Wim Wenders: Imagens que Obedecem

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CAIXA CULTURAL

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A CAIXA tem a honra de apresentar a mostra ‘Wim Wenders – Imagens que obedecem’, que visita a obra de um dos cineastas mais importantes do Cinema Novo alemão, e que ainda hoje se mantém ativo. A mostra, que itinera pelos espaços da CAIXA Cultural do Rio de Janeiro, São Paulo e Curitiba, traz 16 filmes – 15 longas-metragens dirigidos por ele e mais um documentário sobre sua obra. Com a realização do evento pretende-se discutir quem é esse cineasta que traz em sua obra sempre uma grande dose de questionamentos, “pai” de personagens em constante crise existencial e de trajetória incerta. O nome da mostra vem de uma máxima do próprio Wenders: “As Imagens devem obedecer à história”. Ou seja, as imagens devem servir a um propósito, não devem ser vulgares, banalizadas e gratuitas. É com essa ideologia que o cineasta pensa não somente o seu próprio cinema, mas também o mundo ao seu redor. Ao patrocinar este projeto, selecionado pelo Edital 2010 de Ocupação dos Espaços da CAIXA Cultural, a CAIXA espera trazer ao público uma importante colaboração para a reflexão sobre o cinema segundo o olhar de um cineasta singular. Com esta ação, reforça o seu papel institucional de estimular a discussão artística e fomentar o surgimento de novos públicos apreciadores da arte, ao mesmo tempo em que reafirma sua vocação social e sua disposição de democratizar o acesso à produção artística e aos espaços da CAIXA Cultural. CAIXA ECONÔMICA FEDERAL


Índice

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Wim Wenders: Imagens que obedecem

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Linha do tempo

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Cronologia

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Por que filma?

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Filmes de estrada, solidão e música

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Cinema Novo Alemão

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Os Filmes Preto e Branco

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Movimento em Falso

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No Decurso do Tempo

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O Amigo Americano

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Um filme para Nick

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A memória nos diários filmados de Wim Wenders: Tokyo-Ga

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Paris, Texas

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Asas do Desejo

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Estrela Solitária

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Sabatina com Wim Wenders

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Debates

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Ficha Técnica


imagens que obedecem

Os Filmes Schauplätze Same Player Shoots Again Silver City Revisited Polizeifilm Alabama: 2000 Light Years from Home 3 American LPs Verão nas Cidades O Medo do Goleiro Diante do Pênalti A Letra Escarlate Alice nas Cidades Movimento em Falso No Decurso do Tempo O Amigo Americano Um Filme para Nick O Estado das Coisas Reverse Angle Mistério em Chinatown Quarto 666 Paris, Texas Tokyo-Ga Asas do Desejo Identidade de Nós Mesmos Até o Fim do Mundo Arisha, the Bear, and the Stone Ring Tão Longe, Tão Perto O Céu de Lisboa Além das Nuvens Um Truque de Luz O Fim da Violência Buena Vista Social Club Willie Nelson at the Teatro O Hotel de Um Milhão de Dólares Ode a Colônia Twelve Miles to Trona A Alma de Um Homem Medo e Obsessão Estrela Solitária Palermo Shooting Pina filme extra | Os Primeiros Anos de Wim Wenders

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wim wenders

Wim Wenders: Imagens que Obedecem Wim Wenders é um cineasta prolífico. Dirigiu cerca de quarenta filmes ao longo da sua carreira, desde a juventude vivida na Alemanha pós-guerra. Alemanha dividida e envergonhada frente a um passado aterrador, elemento político que não só influenciou a sua obra, mas foi determinante para estruturar os grandes pilares do seu cinema. O filme de estrada, das grandes paisagens, do homem deslocado, da busca por uma identidade, da aproximação de outras culturas — sobretudo da norte-americana. Essas são as bases do cinema de Wim Wenders, um cinema que está sempre em procura do outro. Mas, sobretudo, um cinema de grandes imagens. Wim Wenders começou com seu interesse pela arte através da pintura e da fotografia. Na transição para o cinema, foi natural entender a sétima arte como uma extensão da composição fotográfica/pictórica. Influenciado pelo cinema underground americano, que tem em Andy Warhol um dos seus maiores representantes, Wenders inicia sua carreira com filmes não narrativos. A imagem, a grande composição, é o que estava em jogo. É com essas características que ele roda a maior parte de seus primeiros curtas. Apenas em seus longas-metragens é que Wenders esbarra com a narrativa. Anos depois, Wenders falaria sobre isso. As imagens, para ele, são preciosas e precisam ser cuidadas. Mas se em determinado primeiro momento elas poderiam existir por si só, paulatinamente ele descobre que em seu cinema as imagens precisam de uma narrativa para terem susten-

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tação. As imagens necessitam obedecer a uma história. E esse é, talvez, a maior característica do cinema de Wim Wenders, pois em seu cinema as imagens são quase protagonistas, mas o são respeitando sempre uma mise-en-scène extremamente calculada. Em outras palavras, suas imagens nunca são gratuitas. A imagem, aliás, é também elemento de interesse em seus filmes. Wenders, em muitos momentos, proporciona investigações a respeito dos valores simbólicos das fotografias, da pintura e do próprio cinema. A série Diários Filmados, composta por documentários praticamente livres realizada na década de 1980, é um dos grandes momentos desse seu viés cinematográfico. Mas essa investigação não aparece na obra de Wim Wenders apenas em momentos documentais. Ao contrário, em suas ficções — em especial em seus filmes de estrada — a imagem, ou a verdadeira imagem, é discutida a todo momento. Seus personagens carregam consigo câmeras fotográficas, fotos velhas; olham por janelas de carros e hotéis as paisagens que compõem o arcabouço da extensa obra do diretor de Paris, Texas e Asas do Desejo, dois dos mais importantes filmes já realizados na história do cinema. Este catálogo procura abranger momentos importantes da cinematografia wenderiana e colocar em evidência discussões acerca de seu cinema. Além dos artigos e textos críticos aqui reproduzidos, há ainda a transcrição de uma sabatina realizada com Wim Wenders em 2008 que contou com a presença do cineasta brasileiro Walter Salles. No fim do catálogo estão publicadas as fichas técnicas de todos os seus filmes, com destaque para os filmes exibidos na mostra Wim Wenders: Imagens que Obedecem.

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10 década de 70

Um Filme para Nick O Estado das Coisas CURTA | Reverse Angle Mistério em Chinatown Quarto 666 Paris, Texas Tokyo-Ga

década de 60

Verão na Cidade O Medo do Goleiro Diante do Pênalti A Letra Escarlate Alice nas Cidades Movimento em Falso No Decurso do Tempo O Amigo Americano

CURTA | Schauplätze CURTA | Same Player Shoots Again CURTA | Silver City Revisited CURTA | Polizeifilm CURTA | Alabama: 2000 Light Years from Home CURTA | 3 American LPs

1980 1982 1982 1982 1982 1984 1985

1970 1971 1972 1973 1975 1976 1977

1967 1967 1968 1968 1969 1969

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LINHA DO TEMPO

década de 80


década de 90

O Hotel de Um Milhão de Dólares Ode a Colônia CURTA | Twelve Miles to Trona A Alma de Um Homem Medo e Obsessão Estrela Solitária Palermo Shooting Pina

Até o Fim do Mundo CURTA | Arisha, the Bear and the Stone Ring Tão Longe, Tão Perto O Céu de Lisboa Além das Nuvens Um Truque de Luz O Fim da Violência Buena Vista Social Club Willie Nelson at the Teatro

Asas do Desejo Identidade de Nós Mesmos

2000 2002 2002 2003 2004 2005 2008 2011

1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1998

1987 1989

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anos 2000

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CRONOLOGIA 1945 - Nasce em 14 de agosto na cidade de Düsseldorf, na Alemanha. 1952 - Começa a fotografar com apenas sete anos de idade. 1957 - Aos doze anos já revela suas próprias fotografias. 1957 - Tem contato com uma câmera super8 e roda um plano-sequência fixo de três minutos. Mais tarde ele se lembraria disso como sua primeira filmagem. 1962 - Adquire ao 17 anos uma câmera Leica. 1966 - Estabelece-se como pintor em Paris. Nos momentos livres assiste a diversos filmes na cinemateca francesa, incluindo clássicos alemães. 1967 - Matricula-se na Faculdade de TV e Cinema de Munique. 1967 - Dirige seus dois primeiros curtas-metragens, Schauplätze e Same Player Shoots Again. 1968 - Roda os curtas Silver City Revisited e Polizeifilm. 1968 - Até 1972 escreve críticas para a revista Filmkritik e para o jornal Die Sueddeutsche Zeitung. 1969 - Roda o filme de curta-metragem Alabama: 2000 Light Years from Home.

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1970 - Conclui o curso de TV e Cinema com o seu primeiro longametragem, Verão na Cidade. 1971 - Junto com R. W. Fassbinder, Wladimir Herzorg e outra dezena de diretores e roteiristas, funda a distribuidora independente Filmverlag der Autoren. 1971 - Inicia, de fato, sua carreira profissional como cineasta rodando o filme O Medo do Goleiro Diante do Pênalti, com roteiro de Peter Handke. 1972 - Dirige A Letra Escarlate. 1973 - Filma Alice nas Cidades. 1975 - Roda o longa-metragem Movimento em Falso. 1976 - Funda a Road Movies Filmproduktion que até o ano de 2003 foi responsável por mais de uma centena de filmes. 1976 - Realiza o filme No Decurso do Tempo. 1977 - Roda nos Estados Unidos o longa-metragem O Amigo Americano, filme que o torna bastante conhecido fora da Europa. 1978 - Francis Ford Coppola o convida para dirigir Mistério em Chinatown, nos Estados Unidos. Mas Coppola e Wenders divergem sobre os caminhos do projeto, gerando


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grande atraso. O filme só seria concluído quatro anos mais tarde. 1980 - Em um dos intervalos da produção de Coppola, Wenders roda Um Filme para Nick, ao lado de Nicholas Ray. 1982 - Após todo o conflito na produção do Mistério em Chinatown, Wenders filma em Portugal O Estado das Coisas, ganhador do prêmio de melhor filme no Festival de Veneza. 1982 - Produz o curta Reverse Angle, primeiro filme da série Diários Filmados. 1982 - Termina, enfim, o filme Mistério em Chinatown. 1982 - Em uma participação no festival de Cannes, Wenders resolve rodar sem qualquer preparação o documentário Quarto 666, onde diversos diretores falam sobre o fim do cinema. Da série Diários Filmados. 1984 - Lança seu maior sucesso até então, Paris, Texas, com roteiro de Sam Shepard. O filme ganhou diversos prêmios, entre eles, o de melhor filme em Cannes. 1985 - Viaja para o Japão e filma Tokyo-Ga, sobre o cinema de Yasujiro Ozu, o terceiro da série Diários Filmados.

1987 - Volta a filmar na Alemanha e produz outro grande sucesso: Asas do Desejo. Entre os diversos prêmios que recebeu, está o de melhor direção no Festival de Cannes. 1987 - Publica seu primeiro livro, Written in the West, com fotografias do oeste americano. 1989 - Roda outro documentário da série Diários Filmados, o filme Identidade de Nós Mesmos, sobre o estilista Yohji Yamamoto. 1991 - Lança seu longa-metragem mais ambicioso, Até o Fim do Mundo. O filme, de ficção-científica, consumiu 12 anos de preparação e 20 milhões de dólares. Contratos de distribuição obrigaram Wim Wenders a lançar uma versão abreviada do filme. Anos depois ele viria a lançar uma versão do diretor para o longa. 1992 - Filma o curta-metragem Arisha, the Bear, and the Stone Ring. 1993 - Com a Alemanha agora reunificada, Wenders roda a continuação de Asas do Desejo, o filme Tão Longe, Tão Perto. 1994 - Volta a Portugual para filmar O Céu de Lisboa. 1995 - Michelangelo Antonioni sofre um derrame e, sem poder falar, convida Wim Wenders para ajudá-lo

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nas filmagens de Além das Nuvens. Wenders divide a direção do longa com o mestre italiano. 1996 - Juntamente com alunos da HFF, Munique, Wenders realiza o documentário Um Truque de Luz sobre pioneiros do cinema. 1997 - Volta a filmar nos Estados Unidos, realizando o longa-metragem O Fim da Violência. 1998 - Viaja com o produtor musical Ry Cooder para Cuba e roda o antológico Buena Vista Social Club sobre músicos cubanos que estavam no ostracismo. 1998 - Grava o pequeno musical Willie Nelson at The Teatro. 2000 - Com roteiro de Bono e com Mel Gibson no elenco, filma nos Estados Unidos o Hotel de Um Milhão de Dólares. 2002 - Realiza outro musical, Ode a Colônia, desta vez sobre a banda BAP, grupo de rock criado na década de 1970. 2002 - Participa do projeto Dez Minutos Mais Velho: O Trompete com o curta Twelve Miles to Trona. 2003 - Lança A Alma de Um Homem, outro documentário musical, agora sobre três músicos de blues: Blind Willie Johnson, Lenoir JB e James Skip. 2003 - Começa a lecionar na Escola de Belas Artes de Hamburgo.

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2004 - Filma em Los Angeles o longa-metragem Medo e Obsessão sobre a paranoia pós 11 de setembro. 2004 - Volta a trabalhar com Sam Shepard no Estrela Solitária, filme sobre um decadente astro de westerns. 2006 - Participa do projeto Invisíveis, rodado no Congo para os Médicos sem Fronteiras. 2008 - Lança Palermo Shooting. 2008 - Participa do projeto 8, com o curta Person to Person. 2010 - Lança no Brasil o livro de fotografias Lugares Estranhos e Quietos. 2011 - Roda em 3D o filme Pina, sobre a coreógrafa Pina Bausch.


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Por que filma? Resposta a um inquérito

Desde que tenho esta terrível pergunta diante de mim, vem-me ao espírito uma série de respostas possíveis. De manhã uma, de noite outra, mais uma na mesa de montagem, outra ainda ao contemplar as fotos de antigas filmagens, uma quando falo com a contabilista, mais uma quando penso nas pessoas com quem trabalho desde há anos. Todas essas respostas, todas essas razões para filmar, são válidas e são verdadeiras, mas digo para comigo que “lá atrás” tem de haver algo que é “ainda mais verdadeiro”, talvez uma “obrigação” ou até uma “necessidade”. Quando, com doze anos, rodei o meu primeiríssimo filme com uma câmera de oito milímetros, coloquei-me à janela de casa e filmei de cima a rua, os carros e os transeuntes. O meu pai viu-me e perguntou: “Que fazes tu aí com a câmara?” E eu disse: “Estou a filmar a rua, como bem vês.” “E para quê?”, perguntou-me ele. Não soube que responder. Dez ou doze anos mais tarde, rodei o meu primeiro curta-metragem em 16 milímetros. As bobinas tinham a duração de cerca de três minutos. Filmei um cruzamento, do sexto andar, sem mexer a câmara e durante tanto tempo até a bobina estar vazia. A ideia de parar a câmara antes não me ocorreu. À distância, posso imaginar que isso me deve ter parecido um sacrilégio. Por que um sacrilégio? Não tenho cabeça para teorias. Só raramente me recordo de alguma coisa que tenha lido. Não posso, por isso, também citar exatamente uma frase de Béla Balázs que, contudo, me impressionou muito. Fala da possibilidade (e da responsabilidade) de o cinema “mostrar as coisas como elas são”. E de que o cinema pode “salvar a existência das coisas”. É isso, exatamente. Ou aquela frase de Cézanne, segundo a qual “as coisas desaparecem. Temos de nos apressar, se queremos ver alguma coisa.” Em todo o caso... raio de pergunta: por que filmo? Ora, porque... Alguma coisa acontece, vemo-la acontecer, filmamo-la enquanto acontece, a câmara observa, conserva-a, podemos contemplá-la repetidamente, contemplá-la mais uma vez. A coisa já não está lá, mas a contemplação é possível; a verdade da existência dessa coisa, essa, não se perdeu. O ato de filmar é um ato heróico (não sempre, nem sequer frequentemente, mas por vezes). A progressiva destruição da percepção exterior e do mundo é, por um instante, suspensa. A câmara é uma arma contra a miséria das coisas, nomeadamente contra o seu desaparecimento. Por que filmar? Não saberá de outra pergunta menos idiota? Wim Wenders Do livro A Lógica das Imagens, de Wim Wenders. Tradução de Maria Alexandra A. Lopes. Texto original publicado no jornal Libération, caderno especial de abril de 1987.

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Filmes de estrada, solidão e música por Marcelo Oliveira da Silva

Foi talvez no sábado seguinte ao 14 de agosto do seu décimo segundo aniversário, há 54 anos, que o menino Ernst Wilhelm, desde sempre apelidado Wim, fez seu primeiro filme. Revelado o conteúdo da câmara 8mm, o que mais intrigou o cirurgião Heinrich Wenders foi a absoluta falta de cortes. Por três minutos, tudo que se via era a paisagem registrada a partir de um ângulo fixo na sacada de sua casa em Oberhausen, cidade pequena, sede do mais antigo festival de cinema da Alemanha. Corte para 1970. Wim tem 25 anos, já abandonou as faculdades de medicina e filosofia, já desistiu de ser pintor em Paris, onde acabou seduzido pelas sessões da Cinémathèque Française e assistia a filmes de manhã à noite. Saiu de lá ao ler um anúncio da Faculdade de TV e Cinema de Munique. Seu filme de formatura, Verão nas Cidades, está na mesa de corte. Apesar de longo (teria 2h30min), o montador que monitora o trabalho aceita os oito minutos e meio sem cortes de um passeio de carro que percorre toda a avenida mais chique de Berlim. Adiante viria a imagem de um túnel, também atravessado de carro, que durava um minuto. O idoso senhor não se contém. Wim responde que o túnel tinha 800m e que, naquela velocidade, a travessia durava um minuto. Precisou terminar a montagem sozinho. A câmara fixa num tripé ou num automóvel tinha uma vantagem decisiva: economia de custos. Os cortes escassos representavam uma revalorização da verdade, violentada por uma década e meia de propaganda nazista. O que na época ganharia nos festivais internacionais o pomposo nome de “estilo muniquense” era também resultado da carência de recursos num país que ressurgia das ruínas. Colega e em muitos casos sócio de Fassbinder, Werner Herzog e Schlöndorff, outros emergentes do Novo Cinema Alemão, Wenders seria também protagonista de uma revolução na linguagem fílmica que amadurecia em vários países desde os anos 60. Entretanto, se aquela geração hesitava diante da cultura pop americana, agarrando-se à filmagem de cânones literários do Velho Mundo, a fascinação de Wenders pela música, pelos ambientes e pela paisagem dos EUA se revelaria mais ao gosto da juventude europeia. Depois de fracassar na adaptação do romance A Letra Escarlate (1972), de Nathaniel Hawthorne, ele promete “não mostrar mais nada que não sejam automóveis, estradas, postos de gasolina, motéis e neons”. É com Alice nas Cidades (1973) que experimentaria um ingrediente central de seu estilo, os filmes de estrada, cuja trilogia se completa com Movimento em Falso (1975) e No Decorrer do Tempo (1976), inspirado no cineasta japonês Yasujiro Ozu. Porém, o financiamento estatal era mais fácil para filmes baseados em livros. Antes de soltar-se na encenação de

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O Estado das Coisas, de Wim Wenders

A volta por cima viria com O Estado das Coisas (melhor direção em Veneza, 1982), autobiográfico, sobre a feitura de filmes sem nenhum dinheiro. Logo vem Paris, Texas (melhor filme em Cannes, 1984) e Asas do Desejo (melhor direção em Cannes, 1987). Esses dois sucessos foram o ápice de sua capacidade de sintetizar em cenas quase domésticas situações grávidas de significado para personagens carentes de um destino. Em Paris, Texas, após anos dormindo cada noite num motel diferente, o personagem de Harry Dean Stanton volta à casa do irmão, que cria seu filho, e prepara-se para passar a primeira noite ali. À beira da cama, ele contempla os chinelos trazidos pela cunhada e alinha-os lado a lado, milimetricamente. Sem que se diga nada, percebemos que ele analisa a troca

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© Reverse Angle Pictures GmbH

histórias originais, Wenders ainda penaria um tempo com isso, eventualmente acumulando achados. Em Movimento em Falso, livremente baseado em Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister, de Goethe, ele inicia a carreira de Nastassja Kinski e fortalece sua parceria com o escritor Peter Handke, parceiro dos primeiros curtas e seu amigo mais antigo. Em O Amigo Americano (1977), literalmente ressuscitaria o lendário Dennis Hopper e desse livro de Patricia Highsmith guardaria um princípio: “As histórias dela não psicologizam. Não derivam de nenhuma lei, tudo é uma singularidade e cada um é singular, sem generalizações”. A última encomenda no gênero seria traumática: a recriação da vida do escritor Dashiell Hammett, O Falcão Maltês (1982), sua primeira aventura hollywoodiana. Seu produtor, Francis Ford Coppola, à bancarrota, colocava e tirava dinheiro e atores do filme, que consumiu quatro anos. Nas muitas folgas dessa época, Wenders desenvolveria outra assinatura sua, os roteiros abertos, costurados ao sabor das conveniências de cada filme.


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de anos na estrada por aquela vidinha burguesa. A década seguinte não seria tão exitosa. Com Até o Fim do Mundo (1991) e O Fim da Violência (1997), Wim seria acusado de incorporar aquilo que mais criticara na juventude: orçamentos e atores caros em filmes vazios. Buena Vista Social Club (1998), O Hotel de Um Milhão de Dólares (2000) e Estrela Solitária (2004) interessaram de novo público e crítica. Wenders filmou também várias homenagens de grande apuro estético. Começou com Um Filme para Nick (1980, réquiem para os últimos dias do cineasta Nicholas Ray, diretor do eterno Rebelde Sem Causa, de 1955). Depois vieram Quarto 666 (1982, série de entrevistas com outros cineastas sobre a influência da tevê), Tokyo-Ga (1985, sobre o mestre Ozu), Identidade de nós mesmos (1989, sobre Tóquio e o estilista Yohji Yamamoto), O Céu de Lisboa (1994, com o diretor português Manuel de Oliveira), Além das Nuvens (1995, codirigido por Michelangelo Antonioni), Um Truque de Luz (1996, sobre os irmãos Skladanowsky, pioneiros do cinema) e Pina (2011, sobre a coreógrafa Pina Bausch). Hoje, cerca de 30 longas-metragens depois, se existe um cinema que melhor reflete a confusão dos últimos anos da Guerra Fria, este é o de Wim Wenders. Feito de incomunicabilidades e de busca de identidade, é um cine de tempos mortos que antecedem momentos transparentes, em que a narrativa fica por vezes suspensa, como se desprovida de peso, detendo-se sobre um gesto, um sinal, uma palavra, um silêncio, uma imagem. Um cinema espantosamente concreto e, no entanto, em deslocamento constante. Filmes de estrada, de solidão e de música.

Marcelo Oliveira da Silva é jornalista e doutorando em cinema pela Freie Universitaet de Berlim.

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Cinema Novo Alemão por Ricardo Matsuzawa

A indústria cinematográfica alemã quase não existia após o fim da Segunda Grande Guerra. As cidades estavam destruídas. A vida cultural começou a se reestruturar a partir do Plano Marshall, com a injeção de ajuda financeira internacional. Antes da construção do Muro de Berlim, podia se identificar duas cinematografias distintas. Na Alemanha Oriental em 1946 foi criada a Defa (Deutche Film AG), única empresa de cinema da República Democrática Alemã, controlada pelo Estado. Produziu mais de 600 filmes até o seu fim, com reunificação da Alemanha. Com ótimos estúdios e recurso técnicos, a sua produção era destinada ao público interno, com controle e objetivos pertinentes à linha ideológica imposta pelo regime comunista, desviando o público de discussões e debates sobre temas que não interessavam ao Estado. Na Alemanha Ocidental, em processo de recuperação, criaram-se impostos para incentivar a produção de filmes, pois existia um desejo de resgate do cinema nacional. As formas de incentivo para a produção cinematográfica que foram implantadas eram extremamente burocráticas, o que favorecia o controle estatal nas produções, que naquele momento estimulava obras de baixo orçamento, geralmente dramas familiares e comédias cotidianas sem força para competir com os filmes estrangeiros, os chamados Heimatfilm1. Esse tipo de produção e forma de realização foi predominante nas décadas de 50 e 60. Os filmes em grande parte não tinham uma perspectiva crítica, nem qualidade artísticas de destaque. Em 28 de fevereiro de 1962, no oitavo festival de curtas de Oberhausen, cineastas descontentes com a forma que estava sendo conduzida a cinematografia na Alemanha Ocidental publicam o manifesto de Oberhausen. Ele foi assinado por 26 jovens cineastas2. O colapso do cinema convencional alemão há muito tempo impede uma atitude intelectual e o rejeitamos em suas bases econômicas. O novo cinema tem, assim, a chance de vir à vida. Em anos recentes, curtas-metragens alemães, realizados por jovens autores, diretores e produtores, 1 | Filme de pátria ou da terra natal: uma história simples, situada geralmente no campo, cujos personagens apresentam costumes e trajes tipicamente alemãs. 2 | Alexander Kluge, Peter Shamoni, Edgar Reitz, Bodo Blüthner, Boris von Borresholm, Christian Doermer, Bernhard Dörries, Heinz Furchner,Rob Houwer, Ferdinand Khittl, Pitt Koch, Walter Krüttner, Dieter Lemmel, Hans Loeper, Ronald Martini, Hansjürgen Pohland, Raimond Ruehl, Detten Schleiermacher, Fritz Schwennicke,Haro Senft, Franz-Josef Spieker, Hans Rolf Strobel, Heinz Tichawsky, Wolfgang Urchs, Herbert Vesely, Wolf Wirth.

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receberam inúmeros prêmios em festivais e atraíram à atenção de críticos de outros países. Esses filmes e o sucesso por eles alcançado demonstram que o futuro do cinema alemão está com aqueles que falam uma nova linguagem cinematográfica. Como em outros países, o curta-metragem na Alemanha tornou-se um espaço de aprendizado e uma área de experimentação para o filme de longa-metragem. Declaramos que nossa ambição é criar um novo filme de longa-metragem alemão. Esse novo filme exige liberdade. Liberdade das convenções da realização cinematográfica. Liberdade das influências comerciais. Liberdade da dominação de interesses de grupo. Nós temos ideias intelectuais, estruturais e econômicas realistas sobre produção do Cinema Novo Alemão. Nós estamos prontos a correr os riscos econômicos. O velho cinema está morto. Nós acreditamos no novo cinema (Oberhausen, 28 de fevereiro de 1962). O resultado do manifesto foi a criação do Kuratorium junger deutscher Film (Comitê do Jovem Cinema Alemão) que administrava recursos na produção de filmes de novos realizadores. “Com um capital inicial de cinco milhões de marcos, o Kuratorium realizou cerca de 20 filmes em seus primeiros três anos de existência e incentivou a criação de escolas de cinema e cinematecas em todo país” (CÁNEPA, 2008, p. 318)3. Foi criado também o Filmförderungsanstalt (FFA), fundo governamental que repassava verbas aos produtores de cinema, com recursos capitalizados por um imposto cobrado na venda de ingressos nos cinemas. Na busca de mais independência, um grupo de 13 jovens cineastas criou a Filmverlag der Autoren em Frankfurt no dia 23 de abril de 1971. Entre os cineastas estão Wenders, Peter Lilienthal, Hank Bohn, Has Werner Geissendörfer, Reinhard Hauff. A empresa foi criada para buscar patrocínio para realização dos filmes desses jovens cineastas em disputa com as produções comerciais que capitalizavam grande parte dos subsídios da FAA. Com a Filmverlag os cineastas dividiam os meios disponíveis para a produção e distribuição. O manifesto, embrião do Cinema Novo Alemão, tinha como objetivo recriar a cinematografia alemã, com novas perspectivas estéticas e ideológicas. Com os inúmeros sistemas de prêmios, subsídios e apoios criados pelo governo, nasce o suporte para o seu desenvolvimento. Movimento que além de Wenders reunia: Werner Herzog, Rainer Werner Fassbinder, Alexander Kluge, Volker Schlöndorff, Peter Fleischmann, Werner Schroeter, Jean-Marie Straub, Margarethe Von Trotta, Ulrich Shamoni, Edgar Reitz, Hebert Achternbusch, Reinhard Hauff entre outros diretores. Ainda que tenham experimentado as mesmas condições de produção e o mesmo momento histórico, social e político na Alemanha, esses autores não têm necessariamente afinidades estéticas e formais. Apesar de serem 3 | CÁNEPA, Laura. Cinema novo alemão. IN: MASCARELLO, Fernando (Org.)

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classificados como integrantes de um movimento, cada diretor possui interesses estéticos e temáticos próprios. Der Neue Deutsche Film não é uma categoria determinada, como o Neorrealismo na Itália ou a Nouvelle Vague na França. Não há um estilo uniforme, nem histórias em comum. Tínhamos apenas em comum uma necessidade, a de fazer filmes, de começar de novo com a realização de filmes num país onde essa cultura foi interrompida durantes anos. Os autores eram, logo no início, muito diversos, por isso respeitávamo-nos e éramos solidários. Essa solidariedade foi a fonte da Der Neue Deutsche Film (WENDERS, 1990, p. 55)4. Em A Tela Demoníaca5, Lotte H. Eisner se mostra bastante esperançosa com essa geração de realizadores: Herzog, Wim Wenders, Fassbinder, Hauff, Fleischmann, Kluge, Schroeter, Achternbusch e ainda muitos outros me convenceram de que os jovens alemães haviam ultrapassado as manifestações verborrágicas de Oberhausen e estavam aptos a fazer filmes interessantes. De onde vinha esse apogeu tão espontâneo? Então compreendi que os alemães sempre precisaram de uma certa exaltação e de um certo desespero que lhes dessem o ímpeto para que se tornassem criadores. Isso se passara nos anos 20, quando uma guerra perdida, uma revolução abafada, os esfacelamentos de todos os valores devido a uma inflação inexorável puderam fazer surgir uma arte cinematográfica prodigiosa. (...) Esse malestar, o desprezo pelo Witschaftswunder (milagre econômico) artificial de uma sociedade de consumo reacionária e pelo materialismo que dela resulta. Causas bastante confusas, às quais se impõem, além do mais, a decepção que provocou o desvio da revolta de 1968 e criou essa desordem encarniçada, da qual os alemães sempre precisaram para fazer surgir aquele ardor indispensável que os torna criadores (EISNER, 1985, p. 235)6. Dessa geração de realizadores, destacam-se principalmente Herzog, Wenders, Fassbinder. Eles conseguiram que o cinema alemão voltasse a ser reconhecido internacionalmente. Identificados por Cánepa (2008, p. 327)7 como: “muitas vezes, o principal produto cultural de exportação da República Federal da Alemanha”. Este destaque proporcionava grande 4 | WENDERS, Wim. A lógica das imagens. Lisboa: Edições 70, 1990. 5 | A Tela Demoníaca. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1985.

6 | EISNER, Lotte H. A tela demoníaca. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1985.

7 | CÁNEPA, Laura. Cinema novo alemão. IN: MASCARELLO, Fernando (Org.)

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liberdade de trabalho na realização de seus filmes, em decorrência do prestígio que tinham. Tais condições (produção), em grande parte, refletiam o interesse do Estado em patrocinar filmes com base em um complexo sistema de subsídios e apoio financeiro direto, o que seria enriquecido depois pela parceria com a televisão. Esse sistema, que deu independência econômica em relação às bilheterias, permitiu-lhes trabalhar de maneira bastante pessoal e até idiossincrática, desenvolvendo trabalhos autorais e personas com status de grandes estrelas do cinema (CÁNEPA, 2008, p. 327)8. Estes diretores além de dirigir, produziam os seus próprios filmes. Essa estratégia lhes permitia que tivessem mais controle sobre suas produções, mantendo seu comprometimento com a ideia do Autorenkino (cinema de autor). Wenders também, como um artesão, acompanhava todo o processo de confecção e distribuição de seus filmes. Ele classificou duas formas possíveis de fazer um filme: A primeira consiste em ter uma ideia muito clara e expressá-la através dos filmes. A segunda consiste em fazer o filme para descobrir, justamente o que se busca dizer. Pessoalmente, sempre estive dilacerado entre estas duas abordagens. E pratiquei ambas. Fiz filmes com um roteiro bastante escrito que respeitei ao pé da letra, e fiz outros que havia um ponto de partida e em que o percurso era bastante livre. Esse tipo de filme é por si mesmo um pouco de aventura, e creio que essa continua sendo minha abordagem preferida (TIRARD, 2002, p.119)9. O diretor aponta maneiras de fazer um filme, indicando sua preferência por um método de trabalho, em que o próprio filme é descoberto durante a filmagem. Em relação às duas formas de fazer filmes, Wenders em 1982 em uma conferência em Livorno, na Itália, analisa e classifica sua produção a partir delas. Ele divide seus filmes em dois grupos, A e B. No primeiro (A) os filmes são preto e branco, baseados em ideias próprias, “sonhos, sonhos acordados e vivências” (WENDERS,1990, p. 78)10. São criados sem argumentos fechados, a estrutura é flexível e são filmados na cronologia a partir de uma situação inicial, sem definição do final. Os filmes do grupo A: Summer in the city (1970), Alice nas Cidades (1974), No Decurso do Tempo (1976), O Estado das Coisas (1982). 8 | CÁNEPA, Laura. Cinema novo alemão. IN: MASCARELLO, Fernando (Org.)

9 | Entrevista de Wim Wenders para Laurent Tirard. Grandes diretores de cinema. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002. 10 | WENDERS, Wim. A lógica das imagens. Lisboa: Edições 70, 1990.

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No grupo B, os filmes são coloridos, todos baseados em romances. Eles se guiaram precisamente em um argumento, com uma estrutura dramática fechada. Filmados de maneira tradicional, seguindo um cronograma de gravação imposto pela produção. Filmes do grupo B: O Medo do Goleiro Diante do Pênalti (1971), A Letra Escarlate (1972), Movimento em Falso (1974), O Amigo Americano (1977). Com a apresentação das diferenças do grupo, podemos identificar uma alternância entre os filmes do grupo A e B, como uma reação de um método ao outro, como aponta o próprio Wenders: Os filmes A foram sempre feitos porque o anterior continha regras demais, não eram suficientemente espontâneos e as figuras não me interessavam; sentia, que tinha de, de algum modo, me expor juntamente com a equipe de filmagem e os atores; tínhamos todos que nos expor em conjunto a uma nova situação. Todos os filmes B representam, do mesmo modo reação ao filme A precedente: foram rodados, porque eu já não suportava que o filme anterior tivesse sido tão subjetivo e porque surgira a necessidade de trabalhar numa estrutura fixa, dentro dos limites de uma história (WENDERS, 1990, p.79)11. Em sua trajetória inicial, Wenders demonstrou controle em sua carreira, sempre planejando o próximo passo e caminhando com sua própria velocidade na sua busca de criar algo próprio e original. Meus filmes adaptaram experiências que tive e têm sido projeções no futuro. Sempre têm sido, de certo modo, como o arremesso de uma pedra, e eu tenho buscado chegar aonde eu atirei a pedra. E também, ao mesmo tempo, sempre têm estado impregnados da época correspondente (WENDERS, 2005, p. 42)12.

Ricardo Matsuzawa é professor da Escola de Comunicação na Universidade Anhembi Morumbi Trecho da dissertação “Um Território Comum - Memória pessoal e memória cinematográfica nos filmes de Wim Wenders dos anos 80. Universidade Anhembi Morumbi. São Paulo. 2008 11 | WENDERS, Wim. A lógica das imagens. Lisboa: Edições 70, 1990. 12 | “Mis películas (...) han adaptado experiências que he tenido y han sido proyecciones em el futuro. Siempre han sido, em cierto modo, como un tiro de piedra, y yo he intentado llegar a donde he tirado la piedra.Y también, al mismo tiempo, siempre han estado impregnados de la época correspondiente.” WENDERS, Wim. El acto de ver. Barcelona: Paidós, 2005.

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Os Filmes Preto e Branco Paisagens realistas por India Mara Martins

O primeiro aspecto que consideramos nesse trabalho são os meios que Wenders utiliza para captar a paisagem e manter uma certa objetividade nas suas tentativas de se aproximar do mundo através do cinema. A busca por essa objetividade começa já na primeiríssima paisagem filmada por ele (aos 12 anos de idade): uma rua, com carros e transeuntes, feita da janela de sua casa com uma câmera oito milímetros. Dez anos depois, ele fez Silver City (1968), em que encontramos as suas primeiras paisagens conhecidas. O filme tem dez planos, feitos com uma câmera fixa e a duração de uma bobina 16 mm. As imagens registram vistas dos diversos apartamentos ocupados por Wenders em Munique. A câmera nas janelas dos apartamentos, a não interrupção das filmagens e a ausência de efeitos revelam o respeito pela integridade da imagem e é o principio do espírito documental, que se tornará uma das suas marcas. O desejo de se aproximar do mundo, de conseguir fazer isso com objetividade, preservando a unidade das imagens começou quando Wenders pintava. “Tenho que começar mesmo pelo princípio. Fui pintor, interessavame única e exclusivamente o espaço: paisagens e cidades. Tornei-me realizador, quando notei que não ‘progredia’ como pintor. De um quadro para outro faltava alguma coisa (...) Dizer que faltava vida teria sido demasiado simples; eu pensava, pelo contrário, que faltava o conceito, a concepção de tempo. Quando comecei a filmar, ficava, em vista disto, como pintor do espaço a procura do tempo1.” O tempo na obra do pintor e do cineasta são diferentes. A obra do pintor permite ao espectador contemplá-la indefinidamente, está a seu critério determinar o tempo que permanecera olhando um quadro. No cinema o tempo é subordinado ao movimento, uma imagem é logo substituída por outra, o intervalo entre elas é preenchido pela continuidade, os tempos mortos são suprimidos. A obra do pintor é artesanal, individual, pessoal. A do cineasta é industrial, coletiva e transpessoal. “...a paisagem pintada é uma composição unitária e centrípeta, a paisagem fílmica é uma imagem fragmentada e centrífuga, repetida, variada segundo a necessidade narrativa que organiza o espaço para as personagens.2” Mas é na questão da objetividade que as diferenças entre pintura e cinema são mais evidentes. A começar pela própria fotografia, o meio que dá início à discussão da representação do real. 1 | A lógica das imagens, de Wim Wenders. Tradução de Maria Alexandra A . Lopes. op. cit. p.73

2 | NATALI, Maurizia. L’image paysage: iconologie et cinéme, Saint-Denis, Presses Universitaires de Vincennes, 1996. p.15.

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É em busca de uma maior objetividade, e da inserção do tempo na sua arte, que Wenders abandona a pintura e torna-se cineasta. Segundo André Bazin “a originalidade da fotografia em relação à pintura reside, pois, na sua objetividade essencial. (...) Pela primeira vez, entre o objeto inicial e a sua representação nada se interpõe, a não ser um outro objeto”3. A fotografia representa o objeto, torna-o presente no tempo e no espaço ou, como diz Bazin, “não cria como a arte, eternidade, ela embalsama o tempo (...) Nesta perspectiva, o cinema vem a ser a consecução do tempo da objetividade fotográfica. (...) a imagem das coisas é também a imagem da duração delas”. O que diferencia Wenders dos demais cineastas é a sua tentativa de, enquanto cineasta, manter as características do pintor: o trabalho artesanal, a paisagem em sua integridade como temática, o envolvimento pessoal e o respeito ao tempo necessário para o espectador deter o seu olhar sobre a paisagem. Os longos travellings que descrevem as paisagens nos filmes de Wenders permitem ao espectador ver alguma coisa nas brechas, “envolvem o tempo do olhar”. O tempo é um dos elementos fundamentais na filmografia de Wenders. Ele acredita que na vida o tempo define a história, ou seja, os acontecimentos se sucedem em determinado tempo e se transformam em história. A mesma observação ele utiliza para os filmes. O tempo tem que estar presente e as histórias têm de fluir em tempo real. Por isso nos seus filmes iniciais as tomadas são longas, duram o tempo da ação; o tempo necessário para revelar uma paisagem ou um objeto em todas as suas nuanças. Por isso Wenders defende a realização de filmes abertos, que tenham brechas e permitam ao espectador ver alguma coisa diferente do que o filme mostra. No seu primeiro longa-metragem, Summer in the City, já podemos encontrar, ainda que não totalmente delineada, a questão do tempo que vai se tornar recorrente no seu cinema. O filme, em 16 mm com duas horas e meia, foi realizado para a conclusão do curso de cinema em Munique em apenas seis dias. Summer in the City teve a participação dos seus amigos e as cenas foram filmadas quase todas apenas uma vez. Wenders manteve a maioria das cenas sem cortes, de tal forma que inicialmente o filme chegou a durar três horas. O seu desejo inicial era realizar filmes que permitissem ao espectador imaginar o que poderia estar por trás daquelas imagens. “Olhares e pensamentos não têm mais o direito de vagabundear. Não se pode acrescentar nada de seu, nenhum sentimento, nenhuma experiência. (...) Só os filmes que deixam um lugar às brechas entre as imagens contam uma história (...)4 Encontramos nessa afirmação de Wenders ecos da proposta 3 | BAZlN, André. O cinema: ensaios. São Paulo: Brasiliense, 1991. p. 22 4 | Revista do Patrimônio. op. cit., p. 187

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do teórico André Bazin, para quem o cinema realista devia preservar a liberdade de o espectador escolher sua própria interpretação do objeto ou do evento. Mas o que pode haver em comum entre um cineasta da década de 70 e um teórico da década de 50? Mesmo que não tenha lido Bazin e faça cinema num momento bem diferente, Wenders é um cineasta que pensa sobre o cinema e a sua época. Prova disso é que também começou a escrever sobre cinema antes de fazê-lo, como aconteceu com a maioria dos cineastas da Nouvelle Vague francesa. Wenders fez crítica de cinema de 1966 a 1971, 90% delas consagradas ao cinema americano. Escreveu na revista Filmkritik, depois colaborou com Die Zeit e com Süddeutsche Zeitung. Além disso, quando foi a Paris em outubro de 1966, passou um ano assistindo a filmes na Cinémathèque de Chaillot. “Em um ano, eu vi mil, dois mil filmes. Eu descobri Lang, Murnau, Ozu (...) Eu diria de uma forma um pouco patética que a Cinemateca é uma das casas da minha infância”5. “Pensava que escrever sobre filmes, ser historiador de cinema, poderia vir a ser a minha profissão”6. “A montagem clássica suprime totalmente esse tipo de liberdade recíproca entre nós e o objeto. Substitui a livre organização por uma ruptura forçada onde a lógica dos planos controlados pelo relato da ação anestesia completamente nossa liberdade”7. Bazin fazia estas afirmações no pós-guerra, quando a vitória sobre o fascismo e a reconstrução do mundo dentro de uma nova ordem conduzia a um humanismo renovado. “No cinema, a confiança no homem como sujeito da história gerada pela liberação produz um interregno de reconciliação intelectual e emocional com a modernização, dando ensejo a um estilo de reflexão como a de Bazin. Nele se articulam fé religiosa e humanismo técnico a conceber a produção industrial da imagem como uma promessa de conhecimento (...)”8. No momento em que Wenders começou a filmar, havia muita desconfiança sobre as imagens e sua autenticidade na Alemanha e no mundo. Além disso “a indústria cinematográfica naquela altura era horrível: produziam-se filmes de Karl May, soft-pornôs em grande número, os chamados HeimatfiIme9, tudo filmes kitsch, destinados exclusivamente ao mercado nacional”10. A proposta do cineasta nesse contexto é se diferenciar do ci5 | Wim Wenders, op. cit. p. 9 6 | A Lógica das Imagens. op. cit., p. 120 7 | ANDREW, Dudley. As principais teorias do cinema: uma introdução. Rio de Janeiro, J. Zahar Editor, 1995. p. 142 8 | Bazin citado em: O cinema: ensaios. lntrcdução de Ismail Xavier, contextualizando o crítico André Bazin e a sua época. Op. cit. p. 10 9 | Os Heimatfilme são subprodutos cinematográficos que apresentam uma historia rudimentar, situada geralmente no campo, com usos, costumes a trajes típicos alemães. 10 | A Lógica das Imagens. op. cit. p. 121

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nema que vinha sendo feito na Alemanha e conseguir expressar outro universo, onde se possa mostrar o mundo sem pré-julgamentos, para que o espectador faça sua própria reflexão. Wenders quer fazer um cinema descritivo, documental, colado com o real. Mas Peter Buchka explica que não devemos confundir tal realismo com uma fidelidade naturalista à realidade. “Essas imagens são ‘construídas’, compostas com um esforço enorme (...) Wenders abomina o mero registro do que encontra pela frente, embora esteja sempre a procura de objetos adequados. Mas justamente, não os utiliza tal qual os encontra.11” Para captar a paisagem e permitir ao espectador divagar sobre suas imagens vai recorrer ao planos-sequência, ao plano-geral e a movimentos de câmera como os travellings descritivos. Esses recursos foram usados no Neorrealismo italiano e por outros cineastas modernos (Renoir, Welles, Wyler, Rosselini) e encontraram em André Bazin seu maior defensor e teórico. “Em Bazin recursos como o plano-sequência (apresentação da cena sem cortes, numa única tomada), os movimentos de câmera, o uso da profundidade de campo (tridimensionalidade), o respeito à duração contínua dos fatos, a minimização dos efeitos de montagem (...) traduzem o ideal da compreensão bazaniana; antes de ser julgado o mundo existe, está aí em processo; há uma riqueza das coisas em sua interioridade que deve ser observada, insistentemente, até que se expresse. Para tanto, é preciso que o olhar não fragmente o mundo e saiba observá-lo de maneira global, na sua duração, podendo então alcançar a intuição mais funda do que de essencial cada fenômeno ou cada vivência traz dentro de si”12. Outra tendência baziniana, que localizamos no cinema de Wenders, é a crença na identidade ontológica entre modelo e imagem. Em Wenders essa crença chega a ser idealista pois, para o cineasta, o modelo e a imagem devem ser a mesma coisa, e essa a principal proposta do seu cinema. Segundo Bernardo Carvalho, para Bazin, “a imagem fotográfica é o próprio objeto, o objeto liberado das condições de o temporalidade que o governam. Não importa o quão indistinto, distorcido ou pálido, não importa o quanto de valor documentário pode faltar a essa imagem, ela compartilha, pela virtude do seu processo, o ser do modelo do qual ela é a reprodução, ela é o modelo”13. O projeto de cinema de Wenders é mais bem explicado pelo que Pascal Bonitzer, outro crítico francês, chamou de traço do real, ou “le grain de réel” (o grão do real). Pode se dizer que o traço do real é um fragmento da realidade que se cola a imagem da fotografia ou do cinema, mesmo 11 | Olhos não se Compram. op. cit. p.121 12 | Em lntrodução, lsmail Xavier. BAZIN, André. O Cinema: Ensaios. São Paulo, Brasiliense: 1991. p. 10. 13 | CARVALHO, Bernardo. A identidade transparente - o realismo como busca de uma imagem mística: O caso Wim Wenders. São Paulo, ECA/USP, 1993. Dissertação (mestrado) p. 45

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em se tratando de ficção, e garante a sua ligação com a realidade. Mesmo reconhecendo que o cinema manipula a realidade através de uma “impressão de realidade”, Bonitzer vai afirmar ser impossível ignorar o fato de que algo do real, de alguma forma, sempre é registrado pela câmera. “Na verdade, (...) por mais artificial e artificiosa que seja a imagem fotográfica ou cinematográfica, por mais que corresponda a um modelo figurativo, por mais ‘plástica’ que nós a queiramos, nada pode fazer o real não aderir a essa imagem (...)”.14 Para valorizar o traço do real, Wenders precisa ignorar a ideia de “impressão de realidade” criada pela decupagem clássica. Por isso, os primeiros filmes serão como a potencialização desse traço do real a ponto de tomar toda a duração da representação. É por isso que, apesar dos filmes em preto e branco terem começado a partir de algumas situações vividas pelo cineasta e a serem realizados com argumentos construídos no dia a dia da filmagem, Wenders demonstra uma grande preocupação com a continuidade do movimento e a sequência da ação. Ele deseja manter os tempos-mortos entre cada ação e cada movimento. Quando isso não é possível, em virtude da duração do filme, é motivo de angústia para o cineasta. “É inteiramente indiferente de que espécie de filmes se trata, mas acho sempre que é muito importante que haja uma lealdade relativa a sequência do tempo, ainda que os assuntos sejam apresentados de modo artificial, ainda que não se trate, em absoluto de ‘realidade’”15. É nesse sentido que os filmes em p&b de Wenders se diferenciam da narrativa clássica, que corta os tempos mortos e cria uma continuidade artificial, para dar mais agilidade ao filme. Nesse sentido, o plano-sequência é uma opção, que substitui a montagem e valoriza naturalmente o espaço, porque não o fragmenta. Além disso garante um maior realismo, pois mantém acontecimentos importantes para a narrativa dentro da mesma unidade espaço-temporal. O plano-geral, também apontado por Bazin como uma forma de preservar a homogeneidade do espaço, é utilizado com frequência por Wenders, até porque é o plano que valoriza as paisagens. Por outro lado, Wenders também emprega recursos ilusionistas como o campo-contracampo e as janelas ligando os espaços internos e externos (bastante recorrentes no cinema hollywoodiano da década de 50) para garantir um maior realismo.

India Mara Martins, professora adjunta do Departamento de Cinema e Vídeo e coordenadora do Laboratório de Audiovisual e Mídias Digitais - Iconoscópio, na Universidade Federal Fluminense (UFF) Trecho da dissertação A Paisagem no Cinema de Wim Wenders, de India Mara Martins. Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 1998. 14 | A Identidade Transparente, op. cit. p. 54 15 | A Lógica das Imagens. op. cit. p. 15

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Movimento em Falso por Marcos Aurélio Felipe

Diferente de outros filmes rodados como road movie, Movimento em Falso (1975, de Wim Wenders) não se estrutura na estrada, ainda que Wenders a utilize no decorrer das sequências. Portanto, não é a estrada que se constitui como espaço primordial dos personagens, mas antes de tudo, o deslocamento que delineia a travessia. Quando Wilhelm (Rüdiger Vogler) se posiciona diante das montanhas geladas, o movimento aparece como vetor do tempo, expansão de horizontes e definidor da dimensão humana (o movimento como ato em si, que encerra o vagar do personagem Wilhelm pelo interior da Alemanha): “Parecia que eu tinha perdido algo e ainda estivesse perdendo com cada movimento novo”. Como em outros filmes de Wim Wenders, o vagar define-se em função do próprio vagar, ainda que, no percurso de Wilhelm, seus anseios estejam vinculados a um dom, possivelmente, adormecido e estejam interpostos em quadro. No entanto, a cada sequência, a angústia que se inscreve na mente do personagem de Vogler encaminha seus passos e, portanto, o deslocamento: a angústia da ausência de talento para a literatura. Sob o mundo de Goethe, cujo romance “Wilhelm Meisters Lehrjahre1” (1795) é a base do roteiro de Peter Handke; e do espectro da Alemanha Nazista (forjada em um tempo não muito distante de seus movimentos e que, inevitavelmente, aparece no filme através de um dos personagens), a travessia de Wilhelm constrói sua própria lógica. Em sua essência, o movimento, de início, não é excludente, não recusa indivíduos e suas histórias, cujos sonhos e anseios podem se tornar matéria-prima para anotações, escrita e romance. Mas, ao mesmo tempo, esse movimento não torna esses sonhos e anseios parte integrante do desenvolvimento pessoal e interior desses indivíduos, sobretudo porque tais personagens não afetam e, de nenhuma forma geram envolvimento e emoção. Assim, a partir de algum ponto do território alemão, a viagem de Wilhelm à cidade de Bonn agrega os personagens que vão aparecendo no meio do caminho, buscando uma certa totalidade do enredo ao retirá-los da condição de figurantes para o centro da narrativa. Especificamente porque, a um escritor em formação, o mundo de suas experiências constitui-se em matéria para o engenho e a arte da literatura. Entretanto, para preencher uma ausência, o movimento só integra os personagens até a experiência ser vivida. Em contraposição às narrativas fundadas no bildungsroman (romance de formação que tem em Goethe seu fundador e maior representante), Wim Wenders mantém seu herói distante das afetações em relação ao 1 | Em português, Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister

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outro e ao mundo. A lógica de sua travessia pertence à solidão e, a cada sequência, os personagens entram em deslocamento para chegar a algum lugar (Bonn, Frankfurt), encontrar a força não localizada (talento) e recolher os elementos para a formação, especificamente a experiência do mundo vivido e, não necessariamente, observado, como lembra Wilhelm em um diálogo. Movido por algum impulso, o personagem não sente qualquer afetação nem mesmo pelo seu corpo, quando logo na abertura, arrebenta o vidro da janela e sua própria mão. Afetação que não sentimos pelo próprio Wilhelm, cuja câmera, numa das sequências iniciais, o abandona à mesa de um restaurante em frente ao mar a escrever em sua caderneta de anotações: “uma câmera preocupada com as ausências”. Focando o objeto de suas lentes, a câmera constitui-se, assim, apenas em imagem, quando se move em direção ao mundo e recusa o narrador sem talento. Movimento que, como os de Wilhelm, demarca afastamentos constantes. Ao localizar seus personagens em deslocamento, Wenders desenvolve um filme, no qual o vagabundear é norma que molda a travessia como dimensão em si. Em Movimento em Falso, a própria mãe de Wilhelm, ao despedir-se do filho, lembra que é preciso não ter medo quando lhe perguntarem do ofício inútil de ser escritor. Viajar por viajar, portanto, domina os personagens, especificamente Wilhelm e o casal de artistas, o cantor (Peter Kern) e a jovem malabarista (Nastassja Kinski), que encontra no vagão do trem em direção a Bonn. No entanto, do início ao fim, a travessia constitui-se no espaço, onde, em movimento, fuga ou liberdade, os indivíduos perdem o “afeto” e os “amigos” de estrada (Wilhelm), fogem de alguma ameaça (o cantor) e/ou se salvam de alguma forma de prisão (Kinski). Com parceiros que, permanentemente, o acompanham em seus projetos de cinema, Wenders tem na fotografia de Robby Müller o cromatismo necessário para o deslocamento dos seus personagens. Em determinada passagem, essencialmente sensorial, o deslocamento de um carro quase se materializa na tela, revelando, pictoricamente, a realidade do seu ato que se basta em si como imagem.

Marcos Aurélio Felipe é professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), trabalha com ensino e pesquisa nas áreas das tecnologias educacionais, educação a distância e produção de materiais didáticos nos suportes impresso, digital e vídeo. Publicado originalmente no blog Sela de Prata (http://seladeprata.zip.net)

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Š Reverse Angle Pictures GmbH

No Decurso do Tempo, de Wim Wenders

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No Decurso do Tempo por Marcos Aurélio Felipe

Com a estrada como espaço, No Decurso do Tempo (1976, de Wim Wenders) delineia-se no deslocamento. De cidade em cidade, ao locomoverem-se em um ônibus, os personagens projetam filmes em antigos cinemas, conhecem lugares e pessoas, revisitam as moradias de suas famílias e infâncias. Feito como “filme de estrada” (road movie), predominam os planos gerais, demarcando a geografia habitada e vazia, atravessada por vales e campos, montanhas e rios. Observa-se também o uso da câmera que, em filmes do gênero, foca a realidade em movimento pela janela de trens e carros. Uma realidade que, através dos olhos dos personagens, atravessa também os nossos próprios olhos e se fixa como um imã em nossa retina. Com maestria, Wim Wenders conduz a câmera junto ao movimento e, a cada parada, acompanha a deambulação dos personagens pelas ruas. Numa determinada cena, quando a câmera segue os corpos em movimento, a sensação do fluxo do tempo, poeticamente, inscreve-se na imagem. Assim, ao focar os personagens na moto já próximo ao final do filme, a subjetividade da câmera, sensorialmente, nos insere naquela viagem pelo interior da Alemanha, especificamente na curvatura da paisagem grassada pelo deslocamento em si, ainda que o ponto de chegada seja tomado de ressonâncias afetivas. Do início ao fim, cada geografia, organicamente, interliga-se aos personagens. Ao localizar o indivíduo como um dos elementos da paisagem, a partir do uso constante do plano geral, a câmera de Wenders cola a dimensão humana aos hábitats, sem prescindir de suas fronteiras, dimensões particulares. A cada sequência, é como se o espaço não fosse só um lugar de passagem, moldura decorativa do deslocamento, mas lugar de reencontro físico e afetivo. Ao adentrar a casa da infância, o personagem de Rudiger Vogler sente o peso da arquitetura vazia e abandonada. Já o personagem de Hanns Zischles, ao encontrar seu pai após dez anos ausente, insere um diálogo marcado por ressentimentos e cobranças. Se, no primeiro caso, a busca da figura materna move os sentimentos, pois a ausência da mãe de Winter e a decadência da sua casa se configuram como sinais de um tempo localizado no passado; no segundo, a figura paterna inspira indiferença, rejeição e, novamente, o abandono do lar. Portanto, em No Decurso do Tempo, os espaços são sempre revisitados e deixados para trás, não só em função da implacabilidade do movimento próprio aos road movie, mas à dimensão humana definida também na travessia física e afetiva de seus agentes. Mas não é só o “cinema de estrada” homenageado em No Decurso do Tempo. O encontro entre Bruno Winter e Robert Langer, que em silêncio, tomam a estrada, constitui-se também numa preciosa homenagem ao “ci-

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nema antigo”. Se apenas na travessia, quando mantemos contato com a história de Langer o conhecemos melhor (cada sujeito é a sua própria história), a atividade de Winter como projecionista já dimensiona o seu mundo vinculado aos filmes antigos: ao decomporem-se nas cabines de projeção, nos restos de negativos; ajustarem-se à precisão do enquadramento através do projetor; e reconstruírem-se na montagem de fotogramas em outra unidade dramática. Além do mecanismo de exibição, Wim Wenders também faz uma homenagem à ilusão no cinema. Em mais de uma cena, a simulação entra em jogo quando, por exemplo, a luz projeta a sombra dos corpos dos personagens e de objetos na tela. Assim, o cinema de sombras embebe a plateia de crianças em delírio. Como ilusão, a inversão inscreve-se na imagem, especificamente quando em quadro um trem corta o campo, sugerindo, inicialmente, a separação dos personagens para, em seguida, a câmera mostrá-los na mesma cabine do ônibus onde começaram a viagem. Acompanhado por uma trilha com o violão grassando todo o percurso, No Decurso do Tempo, por extensão, presta homenagem a um tempo perdido no passado. A visita de Winter e Langer a casa de seus pais é sintomática, assim como a atividade como projecionista de Winter, que percorre as velhas e abandonadas salas de cinema do interior da Alemanha. Atividade quase em desuso com a tecnologização dos circuitos exibidores de cinema e que não deixa mais restos de fotogramas nas cabines, que não permite outras possibilidades dramáticas e que trabalha com a exatidão dos enquadramentos nas projeções. Mas é, sobretudo, a partir dos aspectos afetivos postos na imagem através da memória que o registro de um tempo perdido no passado torna-se um dos momentos altos do filme. No diálogo inicial, que na cabine de projeção ocorre entre Winter e um velho sentado a sua frente (talvez um antigo projecionista), Wim Wenders retoma facetas surpreendentes do cinema mudo, como por exemplo, sua sonorização simulada. Assim, em No Decurso do Tempo não é só o silêncio estarrecedor entre os personagens Winter e Langer que revive um modo antigo, mas a retomada em quadro de sujeitos que viveram um tempo, hoje perdido no passado sem ressonância.

Marcos Aurélio Felipe é professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), trabalha com ensino e pesquisa nas áreas das tecnologias educacionais, educação a distância e produção de materiais didáticos nos suportes impresso, digital e vídeo. Publicado originalmente no blog Sela de Prata (http://seladeprata.zip.net)

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O Amigo Americano

Wim Wenders faz declaração de amor ao cinema marginal travestida de thriller metafísico

por Rodrigo Carreiro

O vigarista Tom Ripley, criação da escritora norte-americana Patricia Highsmith, já teve quatro encarnações no cinema. Nas três mais conhecidas, foi interpretado pelos atores Alain Delon, Matt Damon e John Malkovich, em grandes produções. Mas a tarefa de transformar o personagem em uma criatura cinematográfica fascinante e ambígua, verdadeiro ponto de interrogação humano, coube ao pequeno e pouco conhecido suspense alemão O Amigo Americano (Der Amerikanische Freund, Alemanha, 1977). O filme é, ao mesmo tempo, uma declaração de amor ao cinema marginal, travestida de thriller metafísico, e um excelente estudo de personagem. A obra marcou o início de uma transição pessoal e profissional para o cineasta Wim Wenders. Fascinado desde sempre pela cultura e pela paisagem visual norte-americana, Wenders utilizou a produção para aproximar a já sólida e respeitada obra que desenvolvia na Alemanha deste olhar dirigido à América do Norte. O Amigo Americano é, portanto, o primeiro filme em que Wenders tornou explícito o fascínio por aquele país, criando uma estrutura narrativa de suspense (gênero norte-americano por excelência), chamando diretores ianques para interpretar vários papéis e pondo Tom Ripley (Dennis Hopper) para vestir um símbolo visual tão curioso quanto marcante: um chapéu de vaqueiro. O artefato, comum nas ruas do Texas ou da Califórnia (estados que ficam no oeste dos EUA, região muito celebrada por Wenders em filmes posteriores, como Paris, Texas e Estrela Solitária, dá a Ripley um ar excêntrico, quase alienígena, quando este passeia pelas ruas decadentes das grandes cidades alemãs. Aliás, o rústico chapéu de Ripley pouco tem a ver com o sofisticado almofadinha descrito nos romances de Patricia Highsmith; é um toque pessoal acrescentado por Wenders, que também escreveu o roteiro, ao personagem. Se a princípio a existência do chapéu parece deslocada para um homem tão grã-fino, assistindo ao filme se percebe aonde o diretor alemão queria chegar. Wenders vê Tom Ripley como um homem que pertence ao mundo, um sujeito globalizado, mas ainda assim um norte-americano típico, que precisa se sentir em casa de alguma forma – daí o chapéu. Ripley é, também, uma espécie de fantasma, uma eminência parda, alguém que age sempre nos bastidores, precipitando os acontecimentos sem participar deles diretamente. Por isso, sequer pode ser chamado de protagonista do filme, pois embora seja a pessoa que põe a ação principal em marcha, ele pouco participa dela. É um falso protagonista. O verdadeiro personagem principal de O Amigo Americano é o artesão Jonathan Zimmermann (Bruno Ganz). Ele é um homem pacato e de índole

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familiar que possui uma oficina artesanal em Hamburgo, onde vive com mulher e filho, construindo molduras de quadros. Quando Ripley ouve dizer que o artesão está com leucemia e condenado à morte, repassa a informação a um gângster (Gerard Blain) a quem deve um favor. O bandido usará a informação para tentar convencer Jonathan a cometer um assassinato para ele. A proposta é pagar 250 mil marcos e, assim, garantir o futuro da família do artesão. Sem saber, Jonathan mergulha em uma trama cheia de segredos, mentiras e reviravoltas. Trata-se de um filme impregnado de amor ao cinema, especialmente ao cinema antigo e de índole marginal. Para começar, Wenders chamou sete diretores para fazer pontas, incluindo vários nomes malditos (alguns norte-americanos), como Samuel Fuller e Nicholas Ray. Além disso, artefatos que lembram formas pré-históricas de cinema aparecem em diversas cenas do longa-metragem (o carrossel do filho de Jonathan, lanternas mágicas). Interessante, também, é o retrato da Alemanha proposto pelo diretor – um lugar meio triste, de casas com rebocos caindo aos pedaços e ruas molhadas. É natural, já que na época o país europeu estava dividido em dois pedaços, o Ocidental (capitalista) e o Oriental (comunista). A atuação de Bruno Ganz, um ator-fetiche para Wenders (ele faria, anos depois, um dos anjos em Asas do Desejo), é espetacular, e enriquece bastante o já fascinante dilema moral do personagem. Observe, por exemplo, a cena em que Jonathan acorda de manhã cedo e observa silenciosamente as pequenas coisas da vida: o barulhos dos pássaros, a brisa marinha, o sono tranquilo do filho e da mulher. São detalhes que tomam enorme importância para um homem condenado à morte, como ele. É ali, naquele momento de introspecção típico do cinema de Wenders, que o artesão toma a decisão mais importante de sua vida. A fotografia de Robby Muller (Paris, Texas) filma com abundância na chamada “hora mágica” – o nascer e o pôr do sol – e reveste o filme de uma luz suave, quase celestial. Ainda mais interessante é a maneira como Wenders conduz a trama, equilibrando a narrativa entre as ações interior e exterior do personagem. No plano externo, há duas sequências de assassinato brilhantemente fotografadas, cheias de tensão e suor frio – Wenders estica até onde pode a tensão da cena no metrô e constrói um pequeno momento de obra-prima do thriller cinematográfico. Já no plano interno, a ação é ainda mais fascinante, pois os acontecimentos envolvem Jonathan como um turbilhão e o fazem mergulhar em um caleidoscópio de sensações. Ele sente uma excitação que o faz sentir-se, paradoxalmente, mais vivo do que nunca, embora esteja tão perto da morte. E o final, alegórico e poderoso, pode ser triste ou alegre. Depende apenas da maneira como você, espectador, interpreta o personagem à guia das própria emoções. Muito bom. Rodrigo Carreiro é doutor em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e professor do Bacharelado em Cinema da UFPE. Publicado originalmente no site Cine Repórter (www.cinereporter.com.br)

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O Amigo Americano, de Wim Wenders


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Um filme para Nick Corta!

por Leonardo Barbosa Rossato André Bazin foi um dos grandes críticos de cinema após a Segunda Guerra. Um dos fundadores da famosa revista Cahiers du Cinema, sempre propôs um cinema no qual se aliasse ética e estética e que a câmera captasse a realidade a sua volta sem intervenções de montagem, de interpretações para além da Imagem. Por isso, foi um dos teóricos do neorrealismo italiano realizado por cineastas como Rossellini, que filmava um mundo que sobrevivia ao caos e lutava humanamente, através da arte, para entender e ver este mundo. Imantado por esta ideologia artística – e taí o porquê desse parágrafo –, Bazin escreveu que nunca um cineasta poderia filmar um ato sexual, porque seria como filmar a morte: indecente, no sentido moral, não moralista, porque ele acreditava que não era essa a função da imagem. A morte seria a não-imagem, o não-cinema. No final dos anos 70, essa discussão já havia caído. O cinema não era o único meio audiovisual a ser pensado; havia a televisão, o vídeo. Respeitar o cinema era desrespeitá-lo. Discussões sobre a (im)possibilidade de um cinema de autor eram mais do que pertinentes, aliás, há muito mais tempo antes da morte de Bergman e Antonioni, como nostalgicamente estagnaram as afirmações dos cadernos culturais. O cinema morreu há décadas, mas, como qualquer arte, soube se reinventar. Toda essa dissertação para entrar neste objeto estranho, enigmático, fantasmático que é este filme, Um Filme para Nick. Nick é Nicholas Ray, um dos maiores diretores americanos, diretor de Juventude Transviada, Johnny Guitar, No Silêncio da Noite e tantos outros clássicos. Em 79, ele estava sofrendo com um câncer, mas mesmo debilitado procurava dirigir seu último filme. O alemão Wim Wenders, diretor provindo da geração que renovou o cinema alemão, junto com Fassbinder, Herzog, era seu amigo e foi visitá-lo com a intenção de fazer um filme com/para Nick. A partir daí o que temos é uma mistura de documentário, ficção, diário de bordo, filme-testamento, tudo isso em 35mm e vídeo. Nenhum tipo de imagem capta a realidade ou pretende-se a; elas se complementam, se comentam. Wenders sabe que Nick vai morrer. Nick também. A cada sequência do filme, Nick vai ficando mais fraco, mas sua vontade de realizar esse filme é tão grande quanto seu desejo de viver. Ele sempre foi um diretor ousado, desafiador de convenções em um cinema de estúdio, de compromisso. Wenders, nesse momento, cai em um dilema moral. Dilema necessário a qualquer produtor de imagens. Acha que a produção do filme, a equipe no apartamento de Ray estava atrapalhando sua saúde, debilitando-o. Nick encena momentos de dor, de angústia perante a morte. Encena?

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Para ele, participar de um filme era viver. Em um momento marcante, ele argumenta que todos apreciamos passar pela vivência da morte, para nos sentirmos vivos. Mas o problema é quando realmente nos defrontamos com o momento em que não mais respiraremos. Wenders não filma a morte de Nick, mas essa vivência, essa dor encenada e real. No último plano de Nicholas Ray no cinema, ele, olhando para a câmera, por um longo tempo, a dias de sua morte, conversando com Wenders, que está fora de quadro. A câmera estática nos revela no corpo de Nick tanto sua decadência física quanto sua coragem de mostrá-la. Nicholas Ray resmunga, baba, xinga, fica em silêncio e conversa com Wenders. Após algum tempo, profere a única palavra possível, a que deu sentido à sua vida, a que só ele poderia dizer. Na artevida cinematográfica de Ray, ele pede: Corta!, e o filme e ele morrem.

Leonardo Barbosa Rossato é graduado e mestrando em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) Publicado originalmente na Revista Rua (www.ufscar.br/rua)

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A memória nos diários filmados de Wim Wenders: Tokyo-Ga por Ricardo Matsuzawa

Diários filmados Wim Wenders, enquanto finalizava Hammet (1982), foi convidado pela TV francesa para fazer um documentário sobre a finalização do seu primeiro filme em Hollywood. Realizou, então, Reverse Angle que, em forma de diário, refletia sobre a saturação das imagens no país da indústria da imagem: a América. “Muitas coisas têm, aqui na América, a tendência para se tornar publicidade a si próprias, o que conduz a uma invasão e a uma inflação de imagens vazias de sentido (Comentários de Wenders em Reverse Angle - WENDERS, 1990, p.38)1. A partir dessa experiência, Wenders tem a ideia de realizar vários curtas em forma de diários, irregulares tematicamente, mas que, no conjunto, forneceriam uma visão sobre a situação da época. Entretanto, o projeto inteiro, que teria o título de Gegenschuss (Contracampo), não foi realizado, mas três documentários nasceram dentro desse contexto: Chambre 666 (1982), Tokyo-Ga (1985) e Identidade de Nós Mesmos (1989). Chambre 666 foi realizado no festival de Cannes de 1982. O filme apresenta uma colagem de depoimentos, em que cineastas apresentam opiniões sobre a questão colocada por Wenders: o cinema é uma linguagem que estamos a perder, uma arte que já está em declínio? Em Tokyo-Ga, as reflexões de Wenders são sobre a cidade de Tóquio. Como um diário, ele narra sua viagem e a busca por imagens e personagens que conviveram com o diretor japonês Yasujiro Ozu. Nesse percurso, Wenders constrói seu próprio olhar pessoal. Ele percebe que a Tóquio registrada por Ozu não é mais possível. Sob encomenda do Centro Georges Pompidou, que desejava um filme sobre moda, Wenders faz Identidade de Nós Mesmos (1989), que aborda o trabalho do estilista japonês Yohji Yamamoto2. Ao discutir a moda, estabelece uma relação entre a fotografia, o cinema e o vídeo, resgatando temas como o desenvolvimento das imagens eletrônicas, identidade e transformações dos espaços. 1 | WENDERS, Wim. A lógica das imagens. Tradução de Maria Alexandra A . Lopes. Lisboa: Edições 70, 1990. 2 | Estilista de alta costura, nascido em Tóquio em 1943, um dos grandes representantes da moda japonesa ao lado de Issey Miyake e Rei Kawakubo. Conhecido internacionalmente possui ateliês em Tóquio, Paris e Nova York.

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Wenders nos seus diários filmados inova ao questionar o caráter tradicional do documentário de cunho griersoniano3, aproximando-se do documentário-ensaio. Segundo Lins: se o ensaio é, como afirma Adorno, uma forma literária que se revolta contra a obra maior e resiste à ideia de “obra-prima” que implica acabamento e totalidade, podemos pensar que é contra a maneira clássica de se fazer documentário que os filmes ensaísticos se constituem. São filmes em que essa “forma” surge como máquina de pensamento, como lugar e meio de uma reflexão sobre a imagem e o cinema, que imprime rupturas, resgata continuidades, traduz experiências... São obras em que a intervenção dos cineastas na relação com os objetos é central e explícita; filmes realizados a partir de um material imagético heterogêneo, e nas quais o que importa não são as “coisas” propriamente, mas a relação entre elas (LINS, 2007, p.9)4. A obra que propomos estudar neste artigo segue essas características ao experimentar formas de linguagem sem buscar uma totalidade, o que também é um traço pós-moderno. Como elementos formais do documentário-ensaio, podemos apontar: A subjetividade do enfoque, a metalinguagem, a experimentação, o processo de criação e o processo de imersão, a re-apropriação de imagens pré-existentes, o discurso pela voz over que não é autoritário e totalizador, a montagem, a metáfora da máquina de escrever, o hibridismo dos gêneros, etc. (CARVALHO, 2008, p.44)5. O documentário-ensaio se aproxima dos diários filmados, realizados por Wenders. Vários autores (Buchka, Alter, entre outros) denominam como diários filmados Tokyo-Ga, Chambre 666, Identidade de Nós Mesmos e Reverse Angle. Segundo Nora Alter, fora dos filmes de ficção mais conhecidos e lucrativos de Wenders, existem os menos conhecidos que são os documentários, ou mais precisamente ensaios, filmes que ele próprio chamou de diários filmados. 3 | Termo derivado de John Grierson que corresponde ao documentário clássico, em que um argumento é veiculado por letreiros ou pelo comentário off, servindo as imagens de ilustração ou contraponto. Utilizam a voice-over ou o comentário com voz de Deus para demonstrar um saber que olha de fora para determinado assunto e ao mesmo tempo enfatiza a objetividade do filme. 4 | LINS, Consuelo. O ensaio no documentário e a questão da narração em off. In: Anais da 16º Encontro Anual da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação. Cd-Rom. Curitiba, 2007. 5 | CARVALHO, Ananda. Documentário-Ensaio: a produção de um discurso audiovisual em documentários brasileiros contemporâneos. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Semiótica) – Pontifícia Universidade Católica, São Paulo,SP, 2008.

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Essas denominações denotam um gênero ou meio que destaca, simultaneamente, tanto o aspecto ficcional dos filmes, sua pretensa realidade, e também o desejo mais ou menos sub-reptício e insaciável do documentário de ser realidade. Eles criam, por assim dizer, o documentário como um simulacro – um ‘simulacro’ com uma problemática dupla, (im)possível: uma cópia de uma cópia sem original; e, paradoxalmente, uma cópia de um original sem cópia (ALTER, 1997, p. 136)6. Desde o seu primeiro “diário filmado”, Wenders se vê livre da imposição dos elementos formais tradicionais, tanto do filme de ficção como dos de não ficção, para refletir sobre os assuntos que o preocupam. Todas essas obras têm narração, ou melhor, comentários em voz off e over do próprio cineasta que dessa forma constitui-se também como personagem. Optamos em não diferenciar o discurso em voz off e over porque, apesar de ser gravado posteriormente, o cineasta se coloca como personagem, articulador das ideias que estão presentes na cena. A própria ideia de diário remete ao resgate da memória, pois preserva o cotidiano e as relações sociais através de um registro contínuo pelo indivíduo. Entretanto, esta prática é pessoal, subjetiva e também estimula a reflexão. Wenders, que sempre se preocupou em preservar imagens, experimenta nos diários filmados colocar-se como interlocutor. Nesse momento, seu principal questionamento é a constituição de seu próprio cinema e da sua própria identidade. Para refletir sobre isso, apresenta suas impressões e a sua relação com as imagens.

Em busca de Ozu Tokyo-Ga (1985) foi filmado em 1984, durante a preparação do filme Paris, Texas, e foi finalizado após a conclusão deste, em 1985. Wenders aproveitou a oportunidade de um convite para ir à Tóquio (participar de uma semana de filmes alemães) e decidiu fazer o filme. Tokyo-Ga apresenta reflexões de Wenders sobre a cidade de Tóquio. Como um diário, ele narra a sua viagem e a busca por imagens e personagens que conviveram com o diretor japonês Yasujiro Ozu. “Ga” significa em japonês um retrato, uma imagem. Ozu é considerado, pelo ocidente, um dos grandes diretores japoneses, juntamente a Akira Kurosawa e Kenji Mizogushi. Os filmes de Ozu tratam basicamente de um grande tema que se repete em quase todos 6 | ALTER, Nora M. Documentary as simulacrum. IN:COOK, Roger e GEMÜNDEN, Gerd (Org.) .The Cinema of Wim Wenders - Image, Narrative, and the Postmodern Condition. Detroid: Wayne State University,1997.

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os seus filmes: a família burguesa japonesa e sua dissolução motivada pela urbanização das cidades. Um tema caro à cultura japonesa, na qual o conceito de família é muito valorizado. Se a família constitui o assunto quase invariável de Ozu, as situações em que se apresenta são surpreendentemente poucas. A maioria dos filmes trata de relacionamento de gerações. Frequentemente um dos pais está ausente por morte ou desaparecimento, e compete ao cônjuge remanescente criar os filhos. A dissolução da família, já iniciada, completa-se pelo casamento do filho único ou mais velho, ou a morte do cônjuge restante. Em outros filmes, os membros da família afastam-se um dos outros; os filhos tentam, às vezes com sucesso, reconciliar-se com a situação de casados. Ou novamente, o filho considera sufocantes as restrições da família tradicional e, contra sua vontade, as desafia. Há talvez, algumas outras variações desse tema, mas não muitas. (RICHIE, 1990, p.19)7 Sobre a predominância de apenas um tema em seus filmes Ozu afirma: “Sou como um fabricante de tofu. Mesmo que digam que este ou aquele é diferente do anterior, o tofu não muda muito, e o máximo que podemos fazer é tofu frito ou tofu alguma coisa” (YOSHIDA, 2003, p.33)8. No início de Tokyo-Ga, a voz off/over de Wenders se junta às imagens do começo de Viagem a Tóquio9, filme de Ozu. Suas palavras homenageiam o diretor japonês: “Talvez a obra de Ozu seja a única capaz de representar o cotidiano de uma família. Mesmo sendo japonesa, ele consegue fazer com que essa família seja universal”10. Wenders consegue ver o seu pai, a sua mãe e seu irmão na obra do cineasta japonês, resgatando a sua própria memória. Suas impressões são influenciadas pela relação afetiva que mantém com a obra de Ozu, o que podemos perceber tanto pelo discurso quanto pela manipulação das imagens iniciais do filme japonês. Assim, a minha viagem a Tóquio não foi uma peregrinação. Eu tinha curiosidade de saber se ainda encontraria algo daquela época, se havia restado algo de seu trabalho, imagens, talvez. Ou até mesmo pessoas. Ou se tantas coisas haviam mudado em Tóquio nos anos 20 desde a morte de Ozu, que não haveria nada a encontrar. Eu não tenho memória de nada. 7 | RICHIE, Donald. Introdução a Ozu. Tradução de Lúcia Nagib. IN: NAGIB, Lúcia (Org.) Ozu – O extraordinário cineasta do cotidiano. São Paulo: Marco Zero, 1990. 8 | YOSHIDA, Kiju. O anticinema de Yasujiro Ozu. Tradução do Centro de Estudos Japoneses da Universidade de São Paulo. São Paulo: Cosac Naify,2003. 9 | Tokyo Monogari -1953. 10 | Transcrição do over/off de Wenders no filme Tokyo-Ga.

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Simplesmente não lembro mais. Eu sei que estive em Tóquio, sei que foi na primavera de 1983. Eu sei. Eu estava com a câmera e fiz imagens. Essas imagens agora existem e tornaram-se a minha memória. Mas eu não consigo não pensar que, se eu tivesse ido lá sem a câmera eu conseguiria lembrar melhor agora. (...) E, hoje, minhas próprias imagens parecem ter sido inventadas como quando, após muito tempo, você encontra um pedaço de papel no qual você transcreveu um sonho na primeira hora da manhã. Você lê com assombro, e não reconhece nada como se tivesse sido o sonho de outra pessoa11. Nesse trecho da narração em over/off, Wenders tenta presentificar o passado. Seu esforço é localizar e trazer para a realidade o mundo de Ozu, aquele Japão que foi representado em seus filmes. Mas a câmera de Wenders não é capaz de fazer este movimento. A imagem de Tokyo-Ga, seja quando utiliza os procedimentos técnicos do diretor japonês ou ao resgatar o filme de Ozu, são emulações da obra de seu ídolo. A recriação da memória, partindo de Ozu para Wenders, é mediada pelas imagens e por depoimentos. Este processo demonstra a atualização contínua da memória e a construção de uma lembrança que não está apenas nela, no sentido proposto por Halbwachs: (...) pela memória somos remetidos ao contato direto com alguma de nossas antigas impressões, por definição a lembrança se distinguiria dessas ideias mais ou menos precisas que a reflexão, auxiliada por narrativas, testemunhos e confidencias de outros, nos permite fazer de como teria sido o passado (HALBWACHS, 2007, p.90)12. Tal característica talvez possa ser justificada da seguinte forma: Wenders, antes de ir para o Japão, estava na pré-produção de Paris, Texas, filme cuja temática (pela primeira vez na obra de Wenders) é a família, assunto que, como já dissemos, é predominante na carreira cinematográfica de Ozu. Ao procurar referências do diretor japonês, Wenders faz suas próprias reflexões sobre a família. De uma forma subjetiva, pensa também sobre a sua própria, pois este filme é dedicado ao seu pai, sua mãe e ao seu irmão. Apesar das diferenças culturais entre Japão e Alemanha, podemos perceber em Wenders uma aproximação de sua própria história com aquelas criadas por Ozu, de acordo com a forma que este cineasta retrata a família japonesa do pós-guerra e a perda de identidade do povo japonês. Por exemplo, os garotos dos filmes de Ozu fazem Wenders lembrar a sua infância. 11 | Transcrição do over/off de Wenders no filme Tokyo-Ga. 12 | HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. Tradução de Beatriz Sidou. São Paulo: Centauro,2006.

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Os filmes de Ozu tratam da lenta decadência da família nipônica e, com ela, da decadência de uma identidade nacional; não é que eles encarem com horror o novo, o ocidental ou americano, mas na medida que lamentam, com uma melancolia distanciada, a perda que simultaneamente, tem lugar (WENDERS, 1990, p. 83)13. Após os créditos e um texto over/off de apresentação, Wenders utiliza as cenas iniciais do filme Viagem a Tóquio (1954), de Ozu, em Tokyo-Ga (1985). O filme de Wenders é basicamente falado em inglês (sua voz over/ off), entretanto, este trecho do filme japonês é apresentado com legendas em francês. Podemos pensar que Wenders escolhe manter o filme com as legendas (já que podia utilizar uma cópia japonesa sem legendas), como resgate da forma que assistiu e experimentou aos filmes que o constituíram na Cinemateca francesa. Ao evocar a cena citada, Wenders a usa como uma forma nostálgica de congelar e prolongar as sensações da primeira leitura que teve do filme. Se para Bergson, a lembrança se mantém intacta na memória, exatamente como foi para nós, para Halbwachs, ela só pode ser encarada como um re-experimentar: “nós reconstruímos, mas essa reconstrução funciona segundo linhas já marcadas e planejadas por nossas outras lembranças” (HALBWACHS, 2007, p.98)14. Dentro de um avião para Tóquio, Wenders utiliza a imagem da asa do avião observada por um passageiro na janela. Esta imagem é recorrente em sua obra de ficção, traço autoral de Wenders, esta tomada apresenta um “olhar estrangeiro”, de alguém que não detém laço com o espaço em que se apresenta o filme, característica comum ao gênero road movie, com seus personagens errantes que se veem obrigados a procurar algo. O próprio Wenders se coloca como um personagem de road movie. O que difere é que ele tem um objetivo concreto: a busca pela Tóquio de Ozu. Wenders mescla entrevistas, comentários em over/off da sua experiência pela primeira viagem a Tóquio e o registro das imagens do que ele experimenta. Percebemos um registro antropológico, observativo, sem a autoridade da voz off. Podemos notar isso quando Wenders gasta minutos mostrando crianças jogando beisebol num cemitério, no registro do pachinko ou de funcionários de uma fábrica de comida de cera. Apresentando uma experiência próxima ao real – que está experimentando – através das imagens captadas por sua câmera, Wenders acredita na verdade da imagem, mas em seguida isso é debatido no filme. A primeira imagem de Tóquio que aparece em Tokyo-Ga é a de um trem (ícone da origem do cinema), elemento presente em todos os filmes 13 | WENDERS, Wim. A lógica das imagens. Tradução de Maria Alexandra A . Lopes. Lisboa: Edições 70, 1990. 14 | HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. Tradução de Beatriz Sidou. São Paulo: Centauro,2006.

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de Ozu. Wenders emula os filmes do diretor japonês filmando com uma câmera fixa no nível do olhar de uma pessoa que estivesse ajoelhada na plataforma da estação. Esta posição de câmera é um elemento formal que Ozu adota na fase madura de sua carreira até o final dela. Em geral, sua câmera é posicionada no nível de alguém ajoelhado, fixa sem nenhum movimento e com uma lente 50mm. Com esse tipo de enquadramento, o cineasta representa o olhar do japonês dentro de seu lar, dentro de seu cotidiano, pois esta é a posição comum dele em seu ambiente íntimo. É nesta posição que o japonês conversa, se alimenta, etc. Wenders aqui procura imitar e ao mesmo tempo atualizar os planos de Ozu. Nos planos seguintes Wenders atualiza as imagens de trens de Ozu, através de planos fixos e longos. Na atualização dessas imagens, Wenders mantém sua marca autoral, notadamente um diretor de espaços abertos e longos travellings, diferente de Ozu, marcadamente um cineasta de interiores. A única coisa que Ozu gravava em locação eram os trens, já que não gostava muito desse tipo de captação. O seu assistente Yuuharu Atsuta afirma em Tokyo-Ga: “Ozu não gostava de fazer externas em locações, principalmente quando juntavam curiosos. Por isso, eles faziam as externas o mais rápido possível, tentando evitá-los”.15 Em seguida, Wenders vai ao pachinko, um tipo de fliperama, onde ele afirma ser o lugar onde os japoneses vão perder seu tempo numa estranha sinestesia, onde eles entram num tipo de hipnose, apertando botões nas máquinas que emite ruídos incessantes. Wenders completa que os japoneses adotaram tais jogos depois da Segunda Guerra, como que para esquecer as suas tragédias cotidianas, perdendo tempo no prazer de imagens poluídas. Mas, Wenders viveu aspectos semelhantes em sua infância. Os filmes do pós-guerra de Ozu são uma imagem espelhada da realidade da infância do cineasta alemão, uma vez que Alemanha e Japão foram derrotados na Segunda Guerra. O que é interessante no pachinko é que Wenders, além da forma antropológica de registro citada anteriormente, manipula tal registro, captando imagens refletidas em espelhos e através de câmeras de segurança. Logo, ele midiatiza o mesmo registro. A sequência seguinte apresenta Wenders retornando de táxi para o local onde está hospedado. O cineasta mostra-se perturbado com a torrente de imagens dessa Tóquio de 1983, e ao mesmo tempo a referência mítica das imagens de Ozu se torna mais forte em sua memória, “uma visão que ainda alcançava a ordem num mundo sem ordem”. De dentro do táxi, a câmera fecha o plano em uma televisão, que muda constantemente de canal. Na sequência da chegada ao hotel há um plano de uma televisão emoldurada pelo próprio quadro. Seguem-se várias imagens de comerciais, até mostrar um plano de John Wayne, coincidentemente em 15 | Transcrição do filme Tokyo-Ga.

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um faroeste, dublado em japonês. Em seguida a imagem dele se funde à bandeira japonesa e depois com o mundo: Talvez imagens em harmonia com o mundo já estejam perdidas para sempre. Quando John Wayne se foi, não foi a bandeira americana que apareceu, mas a bola vermelha da bandeira japonesa. E, enquanto eu caía no sono, tive um pensamento curioso: onde eu estou agora é o centro do mundo. Todo aparelho de TV vagabundo, não importa onde esteja, é o centro do mundo. O centro tornou-se uma ideia ridícula. O mundo como um só e a imagem do mundo, uma ideia ridícula quanto mais aparelhos de TV houver no globo. E aqui estou eu, no país que fabrica todos eles para o mundo inteiro para que o mundo inteiro veja as imagens americanas.16 Dentro da perspectiva de Wenders, os filmes de Ozu são os que mais se aproximam de um registro legítimo do cotidiano japonês (ou, ainda, de uma família). Mas Wenders é um alemão perdido no Japão vendo filmes americanos na televisão; ele se perde neste mundo performático, onde as imagens fazem referência a outras, de maneira avassaladora. Assim, ele indica que o nosso referencial do mundo acaba construído pela televisão, um mundo descentralizado. Na sequência, Wenders entrevista o ator Chishu Ryu (momento em que sempre faz perguntas em off; desse modo, a câmera se aproxima de uma subjetiva). Este ator aparece nos primeiros planos do filme de Ozu, Viagem a Tóquio, e, consequentemente, no começo do filme de Wenders. Os depoimentos de Ryu, assim como os dos demais entrevistados, não são legendados nem dublados; temos a voz de Wenders sobreposta à dos entrevistados, e ele comenta e dá suas impressões pessoais sobre as respostas deles. As exceções são a entrevista com o cineasta Werner Herzog, que é conterrâneo de Wenders, e o último depoimento, com o emocionado assistente de Ozu, Yuuharu Atsuta. Essa sequência é constituída por uma câmera móvel e o entrevistado sentado dando a entender que é Wenders quem faz as perguntas. Essa estratégia reforça o caráter de “diário filmado” realizado em Tokyo-Ga, em que o principal para Wenders são as suas próprias impressões, razão dos depoimentos serem mediados por sua experiência. Em sua busca pela memória de Ozu, Wenders procura por pessoas que conviveram com o diretor: o ator Chishu Ryu e o seu câmera Yuuharu Atsuta. Os dois fazem parte de um grupo que têm lembranças em comum, participaram dos mesmos acontecimentos, atuaram e testemunharam ações e fatos em que Ozu foi protagonista. Sem ter a possibilidade 16 | Transcrição do over/off de Wenders no filme Tokyo-Ga.

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de encontrar o próprio Ozu (morto em 1963), Wenders aproxima a sua lembrança do cineasta à dos que conviveram com ele, de modo que possa construir a memória retratada no filme. Pensando em Halbwachs: “O novo painel projetado sobre os fatos que já conhecemos nos revela mais de um traço que ocorre neste e que ele recebe um significado mais claro. É assim que a memória se enriquece com as contribuições de fora que, depois de tornarem raízes e depois de terem encontrado o seu lugar, não se distinguem de outras lembranças” (HALBWACHS, 2007, p. 98)17. Durante a entrevista com Chishu Ryu, Wenders comenta sua idolatria pelo ator e a resposta constrangida dele. Wenders tenta entender, através do ator, como Ozu filmava. Mas, Wenders não deixa de esbarrar nos simulacros: primeiro, Ryu era conhecido por fazer papéis de homens mais velhos do que sua idade real, nos filmes de Ozu (num deles, Wenders comenta que Ryu tinha trinta anos e interpretava um homem de 60). Como ator, Ryu se considera “alguém”, uma pessoa completa, por causa dos filmes de Ozu. Ele fala que desejaria ser uma cor na palheta de Ozu, e que por conta do diretor, ele se torna essa pessoa chamada Ryu (ele mesmo). Chishu Ryu aparece posteriormente em outro filme de Wenders, Até o fim do mundo (1992). No filme Ryu interpreta o personagem de Mori, dono de uma pequena hospedaria no interior do Japão. Até o fim do mundo (1990) conta a história de Farber Trevor (Willian Hurt) que viaja pelo mundo captando imagens com uma câmera, que grava para as pessoas cegas poderem ver. Pelo uso da câmera, o excesso de “imagens” faz com que Trevor vá perdendo progressivamente a visão, até que fica cego no Japão. Lá encontra Mori que, utilizando da tradição milenar das ervas medicinais, cura a cegueira de Trevor. Podemos estabelecer um paralelo entre o personagem Mori e o cineasta Ozu. Ao criar essa relação, que ao mesmo tempo é uma homenagem, Wenders talvez queira dizer que Ozu é a salvação contra a proliferação dilacerada das imagens. Isto pode ser exemplificado com a afirmação de Mori para a Trevor: “Aprendi uma coisa, o olho não vê o mesmo que o coração”.18 Voltando a Tokyo-Ga, há uma sequência em que Ryu está andando na rua e é abordado por fãs. Wenders comenta que Ryu, como quem se desculpa, afirmou que não é reconhecido nas ruas pelos papéis nos filmes de Ozu, mas por uma série televisiva de sucesso recente (em 1983). Um grupo de senhoras, fãs de Ryu, tira fotos com ele. Nesta sequência observamos duas pessoas fotografando: aquela que fotografa Ryu e o grupo de senhoras; e outra que fotografa Wenders registrando o ator e suas fãs. Com o registro dessas situações, Wenders retoma a ideia de que a televisão se mostra icônica em nosso mundo, enquanto o cinema não o é mais.

Wenders passa a confrontar as limitações do cinema em captar a realidade: 17 | HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. Tradução de Beatriz Sidou. São Paulo: Centauro,2006. 18 | Transcrição do filme: Até o fim do mundo (1992).

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Nós aprendemos a aceitar que a grande distância separando o cinema da vida é tão perfeitamente natural que ficamos assombrados quando subitamente descobrimos algo verdadeiro ou real num filme. Não precisa mais do que um gesto de uma criança no fundo do trem ou um pássaro que passa voando ou uma nuvem jogando a sombra sobre a cena durante um instante. É uma raridade no cinema de hoje encontrar tais momentos de verdade onde as pessoas ou objetos se mostram como realmente são. Isso era o que havia de único nos filmes de Ozu, principalmente nos últimos. Eles eram grandes momentos de verdade. Não, não apenas momentos; eram verdades duradoras que se estendiam da primeira imagem à última. Filmes que, verdadeira e continuamente lidavam com a vida em si e nos quais as pessoas, os objetos, as cidades e os campos revelavam-se. Tal representação da realidade, tal arte não se encontra mais no cinema. Um dia, se encontrou. “MU”, nada do que resta hoje.19 Segundo Wenders, MU é um ideograma que significa o vazio, o nada, e está inscrito na lápide de Ozu. Wenders a reutiliza como metáfora da condição contemporânea. Hoje, com a inflação de imagens, é impossível ter um registro real. O cinema não é mais capaz de tal registro. Para Wenders, Ozu foi capaz disso, mas hoje ele não seria capaz. Por isso só resta o nada, a imagem pela imagem. Em outra sequência, Wenders retorna ao patchinko e, encontrando-o vazio, vai até a rua dos bares, Shinjuku. Esta é uma locação típica dos filmes de Ozu, onde “pais abandonados ou solitários afogavam suas mágoas.” Nessa locação, Wenders monta a câmera a seu estilo e filma. Depois, monta a câmera da maneira de Ozu. Segundo Wenders, outra imagem se apresenta, uma que não pertenceria a ele. Podemos questionar se Wenders sabe que, mesmo simulando ou emulando a forma e o modelo de Ozu, seu trabalho fílmico não deixa de ser um simulacro. No topo de um arranha-céu, a câmera de Wenders observa jovens adultos jogando golfe nos topos de outros prédios. Wenders lembra que o esporte é mostrado de forma irônica, por Ozu, em alguns de seus filmes. O diretor alemão se diz impressionado com a dedicação dos japoneses ao esporte, mesmo não tendo o espaço ideal para jogar, se dedicam pura e simplesmente a fazer os movimentos. O buraco do jogo de golfe resta como objetivo para bem poucos; eles se entregam, assim como Wenders o faz enquanto observador, a um puro deleite estético “da beleza e perfeição dos movimentos”20. Wenders, em sua busca, sempre se defronta com essas simulações: o golfe que não é de fato golfe; a comida de cera que é quase idêntica à real; a torre que é réplica da Torre Eiffel; os rockabillys japoneses, que dançam como Elvis. 19 | Transcrição do over/off de Wenders no filme Tokyo-Ga. 20 | Transcrição do over/off de Wenders no filme Tokyo-Ga.

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No último depoimento de Tokyo-Ga, Yuuharu Atsuta, diretor de fotografia que trabalhou com Ozu do início ao fim (como ele próprio afirma), comenta sobre um presente que recebeu de Ozu, um cronômetro. “A única lembrança que tenho dele”, afirma Atsuta, sobre o objeto que mediava o tempo dos planos. Mas, para confirmar ou recordar uma lembrança, não são necessários testemunhos sob uma forma material e sensível: as lembranças de sua convivência com Ozu permanecem vivas e em seu relato emocionado: Algo havia morrido. Ozu tirava o melhor de mim. E eu dei a ele o meu melhor. Para os outros, o meu melhor já não existia. Eu tenho uma dívida com Ozu. Às vezes, você se sente solitário. Deixe-me agora. Eu agradeço. Sim, você se sente solitário. O que se chama de “espírito” jamais pode ser explicado a ninguém. Por isso, as pessoas com quem ele trabalhou, ele gostava delas. Ele era mais do que um diretor; ele era como um rei. Agora, neste momento, ele deve estar satisfeito. Hoje eu não estou sendo eu mesmo. Por favor, vá embora agora e me deixe aqui sozinho. Eu peço desculpas. Yasujiro Ozu foi um bom homem.21 No depoimento de Atsuta, a imagem física do diretor Yasujiro Ozu é apresentada através de fotos. Desse modo, Wenders presentifica e resgata a imagem do diretor japonês. Com as fotos ele personifica a memória, finalmente concluindo a construção da imagem do diretor, algo que Wenders persegue em todo o filme. Analisando Tokyo-Ga, podemos identificar uma imagem de Tóquio que não parte de um modelo original e sim da Tóquio pelo olhar de Ozu, ao menos no início do filme. Durante o percurso, Wenders constrói o filme a partir de seu próprio olhar, pessoal, percebendo então que a Tóquio que Ozu registrou não é mais possível. Contudo, não podemos deixar de refletir aqui que Wenders parece ignorar que a Tóquio registrada por Ozu não é um registro total e completo do cotidiano japonês, mas sim um recorte que o diretor opera dentro do seu próprio olhar sobre a cidade. Wenders se prende em detalhes como um garoto no metrô que se nega a andar. Esta imagem, na mente de Wenders, é, e não somente representa as crianças rebeldes dos filmes de Ozu. Pensando na questão da presentificação, a Tóquio que Wenders tem na memória pode ser aquela encontrada nos filmes de Ozu, ao menos quando encaramos Wenders como um espectador. Ele conhece Tóquio como um espectador e, como um produtor de imagens, neste diário filmado, incorpora e simula técnicas de um de seus mestres. Desse modo, retorna aos filmes de Ozu (com planos de Viagem a Tóquio), e paralelamente, à sua própria origem. Ricardo Matsuzawa é professor da Escola de Comunicação na Universidade Anhembi Morumbi 21 | Transcrição do filme Tokyo-Ga.

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Paris, Texas por Giovanni Alves

O tema cadente no filme Paris, Texas, de Wim Wenders, é a crise (e obsolescência) da figura do pai na ordem burguesa hipertardia – o pai como representação da autoridade moral na sociedade burguesa. É um dos elementos da crise da família burguesa e das instâncias sociorreprodutivas do capital. Eis o eixo temático estruturante da narrativa. Num primeiro momento, verificamos que o personagem do filme de Wenders, Travis Henderson, é um homem que vive uma intensa crise pessoal detonada por um desencanto afetivo ligado a uma relação conjugal problemática. Eis o “disparador existencial” do drama de Wim Wenders. Aos poucos compõem-se o “quebra-cabeça” existencial do filme. É claro que, num primeiro momento, logo na abertura do filme Paris,Texas, colocamos a seguinte questão: o que aconteceu com o pobre Travis para que o encontremos vagando pelo deserto no interior do Texas? Ao som da música visceral de Ry Corder, Travis aparece imerso na árida paisagem do deserto texano, sedento e exausto, um espectro de homem, quase como um “morto-vivo” à George Romero. Na verdade, ele parece ser um homem alucinado pela busca de si mesmo (eis o significado do título do filme – Travis carrega uma pequena foto de um lote vazio em Paris (no Texas), pequena localidade do interior do Texas, próximo do Red River, onde, segundo ele, seus pais se conheceram e onde Travis fora concebido). Deste modo, o título do filme remete a um território que aparece como lastro ontogenético de um homem, um pai, que persegue sua identidade pessoal. Ora, a raiz de Travis é o espaço territorial e não o tempo biográfico dissolvido em sua memória pessoal. A remissão à raiz territorial como elemento de identidade do sujeito negado é um mote pós-moderno que Wim Wenders expõe na narrativa de Paris,Texas. Mas a raiz territorial de Travis remete à ideia de concepção e não à de nascimento. Paris (no Texas) é o local da concepção de Travis e não de seu nascimento. A concepção é o fundamento de si, pré-história de um homem, momento primordial de emersão de uma potentia humana quase absoluta, quando passamos a ser, expelidos pelo Nada. Da concepção ao nascimento, nove meses de um homem in fieri, estamos imersos no regozijo existencial com a mãe-Natureza. Naquela etapa radical, ainda não nos distinguimos efetivamente como pessoa, sendo apenas parte do Universo materno, ligados pelo cordão umbilical. Não há identidade pessoal possível. Somos apenas uma promessa de ser em gestação. É apenas um ponto de partida, uma promessa candente de outro começo fundamental (e fundante) em devir: o nascimento. Talvez seja o que Travis esteja buscando: recomeçar (ou nascer de novo).

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A temática de Wenders é uma temática intrinsecamente pós-modernista. A imagem de Paris (no Texas) é o ponto de partida radical para Travis (na verdade, Paris, no Texas, trata-se apenas de uma imagem, uma velha fotografia que ele guarda). O espaço-tempo de Travis está tão comprimido que se confunde consigo mesmo. É um homem ensimesmado. Ao deslocar-se, gira em torno de si mesmo. Ele flui no mesmo diapasão. Não há caminho, apenas um caminhar. O filme Paris, Texas é a negação do road movie, subgênero fílmico que proclama o deslocamento no espaço como traço indelével da narrativa moderna. Ou ainda, a conquista do espaço territorial como afirmação de si. But the road is over. Na terceira modernidade do capital, não há caminho. No filme de Wenders, o espaço-tempo desmanchou-se no ar. Tornou-se meramente a imagem de um território “radical” – isto é, raiz da concepção do homem-pai. Travis não é Tom Joad, de Vinhas da Ira (de John Ford, 1940), que vagueia em busca da liberdade e justiça, valores sociais objetivamente sociais e marcados pela historicidade de um capitalismo expansionista. É a época de ascensão histórica do capitalismo. Nem Travis é Wyatt ou Billy, personagens de Sem Destino — Easy Rider (1969), outro road movie clássico, em que personagens hippies buscam a América e, de certo modo, vislumbram que o caminho da modernidade gloriosa do capital está se desmanchando. Tanto que, ao final de sua viagem pelo interior dos EUA, os personagens buscam encontrar-se numa “viagem interior”, aproveitando-se do mardi gras de New Orleans para divagar no ácido lisérgico. Easy Rider tem um final trágico. Talvez seja um filme premonitório: anuncia a era do ensimesmamento que marcaria a terceira modernidade do capital (a partir da década de 1970). Ora, Travis é o anti-herói ensimesmado da anti-narrativa pós-modernista. Não há caminho, apenas um lugar imaginário, um não lugar: Paris, Texas. Ele acredita que tenha sido lá o local de sua concepção. Travis cultiva seu mito pessoal. Ele é um homem perdido, alucinado por uma busca de si. Como salientamos, ao estilo pós-modernista, o filme de Wenders trata da busca de raízes. Comprimido em si, o homem pós-moderno debate-se consigo próprio. Ele vagueia pelo seu espaço-tempo intimista buscando o desconhecido, isto é, a si mesmo, imerso em imagens distantes, verdadeiros pedaços de si. Por outro lado, Travis, de Paris, Texas de Wim Wenders, aparece como Paolo, o pai burguês do filme Teorema de Pier Paolo Pasolini. É o espectro de homem que morreu, mas que ainda vive (como o fantasma do pai de Hamlet). Talvez ele queira nos prenunciar algo... Travis é o homem burguês, homem divagante, homem impossível. Entretanto, no decorrer do filme Paris, Texas, Travis renasce (ou pelo menos, reaparece) e, aos poucos, ele se coloca como o homem-pai que busca reconstituir os laços afetivos (e familiares) possíveis (a relação do filho com a mãe). Não se coloca a posição do pai – o homem-pai está

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obsoleto na narrativa de Paris, Texas. Paris, Texas não é um filme de reminiscências. Travis não quer voltar ao passado. Pelo contrário, as imagens do passado lhe são estranhas (por exemplo, ao assistir ao filme super8 de Walt com antigas cenas familiares, Travis demonstra emoção e indiferença – o passado está morto). A fuga de Travis foi sua catarse. De certo modo, na origem, há uma imaturidade visceral em Travis. Ele quer renascer, fugindo dos laços umbilicais com suas fantasias inconscientes. Ora, em Paris, Texas, o filho é o analista do pai. O homem-pai está transtornado pelo passado morto – “morto-vivo”. O transtorno pessoal é um elemento indicial de perda do pai. Num certo momento, ao conversar com seu filho Hunter, deitado num suposto divã, Travis lembra-se da mãe e do pai. Noutra cena anterior, ao observar um álbum de família, Travis aponta para Hunter, seu pai. O menino pergunta: “Você sente que ele está morto?”. E diz: “Você se lembra de quando ele andava e falava, certo? Então, consegue sentir que ele foi embora?”. Travis diz: “Sim, de vez em quando. Sei que ele morreu.” E Hunter observa: “Nunca senti que tivesse morrido. Podia sentir sempre você andando e falando em algum lugar”. Na verdade, a obsolescência do homem-pai em Paris, Texas não é a sua morte física, mas a sua falta como elemento estruturante das relações afetivas e social do mundo do capital. Hunter sente a falta do pai (e da mãe). Ao encontrá-lo vagando pelo interior do Texas, o irmão Walt o conduz de volta à Califórnia. Travis evita viajar de avião. Sente pavor. Walt e Travis viajam de carro. Levam dois dias para chegar a Los Angeles. É o tempo necessário que Travis leva para se reaproximar de seu irmão Walt. Após quatro anos, o pai reencontra o filho Hunter, de 8 anos, deixado na casa dos tios pela mãe, após Travis tê-la abandonado e fugido. Há quatro anos, a família Henderson se desestruturara – primeiro, Travis desaparecera. Depois, a mãe some, deixando o jovem Hunter, que é quase adotado pelos tios. O casal (Walt e Anne), carente de filhos, o adotam com muito carinho. O garoto Hunter preenche um vazio na relação conjugal dos tios. A volta de Travis irá significar um novo contato com o filho e a busca para reencontrar a mãe (além disso, abre uma crise conjugal entre Walt e Anne, casal solitário, sem filhos – Anne diz: “Do que vai ser da gente se perdermos Hunter?”). O filme Paris, Texas é, deste modo, a odisseia de uma tentativa de “reconstrução” do lar desestruturado. Mas – como dissemos – não se trata de uma reconstrução passadista: o pequeno Hunter volta para a mãe, mas Travis prossegue sua odisseia existencial. É o lar possível sob a terceira modernidade do capital – mãe e filho. O homem-pai está obsoleto: o pai como Autoridade estruturante da relação sociometabólica do capital (e inclusive, como metáfora do Estado-providência). Sob a terceira modernidade do capital, invertem-se os papéis clássicos. Temos o reencontro/retorno do “filho pródigo”, que, nesse caso, é o

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pai perdido em sua angústia pessoal (a “crise originária” inverte os papéis sociais – o pai torna-se o filho e o filho é o pai – como diz o ditado, “a criança é o pai do homem”. Mais tarde, num depoimento gravado, Travis diz para Hunter: “Você mostrou quem eu era”. Isto é, ele é o pai). Paris, Texas é um filme de candentes metáforas com a condição pós-moderna. Alguns detalhes do filme são curiosos: o pequeno Hunter, filho de Travis, é aficcionado em astronomia. Relata para o pai as origens do Universo. É quase como uma metáfora de si. Diz Hunter: “A Galáxia inteira, todo o Universo, estavam comprimidos num pontinho deste tamanho. E sabe o que aconteceu? Fez assim e explodiu... Faíscas em todas as direções, saiu tudo voando para todo o lado e o espaço se formou. Era só gás flutuando...” E prosseguiu relatando para o pai, as origens da Terra. Enfim, Hunter é um aficcionado por cosmologia. Ele usa jaqueta da NASA quando acompanha o pai na busca da mãe. Eis a preciosa metáfora da presença distante de astros fascinantes. O pai, a mãe, o lar – eis o verdadeiro Universo de Hunter, composto de estrelas/imagens que estão presentes, mas muito distantes. No filme, o momento em que o pequeno Hunter fala da origem do Universo é a metáfora candente de seu drama humano. O big bang da família de Handerson ocorrera há quatro anos. De certo modo, o filme é o relato da origem primordial da “nova Terra”, após o cataclisma originário. Outra cena de Paris, Texas em que existem metáforas com tema astronômico, é quando Hunter, ao ver o filme em super8 de cenas familiares de seu pai e mãe, juntos, sabe que aquilo é apenas um filme do passado, imagens distantes, como das estrelas no céu. Diz: “Há muito tempo, numa Galáxia muito, muito distante..” (mote de abertura da saga Star Wars, de George Lucas). Mas é na relação primordial de Travis com sua mulher, Jane – interpretada no filme pela bela Nastassja Kinsky – que encontraremos elementos do enigma crucial do filme: fascinação e desejo; ciúme e possessividade; fantasias inconscientes, e incomunicabilidade. Na verdade, Travis vislumbrara a cruel impossibilidade de ser amado intensamente pela mulher desejada: a jovem Jane não o ama como ele a deseja. E pior: ao nascer o filho Hunter, ela se transtorna e ameaça abandoná-lo. Enfim, a diferença de idade (ela é bem mais jovem que ele), diferenças cruciais de perspectivas de vida e de afeto, a cadente imaturidade de uma paixão fugaz, implode a intensa e alucinada relação afetivo-conjugal. Por um lado, Jane, jovem ninfeta, Lolita deslumbrada com o desejo e paixão por um homem mais velho, que lhe transmite, talvez, segurança e afeto. Ela se casara aos 17 anos e ele provavelmente devia ter, na época, pelo menos, uns vinte anos a mais. Como ele, à época, ela possui também suas fantasias inconscientes. Jane era tão imatura e perdida quanto ele. Pode-se dizer que o nascimento do filho Hunter significou a negação do casal e a constituição da família enquanto novo universo existencial. A

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chegada do jovem rebento, elemento primordial que deu origem à família, abalou, com certeza, a precária relação conjugal marcada pelos sentimentos de intenso desejo e contínua aventura (diz Travis sobre o casal: “Até uma visita a uma mercearia era cheia de aventura. Estavam sempre rindo de qualquer bobagem”; e mais adiante observou: “...eles não ligavam muito para mais nada, porque tudo o que queriam era ficar juntos”). Na verdade, Jane não estava preparada para a maternidade (ou condição de mãe) e Travis era um homem despreparado para o laço afetivo com uma jovem ninfeta. Foi o nascimento de Hunter que explicitou, de forma heurística, as precariedades afetivo-existenciais do casal Henderson, expondo os fantasmas inconscientes que consumia o estranho casal. Numa das cenas finais do filme (a cena do peep-show), Travis relata para Jane, na terceira pessoa do plural, o que aconteceu com eles. Diz ele que, após casar com Jane, o próprio trabalho era obstáculo à sua vida afetiva. Ele a desejava de forma alucinada. Era um homem de meia-idade fascinado pelo jovem ninfeta. Diz ele, a respeito de si: “Ele não podia suportar ficar longe dela, quando ia trabalhar. Então ele pediu demissão”. O casal passou a ficar atormentado pela falta de dinheiro: “Ele sabia que tinha que trabalhar para sustentá-la, mas não suportava ficar longe dela. E quanto mais longe ficava dela, mais louco ficava.” Era, de fato, uma loucura do desejo que consumia Travis. A seguir, veio a loucura do ciúme: “Começou a pensar que ela estava vendo outros homens”. Na verdade, Travis queria uma prova de amor. Era um homem inseguro. Quando ela disse estar grávida, ele viu nisso a prova de amor: “Estava convencido de que ela o amava, porque estava grávida dele”. Ele se dedicou a trabalhar para criar um lar para ela. Entretanto, segundo Travis, com o nascimento do pequeno Hunter ela começou a mudar. Desvelaram-se os fantasmas inconscientes de Jane. Ele demonstrou ser uma jovem imatura para a maternidade. Diz ele: “Depois que o bebê nasceu, ela começou a se irritar com tudo ao seu redor. Ficava louca com tudo.” Durante dois anos, Travis lutou para que fossem unidos como no começo. Finalmente ele percebeu que não dava mais. Diante do fracasso familiar, Travis começou a beber. Por outro lado, ela o acusava de mantê-la presa, de tê-la engravidado. A jovem Jane estava alucinada. O casal se dissolvia. Diz Travis: “Ela sonhava em fugir. Era seu único sonho: fugir”. Mas, Travis buscava impedi-la com esforço. Chegou, segundo ele, a amarrá-la no fogão com seu cinto. Ela gritava. Mas, de repente, num certo momento, diz ele, algo mudara: ele não sentia mais nada. “Tudo o que queria era dormir. E, pela primeira vez, ele desejou estar longe dali, perdido num país imenso, onde ninguém o conhecesse. Algum lugar sem língua... ou ruas...”, observou ele. Agora, era Travis que surtara. Enfim, abandonara Jane e o pequeno Hunter. Fugira. Eis o casal Henderson – uma jovem ninfeta imatura, que se torna mãe; e um homem maduro, quase de meia-idade, inseguro e ciumento, que

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vive o crepúsculo do macho e que encontra na jovem ninfeta uma nova (e precária) razão de ser. Como nos mostra a foto abaixo, o jogo de reflexos feito por Wenders onde a face de Travis se confunde com o rosto de Jane, no espelho do peep-show, há uma certa identidade (e não identidade) reflexiva entre Travis e Jane. Um é parte da insensatez do outro. Nesse caso, a crise conjugal confunde-se com a crise existencial de Travis e Jane. Uma é parte da outra. Fantasmas inconscientes conduzem os pais de Hunter. Tanto Travis quanto Jane fecham-se em si – abandonam o jovem rebento. Primeiro, Travis e logo a seguir, Jane (ela diz que abandonara Hunter porque “ela não tinha o que sabia que ele precisava”. E disse: “Eu não quis usá-lo para preencher meu vazio”). Mas Paris, Texas é, de certo modo, o filme da crise do homem burguês, homem maduro em crise, drama do crepúsculo do macho da civilização patriarcal. O que se coloca, desde o principio, é a crise existencial de Travis. Talvez, a própria escolha da esposa, uma jovem ninfeta, adolescente imatura, como objeto de desejo e mãe de seu filho, é sintoma irremediável da loucura (e alucinação) de um homem de meia-idade. O que se sucede a posteriori, como um big bang, é resultado fatal da “falha primordial” do homem Travis.

Paris, Texas, de Wim Wenders

Mais tarde, a presença de Hunter (que em inglês significa “caçador” – caçador dos pais?) contribui para o (re)encontro de Travis consigo mesmo. Talvez, ao buscar cativar o filho, Travis vise constituir um novo ponto de partida para si mesmo. O filho é o starter do pai. Mas, na verdade, Travis quer reencontrar a mulher para ligá-la de novo ao filho. Paris, Texas é um filme de reconstrução da utopia familiar possível. Ao reencontrá-la, Travis decide prosseguir adiante. Não há lugar para o pai no novo universo familiar.

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Há uma cena curiosa em Paris, Texas. Num certo momento, quando Travis vai encontrar Hunter na escola, um amiguinho pergunta a Hunter quem é ele, que diz ser seu pai. “Como é que pode ter dois pais?”, diz o amiguinho. E Hunter diz: “Acho que tive sorte”. Aliás, o jovem Hunter vive uma situação paradoxal – na verdade, ele não tem nenhum pai (Travis, ainda não encontrou sua identidade como pai e Walt, diferentemente de sua mulher, não almeja ter um filho). Wim Wenders se recusa ao final feliz convencional. O filho reencontra a mãe, com a ajuda do pai. Mas Travis prossegue, indo adiante, na sua odisseia pessoal. Diz ele para Hunter em seu depoimento gravado: “Tenho a obrigação de unir vocês de novo. Mas não vou poder ficar com vocês.” Travis, o homem-pai perdido, pai obsoleto, retorna para unir mãe e filho, mas não consegue ficar. Não há mais o casal, o “pontinho” primordial que explodiu no big bang e que deu origem ao Universo de Hunter. Travis está envolvido com o passado-morto, morto-vivo. Diz ele: “Eu jamais poderia consertar o que aconteceu. É assim que tem que ser. Mal me lembro do que aconteceu. É um vazio. Mas ele me deixou sozinho de um jeito que não superei. E agora estou com medo. Com medo de fugir de novo”. Como o pistoleiro solitário Shane do filme “Os Brutos Também Amam” (de George Stevens, 1959), Travis, segue em frente. O filme de Wenders trata do tema da perda e da busca, mas o que encontramos, no conjunto de personagens, são fragmentos humanos dispersos no Universo social: o pequeno Hunter, a mãe, Travis e inclusive o casal que adota Hunter (Walt e a mulher Anne) estão imersos em relações insatisfatórias e inconclusas. Ao lado da esperança jaz um féretro — féretro do mundo burguês – diria Ernst Bloch. Finalmente, seria interessante apreciarmos o mundo social do filme Paris, Texas. Se o drama intimista de Wenders se sobressai com vigor, os detalhes sociológicos nos convidam a pensar o admirável mundo novo do capitalismo da terceira idade. São imagens-estruturas que consomem os personagens do filme. O mundo social de Paris, Texas é um mundo social árido, como o deserto de Travis. É o mundo americanizado, sociedade do fast-food e do voyeurismo, universo social da não comunicação e da incomunicabilidade. O peep-show onde Jane trabalha é a metáfora de um universo social marcado pelas interações humanas presentes e tão distantes – há milhares de anos-luz. Paris, Texas é um filme da não comunicação ou da comunicação impossível. Comunica-se por meio de espelhos intransparentes (como no peep-show) ou por meio de depoimentos gravados (quando Travis deixa a mensagem para o filho Hunter). A crise humana em Paris,Texas é uma crise de comunicação. Se o sujeito está negado, não há intersubjetividade ou ação comunicativa. É claro que a dureza social do filme aparece, logo de imediato, na figura do médico que trata de Travis no interior do Texas: homem egoísta e duro, verdadeiro canalha que habita uma estalagem vazia, perdida na ari-

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dez do deserto do Texas. Ele cuida de Travis, é claro, mas com interesse próprio. O capitalismo endurece as pessoas, fechando-as em si. A única personagem verdadeiramente humana é a jovem empregada dos Henderson, imigrante mexicana, que ensina Travis a se trajar como um homem rico. Na verdade, Travis quer parecer um pai e cativar o pequeno Hunter. Existe uma crítica velada à racionalidade tecnológica em Paris, Texas. O divagante Travis tem pavor do avião. Não lhe interessa a pressa e a vida veloz que a tecnologia capitalista promete. Não lhe interessa também a descartabilidade das coisas – insiste em retornar no mesmo carro que Walt o encontrou. Travis está um pouco deslocado do mundo social do capital. Ora, Paris, Texas é o mundo social da mercadoria. Ela é uma presença silenciosa, mas deslumbrante no filme, por meio das marcas e dos produtos industrializados. Não há presença do Estado no filme de Wenders, mas apenas do mercado que sub-repticiamente organiza a vida social. Paris, Texas é um filme de imagens, enfim, do capital que se fez imagem-espetáculo (a própria Jane é uma vigorosa imagem de mulher, imagem do desejo que seduziu Travis...). O filme de Wenders é um retrato do mundo de imagens: da profissão de Walt (Walt Disney?) que produz outdoors; ao serviço de entretenimento do peep-show (imagens em espelhos “falsos” que fascinam e prometem prazer); da velha fotografia do lote vazio em Paris, Texas, única imagem-referente do local onde Travis foi biologicamente concebido; do velho álbum de fotografias familiares que ainda restam; das inúmeras fotos e gravuras penduradas nas paredes da casa de Walt e Anne; e finalmente, do filme em super8 que registra lembranças familiares de um passado distante. O mundo social do filme Paris, Texas é a sociedade da mercadoria em sua fase de espetacularização problemática. Guy Debord nos fala da “sociedade do espetáculo”, mas o que Wenders constata é que o espetáculo da mercadoria é um espetáculo angustiado, verdadeiro antiespetáculo. Talvez seja o outro lado do espetáculo em sua etapa de crise estrutural, com fragmentos humanos dilacerados, poeiras cósmicas no universo do capital. Nada se resolve no filme Paris, Texas. Há uma sensação de vazio – embora tenhamos simpatia pelos tipos demasiadamente humanos (Walt, Anne, Travis e o jovem Hunter). Ainda há humanidade nos personagens de Wenders em Paris, Texas (Travis resiste, a seu modo, à banalização do prosaísmo burguês). Em Paris, Texas, o mundo do trabalho é o mundo dos serviços como atividade mercantil. É preciso observar com cuidado para apreendermos o mundo do trabalho do filme de Wenders. É o mundo do capitalismo hiperindustrial desmaterializado. Tudo tornou-se mercadoria. A indústria desmanchou-se no ar. Tornou-se etérea. Os serviços industrializaram-se. Do fast-food à empregada doméstica mexicana (talvez agenciada por empresa de trabalho temporário). O mundo do trabalho está nos interstícios

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que compõem o metabolismo da vida social. Por exemplo, as profissões de Walt e da mãe de Hunter lidam com a indústria da imaterialidade reflexiva, isto é, com a indústria da “captura” da subjetividade por meio de imagens-fetiches (seja dos outdoors ou do peep-show que seduz). É curiosa a imagem do banco drive-in em Houston, banco sem bancários, meras estruturas urbanas onde circulam veículos cujos clientes manipulam, estilo self-service, aparatos informáticos. Não vemos pessoas em Paris, Texas, mas apenas estruturas em paisagens áridas (do urbanismo hipermoderno ao deserto agreste do interior do Texas). É a concretização da modernidade-máquina, da vida urbana de aço, concreto e vidro, reluzente com o néon, marcado pela aridez e pelos grafites que buscam dar algum sinal de vida à paisagem cinzenta (Travis entra pelos fundos no local de trabalho de Jane, um peep-show em Houston. É curiosa a fachada com grafite da Estátua da Liberdade, demonstrando que, em Wim Wenders, há uma crítica visceral da modernidade americanizada). Um detalhe: Hunter, o filho de Travis, possui algo da tragédia de O Garoto, de Charles Chaplin. Primeiro, na aparência física; segundo, o fato de ele ser, tal como o garoto, filho abandonado pelos pais e que fica sob os cuidados de outros. Ora, Wenders retoma o tema da “criança abandonada” como tema principal das narrativas da crise da sócio-reprodutibilidade do capital.

Giovanni Alves é Livre-docente em Teoria Sociológica pela UNESP, professor de sociologia da Universidade Estadual Paulista (Campus de Marília) e Doutor em Ciências Sociais pela UNICAMP. Texto publicado originalmente no site Tela Crítica (www.telacritica.org)

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Asas do Desejo por Aristeu Araújo

Berlim ainda estava dividida quando, em 1987, Wim Wenders produziu a sua maior obra, Asas do desejo. O muro, que ruiria dois anos depois, se impunha não apenas como uma instransponível fronteira. A cidade partida (título que hoje o Rio de Janeiro laboriosamente toma emprestado) dividia também famílias, conceitos, ideologias, pessoas. O Céu Sobre Berlim, como diz o título original, é a abrangência desse tema. Wim Wenders não queria falar apenas de um amor impossível, como uma leitura superficial pode levar a crer. Também não tinha a intenção de, nessa alegoria, transformar o filme em um panfleto político. Asas do Desejo vai mais além, fala do muro que cada um construiu em torno de si, da inexistência de utopias, da fragilidade de uma época, da ignorância ao outro, do egoísmo, da solidão. Em Asas do desejo, a câmara acompanha a melancolia de dois anjos. Observa com eles o vácuo em que a criação se tornou e lamenta a cegueira humana. O homem de 1987 não mais vê os anjos, não mais os ouve. Prometeu roubou o fogo; Enkidu possuiu a prostituta; Adão comeu do fruto. Recita o anjo: Quando a criança era criança, ela caminhava com os braços balançando. Ela queria que o riacho fosse um rio, o rio uma torrente e essa poça-d’água, o mar. A criança éramos nós. Adultos, fomos destituídos do verdadeiro. Wim Wenders propõe uma expansão do que o senso comum enxerga no divino. Longe de ser religioso, Asas do desejo busca metáforas para nossa incompletude no arcabouço imagético de uma das mais antigas crenças do homem. Se somos ou não vigiados e protegidos por anjos, o filme não discute. Ele assume o discurso para aprofundar nossas ausências. E o que não é o desejo, senão a falta? Trabalhando sempre sobre um plano contraditório, Wim Wenders mostra anjos que sentem essa ausência. Como seres etéreos, eles não enxergam as cores (daí a escolha pelo preto e branco) ou as formas; não sentem o áspero ou o liso; o calor ou o frio. Assim, eles também não têm forma. Enxergá-los, capacidade reservada apenas às crianças ainda inocentes, não é função da visão. As lentes de Asas do desejo nos mostram esse mundo privado. Propõe-se uma concessão e uma troca. É como se os anjos dissessem que deixam-nos ver o mundo com os olhos de criança. Em troca, damos a eles nossos desejos, nossas dores e alegrias. Os anjos de Wim Wenders anseiam pelo efêmero. Há um diálogo antológico em que Damiel e Cassiel externam essa vontade. Nele, perguntam-se o quão prazeroso deve ser beber uma taça de vinho ou retirar os sapatos após um dia de trabalho; o

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quão humano deve ser dizer “talvez” ao invés de sempre saber a verdade. Por isso, frequentam as bibliotecas; por isso, procuram estar ao lado dos desesperados e dos amantes. A troca é cumprida com a queda do anjo, quando o filme ganha cor e Damiel, perplexo por sentir dor e sangrar, cambaleia por uma Berlim suja e pichada. Chega a ser cômico quando ele pergunta se aquilo que escorre (o sangue) é vermelho. É o seu primeiro contato com o humano e, não à toa, com a presença da morte. Damiel não cai por renegar Deus. Sua forma humana se dá por um amor profundo à criação, por causa do fascínio que mantém pela única coisa que ele não conhece, que não lhe é palpável. A paixão que sente pela trapezista é o que o arranca do âmbito divino e etéreo. É o eterno clichê do palhaço que ama a trapezista, o mesmo de Romeu e Julieta. Mas no amor proibido de Wim Wenders, a trapezista utiliza asas cenográficas, e essa é a senha para a completude ou para a humana ilusão que um anjo sentirá ao vê-la balançar no circo: a metáfora da contradição, em que todo o discurso fílmico de Asas do desejo é baseado.

Asas do Desejo, de Wim Wenders

Ao cair, o anjo alcança a ausência que tanto almejou. E a falta se inicia pela fome. Diz Wim Wenders que, quando um anjo deixa seu mundo, traz consigo uma armadura. E de que serve para um caído, um objeto de luta celestial? Ao vendê-la, Damiel enfim está imerso no mundo humano, pois ele negociou o último resquício de seu passado atemporal, imaterial. E já se vai longe o tempo em que se dizia: Quando a criança era criança, ela não tinha opinião sobre nada. Não tinha nenhum hábito. Ela se sentava de pernas cruzadas, saía correndo de repente. Tinha um redemoinho no cabelo e não fazia caras quando ia tirar fotografia. Aristeu Araújo é cineasta e crítico de cinema. É, também, coeditor da Revista Moviola (www.revistamoviola.com.br)

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Estrela Solitária Em busca de um passado

por Aristeu Araújo

O cinema de Wim Wenders está marcado pela ideia do retorno e do tempo perdido. É da volta de seus personagens ao local de uma vida pregressa que o diretor alemão extrai as idiossincrasias que tomam conta de grande parte de sua filmografia. Há um problema nisso. Um problema comum àqueles que, como Wim Wenders, têm uma carreira extensa por trás das câmeras e dos roteiros. A obsessão por um tema ou por uma forma de filmar pode acabar esvaziando a obra e seus intuitos. É daí que resulta uma certa má vontade da crítica internacional com os filmes de Wim Wenders pós Asas do Desejo, sem dúvida o mais importante de sua carreira. Em Estrela Solitária, tudo está lá. Os mesmos personagens em situações bizarras, às vezes extravagantes; a volta do pródigo e desaparecido; a permanente tentativa de localizar o bom (o bem) em meio ao caos urbano, moderno, contemporâneo; as valorações a partir das contradições. Mas há algo em Estrela Solitária que reafirma Wim Wenders, que o faz – mesmo na reinterpretação de seu próprio cinema – digno de elogios há um tempo esquecidos. Estrela Solitária é a retomada da retomada de seu projeto permanente de cinema. Mas essa volta – não só do personagem à sua cidade natal, mas também do próprio diretor a outro grande filme seu, Paris, Texas – transborda em uma poesia. É um poema seco, esse de Estrela Solitária. Seco como as rochas que compõem a geografia do oeste americano e dos filmes de gênero, com seus caubóis, cânions e mocinhas indefesas. E é nessa secura ambientada no meio do deserto que se inicia o filme, a história de Howard Spence, um ator decadente, protagonista de antigos faroestes de sucesso. Mas o primeiro plano de Estrela Solitária, na verdade não é do deserto. Da tela preta surgem dois recortes de céu, como olhos. Depois o filme deixará que entendamos que esses recortes são buracos numa rocha. “Olhos” de pedra que veem um pedaço de céu, um pedaço de deserto que parece querer algo do inalcançável. Segue-se a fuga do ator, que desaparece do set de filmagens, deixando para trás uma equipe incapaz de prosseguir com a produção do ironicamente intitulado Fantasma do Oeste. Howard Spence tem um passado turbulento. Sua vida de fama o levou não só aos abismos daquele relevo americano, mas a abismos próprios da espécie humana. Howard viu sua carreira chegar ao estrelato e à decadência. Todo um percurso marcado por drogas, promiscuidade e algumas prisões. À procura de um lugar insondável pela produção de seu filme, ele acaba pedindo refúgio à mãe, que não via há pelo menos 30 anos. É aí que se estreitam os filmes Paris, Texas e Estrela Solitária. Dois ho-

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mens vindos do deserto em busca da família, dois filmes com o mesmo roteirista, Sam Shepard, que nesse último também é o ator que interpreta Howard Spence. Mãe e filho, quase desconhecidos em virtude do tempo e da distância. Mas não é nesse reencontro que Estrela Solitária vai se focar. Sua mãe lhe dá um recado que há 30 anos guardava, sobre uma mulher que a procurou em busca de Howard. O recado, na verdade, o tempo apagou da memória. Mas era sobre uma mulher que teria tido um filho dele e que o procurava para avisá-lo sobre sua paternidade. É aí que o ator vai mais uma vez em procura de seu passado. O passado está numa cidadezinha do interior, onde todos se conhecem e são cumprimentados pelos nomes. A mulher, mãe desse filho recém-descoberto, é uma antiga garçonete, hoje dona do estabelecimento onde Howard a conheceu. O filho é um músico que lembra Nick Cave em sua participação em Asas do Desejo. Estrela Solitária irá, assim, tentar investigar a dor de um homem vazio. Que não entende ao certo suas escolhas em revisitar o passado. O certo é que esse ator quer encontrar um alento que não alcançou nesses 30 anos que o afastaram de suas raízes. Talvez esse alento que procura seja mais forte do que a vontade de conhecer o filho ou reatar laços com a mulher que um dia foi um caso fugidio. Em paralelo, o filme acompanha outros dois personagens que de modo semelhante estão em situações de transição. Um é investigador da companhia de seguros que está responsável por encontrar Howard para que ele retorne às filmagens. A outra é uma garota que está procurando um lugar para depositar as cinzas de sua mãe, morta há pouco tempo. Ela também procura o ator, o que sugere ser um indício de outro fantasma de seu passado. É no encontro de todos eles que as verdades vão se descortinando. Mas as verdades são pouco factuais. Essas verdades estão tão escondidas que para achá-las é preciso romper algumas dores internas, escavar esses abismos que o próprio Howard passou tantos anos imerso. É o caminho para a sabedoria.

Aristeu Araújo é cineasta e crítico de cinema. É, também, coeditor da Revista Moviola (www.revistamoviola.com.br)

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Sabatina com Wim Wenders Na ocasião de uma das visitas do cineasta Wim Wenders ao Brasil, em 22 de agosto de 2008, a Folha de S.Paulo promoveu uma sabatina no auditório do Masp, na capital paulista. A entrevista contou com a presença do cineasta brasileiro Walter Salles, fã confesso de Wenders e diretor de filmes como Terra Estrangeira, Central do Brasil e Linha de Passe; e dos jornalistas Alcino Leite Neto, José Geraldo Couto e Marcos Strecker. Os direitos da transcrição dessa sabatina foram cedidos gentilmente pela Folha de S.Paulo.

Alcino Leite: Nós vamos começar agora mais um evento do ciclo Sabatinas da Folha. Dessa vez com o diretor alemão Wim Wenders, que veio ao Brasil participar do seminário Braskem/Fronteiras do Pensamento. Eu queria especialmente agradecer a Mr. Wenders, antes de mais nada: Obrigado por sua presença, não é todo dia que a gente tem a oportunidade de conversar com um dos principais diretores do cinema contemporâneo. Eu diria que o senhor tem a capacidade de fazer não apenas filmes importantes pro cinema em termos de construção e de linguagem, de grande erudição cinematográfica inclusive, mas também por colocar nesses filmes questões muitos importantes de nossa época, e sobretudo de criar, saber criar com os filmes, uma relação afetiva do espectador com a obra, com o cinema. O senhor ensina através de seus filmes o espectador a amar o cinema. Seu último filme foi (Palermo Shooting)1, e ele agora se prepara para filmar em Tóquio. Ele vai filmar um romance de Ryu Murakami, este escritor japonês que é um best-seller. Para sabatinar Wim Wenders estão aqui os cineastas Walter Salles, o crítico de cinema da Folha, José Geraldo Couto e o jornalista Marcos Strecker, também da Folha. Se a mesa permite, eu vou fazer a primeira pergunta: Mr. Wenders, o senhor já veio quatro vezes ao Brasil. Eu tenho uma curiosidade muito grande de saber o seguinte: o senhor, na minha opinião, é um dos grandes diretores dos espaços cinematográficos, das cidades, do espaço urbano e do espaço natural também no cinema contemporâneo. 1 | Como já informado, essa sabatina foi realizada em 2008. Na verdade, Wim Wenders rodou depois de Palermo Shooting o filme Pina.

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De tudo o que o senhor viu no Brasil em suas viagens, pessoas, lugares, situações, paisagens, houve alguma coisa que o inspirou cinematograficamente? Caso o senhor fosse convidado a fazer um filme no Brasil, a partir da vida e da paisagem brasileira, o que o senhor faria nesse momento, o que o inspiraria? Só pra completar essa pergunta, à primeira vista, como é que o senhor distinguiria a paisagem americana dos Estados Unidos da paisagem brasileira, paisagem no sentido amplo. Wim Wenders: Eu tenho duas horas agora? (risos) Eu gostaria de começar bem do começo. A minha história com o Brasil começou quando eu era bem jovem, quando eu era bem pequeno. Eu não tinha nada a ver com cinema, mas sim com as cidades, pois eu era apaixonado pelo Oscar Niemeyer, completamente impressionado com a sua fantástica ideia de construir uma cidade no meio da selva. Pelo menos foi assim que foi apresentado na Alemanha a sua obra. Então meu quarto tinha todos os desenhos, fotos, toda informação que eu poderia ter sobre Brasília. Para mim o Brasil era um lugar muito louco. Eu não estava tão errado. Quando finalmente eu cheguei aqui, quando eu vi as cidades brasileiras... Eu estive em Brasília. E, se eu fosse filmar amanhã no Brasil, eu não hesitaria, eu filmaria em Brasília, pois ainda é um lugar extraordinário e um exemplo pro mundo. Eu não saberia que história contar, provavelmente eu passaria um tempo em Brasília até eu encontrar um história que a cidade me contasse. Isso é o que eu aprendi ao longo dos anos. Você não consegue ter uma história e levar pra algum lugar. Você tem que ir pra algum lugar, onde você tem alguma afinidade, e daí permitir que o lugar te conte a história. É assim que surgiram a maioria dos meus filmes. Eu tinha vontade do lugar em primeiro lugar, e depois veio a história, ou como se fosse uma sugestão pelo lugar, ou pela paisagem, a cidade. Então, eu iria a Brasília, e eu iria descobrir aquela história que Brasília iria querer que eu contasse. Agora, eu não sei essa história ainda, então eu não poderia dizer, eu teria que escutar, eu teria que ouvir Brasília, eu esperaria que Brasília falasse comigo (com legendas, eu espero). Agora, quanto a diferença entre a paisagem brasileira e a americana, é estranho, a paisagem nunca vem sozinha. A paisagem americana não é mais apenas uma paisagem americana, ela é sempre a paisagem daqueles filmes que eu vi. E os primeiros filmes que eu vi foram americanos, os faroestes americanos. E eu estava imbuído com aquela imagem daquela paisagem americana. Portanto, não existe uma paisagem mais fotogênica que a americana. Eles fazem mais filmes lá do que em qualquer outro lugar. O Brasil, ou melhor, Brasília, é mais como um pano em branco. Eu me sentiria bastante livre em trabalhar aqui. Eu não tenho aquele peso, como diretor, que a gente sente quando vai filmar nos Estados Unidos. Em Paris, Texas, o pior foi superar aqueles peso dos filmes de John Ford, fazer um

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faroeste sem ter que repetir a imagem daquele faroeste americano que eu tinha visto tantas vezes. Portanto, a imagem americana, por um lado, é muito bacana e bastante sexy. E difícil também, pois antes de você saber, você não está sendo original, você está recriando uma imagem. Portanto, eu acho que eu preciso filmar no Brasil, e as primeiras imagens que vem a mente além de Brasília, as primeiras imagens que eu vi conscientemente foi com o Glauber Rocha: Antonio das Mortes, Terra em Transe. Essas imagens não eram como as imagens que você recebia dos Estados Unidos, que se impunham sobre você. Era mais como se fosse um convite, filmes com estruturas abertas lindíssimas. É por isso que eu gostava tanto desses filmes. Não era um sistema tão fechado como o dos americanos. Eu poderia falar duas horas aqui, mas eu acho que vou parar aqui. Walter Salles: É uma honra estar aqui por várias razões, mas a maior delas já estava contida na primeira parte do que o Wim Wenders falou, na introdução dele: que os filmes que nós amamos e que ele fez, são filmes que tem um profunda atração pelo outro, por aqueles que a gente não conhece, que a gente só se completa no outro. Eu acho que foi isso que me levou... Os filmes dele me levaram a fazer cinema, então pra mim, estar sentado aqui é uma coisa que tem um significado pessoal muito grande. A segunda questão é que estamos falando de um cineasta cinéfilo e que tem a generosidade de dividir isso o tempo inteiro, não só escrevendo, como você bem lembrou, mas pensando o cinema. Tem muita gente que só faz cinema, mas tem gente que faz e pensa o cinema. Eu acho que isso também torna Wim Wenders tão diferente dos outros. Quando Jia Zhang Ke (cineasta chinês) esteve aqui na Mostra de São Paulo pouco tempo atrás, num debate, a gente chegou a perguntar quais eram os cineastas que tinham influenciado, quais tinham o levado a fazer o cinema e por que. Ele falou, “olha, Bresson me deu o entendimento do que era o tempo. Antonioni me deu o entendimento do que era o espaço”. Eu queria perguntar pro Wim quais foram os cineastas que o marcaram na época que ele ia na Cinemateca Francesa e via filme atrás de filme e por quê. Wim Wenders: Eu falaria de dois diretores, foram os dois com quem mais aprendi. Eu era um jovem em Paris e eu não tinha nada a ver com filmes. Eu queria me tornar um pintor, um artista plástico. Eu estudava desenho de manhã e as tardes eu estava livre, sozinho, sem conhecer ninguém. Eu morava num quarto frio, gelado. Então eu encontrei o lugar mais barato pra ficar, um lugar quente: era a cinemateca. E se você ia ao banheiro entre os filmes, por um franco você poderia assistir cinco filmes. Eu ia ao banheiro correndo, voltava e assistia outro filme. E ninguém ia aos banheiros pra ver se nós estávamos lá. Nós íamos ao banheiro pra fugir. Sempre

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nos escondíamos nos banheiros e conversávamos sobre os filmes que assistíamos. Então eu vi mais de mil filmes em mais ou menos um ano. Eu vi tudo. E uma coisa que me marcou foi uma retrospectiva sobre um diretor americano que não era dos principais, dos famosos. Era o Anthony Mann. Esses foram os filmes a que – pela primeira vez na minha vida — eu comecei a assistir não apenas seguindo uma história, como um filme em si, mas entendendo a linguagem, como foi feito; e eu realmente fiquei impressionado. Havia uma coisa ali e eu entendi bem. E seus quadros eram como se fossem de pintores alemães. Então eu achei que entendi como os filmes eram feitos. Eu comecei a falar sobre isso. E então eu comecei a escrever. E foi através dos filmes do Anthony Mann. Poderia ter sido outro, por acaso, mas foi ele. Eu acho que foi fantástico, fantástico aprender com ele. Ele era tão clássico. Mais rígido que qualquer outra pessoa. Era sempre a mesma coisa. Sempre aquelas filmagens muito amplas, aqueles travellings. Eu comecei a ver os filmes com um outro olhar e então aquela foi a primeira lição no cinema. Especificamente, se você vir cinco filmes por dia, você começa a notar as coisas. Quando você chega a 2h, 3h da manhã, você não vai se lembrar do primeiro filme que você viu às 2h da tarde. Então, para não esquecer, eu fazia anotações e, por isso, eu aprendi mais. Anotar é uma forma fantástica de você conseguir interiorizar o que viu. E, também como crítico, eu prefiro descrever o que vi. E eu odeio muitos críticos hoje pois simplesmente querem julgar. Eles não entendem, não se compreendem como mensageiros dos filmes, eles acham que o que escrevem é mais importante do que a mensagem do filme. Anthony Mann foi o meu primeiro grande professor. E o segundo eu conheci depois de ter feito quatro filmes. Eu já tinha feito Alice nas Cidades e eu estava em Nova Iorque. Eu estava mostrando Alice nas Cidades, depois uma pessoa me disse: Você vai ter que ir pra esse pequeno cinema, eles estão mostrando esse filme japonês, você tem que ver. E eu não tinha ideia de quem era, quem era o Ozu. Eu nunca tinha ouvido falar do Ozu. E eu fui numa sessão de Tokyo Story. Fiquei apaixonado pelo Yasujiro Ozu. Eu de repente vi uma coisa que foi tão mais profunda, tão mais transparente e transcendente do que qualquer outra coisa que eu tenha feito. Era como se tudo antes tivesse sido um preparo apenas. E este era o paraíso perdido. Todos haviam sido expulsos e eu tive uma ideia do paraíso. E aí eu vi todos os filmes do Ozu. Eu não o devo tanto quanto, por exemplo, devo ao Nicholas Ray, ou ao Sam Fuller, Anthony Mann. Eu já era diretor de cinema. Mas a partir daí em diante eu sabia que tinha que chegar a algum lugar. É como se eu tivesse uma ideia: havia uma coisa espiritual, um nível espiritual que eu nunca tinha nem entendido, nem captado antes. Ozu foi um dos meus grandes mestres.

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O distribuidor do Tokyo Story tornou-se o distribuidor dos meus próprios filmes. É interessante ver isso. Ele foi o distribuidor de quatro filmes do Ozu, o primeiro a mostrá-lo nos Estados Unidos. Marcos Strecker: Eu queria aproveitar o duplo privilégio de ter aqui o Wim Wenders e o Walter Salles pra fazer uma pergunta relacionada a um gênero especifico de cinema que eu acho que os dois são mestres, que são os road movies. O Wim Wenders fez alguns filmes que são clássicos do gênero como Paris, Texas e No Decurso do Tempo. O Walter Salles é diretor de filmes excepcionais como Diários de Motocicleta e Central do Brasil. Todos eles podem ser classificados como road movies. Então eu queria perguntar pro Wim Wenders o que faz dos road movies filmes tão especiais. É um gênero que tem a ver com liberdade? É isso que os faz parecer tão interessantes? Wim Wenders: Tem a ver com liberdade, claro. De certa maneira, de formas diferentes, com a liberdade. Todos nós, que gostamos de viajar, sabemos como é interessante para a mente alguma viagem. Um estado de espírito. Sabemos que a ideia da viagem não é chegar a qualquer lugar, mas é estar no trem, estar fazendo a viagem. Eu era bem jovem quando eu fiz os meus primeiros curtas e quando eu percebi que os filmes poderiam ser feitos também dentro de carros, trens, aviões, navios e ainda você poderia rodar um filme na estrada. Assim que eu fiz isso, a minha primeira viagem e o meu filme, eu percebi que não havia nada melhor, pois combinava aquela coisa maravilhosa de estar vivo, você nunca está mais vivo do que quando você está viajando. Você está curioso, você está em um estado febril quando viaja. As duas coisas são feitas uma pra outra. E também, uma viagem não é sobre chegar a algum lugar, é a experiência de estar na estrada. Talvez você não saiba, na maioria dos filmes, você faz primeiro uma parte no final, depois no meio. Você fica fora da ordem cronológica. Então, muitas vezes, a primeira cena que um ator tem que fazer é uma cena de amor com aquela moça e depois, três semana depois, ele vai rodar o filme que ele vai encontrá-la pela primeira vez. Nos road movies, quase que por definição, você segue a estrada, uma viagem cronológica. Isso é um privilégio. O gênero, quase que por um condição, implica, faz com que você siga a ordem da viagem. O itinerário é teu programa de filmagem. Eu senti que havia muita liberdade. Na maioria dos filmes você não consegue viver a história, pois o cronograma do filme não permite: vai pra frente, pra trás, depois tudo fica muito confuso. Os atores não sabem mais quem são, o que estão fazendo. Pelo menos nos grandes filmes.

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Walter Salles: Um aspecto também interessante do filme de estrada é que, a medida que você se desloca, você entende o ponto de partida. Você entende melhor de onde é que você vem. Então essa questão ligada à busca da identidade se resolve no deslocamento e também porque você está em contato direto com o desconhecido. Tanto uma geografia física quanto uma geografia humana, você não pode prever o que você vai encontrar no caminho. Isso implica um certo processo de desestabilização e uma transformação. É preciso dizer que quando você faz um filme de estrada, é mais interessante o que está fora da estrada do que o que está no próprio veio da estrada. Mas talvez hoje exista uma característica no filme de estrada – e essa é a pergunta ao Wim Wenders que não tinha no passado –, no sentido que o filme de estrada te põe em contato com o outro, com aquilo que você não espera. E hoje a gente vive uma cultura do medo do outro, a gente sempre acha que o que está além fronteira é perigoso. Então, estranhamente, acho que o filme de estrada adquiriu uma contemporaneidade nisso. Ele se choca contra essa ideia de que o outro é uma coisa perigosa, de que há algo ali a temer. O filme de estrada diz “aquele cara ali não é pra ser temido”. Então eu queria saber se você concorda com isso, o filme de estrada adquiriu um contorno político que talvez não tivesse no início? Antes era um gênero que falava da crise existencial dos personagens. Isso hoje muda de figura um pouquinho? Wim Wenders: Sim. Você está inclinado a ser, estar mais aberto. Não é apenas a cidade, a paisagem, mas também as pessoas que você não conhece. Existe uma tradição alemã sobre viagens, uma tradição muito romântica. Eu não sei a palavra inglesa pra ela. Bildungsroman (romance de formação). O road movie é a continuação desse gênero, traduzido pro século XX, uma forma típica do século XX. Então, para um alemão romântico como eu, seria óbvio que eventualmente eu ia encontrar esse gênero e perceber o seu potencial para conseguir viver essa alma alemã romântica. Os alemães sempre foram grandes viajantes. Se você for pro deserto australiano, todas as montanhas tem nomes alemães, foram os primeiros a chegar lá. Não, na verdade não, foram os aborígenes. Eles estavam lá medindo as montanhas e os alemães são muito precisos. Então o filme é sempre um gesto. Todo filme, toda cena que você roda, toda imagem é um gesto em direção ao mundo, a alguém. Pra você chegar lá, estender as mãos e se comunicar. E às vezes as pessoas me contam ideias fantásticas do interativo, mas às vezes eu acho que não existe nada mais interativo do que o cinema. Você faz um coisa, nós dois criamos uma coisa e depois ela existe, pois essas pessoas aqui na plateia assistem. Então tudo o que fazemos é um gesto, um convite pra adentrar à esfera do autor. Então eu acho que num mundo ideal os filme seriam

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pacíficos, aqueles que buscam a paz. Agora no século XX os filmes descobriram a violência, a guerra e perceberam que isso era mais sexy. As pessoas se interessaram por isso. Então eles não queriam mais a paz, agora era outra coisa. José Geraldo Couto: Você falou das estruturas abertas dos filmes de Glauber Rocha. Eu lembrei de uma coisa, você nasceu em Dusseldorf, que por acaso é o cenário de um dos filmes mais importante do Fritz Lang, que é uma figura um pouco paterna no cinema alemão, uma figura que paira sobre todos os cineastas alemães. Só que no seu caso, acredito que você seja uma figura um tanto anti-Fritz Lang, explico por que. No cinema de Fritz Lang, os filmes são como mecanismos implacáveis, onde cada plano carrega o peso da necessidade, da inexorabilidade. No seu cinema, ao contrário, dão a impressão de um certo espaço para o acaso, para a aleatoriedade, até para o improviso. Quer dizer, eu sei que muitas vezes essa impressão, esse tipo de sensação que nós temos como espectadores, é ilusória, muitas vezes há muito de planejamento por trás daquilo que parece improvisado, do que parece casual. A minha pergunta é justamente sobre isso. Nos seus filmes, quanto há de preparação, de organização prévia? E quanto há de espaço para essa influência do ambiente onde o filme se passa, da equipe que trabalha no filme, dos atores, quer dizer, quanto há de abertura, de intervenção nos seus filmes, no momento da filmagem? Esse fluxo de outras influências, além daquilo que foi planejado pelo roteiro, por você, e eventualmente pelo storyboard. É mais ou menos essa ideia que eu gostaria que você nos explicasse. Wim Wenders: Em primeiro lugar, eu teria que contradizer rapidamente sobre o Fritz Lang. A minha geração e diretores como Fassbinder, Herzog, outros diretores mais jovens do que nós, nós não tivemos um pai. O nosso cinema é sem aquela imagem do pai. Se nós tivéssemos tido pais, os filmes teriam sido rejeitados por nós. Os nazistas estavam filmando há 15 anos e estes não eram pais que poderíamos aceitar. Então por nós, nós éramos órfãos de pai. Então Herzog, Fassbinder e eu inventamos nossos pais, nossos pais alemães. Eu fui descobrir muito depois o cinema do Fritz Lang, na cinemateca em Paris, em Berkeley, e não na Alemanha. Ele foi mais como se fosse um avô perdido pra mim, muito mais que um pai. Um avô de que depois eu comecei a gostar muito. Eu adoro os filmes americanos dele, muito mais do que os filmes alemães. Talvez seja parte do problema do pai, né? Eu dediquei um filme a ele (No Decurso do Tempo), você vê imagens dele no filme, fotos dele. Eu falei rapidamente pro Walter sobre conseguir rodar um filme em ordem

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cronológica. Os road movies são também a única forma de filmar sem um roteiro fixo. A grande parte dos meus filmes foram feitos ou sem o roteiro ou com o roteiro bastante solto, bastante leve. Aqueles filmes de que eu mais gosto são aqueles que não eram muito cerebrais, nem pré-planejado, simplesmente aconteceram espontaneamente. Asas do Desejo foi feito sem um roteiro, seguindo aquelas decisões do dia a dia, trabalhando com improvisação, conseguindo inspiração do local e dos atores também, é claro. E eu prefiro isso. Eu prefiro que a realidade entre nos filmes o máximo possível. Sempre sinto que essas coisas que acontecem sem o planejamento são tão mais preciosas que qualquer outra coisa que você possa inventar. Portanto, o presente que você recebe dos atores, do clima do lugar que você filma é tão mais impressionante que qualquer outra coisa que eu poderia conceber. Existe uma outra escola de diretores que pensa o oposto. Eles acham que tem que controlar tudo. Eu acho que é melhor quando não controlo. Por isso eu gosto de rodar os documentários. Eu venho fazendo há muitos anos, acho que é uma cura pra alma e pra mente. Você está sozinho, sem planos, você está numa rua, você está com o cameraman, você está com a pessoa do som, sem caminhões. Não é uma operação militar, como tantos filmes, é uma operação pacífica. Você está na rua conhecendo as pessoas e você tem que descobrir a história delas. Então sempre espero nos meus filmes de ficção que esta realidade, meio que entre, e ela entra. É uma ideia errada você separar documentários de um lado e ficção do outro, sempre é uma mistura. Quando eu achava que eu estava rodando um documentário de verdade, quando eu fui a Havana e fizemos Buena Vista Social Club, sem saber, aí continuamos, semanas depois, a rodar em Amsterdam, e aí depois, sem saber, fomos pra Nova Iorque, rodando. E à medida que estávamos rodando nas ruas de Nova Iorque, com aqueles cantores, como se fossem crianças, pois era como se fosse a primeira vez que estavam lá, com 80 anos naqueles lugares, eu percebi que não estava rodando um documentário, o que estávamos fazendo até então era seguindo um conto de fadas. O mais impressionante é que isso de fato aconteceu. Não era um documentário. As pessoas gostaram tanto porque eles se tornaram testemunhas de uma história impressionante, maravilhosa. E nós estávamos lá naquele momento, naquele momento certo. O limiar entre ficção e documentário é tão transparente, é tão fascinante e interessante. Eu quero que venha o máximo de realidade nos meus filmes, o máximo possível. E você, Walter? Walter Salles: Eu estava lembrando que o Godard – que tem uma boa frase pra tudo, como você sabe –, dizia que todo bom filme de ficção deriva da direção de um filme documentário e todo bom documentário bifurca na direção da ficção. Eu estou completamente de acordo com isso. E eu me lembrei também que em Alice nas Cidades, que é o primeiro filme seu que eu vi, que me encantou completamente, é um filme que se eu não

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me engano você escrevia à noite as sequências que você ia filmar no dia seguinte. Eu me pergunto se isso ainda é possível hoje, dentro de toda complicação de financiamento de filmes que mudou muito desde os anos 70 pra hoje. A gente tem ainda a liberdade de fazer isso? Você acha que um certo engessamento do cinema não permite mais esse ato tão sem limites? Wim Wenders: Todo jovem diretor quer rodar um filme sem um roteiro. Talvez ele possa rodar isso sozinho, em DVD, mas ele nunca vai conseguir dinheiro pra isso. E até para um diretor como eu, que já provou que consigo filmar sem roteiro, não é mais possível. Eu escrevo roteiros falsos para conseguir o dinheiro. Quando fiz Paris, Texas, eu escrevi todo o roteiro, sabíamos que bem no meio, estava comprido, mas não queríamos continuar com isso. Mas escrevemos um segundo final ridículo e hilário, e nada foi rodado. Mas fizemos isso para ter um roteiro, como tal, completo. Eu tive que entregar um roteiro para poder rodar o filme, mas aí você esquece ele. Daí toda noite você reescreve as cenas. Você ainda pode fazer isso. Você vai ter que roubar um pouquinho, dessa maneira. Esse é o jeito. Alcino Leite: A história do cinema é dominada por esta entidade mítica e muito poderosa que é Hollywood. Vários diretores alemães, ou de língua alemã, foram bastante bem-sucedidos em Hollywood. O próprio Fritz Lang, Robert Siodmak, Billy Wilder, Lubstich. Wim Wenders: Petersen. Wolfgang Petersen, ultimamente. Emmerich. Alcino Leite: Eu gostaria que você me falasse um pouco da sua experiência com Hollywood e o que é Hollywood hoje? Existe isso ainda? Wim Wenders: Claro, existe. Eu vi duas semanas atrás. Tem aquela montanha lá atrás, não tem como não ver. Então todos os diretores sabem aonde ir. Aquelas almas perdidas, da Europa, da América do Sul, Ásia, que chegam lá e acham que vão fazer filmes americanos. Eu fiz isso mesmo. Eu fui ingênuo assim quando eu fiz O Amigo Americano. Convidaramme para rodar em Hollywood, eu disse “ótimo, que bom, eu vou rodar um filme americano”, e como eu sempre tentei sair da Alemanha, sempre queria sair da minha pátria, eu estava pronto para me tornar um diretor americano. Aquela experiência, em primeiro lugar, me fez perceber que não estava dentro de mim fazer um filme americano e, em segundo lugar, eu nunca iria me tornar um diretor americano. Eu não tinha isso dentro de

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mim. E, terceiro, eu aprendi a aceitar que eu era alemão no meu coração e um diretor europeu. Hollywood me deu três grandes lições então. E eu estou muito grato por essas lições, foi muito importante, pra mim, estar lá. Sou grato até hoje ao Coppola por ter me convidado. Foi uma experiência difícil, mas permanecemos amigos, apesar de tudo. E como eu sou alemão, eu me recusei a sair do trabalho, eu queria terminar, não importa o quê. E ele também teve a graça de não me demitir. Então brigamos, mas permanecemos amigos, de uma forma bastante estranha. Impressioname muito, eu fico maravilhado com isso, pois foi um filme que levou quatro anos, escrevemos quarenta roteiros com quatro diretores/roteiristas diferentes. O filme não tem nada a ver com o filme que fui fazer lá, foi uma lição dura. Você, não necessariamente, é permitido a fazer o seu melhor. E isso assusta muito. Mas outras pessoas se encaixam perfeitamente nisso. Muitos diretores foram pra lá e fizeram o seu melhor trabalho dentro desse tipo de sistema. Eu não quero arrasar com isso, mas eu percebi que isso não era para mim. Desde então eu comecei a produzir todos os filmes sozinho. Mesmo Paris, Texas ou Estrela Solitária. Eu fui meu próprio produtor. Trabalhar em Hollywood é uma profissão diferente. Eles querem que você entregue aquilo que eles esperam. Eles esperam um certo produto que foi elaborado, extremamente elaborado, e aí eles querem que você faça aquele produto e quando você é um diretor mais interessado no processo e você acha que pode melhorar o produto dentro do processo, você é um homem errado. Você não tem que melhorar, você tem que fazer aquilo que foi elaborado, que foi planejado antes. É um alerta, é verdade! (Fala para Walter Salles) Você não é tão ingênuo quanto eu fui na época. Marcos Strecker: Nos anos 80, quando existia preconceito sobre o vídeo, você fez alguns trabalhos em vídeo. Você filmou em super8, cinemascope (em Até o Fim do Mundo), e você foi um dos primeiros a trabalhar com cinema digital também. Hoje você é professor de cinema digital na Escola de Artes de Hamburgo. Eu queria perguntar: o cinema digital, que é uma revolução que tá acontecendo hoje, ele pode ser melhor que o cinema que era feito antes? Os seus alunos, quando usam celulares pra fazer cinema, o que isso te diz? Você acha que existe uma nova arte nascendo aí ou o importante é saber trabalhar com o contraste entre a nova tecnologia e tudo que os grandes mestres criaram no passado? Wim Wenders: As primeiras coisas que o cinema produziu foram extraordinárias, foi uma das melhores coisas que foram feitas no século XX. Mas o mundo de hoje não pode, necessariamente, ser tratado com essa tecnologia, com essa gramática e com esse vocabulário. As histórias que precisam ser contadas hoje lidam com pessoas que tem todo um contexto social. Um contexto completamente diferente do que pode ser imaginado

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pelas pessoas no começo do século XX. Quer dizer, a tecnologia, todos nós com aquelas pequenas cameretas (na vida cotidiana nós fazemos tudo digitalmente). Você precisa saber alguma coisa você vai no Google, você não busca no dicionário alguma outra coisa. Você vai no Google. Nossas vidas mudaram tanto. Eu sinto que a tecnologia da película, assim como foi desenvolvida no final do século XIX até o final do século XX, não consegue mais captar a essência da nossa vida contemporânea. Claro, existem história que você pode contar perfeitamente em película. Mas existem outras histórias que eu acho que uma câmera analógica está fora do lugar, não vai conseguir acertar. Uma câmera digital vai conseguir a verdade de uma cena de uma forma muito melhor do que um equipamento cinematográfico. Pois ele é um pouco rígido, um pouco mais lento, um processo diferente. Atores, cameraman, diretor, a história, o lugar, todo um maquinário diferente. E às vezes, essas pequenas máquinas que eu vejo na sala, captam algo que é contemporâneo. Então eu peço ao meus alunos para trabalhar com esses meios, pois grande parte dessa tecnologia ainda não foi definida. Às vezes acho que nós temos apenas um pequena ideia do que pode ser feito com essa câmeras pequenininhas. Toda a gama da nossa expressão é incrivelmente multiplicada com essa tecnologia. Um diretor, hoje, tem o luxo fantástico de conseguir ver a história, o mundo, e encontrar uma forma adequada de traduzir suas emoções, suas sensações, suas atitudes em relação àquilo que ele estava tentando contar. Ele consegue traduzir isso com celular, com uma câmera de alta definição, com DVD, com super8, 16mm, 35mm se conseguir pagar por ela. E, nessa gama toda, nesse leque, você tem que encontrar a proporção certa. O dinheiro que você tem, as ferramentas que você vai usar, e o mundo que você está enfrentando. É um grande momento na história do cinema. Temos todas essas opções, e nos próximos 10 anos, nós não vamos mais ter essas opções. Ninguém em 10 anos vai conseguir ter isso. Eu ainda tiro fotografias dos filmes e já é difícil conseguir revelar os filmes, todos já usam a tecnologia digital. Daqui 10 anos ninguém vai conseguir revelar mais nada. Então eu fico entusiasmado com essas possibilidades que estão se abrindo pra nós hoje. Também sempre mostro aos meus alunos alguns filmes antigos. Porque eu acho que é relevante àquilo que eles querem fazer. Uma pessoa de 50 anos atrás que tinha uma emoção semelhante, uma história semelhante a contar. Eu mostrei uma vez toda uma série de filmes do Theo Angelopoulos, diretor grego, aí eu achei que eles iriam embora, era tão chato, era tão lento. E aí eles descobriram a lentidão, eles nem sabiam o que era a lentidão, e de repente eles queriam rodar aquelas cenas grandes, sem cortes. E eles descobriram o luxo fantástico de deixar as coisas acontecerem. Todas essas coisas realmente nos empolgam muito. Mas eu acho um momento privilegiado da história do cinema. Eu gostaria de ser um jovem diretor hoje e simplesmente começar a descobrir o que

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pode ser feito com esses filmes. Está nas mãos dessa geração inventar e definir isso. Todos pensam o digital como sendo uma forma de manipular coisas imediatamente, pois, por causa dos efeitos digitais, baseado no conhecimento, na tecnologia digital, as pessoas pensam que o digital é roubar um pouquinho, ampliar tudo. Mas aí existe toda uma nova era de documentário que foi iniciada, por causa dessa tecnologia, todos esse grandes documentários nos último 10 anos: 95% foram feitos em digital. Então também é uma ferramenta, uma ferramenta direta, que você não precisa manipular nada, você também pode usar isso como uma voz verdadeira. José Geraldo Couto: Nós estamos falando de novas tecnologias, de cinema digital. Você falou bastante sobre a captação nesses novos meios, mas eu me preocupo um pouco com a recepção dos filmes nesse novo contexto. Existem muitos cineastas e pensadores do cinema que acham que as salas de cinema estão condenadas, têm os dias contados. E que o futuro é a recepção de filmes em outros meios, na internet, em monitores pequenos, até em celulares. Eu gostaria de saber se você não acha que se perdendo esse tipo de exibição e ritual coletivo da sala escura, da exibição em uma tela grande, em que o espectador é de certa forma absorvido pelo filme, se o fim disso não amputa o cinema, de uma de suas dimensões mais interessantes e mais profundas, ou se isso tá sendo uma visão romântica minha, de pessoas que se apegam a isso como um ritual que está fadado a desaparecer. Quer dizer, queria que você estendesse um pouco essa reflexão sobre a tecnologia digital também para a exibição, para a recepção e absorção dos filmes. Wim Wenders: Eu acho que você ainda consegue ver um filme numa tela gigante e se perguntar como é que está tão fabuloso sem arranhões, sem riscos, uma imagem perfeita. E você tem essa primeira impressão do filme, e você percebe que é uma projeção eletrônica e você ainda está sentando naquela sala enorme com mil pessoas, mas só que não é mais película. Então acho que essa experiência não está necessariamente perdida. Acho que se mais salas de cinema forem equipadas, de repente permitiria muitas pessoas de até redescobrir a história do cinema através dessa projeção eletrônica. Pois os filmes, as cópias, se deterioram, ficam velhas. No meio eletrônico você pode mostrar um filme, o mesmo filme, com qualquer legenda que você quiser, ele permitiria, em teoria, a sala de cinema ser uma cinemateca. Não vai se perder. É precioso demais. Não é apenas a nossa geração que gosta dessa experiência, os jovens também gostam. Eles querem ver um contexto diferente do que nós, mas a expe-

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riência em si, o cinema, a sala de cinema é fantástico, não é nada igual, não existe nada igual ainda. Trinta anos atrás, todos eram pessimistas porque surgiram os vídeos, e achávamos que era a morte do cinema e até eu fiz um documentário sobre isso. Mas em tese, nós estávamos inteiramente errados, o cinema tem mais vida hoje do que qualquer coisa antes. Também vai sobreviver à revolução digital e vai ter mais variedade. Já nos permitiu acrescentar aquela experiência mítica. E eu gosto muito disso. Eu gosto de ter todos esses filmes, eu gosto de tratá-los como filme. Todos os filmes que eu gosto, quase todos eles eu tenho em DVD, e eu posso vê-los, eu posso ir aos capítulos, eu consigo ver cenas, eu consigo ouvir a voz do diretor. Eu posso tratar esses filmes de uma forma diferente. Eles são muito mais meus hoje que antes. Eu gosto da ideia de o filme se tornar o mesmo tipo de objeto como se fosse um livro. Eu gosto de livros, eu gosto dessa cultura do DVD por causa disso. Você tem um segundo acesso e diferente aos filmes. E se eu vejo um filme de que eu gosto no cinema, eu ainda vou comprar o DVD. Toda vez que eu quiser eu posso ver aquela cena, descobrir o que o diretor tinha a dizer sobre isso. Toda uma esfera, um mundo diferente dessa experiência. Isso não significa que aquela coisa que nós preferimos, onde nós crescemos, onde havia a sala do cinema, isso não vai mudar, não vai morrer. É tão necessário, todas as outras instituições estão fracassando tanto. As instituições político-sociais, as igrejas, o cinema. A sala de cinema estranhamente, pelo menos, em muitas partes do mundo, tornou-se uma ferramenta obsoleta. Então eles são necessários. O filmes vão continuar a existir. E muito maior do que achamos hoje. Pois isso não significa que a essência do filme vai desaparecer, ele vai sobreviver e vai ser até muito melhor do que antes. Walter Salles: Eu acho que a gente tá vendo no Brasil (o Wim não acompanha isso pois ele não tem obrigação de ler os jornais brasileiros) um certo catastrofismo nesse sentido. “O cinema tá morrendo, os filmes tão dando pouco bilheteria, o cinema de autor tá morrendo”. Se isso fosse verdade, o filme do Alain Resnais, que está aqui em São Paulo há um ano, não teria ficado tanto tempo em cartaz. Eu acho que esses são os melhores exemplos que nos lembram que o cinema é essencialmente uma experiência coletiva. Você olha um filme e divide aquela experiência com dezenas, centenas de pessoas, é muito diferente de você ver aquilo numa tela sozinho. E eu acho que essa relação é atávica, não vem só no século do cinema, eu acho que ela se liga lá atrás, quando éramos nômades. O contador de histórias juntava um grupo de pessoas, contava ali e aquilo ali fazia sentido porque tinha um grupo ouvindo. Depois a gente ia falar daquilo. Então, não é só ver algo, mas é poder trocar com outras pessoas a reação em relação àquilo que a gente tá vendo. Eu concordo inteiramen-

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te com Wim Wenders. Se há permanência, e haverá permanência, é por causa disso. Porque o cinema é um lugar público, onde você pode dividir com os outros uma experiência que você não pode ter em casa. É que nem sexo, é melhor não fazer sozinho. Pergunta da plateia: Como o senhor vê o futuro do cinema europeu diante do domínio dos estúdios americanos? O senhor acha que a globalização tende a favorecer o cinema europeu ou esse cinema continuará fazendo parte de um grupo seleto de fãs, ou seja, será destinado só a um grupo seleto de fãs? Wim Wenders: O cinema europeu é uma nova noção. Claro que sempre existiu, há 100 anos, mas não era uma noção política. Nem era essa noção que os diretores ou o público tinha em mente. As pessoas na Europa iam ver o cinema nacional, francês, alemão, espanhol. Aquele filme viajava, mas não era “europeu”. Somente nos últimos 20 anos é que os realizadores começaram a usar o termo, pois percebemos que era necessário, nós precisávamos disso. Todos os nossos cinemas nacionais iriam ser eliminados, apagados e perdidos. Precisávamos desse guarda-chuva para proteger esses filmes nacionais e começar uma solidariedade europeia dessas espécies em extinção e em perigo. E o cinema europeu é isso hoje. Ainda tem que crescer na mente do público, dos distribuidores. Existe na mente dos diretores, pois sabemos que é nossa única chance de continuar a trabalhar com o nosso idioma. Eu não tenho certeza sobre o quão imbuído está essa ideia nas mentes dos públicos sul-americanos. Por exemplo, para o cinema brasileiro, argentino sobreviver, você precisa desse tipo de guarda-chuva, o “cinema sul-americano”. Isso existe? Essa ideia, essa noção? Se não existe, está na hora, vocês vão precisar disso para proteger todo esse cinema regional. Esses cinemas regionais, no futuro, terão uma função bem diferente do que tinham no passado. Na idade global onde tudo se torna igual, o nosso futuro, e o futuro de muitos países e nações vai depender de como as pessoas se sentirão em casa, se identificarão com aquele lugar, terão sentido com a sua cultura. Só os cinemas regionais/nacionais poderão apoiar isso, dar suporte a isso. E eu acho que no futuro, a riqueza de um país não vai ser a riqueza industrial, mas a riqueza da identidade própria. Eu acho que o cinema vai ter uma grande influência no futuro. Com relação à sobrevida dos idiomas e das culturas nacionais e regionais. Vai ser uma força motriz preservar os idiomas e as culturas. Eu estive recentemente num pequeno país, um mês atrás, chamado Armênia. Antigamente era um grande império, hoje é um país pequenininho, com 3 milhões de pessoas. Presos, com inimigos por todos os lados, a

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fronteira turca não é transparente, os turcos nunca reconheceram o genocídio dos armênios e eles ainda estão em guerra com o outro lado. Eles sobreviveram a tudo. A cultura é forte, eles tem seu próprio idioma, eles tem um sentido forte de quem são. Eu acho que é essa a sensação, essa ideia de quem nós somos. Pergunta da plateia: Tenho 14 anos e gosto muito de cinema. Gostaria de fazer cinema. Se o senhor pudesse me dar pelo menos uma dica de como realizar esse sonho, qual seria essa dica? Wim Wenders: Você tem um computador, não tem? Você tem a sua câmera digital? Você sabe como cortar? É fácil. E eu acho que o mais legal é começar com pequenas coisas. Mesmo se for um pequeno diário ou uma história, alguma coisa que você conhece, que você sabe. De repente você pode usar um amigo como elenco e daí você pode impressionar até a namorada. Mas é assim que você começa. E daí, um dia, o mundo inteiro vai querer ver você e o seus filmes. Pergunta da plateia: Aproveitando que o senhor falou de computador, o que você acha da possibilidade de compartilhamento gratuito de filmes pela internet? Wim Wenders: É bom e é ruim. É bom porque muitas pessoas conseguem alcançar um público que não iriam conseguir de nenhuma outra maneira. Se eu fosse lituano, e existem muitos lituanos no mundo inteiro, eu rodaria o filme em lituano e colocaria na internet, não ia conseguir nenhuma distribuição dele. Portanto eu acho que a internet é uma chance de alcançar as pessoas que você quer que vejam seu filme. Por outro lado, os filmes que são financiados, feitos com a esperança de pelo menos conseguir o retorno do dinheiro, usam/perdem grande parte dessa renda através do filme pirata. Se você pensar na indústria da música, pode causar o mesmo tipo de desastre na indústria do cinema. Então, você tem esses dois lados da moeda, as vezes é muito bom oferecer alguma coisa grátis, eu não sei se você conhece a ideia do copyleft. No copyright, você protege a sua propriedade, seja filme, livro, o copyleft é você colocar uma coisa no mundo e dizer “faça o que você quiser com ele, é seu”. Eu acho que o copyleft é uma ideia revolucionária para a cultura não ser tão dependente dos canais que temos hoje, dos distribuidores. Agora nós temos que aprender como conviver com isso. Quando o Radiohead lançou In Rainbows, eles sabiam que ia ser pirateado. Então eles colocaram gratuitamente na internet “podem fazer o

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“download”, tem que pagar, mas pedimos pra pagar o que vocês quiserem, o que você acha que vale. Daí, o Radiohead ganhou mais do que qualquer outra maneira de comercializar o álbum. Então existem maneiras diferentes, não somente a via alternativa. Então é grátis, não somente é grátis, existe possibilidades de repensar tudo isso, repensar a sua relação com as pessoas que você quer alcançar. Eu não sei se vai dar certo no Brasil, né? Na Inglaterra funcionou. Pergunta da plateia: Sou atriz e gostaria de saber qual sua relação com os atores. E qual foi a situação mais inusitada que o senhor experimentou com atores durante a filmagens? Wim Wenders: Mais inusitada? Acho que eu não vou revelar isso. Não existe nada como atores. No sentido plural da palavra. Eu nunca vi dois atores com a mesma abordagem, com o mesmo gesto, com o mesmo agir. Todo ator tem a sua biografia, tem um personagem, tem uma forma diferente de crescer, ator ou atriz. E como diretor, você tem que encontrar uma forma diferente com cada uma das pessoas, não há uma escola. O ator americano faz você acreditar, às vezes, que existe uma certa abordagem que você pode aprender. Eu não posso dizer que eu tenho uma certa abordagem com o ator. Com cada ator que eu conheço, nós juntos redefinimos a relação. Eu tenho que deixar claro para o ator que eu não quero que ele seja brilhante, seja tão brilhante em se mascarar em si, em criar um personagem. Eu não quero, eu não preciso dos atores mais brilhantes do mundo para desempenhar um papel. Eu preciso que os atores sejam verdadeiras com o personagem. Quero que se revele e invista em si mesmo. É isso o que eu quero. Às vezes essa é a parte mais difícil, com os atores que tem essa tendência de querer desaparecer. Muitos atores vêm e eles desaparecem, apenas técnica, aquela coisa fabulosa, aquela manifestação cerebral de uma parte. Agora, quando você tenta descobrir quem é como pessoa, eles ficam nervosos, eles não querem que você saiba quem são. Eu gosto daqueles atores que querem mostrar quem são. Eu tento só usar esses atores. Eu tento evitar aqueles que colocam uma máscara e tentam desaparecer. Walter Salles: Bom, eu tava me lembrando de dois diretores que têm relação completamente diferente com os atores, no trato com os atores. Um deles era Kieslowski, que acreditava na autenticidade da primeira tomada. Ele nunca repetia um plano duas vezes, o ator sabia disso. Então algo de verdadeiro e espontâneo tinha que surgir na primeira tomada. E uma série de filmes extraordinários como o Decálogo, por exemplo, é o resultado dessa forma de trabalhar, que é uma resposta a condições de

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filmagem com muito poucos meios (no caso da Polônia, naquela época) e o Kieslowski tinha que fazer uma série de 10 horas e sabia que tinha muito pouco filme, e fez pra mim um dos trabalhos mais extraordinários dos anos 80. E no outro lado desse território você tinha o Kubrick, que acreditava na teoria da exaustão, que o ator só deixava de atuar, se tornar verdadeiramente interessante, depois do take 120. No O Iluminado você tem aquele cena que o Jack Nicholson entra e quebra o banheiro. Essa se eu não me engano, é a tomada 123, que é um aproach totalmente diferente. Você tem diretores contemporâneos que trabalham nessas duas escolas, um deles é o Kechiche, diretor francês. Não sei quem viu O Segredo do Grão, mas é talvez um dos trabalhos mais extraordinários dos últimos tempos em relação à atuação. E ele terminou o filme com mais de 12 horas de material para fazer 2 horas de filme. E nisso a tecnologia digital ajuda muitíssimo. Teve uma cena de jantar que foi filmada durante 15 dias, era filmada e refilmada, até que aquela família virou verdadeiramente uma família. O Kieslowski ensaiava, ensaiava, ensaiava, como se fosse uma peça de teatro. Até o momento em que a ligação entre os personagens estava tão sólida que ele podia resolver tudo no primeiro take. Então, você tem aí escolas totalmente diferentes e tão impressionantes quanto. O pai do cinema independente americano, que é Cassavetes, também era alguém que filmava muito. Faces tinha 600 horas de material, e a primeira montagem tinha 12 horas e daí ele foi descendo, descendo até chegar na montagem final de 2h40min. Eu concordo, não tem um caminho pra se chegar a Roma, nesse caso. Pergunta da plateia: Em Asas do Desejo, um dos anjos afirma que a Alemanha está divida em pequenos estados, e que seria necessário uma chave pra entrar nesses estados, essas pessoas. E que ninguém ainda tinha encontrado essa chave. Transpondo pros dias de hoje essa questão, o senhor acha que ainda existe uma ameaça de nacionalismo extremado na Alemanha? Alcino Leite Neto: Eu acrescento aí, o que o senhor pensa das políticas antimigratórias que estão sendo aplicadas na Europa, sobretudo na Itália e na França? Wim Wenders: Essa é uma pergunta bem complicada. Aquela pequena cena em Asas do Desejo, é uma ideia que o anjo começa a escutar. Aquele taxista acha que todo homem é uma ilha, com suas próprias fronteiras em torno dele. É aquela ideia de Berlim em meados dos anos 80, quando Berlim era uma ilha, isolada. Então essa ideia é muito alemã, estranhamente. Os alemães não estão tão prontos para se comunicar e abrir para

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uma outra pessoa, como fazem os brasileiros. Na Europa, existe uma onda de xenofobia, sim, que está crescendo. E a globalização criou novas regras, novas forças trabalhistas, que estão migrando pela Europa no momento. Na Alemanha, na década de 60, nós tivemos exércitos de trabalhadores de outro países: Itália, Grécia, Turquia, Portugal. Eventualmente houve uma saturação, e os alemães acharam: “essas pessoas vão voltar”, mas claro que não voltaram, permaneceram, e a maior população turca fora da Turquia mora em Berlim, por exemplo. A ideia de trazer trabalho mais barato teve resultado bem diferente do que as pessoas poderiam ter imaginado na época. Agora você vai pra Irlanda, e a faxineira do hotel não fala inglês, ela é da Polônia. Existe toda uma força de trabalho de poloneses na Irlanda. E se eu entro num táxi em Berlim, eu provavelmente vou encontrar um africano como motorista. Há dois anos, todos os motoristas eram russos. Há esse deslocamento, e às vezes as pessoas não entendem bem como acontecem esses deslocamentos. Mas levam cada vez mais a existir xenofobia, pois existe desemprego, que é grande. E quando existem muitas pessoas estrangeiras trabalhando, pois trabalham por um preço muito mais baixo, as pessoas que são daquele país e que não tem aquele emprego, vão ficar P da vida. Infelizmente, muitos países europeus começam a tornar-se rígidos e hostis a isso. E criaram-se novos problemas, toda aquela migração da África indo pra Europa é um problema gigantesco para Espanha e Itália nesse momento. Claro que se poderia falar sobre isso horas e horas. O maior motivo disso tudo é aquela lacuna que cresce cada vez mais entre aqueles que estão empregados, tem uma propriedade, podem até ter dinheiro, e aqueles que não tem nada. E esta lacuna fica cada vez maior. Não apenas na Europa, aqui no Brasil também. E isso, no futuro, vai criar mais crise, mais problemas, mais violências, vai fazer com que o planeta queira criar outras soluções. E a solução não é fechar as fronteiras, a solução é abordar a fonte, que é a pobreza. Agora, não há suficiente número de políticos que queiram reconhecer que esta é a solução. Certificar-se que os ricos não continuam ficando mais ricos. Em 2000, todos os países da ONU assinaram as metas do milênio. A prioridade é que até o ano 2015 a pobreza será cortada pela metade. Este talvez seja o programa mais orgulhoso que a humanidade assinou. O triste é que nós chegamos a metade desse tempo, e nenhum dos países que assinaram contribuiu, nem que remotamente, com aquilo que eles se obrigaram a fazer nos anos 2000. O comércio nos países pobres é bem mais complicado hoje. A África tem 1% do comércio mundial. Se a África pudesse comercializar mais, se fosse permitido apenas 2% do comércio do mundo, se eles pudessem ter isso, os africanos iriam cuidar de todos seus problemas, mas o comércio diminui cada vez mais, pois as nações ricas querem enviar dinheiro como doações, se houver uma crise, um terremoto ou AIDS. Eles resolveram problemas aqui, acolá, mas eles não querem fazer o necessário, ou seja, melhorar o comércio para esses países pobres. Eles não querem fazer o

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óbvio. Essa apenas é uma das soluções das grandes crises a que eles estão assistindo nos últimos 10 anos, quer dizer, se a redução da pobreza não for abordada e levada a cabo, esse vai ser o maior problema do resto do século. Pergunta da plateia: O que o senhor acha do cinema alemão atual? Como o senhor compara o Novo Cinema Alemão com o cinema que é feito hoje no país? E qual os diretores novos que o senhor considera que fazem um cinema importante e de interesse no mundo inteiro? Wim Wenders: Existe toda uma geração de novos diretores na Alemanha, tem muitos que estão filmando pela primeira vez e muitos desses filmes tem questões sociais. É realmente enraizado na sociedade alemã, não são comédias, como nos anos 80 e 90. São histórias com um novo contexto específico da Alemanha. Existe um novo cinema italiano. Um tempo atrás, ninguém achou que os italianos iriam fazer filmes interessantes e tem toda uma onda de novos italianos agora. O filme mais impressionante que eu vi nos últimos anos foi da China. E todos esses filmes são fantásticos enquanto eles não tentam ser filmes americanos. Quando eles se concentram no sentido do lugar deles, do idioma deles, da situação específica deles, daí você tem um filme relevante, necessário e que merece viajar pelo mundo. Assim que as pessoas começam a tentar fazer filmes americanos que poderiam ter essa abordagem global, é um desastre. Brasil, existe uma esperança? Há 10, 20 anos atrás, o cinema brasileiro não existia. Agora, eu não consigo nem ver todos os DVDs do cinema brasileiro. É tudo local, aqui, conta as histórias daqui. Central do Brasil, é tão brasileiro, e você entende tanto de onde vem esse filme, e porque precisou ser feito. E porque esse é o tipo de cinema que eu acho que vale a pena ver. Se eu vejo um filme em qualquer lugar do mundo (e eu viajo muito), e depois de 10min eu não sei o que acontece, eu tenho essa noção de que poderia acontecer em qualquer lugar do mundo, eu perco o interesse. Por exemplo, é difícil ver filmes, e quando você percebe isso, você, com seus 14 anos, os seus olhos são mais experientes do que os meus agora, nós vemos isso. Se for ver esses filmes, você percebe que eles não estão sendo rodados em lugar nenhum. Você consegue ver quando ele está sendo feito na frente de uma tela, você consegue ver aqueles filmes que são fabricados numa terra de ninguém. Atores que não estão lá onde eles tinham que estar e estão interagindo com atores que jamais conheceram. E você sente isso. E tem filmes que acontecem nessa terra de ninguém. Eu sento, eu vejo, eu levanto. Eu acho uma perda do meu tempo. Eu quero ver uma coisa que está enraizado numa cultura, que vem de uma experiência e a única experiência que eu não quero ver de novo numa tela quando eu vou ao cinema, é aquela experiência de outros filmes.

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Pois você vê muitos filmes hoje e você percebe que a única experiência por trás disso é que o diretor viu muitos filmes, e ele achou que consegue fazer igual. É uma perda de tempo total. Então, por favor, dê suporte, dê apoio ao cineastas locais. Faça com que eles façam filmes que surjam da experiência deles, e que fale de alguma coisa que eles conheçam. Não que os outros filmes conhecem. Pergunta da plateia: O senhor contou no filme Janela da Alma que o senhor aprendeu a se levantar do cinema durante um filme desagradável. Qual foi o último filme que o senhor saiu do meio, antes do fim? Wim Wenders: Você me colocou numa posição muito difícil. Eu já saí de alguns filmes ultimamente, porque lidavam com a violência. Mas eu não saio de um filme automaticamente. Existem filmes que eu percebo que tenho que permanecer. Se ele foi feito com aquela consciência de penetrar aquela violência. E se eu vejo que essa consciência está tentando me ajudar a entendê-la como um fenômeno contemporâneo. Eu já saí no último ano de uns 12 filmes. Eu sou muito grato a minha mulher. Eu até permanecia nesses filmes, sempre esperando alguma coisa gratificante no fim, que eu aprenderia alguma coisa. Donata (Wenders, sua esposa), ela vai logo, depois de um minuto ela levanta e me diz “te vejo lá fora”. Por um tempo ela tinha que esperar até o fim do filme. Agora, cada vez mais eu me junto a ela. Não porque eu sinto falta dela sentada do meu lado, mas também porque as mulheres tem um sentido social mais desenvolvido. As antenas delas são mais sintonizadas que a minha. Ela percebe de cara que é um produto comercial, que a violência tá lá só por apelo, digamos. Eu acho isso um horror, um desenvolvimento horripilante do cinema ultimamente, pois não importa do que se trata, ele também impulsiona você. Aqueles filmes que são sobre a guerra, mesmo que são críticos a guerra, não importa o que, eles preparam você. Eles te preparam pra aceitar a guerra como uma opção. Qualquer filme de guerra te prepara à ideia da guerra. E, toda vez que os americanos começam uma guerra, eles pedem a Hollywood para fazer toda uma nova série de filmes de guerra. Já vimos isso acontecer. Eu acho que até aqueles filmes com grandes intenções, no final, não podem ir contra o fato de que os filmes são aquilo que eles mostram, infelizmente. Você quer saber o titulo desses filmes? Não vou poder contar. Não posso. Pergunta da plateia: Ninguém comentou, até agora, um dos seus filmes mais bonitos, o filme que o senhor realizou para a série Blues, coordenada pelo Martin Scorsese. Por favor, conte como foi sua experiência com esse filme e sua relação com Scorsese. O senhor poderia também falar um pouco sobre o modo como seleciona as músicas e trabalha as trilhas

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A Alma de Um Homem, de Wim Wenders

88 Š Reverse Angle Pictures GmbH/ Vulcan Productions/ photo: Wim Wenders


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sonoras em seus filmes? Elas que são tão importantes pro senhor que já trabalhou com U2, Nick Cave e outros músicos. Wim Wenders: Então você viu A Alma do Homem. São duas perguntas sobre a música. Eu quero começar com a segunda pergunta. Quando eu rodei meu primeiro filme, aluno ainda – era um filme mudo, porque eu não tinha dinheiro pra colocar som no filme. Foi um filminho de 4min. E uma noite eu sentei numa mesa de montagem, eu tinha apenas 1h pra ver aquilo. Eu estava com uma vitrola. Eu vi o filme várias vezes, e toda vez eu colocava uma música diferente na vitrola. E era uma impressão diferente cada vez que ele passava, e daí eu via vários filmes. Dependendo da música que ele tocava, fazia sentido diferente. Foi muito interessante e empolgante. Eu senti que havia conexão entre essa imagem que eu havia produzido, e a música que se juntava. Não eram duas coisas, era, de fato, uma coisa cheia, uma terceira coisa. E pra descobrir essa terceira coisa, é quando você junta a música e a imagem, você casa e forma uma coisa que você nunca ia sonhar. Essa foi a força motriz, pois eu quero chegar a esse momento com cada filme. Então a música, pra mim, é muito preciosa. E claro, eu fiz uma série de filmes cujos projetos começaram com a música, como por exemplo, O Céu de Lisboa. O Madredeus me deu essas músicas. Não era um disco ainda, então eles as gravaram. Eles disseram “são músicas sobre a nossa cidade, você pode usar se você quiser”, e daí eu fiz o O Céu de Lisboa, um conhecimento dessa música, um guia da cidade. Ele estava lá até antes de eu produzir qualquer imagem. Música é uma coisa que você coloca no filme depois, é como se fosse um outro ingrediente, eu não poderia dizer isso mais. Para mim, música é um dos personagens fundamentais, às vezes, o mais fundamental. E também o filme é sobre isso. Eu tenho ciúme dos músicos, não porque eu queria cantar, pois não consigo nem cantar num karaokê, mas eu consigo cantar uma dos Beatles. E é a única que eu consigo cantar, pois se o Ringo, que cantava tão mal conseguia: é Yellow Submarine. Qualquer idiota consegue cantar essa música. Desculpas, Ringo. Mas eu não faço filmes porque eu gostaria de fazer música. Esse último filme, Palermo Shooting, eu sabia que o filme ia lidar com a morte. Um homem se encontra com a morte, como uma pessoa. E aí eu percebi, nos filmes que são tabu, você não roda um filme sobre a morte, você pode ter mil pessoas morrendo, mas você não roda um filme sobre a morte. E aí eu comecei a ouvir músicas que tinham a ver com o tema, existem muitos cantores, músicos de rock e blues, tem toda uma riqueza de canções que lidam com esse tema, de uma forma fantástica, extraordinárias. E aí eu fiquei levado a fazer esse filme, pois se eles conseguiam isso, eu também consigo. E daí eu fiz esse filme como se fosse uma música de Rock’n’Roll.

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Algumas músicas que eu ouvi, que me incentivaram a fazer o filme, eu coloquei depois, como um tributo. Mas com relação ao rock, blues e rap, eles ainda tem a liberdade de falar de coisas que tem a ver com nossas vidas, então eu tenho um grande respeito pela música. Eu acho que meu filmes pedem muito as músicas que estão neles. Eu acho que como diretor eu devo muito ao músicos. Sobre o Blues, talvez seja um pouco chato falar sobre um filme que muito poucas pessoas viram. É um documentário sobre 3 homens que já morreram há muito tempo e são meus grandes heróis do blues. Um deles, Bryan Willie Johnson, gravou nos anos 20, o outro nos anos 30, e o outro é um músico negro que morreu no início dos anos 60, pobre e não reconhecido. Mas os três tiveram uma enorme influência na história do blues. Eu tinha acabado de rodar Buena Vista Social Club e essas pessoas estavam tão vivas, tão jovens, tão enérgicas. Você roda um filme sobre pessoas que morreram há muito tempo e de repente você quer lembrar do trabalho deles. Eu poderia falar sobre esse filme a vida inteira, mas nem muitas pessoas conhecem. Eu agradeço a você que perguntou, foi um filme baratíssimo, grande parte em digital. Walter Salles: Enquanto eu ouvia Wim Wenders falando, eu estava agradecendo ao fato de ele ter abandonado a pintura e que a gente teve acesso a tanto filmes que foram fundadores pra várias gerações não só de cineastas, mas também de cinéfilos. Mas como ele pensou em ser pintor, eu queria fazer uma analogia rápida com a pintura. Na pintura chinesa do século XVIII, tem sempre uma porção do quadro que está envolta na névoa. E fazia-se isso pra convidar o espectador pra entrar dentro do quadro e acabar com aquela imagem. O espectador era convidado a terminar aquilo que ele via. O cinema não é muito diferente disso, pelo menos não deveria ser muito diferente disso. O cinema deveria ser sobre o invisível que complementa o visível. Eu acho que o cinema de Hollywood deixou de ser sobre o invisível, ele é sobre tudo o que você vê, não há mais um espaço entre as coisas. E o cinema do Wim é exatamente o contrário disso, eu acho que a gente se sente convidado a entrar e completar os filmes. Então eu queria te agradecer por isso, agradecer a generosidade de não só fazer esses filmes mas também falar deles, falar de cinema. E como você já deu muitos presentes pra quem está aqui, eu queria te dar um presente que é São Paulo S.A. (do Person). Você que gosta tanto de Memórias do subdesenvolvimento, esse é o primo brasileiro de Memórias do subdesenvolvimento. Person estudou com o Tomaz Gutierrez Alea e é um primeiro filme realmente extraordinário. Toca em temas que te são importante como a questão da identidade, a colisão entre o homem e o meio, enfim espero que você goste e obrigado pela generosidade de ter dividido esse tempo aqui conosco.

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OS FILMES

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1os CURTAS Schauplätze Título original: Schauplätze Ano de produção: 1967 | Duração: 10 min Formato original: 16 mm PB | Idioma original: Alemão País: Alemanha Direção, Roteiro, Direção de fotografia, Produção e Montagem: Wim Wenders | Música: Rolling Stones Sinopse: Primeiro curta-metragem de Wim Wenders. O filme está perdido.

Same Player Shoots Again Título original: Same Player Shoots Again Ano de produção: 1967 | Duração: 12 min Formato original: 16 mm PB | Idioma original: Alemão País: Alemanha Direção, Roteiro, Direção de fotografia, Produção e Montagem: Wim Wenders | Música: Mood Music Sinopse: Uma mesma sequência de longos planos em repetição. Um soldado ferido que caminha indefinidamente.

Silver City Revisited Título original: Silver City Revisited Ano de produção: 1968 | Duração: 25 min Formato original: 16 mm Cor | Idioma original: Alemão País: Alemanha Direção, Roteiro, Direção de fotografia, Produção e Montagem: Wim Wenders | Música: “Mood Music” Sinopse: O filme consiste em diversos planos-sequência fixos, rodados da janela de um apartamento. Uma experiência plástica.

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Polizeifilm Título original: Polizeifilm Ano de produção: 1968 | Duração: 12 min Formato original: 16 mm PB | Idioma original: Alemão País: Alemanha Direção: Wim Wenders | Roteiro: Albrecht Göschel Elenco: Jimmy Vogler e Kasimir Esser Direção de fotografia e Montagem: Wim Wenders Produção: Wim Wenders e Bayrischer Rundfunk Sinopse: O curta é sobre a polícia de Munique e suas novas táticas para lidar com as manifestações estudantis de 1968. Um filme político.

Alabama: 2000 Light Years from Home Título original: Alabama: 2000 Light Years from Home Ano de produção: 1969 | Duração: 22 min Formato original: 35 mm PB | Idioma original: Alemão País: Alemanha Direção e roteiro: Wim Wenders | Direção de fotografia: Wim Wenders e Robbie Müller Elenco: Paul Lys, Peter Kaiser, Werner Schröter, Schrat, Muriel Werner, King Ampaw e Christian Friedel Produção: Wim Wenders e Hochschule für Fernsehen Sinopse: Primeiro filme em 35 mm de Wim Wenders. Um filme que tem como base a música All Along the Watchtower na versão de Bob Dylan e Jimi Hendrix.

3 American LPs Ano de produção: 1969 | Duração: 12 min Formato original: 16 mm Cor | Idioma original: Alemão País: Alemanha Direção: Wim Wenders | Roteiro: Peter Handke Música: Van Morrison, Creedence Clearwater Revival e Harvey Mandel Produção: Wim Wenders e Hessischer Rundfunk Sinopse: Primeira vez que Peter Handke trabalha com Wim Wenders. Um filme que tem como base a música, mas nunca foi exibido.

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Verão nas Cidades Título original: Summer in the City Ano de produção: 1970 | Duração: 125 min Formato original: 16 mm PB | Idioma original: Alemão | País: Alemanha Direção: Wim Wenders Direção de fotografia: Robbie Müller Roteiro: Wim Wenders Elenco: Hanns Zischler, Gerd Stein, Muriel Werner, Helmut Färber, Edda Köchl, Wim Wenders, Libgart Schwatz e Marie Bardischewski Produção: Wim Wenders, Hochschule für Fernsehen e Film Munich Montagem: Peter Przygodda Música: The Kinks, Lovin’ Spoonful, Chuck Berry, Gene Vincent, Troggs e Gustav Mahler Som: Gerd Conrad Sinopse: Hans é solto da prisão e vaga pela Alemanha Ocidental. Ele anda por ruas e bares, sempre fugindo de inimigos invisíveis.

O Medo do Goleiro Diante do Pênalti Título original: Die Angst des Tormanns beim Elfmeter Ano de produção: 1971 | Duração: 100 min Formato original: 35 mm Cor | Idioma original: Alemão País: Alemanha e Áustria Direção: Wim Wenders Roteiro: Wim Wenders e Peter Handke Direção de fotografia: Robby Müller Montagem: Peter Przygodda Música: Jügen Knieper Elenco: Arthur Brauss, Kai Fischer, Erika Pluhar e Libgart Schwarz Produção: Thomas Schamoni, Peter Genée e Wim Wenders Empresa produtora: Wim Wenders Produktion Sinopse: Baseado no livro de Peter Handke, o filme acompanha o goleiro Joseph Bloch. Após ser substituído em uma partida, ele deixa o campo e passa a noite com uma atendente de cinema. Sem qualquer motivo, ele a mata na manhã seguinte.

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a letra escarlate Título original: Der Scharlachrote Buchstabe Ano de produção: 1972 | Duração: 90 min Formato original: 35 mm Cor | Idioma original: Alemão País: Alemanha e Espanha Direção: Wim Wenders Roteiro: Tankred Dorst, Ursula Ehler, Bernardo Fernández, Nathaniel Hawthorne e Wim Wenders Montagem: Peter Przygodda Música: Jürgen Knieper Elenco: Senta Berger, Hans-Christian Blech, Lou Castel, Rüdiger Vogler e Yella Rottländer Produção: Thomas Schamoni e Wim Wenders Empresa produtora: Wim Wenders Produktion Sinopse: Adaptação do romance de Nathaniel Hawthorne. Trata-se da história de Hester, que vive um amor adúltero com o reverendo Dimmesdale e assim é obrigada a usar na roupa a letra A na cor escarlate.

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alice nas cidades Título original: Alice in den Städten Ano de produção: 1973 | Duração: 110 min Formato original: 16 mm PB | Idioma original: Alemão País: Alemanha Direção: Wim Wenders Roteiro: Wim Wenders e Veith v. Fürstenberg Direção de fotografia: Robby Müller Montagem: Peter Przygodda Música: Can Elenco: Rüdiger Vogler, Yella Rottländer, Lisa Kreuzer e Edda Köchl Produção: Peter Genée e Wim Wenders Empresa produtora: Wim Wenders Produktion Sinopse: O jornalista alemão Philip Winter sofre um bloqueio ao tentar escrever um artigo sobre os Estados Unidos e, então, decide retornar à Alemanha, mas o aeroporto está fechado. Lá ele conhece a jovem Alice e sua mãe, que desaparece. Philip assume a responsabilidade sobre a menina e faz, posteriormente, uma busca pela sua avó materna pela Europa. Prêmio: Melhor filme (German Film Critics Association Awards 1976).

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movimento em falso Título original: Falsche Bewegung Ano de produção: 1975 | Duração: 104 min Formato original: 35 mm Cor | Idioma original: Alemão País: Alemanha Direção: Wim Wenders Roteiro: Peter Handke Direção de fotografia: Robby Müller Montagem: Peter Przygodda Música: Jürgen Knieper Direção de arte: Heidi Lüdi Elenco: Rüdiger Vogler, Hanna Schygulla, Ivan Desny, Marianne Hoppe, Peter Kern, Nastassja Kinski e Lisa Kreuzer Produção: Peter Geneé e Wim Wenders Empresa produtora: Wim Wenders Produktion Sinopse: As peregrinações de Meister, que tenta ser escritor, levam-no a vários e singulares encontros e a interrogações sobre a vida e o papel da arte, mas também a uma reflexão sobre a Alemanha dividida. Inspirado no romance Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister, de Goethe.

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no decurso do tempo Título original: Im Lauf der Zeit Ano de produção: 1976 | Duração: 175 min Formato original: 16 e 35 mm PB | Idioma original: Alemão País: Alemanha Direção: Wim Wenders Roteiro: Wim Wenders Direção de fotografia: Robby Müller Montagem: Peter Przygodda Música: Improved Sound Limited e Axel Linstädt Direção de arte: Heidi Lüdi Elenco: Rüdiger Vogler, Hanns Zischler, Lisa Kreuzer, Rudolf Schündler, Marquard Bohm, Dieter Traier, Franziska Stömmer, Peter Kaiser e Patrick Kreuzer Produtor: Wim Wenders Empresa produtora: Wim Wenders Produktion Sinopse: Um técnico de projetores de cinema viaja pela Alemanha visitando cinemas desativados quando encontra um homem recém-separado. Eles ficam amigos e resolvem viajar juntos pelas estradas da Europa. Prêmio: Prêmio da Federação Internacional da Crítica (Cannes 1976)

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o amigo americano Título original: Der Americkanische Freund Ano de produção: 1977 | Duração: 126 min Formato original: 35 mm Cor | Idioma original: Alemão e inglês País: Alemanha e França Direção e Roteiro: Wim Wenders Direção de fotografia: Robby Müller Montagem: Peter Przygodda Música: Jürgen Knieper Direção de arte: Heidi Lüdi Elenco: Bruno Ganz, Dennis Hopper, Lisa Kreuzer, Gérard Blain, Nicholas Ray, Samuel Fuller, Peter Lilienthal, Daniel Schmid, Jean Eustache, Sandy Whitelaw e Lou Castel Produtor: Wim Wenders Empresas produtoras: Road Movies Filmproduktion, Wim Wenders Produktion e Les Films du Losange Sinopse: Dois homens, Tom, um americano, e Jonathan, um alemão, se conhecem num leilão de obras de arte. Jonathan, que está com leucemia e sabe que vai morrer, aceita a proposta do amigo para assassinar uma pessoa e deixar sua família bem financeiramente.

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um filme para nick Título original: Nick’s Film: Lightning Over Water Ano de produção: 1980 | Duração: 90 min Formato original: 35 mm Cor | Idioma original: Inglês País: Alemanha e Suécia Direção: Wim Wenders e Nicholas Ray Roteiro: Wim Wenders Direção de fotografia: Ed Lachmann Montagem: Peter Przygodda Música: Ronee Blakley Elenco: Nicholas Ray, Wim Wenders, Ronee Blakley, Susan Ray, Tom Farrell e Gerry Bammann Produção: Wim Wenders e Chris Sievernich Empresa produtora: Road Movies Filmproduktion e Wim Wenders Produktion Sinopse: Wim Wenders vai até Nova York para fazer um documentário sobre os últimos dias de vida de seu amigo, o cineasta Nicholas Ray, com entrevistas e comentários sobre seu filme Lightning Over Water.

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o estado das coisas Título original: Der Stand der Dinge Ano de produção: 1982 | Duração: 121 min Formato original: 35 mm Cor | Idioma original: Inglês País: Alemanha, Portugal e Estados Unidos Direção: Wim Wenders Roteiro: Wim Wenders e Robert Kramer Direção de fotografia: Henri Alekan Montagem: Barbara von Weitershausen e Peter Przygodda Música: Jürgen Knieper Direção de arte: Zé Branco Elenco: Patrick Bauchau, Viva Auder, Isabelle Weingarten, Samuel Fuller, Rebecca Pauly, Jeffrey Kime, Geoffrey Carey, Alexandra Auder, Camilla Mora, Roger Corman, Paul Getty, Allen Goorwitz e Artur Semedo Produção: Chris Sievernich e Wim Wenders Empresas produtoras: Road Movies Filmproduktion e Wim Wenders Produktion Sinopse: Um produtor desaparece com os negativos durante as filmagens num hotel em Portugal. Sem dinheiro para continuar o trabalho, o diretor vai em busca do produtor, mas encontra outros problemas. Prêmio: Leão de Ouro (Veneza 1982)

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reverse angle Título original: Reverse Angle Ano de produção: 1982 | Duração: 16 min Formato original: 16 mm Cor | Idiomas orginais: Inglês e alemão País: Estados Unidos, França e Alemanha Direção: Wim Wenders Roteiro: Wim Wenders Direção de fotografia: Lisa Rinzler Montagem: Peter Przygodda Produção: Chris Sievernich e Wim Wenders Empresa produtora: Gray City Sinopse: Primeiro filme da série Diários Filmados. Neste, Wim Wenders fala sobre o fazer cinematográfico na Europa e na América. Rodado durante o processo de produção do conturbado Mistério em Chinatown.

mistério em chinatown Título original: Hammett Ano de produção: 1982 | Duração: 128 min Formato original: 35 mm Cor | Idioma original: Inglês País: Estados Unidos Direção: Wim Wenders Roteiro: Joe Gores (romance), Thomas Pope (adaptação), Dennis O’Flaherty e Ross Thomas Direção de fotografia: Joseph F. Biroc e Philip H. Lathrop Montagem: Marc Laub, Robert Q. Lovett, Barry Malkin e Randy Roberts Música original: John Barry Elenco: Frederic Forrest, Peter Boyle, Marilu Henner, Roy Kinnear, Elisha Cook Jr., Lydia Lei, R.G. Armstrong, Richard Bradford, Michael Chow, David Patrick Kelly, Sylvia Sidney e Jack Nance Produção: Ronald Colby e Francis Ford Coppola Empresa produtora: Zoetrope Studios Figurino: Ruth Morley Direção de arte: Eugene Lee II e Dean Tavoularis Sinopse: Cansado do trabalho de detetive, Dashiell Hammett decide se tornar escritor. Mas um amigo a quem deve um favor lhe pede que encontre uma garota, Crystal Ling, desaparecida em Chinatown.

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quarto 666 Título original: Chambre 666 Ano de produção: 1982 | Duração: 50 min Formato original: 16 mm Cor | Idioma original: Alemão, inglês, francês e português País: França e Alemanha Direção: Wim Wenders Roteiro: Wim Wenders Direção de fotografia: Agnès Godard Elenco: Chantal Akerman, Michelangelo Antonioni, Maroun Bagdadi, Ana Carolina, Mike De Leon, Rainer Werner Fassbinder, Jean-Luc Godard, Romain Goupil, Yilmaz Güney, Monte Hellman, Werner Herzog, Robert Kramer, Paul Morrissey, Susan Seidelman e Noël Simsolo Produção: Chris Sievernich e Wim Wenders Empresa produtora: Wim Wenders Produktion Sinopse: Durante o festival de cinema de Cannes de 1982, Wim Wenders leva diretores de cinema de todas as partes do mundo para um quarto de hotel onde cada um deles reponde à pergunta: qual o futuro do cinema?

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paris, texas Título original: Paris, Texas Ano de produção: 1984 | Duração: 148 min Formato Original: 35 mm Cor | Idioma original: Inglês País: Alemanha, França, Inglaterra e Estados Unidos Direção: Wim Wenders Roteiro: Sam Shepard Diretor de fotografia: Robby Müller Montagem: Peter Przygodda Música: Ry Cooder Elenco: Harry Dean Stanton, Nastassja Kinski, Dean Stockwell, Aurore Clement e Hunter Carson Direção de arte: Kate Altman Produção: Chris Sievernich e Wim Wenders Empresas produtoras: Road Movies Filmproduktion e Argos Films Sinopse: Um homem é encontrado exausto e sem memória no deserto ao sul dos EUA. Ele começa a se recordar de sua vida aos poucos e acaba acolhido pelo irmão Walt e por sua mulher Anne. Com eles também vive Alex, o filho do homem sem memória. Prêmios: Melhor filme (Cannes 1984); Melhor direção, melhor filme, melhor trilha e melhor roteiro adaptado (BAFTA 1985) e Melhor filme estrangeiro (Globo de Ouro 1985).

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tokyo-ga Título original: Tokyo-Ga Ano de produção: 1985 | Duração: 92 min Formato original: 16 mm e 35mm Cor Idiomas originais: Inglês, japonês e alemão País: Estados Unidos e Alemanha Direção: Wim Wenders Roteiro: Wim Wenders Direção de fotografia: Ed Lachman Música: Dick Tracy e Laurent Petitgand Elenco: Chishu Ryu, Yuharu Atsuta e Werner Herzog Produção: Chris Sievernich e Wim Wenders Empresas produtoras: Road Movies Filmproduktion e Wim Wenders Produktion Sinopse: Wim Wenders vai até Tóquio e presta homenagem ao cinema de Yasujiro Ozu, um dos maiores realizadores orientais de todos os tempos.

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asas do desejo Título original: Der Himmel über Berlin Ano de produção: 1987 | Duração: 128 min Formato original: 35 mm PB e Cor | Idioma Original: Alemão País: Alemanha e França Direção: Wim Wenders Roteiro: Wim Wenders e Peter Handke Direção de fotografia: Henri Alekan Montagem: Peter Przygodda Música: Jürgen Knieper Direção de arte: Heidi Lüdi Elenco: Bruno Ganz, Solveig Dommartin, Otto Sander, Curt Bois e Peter Falk Produção: Wim Wenders e Anatole Dauman Empresas produtoras: Road Movies Filmproduktion e Argos Films Sinopse: Na Berlim pós-guerra, dois anjos perambulam pela cidade. Invisíveis aos mortais, eles leem seus pensamentos e tentam confortar a solidão e a depressão das almas que encontram. Mas um dos anjos deseja se tornar um humano. Prêmios: Melhor diretor (Cannes 1987), Melhor filme alemão (Gildepreis in Silver 1987), Melhor diretor (FELIX, European Film Prize 1988), Melhor diretor (German Film Prize in Gold 1988) e Melhor diretor (Bavarian Film Prize 1988)

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identidade de nós mesmos Título original: Aufzeichnungen zu Kleidern und Städten Ano de produção: 1989 | Duração: 79 min Formato original: 35mm Cor | Idioma original: Inglês, japonês e francês País: Alemanha e França Diretor: Wim Wenders Roteiro: Wim Wenders Montagem: Dominique Auvray Música: Laurent Petitgand Elenco: Yohji Yamamoto Produção: Ulrich Felsberg e Wim Wenders Empresa produtora: Road Movies Filmproduktion Sinopse: Documentário sobre o estilista Yohji Yamamoto e seu processo criativo. Uma análise acerca do relacionamento entre as cidades e a identidade com o cinema na era digital.

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até o fim do mundo Título original: Until the End of the World Ano de produção: 1991 | Duração: 179 min | Versão do diretor: 270 min Formato original: 35 mm Cor | Idioma original: Inglês País: Alemanha, França e Austrália Direção: Wim Wenders Roteiro: Wim Wenders e Peter Carey Direção de fotografia: Robby Müller Montagem: Peter Przygodda Música: U2, Talking Heads, Lou Reed, T-Bone Burnett, Peter Gabriel, Can, Elvis Costello, Crime and the City Solution, Robbie Robertson and Blue Nile, Patti Smith and Fred Smith, R.E.M., Depeche Mode, Daniel Lanois, Neneh Cherry, Nick Cave and the Bad Seeds e Jane Siberry with K.D. Lang Direção de Arte: Thierry Flamand e Sally Campbell Elenco: William Hurt, Solveig Dommartin, Max von Sydow, Sam Neill, Ernie Dingo, Rüdiger Vogler e Jeanne Moreau Produção: Anatole Dauman, Jonathan Taplin e Ulrich Felsberg Empresas produtoras: Road Movies Filmproduktion e Argos Films Sinopse: Doutor Farber, na tentativa de achar a cura para a cegueira de sua mulher, cria um dispositivo que permite aos usuários enviarem imagens diretamente ao cérebro humano, permitindo que os cegos voltem a ver. A criação e operação de tal máquina contrastam com a deterioração da situação do mundo, quando a existência da humanidade é ameaçada por um satélite nuclear que cai em direção a Terra.

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Arisha, the Bear, and the Stone Ring Título original: Arisha, The Bear, and The Stone Ring Ano de produção: 1992 | Duração: 29 min Formato original: 35 mm Cor | Idiomas originais: Alemão e inglês País: Alemanha Diretor: Wim Wenders Roteiro: Wim Wenders Diretor de fotografia: Jürgen Jürges Montagem: Peter Przygodda Música: Laurent Petitgand Elenco: Rüdiger Vogler, Anna Vronskaya, Arina Voznesenskaya e Wim Wenders Figurino: Esther Walz Produção: Wim Wenders e Jolanda Darbyshire Empresa produtora: Wim Wenders Produktion Sinopse: Um urso mora em Berlim e ele está de saco cheio. No caminho, duas mulheres russas, Ana e sua filha Arisha, contratam o urso como motorista. Durante a viagem, um Papai Noel que não suporta o Natal e uma família vietnamita se juntam ao grupo cujo destino é um lugar próximo ao mar. Na praia acham um anel de pedra que quer ser encontrado.

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Tão Longe, Tão Perto Título original: In Weiter Ferne, So Nah! Ano de produção: 1993 | Duração: 146 min Formato original: 35 mm Cor e PB Idiomas originais: Alemão, francês e inglês | País: Alemanha Direção: Wim Wenders Roteiro: Wim Wenders, Ulrich Zieger e Richard Reitinger Direção de fotografia: Jürgen Jürges Montagem: Peter Przygodda Trilha original: Laurent Petitgand Música: Laurie Anderson, Jane Siberry, Simon Bonney, Lou Reed, Herbert Grönemeyer, U2, Johnny Cash, The House of Love e Nick Cave Direção de arte: Albrecht Konrad Figurino: Esther Walz Elenco: Otto Sander, Peter Falk, Horst Buchholz, Nastassja Kinski, Heinz Rühmann, Bruno Ganz, Solveig Dommartin, Rüdiger Vogler e Willem Dafoe | Participações especiais: Michail Gorbatschov e Lou Reed Produção: Ulrich Felsberg Empresa produtora: Road Movies Filmproduktion Sinopse: Um anjo volta à Terra a procura de um antigo companheiro celestial. Sequência de Asas do Desejo, o filme segue novamente um grupo de anjos que observam as dores e a vida do homem. Prêmios: Grande prêmio do júri (Cannes 1993) e Melhor diretor (Bavarian Film Awards 1994).

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o céu de lisboa Título original: Lisbon Story Ano de produção: 1994 | Duração: 100 min Formato original: 35 mm Cor Idiomas originais: Inglês, português e alemão | País: Alemanha e Portugal Direção: Wim Wenders Roteiro: Wim Wenders Direção de fotografia: Lisa Rinzler Montagem: Peter Przygodda Música: Madredeus Diretor de Arte: Zé Branco Elenco: Rüdiger Vogler, Patrick Bauchau, Teresa Salgueiro e Madredeus Convidado especial: Manoel de Oliveira Produção: Ulrich Felsberg e Paulo Branco Empresa produtora: Road Movies Filmproduktion Sinopse: Phillip é um engenheiro de som que vai a Lisboa para ajudar seu velho amigo Friedrich a concluir seu filme. Ele atravessa a Europa de norte a sul, até a capital portuguesa, mas chega tarde: Friedrich desapareceu. Na grande casa onde vivia, o amigo não deixou mais do que um filme inacabado, contendo imagens sem som, filmadas nas ruas de Lisboa. Pacientemente, Winter decide pôr o som nas imagens e, fascinado com a beleza do lugar, resolve ficar um pouco mais e explorar a região. É quando conhece Teresa, vocalista do grupo Madredeus, por quem se apaixona. Mas novas surpresas o aguardam com o repentino reaparecimento de Friedrich.

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além das nuvens Título original: Al di là delle nuvole Ano de produção: 1995 | Duração: 112 min Formato original: 35 mm Cor | Idiomas originais: Francês, inglês e italiano País: França, Alemanha e Itália Direção: Michelangelo Antonioni e Wim Wenders Roteiro: Michelangelo Antonioni, Tonino Guerra e Wim Wenders Diretor de fotografia: Alfio Contini (Segmento Antonioni) e Robby Müller (Segmento Wenders) Elenco: Fanny Ardant, Chiara Caselli, Irène Jacob, John Malkovich, Sophie Marceau, Vincent Pérez, Jean Reno, Rossi Stuart, Inés Sastre, Peter Weller, Marcello Mastroianni, Jeanne Moreau, Enrica Antonioni e Carine Angeli Produção: Philippe Carcassonne, Vittorio Cecchi Gori, Arlette Danis, Brigitte Faure, Ulrich Felsberg, Stephane TchalGadjieff, Felice Laudadio, Pierre Roitfeld, Danielle Gegauff Música original: Lucio Dalla, Van Morrison e Laurent Petitgand Montagem: Michelangelo Antonioni, Claudio Di Mauro (Segmento Antonioni), Peter Przygodda (Segmento Antonioni) e Lucian Segura (Segmento Wenders) Direção de arte: Thierry Flamand Figurino: Esther Walz Sinopse: Um diretor de cinema acaba de realizar um filme. Sem ideias para um novo trabalho, decide viajar sozinho e percorrer diversas cidades, em uma tentativa de obter inspiração. Prêmio: Prêmio da Federação Internacional da Crítica (Vezena 1995)

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AlĂŠm das Nuvens, de Wim Wenders


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um truque de luz Título original: Die Gebrüder Skladanowsky Ano de produção: 1996 | Duração: 79 min Formato original: 35 mm PB e Cor | Idioma original: Alemão País: Alemanha Direção: Wim Wenders com estudantes da HFF, Munique Roteiro: Wim Wenders com estudantes da HFF, Munique Direção de fotografia: Jürgen Jürges Montagem: Peter Przygodda Música: Laurent Petitgand Elenco: Udo Kier, Nadine Büttner, Christoph Merg, Otto Kuhnle e Lucie Hürtgent-Skladanowsky Produção: Wim Wenders, Veit Helmer e Wolfgang Längsfeld Empresa produtora: Wim Wenders Produktion, Hochschule für Fernsehen, Film (HFF) Munich e Veit Helmer Filmproduktion Sinopse: Misturando cenas documentais e ficção, o filme narra a história dos irmãos Skladanowsky, pioneiros do cinema.

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o fim da violência Título original: The End of Violence Ano de produção: 1997 | Duração: 122 min Formato original: 35 mm Cor | Idioma original: Inglês e espanhol País: França, Alemanha e Estados Unidos Direção: Wim Wenders Roteiro: Nicholas Klein e Wim Wenders Elenco: Bill Pullman, Andie MacDowell, Gabriel Byrne, Loren Dean, Traci Lind, Daniel Benzali, K. Todd Freeman, John Diehl, Pruitt Taylor Vince, Richard Cummings, Peter Horton, Udo Kier, Enrique Castillo, Nicole Parker, Rosalind Chao, Marisol Padilla Sánchez, Marshall Bell, Frederic Forrest e Samuel Fuller Produção: Ulrich Felsberg, Jean-François Fonlupt, Nicholas Klein, Deepak Nayar e Wim Wenders Música Original: Ry Cooder Direção de fotografia: Pascal Rabaud Montagem: Peter Przygodda Direção de arte: Patricia Norris Figurino: Patricia Norris Sinopse: Um produtor que ficou rico graças à quantidade de sangue em seus filmes é sequestrado, mas no dia seguinte os bandidos aparecem mortos. A polícia passa a encarar o produtor como um dos suspeitos pelos assassinatos.

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buena vista social club Título original: Buena Vista Social Club Ano de produção: 1998 | Duração: 90 min Formato original: 35 mm Cor | Idiomas originais: Inglês e espanhol País: Alemanha, Estados Unidos, Inglaterra, França e Cuba Direção: Wim Wenders Direção de fotografia: Jörg Widmer e Robby Müller Montagem: Brian Johnson Música: Ry Cooder, Joaquim Cooder, Ibrahim Ferrer, Ruben Gonzáles, Eliades Ochoa, Omara Portuondo e Compay Segundo e músicos cubanos Produtor: Ulrich Felsberg Empresa produtora: Road Movies Filmproduktion Sinopse: Em 1996, o produtor musical Ry Cooder foi a Cuba gravar um CD com músicos da ilha. Dois anos depois, retornou a Havana na companhia do cineasta Wim Wenders e de uma pequena equipe para filmar este documentário. Há momentos antológicos de apresentações do grupo, alternados com depoimentos dos próprios músicos. Prêmios: Melhor filme estrangeiro (Grande Prêmio do Cinema Brasileiro 2001), Melhor documentário (European Film Awards 1999), Melhor filme nacional (Golden Camera 1999), Melhor documentário (Los Angeles Film Critics Association Awards 1999), entre outros.

Willie Nelson at the Teatro Título original: Willie Nelson at the Teatro Ano de produção: 1998 | Duração: 51 min Idioma original: Inglês | País: Alemanha Direção: Wim Wenders Roteiro: Wim Wenders Direção de fotografia: Phedon Papamichael e Kirk Gardner Música: Willie Nelson Produção: Deepak Nayar Sinopse: Filme musical acompanha gravação de dez música em um grande teatro.

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O Hotel de Um Milhão de Dólares Título original: The Million Dollar Hotel Ano de produção: 2000 | Duração: 132 min Formato original: 35mm Cor e PB | Idioma original: Inglês País: Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos Direção: Wim Wenders Direção de fotografia: Phedon Papamichael Roteiro: Bono, Nicholas Klein e Wim Wenders Elenco: Jeremy Davies, Mel Gibson, Milla Jovovich, Jimmy Smits, Peter Stormare, Amanda Plummer, Gloria Stuart, Tom Bower, Donal Logue, Bud Cort, Julian Sands e Conrad Roberts Música original: Bono, Brian Eno, Jon Hassell, Daniel Lanois e Hal Willner Montagem: Tatiana S. Riegel Direção de arte: Robbie Freed Produção: Bono, Bruce Davey, Ulrich Felsberg, Nicholas Klein, Deepak Nayar e Wim Wenders Sinopse: O filho de um bilionário morre num hotel decadente de Los Angeles. Um estranho agente federal inicia as investigações entre os hóspedes. À medida que a investigação se aprofunda, os limites entre assassinato e suicídio, sanidade e loucura vão se confundindo. Prêmio: Prêmio do júri (Berlin International Film Festival 2000)

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Ode a Colônia Título original: Viel Passiert - Der BAP Film Ano de produção: 2002 | Duração: 101 min Formato original: 35 mm Cor | Idioma original: Alemão País: Alemanha Direção: Wim Wenders Direção de fotografia: Phedon Papamichael Roteiro: Wim Wenders Produção: Olaf Wicke e Björn Klimek Elenco: Marie Bäumer, Joachim Król, Wolf Biermann, Willi Laschet e Anger 77 Montagem: Moritz Laube e Igor Patalas Direção de arte: Peter Urbaniak Direção de produção: Stephan Barth Figurino: Marion Boegel Sinopse: Filme-concerto sobre uma banda de rock criada na década de 70 e chamada de BAP. O grupo, da província de Colônia, canta no dialeto local e é ignorado no resto da Alemanha.

Twelve Miles to Trona Título original: Twelve Miles to Trona Ano de produção: 2002 | Duração: 11 min Formato original: 35mm Cor | Idioma original: Inglês País: Espanha, Inglaterra, Alemanha, Finlândia, China e Estados Unidos Direção: Wim Wenders Direção de fotografia: Phedon Papamichael Produção: Samson Mücke e Pascal Leister Elenco: Charles Esten, Amber Tamblyn, In-Ah Lee, Myriam Zschage, Wim Wenders, Pascal Leister e Peggy Perrige Desenho de som: Jörn Steinhoff e Elmo Weber Montagem: Mathilde Bonnefoy Sinopse: Curta-metragem integrante do projeto Dez Minutos Mais Velho: O Trompete. Entre os outros diretores convidados estão Werner Herzog, Jim Jarmusch e Spike Lee. O tema: o tempo.

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A Alma de Um Homem Título original: The Soul of a Man Ano de produção: 2003 | Duração: 103 min Formato original: DV Pal e 35 mm Cor e PB | Idioma original: Inglês País: Alemanha e Estados Unidos Direção: Wim Wenders Roteiro: Wim Wenders Direção de fotografia: Lisa Rinzler Produção: Alex Gibney e Margaret Bodde Montagem: Mathilde Bonnefoy Narração: Laurence Fishburne Elenco: Chris Thomas King, Keith B. Brown, James Hughes, David Hughes, Shayne Tingle, Joy Brashears, Beck, T-Bone Burnett, Nick Cave And The Bad Seeds, Eagle Eye Cherry, Vernon Reid, David Barnes & James “Blood” Ulmer, Shemekia Copeland, Alvin Youngblood Hart, Garland Jeffreys, Los Lobos, Bonnie Raitt, Lou Reed, Marc Ribot, Jon Spencer And The Blues Explosion, Lucinda Williams, Cassandra Wilson, Steve & Ronnog Seaberg, Dick Waterman, Skip James e J.B. Lenoir Produção executiva: In-Ah Lee Direção de arte: Liba Daniels Sinopse: Misto de ficção e documentário sobre os músicos Skip James, Blind Willie Johnson e J. B. Lenoir. O filme aborda as tensões entre sagrado e profano existentes no blues.

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medo e obsessão Título original: Land of Plenty Ano de produção: 2004 | Duração: 123 min Formato original: Digital Video Cor | Idioma original: Inglês País: Estados Unidos, Alemanha e Canadá Direção: Wim Wenders Argumento: Wim Wenders e Michael Meredith Roteiro: Wim Wenders e Scott Derrickson Direção de fotografia: Franz Lustig Produção: In-Ah Lee, Samson Mücke, Gary Winick e Jake Abraham Produção Executiva: Peter Schwartzkopff, Jonathan Sehring, Caroline Kaplan e John Sloss Montagem: Moritz Laube Elenco: Michelle Williams, John Diehl, Shaun Toub, Wendell Pierce, Richard Edson e Burt Young Supervisão musical: Linda Cohen Direção de arte: Nathan Amondson Figurino: Alexis Scott Sinopse: Paul é um veterano da Guerra do Vietnã. Mentalmente perturbado, ele passa todo o tempo circulando com sua van pela cidade de Los Angeles, pesquisando qualquer pessoa que lhe pareça suspeita. Sem nenhuma confiança no Governo, Paul procura, desesperadamente, o homem que poderá detonar o “segundo ataque”, o novo terrorista que poderá impor aos EUA outra tragédia igual à de 11 de setembro. Para isso, ele conta somente com a ajuda do mendigo Jimmy.

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estrela solitária Título original: Don’t Come Knocking Ano de produção: 2005 | Duração: 122 min Formato original: 35 mm Cor | Idioma original: Inglês País: França, Alemanha e Estados Unidos Direção: Wim Wenders Roteiro: Sam Shepard Argumento: Sam Shepard e Wim Wenders Direção de fotografia: Franz Lustig Montagem: Peter Przygodda Música: T-Bone Burnett Música adicional: Patrick Warren Elenco: Sam Shepard, Jessica Lange, Tim Roth, Sarah Polley, Gabriel Mann, Fairuza Balk e Eva Marie Saint Produtor: Peter Schwartzkopff Empresa produtora: Reverse Angle Sinopse: Howard Spence é ator de westerns, mas no momento só consegue papéis secundários. Um dia descobre que tem um filho desconhecido. Howard vê nisso uma razão para remontar ao passado. Prêmio: Melhor fotografia (European Film Awards 2005)

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palermo shooting Título original: Palermo Shooting Ano de produção: 2008 | Duração: 108 min Formato original: 35mm Cor | Idioma original: Inglês, alemão e italiano País: Alemanha, França e Itália Direção: Wim Wenders Roteiro: Wim Wenders, Norman Ohler e Bernd Lange (colaboração) Elenco: Campino, Inga Busch, Axel Sichrovsky, Gerhard Gutberlet, Harry Blain, Sebastian Blomberg, Jana Pallaske, Olivia Asiedu-Poku, Melika Foroutan, Anna Orso, Lou Reed, Udo Samel, Guiseppe Provinzano, Guiseppe Massa, Giovanna Mezzogiorno, Patrizia Schiavone, Letizia Battaglia, Alessandro Dieli e Carmelo Billitteri Produção: Gianfranco Barbagallo, Felix Eisele, Stephan Mallmann, Marco Mehlitz, Gian-Piero Ringel, Peter Schwartzkopff, Jeremy Thomas e Wim Wenders Música original: Irmin Schmidt Direção de fotografia: Franz Lustig Montagem: Peter Przygodda e Oli Weiss Direção de arte: Sebastian Soukup Figurino: Sabina Maglia Sinopse: Fotógrafo de renome leva uma vida agitada. Em crise, viaja até Palermo. Lá encontra um amor, a vida e a morte.

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filme em exibição 126


pina Título original: Pina Ano de produção: 2011 | Duração: 106 min Formato original: 35 mm Cor 3D Idioma original: Alemão, francês, inglês, espanhol, croata, italiano, português, russo e coreano País: Alemanha, França e Inglaterra Direção: Wim Wenders Roteiro: Wim Wenders Produção: Heiner Bastian, Wolfgang Bergmann, Chris Bolzli, Gabriele Heuser, Stephan Mallmann, Helen Olive, Claudie Ossard, Gian-Piero Ringel, Stefan Rüll, Erwin M. Schmidt, Dieter Schneider, Jeremy Thomas, Wim Wenders e Mohammad Zahoor Elenco: Regina Advento, Malou Airaudo, Ruth Amarante, Pina Bausch, Rainer Behr, Andrey Berezin, Damiano Ottavio Bigi, Bénédicte Billet, Ales Cucek, Clementine Deluy, Josephine Ann Endicott, Lutz Förster, entre outros Música original: Thom Direção de fotografia: Hélène Louvart Montagem: Toni Froschhammer Direção de arte: Péter Pabst Figurino: Rolf Börzik e Marion Cito Sinopse: Pina é um filme sobre Pina Bausch, extraordinária coreógrafa alemã, morta em 2009. O filme, em 3D, é uma viagem através das coreografias criadas por Pina, pelos palcos e pela cidade de Wuppertal, onde durante 35 anos foi a casa e o centro de criatividade da bailariana. Prêmio: Melhor documentário (German Film Awards 2011)

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FILME EXTRA

Os Primeiros Anos de Wim Wenders Título original: Von Einem Der Auszog – Wim Wenders’ Frühe Jahre Ano de produção: 2007 | Duração: 96 min | Cor e PB Idioma original: Alemão País: Alemanha Direção e Roteiro: Marcel Wehn Elenco: Wim Wenders, Donata Wenders, Edda Köchl, Bruno Ganz, Lisa Kreuzer, Heinz Badewitz, Helmut Färber, Yella Rottländer, Peter Handke, Robby Müller, Peter Przygodda e Ulrike Sachweh Produção: Arek Gielnik, Julia Kaczmarek, Sonia Otto e Karoline von Roques Música original: Can Erdogan Direção de fotografia: Sarah Rotter Montagem: Dorothee Broeckelmann Direção de arte: Jenny Rösler e Imke Thun Sinopse: O filme faz um paralelo entre os primeiros filmes e a biografia de Wim Wenders. É um documentário que acompanha a história do cineasta, focando a vida do diretor antes de trocar a Alemanha pelos Estados Unidos, depois do sucesso internacional de O Amigo Americano.

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filme em exibição 129


wim wenders

DEBATE - RIO DE JANEIRO DIA 08/09 - QUINTA - 20H

AS IMAGENS DE WIM WENDERS participação: Aristeu Araújo India Mara José Carlos Avellar

DEBATE - CURITIBA

DIA 17/09 - SÁBADO - 18H SESSÃO DE “OS PRIMEIROS ANOS DE WIM WENDERS” SEGUIDA DE DEBATE COM O PÚBLICO

participação: Aristeu Araújo

Os Primeiros Anos de Wim Wenders, de Marcel Wehn

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imagens que obedecem

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wim wenders

Presidenta da República Dilma Rousseff Ministro da Fazenda Guido Mantega Presidente da CAIXA Jorge Fontes Hereda

Produção e Idealização 3 Moinhos Produções www.3moinhos.com Curadoria e Produção Executiva Ana Alice de Morais Coordenação de Produção Julia Vanini Produção Local – Rio de Janeiro Giovani Barros Assistência de Produção – RJ Paula Lousada Produção Local – São Paulo Sarah Mônaco

Assistência de Produção – São Paulo Renata Peña Produção Local – Curitiba Alexandre Rafael Garcia Organização de Catálogo Aristeu Araújo Textos Aristeu Araújo Giovanni Alves India Mara Martins Leonardo Barbosa Rossato Marcos Aurélio Felipe Marcelo Oliveira da Silva Ricardo Matsuzawa Rodrigo Carreiro Wim Wenders

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imagens que obedecem

Revisão de Textos Vanessa C. Rodrigues Palestrantes Aristeu Araújo India Mara José Carlos Avellar Projeto Gráfico Douglas Soares Web Designer Vitor Souza Lima Vinheta Giovani Barros Filmagem Douglas Soares Impressão Gráfica Grupo Gráfico Stamppa www.stamppa.com.br

Fotografias Donata Wenders Reverse Angle Pictures GmbH Vulcan Productions Wim Wenders Agradecimentos Allan Ribeiro Daniela Lauria Dennis Gerstenberger Eduardo Cantarino Gabriel Martins Hendrik Teltau Lara Lima Marcio Lima Maria Emília Tagliari Maria Sayd Pedro Perazzo Sébastien Haizet Sofia Helena

Tradução e Legendagem em Mídia Matheus Siqueira Projeção Digital São Paulo Áudio Company Assessoria de Imprensa RJ Claudia Oliveira

FICHA TÉCNICA 133



produção

promoção

patrocínio


Este catálogo foi composto com as famílias tipográficas Helvetica Impresso na gráfica Stamppa - Rio de Janeiro - RJ Miolo em papel offset 90g/m2 e capa em cartão supremo 300g/m2 com laminação fosca Rio de Janeiro, setembro de 2011




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