprio tempo e itinerário. Quando encontramos uma cachoeira, paramos. Em praia, já tenho a prancha de surfe no bagageiro.” Outra conseqüência positiva desse estilo de vida, diz Tato, é financeira. “Quando falamos para o contratante que não vamos precisar de passagens aéreas, o cara dá pulos de alegria e assim conseguimos trabalhar melhor o cachê.” Segundo Tato, o Falamansa já cogitou a possibilidade de adquirir

o próprio ônibus, mas preferiu alugar um por longo prazo. “Sai mais barato, não temos despesas com manutenção e o motorista é profissional. Há quatro anos viajamos com esse mesmo ônibus”, diz o músico, que tem o hábito de compor na estrada. Tato também aponta rodovias paulistas como as melhores. “Tanto pela qualidade das estradas quanto pelos atrativos que se pode encontrar. A infra-estrutura conta muito, como pista boa, grandes restaurantes e vários postos de parada”, diz o cantor, lembrando que a vida sobre rodas não é tão fácil assim quando a estrada não é boa. “Já atrasamos em muitos

shows. Às vezes, você calcula dez horas e a viagem dura 16 horas. Em Minas e Mato Grosso é preciso contar com atraso de três, quatro horas. Há não só buracos, mas também obras que param o trânsito”, diz o vocalista, para quem o pior chão está no interior mineiro. “É muito ruim. Há muita estrada de terra e, às vezes, dependendo do tamanho do buraco, é até melhor andar pelo acostamento.” Há também aquelas situações em que o próprio transporte acaba sendo atração nos espetáculos. É o caso de Esmeralda, como é carinhosamente chamada a Veraneio Chevrolet modelo 1974 usada pelos atores do Grupo Galpão. O grupo tem como proposta levar o teatro de rua a comunidades que não têm acesso a esse tipo de arte. Assim, em 1986, quatro anos depois de fundado o Galpão, os integrantes adquiriram o automóvel de segunda mão e rodaram o país. “Até 1993, viajamos o Brasil todo. Nossa primeira turnê com Esmeralda foi com as peças ‘A Comédia da Esposa Muda’ e ‘Corra enquanto É Tempo’. Ela levava os sete atores da companhia e mais cenários e figurinos. A primeira viagem foi de Belo Horizonte para Porto Alegre. Depois, voltamos pela rodovia litorânea (BR-101) até o Rio”, diz Eduardo Moreira, diretor, ator e, nessas horas, também motorista.


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vava sete atores e mais cenários e figurinos" MARCOPOLO/DIVULGAÇÃO

Uma experiência que deixou boas recordações, principalmente das belas paisagens sulistas. “A serra gaúcha é a melhor, belíssima, natureza impressionante, um lugar especial”, diz o ator. Sobre as estradas ele comenta: “De maneira geral, as que são mantidas em melhores condições estão em São Paulo. Em Minas e no Rio, as rodovias são especialmente ruins. O trecho da BR-101 na região dos Lagos (RJ) está terrível. As estradas da Bahia também são péssimas.” Moreira conta que, além de ser confiável – nunca furou um pneu –, Esmeralda oferece várias vantagens. “Primeiro, é uma medida econômica, pois o transporte terrestre é mais barato. Depois, há a comodidade de ir no próprio carro, determinando o horário. E até hoje nossa vida é meio cigana mesmo.” O Galpão cresceu, ficou famoso e a Veraneio acabou aposentada por questões de segurança e conforto. Antes, porém, teve seu momento de glória e se tornou peça principal de uma das montagens mais famosas da companhia, “Romeu e Julieta”. “O Gabriel (Vilela, diretor da adaptação) nos viu montando e desmontando cenários pelas praças do Rio e se ofereceu para trabalhar conosco. Mas a primeira coisa que ele queria era a Esmeralda como cenário. Foi assim que surgiu ‘Romeu e Julieta.”

LUXO Interior de ônibus adaptado para a dupla sertaneja Chitãozinho e Xororó

Desde 1993, quando a peça estreou, Esmeralda passou a ser transportada, juntamente com os outros cenários do Galpão, dentro de caminhões. Isso até o ano passado, quando, novamente, o grupo ganhou a estrada com o automóvel de estimação. Em parte por saudosismo da aventura, em parte pelo conforto que o veículo oferece, eles viajaram para uma temporada no Vale do Jequitinhonha, em Minas. E, mais uma vez, a resistência da Veraneio foi testada. “É uma heroína. Minas tem trechos terríveis, como entre Curvelo e Diamantina (rodovia BR-259).” Por melhor que sejam as condi-

ções das estradas e o conforto do ônibus, uma longa viagem demanda também bons restaurantes e postos de parada adequados. Para Tato, do Falamansa, uma rede de restaurantes se destaca. “Gosto da Rede Graal, que consegue manter a qualidade em todos os lugares. Há também a oportunidade de comprar coisas típicas da região, como vestimentas e artesanato. Isso para nós é legal, porque não temos muito tempo de fazer compras e a rede nos salva.” A rede também é a parada preferida da dupla Rio Negro e Solimões. “Gostamos muito do novo Graal na Anhanguera, perto de

Araras. Mas também paramos no primeiro posto da Petrobras saindo de São Paulo, na mesma rodovia”, diz Solimões. Já o ator Eduardo Moreira prefere o restaurante Leite ao Pé da Vaca, na rodovia BR-381, no Sul de Minas. “É simpático, o atendimento é muito bom e a comida também. Sempre paramos lá para levar doces para casa”, diz o ator. Xororó, por sua vez, também tem suas preferências. “Eu não deixo de parar no posto Castelo, no km 222 da Washington Luís, sempre que utilizo essa rodovia. É uma parada tradicional, muito grande e bem organizada.” ●


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NAVEGAÇÃO

CRIATIVIDADE E PERSISTÊNCIA FACULDADE DE TECNOLOGIA DE JAÚ DESENVOLVE PROTÓTIPO DO PRIMEIRO VSNT BRASILEIRO INEDITISMO Modelos

POR NICOLE MILEIB

primeira vista, parece um carrinho de criança, feito em fibra de vidro e pintado com cores primárias. Mas o “carrinho” é na verdade um protótipo do que poderá ser o primeiro veículo submersivo não-tripulado produzido no Brasil - VSNT. O VSNT tem nome grande, mas pode ser comparado a um minisubmarino que coleta imagens dentro d´água e funciona por controle remoto a cabo. O mini-submarino é o principal projeto da Fatec (Faculdade de Tecnologia) de Jaú, cidade a 300 km de São Paulo. A escola desenvolve esse tipo de projeto como base de pesquisas do curso de construção de sistemas de navegação fluvial. A finalidade do VSNT é auxiliar

À

nas atividades subaquáticas de análise e vistoria de obras ou embarcações, captando imagens. Foi pensado para atuar em rios como alternativa aos equipamentos já existentes que são projetados para o ambiente marítimo - os chamados ROV (veículo operado por controle remoto) Em água salgada, o ROV é usado, principalmente, para fiscalizar embarcações e plataformas de petróleo. “Somente empresas de porte como a Petrobras ou a Marinha têm recursos para alugar um equipamento como esse, que é de difícil operação e muito caro”, diz o professor Luiz Alberto Sorani, o pai do VSNT e mestre em engenharia naval. Sorani teve a idéia do projeto e

está a frente dele há dez anos. “Começou com uma brincadeira entre os alunos, quando estudávamos peso e empuxo. Aí pensei no VSNT, que poderia ser uma maneira de estudar vários conceitos da engenharia como robótica, eletrônica, mecânica e ainda aplicado ao ambiente fluvial”, diz o professor. Se no início era “trabalho de faculdade”, hoje o VSNT é uma realidade - ainda que no papel - de como a universidade pode criar tecnologia para o mercado. O primeiro protótipo, batizado de Jaú 1, fez seu primeiro mergulho há cerca de dois anos. Foi na eclusa da barragem de Barra Bonita, no rio Tietê. Conclusão: o equipamento era navegável, mas ainda com um desempenho duvidoso. As mano-

bras eram difíceis, até porque contava com apenas dois motores. “Precisávamos aprimorar o projeto e torná-lo mais rápido e com mais mobilidade”, diz Sorani. Foi então que começou o projeto do Jaú 2. Com um design mais moderno e, principalmente, tecnologia mais avançada, esse novo projeto é o que poderá sair dos muros da Fatec e ganhar o mercado. Desenvolver um produto barato é outro objetivo do projeto do VSNT, diz Sorani. “Queremos criar um equipamento que possa ser viável economicamente, já que equipamentos do gênero existem e operam no mundo inteiro, mas o custo é muito elevado, o que inviabiliza seu uso para tarefas mais simples e em águas rasas.”


FATEC/DIVULGAÇÃO

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LONGEVIDADE

Modelo foi criado há 60 anos

1 e 2 do VSNT desenvolvido pela Fatec-Faculdade de Engenharia de Jaú

“É uma maneira de estudar vários conceitos da engenharia como robótica, eletrônica e mecânica” LUIZ ALBERTO SORANI, PROFESSOR DA FATEC

Apesar de querer reduzir o custo desse tipo de equipamento, o professor Sorani não sabe dizer quanto custaria um VSNT se começasse a ser produzido hoje. “Somos professores, acadêmicos. Queremos ver o Jaú 2 funcionando para depois pensarmos como é que ele poderá ser vendido.” Essa é outra questão. Apesar de ser um projeto único no Brasil e desenvolvido por uma faculdade, o VSNT da Fatec ainda não foi patenteado. “A idéia é esperar até que todos os testes sejam concluídos, o que deverá acontecer ainda neste semestre.” Na opinião do professor, o projeto não está lento. “É o ritmo da universidade. Claro que se tivéssemos mais dinheiro poderíamos ter mais

Um ROV (veículo operado por controle remoto) que hoje é utilizado no Brasil e no resto do mundo é muito caro. Caro demais para quem não precisa mergulhar muito fundo pelas hidrovias. Eles são veículos grandes e pesados e precisam de um “piloto” especializado para operá-los. Existem vários modelos, que são usados nos mais diversos tipos de exploração. Um dos modelos mais conhecidos é o Alvin, desenvolvido há 60 anos pelo governo norte-americano.

gente e com isso andar mais rápido, mas o principal objetivo é acadêmico”, diz Sorani. O projeto é financiado pela Fapesp (Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo). Para tocar o Jaú 2, a Fatec conta com um orçamento de R$ 5.000 por mês. Trabalham diretamente no projeto, além de Sorani, um aluno e o diretor da escola, o professor Antônio Amorim, doutor em física nuclear. Além do dinheiro governamental, a iniciativa privada também ajuda. O apoio vem em forma dos componentes utilizados no mini-submarino, no esquema a fábrica de baterias doa a bateria, a fábrica de hélices doa as hélices dos motores. No mercado, o Jaú 2 poderia ser utilizado por vários tipos de empre-

O modelo, segundo Luiz Alberto Sorani, é muito parecido com aquele aparelho visto nas primeiras cenas do filme “Titanic”. Foi através desse ROV que os pesquisadores encontram vestígios mais profundos do naufrágio mais famoso do mundo, tanto na ficção como na realidade. De acordo com o site do departamento de pesquisa atmosféricas do governo dos Estados Unidos (NOOA), quem precisar alugar Alvin deve desembolsar US$ 30 mil por dia.

sas. Concessionárias de energia que trabalham com linhas de alta tensão construídas em rios, empresas e indústrias que possuem tubulação submersa, empresas de navegação fluvial e até órgãos que fazem pesquisa e fiscalizam o meio ambiente. “Atualmente, esse tipo de trabalho é feito por mergulhadores. Dependendo do caso, existe um risco de morte”, diz Sorani. Como a profundidade dos rios brasileiros não passa de 130 metros, o Jaú 2 foi projetado com uma tecnologia mais simples do que outros VSNT marítimos. “Em plataformas de petróleo, por exemplo, as águas são profundas e é preciso ter um equipamento muito mais sofisticado e muito mais caro para operar. ●


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POLÍCIA FEDERAL

REFORÇO CONTRA O CRIME NAS COMEMORAÇÕES DO SEU 62º ANIVERSÁRIO A POLÍCIA FEDERAL APRESENTA AVIÃO PARA COMBATER CRIMINOSOS POR

A POLÍCIA FEDERAL POSSUI EFETIVO DE

9.000 HOMENS

SANDRA CARVALHO

Polícia Federal apresentou no dia 28 de março no Aeroporto Internacional Juscelino Kubtschek, em Brasília, a aeronave a jato ERJ-14ER, adquirida da Embraer. O avião, com capacidade para até 50 passageiros, irá reforçar a frota da PF para o desenvolvimento de operações em todo o país, facilitando o deslocamento dos policiais e o transporte de equipamentos. Segundo a corporação, o deslocamento de grupos muito numerosos de agentes em aviões comerciais tem um custo muito alto e, por isso, o transporte aéreo era feito em aeronaves Hércules, cedidas

A

pela FAB (Força Aérea Brasileira). Apesar de disponibilizar o novo avião a jato aos agentes, a corporação continuará fazendo usos ocasionais de aviões da FAB e também da aviação comercial (para grupos com pequeno número de agentes). O valor do jato ERJ-14ER não foi divulgado pela corporação. A aeronave sofreu alterações apenas na pintura para atender à Polícia Federal. Os equipamentos para as operações serão levados normalmente no bagageiro do avião e os agentes se acomodarão nos bancos de passageiros. Na negociação para a compra da aeronave, em dezembro, ficou acertado que a Embraer irá

disponibilizar a sua rede de serviços e assistência técnica, além de oferecer treinamento para mecânicos e pilotos. A PF também adquiriu no ano passado para o seu reaparelhamento mais de 840 viaturas, 660 armas longas (carabinas, metralhadoras) e 5.000 pistolas Glock 9 mm. Entre os presentes, estiveram na solenidade de apresentação da nova aeronave o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, o diretor de Combate ao Crime Organizado da Polícia Federal, Getúlio Bezerra, e o diretor-geral da PF, Paulo Lacerda. A Polícia Federal comemorou na data da entrega do jato


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RODRIGO GUILHERME

APOIO Aeronave a jato modelo ERJ-14ER, que auxiliará a Polícia Federal nas operações de combate e repressão ao crime

62 anos de existência. No mesmo dia foi lançado o livro “História da Academia Nacional de Polícia”. A corporação foi criada por lei e, apesar de ter autonomia administrativa e financeira, faz parte do Ministério da Justiça. Durante seu discurso no evento, o ministro Márcio Thomaz Bastos fez questão de frisar que a instituição não funciona a serviço do governo. Com um efetivo de 9.000 policiais, as principais atividades da PF são prevenir e reprimir o tráfico de drogas, combater o contrabando e o desvio de mercadorias, exer-

EMBRAER ERJ-145ER CAPACIDADE • 50 passageiros Peso máximo de decolagem 20.600 kg DIMENSÕES • 29,87 m de comprimento e 20,04 m de envergadura POTÊNCIA • 2 turbo-propulsores Rolls Royce AE3007 A1, com potência acima de 2.000 HP VELOCIDADE DE CRUZEIRO • 955 km/h

A aeronave sofreu alterações apenas na pintura para atender à Polícia Federal

cer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras (emissão de passaportes e controle de estrangeiros no Brasil). Também faz parte de suas atribuições fiscalizar empresas de segurança privada e exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União. A corporação também apura e reprime crimes contra o patrimônio histórico e cultural brasileiro e atua na repressão ao trabalho escravo e na proteção ao meio ambiente. No ano passado, foram registradas 61 operações nacionais, com 1.366 presos. ●


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AVIAÇÃO

NADA A VER

COM O CINEMA AO CONTRÁRIO DO FILME “PRENDA-ME SE FOR CAPAZ”, DIA-A-DIA DE UM PILOTO DE AVIÃO É CHEIO DE SACRIFÍCIOS POR

ida de piloto de aviação comercial não é tão fácil como mostra o filme “Prenda-me se for capaz”, de Steven Spielberg. Baseado em fatos reais, o filme conta a história do falsário Frank Abagnale Junior, vivido por Leonardo DiCaprio, que com 17 anos se torna o falsificador mais bem sucedido dos Estados Unidos e o bandido mais procurado pelo FBI. Mestre na arte do disfarce, Abagnale Jr. se passou por médico, advogado e

V

SANDRA CARVALHO

até por co-piloto da extinta PanAm. Ele conseguia em pouco tempo fingir que sabia pilotar aeronaves de grande porte. Aproveitou o glamour e vantagens da profissão de aeronauta por um certo tempo. Ficção à parte, para ser piloto na realidade não dá para simplesmente fingir, como o personagem de Leonardo DiCaprio. A profissão exige formação rigorosa, conhecimento e se desenvolve numa carreira de muito trabalho.

Além de se apresentar com uma hora de antecedência ao vôo nos aeroportos, ter de fazer toda uma inspeção interna e externa da aeronave, se informar de tudo o que estiver relacionado aos passageiros e às cargas e ao avião antes de decolar, o piloto de aviação comercial tem uma jornada de trabalho incomum. Em vôos domésticos, trabalha até 11 horas por dia (até 9 horas e meia fora do solo). Em vôos internacionais, costuma voar por mais de 12 horas. As horas de


istock photos

descanso entre uma jornada e outra são normalmente de 12 horas em vôos domésticos e de até 24 horas em vôos internacionais e não contam como folga. Esses profissionais têm oito folgas obrigatórias de 24 horas cada por mês. Dificilmente, eles estão em casa com a família nos finais de semana, aniversários, Natal e em outras datas comemorativas. Mas a remuneração é bem atrativa. Os iniciantes, como copilotos, ganham em média R$ 4.000. Já os mais experientes, de R$ 8.000 a R$ 15 mil. O primeiro passo para quem quer se tornar piloto de aviação comercial é investir na formação. O comandante Célio Eugênio de Abreu Júnior é piloto há 32 anos e faz parte da Secretaria de Segurança em Vôo do SNA (Sindicato Nacional dos Aeronautas). Ele também atua como professor do curso de ciências aeronáuticas da Faculdade Estácio de Sá, no Rio de Janeiro. Eugênio explica que, para ingressar na carreira, o candidato a piloto pode seguir por três caminhos. O primeiro é passar pelas aulas teóricas e práticas em escolas de aviação homologadas pelo DAC (Departamento de Aviação Civil), formação mais rápida que pode durar em média dois anos.


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ARQUIVO PESSOAL/DIVULGAÇÃO

COMO SE TORNAR PILOTO EXIGÊNCIAS • Ter mais de 18 anos • Ter ensino médio completo • Ser aprovado nos exames teóricos, práticos e de saúde do DAC • Estudar em escolas homologadas pelo DAC FORMAÇÃO • Teoria e prática podem ser feitas em escolas homologadas pelo DAC, com duração média de 2 anos • Opção: curso em nível superior, chamado ciências aeronáuticas, com duração de 3 anos • A relação de escolas habilitadas pode ser encontrada no site www.dac.gov.br CURRÍCULO PARA VOAR • As horas de vôo exigidas pelo DAC variam de acordo com cada categoria: • Piloto privado: 40 horas • Piloto privado com IFR (certificado de vôo por instrumento): 90 horas, das quais 50 horas de IFR • Piloto comercial: 200 horas • Piloto comercial com IFR: 250 horas, das quais 50 horas IFR • Piloto de linha aérea: 1.500 horas de vôo e formação como piloto comercial com IFR CUSTO MÉDIO DA FORMAÇÃO • De R$ 80 mil a R$ 120 mil SALÁRIO MÉDIO • R$ 4.000 (iniciantes) a R$ 8.000 (experientes, vôos nacionais) e R$ 15 mil (vôos internacionais)

40 mil

pilotos, No Brasil, existem considerando todas as categorias Fontes: DAC/SNA

Outra opção, tida como a tendência do mercado, é fazer um curso superior na área, com duração de três anos. Esses dois caminhos exigem que o candidato passe pelas provas teóricas, práticas e exames médicos do DAC. Nas duas opções, o futuro piloto de aviação comercial tem de cumprir pelo menos 200 horas de vôo. A formação nas escolas de aviação é mais rápida, segundo Eugênio, mas o diferencial da formação em terceiro grau é que o piloto é capacitado para atuar em outras áreas, como gerenciamento das empresas aéreas e atividades paralelas ao vôo. “É um profissional completo, de nível superior, com noções administrativas, técnicas, práticas, mecânicas e teóricas. Enfim, que entende todo o universo da aviação”, diz. Para se formar, o piloto que vai pelo caminho mais curto gasta em média R$ 80 mil. Quem opta pelo terceiro grau tem mais chances no mercado, mas tem de investir em média R$ 120 mil na formação. Alternativa mais vantajosa financeiramente é o ingresso na carreira por meio da FAB (Força Aérea Brasileira), que abre concursos freqüentemente para a formação de cadetes. O curso de formação da FAB dura quatro anos e para ingressar é necessário fazer concurso público. Durante a formação, que pode ser iniciada aos

EXPERIÊNCIA Célio Eugênio está há 32 anos na profissão

18 anos, o piloto recebe remuneração e seu período de capacitação já conta como tempo de trabalho na força aérea. Assim como na maioria das profissões, a concorrência entre os pilotos é cruel. Nas seleções, as empresas exigem no mínimo a formação básica de 200 horas de vôo. “Os profissionais que estão começando e que às vezes investiram R$ 120 mil na formação têm de concorrer no teste com pilotos com mais horas de vôo, mais experientes e que estão sem trabalho”, diz o comandante. É que nos últimos dez anos algumas empresas brasileiras, como a Transbrasil e a Vasp, deixaram de operar e jogaram no mercado centenas de pilotos e co-pilotos experientes. Outra concorrência

desleal para os iniciantes, na opinião do comandante, é com os pilotos da FAB, que se aposentam jovens, com ampla formação e experiência e partem para o mercado de aviação comercial. No entanto, apesar da concorrência, o mercado está em expansão, já que nos últimos anos surgiram novas empresas de aviação comercial. Além disso, com a queda do dólar, que interfere diretamente no preço das passagens aéreas, o brasileiro está voando mais, o que tende a fazer com que as empresas cresçam e ofereçam novas vagas. Eugênio diz que o Sindicato dos Aeronautas já estuda a elaboração de projetos a serem enviados para o governo federal


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FAB/DIVULGAÇÃO

PRESENÇA FEMININA

Mulheres são minoria

PARTICIPAÇÃO TÍMIDA Daniele Lins, uma das 11 cadetes da FAB

OS PILOTOS MAIS EXPERIENTES CHEGAM A GANHAR ATÉ

R$ 15 MIL MENSAIS

sobre a criação do curso de ciências aeronáuticas nas universidades públicas. O comandante da Varig Celso De Lantéiul está na profissão há 27 anos. Atualmente, ele faz, desde 1991, vôos internacionais e comanda aeronaves MD11, um dos tops de linha de modelos de avião para esse tipo de vôo. De Lantéiul já passou por diferentes áreas na profissão e fala com conhecimento sobre o mercado de trabalho. Iniciou a carreira no final da década de 1970, trabalhou como instrutor de vôos, como freelancer na aviação executiva e entrou na aviação regional no final dos anos 80. “Nessa época, a aviação civil estava crescendo muito, novas

No cadastro de pilotos sindicalizados do SNA (Sindicato Nacional dos Aeronautas), existem 659 homens e apenas nove mulheres. Não que elas se sindicalizem menos, é que o número de mulheres na profissão é ainda pequeno. Na empresa Gol, por exemplo, existem apenas seis mulheres trabalhando, contra 735 homens. Estima-se que, no Brasil, elas não passem de 50 na aviação comercial. No geral, segundo o DAC, existem 40 mil pilotos habilitados no país (contando todas as categorias), dos quais menos de 1% são mulheres. O motivo da ausência feminina na profissão, segundo a piloto Fernanda Pietro, 25 anos, é que as mulheres desconhecem e ainda procuram pouco a área. “Nunca percebi preconceito relacionado ao sexo na aviação comercial no momento da contratação de pilotos. O tratamento e o respeito profissional são os mesmos para todos”, diz Fernanda, que é uma das seis pilotos da Gol. Ela faz vôos nacionais e internacionais em Boeings 737. Fernanda diz que já foi vítima de preconceito apenas em uma empresa de aviação executiva, que não a contratou pelo fato de ela ser mulher. Para a piloto, que divide o tempo entre o trabalho e a filha de três anos, a diferenciada jornada de trabalho não é problema. “Aproveito bastante e com muita qualidade o tem-

po em que estou com minha filha e meus familiares. Ligo para ela (filha) pelo menos umas três vezes ao dia e me considero uma boa mãe”, diz. Kelie Cerqueira Dewulsky Chaves, 29 anos, faz vôos regionais na OceanAir e também não vê preconceito nas empresas. “Alguns passageiros às vezes estranham, mas acabam se acostumando.” Para Daniele Lins, uma das 11 cadetes da Força Aérea Brasileira, o número de mulheres pilotos vai ser equiparado ao número de homens na profissão. “É só uma questão de tempo. As mulheres vêm conquistando cada vez mais espaço. Trata-se de uma novidade ainda, mas a tendência é que esse interesse feminino aumente, a exemplo do que já ocorre no curso de formação de oficiais intendentes, em que o número de cadetes femininas equipara-se ao de cadetes masculinos.” A primeira mulher a pilotar aviões no Brasil foi Teresa de Marzo. Ela nasceu em 4 de agosto de 1903, em São Paulo. Aos 17 anos, ingressou na escola de aviação, contra a vontade dos pais. Começou a voar em 1921. Recebeu o brevê nº 76 da Federação Aeronáutica Internacional, tornando-se a primeira brasileira a possuir o registro. Sua carreira foi interrompida em 1926, quando se casou com seu instrutor de vôo e decidiu se dedicar ao lar.

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ARQUIVO PESSOAL/DIVULGAÇÃO

ATENTADO NOS EUA

Piloto presencia agonia Os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 foram uma espécie de marco na vida do piloto Celso De Lantéiul. Não somente pelas mudanças de procedimentos profissionais, que atingiram a todos os profissionais da aviação, mas por um momento particular. De Lantéiul havia pousado no Aeroporto Internacional de Miami, nos Estados Unidos, cerca de três horas antes dos atentados. “Tive a notícia pela televisão, quando já estava num hotel. Convivi com tripulações de vários países nesse mesmo hotel. Todos estavam com medo e sem entender direito o que estava acontecendo. A preocupação e a angústia estavam nítidas nos tripulantes. Algumas empresas, como a Delta, chegaram a enviar equipes de psicólogos para acalmar seus tripulantes. Lembro-me de que olhava prédios ao redor e ficava pensando se algum avião iria explodir. Um momento de muita tensão”, diz. Passado o momento de medo e angústia, a segurança nasceu novamente e o vôo da Varig para o Rio de Janeiro que comandou foi o primeiro, após os ataques, a

partir de Miami para o Brasil. “Decolamos três dias após os atentados, numa sexta-feira. Apesar de todo o susto, eu me senti seguro, porque a segurança nos Estados Unidos, naquele momento, estava mais que redobrada e voamos tranqüilamente para o Brasil.” Nesse dia, conta o piloto, ele percebeu que a busca pelo equilíbrio e pela segurança na carreira são atributos fundamentais para quem pretende ingressar na profissão. “Conseguimos um equilíbrio emocional, uma característica fundamental para quem quer ser piloto.” Mas quem pensa que a vida de pilotos só tem horários loucos e jornadas árduas está enganado. O comandante diz que é possível transformar essa rotina em ações a seu favor e da família. “Raramente, podemos ir ao teatro no fim de semana. Vamos durante a semana e não enfrentamos fila. Andamos em horários em que o trânsito está mais tranqüilo e, principalmente, aproveitamos muito e com qualidade todos os momentos que temos com a família.”

SUSTO Piloto Celso De Lantéiul estava nos EUA no dia do atentado

empresas surgindo. Além disso, foram criados fundo de aposentadoria em empresas antigas, o que culminou com a saída de muitos pilotos que se aposentaram. Por isso, novas vagas surgiram e a minha ascensão e de demais pilotos da época na profissão foi em menos de cinco anos. Bem mais rápida do que normalmente é hoje”, diz. Atualmente, para chegar a comandante, o piloto leva pelo menos 12 anos. Em meados da década de 80, De Lantéiul já era co-piloto de Boeing 737 na Varig. Até chegar a esse ponto, conta que passou por muitos treinamentos teóricos e práticos. “Até hoje passo por treinamentos de navegação, de relaciona-

mentos. Não se pode voar em uma aeronave sem ser devidamente capacitado para isso”, diz. Entre as principais mudanças no decorrer da carreira, ele destaca o aumento da quantidade de treinamentos em segurança de vôo, o que considera importante, e também as novas exigências em aeronaves de vôos internacionais, como é o caso das que ele pilota, após os atentados de 11 de setembro. Algumas mudanças podem ser percebidas pelo próprio passageiro. “Hoje, não existe mais aquela coisa de o passageiro poder visitar a cabine do piloto, como era antigamente. As cabines têm portas lacradas e a conversa com os comissários se dá via interfones.” ●



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EDUCAÇÃO

CHANCE DE RECOMEÇO SENAT FAZ PARCERIA COM O MEC E OFERECERÁ O PROEJA AOS TRABALHADORES DO TRANSPORTE POR

ara ajudar jovens e adultos brasileiros que não tiveram a oportunidade de completar a educação básica no tempo adequado, o Senat (Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte) formalizou no último dia 16 de março uma parceira com o MEC (Ministério da Educação) que institui o PROEJA (Programa de Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos). O objetivo

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NOVA OPORTUNIDADE

ALICE CARVALHO

da entidade é levar, a partir de 2007, os ensinos médio e profissional a trabalhadores do setor de transporte e a qualquer pessoa que pretenda concluir seus estudos. O Senat cumpre o que determina o decreto nº 5.478, de 24 de junho de 2005, que institui, no âmbito das instituições federais de educação tecnológica, o PROEJA. A entidade busca no programa a educação integral de jovens e adultos que não tiveram oportunidade de estudar, possibili-

tando a essas pessoas a elevação de escolaridade e o desenvolvimento de suas potencialidades, para ingresso n mercado de trabalho do setor de transporte. De acordo com um levantamento de 2004 CNT/Sest/Senat, 55% dos profissionais do setor de transporte rodoviário de passageiros têm o ensino fundamental completo, mas apenas 38% chegaram ao ensino médio. Já entre os profissionais do setor de transporte

rodoviário de cargas, a taxa de escolaridade de nível fundamental é de 68% e a taxa de nível médio (completo e incompleto) é de 23%. Cumprindo o objetivo do Programa, o Senat vai disponibilizar o ensino médio articulado ao curso de educação profissional técnica em transporte urbano e rodoviário de passageiros e em logística e transporte de cargas. As aulas do PROEJA terão carga horária de 1.690 horas à distância e 710 horas presenciais, totalizando


PEDRO VILELA

SAIBA MAIS O QUE É O PROEJA foi instituído pelo decreto nº 5.478, de 24 de junho de 2005. COMO VAI FUNCIONAR NO SENAT O curso terá carga horária de 1.690 horas à distância e 710 horas presenciais, totalizando 2.400 horas de curso, com previsão de término em 3 anos. PÚBLICO ALVO Jovens e adultos que não concluíram os ensinos fundamental e médio PREVISÃO DE INÍCIO Em 2007 Ao final do curso, o aluno irá receber o diploma de ensino médio profissionalizante (técnico).

O motorista de ônibus urbano de Contagem (MG) José Freitas espera cursar o ensino médio e o superior

2.400 horas de curso. A previsão do serviço de aprendizagem é que em 2007 o Programa já esteja disponível nas unidades do Sest/Senat credenciadas junto às Secretarias Estaduais de Educação. A entidade irá utilizar a metodologia da educação à distância, via web, aliada ao material impresso e vídeos, por ser considerada no cenário da educação atual uma metodologia que reduz custos e possibilita a inclusão social. O público-alvo do programa são

os jovens e adultos brasileiros que desejam complementação de estudos em nível médio e qualificação profissional. A vantagem do curso é que o aluno, após os três anos, sai com o diploma de nível médio e técnico, cursando apenas três anos do que faria num curso regular. Segundo Jaqueline Moll, coordenadora geral de política de educação profissional e tecnológica do Ministério da Educação, “a parceria do MEC com o Senat é fundamental

para o país, pois o Brasil apresenta hoje mais de 60 milhões de jovens e adultos com mais de 18 anos que não possuem o ensino médio concluído”. “Com o Senat como parceiro, poderemos universalizar o acesso ao PROEJA, disponibilizando o ensino médio articulado com o ensino profissional aos jovens e adultos que não tiveram oportunidade de estudar”, afirma. O motorista de ônibus urbano de Contagem (MG) José Freitas, 40 anos, completou apenas

o ensino fundamental e, segundo ele, seu sonho é concretizar o ensino médio e o superior. “É muito difícil concluir os estudos quando se trabalha e já passou da idade regular, além da falta de tempo não é fácil encontrar um lugar que ofereça estudos para pessoas de mais de 30 anos com um preço acessível, mas graças ao PROEJA estabelecido no Senat, outras pessoas e eu poderemos concluir os estudos e ainda melhorar nossa qualificação profissional”, afirma o motorista. ●


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“ATENTADO MOTIVOU INVESTIMENTOS NA MODERNIZAÇÃO DAS ESTRUTURAS DE SEGURANÇA AEROPORTUÁRIAS” DEBATE

A SEGURANÇA NOS AEROPORTOS MELHOROU APÓS OS ATEN

Avanço na vistoria de carga, bagagens e de passageiros JOHN KINNEY

uando a aviação comercial surgiu, em 1914, fazendo transporte de malas postais no sul da Florida, poucos poderiam imaginar que hoje teríamos um volume de passageiros que representa quase metade da população mundial e um volume igualmente significativo de cargas transportadas. Associado ao dinamismo característico das operações de transporte aéreo, essas demandas – de carga e passageiros exigem um grau de eficiência nas operações que poucos setores de transportes conseguem atingir. Esta eficiência é ainda maior quando se avalia que a expectativa dos usuários pelos serviços prestados é de absoluta segurança. A maioria dos processos produtivos exige um grau de eficiência de 3,4 defeitos por milhão de operações, ou seja, para o transporte aéreo este grau de eficiência, traduzido em segurança das operações de decolagem e pouso nos EUA, é equivalente a aproximadamente 20 falhas. A segurança nos aeroportos também tem impacto direto na

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JOHN KINNEY Diretor da Divisão de Transportes Aéreos da Unisys Brasil

operação do transporte aéreo. Até recentemente, a grande preocupação dos aeroportos limitavase à movimentação das aeronaves em solo e às operações de pouso e decolagem. Porém, alguns fatos ocorridos nos últimos anos, em especial os atentados de 11 de setembro de 2001 – dado o impacto imediato que teve na economia e política mundial -, chamaram atenção para a segurança de outros componentes. A partir desses acontecimentos, agências governamentais, principalmente as norte-americanas, iniciaram um maciço programa de investimentos na modernização das estruturas de segurança aeroportuárias. Naturalmente, os países mais expostos a fatores externos que ameaçam a segurança operacional dos aeroportos têm investido mais recursos. Além do investimento em tecnologia, esses países também realizaram mudanças nos processos operacionais (fluxo de passageiros e cargas) e administrativos (controle de acesso de funcionários de empresas da comunidade aeroportuária).

Do ponto de vista da tecnologia, os maiores avanços se deram na vistoria de bagagens, cargas e passageiro, por meio de sistemas de vigilância remota (no perímetro aeroportuário), sistemas de comunicações e de rastreamento com etiquetas de RFID (Dispositivo de Identificação por Rádio Freqüência). Apesar da impressão negativa que as filas nos pontos de controles de segurança causam aos usuários, as estatísticas apontam para um impacto mínimo na eficiência operacional do transporte aéreo. Com essas novas medidas, os aeroportos, especialmente dos EUA, têm conseguido evitar grande parte dos problemas. É preciso lembrar também que outros acontecimentos fomentaram o desenvolvimento de tecnologias e processos de controle de segurança, como os surtos de cólera (no início da década de 90) e da Sars (em 2002). Todas essas medidas adotadas terão presença permanente no transporte aéreo, e também serão, e em alguns casos já são, aplicadas em outros setores da economia.


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“ATO CONTRIBUIU PARA AMPLIAR AS PREOCUPAÇÕES E AS INICIATIVAS PARA MELHORAR O CONTROLE DA SEGURANÇA” TADOS DE 11 DE SETEMBRO DE 2001?

Catalisador do processo de aperfeiçoamento da segurança MARCUS SILVA REIS

ara melhor responder é preciso comentar alguns antecedentes da aviação civil. Em 1944, foi realizada, em Chicago (EUA), uma Convenção Internacional de Aviação Civil que tinha como objetivo maior garantir o crescimento ordenado e seguro do transporte aéreo internacional. O suporte técnico da Convenção de Chicago, um dos mais perfeitos do mundo, é constituído por 18 anexos à Convenção e cobrem por completo áreas específicas da indústria aeronáutica e do transporte aéreo internacional. O conteúdo dos anexos é apresentado pela OACI (Organização de Aviação Civil Internacional) em caráter de Padrão e/ou Práticas Recomendadas (Standard and Recommended Practices - SARP) aos Estados contratantes. Cada Estado deve estabelecer uma legislação que transforme em Lei os Padrões e Práticas Recomendadas. Até 1990 a OACI recomendava aos Estados contratantes que observassem os SARP, sem, entretanto, verificar se estavam sendo

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adequadamente cumpridos. Em 1995 a OACI celebrou acordo bilateral com cada um dos Estados contratantes para realizar auditorias no Sistema de Vigilância da Segurança de Vôo dos mesmos. As auditorias se iniciaram no final da década de 90. E o sucesso dessa iniciativa acabou envolvendo os dois outros sistemas de segurança, que são o SIPAER (Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos) e o AVSEC (Sistema de Segurança da Aviação Civil). Esse último tem por finalidade garantir a segurança do usuário, das aeronaves e a infra-estrutura aeronáutica e aeroportuária contra atos ilícitos, terroristas e qualquer atividade que ponha em risco a Aviação Civil Internacional. Os atos terroristas de 11 de setembro, aceleraram e aprofundando o processo de auditoria do Sistema AVSEC em todos os países. O Brasil não apresenta características favoráveis a atos ilícitos contra a aviação civil. Mesmo assim, observando as exigências internacionais de certificação de aeródromos, o Subdepartamento

Técnico do Departamento de Aviação Civil elaborou ou atualizou a maior parte da legislação pertinente ao AVSEC, passando a possuir também uma legislação atual, moderna e avançada em relação à segurança. Os fatos ocorridos no fatídico dia 11 de setembro agiram como catalisadores do processo de aperfeiçoamento do AVSEC. Contribuiu para ampliar as preocupações e as iniciativas para melhorar a aplicação das medidas de controle da segurança da aviação civil. Hoje, o nível de segurança existente em alguns dos nossos aeroportos internacionais é superior à média de países desenvolvidos. Mais que isso, estamos em constante aprimoramento, onde são avaliados com o máximo critério os custos e benefícios das medidas a serem adotadas em todos os níveis dessa atividade. Mas seria exagero creditar essa melhoria somente ao ocorrido no 11 de setembro. O grande impulsionador desse aperfeiçoamento é a OACI, a autoridade aeronáutica do Brasil e, em menor grau, a americana.

MARCUS SILVA REIS Coordenador do Curso de Ciências Aeronáuticas do Instituto do Ar da Universidade Estácio de Sá


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TRANSPORTE FERROVIÁRIO DE CARGAS EM TONELADAS

MESES ANO JANEIRO 2005 FEVEREIRO 2005 MARÇO 2005 ABRIL 2005 MAIO 2005 JUNHO 2005 JULHO 2005 AGOSTO 2005 SETEMBRO 2005 OUTUBRO 2005 NOVEMBRO 2005 DEZEMBRO 2005 JANEIRO 2006 VARIAÇÃO ENTRE JANEIRO 2006/2005 MÉDIA DOS ÚLTIMOS 12 MESES

ESTATÍSTICAS

TONELADAS 32.720.031 30.156.069 34.207.360 34.046.414 36.989.195 35.769.915 36.304.758 38.712.463 37.933.827 38.097.156 35.086.095 34.964.236 34.153.000 4,38% 35.535.041 FONTE: IDET CNT/FIPE

TRANSPORTE POR FERROVIA CRESCE SEGMENTO MOVIMENTOU 34,15 MILHÕES DE TONELADAS EM JANEIRO LUCAS LACAZ RUIZ/ FUTURA PRESS

modo ferroviário de carga movimentou um volume de 34,15 milhões de toneladas no mês de janeiro. Se comparado com o mesmo mês de 2005, expressa um crescimento de 4,38% e mantém a tendência de aumento dos volumes médios transportados por ferrovia nos últimos 12 meses, que era de 35,4 milhões de toneladas e passou para o patamar de 35,5 milhões de toneladas. Em janeiro de 2006, foram transportados nos portos brasileiros mais de 28,24 milhões de toneladas, sendo 21,98 milhões em mo-

O

vimentação de longo curso e 6,26 milhões em navegação de interior e cabotagem. Analisando o saldo dos valores movimentados (exportações menos importações), tanto no acumulado do ano como no resultado mensal verificam-se aumentos de 24,54% e de 30,04%, respectivamente (dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior). ●

Para esclarecimentos e/ou para download das tabelas do Idet, acesse www.cnt.org.br ou www.fipe.com.br

EM ALTA Transporte ferroviário de carga tem aumento



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HUMOR DUKE




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