Revista Turista Aprendiz 2015

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Sumário ROCINhA (19 autores)

20, Fernanda Silva Vidal (Alemão): Vida na Favela; Robôs

MANGUINHOS (19 autores)

22, Valeska Torres (Manguinhos): Petropolitano

CENTRO

26, Alex Santos (Rocinha): O menino do lençol

(16 autores)

COMPLEXO DO ALEMÃO (15 autores)

28, Davi Nascimento (Centro): Papel de Poeta; Ânsia; Emergia; Malas Prontas; Canto à senzala; Inspiro

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6, Apresentação Turista Aprendiz 8, Apresentação Programa Favela Criativa

Textos 10, Woaiza Figueiredo (Manguinhos): No barco “NÓS”, conhecendo os marujos, capitão e os refúgios.

14, Ana Maria Rodrigues (Rocinha): Espere por mim, Copacabana

16, Guilherme Cunha (Centro): O Jantar

34, Bruna Alves (Alemão): Bem-te-vis; Tevi, Tevi; Bela Vista

38, Thamires Bonifácio (Manguinhos): Penedo, uma terra mal assombrada?

44, Caroline Rodrigues (Rocinha): Quissamã 48, Raphaela Luiz e Karen Campos (Centro): Dias atuais; Viajante; Negra Cena

54, Damiana Figueirêdo (Alemão): Memórias de Quissamã; Blecaute


56, Raiannê Rodrigues (Manguinhos): Petropolitando; Pequena crescida

60, Tainá Melo (Rocinha): Rio Claro 64, Larissa Melo (Centro): Por um instante voar; Ler para existir; Estou me tornando

86, Samara Félix (Manguinhos): Viajante menina 88, Nicole Pereira (Centro): Corda Bamba 90, Brenda Mota (Alemão): Jessy, a diferente 92, Mikael David (Rocinha): O casamento no Jongo

70, Eduarda Lima (Alemão): DROGA!

95, Rebecca Miller (Manguinhos): Turista de mim

72, Bruno da Silva (Manguinhos): Meninos do Sinal;

98, Isabella Mendes (Centro): Olhei para o mar

Confusão

100, Iara Lima (Alemão): O Museu; Black

74, Yuri Lopes (Rocinha): Anjo; Rio das Pedras

104, Mariana Castro (Rocinha): Monstro mais próximo

77, Uesley dos Santos (Manguinhos):

108, Matheus Gomes (Manguinhos): Pipa

Não posso me calar; O caminho; Petrópolis

80, Isabela Tavares (Centro): Senzala Brasil 82, Ananda Trajano (Alemão): As diferentes visões 84, Raquel Andrade (Rocinha): Imaginação

110, Shélida Silvério (Centro): Luz que irradia meu caminho ao seu

114, Fillipe de Souza (Alemão): Petrópolis, um relato de viagem.

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118, Makollin Silva (Rocinha): O fim da escravidão 120, Marcelo Lopes (Manguinhos): Como cachoeira 122, Thainar Xavier (Centro) O tigre de Hampshire; O mundo pela Janela

128, Isadora Farias (Alemão): Pedra da Serra;

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148, Tawan Loryan (Alemão): Quissamã; Uma metrópole no interior do Rio

152, Amyne dos Santos (Manguinhos): Do Centro ao Morro

154, Eduardo Couto (Rocinha): Três amigos

Letras Alojadas; São Pedro e seus encantos

156, Diana Lemos (Alemão): Sem rumo

130, Luana Batista (Rocinha): Descobertas individuais

158, Camila Quima (Manguinhos): O coração quer ficar

133, Karine de Jesus (Manguinhos): Quadro de família

160, Eduarda Pereira (Rocinha): Em maio

136, Thayane Soares (Centro): Viajo sem rumo...;

164, Ana Luiza Tornelli (Manguinhos): Olá Paraty;

Não pretendo olhar para trás

A partida, Paraty; A Petrópolis

138, Késya Barros (Alemão): Felicidade

166, Carmélia Costa (Rocinha): Rio Claro

140, Jaqueline Nobre (Rocinha): Quissamã – Um ponto de

168, Ana Beatriz F. dos Santos (Manguinhos): PUC

vista diferente

144, Giovanna Souza (Manguinhos): A pedra da dor 146, Vitória Iracema (Centro): Transformação

170, Natália Lopes (Rocinha): Turista Aprendiz 174, Luis Victor Moraes (Centro): Amizade; Simplicidade Musical


176, Petra Merlim (Manguinhos): Cátedra (eternos turistas) 178, Estefani Basilo (Alemão): Energia dos séculos 180, Douglas de Paulo (Rocinha): Conflito Amoroso

210, Lucas Silva (centro): Encontro com os grandes; O coração quer o que quer; Seu quebrar; Luz amarela

216, Emely Helen (Alemão): O ocorrido; Sombra; Hotel Cassino

184, Raphaela Luiz (Centro): / Amena Cidade / ; Sapiência

218, Valeska Torres (Manguinhos): O garoto era Beatles

186, Juliana Lourenço (Manguinhos): Dumont

220, Luís Gustavo Souza (Centro): Morro Azul;

192, Gabriel Leonne (Alemão): Ambulante; Enigma;

Pop Contradições; Sangue Negro; Amanheci

Monotonia

228,

196, Fabrícia Mello (Rocinha): Rio Claro e São João Marcos 200, Rayanne Adjene (centro): Sou 202, Isabela Cunha (Rocinha): Beijo na praça 204, Gabriel Mação (Manguinhos): Memórias de uma cidade

206, Robson Casciano (Rocinha): Atabaque: o som da igualdade

Créditos

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Apresentação Viajar e escrever. Viajar e transformar a viagem em poemas, diários, contos e crônicas. Observar e conviver. Transformar as experiências do deslocamento geográfico em fonte de criação artística, de descoberta do mundo e de si. Essa é a ideia basilar do Turista Aprendiz. Durante o ano de 2014, cerca de 100 jovens em idade escolar se reuniram nas Bibliotecas Parque da Rocinha, Mangui-

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nhos, Complexo do Alemão e Estadual para ler, debater e produzir textos de caráter literário e relatos de viagem. Foco narrativo, ponto de vista, autoria, identidade, alteridade, etnocentrismo, estereótipo e estranhamento foram alguns dos conceitos trabalhados para enriquecer a reflexão e a construção de narrativas sobre o mundo que nos cerca. Além das aulas em sala, as turmas realizaram viagens pelo interior do estado do Rio de Janeiro e por diferentes regiões da capital. Os destinos foram traçados considerando as particularidades geográficas e socioculturais das regiões fluminenses e sua relevância histórica e patrimonial. Os alunos puderam conhecer Paraty, Petrópolis, Rio Claro, Penedo, Quissamã, Araruama, Vassouras, São Pedro da Serra e Lumiar. Na cidade carioca, além dos tradicionais pontos turísticos como os bairros de Santa Teresa e Lapa, os jovens navegaram pela Baía de Guanabara, visitaram a região portuária e voltaram no tempo ao percorrer as ruas de pedra e avistar os casarios do Rio Antigo. Também conheceram equipamentos culturais, universidades e os locais de moradia de seus colegas, aproximando afetivamente as comunidades e desconstruindo preconceitos.


Esses deslocamentos foram construídos de maneira a estimulá-los na experimentação de outras subjetividades: como viajantes, escritores e pesquisadores. Nosso norte foi o turista aprendiz Mário de Andrade que, em suas viagens etnográficas, cruzou o Brasil no início do século XX. Foram nas experiências de campo que nossos autores encontraram inspiração para desenvolver os temas que norteiam esta revista. Nela, o leitor poderá embarcar nas viagens de cada jovem e revisitar o Rio de Janeiro sob novos olhares. Como se trata de criação, a liberdade de fantasiar e recriar a realidade talvez tenha sido a grande “viagem”. Para a maior parte dos alunos, este é o primeiro desafio de escrever e publicar. Agora leitor, cabe a você embarcar conosco nesse trajeto. Você já está com o ticket nas mãos. Boa viagem!

Equipe Turista Aprendiz

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Programa Favela Criativa Por acreditar que o trabalho cultural e educativo, apesar de apresentar resultados no longo prazo, é sem dúvida a ação mais eficaz para cristalizar o comportamento do cidadão, é um grande prazer para a Light fazer parte do Programa Favela Criativa, em parceria com a Secretaria de Estado de Cultura, ANEEL, Banco Interamericano de Desenvolvimento- BID e do Ministério da Cultura.

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Composto por um conjunto de projetos, o Programa Favela Criativa oferece a jovens agentes culturais formação artística e especialização em gestão cultural e estabelece canais de diálogo entre estes jovens, possíveis parceiros e patrocinadores potenciais. Também fomenta a reflexão sobre a cidadania e sustentabilidade através da Cultura, beneficiando três mil jovens envolvidos de forma direta e 40 mil, de forma indireta, em diversas comunidades pacificadas do Rio de Janeiro. E certamente projetos como o Turista Aprendiz atinge esse objetivo, ampliando as referências culturais dos jovens e desenvolvendo suas habilidades de criação literária.

Equipe Light


Através de projetos como o Turista Aprendiz, que convida os participantes a desbravar territórios e universos culturais, incentivando o olhar antropológico e a escrita, o programa Favela Criativa, parceria inédita entre o poder público e a iniciativa privada, contribui para o desenvolvimento cultural das favelas. Com oficinas nas comunidades de Manguinhos, Rocinha, Centro e Complexo do Alemão, o Turista Aprendiz promove formação artística e literária ao mesmo tempo que busca expandir a visão e os horizontes dos alunos.

Secretaria de Estado de Cultura

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No barco “NÓS”, conhecendo os marujos, capitão e os refúgios Woaiza Figueiredo

Em um pequeno lugar, me permito viajar. Viajo entre letras, entre desenhos, poetas, historiadores e cometas. Aventurome em direção ao irreal, descobrindo que uma dose de loucura não me faz mal.

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Estou no barco, você está no barco, no barco “Nós”. Nesta viagem, descubro dons e sorrisos. Descubro pessoas, marujos, vidas. Vidas amargas e doces, vidas vividas. Convido-lhe a conhecê-las também. A menina poeta, poeta menina, que ao falar encanta, transmite paz e alegria escondidas. O “circuladô de fulô”, que vai de flor em flor, tentando roubar seu pólen, seu beijo (e muitas vezes, consegue). Alguém que se dizia fraca, mas que se torna firme e confiante, e diz ao reflexo do espelho que não há ninguém mais forte que ela.

A menina fria que roubava livros e que agora rouba corações e deixa os meninos caídos. A habitante da mesa, que partiu deixando experiência e beleza. A guerreira que já foi aos anéis de Saturno e hoje espera um anel em seu dedo. O menino labirinto, que mesmo perdido em si, sempre acha a saída, ou a inventa, pulando os muros. O estrangeiro descoberto, aquele sentimento que surgiu aos poucos e hoje está presente em todos. A harpa, que com seus doces tons e voz serena faz flutuar em meio a poemas. Existe também, na tripulação, o andarilho, que em nosso


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caso é o anda-rindo. Não há um minuto de seriedade, ele sempre espalha a felicidade.

riquezas e histórias.

Há também os mapas andantes, eles tornam tudo inte-

Temos o nosso menino-águia, pensa longe, voa longe,

ressante, medem as localidades e se apossam com proprie-

acredita longe, mas que somente agora aprendeu a enxergar

dade.

longe, e não vai parar tão cedo. Seu destino é ir longe.

Temos as flores, cujo objetivo é encantar. São pequenas, caladas, mas sua beleza nos faz impactar.

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A mergulhadora silenciosa, que vai ao fundo do mar e traz

Vemos no barco também o diamante que precisa ser lapidado para reconhecer o seu valor, porém já serviu para lapidar muitos outros. E quando “ela” for lapidada, se preparem! Sua luz vai ofuscar muitas bijuterias por aí.

A menina que contava histórias de terror, mas que o sorriso meio tímido faz todos rirem com amor. Há também a rainha e o príncipe. Toda navegação que se preze leva uma família real. E por fim, falta falar de quem guia esse barco, nosso capitão. O que ensinou que a vida é única e que dela não deve-

Temos os nossos marujos, que mesmo de longe ajudam

mos abrir mão. Que temos que velejar até os sonhos, atracar

a seguir nossa rota, mapeando os lugares e nos livrando das

nos objetivos e navegar no mar da realidade. Que orientou

pragas marítimas. Mas em contrapartida ficam em nosso for-

a rota e deu o cursor em nossas mãos. Mas que ficou atrás

te, que ironicamente se chama Praga.

da porta, para estar presente na hora da aflição. Que nunca

A doce menina, coberta de açúcar nas atitudes e palavras, nossa jujuba.

deixou um marujo na mão e que, se fosse possível, se daria por inteiro, para que nós fossemos completos... E que nos fez crescer e não ensinou a diminuir.


Esse barco é feito somente de detalhes: madeiras de amor, pregos de carinho, proa de fidelidade, vela de felicidade, tintas de audácia. Tudo revestido com a mistura mais forte que existe. Pena que o barco ficou pequeno demais, pois com tudo o que aprendemos, a tendência é evoluir. E com dor no coração, deixaremos esse barco. Cada um construirá o seu, com o material que lhe foi dado. E quem sabe, nessa imensidão que é o mar da vida, iremos nos esbarrar, outro ano, outro mês, trocar experiências e viver como se fosse a primeira vez.

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Meu nome é Woaiza, sou a mãezona do grupo. Sou apaixonante e apaixonada. Amo a vida e sua simplicidade. Tenho uma relação inabalável com livros e letras. Uma frase que vou levar pra sempre é: não posso mudar as pessoas do mundo inteiro. Mas posso mudar o mundo das pessoas ao meu redor.


Espere por mim, Copacabana Ana Maria Rodrigues

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Estou esperando, mas ele não vem. Já faz mais de uma

co, agora. Quanto tempo faz que eu o espero? Odeio essa

hora e empecilho nenhum duraria tanto tempo. Estou espe-

ponta de esperança que aparece sempre que vejo cabelos

rando com as passagens na mão e os cabelos ensopados

castanhos passarem por aquela porta. Ele não vem. Por que

por causa da chuva que enfrentei trinta e seis minutos en-

mesmo que ele não vem? Acho que não fui boa o suficien-

quanto o procurava lá fora. Ele não vem, não porque desistiu

te para que ele desistisse de toda aquela droga de futuro

de nós, mas porque desistiu dele mesmo. Desistiu de ser

que o esperava depois da faculdade. Um estágio no jornal

livre. De ser livre e de me amar de volta. Mas eu ainda não

da cidade. Aquilo era melhor do que eu? Do que a gente?

desisti do apartamento em Copacabana que combinamos

Amar é uma droga. Acho que o problema é o meu câncer.

de comprar quando estivéssemos longe de tudo. Longe da

As pessoas não lidam bem. Eu tenho câncer e algumas rou-

mágoa e do aperto. É verdade que seria um apartamento

pas molhadas para usar quando chegar ao Rio de Janeiro.

pequeno, mas esse seria outro aperto, nosso aperto, aquele

Tenho câncer e mesmo assim ele não veio. Não veio porque

que nos deixaria juntos e não separados. Ele não vem, e isso

eu tenho câncer. Isso foi meio rude da parte dele. Mesmo

não devia me fazer chorar, ensaiei essa cena um monte de

assim eu não devia chorar. Mas estou chorando. Por causa

vezes no espelho. Ensaiei porque sabia que o nosso final po-

dele, não por causa do câncer ou da família problemática

dia não ser feliz, não porque não acreditava nele. O amor às

que eu deixei para trás. Estou chorando por que talvez ele

vezes não é suficiente. Quem eu quero enganar? Ele era um

só tenha desistido de mim. E eu esperava que não houvesse

covarde. Um covarde que me amava. Amava? Devia amar,

essa possibilidade, não sabia que mais alguém podia desistir

mas não veio. As passagens estão começando a ficar úmi-

de mim.

das e meu jeans está ensopado, o ônibus só sai às oito da manhã. Ainda são quatro e quinze. Quatro e quarenta e cin-


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Meu nome ĂŠ Ana Maria Rodrigues. Tenho 16 anos. Estudo no AndrĂŠ Maurois. Prefiro escrever direto no Ipod.


O Jantar Guilherme Cunha O mestre chega à mesa. Rodeado de inúmeras possibilidades se indaga sobre qual seria a melhor opção para sentar-se e começar a se servir. Nesta ambiguidade relativa e exata ele é servido e ao mesmo tempo é o que servir. Depois da permutação, da procura da brisa ideal que entra da janela, alguma iluminação e conforto, é claro, ele se instala. À sua frente, o depósito de ideias se encontra pronto para o

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jogo dos sentidos. Um banquete está por vir. Assim como todo bom mestre, este primeiramente toma seu instrumento de uso, que servirá de condutor para usufruir de todas as possibilidades e impossibilidades que dali pra frente virão a ser servidas. Logo se prepara para o ritual. Tem início o jantar. São aproximadamente alguns minutos desaproximados da realidade no qual o mestre deixa fluir seus pensamentos constantes e findos, num instante. Ele está pronto para o primeiro prato.

De entrada é servido algo leve, suave. Apenas para dar ânsia ao que está por vir. Uma vontade inestimável começa a surgir, e sua fome por absorver e extravasar sobre a mesa toma conta de suas ações. O movimento de seu instrumento, que está possibilitando o desfrute deste banquete, começa a acelerar e chega a ficar desagradável, sem decoro algum, o modo como o mestre o conduz. Urge pelo prato principal, e o mesmo se encaminha. Finalmente, o prato principal é posto aos poucos. E, estranhamente, o banquete começa a perder sentido. É como um maestro perdendo o controle de sua orquestra, desarmonizando e impossibilitando a continuidade homogênea da obra. Às vezes imediato, momentâneo e ao mesmo tempo duradouro, compassado. Amargo, doce, sem sal. Assim o banquete é apreciado pelo mestre. Percebe intuitivamente que, para continuar, uma pitada de senso é mais que necessária. E depois dessas medidas e algumas pitadas, o mestre chega à conclusão de que a mistura de todos os sentidos, essa sinestesia de essências, torna o banquete mais prazeroso do que a monotonia de


tudo um pouco e a cada vez. Ou não. Agora já sabe apreciar este jantar tão fabuloso do jeito apropriado, e passa a dar asas ao novo que está ali bem na sua frente, pronto para ser absorvido ou expelido. Já não sabe mais nada. A embriaguez do vinho claramente está fazendo com que o mestre saia de si algumas vezes e cometa gafes na mesa de jantar. Mas nada tão grave que impossibilite-o de dar continuidade a seu banquete já que, afinal, quem promove o tão luxuoso é ele próprio. Não faria sentido atribuir limites ao provedor de tudo isso. Lidem com tal embriaguez, o mestre que manda, sem mais. E muito mais loucura. Serviu-se suficientemente para ficar satisfeito com o prato principal. São inúmeros estímulos atravessando o mestre neste momento. Sensação de descontinuidade, ânsia, vontade absurda de acabar com tudo isso agora, neste exato momento. Mas sua sensatez não permite, ele sabe que tudo na vida se conclui, mesmo que o incompleto ou um disfarce de completude seja o único final. A sobremesa está vindo, com toda certeza.

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Chega o grand finale, a sobremesa. O mestre deve concluir o banquete. Tem em mente que o ideal está ali, mas não pronto. O mestre está tão cheio... Mas ainda não satisfeito. Ele precisa mediar toda a obra para então restabelecer a última conexão com a fuga da realidade. É difícil, caloroso, mas necessário. Tantas alternativas existentes, mas nenhuma vem à mente. A síntese de uma obra como esta requer uma espécie de delicadeza, coisa que o mestre não tem. Dispensada a consciência disto, a coisa simplesmente flui, do jeito

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que veio ao real. E a sobremesa é devorada. Para terminar, o mestre lava a alma. Passa por todo o banquete, tudo que foi feito estava bem ali na sua frente. Inevitavelmente, ele não deixa de analisar toda a composição e indagar-se sobre o sentido daquilo. Sem sentido ou com, a estética da obra é o principal neste momento. Uma gota a mais nesta xícara de imprecisões pode fazê-la transbordar. Mas talvez a sobra, o excesso, seja uma dádiva, como já dizia sua vó. Bom, analisando bem, só uma certeza se configura neste momento estranho e dubitável: a digestão deste jantar será longa e bem difícil.


Luzes Luzes vêm, surgem, ressurgem de tantos lugares... Luzes que se propagam em linha reta, contrapondo nossas vidas que de retas nada têm, são cheias de bifurcações e curvas que impossibilitam, ou mesmo possibilitam, nossos destinos. Luzes que se propagam vorazmente, mais vorazes que qualquer coisa que se define voraz. Talvez tudo que é voraz tenha surgido da voracidade das luzes. Assim as nossas vidas de hoje em dia que, de tão velozes, comparam-se a ela, luz. Luzes que não pesam no espaço, mas que sem o espaço, o meio, são solitárias, sem ter o que iluminar. Solitárias como nós, que procuramos tantos sentidos e funções, sem perceber que qualquer nada vira algo quando por nós se ilumina. Luzes de tantas cores... Opacas, translúcidas, pelo espaço em que penetram. Luzes que atravessam nossas íris sem pedir permissão para pôr e impor, ilusão ou realidade, em nossas mentes.

Meu nome é Guilherme, tenho 18 anos e moro na Tijuca, Rio de Janeiro. Uma vez me contaram que somos movidos por nossas paixões, mas acredito que, no meu caso, o que me move mesmo é a curiosidade. Vivo me jogando no desconhecido, experimentando o diferente e até hoje nunca me arrependi de tentar algo novo. Tenho um enorme interesse por ciências exatas, mas não dispenso uma boa dose de humanas. Gosto de ler, ver filmes e séries, tirar fotos, estar em contato com a natureza e amigos e ainda estou pegando o hábito de escrever por prazer. Nietzsche um dia pontuou um pensamento que eu procuro levar a todo tempo comigo: “Toda convicção é uma prisão”.

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Vida na Favela Fernanda Silva Vidal Tiros da direita, tiros da esquerda.

Assim como fizeram com sua mãe e seu irmão! Nesse Brasil de pacificação.

De um lado, brancos vestidos de preto, do outro, mestiços sem blusa, negros de bermuda.

Viraram e atiraram,

Chinelos perdidos, vidas também.

Abaixaram e atiraram, Levantaram e atiraram.

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Virar e atirar! Abaixar e atirar!

Pegou no bandido, no morador, no cachorro da vizinha!

Levantar e atirar!

Qualquer um naquela linha. Bala perdida, bala encontrada!

Morador abaixa para não pegar

Tem um morto na escada, no beco, na viela.

Nas crianças, nos bebês de colo, nos que estavam a cami-

Só mais um na favela.

nhar. Morador, vai para casa para não te esculachar!


21 ROBÔS Somos robôs de membros encolhidos. No Brasil, aos poucos, todos se tornam robôs de braços encolhidos na escuridão. Não verás destes nunca vir a mão, Robôs não possuem coração.

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Cactos ambulantes, Árvores sem frutos. Mau humor delirante. Ruas vazias, hipocrisia cheia. Poesias vazias, bocas com areia.

Meu nome é Fernanda Silva Vidal, tenho 16 anos, nasci e vivo atualmente no Complexo do Alemão. Mesmo com a influência social, na maioria das vezes negativa em relação ao estudo, consegui de certa forma me estabilizar e hoje curso o 2º ano do Ensino Médio no C. E. Jornalista Tim Lopes. Como a maioria dos jovens de hoje, com tantas possibilidades, ainda não sei que faculdade cursar.


Petropolitano Valeska Torres

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aquilo que só com

Ontem conheci pessoas

a

Por isso que creio

m

(como creio na vida)

o

Que nada é à toa

r

Que toda despedida

se sente

É um

Ontem conheci pessoas c

i

militantes o

cl

Era como se autodenominavam Clamavam por justiça

De ida

Questionavam o porquê

sem vinda

do princípio da

Ontem conheci pessoas

injustiça

mesmo com toda a garoa

E se nem filósofos

pude sentir latente

astrólogos


com suas previsões e teses e soluções podem acabar com a fome aquelas pessoas conseguiam fazer aquilo que não

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some Ontem conheci pessoas Um filósofo Ou um poeta? Jogava com as palavras de uma forma secreta Falava

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a r

r

a s t a d o

os turistas

Mas quando recitava

viajarem na velocidade

sua voz por todo aquele lugar Ecoava

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Ecoava

Ecoava

de um Ecoava

c

E na nossa mente

o

se entrelaรงava

m

Se o moรงo

e

havia desvendado

t

todo o planeta

a

ele agora fazia Jรก nรฃo conheรงo pessoas agora sinto o sussurro das folhas.


Ouço

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aquilo que entra nos pulmões de uma mãe de um filho. O verde confronta a luz amarela. O céu confronta a eternidade. E então fecho meus olhos começo a me sentir p-a-r-t-e daquela cidade.

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O menino do lençol Alex Santos “Estava procurando uma casa, não precisava ter janelas nem um teto, mas bastava me sentir seguro. Encontrei. Estou cercado de portões, mas não estou numa jaula, não te preocupes! Estou apenas cercado pelas árvores e pelo lago. Não tenho um mísero centavo no bolso, nem nada de grande valor comercial. Levo comigo apenas meu porto seguro, a imagem num papel, minha mãe. Sinto sua falta, entretanto,

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se hoje estou aqui é por causa dela.” Seu nome, como constava na certidão de nascimento, era João Lagunas. Até hoje não entendia seu significado. Ele sempre andava próximo às águas e não compreendia o porquê desse jeito. Sentia-se seguro e somente isso bastava. Sua pele avermelhada, seus olhos negros e seu corpo com marcas estranhas eram apreciados por qualquer um que o visse. Roupas? Apenas um pequenino short e um lençol que ganhou de um alguém quando caminhava próximo à salina da Região dos Lagos, Rio de Janeiro. Juturnaíba era uma região próxima a Araruama, ali era por

onde esse pequeno menino, de aproximadamente dez anos, caminhava. Arrastando o lençol pelo chão, apagando as pegadas deixadas por seus pés no barro ou na areia, e assim, fazendo com que ninguém o encontrasse. Olhando sempre para uma fotografia de sua mãe, que ele apertava entre as mãos. Numa certa noite, minha tia encontrou este menino. Ela tinha oito anos quando isso aconteceu. Tia olhava pela janela de sua casa quando percebeu que este rapazinho, enquanto caminhava, gemia de dor. Ela continuou observando-o. Tomou um susto! O menino do lençol a fitava. Tia sabia que o garoto estava morrendo de fome. Tia Jujuliana foi à cozinha, pegou o único pedaço de pão que tinha no cesto, saiu de casa fazendo o menor barulho possível. Assim que chegou perto do garoto, entregou-lhe. Sorrindo, João comeu o pão e convidou minha tia para visitá-lo. Ela queria dizer que não podia, mas aceitou o convite. Os dois seguiram sempre em frente por uma rua de barro. Num descuido, Jujuliana pisou numa coisa gelada, era uma serpente, e esta, numa abocanhada veloz, feriu minha tia.


– Titia Jujuliana morreu, pai? – Calma filha! Deixe-me contar o resto. O menino pegou a cobra pela cabeça, que tentava escapar de sua mão, e tacou-a o mais longe que pode. João pegou seu lençol e o amarrou na perna de Tia, e seguiram mata adentro. Naquele momento, ela poderia ter pedido para voltar para casa, mas insistiu em continuar a rota. Depois de tanto caminharem, chegaram ao Lago Juturnaíba, cheio de jacarés. Tia Jujuliana gemeu de medo, o menino disse-lhe então que não precisava se apavorar com aquilo,

nela havia uma foto sua. Foi para a cozinha e não encontrou o pão. Seus pais ficaram reclamando da falta de sorte deles, pois o pão havia sumido. Jujuliana tinha certeza de que aquilo não tinha sido apenas um sonho, porém nunca mais viu o menino que arrastava o lençol. – Pai, que foto Tia tinha na cama? – Era uma foto dela, na verdade a imagem na foto parecia ser ela, mas Titia não recordava dessa imagem, por isso a pergunta era: “Quem era a mulher na foto?”.

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ele sempre a protegeria. Pulando nas cabeças dos jacarés, os dois chegaram ao meio do lago, e quando o menino saltou, pairou no ar. Da água, abaixo dos pés dele, surgiu um brilho celestial. Agora Tia podia ver que a pele do garoto cintilava, num tom azulado, as marcas contidas em seu corpo. “Cocoricó!”, gritava o galo. Titia Jujuliana acordou num salto. Olhou para sua perna e viu que estava tudo bem. Levantou-se da cama, e viu que

Nasci no Estado de Sergipe, mas hoje moro no Rio de Janeiro. Sempre gostei de me aventurar na literatura e, na escola, já me destacava por isso. Sou bailarino e escritor, além de cantor e ator por hobby. Tenho um blog chamado AsaFanfics onde posto minhas fanfics e histórias originais.


Papel de Poeta Davi Nascimento

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O barco

Ao céu

Atraca na ponta do lápis

É sua folha

Os riscos

A superfície

Por si só

Onde o barco

Se apagam

É poeta

No mar

Escrevendo

Não cabe um verso...

A todo instante

Já não se sabe

Onde as linhas

Seu tamanho

De hoje

Se dobra

De ontem

Em sua borda

Se sobrepõem.

Ou se transborda


Ânsia A noite Queima como palha seca Sedenta por chuva Saliva escassa Cigarro aceso Se deita e Se faz fumaça Um frio na barriga que torce o lençol Na cama Desarrumada Como quem percorre labirinto Aberto

Sem muro ou porta Em seus olhos Como um risco Na caixa de fósforo A fosca nuvem rebenta Não vê miragem A pele deserta em

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Fissura se fecha E se abre A cortina do quarto Em brisas Dias amenos.

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Emergia O despor do sol A põe de pé Espelha seus olhos Castanho escuro à clara luz

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Aquecendo A pele O sorriso O café Ainda mais castanho Nas primeiras horas do dia Sequer emerge um barco ao farol... Negro tão quente quanto os raios


Fonte extrema de energia para a vida vazia

Sexto sentido:

Movida por รกguas tranquilas Naufraga nas ondas do som.

Malas Prontas O automรณvel Espera parado O dia

Mudanรงa Na caixa Sequer Cabem os amigos... Dobra as roupas Na mala e Se desdobra

Parece parado Quando crianรงa Brincava no quintal Despedida do seu quarto Quinto abrigo

Ao avesso O automรณvel Espera parado O dia permanece parado.

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Canto à senzala Cresci na senzala De terra socada Em punho cerrado e Contido

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Nos cantos Calados Já sem força E cega esperança Em grilhões rompidos A todo tempo Mordaça no cantar baixinho Açoite cravado


Nas cicatrizes da cara Enxada nos ombros De homens sofridos Amor de criança Nas costas Rasgadas Sangrando sal pela Pele ferida Suando Vida Em vão Roubada.

Inspira Penedo Inspiro Sinto o sopro do meu próprio Suspiro Diante de sua beleza não silencio o que sinto Sinto-me como parte de ti Não como o vento que sopra as folhas Ou como o sol que seca as roupas Mas como as águas de um rio Que toda incerteza leva consigo Expiro

Meu nome é Davi Nascimento, tenho 17 anos e moro em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Adoro música, fotografia, desenho e literatura. Gosto de sair com meus amigos e de estar em contato com a natureza. Eu escrevo poesia e vejo a escrita como o mais lindo meio de expressão.

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Bem-te-vis Bruna Alves Dois Bem-te-vis Sobrevoam o ar livre No cĂŠu azul da Cidade maravilhosa Com peitorais estufados

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Penas amarelas Com couro rosado Nas costas. Pousados apĂłs o vento fraquejar Sobre uma grade de ar condicionado. Gritaram chamando alguĂŠm Ou algum outro ser


Do Bem. TEVI, TEVI... Viram-me! E pegaram outro sopro Fresco do vento, Do lado de fora das grades, Da qual eu estava por dentro.

Milhões de vezes Enquanto eu descia. Selarón quem os fazia Os pintava, os quebrava, Em mosaico os juntava E no Vermelho os grudava, Enquanto vivia. Cada um com sua mensagem

Bela vista

Sendo de voz ou imagem

Uma Lapa de negra, de mulata,

Até vi uma frase

Uma Lapa de barriga eu olhava,

Do “Sir Charles Spencer Chaplin”

No ladrilho ela aparecia

“O homem”.

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Depois, os gringos,

Conversar com chilenos viajantes

Os gringos olhavam

E umas bijus comprar...

E mais fotos e fotos tiravam, Num percurso de turista Em que todos viajavam. Era bem bonito,

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Era bem feito, Mas trabalhoso demais, De pensar que um homem fez tudo aquilo durar. Escorregar, cantar “Pais e filhos” Ou, sei lá!

Depois de tudo isso, Pude me lembrar De moças confinadas Que nunca andaram por lá Ou sentaram-se na escada Ou sentiram o calor abafado da Lapa Ou falaram espanhol Com quem passava. Inspirei e respirei, Pirei em cada degrau que desci.


Olhei o tempo, E mesmo com chuvisco e vento Pude me alegrar e sorrir. Parei, apreciei, E vi ruelas não muito belas E vistas tão belas

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De um Rio Escrito de lá.

Sou Bruna Alves, moradora da Zona Norte - RJ, estudo no município de Duque de Caxias. Gosto de praia, mar, sol e maresia, como todo carioca da gema! Ouço quando posso MPB, Grunge, Reggae e R&B, mas me considero eclética! Gosto de sair com meus amigos, esses que tenho desde a infância. Descobri meu gosto pela literatura ao frequentar alguns saraus pelo município do Rio com uma querida amiga poetisa, e com o “Turista Aprendiz”.


Penedo, uma terra mal assombrada? Thamires Bonifácio Quem conta um conto, sempre ganha um ponto. Na cidade de Penedo, há tempos ouve-se falar de acontecimentos que assustam a população. Relatam algumas pessoas que juram ter visto, transitando pelas estreitas ruas do município, pessoas que já morreram. E o mais preocupante é saber que esses entes já falecidos continuam por ai, para incômodo geral. É algo surpreendente e inimaginável aos olhos humanos, mas que são fatos sobre os quais se faz juramento,

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principalmente em noites bem friorentas. Ao decorrer destes fatos, muitas pessoas têm evitado, diariamente, sair de suas respectivas casas. Pois além do inverno angustiante, o medo é um forte contribuinte para que as pessoas não saiam sem a extrema necessidade de fazê-lo. Mas isto não é uma sentença normativa. Há pessoas que verdadeiramente gostam das baixas temperaturas e que se sentem bem em saírem às ruas para encontrar amigos e colocar as conversas em dia. Certa noite, um grupo de amigos se reuniu num determinado ponto da cidade e começou a conversar ao redor

de uma grande fogueira. Repentinamente, escutaram gritos de socorro que vinham de dentro de um grande casarão situado no final da rua. Eram gritos de susto e de horror, e pareciam ser de uma mulher. O grupo ficou em desespero e resolveu prontamente correr até o casarão para ver o que estava acontecendo naquele ermo lugar. O casarão era antigo, as paredes estavam gélidas em demasia por conta das baixas temperaturas, e as escadas eram sombrias. Para entrar na residência, fora necessário acender uma pequena lanterna. O medo era muito aparente na face de cada membro daquele grupo de amigos. A pessoa continuava gritando desesperadamente por socorro e, a cada passo dado pelo grupo, mais angustiante aquela situação se tornava. O que de fato estaria acontecendo naquele grande casarão? Ao subir as escadas eles se depararam com uma mulher de média estatura, de pele branca e com olhos arregalados em demasia. O grupo lhe perguntou o que tinha acontecido com ela. A mulher relatou que estava sendo perseguida por


um homem que ela jurava ter morrido há tempos, e que dizia − em vida, naturalmente − que se tivesse a oportunidade, do além voltaria para perseguir as pessoas. Segundo ela, este cidadão chamava-se José da Silva Maria, conhecido no município pela alcunha de Zé Maria. A profissão de Zé Maria era de ferreiro. Fazia inúmeras ferramentas de metal: facas, tesouras, machados, foices etc. O ferreiro havia cometido um crime bárbaro, matando uma jovem a facadas por ela não manter um relacionamento amoroso forçado.

A jovem possuía 16 anos de idade quando o crime

viera a acontecer, e o criminoso teria em torno de 65 anos.

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Sua ação causou muita ira no seio da população. A vítima fora estrangulada, sem quaisquer chances de defesa. Dias após ele ter cometido o crime, a polícia descobriu que o responsável por aquele imperdoável assassinato era o ferreiro. Prontamente, foi levado à unidade prisional. A população enraivecida o seguiu até a prisão, invadiram a cela e começaram a bater nele, demasiadamente, até a morte. Porém, as pessoas que ajudaram no linchamento relataram que este homem proferia palavras desconexas e fazia sinais que todos tomaram por bruxaria.

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Lamentavelmente, ele viera a morrer. A polícia nada pôde fazer porque a multidão era imensurável e também incontrolável. Levado para o Instituto de Anatomia da cidade por uma viatura policial, funcionários tiveram medo até de fazer a perícia, pois, segundo eles, alguma coisa diferente estaria acontecendo com aquele defunto. Os olhos estavam vermelhos como sangue, os cabelos queimados cheirando a enxofre e os dedos endurecidos em forma de chifres.

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Os mais religiosos diziam que o morto era filho do “Coisa Ruim”. Os céticos nada afirmavam ou comentavam, ficavam somente boquiabertos com a situação macabra. Depois de ouvirem este relato sobre-humano, o grupo de amigos se atemorizou e indagou à mulher de que maneira a tal criatura se manifestara. Ela, totalmente assustada, disse que suas palavras pareciam maldições impetradas contra os que provocaram sua morte. Sabia-se que ele era um assassino crudelíssimo, afinal havia tirado a vida de uma jovem de 16 anos em idade. O mal ainda estava prevalecendo naquela região. A mulher comentou que Zé Maria carregava uma foice e iria se


vingar, assassinando sete meninas moças. Para os especialistas no assunto, esta fala ratificou o fato de que ele verdadeiramente fizera algum tipo de pacto satânico. Os amigos se comoveram com a situação da mulher e resolveram tirá-la do casarão e levá-la a um sacerdote católico que fizesse preces de proteção a sua vida. Assim foi procedida a ida da mulher à Catedral. Quando lá chegaram, já era muito tarde da noite. Fizeram questão de chamar o sacerdote, passaram o caso para ele, e o mesmo orou para que os céus pudessem proteger e livrar a mulher de todas as forças do mal. Também lhe foi oferecida estadia naquela congregação religiosa por alguns dias, de repente meses e quem sabe talvez anos. Tudo dependeria da cessão da perseguição espiritual. O que mais impressionou foi o relato do próprio defunto de ter tido a incumbência de matar sete meninas moças. O número 7 tem uma significância muito grande dentro de certas simbologias religiosas. É considerado o número da perfeição, do certo, do exemplar comportamento humano. Mas será que esta simbologia teria uma mesma significação

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no contexto dos pactos de Magia Negra? Passados alguns

obteve resposta. O homem parou em frente a uma casa da

dias a mulher nunca mais se reencontrou com o espírito do

rua e continuou a gargalhar. Passados alguns instantes, ele

falecido, e o padre a aconselhou a retornar ao casarão e ter

desapareceu do nada.

uma vida normal. Sete semanas após o acontecido, o grupo de amigos re-

conversar. A noite estava friíssima, mas a conversa era total-

solveu mais uma vez se encontrar à noite no mesmo lugar.

mente agradável a eles e, por isso, continuaram e esquece-

Neste encontro, eles conversaram sobre a mulher que ha-

ram o incidente.

viam socorrido, relembraram toda a macabra história e re-

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Apesar do estranho incidente, os amigos continuaram a

tomaram a conversa cotidiana. A noite era extrema fria na cidade, a fogueira estava acesa e as horas se apressavam. Quando, de repente, alguém viu a figura de um homem vindo com um vestuário preto parecido a um terno e uma grande cartola também na cor preta. Aquele homem caminhava, caminhava, mas nunca chegava ao local em que estavam. O grupo começou a ficar preocupado. Alguns disseram ver na mão do homem uma bengala e, debaixo do terno, uma gravata vermelha. Na boca, um charuto aceso. Às vezes, parava e dava algumas gargalhadas. Gatos miavam, cachorros ladravam e janelas se fechavam a cada momento. Foi quando alguém no grupo gritou: Quem é você? Mas não


A grande verdade é que até hoje ninguém consegue determinar verdadeiramente o que está acontecendo no local. A cada dia que passa, milhares de pessoas vêm de vários lugares do país e do mundo para tentar entender o que de fato acontece em Penedo. Segundo a maioria da população, o possível pacto de bruxaria feito por José da Silva Maria, o assassinato da jovem de 16 anos, e o linchamento na Unidade Policial fizeram com que repousasse na cidade uma maldição de vingança por parte dele. A única maneira que se tem de reprimir ou quebrar esta perseguição sobrenatural seria através de rezas ou mandingas feitas por religiosos, em troca de doações. Verdadeiramente, quem conta um conto ganha um ponto.

Meu nome é Thamires, moro em Bonsucesso e estudo no Cap/ UFRJ. Gosto de ler e escrever contos de ficção. Meus autores favoritos são Machado de Assis e Tess Gerritsen, que são uma grande inspiração.

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QUISSAMÃ CAROLINE RODRIGUES Olhei pela brecha da janela e seus cachos negros estavam

- À noite, na árvore... Às onze, quando os candeeiros es-

balançando. Seu sorriso ao vento era o mais bonito que eu

tiverem apagados, e o senhor Vicente já estiver deitado. Te-

já tinha visto. Seus olhos eram grandes e brilhantes como o

nha cuidado, André, pelo amor de Deus! (olhares de deses-

sol nascendo pela manhã, e exatamente naquela manhã, ela

pero se cruzaram).

acordou ainda mais bonita. A pele morena estava radiante de suor. Eu, o filho do dono disso tudo, não deveria insinuar coisas

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em minha cabeça, mas a verdade é que estava cada vez mais apaixonado por essa mulata. E não trocaria o calor dela por uma sinhá, ainda que seja desejo de meu pai. - Preta, venha cá! Cochichei chamando Maria até a janela. - Senhor! Estou ocupada com a comida, agora não dá! E seu pai pode nos ver, e não vai gostar nadinha, pois já desconfia de nós... - Preta! Já disse que não precisa me chamar de senhor. Quero ter uma conversa séria com vosmecê...

O som da carroça lá fora aumentou e o senhor Vicente se aproximou com seus passos brutos. André se afastou, e foi para o quarto. Depois do jantar, Maria fez seus afazeres. Minutos depois, André desceu as escadas e ela o seguiu logo atrás. Antes que ela falasse alguma coisa a agarrei e a beijei debaixo da árvore. Não desperdicei nenhum minuto. Não é sempre que ficamos a sós. - Preta... (segurei sua mão) hoje pela manhã, não tive outro pensamento, a não ser te tirar dessa escravidão. Quero te dar uma vida melhor. Você não merece isso, para isso preciso te tirar daqui.


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- Vamos fugir? - Aceita? Vamos construir uma nova vida daqui em diante. Nós nos amamos, e viver às escondidas só trará mais sofrimento. Não concordo com nada disso, esse regime em que vivemos. - Não tenho dúvidas de que vamos ser felizes juntos! - Vamos entrar antes que nos vejam. Descanse, meu amor,

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que a madrugada amanhã será longa... Atravessaram o matagal e foram para seus aposentos. O

depois, lá fora, André já estava com o cavalo selado, aguardando Maria, que demorava a aparecer na porta, deixando seu amado ainda mais nervoso... - Tenho medo, e se nos pegarem? Disse Maria assim que chegou. - Não vão! Por isso sairemos agora, bem cedo vamos estar longe. Vamos, suba no cavalo! Cavalgaram durante toda madrugada e, como esperado, estavam longe de suas terras pela manhã.

dia foi longo para Maria, dia de muitos afazeres até arranjar

No dia seguinte, Senhor Vicente acordou e não achou o

um tempo para se despedir de seu irmão, o único que so-

café da manhã na mesa como de costume, chamou por Ma-

brou de sua família. André passou o dia com seus amigos,

ria, mas não obteve resposta. Perguntou à esposa se a viu

com o coração cada vez mais apertado. À noite voltou para

mais cedo, andando pela casa. A senhora disse que também

casa. Jantou. Depois, passou a noite colado em sua mãe,

procurava por André, que ele ainda não estava na mesa do

que inocentemente lhe retribuía os carinhos.

café. O pai de André desconfiava de algo estranho, pois inú-

No dia seguinte, após o jantar, Maria já se preparava para arrumar a louça. A aflição não se escondia ao recolher os talheres da mesa, ela tremia desesperadamente. Minutos

meras vezes ele já tinha flagrado os dois cochichando, logo, saiu para procurar por pistas que pudessem esclarecer o que ocorria. Verificou na senzala e em todos os possíveis cantos em que Maria pudesse estar, e nada! Também olhou


o quarto de André, onde seu guarda-roupa estava vazio. No estábulo, seu cavalo não estava junto aos outros. Não foi difícil concluir o que tinha acontecido, pois com uma mucama tão bela e um filho que não se interessava pelos assuntos da família, não poderia ter um desfecho mais previsível. Sobre a mucama, ninguém procurou saber. Em seu lugar, ficou uma senhora para prevenir casos parecidos com moças novas e belas. Sobre André, a família dizia que ele foi para outra cidade estudar. Não colocaram ninguém a procura dos dois. Sentiram falta do filho, sim. Para Vicente, André mostrou ter outros interesses na vida. E todos os dias, nos fins de tarde, quando ele se sentava

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na varanda da casa, resmungava entre os dentes: Aqui nas minhas terras, preto é o que não falta... Meu nome é Caroline Rodrigues, tenho 16 anos. Moro com meus pais, no Rio de Janeiro, na comunidade da Rocinha. Estou no 2º ano do ensino médio, e quero me formar em odontologia. Adoro música e toco violão, gosto de assistir a filmes, sair com os amigos, amo animais, mar, plantas, cachoeiras, praia, sou apaixonada pela natureza. Meu interesse pela escrita não é profissional, por enquanto é um instinto natural que acontece para liberar o que sinto. O papel aceita tudo! E é a primeira vez que publico algo


Dias Atuais Raphaela Luiz e Karen Campos Carla começou a noite bebendo um copo de vodka. Na fila do bar, conheceu um cara, moreno, alto, que lembrou seu primeiro amor. Ricardo, o nome dele. As amigas Leila e Mari decidiram deixá-los se divertindo. Dançaram, se beijaram e beberam a noite inteira. Carla adorou passar a mão no cabelo dele. Noite quase no fim, Ricardo pediu para ela passar a noite com ele. Já bêbada, ela aceitou.

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Na manhã seguinte, Carla acordou em um motel, sozinha e atrasada. Era segunda-feira e dali a pouco ela tinha que chegar à redação. Com dor de cabeça, levantou e tentou se recompor. Seguiu com sua rotina no jornal onde estagiava: papéis, telefonemas, e-mails, boas e más novas. Há semanas sentia-se mal, sonolenta, enjoada. Tô trabalhando muito, preciso de tempo pra mim... Faz tempo que não vejo as meninas - repetia. Carla ligou para Mari e propôs um encontro, mas avisou que não queria mais saber de balada porque estava cansa-

da. Mari, preocupada, perguntou se ela tinha usado camisinha na noite da festa. Carla mal lembrava a fisionomia do moço, menos ainda se usara preservativo. Desesperou-se. – Isso não pode ter acontecido, eu não posso... – Calma, Carla, é só uma suspeita. – Mas se eu estiver... – Para, você não vai... Horas depois. – Olha o resultado pra mim, dessa vez. – Positivo. Grávida! – Eu não posso, tenho que tirar... – Calma, você tá nervosa. – Tá decidido, Mari. Vou tirar!


– Isso é perigoso, Carla, pensa melhor, além do que é muito caro. – Eu sei, mas vou conseguir o dinheiro, não quero e não vou ter esse filho. Carla passou meses juntando dinheiro e achou uma clínica no centro da cidade. Uma conhecida já tinha feito, era seguro, diziam, embora mais caro. Mais um mês passou e Carla completou 5 de gravidez. Sentada em seu quarto viu que já tinha todo o dinheiro de que precisava, quando sentiu o primeiro chute do bebê e lágrimas escorreram pelo seu rosto, que ela secou depressa com a palma da mão. No dia marcado sentiu um grande alívio. Estava bem, chegou cedo demais e decidiu andar pelo centro. Sentiu vontade de comer sorvete de amendoim. Comprou e parou em frente a uma banca de jornal pra ver as notícias. Afastou-se e, olhando o jornal do último mês, ficou orgulhosa quando viu uma matéria de sua amiga. Quem sabe daqui uns dias minhas matérias também não estarão aí nos grandes jornais... Pensou alto.

– Carla? – Oi... nossa! – Que foi? Ficou surpresa? – Ahã... Não posso conversar agora. – Está atrasada pra algum lugar? Quero conversar um pouco. Foi tão legal o que rolou. – Não, quer dizer, eu preciso ir... De verdade. – Fica, ou me dá seu telefone, sei lá. Toma o meu número... – Não vai dar mesmo. Roberto, né? – Ricardo! Nossa... Nem parece a mesma Carla. – E não sou! Vou indo agora. Até. Carla saiu andando e se sujou com o sorvete. Decidiu ir logo na direção de onde seria feito o procedimento. Parada em frente à casa amarela, respirou fundo procurando esvaziar sua mente, depois o seu corpo e a vida que ali pulsava.

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Duas mulheres passaram correndo e esbarraram em Carla, que caiu nos pés da escada. Ricardo, que a seguia de longe, sentiu o impulso de correr para ajudá-la, mas se conteve e observou. Carla entrou e esperou. Havia três grávidas antes dela. Ficaria ali mais algumas horas até acabar com aquele pesadelo. Escutou um pouco o seu cantor favorito no rádio da sala. Viu um programa chato na TV. As revistas cheias de reportagens inúteis. Avisaram que ela seria a próxima. Coração acelerado, não tinha mais volta, ela tinha decidido.

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Tempos depois, Carla foi até o aeroporto. – Qual é o destino? – Índia, “terra dos elefantes de boa memória”, pensou. – Passagem para quantos? Carla sorriu.

Viajante Por longo tempo quero cair no mundo sem malas, regras rumo Viver uma aventura santa louca Traçar rotas sem prumo Fazer outros os campos


51 praรงas avenidas Venho de estradas tranรงadas para me encontrar nos braรงos da rua.

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Negra cena Vi quando o arrastaram Vi, pela brecha da janela

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Ouvi grito e chibatada n達o bastasse o puseram num tronco e o deixaram.


Eu, que sou livre não tinha que arrastar o dia Peguei um copo d’água e levei pro moço Com cuidado dei a ele.

53 Mamãe viu-me e logo levou-me pelo braço com pressa e uma expressão de orgulho.

Meu nome é Karen, tenho 20 anos e moro na Cidade de Deus. O que mais me encanta nessa vida é o ser humano e sua capacidade de se adaptar a qualquer ambiente. Amo viajar, ler e escrever contos e poesias. A frase que me define é: ‘’Só sei que nada sei’’ do Sócrates.


Memórias de Quissamã Damiana Figueirêdo A macumba toca alto Negros, amarelos e brancos Entram na roda Cantam e dançam No ritmo do jongo Naquele lugar

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Entre o rio e o mar O riso é fácil Difícil é não dançar No solo marcado por sangue escravo.

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Blecaute

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Finalzinho de tarde, A luz falta na comunidade. O silêncio se instalou, O batidão acabou. Pedrinho ficou puto, Não encerrou seu jogo. Teve gente chutando a TV perderam o final da novela. A criançada continuou jogando bola, nem perceberam que a luz tinha ido embora.

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Dona Maria e sua vizinha continuaram no portão,falando da vida alheia. Esqueceram que suas filhas também fazem besteira. Quem gostou disso foi o malandro do Seu Zé Vendeu tanta vela, surrupiou as velhas. A torcida animada gritou, Finalmente a luz voltou.

Eu tenho 18 anos e estou cursando o último ano do ensino médio. Fico na dúvida se vou estudar medicina veterinária ou audiovisual. Transbordo e escrevo o que já não cabe em mim, para sempre me manter meio cheia... Ou meio vazia.


Petropolitando Raiannê Rodrigues

seu cobertor de orelha.

De uma a várias vezes, tudo que é velho e conhecido torna-se novidade.

E, se seguir e seguir, e não encontrares o caminho de volta

Tudo parece igual, um lugar e uma casa que lembram outros.

56 Neles, não me acho, só me perco e se perder é bom, todos os cantos te acolhem porém poucos te aquecem.

Mas esse frio faz bem, para quem tem ou não tem


57 Para e respira

Guardes ou publiques

só não pensa por muito tempo,

deixa seguir a linha da tua vida e registra o que se fez

está quente fora daqui... E o que se fará (?) Dá mais alguns passos para amaciar a terra e desfaça a tua mala. Transforma um dia em um ano ou em um milênio, em vida ou história.

Aqui não só se acolhe os corpos viventes deixa que flua, cria...

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Pequena crescida Trancada em um mundo visto por ela

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Nina pequena, de olhos esbugalhados

com paredes escuras

vazios e fechados.

sem portas e sem janelas

Nina pequena, de poucos gestos e de pensar encoberto

onde só uma fresta havia.

Nina pequena que tudo tem

Fresta esta

Que nada tem

por onde Nina avistou duas rainhas

Tem vontade de fugir

que encontraram Nina pequena

vontade de viver e de ganhar

tadinha

e lutar, crescer, superar

com seus braços esticados

Ah!...Mas se não olhar, não vai notar.

querendo a luz de seus lábios agarrar

Nina só tem vontade

e agarrou.

o que falta é coragem.


E levando-a sobre si, levou

E Nina, que fora pequena,

a um lugar apertado, porém extenso

Naquela salinha de grandes promessas

com tijolos bonitos, repletos de significado e grandeza.

Crescia.

Em um deles havia a sua coragem

E o projeto que alguém um dia teceu

em outro sua alegria

hoje

logo ao lado seus projetos

tece a história de Nina.

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e bem acima o sol que o seu dia irradia.

Sou Raiannê Rodrigues, nascida e criada na Baixada Fluminense. Aprendi bem cedo o valor da leitura, mas a vontade de produzir textos só veio aos 14 anos. Ao participar do projeto Turista Aprendiz, aquela simples vontade de produção tornou-se uma enorme paixão e hoje os meus textos sempre são produzidos com sentimentos, sejam eles de amor, de fé ou de dor, pois eu não escrevo somente por escrever, escrevo para simplificar em poucas, ou muitas palavras, pensamentos necessários ou indesejados, para compreensão daqueles que buscam nos meus textos mais saber e inspiração.


RIO CLARO TAINÁ MELO Absorveu minh’alma

me fazia falar sobre sentimentos,

O verde se apossou de mim

calar o silêncio, dar uma rosa para a moça,

E eu o engolia.

andar em Rio Claro espalhando poemas de Varela.

E cada gole me deixava bêbado de felicidade. O segundo era igual ao primeiro,

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Mesmo bêbado,

só que tão louco que me fazia cantar,

eu saí pelas ruas perambulando

para todos ouvirem…

Até que esbarrei em um sarau, Onde outros bêbados de felicidade

Mas já no terceiro era de não aguentar mais…

Deram-me três drinques:

Então, puxei a moça para dançar. E ela eu nem queria mais soltar.

O primeiro tinha gosto de poema,


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A moça tinha voz doce

Ainda estava com a ressaca da felicidade.

e olhos de girassol.

Minha mente já pedia outro gole.

Eu mergulhei e saí em Lídice.

Mas eu tenho de ter paciência Para essa carência.

Ali, habita o Rio das Pedras. Onde eu peguei na mão dela

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e a levei para andar sob as pedras. Aquele lugar era uma aquarela… Tudo tão ótimo, excelente. O sorriso junto com a paisagem… Não queria voltar para a realidade.

Então fechei os olhos e acordei a bordo.

Aos 18 anos, eu busco uma maneira de fugir do mundo. Ter um mundo só meu. Escrevo tentando construí-lo. Onde o amor é algo de extremo valor. Comecei a criar esse mundo pela minha página no facebook “Eu lírico”.


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Por um instante,voar Larissa Melo Swoosh! Swoosh! o vento a falar aos meus ouvidos o mergulhar do céu em meus olhos o incutir do sol por todo meu corpo

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que ora se aproxima ora se afasta ao fechar os olhos sinto-me livre como a selvagem águia que se deixa carregar pela brisa fria e calorosa ao mesmo tempo

como o abraço do mar das oito neste instante sem direção sem sentido nem tempo exatos apenas em movimento outros elementos vêm contemplar minha descoberta ouço o tilintar das folhas o som dos carros


bem distantes o ranger das cordas que tocam minhas mãos, tão suavemente estas movimentam-se como asas sob o céu de veludo Fico a pensar... quantos outros aqui sentaram-se fecharam seus olhos e também se permitiram voar Hora de partir meus pés aterrissam no chão e digo adeus ao balanço.

Ler para existir Talvez eu veja tudo com um olhar demasiadamente poético e de poético, a vida, muitas vezes, não possui absolutamente nada Pobres os sonhadores, indivíduos de alma pura, que vivem submersos no irrealizável Estão presos à infinidade de palavras que formam cada obra existente e as muitas outras que ainda

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estão por serem criadas

de experiências

Oh!

sentimentos

Como é confuso e perturbador

e sonhos

O que seria de nós

moldados e transpostos

presos nesta distopia

para folhas de papel

na imensidão de incertezas

posso enxergar e viver ...

Sem o amparo da leitura?

Há outra forma mais bela e profunda

Seríamos um não ser

de se descobrir o real ofício da vida

vagando pelo nada

senão através dos livros?

Sobre a vida

É como assumir mais de uma existência

sinto que nada sei

uma reencarnação

Todavia, com os livros

É como se eu

que nada mais são do que o acúmulo

matéria orgânica


destinada a putrescência mergulhasse na eternidade Ler talvez seja a única certeza que possuo na vida o resto é ilusão.

Estou me tornando Estou me tornando algo não sei bem o quê Hoje acordei me sentindo uma praça velha e suja As cores dos brinquedos a cada dia se exaurem desbotam Até o céu visto do escorrega ofuscou-se

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O sol já não nasce os balanços já não voam a gangorra não existe agora, é apenas matéria deteriorada por cupins O chão se desertificou e já não crescem flores

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árvores grama fungos Cresce, apenas a falsa esperança de algo a ser.


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Meu nome é Larissa Melo, tenho 18 anos e moro no Rio de Janeiro. Ler, sem dúvida, é algo inerente à minha vida, sou apaixonada pela prosa reflexiva de Clarice Lispector e pela escrita hipnotizante e “diabólica” de Dostoiévski. Além da literatura, amo cinema, teatro e poder explorar a vida sempre de uma nova perspectiva, através de novos lugares e novas pessoas. Uma frase que me inspira e impulsiona é: “ Viver é a coisa mais rara do mundo. A maioria das pessoas apenas existe.” - Oscar Wilde


DROGA!

Eduarda Lima

(I) - Olha... Uma estrela cadente, faz um pedido! - Pensei, pensei e nada. - Fez?! - Fiz. - Pediu o quê? - Não posso dizer. Se não, não se realiza. - Tem razão.

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SMACK! - Por que me beijou? - Foi o que pedi. E nesse momento me arrependi de não ter pedido uns mil desses. (II) De viagem em viagem fui virando um viajante. A pé, de balão, avião, trem, metrô ou ônibus! Enfim, qualquer meio de transporte. Sua viagem começa agora! Atenção senhores passageiros! Permaneçam sentados até o fim da viagem, obrigado!

- A visão é linda... Merece uma foto. Atenção! Preparar! Já! - Droga de árvore! - Que tal um selfie? CLICK (III) Foi e voltou. Partiu meu coração e foi embora. E já restaurado voltou com um “me abraça!” Pensei: isso deveria ser uma ordem? Mas apenas disse: - Abraço! E envolvido em meus pensamentos Fui e perguntei sem querer: - Deseja alguma coisa? - Sim, seu coração! - Pode levar. E levou. Cogitei: pode levar?


Era tudo que eu tinha!

Meu nome é Eduarda Lima, tenho 16 anos e moro no Complexo do Alemão. Estou cursando o 9º ano do Ensino Fundamental. Adoro escrever e essas são algumas das minhas poesias.

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Meninos do Sinal Bruno da Silva Como casual, num dia normal, estou preso no trânsito. Vejo flanelinhas atrás de flanelinhas, correndo e se organizando como se armassem uma emboscada. Uns fazem malabarismo, alguns vendem bala, outros limpam vidros. E quando a luz alcança seu nível verde e brilhante, todos somem como sombras ao sol, liberando espaço para que os carros possam passar.

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É possível ver crianças contando seu dinheiro com uma leve expressão de alegria e satisfação por um trabalho bem feito. Como será? Por que estão aqui? Crianças não deveriam trabalhar. Trabalho é para gente grande, isso minha mãe já dizia. Cresci com o conforto de meus pais, trazendo-me tudo do que precisava. Sou Bruno da Silva, um garoto comumente diferente, que gosta de fazer tudo, sem deixar nada de lado.


Confusão Cresci com o foco em crescer e aprender.

Viver é uma arte

O que aconteceu com você?

Viver é um sonho

Por que você não está na escola?

Viver é uma realidade

Por quê? Por quê?

Vivo num contínuo espaço de confusão

Acho que nunca vou entender

um eterno vento sem direção me guia ao caminhar Caminho de vida Caminho de sorte Caminho da morte Minha vida contada a quem vive a quem morre vida contada contada.

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ANJO YURI LOPES Acho que morri e fui para o céu,

O Anjo era delicado e sutil.

ou melhor, quase lá. Sua beleza europeia No alto de Santa Tereza eu vi um anjo,

se misturava com a vista do Rio de Janeiro

um anjo que era de Portugal, lindo e belo.

e o Pão de Açúcar ao fundo.

Seus cabelos pretos,

Numa plataforma de 360º graus

longos e lisos ao vento.

no alto de ruínas

O sorriso belo e esplendoroso.

me senti maravilhado,

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ao ver um anjo, um anjo chamado Marta.


Rio das pedras Em Lídice

O Rio das Pedras

Experimentei algo que nunca provei,

Se mistura à mata verde e viril,

Um banho no rio de água doce

Com o céu parcialmente nublado e um pouco frio,

E como gostei.

Resolvi dar meu primeiro mergulho em águas que eram escuras.

O Rio das Pedras me causou alvoroço

Sons de correntes batiam nas pedras inconsequentes.

E também um povo que ali estava curioso. Mergulhei. Estava gelada. O pessoal caminhava em meio às pedras E comecei a segui-los desvendando aquele pedaço de terra.

Aquele Rio das Pedras, Era um lugar que não queria deixar.

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Meu nome ĂŠ Yuri Lopes, tenho 19 anos e sou morador da Rocinha. Gosto de skate, mĂşsica, assistir a desenhos, desenhar, passar noites de final de semana na Lapa ou em luais, viajar, praia... isso ĂŠ um pouco de mim.


Não posso me calar Uesley dos Santos Não tenho muito que falar mas não posso me calar sinto-me às vezes inferior mas sei também do meu valor.

Quero aqui me expressar mesmo não sabendo que escrever é também não falar

É calar-se, é gritar sem ruídos.

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O Caminho Nem terminou, já sinto saudades Nem acabou, já tenho vontade De te conhecer mais a fundo e te ter no meu mundo. Mal sabia eu que estavas em mim

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mal sabia eu...

De ter fé e ir sempre avante e sentir-me confiante dentro da pureza, vi a beleza.

Que calar-se pode ser um ninho mas expressar é o caminho.


PETRÓPOLIS Petrópolis, jamais te esquecerei exuberante és tu os teus encantos são como cantos tuas ruas brilhantes jeitos e maneiras me fizeram ver.

E até no ar posso entender que essa vida é vil e passageira que o importante não é ficar, é viver e lembrar que existem muitas coisas para aprender.

Olá, meu nome é Uesley dos Santos Araújo e moro no Complexo da Maré (Nova Holanda) com meus pais e irmão. Gostei muito da experiência de convivência com os meus colegas e amigos, com seus poemas, contos e histórias e aprendi que se expressar talvez seja o caminho para o sucesso na vida. O Projeto me proporcionou a descoberta da escrita, que eu achava que estava perdida. Também tenho paixão por música, ou melhor, “Amo Música”, toco violão, guitarra, contrabaixo, teclado e componho meus próprios arranjos e melodias. Tenho certeza de que, assim como eu, muitos dos meus colegas e amigos levarão esse aprendizado para o resto da vida.

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Senzala Brasil Isabela Tavares

Mas a liberdade há de sair

A Senzala que abriga

E a esperança no peito fechada

A cor do Brasil

A grandeza da terra é de quem a construiu

De gente sofrida

mesmo que os oprimidos não sejam lembrados

Chibata cantada

E que as lutas inglórias continuem sem se contar

De fé no batuque

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E riquezas roubadas

O povo que ergueu este país Continua sendo o negro

Um povo tão pobre e trabalhador canta aos grilhões do ditador O sangue jorra das costas marcadas Inunda o peito de raiva e desgraça

filho e orgulho da pátria mãe gentil.


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Meu nome é Isabela, tenho 18 anos e gosto imensamente de estudar. Sou sensível às questões sociais e adoro História. Pretendo continuar a expandir meu saber e meu conhecimento de culturas diferentes.


As diferentes visões Ananda Trajano do, que eles veem frequentemente. A polícia é a que reprime; Favela... Um lugar que hoje em dia muitos querem saber como é. Muitos a imaginam de alguma forma e não sabem que o Estado criou uma maquiagem para que alguns a vissem de uma ótima forma, mas só quem está aqui dentro sabe qual é a “forma verdadeira”.

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Já o asfalto... Aaaah o asfalto... Este é bem conhecido por todos! Zona Sul, praia, restaurantes chiques! São vistos por boa parte das pessoas e é sonho de consumo de todos. As opiniões dos moradores dessas áreas são polêmicas. Começando, infelizmente, sobre a ideia de cada um em relação à polícia do Rio de Janeiro. Para o negro, o favelado, o trabalhador e o morador de comunidade, a polícia é vista, em muitos casos, como um violador da lei e dos direitos humanos, assim como o bandi-

a que entra na favela para esculachar o morador. Assim se constrói, de forma negativa, a opinião de que a polícia e o Estado são, atualmente, os maiores violadores da lei. Já para o rico, o playboy, ou o estereótipo que você leitor preferir, a polícia é quem os protege, que prende e dá uns tapas nos pivetes que passam e roubam “seu iPhone na orla de Copacabana”. Muitas vezes, eles consideram a polícia como “seus” salvadores da pátria. Mas também não vamos generalizar e pensar que todos os moradores da Zona Sul possuem visões assim. Em ambas as partes há exceções. Porém, a questão (e a pergunta que não quer calar) é: e aí? De qual lado você está? Nós moradores de comunidade não temos lado, pois ficamos no meio de uma guerra que não é a nossa, uma guerra provocada por um Estado que discursa: queremos promover a paz.


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Sou Ananda Trajano e tenho 15 anos. Estudo no Colégio Estadual Paulo Freire e milito no Coletivo Papo Reto. Não sei direito o que quero fazer depois que acabar o colégio, eu estou em dúvida sobre muitas coisas.


IMAGINAÇÃO RAQUEL ANDRADE Já se tinham passado quatro horas de viagem e cada vez mais olhávamos pela janela. O que víamos era apenas verde, mato, campos e montanhas. Depois passou mais uma meia hora, quando avistei uma cidade e até brinquei: - Terra à vista!

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me deu alguns calafrios... A cada virada de curva durante a caminhada, achava que estávamos chegando ao fim da estrada, e o suspense aumentava. Finalmente voltamos para o ônibus e partimos em direção a Rio Claro. Quando chegamos lá, almoçamos e fomos para a escola onde dormiríamos. Tomamos um banho e partimos para a praça da cidade. Esta praça era muito linda, diferente

- Ha, ha, ha!

de tudo que já vi. Fizemos um sarau e alguns moradores lo-

Meus colegas riram e rapidamente olharam. Passamos

nossos poemas, cantamos músicas, dançamos e, como

direto pela cidadezinha e, mais um tempinho depois de estrada, nós, finalmente, chegamos a São João Marcos. Andar pelas ruínas de lá fez a minha imaginação ir longe, me fez voltar ao tempo e pensar como seria viver naquela época e passar por tudo o que passou a população local. Ver uma igreja e uma prefeitura totalmente destruídas realmente foi muito interessante. Mais um pouco de caminhada pelo parque arqueológico, que mais parecia com uma floresta, e senti que me deu um pouco de medo. Imaginei-me em um filme de terror cheio de zumbis vindo atrás da gente, o que

cais pararam para prestar atenção ao que fazíamos. Lemos somos adolescentes e não somos antissociais, interagimos com os jovens de lá, na maioria meninos. Conversamos o resto da noite no campo de futebol da cidade. Em um momento, eu e Isabela ficamos sozinhas com vários meninos da cidade. Percebi que as mulheres de lá nos olhavam de forma diferente, mas não me importei com isso. Eu queria apenas fazer novas amizades e guardá-las comigo. Já se passaram vários dias que saí de Rio Claro, mas sinto que meu pensamento ainda ficou por lá, naquela cidade maravilhosa e calma. Estou pensando em voltar...


Me chamo Raquel Andrade. Tenho 20 anos, sou estudante do ensino médio, faço dança desde os 8 anos na Cia Livre de Dança da Rocinha e através dela conheci outras culturas e procuro sempre me aprimorar para seguir carreira.

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Viajante menina Samara Félix Conheci uma menina nova. Uma menina encantadora, uma jovem sonhadora. Ela viajava tanto que tinha dias que eu nem a via, ela desaparecia e demorava dias e dias para voltar. E foi em uma dessas viagens que ela pensou nas paredes com tijolos bonitos, nos rostos dos meninos, pensou nela, nas amizades, nas viagens e nas brincadeiras, quando sempre surgiam bobagens. Pensou nos sorrisos estampa-

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dos em um painel, ela parou e começou a olhar o céu. E se deu conta de que havia crescido e que aquela menininha que ela era já se havia ido. Ela havia se tornado uma guerreira... Viagens e mais viagens, ela é do tipo viajante, uma mochila nas costas e a coragem nos pés, de uma menina que já não era tão menina, era já mulher, que sempre tinha como semblante um sorriso estampado no rosto. Um dia observei essa menina e vi o quanto ela era feliz entre aqueles tijolos, com os amigos que ela construiu. Ela se deu conta de que aquilo foi o maior presente na vida dela, de que o Turista Aprendiz foi um dos passos mais impor-

tantes e que, graças a este, ela pôde aprender o significado verdadeiro das viagens e das amizades... Hoje ela quer falar pra vocês - obrigada T.A., por me acolher, por me ensinar o lado bom do conhecimento e por me deixar desfrutar dos melhores momentos.


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Me chamo Samara. No turista aprendiz, mais conhecida como “imensa”. Sou muito alegre, simplesmente falo muito. Amo ler e escrever. Escrever já virou rotina, já faz parte de mim. Ler já é a minha vida, não me importaria de ler um livro em um dia.


Corda Bamba Nicole Pereira

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Em uma trilha, parece um perigo ainda

Uma trilha pode ser torturante

mas na escuridão onde você

mas também pode ser uma sensação

não enxerga muita coisa

de liberdade em um pedaço do mundo

é que parece estar em uma corda bamba

quando você está no topo e vê

prestes a cair senão prestar atenção

os carros parecendo formigas

nas pequenas coisas que tem pela frente.

os prédios parecendo maquetes os humanos, uma pintura

Se quando estamos em uma corda bamba

onde tudo parece caber

vimos além do que imaginamos

na sua mão.

ficamos com coração palpitando Queremos que tudo acabe e que volte a ter os pés no chão.


Meu nome é Nicole, tenho 18 anos e moro na Cidade de Deus. O que mais me fascina é a natureza, onde posso relaxar, esquecer todos os problemas e viver tranquilamente. Amo ler, viver aventuras, esportes radicais, jogar vídeo game e viajar. A frase de que mais gosto e me identifico é: ‘’Neste momento eu juro que são infinitos.’’

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Jessy, a diferente Brenda Mota Na escola, na rua e até em sua casa, Jessy se sente diferente das outras pessoas. Todo mundo, e até ela mesma, fala de suas diferenças e certas esquisitices que carrega desde pequena. Sempre encontra dúvidas e fatos que a incomodam e a deixam um pouco “fora de si”. Em sua mente sonhadora e criativa, já inventou milhões de coisas e pessoas para fazer

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parte de sua vida real. Talvez, por isso, sempre fique triste com alguma coisa que não corresponde ao que tinha planejado em sua mente. Cheia de incertezas, a menina ainda quer saber o que será de sua vida no futuro. Antes, odiava ser diferente e se sentia excluída por seus colegas. Hoje, luta para essa diferença não desaparecer, ela tem um grande medo de ser normal, de não fazer a diferença, de ser parte da multidão que fica a sua volta.


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Tenho 16 anos, estou no 1° ano do ensino médio e estudo no Colégio Estadual Paulo Freire. Pretendo fazer faculdade de Línguas e de Arquitetura, duas coisas que eu sempre falei que iria fazer, desde pequena. Gosto de ler e isso tem me ajudado bastante no colégio.


O casamento no Jongo MIKAEL DAVID Numa cidade muito conhecida, a capital do mundo, Nova York, existia um homem muito alegre com a vida, chamado Richard. Ele adorava trabalhar numa concessionária de carros importados. Ganhava bem e podia gastar com sua namorada Helena. Ela trabalhava no ramo de decoração e era muito famosa pelo seu trabalho na cidade.

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chegavam turistas na fazenda. Os turistas achavam muito estranho isso. Richard e Helena planejavam viajar para o Brasil por causa da Copa do Mundo. Eles queriam conhecer algumas cidades do estado do Rio de Janeiro, as mais faladas e as menos conhecidas. Quando o casal chegou ao Rio, eles se hospedaram

Toda semana, o casal saía para um passeio romântico de

no Hotel Copacabana Palace. Foram recebidos pelos empre-

carroça no Central Park ou para jantar em algum restaurante

gados e pelos cariocas. Eles adoraram a praia, principalmente

italiano. Além de terem ótimos empregos, tinham o portu-

a temperatura. Para eles, era melhor o calor de trinta graus

guês afiado. Não importava se fazia sol, chuva ou frio de

do que o frio de menos oito. No dia seguinte, saíram e foram

menos de trinta graus. O casal sempre assistia às aulas de

conhecer a favela da Rocinha. Acharam interessante a forma

português nos fins de tarde.

como as pessoas viviam no local e tiraram várias fotos da

Enquanto isso, no Rio de Janeiro, na cidade de Quissamã, existia uma pequena fazenda chamada Machadinha, um lu-

confusão das motos subindo e descendo, da Via Ápia, do valão e da quantidade de lixo em alguns pontos da comunidade.

gar onde a maioria dos moradores é descendente de escra-

No mesmo dia, foram para Araruama com um grupo de

vos. Essas pessoas moram em senzalas reformadas e têm

turistas que conheceram. Visitaram a Praça João Hélio.

medo de estranhos, de gente nova. Eles fugiam para dentro

Acharam interessantes os enfeites de araras pela Praça, que

de suas casas que nem uma barata foge do chinelo, quando

pareciam dialogar com a história da cidade. Compraram vá-


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rios objetos de artesanato, principalmente cordões. Sábado de manhã, acordaram cedo e partiram para Quissamã. O grupo queria conhecer a Fazenda Machadinha. Richard achou bacana conhecer o local, já Helena estava morta de sono por ter acordado cedo demais.

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Quando estavam na entrada da Fazenda, os moradores correram para dentro de suas casas. O guia turístico lhes disse que essa atitude era normal na região. Desceram do ônibus. Richard e Helena estranharam o solo arenoso, o casal nunca tinha visto um museu que funcionava dentro de uma senzala mal reformada. O guia explicou o significado da palavra Quissamã, sua história e a da Fazenda.

res. Ele passava vídeos no museu e deixava as crianças de lá brincarem com videogames. No final da tarde, Richard, Helena e o grupo viram uma apresentação de Jongo, dança de origem africana. Helena não aguentou e se jogou na roda, logo atrás dela, Richard ficou animado para dançar. Naquela hora, os dois ficaram olhando um para o outro, e Richard achou o momento perfeito para dizer... Richard se ajoelhou e pediu Helena em casamento. Ela ficou surpresa e desmaiou no meio da roda, e todos fizeram de tudo para que ela acordasse. Quando Helena acordou disse a palavra esperada: Yes!! Richard, neste momento, a adorou. Ela se levantou, beijou seu futuro marido e os dois continuaram dançando juntos no meio da roda.

O homem também falou que além de receber os visitantes no museu, seu trabalho era acabar com a timidez dos morado-

Meu nome é Mikael David, tenho 16 anos e, além de ser percussionista e tocar alguns instrumentos musicas, sou skatista e adoro jogar basquete com seus amigos.


Turista de mim Rebbeca Miller Turista não do mundo, mas de mim. Experiências, sentimentos, histórias e cada segundo um jeito de se colocar... Agora sei que sou turista, me conhecendo a cada dia, a cada segundo... Sou um Turista Aprendiz porque a vida é para quem sabe viver e aprendendo a cada dia vou, vou por aí, deixo o vento me levar. Não sei para onde ele vai, só sei que eu quero ir e estou indo e pelo caminho trago sorrisos, histórias de vidas que nem sabia que havia. Essa vida é única e eu não sou boba de desperdiçá-la, jogando fora o prazer de estar a cada momento em um lugar... Mochila nas costas e seguindo direto ao destino... E o destino nem eu sei, pois sou turista da vida e sei que ela é linda. E seguindo vou por cada olhar, parando em cada lugar, e nesses lugares sinto vontade de ficar, mas não posso parar, pois o vento sopra e me leva. Leio as placas da estrada da vida e com a velocidade do meu querer vou conhecendo cada ser, cada prazer...

E descobrir um lugar onde quero ficar, e nesse lugar não há ninguém para me impedir de prosseguir porque lá não tem paredes, pois elas são verdes, e nem mesmo um teto, que é azul e às vezes preto. Há somente chão que some por acaso. E quando o chão se reconstrói, estou com vários amigos, todos de diferentes tipos. Amo ser turista e agora sei que não apenas de mim, também do mundo e também sei que não haverá o fim, porque o fim é o recomeçar, e o recomeço sempre é o começo de uma nova viagem. Não importa onde seja se é na realidade ou apenas na sua cabeça. Seja um eterno Aprendiz!

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Sou a Rebecca gosto de praia e de viver sem pressa. Escrever pra mim ĂŠ como o cĂŠu e o mar, lindo e infinito.


Olhei para o mar Isabella Mendes Olhei para o mar, vi tudo aquilo que tinha esquecido. Os sentimentos e sentimentalismos, o romantismo exagerado nas cores, no céu, nas pedras, no além do que meus olhos puderam ver depois da imensa escuridão que havia em mim mesma. De repente, uma explosão de pigmentos dá vida a uma vida.

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Amanhece. Os poros são invadidos pela brisa que insiste em balançar meu vestido rodado e me lembrar que já é hora de voltar para a realidade. Olhei uma última vez, e já me era diferente, ao invés do mar que me trouxe toda essa epifania, vi você, que o mesmo me fazia.


99 Meu nome é Isabella Mendes, tenho 18 anos e moro em Santa Cruz, Rio de Janeiro. O que mais gosto é de ser feliz ! Procuro a felicidade em tudo à minha volta, em tudo que faço e quero fazer. Gosto de música, ler, escrever, aprender coisas novas e estar perto das pessoas. Sou apaixonada pela vida, por histórias cotidianas, surpreendentes ou monótonas... Também não dispenso os bons contos, prosas e poesias! Uma das frases que me inspira é: “Todas as telas nascem em branco. A decisão de colorir é toda sua.” - Romero Britto.


O Museu Iara Lima No museu estava, Dos homens das cavernas Até o século XXI, Da simplicidade até a modernidade.

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Lá estava, no museu estava: O forte que defendia o Brasil das invasões, Mas quando o mar subia, Nas prisões os negros morriam. Lá estava, no museu estava:

Os negros a trabalhar na produção de açúcar.


Seus donos a “enricar”, a chicotear. Os que queriam se libertar. Lá estava no museu estava:

Black Penteia, penteia, penteia. Cabelo que não quer baixar. Puxa, molha e prende pra ele controlar.

Naquele tempo, comum era a discriminação racial. Hoje em dia é disfarçada. Isso é uma pena,

Alisa, passa escova, Para sua cultura não se espalhar. Que isso, sociedade?!

Afinal deveria ter acabado No dia 13 de maio, Quando, com a pena, os negros foram libertados.

Não quero me enquadrar. Meu cabelo Black tenho que soltar. Nada de escravo chamando sinhá.

Isso também estava, no museu estava.

Liberdade tá aí pra se aproveitar. Bela cor, tal vontade de degustar. Lutou e agora tem seu lugar.

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Branco, negro o que há? Desacompanhado ou acompanhado. Vem cá no jongo dançar. Não importa de quem é a cultura, Tá na hora de misturar. Preconceito exterminado Amor ao próximo vai dominar. Intolerância e preconceito.

Tenho 16 anos, estou no 9° ano do ensino fundamental, moro com meus pais em Inhaúma. Pretendo cursar a faculdade de Publicidade ou Direito para trabalhar com direitos sociais. Tenho uma grande paixão pela leitura e isso me incentiva cada vez mais a escrever.

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Ah!! Isso não dá. Esperança que um dia isso possa acabar. Agora penteia, penteia, penteia mais para o Black aumentar.

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MONSTRO MAIS PRÓXIMO MARIANA CASTRO Manuela e Vitor eram um casal que adorava viajar. Certo

- Então, vamos lá na farmácia dos índios, onde a gente

dia, Vitor deveria passar uma semana em Araruama para cui-

comprou aquele meu remédio para dor de cabeça no ano

dar de sua avó, que estava doente. Era uma doença estranha

passado, quando a gente veio aqui. Tá lembrado?

que ela não comentava com ninguém. Sua voz estava cada vez mais grossa, porém sua garganta, segundo os médicos, estava em ótimo estado. - Vamos partir para Araruama amanhã! Disse Vitor, ani-

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mado. - Vamos, sim! Concordou Manuela. Chegando em Araruama, na casa da avó, os dois deram o

- Isso! Sei, sim. Fica lá depois das águas de Juturnaíba. Lá onde só tem aquela farmácia. Eles saíram de casa e foram em direção à lagoa de Juturnaíba. Lá, eles tinham de atravessá-la e precisavam de um pequeno barco. Eles pediram emprestado ao moço do bar que ficava bem em frente da lagoa. O moço parecia feliz e estava com seus dois filhos e a esposa.

remédio para ela. Era um remédio que cheirava muito mal e

Depois que atravessaram a lagoa, eles entraram mata

Vitor disse que ela precisava tomar diariamente para funcio-

adentro. Tiveram de caminhar uns quatro quilômetros até

nar. E assim ela ficava mais calma também. Manuela achava

onde ficava a farmácia. Lá, encontraram apenas uma placa

a avó de Vitor já tão calma e tão meiga, que sempre dizia que

meio destruída, em que estava escrito: “O único comércio que

aquela senhora não merecia uma doença tão estranha.

existia aqui acabou misteriosamente, o proprietário sumiu.”

- Manu, esse remédio era de dose única. Aqui não tem mais! Temos de comprar mais.

- Vamos voltar para sua avó, Vitor! Estou com medo! Cadê o seu GPS?


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- Eu...Eu esqueci lá... E agora, Manu? Neste instante ouviram um enorme rugido, vindo com um fedor terrível, muito parecido com ovos podres. Os dois correram sem parar, até que tudo ficou escuro na mata. - Como viemos parar aqui na casa de sua avó? Perguntou Manuela. - Calma, calma! Vamos procurá-la.

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- Olha só! Tem uma carta aqui... Peraí, vou ler. “Desculpe pelo transtorno que causei. Eu descobri. Sou um monstro, mas não queria contar para ninguém. Eu não sei como aconteceu, sei apenas que sou culpado por ter destruído tudo. Matei o moço da farmácia, o do bar e sua família. Eu não queria, foi no impulso! Eu destruí tudo. Matei a velhinha daqui. Quase matei vocês! Lutei muito contra esse monstro que existia dentro de mim. Desculpem pela dor que causei. Eu trouxe vocês de volta para cá. Vou me matar. Adeus.”

Meu nome é Mariana Castro, tenho 15 anos e estudo na Escola Municipal Manoel Cícero. Gosto de ler, principalmente romances, e amo escrever.


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Pipa Matheus Gomes De cima eu vi tudo. Vi o sorriso e os males daqueles que tão pouco tinham. Sendo guiado pelos braços magros de um menino, que aparentemente nada tinha além de um belo sorriso amarelo, eu ia de um lado para o outro, vendo um mundo que jamais imaginei que existia. Enquanto percebi que, do nada, o sorriso do menino aos poucos se tornava tudo, a me ver cada vez mais alto. Eu me achava tão simples

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que não entendia. Mas a felicidade do menino também se tornou a minha. Lá de cima vi uma cidade de tijolos, traços, destroços, e muitos outros meninos como esse que me guia, me levando ao vento antes que morresse a vida, carregando o suor da força que fazia, para me levar além, construindo um céu de irmãos meus, que mais belo nossas cores o fazia. Não existiria tempo ou tempestade, pobreza ou vaidade, que literal ou verdadeiramente os impedisse de fazer arte.

amar de Goas pode me ch m , us he at M e é osto de ver Olá, meu nom po de arte, g ti do to r po criaxonado ro de si com nt mes. Sou apai de m tê e pressando o qu forma de as pessoas ex a. É a minha ic ús m a é ha arte as, com cria tividade. Min amor às cois eu m ar e tr ão os ol de m meu vi liberdade e ra eu pegar pa o iv ot m tamé um spero que você E tividade. Tudo o. çã ra co tenho no meu ja livre, cantar o que já a tem: Se cê vo se e , sua arte te abençoe! bém encontre r você. Deus po o rç to eu iz, faça-se fel


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Luz que irradia meu caminho ao seu Shélida Silvério

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Assim como o vento

engraçados

Que suave

cautelosos

Faz com que os galhos da árvore

brisas soltas

Se entrelacem

Esses passos só me conduzem a dois caminhos:

Assim é o seu suave

O da imaginação e o da realidade

Olhar

Sigo os dois

Encantada com

Vivendo o possível

A sua fala

Imaginando o parcialmente impossível

Minha mente vaga

Sem ao menos você saber

Ao que você possa recitar

ou eu me preocupar

Luz que ilumina o céu e a terra

Aventurar-me nos seus devaneios

são seus passos

Seria como criar poesia imersa


em uma constelação estrelar. Assim como as nuvens encontram-se umas com as outras e lentamente se encaixam, tornando-se únicas no céu Assim é meu olhar quando vai de encontro ao seu Assim sou eu dentro de você.

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Quilombo e eu, um relato O quilombo é um dos maiores símbolos de resistência negra desde a implantação da escravidão no Brasil. Ele é um espaço conquistado pelo negro com o intuito de fugir do aprisionamento físico e cultural imposto por seus “donos” que eram os grandes senhores de engenho que, além de

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obrigá-lo à prática de trabalho pesado, também o afastavam de suas práticas culturais de origem. Fugir do domínio dos seus dominadores era a única ou talvez a maneira mais importante de se aproximar, não só de sua liberdade física, mas também ideológica. Viabilizava-se assim a preservação da cultura africana nessa comunidade como, por exemplo, a dança do jongo, o artesanato, as crenças religiosas, a culinária e, sobretudo, o “saber-fazer”, um aprendizado cultivado dos ancestrais e que vem, ao longo dos últimos séculos, sendo mantido.

Na minha viagem, visitei um quilombo formado por mulheres no final do século XIX. Lá pude observar que muita coisa foi preservada desde a escravidão, porém outras culturas influenciaram e continuam influenciando diretamente o território quilombola. Com relação à educação básica, as conquistas ainda deixam a desejar, sendo quase imperceptíveis. A única escola local atende o primeiro segmento do ensino fundamental, o que dificulta qualquer possibilidade de alunos quilombolas darem continuidade aos estudos no seu local de origem. Além disso, quando um aluno precisa sair da sua comunidade para estudar, ele tende, na maioria das vezes, a se distanciar de suas raízes, pois, apesar da lei que garante o estudo da história da África nas escolas do Brasil, o tema ainda é muito pouco discutido nos espaços externos aos quilombos. Apesar das dificuldades, gostei de tudo, pois pude vivenciar uma cultura que só ouvia falar e pude mudar alguns conceitos e acrescentar outros.


Meu nome é Shélida Silvério, tenho 18 anos e moro em Belford Roxo, na Baixada Fluminense. Meu maior interesse é pelo conhecimento e tento encontrá-lo em tudo: livros, conversas, músicas, cinema, teatro, natureza ou em um simples piscar de olhos. Gosto de escrever todos os gêneros textuais, porém tenho me identificado com a poesia. Uma das frases que me identifico é: ‘’Somos um pouco de tudo e muito de cada pouco, o espaço vazio de um polígono oco, somos os pingos da chuva e a água dentro do coco, o suspiro de alívio, quando passado o sufoco.’’ -Vitor Isensee.

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Petrópolis, um relato de viagem Fillipe de Souza A viagem que eu mais esperava. Pena que era a última. Foram quase duas horas naquele ônibus, aguardando a cidade imperial. Logo quando chegamos a Petrópolis, o motorista se enganou ao subir uma rampa errada. Ele teve de dar marcha à ré para reparar seu erro, todos ficaram chateados, é verdade... E tivemos de esperar mais por conta do erro. Percebi

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que não era somente eu que estava ansioso pela viagem, mas ao ver o lugar onde ficaríamos hospedados, já nos sentimos mais confortáveis. Era uma escola, local típico como a de Quissamã. Em seguida, guardamos nossas coisas e nos dirigimos ao Museu Imperial. Esse museu já tinha sido a casa de Dom Pedro II e é um dos principais atrativos da cidade. Eu fiquei muito impressionado com o lugar e acho que meus colegas também, cada cômodo da casa era imenso, tinha uma bela aparência e era tudo muito bem cuidado. Lá conhecemos, inclusive, as riquezas materiais do Imperador, como sua coroa, seus cetros e suas joias.

Assim que saímos do Museu fomos almoçar. Como de costume, fiquei enjoado ao comer, mas tentei comer tudo para não desperdiçar. Confesso que deixei um pouquinho no prato, mas só um pouquinho mesmo! Logo após, fomos à casa de Santos Dumont que era utilizada somente como estadia de verão, durante suas férias. Era bem arquitetada e planejada, porém, em minha opinião, um pouco esquisita. Na cidade, tivemos um monumento inspirado em seu mais famoso avião, o 14 bis. Fica bem no centro da cidade, próximo do Palácio de Cristal. Depois, voltamos para a escola para nos refrescarmos, tomarmos banho, descansarmos um pouco. Mais tarde, retornamos ao Museu Imperial e assistimos ao que mais me chamou a atenção, uma orquestra sinfônica. Eu me sentei no jardim, em um canto, não percebia nada em volta, apenas escutava o som da orquestra. Foi uma experiência especial. Eu me aprofundei em meio àqueles lindos sons que surgiam no jardim do museu. Saí de lá bastante impressionado.


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Mas, o contraste foi o jantar, pois saímos de lá e caminha-

Logo pela manhã, ao acordarmos, tomamos um café da

mos diretamente a uma pizzaria. Entretanto, ela estava cheia

manhã que mais parecia imperial. Ficamos espantados com

demais. Em nosso grupo, começou uma pequena confusão

tudo isso. Na nossa programação, tínhamos de ir ao encontro

sobre onde iríamos comer. Como sempre, o grupo se dividiu:

de Matheus Mineiro, poeta morador da cidade que ia bater um

uns queriam ficar na Pizzaria e aguardar a vez, outros que-

papo com a gente. Era no CDDH (Centro de Defesa dos Direi-

riam ir ao McDonald’s, comer sanduíches. Rapidamente vo-

tos Humanos). Lá, ele nos recebeu muito bem. Falou de sua

tamos, o Mac venceu. Lá houve mais uma confusão com os

vida em Petrópolis, do ar puro que respirava e da beleza dos

pedidos, nós monopolizamos a fila. Éramos cerca de vinte

locais da cidade. Falou sobre o que o inspirava na hora de es-

jovens pedindo tudo ao mesmo tempo! No final das contas

crever poesia e fez uma brincadeira: pediu para que escrevês-

conseguimos comer e depois voltamos à escola para dormir.

semos coisas que vimos ou sentimos em Petrópolis. Então,

O dia seguinte prometia.

pegou algumas palavras dos alunos e as juntou, criando um

Na escola, teve uma galera que ainda estava sem sono. Então, parte da turma continuou uma brincadeira de mímica que já tínhamos feito pela manhã. Ficamos brincando a noite toda sem perceber a hora passar. Eu estava nessa e quando percebi já eram quase duas horas da manhã. Estava cansado demais do dia, me despedi do pessoal que queria jogar mais um pouco e fui para um canto refletir sobre os acontecimentos do dia, pensar nos meus textos e dormir.

poema. Lembrei-me logo da aula do nosso professor, quando ele pedia que enumerássemos coisas boas, classificássemos do jeito que nós queríamos e depois tínhamos de trabalhar as frases e os estilos literários que desejássemos. Geralmente dava bons textos. Então, nos despedimos do Matheus e fomos à fábrica de chocolates da cidade. Lá pudemos gastar um pouco do dinheiro que recebíamos para as refeições. Eu, como sempre sou enjoado para comer, dei minha parte para a Emely. Ela ficou muito agradecida pois queria dar um presente a uma pessoa muito especial.


Por fim, antes de voltarmos ao Rio, fomos ao SESC Quitandinha. Antigo cassino, quando o jogo ainda era legalizado no Brasil, o espaço também sediou as eleições de Miss Brasil. Ainda mantém alguns eventos durante o ano, além de ter uma área de lazer e diversões, com um boliche no subsolo. Na volta, retornamos para casa e mais uma vez ficamos cerca de duas horas no ônibus, mas dessa vez, dormindo, ou melhor, tentando dormir...

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Tenho 15 anos e estudo na Escola Caic Theóphilo de Souza Pinto. Atualmente estou cursando o 1º ano do ensino médio. Gosto de tudo que envolva tecnologia e tenho o sonho de trabalhar como Designer Gráfico ou Web Designer.


O FIM da escravidão MAKOLLIN SILVA Em uma noite chuvosa na fazenda Machadinha havia um escravo que apanhava muito devido a sua desobediência. Há meses que ele não dormia e resmungava de fome. Todas as noites, ele rezava para o deus dos escravos. E de tanto rezar, seu pedido foi realizado. Nessa noite, chegou um cavalo branco que ele não conhecia. O cavalo tinha um cheiro adocicado e se abaixou

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para ele subir. Quando ele montou, o cavalo começou a correr mais forte que o vento. Após correrem durante a noite, chegaram num território desconhecido, onde os negros não eram escravos. Um rapaz loiro veio até ele perguntando seu nome. “Pedro”, ele disse. O rapaz, então, disse-lhe que fizesse três pedidos. O primeiro foi que sua família fosse libertada da escravidão. Pedido realizado. O segundo era para ele ser rico, ter poderes,


era o que ele queria. Antes de fazer o terceiro pedido, o rapaz o interrompeu e disse: “Sabe, uma coisa que eu sempre quis para um negro... Que ele virasse Presidente da República”. Pedro começou a rir e rapidamente disse sim! Logo depois, Pedro subiu no cavalo e voltou para sua terra e, quando ele chegou, os senhores de escravos da Machadinha o contemplaram e lhe pediram perdão. Pedro era uma pessoa humilde e os perdoou. Ele lhes pediu que sol-

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tassem todos os escravos pelo resto da vida.

Meu nome e Makollin, tenho 15 anos e estudo no colégio Joaquim Nabuco. Gosto de ir à praia, sair com os amigos e ir ao shopping. Ainda não sei o que quero fazer no futuro, por enquanto quero terminar meus estudos e pensar numa boa carreira.


Como cachoeira Marcelo Lopes A vida é como

com a luz do sol

cachoeira que corre, corre

com uma brisa

sem parar, e quando ela seca

e o imenso céu azul

percebe-se que a vida

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acaba como água seca

A noite caiu, acendemos a fogueira

que não volta

e ali ficamos

para o mar

tivemos nossa primeira experiência de conversar e dormimos

Penedo é aquele lugar calmo, tranquilo

num lugar bom de se viver.

com cachoeiras de água suave perfeita para o banho, e nós, deitados nas pedras Eu sou o Marcelo, alegre, divertido, bonito e solteiro.


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O Tigre de hampshire Thainar Xavier Era uma manhã completamente normal na pequena comunidade de Hampshire. Os idosos caminhando pela calçada, o padeiro tirando o pão fresco do forno, o carteiro entregando as cartas e o jornaleiro vendendo jornais. O jornal anunciava a notícia do dia: “EXTRA, EXTRA: Tigre branco foge do zoológico de Hampshire.” As pessoas, que por ali passavam, liam a notícia horrorizadas.

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- Meu Deus! Que coisa horrível! Um tigre à solta! - Calamidade! E agora, quem vai nos defender? - Já estou me preparando, quando o tigre vier, vai levar uns bons sopapos! - Isso é culpa do prefeito! Se ele investisse no zoológico isso não aconteceria. O pequeno Pedro, ouvindo o burburinho, foi até a banca para ler a manchete. Seu coração ficou tão surpreso e animado que pegou sua bicicleta e voou para casa.

Abriu a porta da cozinha e foi direto para a laje, onde sua mãe estendia roupa no varal. - Mãe, mãe! - O que foi Pedro? - Mãe, o tigre de Hampshire fugiu do zoológico! - É mesmo? - Sim! E os policias não conseguiram encontrá-lo. - Isso é uma prova de que o mundo está muito perigoso. Não quero você na rua até tarde. Agora vá se arrumar para a escola. - Mas mãe... - Sem mais, Pedro! O menino ficou injuriado, como sua mãe poderia ser indiferente a uma notícia dessa grandeza? “Não é todo dia que se tem um tigre à solta pela cidade”, pensou.


Pedro desceu as escadas pisando firme. Foi até o banheiro, lavou o rosto, escovou os dentes e pôs o uniforme. Olhou a rua através da pequena janela e decidiu: “Vou encontrar esse tigre!” Na aula de Ciências, o menino espalhou a notícia e logo não havia outro assunto senão a fuga do tigre. A conversa era tanta que a professora se zangou e mandou todo mundo ficar quieto. Porém, Pedro não aguentou de curiosidade, virou para o lado e disse ao seu colega: - Gustavo, você acha mesmo que o tigre pode estar por perto? - Acho. - Por quê? - Ontem à noite, enquanto eu jogava futebol de botão com meu avô, nós ouvimos um barulho estranho. - Que barulho? - Parecia um rugido. Quando meu avô foi ver, já tinha ido

embora. Mas a vizinha disse que as galinhas dela sumiram. - Acha que o tigre as roubou? - Acho. - Por que um tigre ia querer roubar galinhas? - Pra comer, ora! - Muito bonito. Então vocês vão ficar de conversinha na minha aula? Pois bem, já que gostam tanto de falar, vão ficar depois da aula fazendo ditado! – disse a professora irritada. Terminada a aula, Pedro e Gustavo tiveram que ficar para fazer o ditado. Eles escreveram vinte vezes: “Não devo falar sobre o Tigre de Hampshire na aula de Ciências.” No caminho para casa, Pedro não parava de pensar no tigre. Onde ele está? O que ele está fazendo? Será que está comendo galinha? Puxa, como queria encontrar esse tigre! Sua distração era tanta que nem notou que tinha pisado no cocô. Olhou para seus pés e ficou assombrado. Como

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era grande o cocô! E fedorento! Será que era do tigre? Ou apenas de cavalo? Pedro não sabia distinguir, mas era um cocô que nunca tinha visto antes e bem próximo de sua casa! Arregalou os olhos e disse: - O tigre passou por aqui!

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- Mãe, já volto. – disse Pedro abrindo a porta e voltando à rua. A noite era nublada e fria. Pedro desceu o morro atrás do tigre, podia ver sua sombra nos becos da favela. Atravessou a Avenida Rio Branco. Àquela hora já não tinha ninguém na rua. Pedro estava com medo, mas queria ver até onde o tigre ia levá-lo.

Veio-lhe a intuição de que o tigre teria ido para sua casa.

Entrou na rua Senhor dos Passos, todas as lojas do Saara

Pensou em sua mãe e saiu correndo pelas ruas do bairro até

estavam fechadas. Havia começado a chover e Pedro não

a sua porta. Girou a chave e entrou gritando pela mãe. En-

encontrava pistas do tigre, ele tinha sumido na escuridão.

controu-a sentada no sofá fazendo crochê. Sentiu um alívio muito grande. Mamãe estava salva. - O que foi, querido? Parece que viu o bicho papão. O menino ia responder, mas ficou paralisado com a cabeça voltada para a janela. Não acreditava no que seus olhos enxergavam. De repente, viu os olhos do tigre, profundos e ferozes. Havia raiva, fome e medo. Como um raio, o animal pulou por sobre o muro e fugiu. Mas antes, lançou um último olhar para Pedro, como quem diz: “Siga-me.”

- Moleque sem vergonha, o que está fazendo na rua até essa hora? – disse um homem alto que segurava uma barra de ferro. - Aposto que ia roubar alguma coisa. – disse outro homem, aproximando-se de Pedro. Pedro não conseguia dizer uma palavra, seu corpo estava imóvel, aqueles homens se aproximavam cada vez mais e ele tinha certeza de que iam machucá-lo.


Um dos três homens agarrou os braços de Pedro e o

Pedro abriu um enorme sorriso, ele conseguiu encontrar o

amarrou em um poste. Ele dizia coisas que Pedro não con-

tigre. Parecia que o mundo tinha parado, só restavam ele e

seguia compreender, o acusava de ter roubado um relógio,

o seu irmão, o tigre.

mas Pedro dizia que era um engano, que ele não tinha roubado nada. - Chega de falação, você é um moleque mentiroso e vai levar uma surra.

O animal circulava envolta de Pedro, o menino sentia sua respiração tocar em sua pele. Num instante, seus braços estavam livres e o tigre sentava ao seu lado. Não resistindo à enorme vontade de tocar o bicho, Pedro

Suas lágrimas escorriam pelo rosto, pensava nos seus

acariciou o seu pelo. Era tão macio, podia ouvir o ronronar

amigos, na sua mãe, no pai que nunca conhecera e no tigre

bem baixinho do tigre. Este, por sua vez, entregou-se aos

que tinha se tornado um irmão.

carinhos do menino. Virou de barriga para cima, em demons-

O vento soprou forte, Pedro ouviu o barulho de uma barra de ferro cair no chão. Abriu os olhos lentamente e viu o tigre à sua frente. Ele estava parado olhando-o fixamente. Seus músculos se movimentavam com muita sutileza, ele era muito bonito. Os olhos azuis contrastavam com seus pelos brancos, destacando-se em meio àquela rua escura.

tração de confiança. Era um momento de paz, os dois tinham encontrado o seu lugar no mundo. Um carro da polícia passou em frente à rua, os dois se levantaram no ímpeto. Se a polícia visse o tigre, ia levá-lo de volta para o zoológico. Eles se olharam uma última vez, um terno e silencioso adeus. Sabiam que não se veriam mais. O tigre correu pela rua. - Adeus, meu irmão.

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O mundo pela janela Olho pela janela E vejo um mundo de cores vibrantes montanhas exuberantes

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Olho pela janela e vejo pessoas gente apressada sem tempo para paisagens Olho pela janela E vejo o rel贸gio do tempo Com seu tic-tac Tic-tac tic-tac...


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Meu nome é Thainar, tenho 19 anos e moro no Rio de Janeiro. Adoro histórias românticas e contos de fada. Acredito que a vida é especial e podemos transformá-la com a imaginação. Gosto de ler, escrever e sou completamente apaixonada por teatro. Tem uma frase do personagem Alvo Dumbledore, de Harry Potter, de que gosto muito: “Porque nos sonhos entramos num mundo inteiramente nosso. Deixe que mergulhe no mais profundo oceano ou flutue na mais alta nuvem.”


Pedra da Serra

Letras Alojadas

Isadora Farias Sentada na pedra, sinto o vento soprar meus cabelos.

A cama ali no canto arrumada.

Ao sentir a brisa, fecho os olhos e curto o momento.

Sentada aqui no chão, as palavras me saíam.

Quando volto à realidade, a Lua e as estrelas me fazem feliz.

Em meio a diversos livros

O dia perfeito que naquela serra vivi.

rapidamente ao meu caderninho elas iam. Olhava pela grande janela e me lembrava do quão linda lá fora a noite seguia.

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São Pedro e seus encantos Nesse lugar, quando cheguei com pequenas coisas, me encantei. O morro era alto e na tirolesa desci. Então, o dia passou e a perfeita noite chegou. Apreciando o luar junto das estrelas no céu a brilhar

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E com a música, que em volta da fogueira tocava, Eu me lembrava: A cada segundo que passava, tudo mais perfeito ficava e assim fazia dessa, a melhor viagem A melhor coisa a ser lembrada.

Oi. Eu sou a Isadora e tenho 16 anos. Sou a mais chata da turma, pois perturbo todo mundo, sou alegre, divertida, sempre de bem com a vida. Por causa do curso, minha vontade de escrever aumentou e fiz muitas coisas nesse período.


Descobertas individuais LUANA BATISTA

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Escutei certa vez de um amigo uma história bem interes-

ria, Pedro ficou preso ali e inevitavelmente ouviu a conversa

sante de um garoto chamado Pedro, que vivia em Quissamã,

do grupo. Um menino falava das dificuldades de morar em

no Rio de Janeiro. Ele morava nas antigas senzalas da Fa-

comunidade, da falta d’água, do saneamento e da violência

zenda Machadinha. Era uma cidade de grande importância

policial. Pedro não sabia que eles eram de comunidade e

para a cultura afro, atraía a visita de muitos turistas. Pedro

ouviu por um bom tempo a conversa, o que imediatamen-

morria de vergonha e se escondia toda vez que um estranho

te o fez quebrar todos os estereótipos e se identificar com

se aproximava.

aqueles jovens.

Ele era um adolescente muito tímido e com baixa autoes-

O galho em que ele pisava era fraco demais e, de repente,

tima. Influenciado pelas grandes mídias, que muitas vezes

Pedro caiu. Todos tomaram um grande susto, mas logo o

distorcem a realidade, sentia-se inseguro por não ser o pa-

levantaram. Apareceu, então, um garoto do grupo que tinha

drão de beleza e por não consumir os produtos desejados.

saído por alguns minutos para ir ao banheiro. Voltando, viu

Morava com seus pais e seu irmão mais novo. A renda da

a cena e não perdeu tempo em ajudar também. Pedro esta-

família dava para o básico.

va bem envergonhado. Mas ao ver e escutar aquele garoto

Em uma tarde tranquila, Quissamã recebeu a visita de jovens turistas vindos de uma comunidade da Zona Sul do Rio. Pedro, que observava tudo de cima de uma árvore, notou que eles eram bem animados, e que sem perceber iam em direção à arvore em que ele estava. Não teve escapató-

que era da mesma cor que a dele, percebeu que, apesar de ambos terem nascido em locais diferentes, tinham algo em comum. Os jovens logo começaram a interagir. E, apesar da timidez, Pedro começou a falar, pois estava muito curioso também. Começaram a conversar e a partir daí surgiu uma linda e espontânea amizade com o grupo. Os turistas


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tiravam todo o proveito daquela troca que tanto os favore-

Eu quis saber mais sobre a história e meu amigo me reve-

cia. Principalmente para João, o jovem turista negro. Ele se

lou que João, o personagem, era ele. Há 20 anos, ele foi um

identificou muito com Pedro, sua vida na Rocinha também

dos jovens turistas, e essa viagem foi tão importante para ele

era sofrida, já tinha vivenciado situações e experiências de

quanto para Pedro.

discriminação, pobreza e por causa de um tio seu que fora assassinado recentemente. O grupo convidou Pedro para acompanhá-los em um passeio aos pontos turísticos de Quissamã. Pedro, encanta-

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do, aceitou sem hesitar. Em cada ponto havia um guia turístico diferente que explicava toda a história do lugar, e todos sempre exaltavam a cultura afrodescendente. Eram muitas informações. Pedro prestava atenção e ficava surpreso com tudo o que os escravos passaram e como tinham pessoas que reconheciam grande valor em toda a história de resistência dos negros. Isso mudou sua percepção, ele se deu conta de que a realidade de João era bem parecida com a sua, e de que toda aquela vivência era valiosa. Adquiriu outra visão sobre sua origem e identidade, não sentia vergonha, mas orgulho por ser negro. Nunca mais se escondeu.

Meu nome é Luana, tenho 19 anos. Nasci em Niterói, e aos 3 anos vim morar na Rocinha. Faço parte do grupo de dança chamado G.B. C.R, mas atualmente estou me dedicando mais aos estudos. Ser uma pessoa melhor é minha prioridade.


Quadro de família Karine de Jesus Era um belo sítio no interior de Curitiba, onde morava uma jovem família de camponeses. O pai, Marcos, era alto, moreno, de olhos e cabelos castanhos. A mulher, Luana, branca, de olhos verdes e cabelo preto. Eles tinham um filho de dez anos. A camponesa estava grávida de oito meses do segundo filho. Ela não sabia, mas seu marido tinha uma ambição - buscar uma condição melhor para eles. Ele estava desempregado e sustentava a família apenas com a plantação de grãos.

A mãe, sempre ocupada cuidando da casa, nas horas vagas pintava quadros. Seu sonho era expor sua obra em uma galeria de artes. Um dia, uma amiga viu seus quadros num cômodo da casa e os achou bonitos. - Por que você não faz uma exposição com seus quadros? - Mas como eu poderia fazer isso? - Pode deixar que eu resolvo isso pra você.

No dia seguinte, Fernanda, amiga de Luana, visi-

tou-os para contar que conseguira um lugar para o evento, através de uma pessoa importante que lhe era muito grata. A exposição iria se realizar dentro de dois dias. Rapidamente, os dias se passaram.

Luana chegou à exposição acompanhada por Fer-

nanda e Marcos e ficou impressionada com a quantidade de gente que estava ali, admirando a sua arte. Conforme o tempo passava, cada um de seus quadros foi vendido. Quase todos, menos um, o da família, que, para ela, era o mais importante.

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Naquela mesma noite, ela fez um grande jantar para

comemorar as vendas. Despertou de madrugada com dores muito fortes. A hora havia chegado, o bebê estava prestes a vir ao mundo. Ela e o marido arrumaram a bolsa e foram para o hospital. Chegando lá, ela foi levada à sala de parto. Marcos ficou na sala de espera, aguardando uma notícia, que veio na forma de um choro de criança. Nasceu uma menina que recebeu o nome de Vitória.

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Com o dinheiro da venda dos quadros, a família foi

para o Rio de Janeiro. Lá, Marcos se tornou empresário no ramo da arte, para divulgar o trabalho de sua mulher. - Agora, nós vamos ser felizes! – disse Marcos. - Mas nós já somos felizes, eu, você e nossa família. Como neste quadro, que eu mesma pintei. - É, somos uma família feliz!

Sou Karine, estudo no Colégio Compositor Luiz Carlos da Vila. Gosto de viajar e de ler romances de fantasia, como Harry Potter.


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Viajo sem rumo... Thayane Soares

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de levar a vida

Viajo sem rumo

como ninguém sabia

mas busco um futuro

deixei a alegria do meu olhar

Futuro

e cada lugar

eu não sei qual é

em mim

mas viajo

deixei-me ir.

com a certeza e a incerteza de que em todos os lugares por onde passei deixei um pouco aquele sorriso de menina de quando aprontava e ninguém descobria deixei a harmonia


Não pretendo olhar para trás Não pretendo olhar pra trás E ver tudo que deixei Busco olhar pra frente E ver tudo que ganhei

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Os amigos que conquistei As risadas que compartilhei A vida que levei Hoje viajo vazia Busco me encher De uma vida diferente da minha.

Meu nome é Thayane Soares, tenho 18 anos e moro no Jacaré. Adoro escrever relatos e meu sonho é fazer faculdade de turismo e hotelaria e conhecer o mundo. A frase de que eu mais gosto é: “Não há ninguém, mesmo sem cultura, que não se torne poeta quando o Amor toma conta dele.” - Platão.


Felicidade Késya Barros Ao pôr do sol lembro-me da alegria Que há tempos por mim passou, Com sua boa energia me pôs a sonhar Os mais lindos sonhos, Me mostrou sua cor viva e eletrizante,

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Ah... Quem me dera tê-la de volta Na minha vida. Mas eu sei que um dia ela voltará E me trará sonhos inesquecíveis Assim como meu amor.


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Tenho 15 anos e estudo no Col茅gio Nossa Senhora. Moro na Grota e gosto de escrever poesias e hist贸rias.


QUISSAMÃ – Um ponto de vista diferente JAQUELINE NOBRE Que lugar pequeno e interessante! Interessante por de-

me disse que lá eles dançam uma coisa chamada Jongo,

mais até. Era lá que os escravos viviam. Era lá que aquelas

que pelo que ela me descreveu parece ser uma dança bem

pobres pessoas eram presas, onde passavam suas vidas in-

alegre e divertida. Disse ela que até dançou com os morado-

teiras. É de lá mesmo que estamos falando. Machadinha, um

res da fazenda e que foi uma experiência inesquecível.

lugar que anos atrás era um inferno, mas hoje é onde moram os descendentes de escravos, que são livres para viver suas vidas e fazer suas escolhas.

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Além de Machadinha, Luci conheceu o Museu Casa Quissamã. Disse que foi estranho, pois logo na entrada, ela teve de colocar umas pantufas nos pés... Como assim? Para que

Ah! Machadinha, Machadinha... Lugar que mais foi men-

isso? Que bobagem!! Ah sim, agora entendi, as pantufas ser-

cionado na carta de Luci para mim. Machadinha, uma fazen-

vem para não arranhar o chão de madeira, para que ele seja

da grande e bonita onde vivem poucas pessoas. Algumas

conservado por muito, muito mais tempo. As madeiras que

moram até em senzalas, é... Senzalas mesmo! Onde os es-

lá estão são antigas, históricas podemos dizer.

cravos viviam com suas famílias misturadas. Não é uma casa como as de hoje em dia, era de um cômodo só. Lá viviam pais, filhos, você pode imaginar? Muitas pessoas ali dentro... Se pararmos para pensar, nada hoje em dia se iguala ao sofrimento daquelas pessoas. Machadinha já foi um lugar de gritos, choros, sofrimentos, morte. Hoje é um lugar de paz, felicidade e música. É... Luci

Ah, Luci! Pelo que estou lendo aqui, já estou cheia de vontade de conhecer Quissamã. Mais ainda a Fazenda Machadinha. E olha que eu ainda nem terminei de ler a carta. Olha que curioso isso que ela disse aqui: que lá no museu tinha uma árvore muito grande, o Baobá. Disse ela que ficou sabendo que era nesta árvore que muito antigamente


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os africanos colocavam os mortos. Como assim? Quase impossível de acreditar. Luci contou também que assistiu a uma apresentação de teatro muito bonita. O grupo era de lá mesmo. Eles apresentaram o “Navio Negreiro”. Eles estavam em frente a um lago enorme e azul, você imagina esse cenário? O grupo dançou e encenou, contagiando a todos com o jeito bonito de demonstrar como era antigamente. Depois que o grupo se

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apresentou, ela foi para a praia, uma praia diferente, pois a cor da água era cinza... Eu fiquei bem curiosa agora! É, infelizmente, foi só até aqui que Luci me escreveu... A última coisa que ela disse foi: “terminei minha viagem com essa linda imagem da praia cinza”. Oi, sou a Jaqueline, 16 anos, sou uma pessoa super tímida, me considero simpática, gosto de viajar e conhecer pessoas novas, um pouco de mim!


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or a d a d a r d e ouz A p Giovanna S Acordei cedo. Às cinco. Vi que ainda era cedo para me arrumar. Decidi levantar mesmo assim para poder tomar café com mais tranquilidade. Já que o horário me permitia, tomei um banho demorado, me vesti, passei uma maquiagem leve no rosto, prendi o cabelo com um coque. Fui à cozinha, preparei um misto quente, coloquei um copo de iogurte e fui para sala ver se passava algo de bom na TV. Liguei e deixei no jornal, começava uma matéria sobre a famosa Cracolândia na comunidade do Jacarezinho. “Usuários de crack da

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comunidade estão cometendo pequenos furtos na região para sustentar o vício”, disse a repórter. Fiquei perplexa ao ver a situação deplorável daquelas pessoas e estranhei a coincidência, pois meu primeiro resgate seria naquela comunidade. Fiquei um tempinho comendo e assistindo ao restante do jornal, e vi que já eram sete da manhã. Resolvi descer e sair para não me atrasar no primeiro dia de trabalho. A sede do centro de reabilitação não era muito distante, ficava em Bonsucesso e chegaria lá rapidamente. Quando cheguei, todos estavam me esperando, entramos na van e partimos até o local onde se encontravam os usuários.

Assim que cheguei, fiquei pasma com o que estava diante dos meus olhos. Jovens, crianças e adultos, amontoados e sujos, sendo tratados com desprezo pelos que ali passavam. Eu vi naqueles olhos a dor, o sofrimento, a pobreza, a falta de oportunidades e a pedra que destruía tantas vidas. Uma menina, em especial, me chamou a atenção. Não aparentava ter mais de dezesseis anos. Estava suja e com roupas rasgadas, assim como a maioria dali. Aproximei-me para conversar mais, apesar de estar receosa, ela abriu-se comigo: “Dona, eu quero sair daqui. Me tira dessa vida! Eu saí de casa porque não aguentava mais torturar minha mãe e também não aguentava ficar longe da pedra. Eu era modelo e


tinha 12 anos quando descobri a droga. Eu só tirava notas boas na escola, era linda e cheia de sonhos. Um amigo me apresentou essa maldita e eu nunca mais consegui largar. Eu acabei com a minha vida, com todos os meus sonhos, com a minha família. Eu destruí tudo! Minha mãe tentou me tirar desse inferno, procurou clínicas públicas, mas ninguém nunca quis me internar. Eles sempre dizem que não tem vaga ou que eu sou muito nova para esse tipo de tratamento. Faz quatro anos que vivo nesse inferno, quatro anos que eu tô me jogando na minha própria cova. Eu não aguento mais, me ajuda! Essa vida não é fácil. Eu não consigo sustentar o vício sozinha e o único jeito é roubar. Quando não estou

na abstinência, tenho remorso de mim mesma. Não quero roubar ninguém, porque não acho justo tirar dos outros coisas que deram tanto trabalho pra conquistar, mas quando não consigo a pedra, é mais forte do que eu. Eu roubo sem pena. Se precisar, eu machuco pessoas. Tudo por esse vício maldito. Minha alma só consegue pedir uma coisa. Socorro! Sozinha eu não consigo.”

Era meu primeiro dia de trabalho como psicóloga

voluntária em um centro que resgata e trata de dependentes químicos, o Centro de Reabilitação e Resgate Carlos Fonseca. Ao fim do expediente, fui para casa certa apenas de que eu voltaria no dia seguinte.

Meu nome é Giovanna, moro em uma pequena comunidade de Bonsucesso. Curso o Ensino Médio numa escola em Maria da Graça e sou apaixonada por músicas, livros, carnaval e futebol. Sempre me interessei por inúmeras coisas ao mesmo tempo e, por curiosidade, entrei no Turista Aprendiz. O melhor curso que já fiz na vida, me deu muito mais do que conhecimento, muito mais do que eu podia esperar, me deu paz de espírito. Paz essa que eu sinto cada vez que faço um texto expressando o que sinto e o que se passa dentro de mim. Toda vez que escrevo, uma parte de mim vai para o papel se mostrar para o mundo. Antes do curso, eu tinha muita dificuldade pra me expressar e praticando, me dedicando, eu consegui aprimorar meus textos e expor com exatidão o que quero. Daqui pra frente, quero me dedicar aos meus estudos e continuar aprimorando meus textos. Tenho vontade também de me expressar corporalmente através do teatro e escrever peças. A carga de conhecimento que tive precisa ser despejada em algo. Que seja então no teatro!

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Transformação Vitoria Iracema O galo cantando, o sol acordando, hora de se levantar. Hora de dar corda no mundo. Trabalho, suor, trabalho, bateria no fim, volta e recarrega. Por muito tempo foi essa a rotina que regeu a vida do homem, afinal, para que o mundo ganhasse vida, dependia unicamente dele. Suas tarefas seguiam religiosamente uma ordem, pois a luz de que dispunha emanava do sol. E quando o sol deixava a cena, o

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homem era obrigado a fechar as cortinas também. A noite não era generosa para que seu trabalho continuasse, pois os perigos que ela guardava alimentavam seu medo. Criaturas nunca vistas, animais sem cabeça ou metade humano metade animal, prontos para capturar qualquer um que fosse convidado a andar ao luar. Incansável, em certo ponto da história, uma força energética começou a nascer de suas mãos. O mundo passou a estar ligado na tomada. E se alguém ousasse retirá-lo de lá, podia considerar-se morto. Agora, o homem não depende mais de uma luz que tem tempo de vida. Passou a ter uma

que está sob seu controle. Esta pôde dar vida ao que nunca por si só poderia ter. A água plácida e tranquila se transforma, mede forças com as turbinas. De uma luta incansável, a energia nasce. O vento impetuoso, capaz de levar tudo o que se põe à sua frente, do gigante de Quixote se aproxima, mas não o tira do chão. O máximo que consegue é mexer seus cabelos. O sol resolve entrar em cena novamente, só que mudaram seu papel. Agora ele perderá seu trono para servir. As placas ficam a lhe esperar. Até as pequenas coisas não lhe escapam, pedrinhas de urânio, aparentemente inofensivas, são colocadas em um ringue, apanham tanto ao ponto de explodir. E mais uma vez brota a energia.


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O que não tem mais vida merece uma segunda chance e, como uma fênix, é lançado ao fogo e mais forte se levanta. O som do despertador tocando, as lâmpadas acendendo, todos se conectando. Em um toque, o café quente, em um clic, o mundo à sua frente. Passos por todos os lados ligados, pedindo sempre mais, sem nunca voltar atrás. O medo que o perseguia também se transformou, na vontade de iluminar a si mesmo.

Meu nome é Vitoria e estou terminando o Ensino Médio. Estudo numa boa escola, com bons professores e aulas interessantes. Gosto muito de estudar, de ler e de escrever. Planejo entrar para a Universidade e construir uma vida rica de saber e de amigos.


Quissamã Tawan Loryan Novamente mais uma viagem, desta vez foi longa e cansativa. Tivemos uma pausa para o lanche. Adentramos Quissamã e a paisagem era verde e com variedade de animais rurais. O chão era de asfalto, porém as calçadas eram de areia e terra, estilo rural. Chegando lá, pude encontrar uma senhora de cabelos grisalhos e óculos no rosto. O museu tinha o nome do pai desta senhora, chamava-se

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Quissamã Memória Viva, e fora construído por ela e por seu antigo marido (ela era viúva). Ao entrar, pude notar coisas bem antigas: fotografias, telhas, tijolos, moedas. Nas paredes havia quadros com mapas feitos de piso e pinturas de representação local. O museu, na verdade, era moradia da tal senhora e tinha arquitetura da década de 1980. Ela disse que de dia usava a luz do sol como iluminação e tinha preocupação com a falta de água do mundo. Ela também disse que a emancipação de Quissamã ocorrera em 1889. Tudo, tudo o que ela falava era numa confortável sala com três so-

fás bem aconchegantes. No lado exterior havia uma varanda bem grande e arejada. Encontrei um belo relógio movido à boa e velha física, era impressionante. A segunda parte do passeio me pareceu interessante, fomos visitar antigas senzalas. O chão não era todo asfaltado, mas com pequenas partes de cimento e terra. Logo de começo, fomos levados a uma antiga igreja cristã. Ela era pequena e mal acabada, consequência do tempo, porém, pelo período de existência da igrejinha, ainda estava bem conservada. O dia estava a acabar, o sol se pondo, quando entramos em uma antiga senzala onde vivia uma família. Visitamos a Casa Grande, não tinha quase nada, estava tudo semidestruído. Só o que restou foram ruínas.


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Uma Metrópole no interior do Rio Mais uma viagem do curso. Dessa vez para Petrópolis. Eu ansiava por este passeio, pois Petrópolis fica numa região serrana e eu gosto de frio. O percurso até lá foi longo, o chão era de piche escuro, o dia estava claro e o clima um pouco frio. O primeiro lugar que nós fomos foi o Museu Imperial, que foi nomeado uma das 7 maravilhas do RJ. Fomos recebidos por uma guia de pele clara, nariz fino e comprido e

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olhos azuis, que eu bem percebi que eram lentes de contato, por causa da foto de seu crachá. O lugar tinha aparência de antigo, porém era bem preservado, para mim íamos a um castelo no qual a família imperial ficava para tirar férias e fugir de epidemias que assolavam a capital. Tivemos de usar pantufas para conservar o piso, que é original da época e constituído de madeira de boa qualidade. Havia uma variedade de quadros de dom Pedro II, Princesa Isabel, etc. O local mantinha um design rústico e antigo, a primeira coisa que nos foi apresentada foi a sala de jantar, lá havia cadeiras de madeira talhadas a mão, um lustre constituído de cristais e pérolas que chamava bastante atenção pelo tama-

nho e beleza, havia 48 espaços para velas que foram substituídos por lâmpadas, os talheres eram de prata e a mesa de vidro. Logo depois visitamos a sala de cultura. Lá, as damas passavam o tempo fabricando bordados, era a maneira de passar o tempo, também havia um kit de bordado em uma caixa de madeira em exposição. Mais para frente, fui apresentado a uma porção de objetos antigos usados pela família e alguns que eram usados pelos serviçais, tais como um cajado usado por Pedro II, que demonstrava a força e o poder do governo. Saindo de lá, nosso destino foi a casa de Santos Dumont, o criador do 14 bis e amplificador da ciência aérea. A casa era com estrutura de madeira e, claro, aparência antiga. Lá dentro havia quadros de Dumont, esculturas que lembravam os voos e pequenos livretos da época. Achei interessante um papel enquadrado com a planta da casa que estava escuro e ressecado. No segundo andar, havia só um móvel antigo e um incrível telefone de 1918 que era raro no passado - e no presente. Nesse mesmo andar havia também uma mini réplica do famoso 14bis. Em minha opinião, era muito bem feito. Saindo dali, um pouco mais tarde ouvimos uma orquestra sinfônica. A variedade de instrumentos me surpreendeu, nunca vi tantos assim, ainda mais juntos. O som da orques-


Estudo na escola São Fabiano e moro com meus pais em Bráz de Pina. Tenho 14 anos e sonho em fazer faculdade de Programação. Gosto de ler hQ’S americanos e jogar videogame.

tra era maravilhoso, me recordava uma música, como se es-

A primeira visita foi a uma sala, um antigo cassino cons-

tivesse em um fone de ouvido. O dia acabava ali e fora mara-

truído pelo empresário Joaquim Rolla que tinha uns 50m,

vilhoso. Dormimos e, no dia seguinte, nos preparamos para

era oval com uma cúpula e tinha um efeito estranho, quanto

sair novamente. O destino desta vez era um lugar que eu

mais perto do centro, mais eco havia. Depois dali, vimos um

considero museu, pois conservava coisas antigas: o SESC

monte de outras coisas antigas, as quais pertenciam a Joa-

Quitandinha. Logo na entrada, o banheiro me surpreendeu,

quim em seu maravilhoso hotel-cassino.

todo em mármore e pedras, era enorme e fiquei imaginando como devia ser caro. O SESC em si era glamouroso. Segundo a guia, o design era hollywoodiano, com luzes fracas e móveis com as pontas redondas para diminuir o peso.

O fim da viagem chegou e voltei dormindo e sonhando com a cidade de Petrópolis.

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DO CENTRO AO MORRO AMYNE DOS SANTOS Tive o prazer de conhecer um pouco mais a história do

porque é um lugar que eu só conhecia de nome. Para mim,

centro do Rio de Janeiro, lugar onde nasci, mas na verdade

ver tudo aquilo de perto foi uma escalada – literalmente. Mas

nunca conheci. Quando olhamos todos aqueles monumen-

no final, a vista foi ótima. Conhecer a realidade daquelas

tos antigos, não temos a dimensão de quanta história têm,

pessoas, as dificuldades que cada uma delas passa ao des-

assim como cada prédio, a praça onde Tiradentes foi morto,

cer o morro para trabalhar e sobreviver, foi uma experiência

o Teatro Municipal que fica ao lado da Câmara dos Verea-

que nunca mais esquecerei.

dores, onde tem uma faixa que simboliza o fim da ditadura

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militar, que também marcou a memória da cidade.

Afinal, a vida é isso. Conhecer a realidade do outro e entender que existem pessoas que passam por dificuldades

Outra parte de nossa história que pude conhecer foi o

maiores que a nossa e são felizes. Viajar é isso, conhecer no-

Morro da Conceição, um lugar incrível que, em cada esqui-

vas culturas, fazer novas histórias. Isso é a vida, uma eterna

na, cada casa tem uma essência diferente. Desde o primeiro

escalada, mas a vista é ótima.

degrau até o alto do morro, sempre há algo novo para conhecer. E para encerrar essa cota de passeios maravilhosos, subi mais um pouquinho a cidade para conhecer o complexo da Rocinha. Uma comunidade maravilhosa que guarda uma experiência de luta constante e muitas outras novidades e obras de arte, como grafites. Subir a Rocinha foi espetacular

Meu nome é Amyne. Moro em Magé e gosto de escrever, expressar o que eu sinto e penso.


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Igreja da Candelรกria


TRÊS AMIGOS EDUARDO COUTO Fernando, Luíza e Apolo moravam em Araruama. Os três eram muito amigos, mas Luíza se sentia dividida entre eles. Não sabia com quem ficar. Ela gostava dos dois de modo diferente.

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“Atira!” Disse Apolo. Fernando, com o coração cheio de ódio, atirou em Apolo, mas errou o alvo. Acertou em Luíza que, logo depois de saber que os dois marcaram um encontro pelo facebook,

Um dia, Fernando foi com sua família passar um tempo

acabara de chegar à praça. A moça caiu no chão e os dois

em Quissamã, já que eles eram de lá. Então, Luíza começou

adolescentes correram em sua direção. Ela morreu, mas an-

a ficar com Apolo, mas a família dele não aceitava a situação

tes ainda teve tempo de dizer: “Amo vocês dois e não queria

pelo fato dela ser negra. Os dois se encontravam na Praça

que isso tivesse ocorrido”. Fechou os olhos e partiu.

João Hélio, sempre depois das seis da tarde. O pai de Apolo descobriu que eles se viam e proibiu o namoro. Apolo e Luíza passaram a se falar apenas pela internet. Tempos depois, Fernando voltou para Araruama cheio de esperança de encontrar Luíza, mas ele descobriu que a garota de seus sonhos estava namorando seu melhor amigo. Os dois se encontraram na praça da cidade e discutiram. Brigaram. Fernando ameaçou Apolo com uma arma.

Naquela hora os dois começaram uma briga em que se machucaram mortalmente. Morreram ali, ao lado de Luíza. As famílias ficaram arrasadas. Eles sabiam que eram muito novos e havia muita vida pela frente.


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Eu sou Eduardo, tenho 15 anos. O meu sonho ĂŠ ser professor de sociologia. Quero fazer faculdade de letras e ser mais para frente jornalista.


Sem Rumo Diana Lemos

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Quero viver sem rumo

Não sei o porquê estou nisso,

com alguma coisa boa para recordar.

dizem que sou turista, viajante.

Poucas fotos ou retratos,

Em casa ainda não saí da mesma,

e pequenas coisas do que falar.

mas já começo a viajar,

Por ora, os momentos acabam quando entro em casa. Ainda não saí da mesma. Mas quero viver sem rumo, com alguma coisa para recordar. Viver os minutos, os segundos, os mundos.

é pensamento, é vento, é pensamento, é rapá, não sei não mano! que já comecei a viajar.


Prazer! Meu nome é Diana Eugênia Lemos. Tenho 15 anos e estudo no colégio público Eurico Salles, que fica no bairro do engenho da rainha. Estou no 9° ano. Sou nascida e criada dentro do Complexo de favelas do Alemão e tive a oportunidade de ter feito o Turista Aprendiz e ter vivenciado uma realidade diferente de onde moro.

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O coração quer ficar Camila Quima Turista vem de cá, turista vem dali, turista não fica, turista

as cartas. Guardarei o circuladô de fulô, guardarei os contos,

chega e parte, não fica aqui e menos acolá. Ele não é do

prosas, crônicas, as frases épicas. Eu gostei, gostei do que

mundo, o mundo é dele. Não deixa raízes, mas deixa folha-

passei. Passo e passarei.

gens, pequenas quem sabe. E quem disse que o coração não quer ficar? Mas não pode, porque é de lá. Pois é, lá onde? Lá em

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qualquer lugar que lhe faça tremular e sentir-se em um lar. Do que lhe adianta passar e não guardar memórias. Não é apenas visitar, e sim aprender. Aprender o quê? Só indo que irá saber. Conhecer, descobrir o prazer de perceber, viver, reviver, reaprender, poder compreender. Não sejamos pousada na vida do outro que ama e parte, mas a morada que ama e fica. Sentirei saudade desses pequenos grandes turistas que vieram, conheceram e deixaram suas marcas. Sei que são turistas, mas não passageiros. Não importa o destino, o que faz o lugar ser especial são as pessoas que lá convivem. Guardarei as poesias, as risadas,


Eu sou Camila, moro em Magé e pretendo cursar jornalismo. Faço curso de inglês e amo escrever textos. O exercício da leitura me inspira.

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EM MAIO EDUARDA PEREIRA bração. Abrace o mundo e veja as oportunidades. Aproveite Em um sábado no mês de maio, um grupo de amigos parte para uma cidade pequena no interior do Rio. Depois de algumas horas dentro do ônibus, Merlia, uma menina brincalhona, sensível e divertida, desce e caminha até um lago para pensar um pouco. Ela imagina que naquela cidade, durante à noite, há uma praça onde famílias se divertem, ado-

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lescentes brincam e namoram, crianças correm... Depois de um tempo de imaginação, de repente, Merlia acordou na praça em um Sarau com seus amigos e pessoas ao seu redor se divertindo das palhaçadas do grupo. Versos soavam em seus ouvidos e risadas faziam cócegas! [Momentos livres] Caminhando na praça com sua amiga, ela faz novas amizades e deseja revê-las novamente. Merlia teve uma ideia e quis compartilhar com o grupo: - Beije o vento e sinta a positividade, sinta o vento e a vi-

a vida, viva momentos. Crie, divirta-se, sorria, se apaixone, viva, imagine, escreva, aprenda, conheça, ame... O que há de melhor nisso?! O mundo é repleto de felicidade. Oportunidades! Agarre! SEJA FELIZ! Caminhe sem direção. Vá, vá para onde o destino te levar, sem ter hora pra voltar. O importante é conhecer e viver! Algumas pessoas querem ver você cair, mas mostre que você pode e vença todos os obstáculos! Não é o mundo que te abraça, é você que tem que agarrá-lo, porque ninguém está aqui para perder e, antes de tudo, se considere um vencedor só por estar aqui, hoje! Enquanto ela falava, um amigo seu gravava. Um idoso escutava atrás deles tudo o que ela tinha falado. Ele era um poeta e, quando ouviu aquilo, disse: - Nossa, menina, você sabe lidar com as palavras! Ela levou um susto e disse: - Obrigada, senhor, mas posso saber quem é você?


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- Sou uma pessoa que mergulha em letras e vê as nuvens

mo capítulo. E, nele, queria mostrar para as pessoas como

como livros e sente que a terra são as palavras. Desculpe-

é bom escrever, como é bom mostrar seus sentimentos, e

me, sou Roberto, um poeta pouco conhecido, muito prazer!

você disse exatamente tudo o que eu queria dizer.

- O prazer é todo meu. Cortando a fala dela, ele disse: - Gostei muito do que você falou, estou prestes a lançar meu último livro, pois tenho pouco tempo de vida... Mas,

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enfim, queria lhe pedir se poderia me vender sua gravação, ou melhor, deixe-me colocar seus pequenos sentimentos em meu livro e pôr seu nome junto a ele. Ela ficou tão feliz que, em seus pensamentos, disse. “Caramba, ele gostou mesmo, acho que vou cair dura.” - Pode sim, não precisa oferecer dinheiro não, senhor, mas espera aí, último livro? Como assim, o senhor ainda vai viver muito! - Não vou, não, minha querida, tenho apenas um mês de vida, estou diagnosticado com câncer e estou no meu últi-

- Ai, meu Deus, vai ser uma perda muito grande para a sua família. - Eu não tenho família, minha mulher morreu há 5 anos com os meus 4 filhos em um acidente de carro. Desde então, sou eu, meus livros e minhas histórias. Merlia ficou tão chocada que resolveu passar os últimos dias da vida dele ao seu lado, para ele não se sentir sozinho. Duas semanas depois, ele conseguiu terminar o livro e o lançou. Ele o chamou de “Meu livro, minha história” que, no final, completava com as palavras de Merlia. Dois dias depois do lançamento, ele morreu, mas uma frase em seu livro foi muito marcante para ela. Dizia assim: “A morte não é o fim. Eu fui, mas minha história ficou nos livros. Está viva, e quando você quiser me encontrar, é só abrir e ler.”


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Sou Eduarda Pereira, tenho 14 anos e moro na Rocinha.


Olá Paraty

Ana Luiza Tornelli

Olá, paisagem intocada tempo que achou morada e descanso, aqui não vemos tuas ações Olá, mar namorador da costa, que nos atrai com teu envolvimento Olá, memórias de Paraty

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tuas marcas não se apagam teus momentos aqui viraram histórias, lendas de almas perdidas e romances sem final Meu nome é Luiza Tornelli, tenho 18 anos, sou moradora de Manguinhos. Minha sinceridade é a versão mais autêntica de mim que consigo mostrar a alguém, melhor que meu instável amor e mais

Olá, terror atraente Paraty, como consegues atrair e impressionar com essa visão peculiar

profundo que meu desvairado ódio. Olá, olá, olá, a Paraty vim visitar.


A partida, Paraty

A Petrópolis

Conheci um lugar onde a paz foi cochilar

A noite era estrelada e seu vento frio fazia meu corpo tremer

Onde a natureza deu cria ao lugar

e o sangue congelar, era o clima que dava graça ao lugar.

Aqui as pessoas priorizam a paisagem

Suas ruas bonitas, estradas tranquilas e paisagens ávidas,

Ao invés da modernidade

Não haveria coisa mais linda. Petrópolis é de uma vida além do clima.

Paraty, o que vi aí, não vi igual ali Tuas histórias líricas, tuas florestas com vida Tua luz que ressoa até no breu

Sente-se, sinta o sol, o vento, busque aconchegamento. Só tome cuidado, esse paraíso tem um feitiço o de dar ao resto do mundo

Pisei em pedras, andei em pontes Explorei teus horizontes Briguei com a coragem, quis fugir da realidade Vivi vinte anos em dois dias Minha vida inteira em poucas horas Tive tão pouco de ti, mas foi tão muito para mim Eu vivi aqui, mas não morri, pior, tive que partir.

um sumiço.

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Rio Claro Carmélia Costa Na brisa desse vento eu vejo o luar que deu muitas vezes inspiração para Varela! Que mesmo com seus problemas conseguia continuar Ah Varela! Estou em tua cidade!

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Aquela que tu não gostavas Me traz inspiração, Varela, Uma que seja tão forte que me levante no ar para que eu e todos possamos viajar.


Oiê! Meu nome é Carmélia, tenho 16 anos e me considero uma pessoa super simpática. Adoro viajar e conhecer novas pessoas! Minha qualidade é sempre ajudar os outros, mas meu defeito é ser impaciente.

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PUC Ana Beatriz F. dos Santos

É claro que, no meio do caminho, você pode fazer uma mini parada e aproveitar um pouquinho, mas depois vai ter, com certeza, que continuar estudando. Nesse lugar tudo se pode fazer, de Humanas a Exatas, pois de alguma forma tudo se converge para uma pequena vila de casas onde a matéria se funde à energia, produzindo efeitos inesperados.

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No caminho para formar um futuro, passamos por barreiras e caminhos espinhosos. Um deles é difícil de percorrer. Está localizado na Gávea, zona sul do Rio, e tem um nome que é quase vestibular: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Um caminho que, para começar a trilhar, é necessário estudar, estudar e estudar. Mas quando você pensa que vai poder ficar por aí tranquilamente e relaxar, você percebe que vai precisar estudar ainda mais.

Dentro dessas casas, de tudo se encontra: desde um estudante de Direito que se desvia do caminho da aula para jogar videogame e conversar com umas meninas malucas que acabaram se perdendo, até um grupo de estudantes de Geografia que eu nunca imaginaria como meus professores. Há também uma biblioteca onde você é convidado a pegar o livro e não devolver (um sonho?). Mas para poder trilhar e aproveitar esse caminho, é aquela história... Você deve, precisa e é necessário estudar, estudar e estudar.


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Me chamo Ana Beatriz e o que posso dizer sobre mim, sinceramente, não sei. Então vou falar uma característica que os outros dizem ao meu respeito. Acho que sou uma garota normal, porém, não é isso que as pessoas comentam. Meus amigos falam que sou a mais maluca da turma. No auge dos meus dezenove anos não fiz quase nada do que desejei. Se tem uma coisa que tenho certeza de que sei é que sou viciada em livros e amo me perder em cada página das histórias. Ah, mais uma coisa, às vezes quase me convenço de que sou realmente maluca.

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Turista aprendiz NATÁLIA LOPES Eu sou uma

Eu sou uma

Turista Aprendiz

Turista Aprendiz,

Sou uma Turista

Turista do Rio

Nascida na favela

E da favela também.

Nasci, cresci e vivo lá.

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Já conheci Lá na favela

Araruama, Rio Claro,

Dizem que para ser Turista

Quissamã, Santa Teresa,

Tem que ser rico

Morro da Conceição,

Mas o que adianta ser rico,

Manguinhos, o Centro da Cidade

Sem conhecer o Rio?

E as escadarias do Selaron.


Eu conheci toda a riqueza Que eu não tenho Mas sei onde tem E como conseguir.

Não precisa ter carro, Ou uma suíte milionária.

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Para ser rico Basta ter a riqueza Que vem de dentro E n茫o a do bolso. Eu sou uma

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Turista Aprendiz, Sim, eu sou! Eu s贸 preciso de conhecimento Para ser uma Turista Aprendiz.


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Sou Natalia Lopes Dos Santos, moradora da Rocinha e danรงarina desde os 8 anos de idade. Jรก fiz circo e um pouco de teatro. Sou apaixonada pela arte e cultura e quero continuar trabalhando nesse ramo.


Amizade Luiz Victor Moraes Esse mundo quase todo, já rodei Atrás do que não sei Viajo. Ando. Corro. Conheço cada pedacinho do meu país Levo comigo só lembrança, até as mais cascudas

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Pessoas? Vish, sem contar, conheço mais de cem Algumas é quase impossível de não lembrar Pelos lugares que passei, pelo menos uma me impactou Tocando-me de tal forma que eu Nunca mais serei o mesmo E foi o que aconteceu quando conheci as pessoas. Hoje elas completam minha vida

Sem elas não sou. E quando me encontro distante, a saudade bate como um aviso: “Ei! Sabe aquela pessoa? Está na hora de reencontrá-la!” Eu obedeço e volto aos braços de quem me faz feliz.


Simplicidade Musical No vai e vem de uma crista de cavalo Entrelaçada em um pedaço de madeira envernizada Viajo para um mundo completamente diferente do meu

Desligo-me E deixo apenas minha alma absorver Toda aquela sensação de liberdade Fico extasiado.

Onde tudo se torna música Até os raios de sol, em sua simplicidade

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Viram notas Fá Mi Sol ou Do Re Mi Fá Não importa a ordem ou como venham No fim elas se misturam E uma incrível melodia é criada no silêncio e nos encanta.

Tenho 17 anos e vivo as questões próprias da minha idade. Às vezes, não sei se vou por ali ou por aqui, mas sei que, sendo correto, vou chegar em um bom destino.Gosto muito de estudar e reconheço o privilégio que é frequentar uma boa escola e fazer parte do Turista Aprendiz.


Cátedra

eternos turistas

Petra Merlim

Mas antes de invadir os estudiosos

Já saímos com um rumo certo

espaços de forte influência norte-americana

para conhecer de perto

vimos estudantes

aquele futuro que não nos é tão distante

de roupas bacanas.

que nos aguça a ser extremos. O que mais me cativou foi a Cátedra

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uma parte à parte que nos mostrou a arte do conhecimento a vontade de expor nosso talento.

Aquele maravilhoso acervo cercado de cultura que nos levava sem sair do lugar


Passei a outros espaços estudiosos onde a regra é misturar! Falo dos alunos descolados da Vila que me sopraram de maneiras sutis uma “cola” especial. a uma tamanha lonjura trazendo à simplicidade do casebre

Que na Faculdade da vida

um sorriso de Lobato

sou simples turista

as crônicas de Drummond

e mesmo graduada

e o piano de Jobim

serei eterna aprendiz!

que, mesmo carioca, me levava a Salvador para buscar, em Amado, o amor de Gabriela. A menina que traz no sorriso as frases mais belas ditas por seu coração, e sabe que foco, força e fé são essenciais para levar este grandioso espetáculo.

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Energia dos séculos Estefani Basilo Antigamente energia não tinha Imagine só a agonia De viver sem luz todo dia, Hoje em dia é a maior alegria Ligar a luz ou a lavanderia.

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No bondinho O motorneiro dirigia Enquanto o condutor na chuva vivia. Cavalheiros na época existiam Deixando as damas sentadas no meio dos assentos Para fugir daquela chuvinha.

Rápido o bondinho não ia. Algumas pessoas tinham a ideia de não pagar o bonde todo dia Daí vem a expressão: “Pegou o bonde andando, querida.” Se tem gente na rua: Ora! Aperte logo essa buzina! Se passageiro quer soltar: Ora, aperte logo essa cordinha, senhorita! Pois o bonde não quer mais parar.


Se a hidrelétrica não trabalha com o ciclo d’água:

Sim, poluente, renovável ou radioativa,

Ora! Coloque a biomassa replantada!

Tudo é energia.

Se o preguiçoso não quer replantar: Ora! Coloque a termoelétrica. Mas essa é poluente! Vamos poluir mais?

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Põe o cata-vento para girar. O vento tá fraco, a energia tá bugada O que se faz? Solar, pois temos todo dia. Sim, mas e a nuclear? Essa é muito radioativa, minha senhorita.

Tenho 17 anos e estou no primeiro ano do ensino médio no Colégio Estadual Jornalista Tim Lopes. Futuramente, quero fazer faculdade de Letras e ser escritora e revisora, talvez professora. Gosto muito de ler e, por isso, eu sempre me dou bem em português. Já escrevi alguns livros e um dia pretendo publicá-los.


CONFLITO AMOROSO DOUGLAS DE PAULO Era um domingo ensolarado, tudo muito azul, sem ne-

lar. Era uma mensagem que continha além de texto uma foto.

nhum ponto branco no céu. James e Carla estavam de férias

“Carla, você está sendo traída, se não acredita olhe então a

e resolveram sair.

foto abaixo.” A imagem mostrava James beijando outra garo-

— Para onde vamos? — Sei lá! Ele respondeu. Decidiram ir às salinas, próximo da casa dela.

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Eles cresceram juntos, sempre compartilhando momentos. Hoje, estavam no ensino médio e eram namorados. James sempre foi o mais aventureiro e bagunceiro. Carla, a mais estudiosa e calma. Passaram praticamente o dia todo ali. Gostavam de ficar próximos um do outro, num lugar com histórias do tempo dos seus tataravós, que já trabalharam nas salinas. Gostavam de ficar vendo a paisagem, do sol refletindo na água e no sal, dos pássaros voando e do frescor da brisa. Em certo momento, Carla escutou um bip em seu celu-

ta. Ele estava sentado ao lado de Carla em cima de um morro de sal. Ele percebeu que ela olhava para o celular: — O que foi? — Nada. Disse ela. Então ela se enfureceu e, sem pensar, empurrou James do alto do morro, ele rolou sal abaixo e caiu em um dos lagos das Salinas. Chateada, ela desceu de lá e partiu aos prantos sem acreditar no que tinha lido. Quando anoiteceu, a mãe de James ficou preocupada. Seu filho ainda não tinha chegado em casa, mesmo ele estando ciente dos assaltos que aconteciam na região. Depois de alguns minutos, ela ouviu alguém entrando na casa e viu seu filho muito machucado e chorando. Partiram direto para o hospital.


Passaram-se alguns dias, e Carla se encontrou com Marla, a irmã de James. — Meu irmão está no hospital e está melhorando. Disse Marla. Naquele momento, Carla não demonstrou seus sentimentos, despediu-se e voltou para casa. Correu para o quarto e começou a chorar. Sua consciência tinha pesado diante da notícia que acabara de receber. Uma semana depois, Carla ainda não tinha saído do seu quarto. Estava arrependida e triste pelo que tinha feito a James, sentia-se culpada. O dia dos namorados estava chegando e ela não queria passar essa data sozinha. Achava que aquele dia era muito importante para os dois. Eles começaram a namorar nessa data. Começou a lembrar do primeiro encontro e dos momentos felizes que passaram juntos. Decidida, se levantou, tomou um banho, se arrumou e foi à casa dele para se desculpar. Ela não aguentava mais ficar

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um minuto sequer longe do seu amado. Ao chegar próximo da casa, seu coração palpitava como se fosse sair do peito. Ela sabia que deveria falar com ele. Bateu na porta e Marla abriu. — Olá, Marla, como vai? Será que posso ver James? — Oi Carla, estou ótima, pode sim, ele está lá em cima no quarto dele. Ela subiu as escadas e bateu levemente na

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porta do quarto: — Quem é? — Sou eu, Carla, será que posso entrar? — Entre, Carla. Sem jeito para falar e ao ver o estado dele, com algumas partes do corpo ainda enfaixadas, ficou emocionada. — O que veio fazer aqui? Disse ele, friamente.

— Vim aqui para te pedir desculpas! Me arrependi muito do que fiz quando soube que você estava no hospital. Vim ver se nosso namoro ainda está de pé. — Pois é, Carla, estou melhorando e não vou aceitar suas desculpas. A face de Carla mudou ao ouvir as palavras de James. E ele continuou: – Não podemos continuar juntos, meu coração ainda está machucado, e as feridas ainda não se curaram do que aconteceu. Também nunca imaginaria que você fosse capaz de fazer esse tipo de coisa comigo. Sempre te amei, e saiba que nunca te traí − disse ele com os olhos cheios de lágrimas. Por fim, ele pediu para que ela se retirasse do quarto, pois precisava descansar. Espantada diante de suas palavras, Carla saiu da casa dele e foi para as salinas. Lá, ela chorou salgadamente.


Olá, me chamo Douglas e tenho 19 anos. Sou estudante, moro atualmente na comunidade da Rocinha. Nasci e cresci em Niterói. Gosto de ler, cantar e ouvir músicas pop e lentas. Ver animes, seriados e filmes. Gosto também de conversar, ainda mais quando o assunto me interessa. Sou extrovertido, simpático e calmo. Conhecer gente nova, lugares novos e também aprender algo novo são coisas de que gosto muito.

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/ Amena Cidade / Raphaela Luiz

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Sapiência Sem ode

Mesmo com a simplicidade

Vou pelo ritmo

Mostra o arco-íris da tua beleza

Da fala, do coração

Que prende os olhos

Do chorinho, do samba.

Ameniza a respiração.

Pelas águas que me banham

As tuas águas tornam-se música

Vou sendo

Para os ouvidos

Icamiaba

Da alma.

Jabuti

Leve, traz paz.

Apaixonado

Inspiro teu verde-esperança.

Pierrô.

Do teu cheiro faço o perfume da tranquilidade

No traje de losangos do Arlequim

E o choro do céu na partida

Misturo formas e cores

Insinua que a alma de quem partiu

Sendo da renovação

Choverá de saudade.

Filha E mãe.


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Meu nome é Raphaela Luiz, tenho 16 anos e moro na Zona Oeste do município do Rio de Janeiro. Tenho uma imensa paixão pela literatura brasileira e pretendo fazer faculdade de Letras. Tenho em mim todos os sonhos do mundo e uma fome de liberdade que tento saciar através da escrita.


Dumont Juliana Lourenço “(...) Ele se matou ontem, sinto muito, sei o quanto você

Eu estava descendo minha rua, indo em direção a casa

era amiga dele, eu realmente sinto muito”. Foi assim que eu

dele. Lembro-me perfeitamente de pensar “Será que ele está

soube da morte de um grande amigo através de um colega

em casa? Ah não, ele morreu...” Parece mórbido, mas foi

jornalista de São Paulo.

isso que pensei enquanto descia a rua em sonho. Havia um

Eu fiquei desolada. Como ele poderia ter feito isso?

Como? Não havia cabimento. Era um homem tão gentil, tão bom, e parecia tão bem na última vez que falei com ele ao

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telefone. O Dumont que eu conheço não faria isso! Não mesmo! Ora meu caro, por que fez isso? Nunca saberei ao certo. Ele apenas se foi. Estava marcado que, quando voltasse a

nevoeiro muito denso, completamente incomum. Eu segui, então reparei que estava sozinha na rua, com as minhas roupas de dormir e descalça. O chão estava muito frio, o ar gélido. Parei em frente ao primeiro lance de escadas para subir à casa dele. Aquilo estava me assustando. A Encantada nunca foi tão grande, tão assustadora.

Petrópolis, passaríamos um dia juntos. Não passamos. Nun-

Subi, pé ante pé. Trêmula, mas subi. A escada, que an-

ca passaremos. Eram 3:04 da manhã. Tentei dormir e não

tes tinha poucos degraus, agora era semelhante a da Penha.

consegui durante mais ou menos uma hora. Eu chorava, so-

Quando cheguei à porta, estava exausta.

luçava, gemia de dor. Durante uma hora, vivi a maior agonia de minha vida, a de perder alguém amado. Depois de muito chorar e chamar pelo nome dele, peguei no sono, um sono muito profundo. E tive um sonho realmente estranho, sonhei com Dumont.

Entrei. Ali, o ar era quente, acolhedor, familiar. Um ar muito diferente daquele que passava por debaixo da porta. A casa estava bem iluminada, havia um sol radiante, que não se encontrava lá fora. É difícil explicar a lógica disso, mas pelas janelas não entrava a noite e sim o amarelo do sol - o que


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não poderia ser já que eu acabara de chegar e não havia sol lá fora. - Minha cara amiga! Ouvi aquela voz vinda do alto. Olhei

tardes a passeio, dos chás, dos almoços, das conversas, de tudo, Dumont, de tudo!

para o topo da escada. Lá estava ele! Dumont! Corri ao

- Oh, minha amiga, minha jovem amiga... (eu o olhava

seu encontro, nos achamos no meio da escada, o abracei

com a visão um pouco embaçada por causa das lágrimas e

ali mesmo, com bastante força. Como se... Se não usasse

ele falava daquele jeito doce que sempre se referiu a mim).

força suficiente para segurá-lo, ele se esvaiu entre os meus

Não vê o quanto estou feliz? A felicidade de um amigo não

braços. Eu estava completamente feliz em vê-lo.

deveria ser, ao outro, motivo de semelhante felicidade? Não

- Dumont! Como pode estar aqui? Você morreu... A última frase falei cabisbaixa.

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- Não quero ficar sem você! Vou sentir falta das nossas

- Pois, venho-lhe em sonho. Percebi o quanto ficou abalada com minha partida, senti sua dor, te vi chorar. Estou aqui para acalentar seu coração. Fique calma, minha linda, estou bem, estou em casa. O abracei ainda mais forte. Ele estava com cheiro de roupa limpa e colônia de banho. “Está tudo bem”, me repetiu. Quando percebi estava chorando. - Quando eu acordar, você não estará mais aqui... Presumo. - Exatamente. Ele falou lentamente, como se degustasse a palavra.

consegue ficar feliz por mim, minha pequena? Ele pareceu sentido. - Vou tentar. Falei aos soluços e ele me fez prometer. - Acho melhor você acordar, deve ser tarde. - Não, não quero! O apertei contra o peito. Quero ficar aqui com você! - Nem sempre o mundo dos sonhos é tão bom quanto à realidade. - Não me esqueça! - Nunca! Ah, quase me esquecia de uma coisa!


Ele subiu as escadas e eu fui atrás. Da escrivaninha, ele

mal durante todos esses meses, não tinha paz, tranquilidade

tirou algo que não vi e enfiou no bolso de trás da calça. “Eu

interior. Agora ele está com Deus, apesar de ter se matado.

ia lhe dar isso antes de morrer, mas não tive tempo. Eu que-

Ele era um bom homem, talvez Deus o perdoe por isso.

ria tanto lhe dar isso. Lembrou-me tanto de você. Acho que você vai gostar muito. Tome...”. E quando ele iria me mostrar, acordei. Estava atordoada e desolada por não saber o que era, desorientada por ter acabado de acordar. Queria saber o que seria aquilo, queria muito. Senti uma mão tocar gentilmente meu pé, levei um pequeno susto. Era minha mãe. Ela parecia triste, já devia ter recebido a notícia. Eu a olhei como quem pede ajuda, ela me olhou como quem diz “Eu sei”. - Oh mamãe! (corri para o seu colo. Doía, doía muito). Ele era um grande amigo, eu o amava e agora ele havia ido para nunca mais voltar. “Não consegue ficar feliz por mim, minha pequena?” Lembrei-me de suas palavras. Respirei fundo, me levantei, enxuguei as lágrimas. − Sonhei com ele e, no sonho, ele me pediu para ficar feliz, pois agora estava bem.

− Sim mamãe. Rezarei para ele, acenderei uma vela, pedirei para rezar uma missa... − É uma ótima ideia! Eu já estava de saída, quando fui interrompida pela criada da casa: “desculpe atrapalhar, mas chegou uma correspondência para a senhorita.” Nas mãos, ela trazia um embrulho. Parecia uma caixa. Ela pôs em cima da cama e saiu. Ficamos, eu e minha mãe, olhando o embrulho. Era simples, não podia ser nada demais. Peguei-o com cuidado, pensei em sacudir, mas poderia quebrar. Era um embrulho pardo amarrado com um barbante. Não havia bilhete. Desembrulhei. Era uma caixa. O que já era meio óbvio. Minha mãe tinha um olhar extremamente curioso: “Abra logo, Aurélia!” Eu ri nervosa. Analisei a caixa. Nela havia algo escrito em francês. Une simple fleur a changé ma vie, meu coração acelerou. Quando abri a caixa fiquei deslumbrada, era

− Minha Nossa Senhora abençoe a alma dele... Ele está

um medalhão. Era lindo, de ouro com detalhes em pedrinhas

melhor agora, Aurélia. Você viu o quanto o homem estava

vermelhas. Era a joia mais linda que já vi. Minha mãe ficou

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encantada! − Quem será que mandou isso? Ela perguntou ansiosa. − Não faço ideia. Mas tem uma carta. Havia uma carta no

qualquer coisa ruim que eu já tenha lhe feito. Talvez eu não tenha sido um bom amigo, e confesso que fui meio ausente. Só queria dizer que a amo, no sentindo mais puro da frase. E mais uma vez, obrigado.

fundo da caixa. Logo reconheci a caligrafia. Dumont. Fiquei

Com amor, Dumont.

nervosa. − De quem é? Perguntou minha mãe impaciente. − Dumont. Mas como...? Então me lembrei do sonho. Ele iria me dar algo no sonho, será que era esse medalhão?

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− Leia a carta! Peguei-a tremendo, abri e comecei a ler. Dizia as seguintes palavras. Minha querida Aurélia Viajei a Paris um tempo antes de conhecê-la. Nessa viagem, encontrei esse medalhão sendo vendido em uma loja simples, e fiquei deslumbrado com sua beleza. O comprei, mesmo não tendo para quem dá-lo, mas com o objetivo de oferecê-lo à mulher mais maravilhosa que eu conhecesse. Sabe, Aurélia, um dia a aviação unirá os povos e os corações, em vez de fazer a guerra. Nesse dia, minha morte não terá sido em vão. Queria apenas agradecê-la e me desculpar por

Eu chorei da primeira à última palavra. Minha mãe estava curiosíssima para saber o que estava escrito, mas entendeu que era uma coisa muito íntima e se conteve. Ela me abraçou forte. Agora eu podia aceitar. Agora eu podia estar feliz por ele. Com gentileza, pedi que mamãe se retirasse do quarto, eu precisava ficar um pouco sozinha. Ela concordou e saiu. Fiquei sentada na cama relendo aquela carta. Eu não estava feliz pelo que ele fez, mas... Eu estava com o coração mais leve. Agora eu poderia ficar tranquila sabendo que ele estava em paz, num lugar melhor, que ele sempre estaria comigo, sempre, onde quer que eu fosse. Sentia-me feliz e com sorte de tê-lo conhecido. Um homem tão incrível quanto aquele que tocou as nuvens pela primeira vez, nunca existirá, tenho a mais plena certeza.


Eu sou a Juliana. Mais simplesmente, a Ju. Um apelido simples, de uma pessoa simples. Eu n達o sou nada demais, sou comum. Imagine uma coisa bem simples, meu valor equivale a isso.

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Ambulante Gabriel Leonne Correndo de um lado para o outro Com gancho de atrativos Vende sua expectativa de chegar em casa com o sustento do dia, Onde o diminuto o espera

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com a boca aberta e a barriga vazia. No gancho prende sua luta No gancho prende seu valor No gancho prende sua história Que por mim é anunciada com louvor. Na raça carrega seu isopor de gelo fugindo da repressão

Sem querer perder sua expectativa leva sua fé no coração.


Enigma Notável loucura do meu ser Em viver, em sonhar, em criar.

Esta claridade obscura Onde não se têm divisões; Notável memória imatura Que se vive com ilusões.

Estonteante pensamento insano Que cria um mundo tirano, Na prática tenho boa fé E não vivo nesse engano.

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Monotonia

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Risco entre riscos no papel

Bufando num incômodo de sufocar

sem ideia

estou sem horizonte

sem ânimo

em uma utopia da imensidão do oceano.

riscando por riscar.

parece que eu continuo dormindo riscando por riscar

O risco me faz imaginar a imagem que tinha lá, mas continuo riscando por riscar.

sem querer criar.


195 Olá, eu me chamo Gabriel Leonne, tenho 18 anos, vivo com minha família. O Turista Aprendiz me ensinou a nadar e mergulhar fundo no mar de poesia, e hoje tenho uma dinâmica com as palavras muito maior do que antes. O projeto me instruiu a perseverar na escrita e não desistir jamais. Podem até achar que deixar o poema na gaveta é esquecer, mas é apenas o tempo de descanso.


RIO CLARO e SÃO JOÃO MARCOS FABRÍCIA MELLO

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Uma viagem pode despertar em nós inúmeras sensações

ansiedade aumentando. Os diálogos entre os amigos ces-

e reflexões, deslocar-se a outros lugares e se dispor a ter um

saram aos poucos. Assuntos acabaram e algumas pessoas

contato diferente com as culturas que nos rodeiam e muitas

cochilaram. Era sinal de que já estávamos fatigados. Quan-

vezes passam despercebidas é essencial para a conquis-

do, enfim, o ônibus parou. Chegamos ao Parque Arqueoló-

ta de autonomia e senso crítico. Em uma dessas aventuras,

gico de São João Marcos, entramos na trilha e conhecemos

apaixonei-me por alguns lugares diferentes, dos quais des-

as ruínas da antiga cidade que ali existia. Me senti tão bem

taco dois: Rio Claro e São João Marcos, que conheci junta-

naquele lugar lindo, que fiz um pequeno escrito para tentar

mente com um grupo de amigos turistas. Essa experiência

expor o que eu senti.

tornou-se única e especial.

“Do fundo da represa, vejo uma cidadezinha que emerge

No ônibus ficamos infinitas horas, era uma viagem que

das águas que um dia a encobriram e que reconta sua his-

parecia longa. Da janela eu avistava uma paisagem comple-

tória e a remonta e a refaz. Vejo antigos moradores voltarem

tamente verde, as árvores balançavam no ritmo do vento, e

com olhos marejados e reviverem com saudades os bons

o sol transmitia uma luz que se refletia em cada galho, em

momentos aqui deixados [...]”.

cada planta e em cada árvore, tornando aquele visual cada vez mais esplêndido.

Depois desse comentário anotado no caderno de viagem, guardei as lembranças de São João Marcos em minha me-

Enquanto lá fora tudo era muito vibrante, dentro do ônibus

mória e, com o grupo, fui a Rio Claro, que se caracteriza

havia a inquietude de explorar aquele novo mundinho que

por ser um lugar bucólico e singelo, com uma população

trazia dentro de si muitas novidades. As horas passando, a

simples, que encontra no estranho uma oportunidade de


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descoberta, que não se fecha para o novo e não se assusta

No dia seguinte e já em clima de despedida, conhecemos

com o diferente. É gente que quer conhecer gente. São bem

a cachoeira Rio das Pedras, importante atrativo. Cercada de

receptivos os moradores de lá, as casas são modestas, e o

matos e montanhas, é um poço de águas cristalinas e frias,

comércio ainda bem pacato. Todos esses elementos dão à

que chama a atenção de qualquer turista e desperta o desejo

cidade uma imagem campestre e acolhedora.

para um banho naquela ducha natural, servindo até mesmo

Após a visita a alguns pontos históricos do município, par-

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para descanso ou um agradável piquenique.

timos para o sarau. No meio daquela cidade cenográfica,

Enfim, recolhemos nossas bagagens, que voltaram cheias

nos reunimos, enquanto alguns habitantes nos fitavam com

de novas experiências, e refizemos a longa viagem rumo ao

um olhar de curiosidade. Sentamos, então, na escadaria da

Rio de Janeiro.

igreja e começamos o espetáculo. Assim como Rio Claro se apresentou para gente em sua mais bela forma, apresentamos a Rocinha para eles e a descrevemos, através de poemas, crônicas e músicas. O céu estava estrelado e parecia aplaudir o espetáculo. Depois dessa indescritível experiência, lanchamos, conversamos e fomos descansar e nos preparar para mais um dia de descobertas.


Me chamo FabrĂ­cia, tenho 18 anos e estudo no ColĂŠgio Estadual Walter Heine.

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Sou Rayanne Adjene

200

Sou viva?

Aqui, agora

O que sou?

Não sei quem sou

Em prosa e verso

Só peço os melhores abraços

me vejo neste mesmo poema

E que se faça o melhor dos amores

que me escorre pelas mãos

Que nos esqueçamos do amanhã e mergulhemos

como o amanhecer que escorre

No presente.

de meus olhos em um mero piscar Sou uma entidade que me cristaliza? Que venha a magnitude das coisas

O universo proporcionar o infinito

O tempo proporcionar o amanhã


201 Sou Rayanne Adjene, tenho 18 anos e moro em Queimados, interior do estado do Rio de Janeiro. Amo brisas, calmaria, novos conhecimentos e tudo que me traz paz. Tenho uma imaginação que me faz sentir o inimaginável e, a cada conhecimento, uma epifania em mim é provocada. Uma frase de Confúcio que me representa é: “Conte-me e eu esqueço. Mostre-me e eu apenas me lembro. Envolva-me e eu compreendo.”


BEIJO NA PRAÇA ISABELA CUNHA Hoje é dia 17 de maio de 2014, são exatamente oito horas da manhã. Joshua e eu já estamos no ônibus partindo para Araruama. Joshua dormiu durante a viagem, enquanto eu fiquei apreciando o verde. Chegamos mais ou menos às onze horas e fomos direto à Praça Menino João Hélio, onde iríamos encontrar Molly e Gabe.

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- Beth! Joshua! - gritou Molly, abraçando nós dois ao mesmo tempo. - Gabe! - Joshua e eu corremos para abraçá-lo. Fomos para casa de Molly, onde almoçamos e tomamos banho para mais tarde irmos à praça. Mais ou menos às nove horas da noite, chegamos à praça. Ela estava cheia, nem parecia o local onde tínhamos descido. - Nossa! Essa praça é sempre cheia assim? Perguntei, impressionada com o tanto de jovens que estavam no local.

- Sim - disse Molly - Aqui é o nosso ponto de encontro. Joshua e eu ficamos sentados conversando, enquanto Molly e Gabe dançavam. Joshua me olhou como nunca tinha me olhado antes e, quando percebi, seus lábios já tinham encontrado os meus. Por alguns segundos, fiquei sem reação, mas acabei cedendo e enterrando meus lábios nos dele. - Desculpa - disse Joshua. - É… Eu gostei - disse sorrindo - Estava esperando por esse beijo desde o dia que te conheci. - Beth… Eu te amo - disse Joshua, me beijando novamente. Voltamos para casa de Molly mais ou menos à meia noite. Na manhã seguinte, partimos para o Rio novamente. Joshua não soltava minha mão, a viagem toda me olhando e sorrindo. Ele fez da minha viagem a melhor de todas.


203

203

Sou Isabela, tenho 16 anos e estudo no Colégio Estadual André Maurois, amo ler, escrever e desenhar. Meu livro favorito é “Um amor pra recordar”. Sou fascinada por ficção científica e terror.


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205 Meu nome é Gabriel Mação, mas podem me chamar de Canadá. Tenho 19 anos e moro no Rio de Janeiro. O que mais me encanta nessa vida é o tempo. É incrível vê-lo passar como um rio e transformar cada coisa que toca. Amo ler e escrever, principalmente ficção e poesia. A frase que me define é: “somos contos contando contos”, de Fernando Pessoa.


ATABAQUE: o som da igualdade ROBSON CASCIANO O sol me causava alucinações. De repente, me achei

“Sou morador de Quissamã desde que me entendo por

olhando aquela água que me refletia de forma que não era

gente, sou fascinado por história e posso ser o anfitrião de

eu, era um ser obscuro, sem face, ríspido e arrogante. Pe-

vocês, cobro apenas 20 reais por pessoa”. Exclamei em alto

quenas vegetações rasteiras se estendiam dando feição ao

e bom som para todos ali!

que parecia um tapete verde, as libélulas em bando esvoaçavam loucas, árvores só em galhos começavam a florear e isto me deu esperança.

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Primeiramente eles negaram pagar, mas o celular de uma moça do grupo tocou, e eu a vi cochichar no ouvido de outra mulher: “a pessoa arranjada para contar sobre a história

Esperava que algo de inusitado acontecesse, flexionei

local e nos mostrar os lugares turísticos encontra-se indis-

meu pulso, e o relógio marcava meio-dia. Fiquei mais um

ponível”. Abri um sorriso de canto de boca e os pressionei,

tempo olhando cada canto daquela restinga e revi a hora,

perguntando: E então? Eles toparam.

ainda marcava meio-dia. Notei então que o relógio estava com defeito, bati na tela para ver se voltava a funcionar e naquele momento, o fictício se tornou realidade: voei duas horas no tempo. Eu presenciei o sol e a sombra mudando de posição em uma velocidade ultrarrápida. Escutei, algum tempo depois, o ronco de um ônibus vindo em minha direção. Quando o motorista desligou o motor e abriu as portas, desceu um grupo de jovens que salvaria meu futuro e me daria, então, um emprego.

Havia, entre esses jovens, um grupo de moradores locais que fazia teatro. Eles encenaram uma releitura de “O navio negreiro”. Tive a ideia de levá-los, após a apresentação, a um local onde havia senzalas, casas de viscondes e famílias descendentes de quilombos, como a minha, que se encontrava em situação financeira precária. Cruzamos alguns quilômetros e chegamos à frente de uma senzala reformada, transformada em museu, mostrei


primeiramente um pouco sobre a história do escravismo no

círculo os jovens. Os que mais me contagiaram e que esta-

local e, logo depois, alguns instrumentos musicais feitos por

vam gostando da nossa dança eram Kisa e Quera (gosto de

eles para diversão.

dar apelidos típicos a esses jovens). Ao final, também toca-

Então, batendo com a baqueta de dó a si, expliquei os sofrimentos dos nossos ancestrais e a vergonha atual do povo em receber turistas na área. Aproveitei e falei ao meu filho que pegasse o cavalo e mostrasse aos jovens, e caso quisessem montar, que fosse cobrado dois cruzeiros. Lucrei oito cruzeiros com isso. Eu precisava de dinheiro, mas também fazia coisas por amor ao meu povo e a nossa arte. Chamei meus filhos e os dos vizinhos para lhes mostrar o Jongo. Eles vestiram suas roupas brancas, peguei o tambor, formamos um semicírculo

mos um pouco de samba, e dançamos que era uma beleza de se ver. Mostrei também um monólogo que fiz e quebrei uma corrente que representava os ex-escravos. Não só essa corrente, mas também a do preconceito e a dos estereótipos foram destruídas. Depois retornamos ao ônibus, pois queria levá-los à casa Mato de Pipa. Eram jovens felizes que alegraram até o motorista. Ele fazia as luzes do ônibus piscar da mesma forma que as luzes da festa junina da cidade. Eles gritavam “Tut’s Tut’s Tut’s Tut’s” e dançavam de uma forma sedutora.

e começamos a esbravejar nosso canto e contagiá-los com

Chegamos à casa. Ela era feita de barro, sangue de boi,

nossa dança. Eram dois passos e uma rodada e a cada uma

pau a pique e madeira típica. Hoje, esse tipo de construção

atraíamos os jovens para dentro da roda e os enlaçávamos

se encontra quase em extinção. Expliquei que a casa tinha

com nossa energia. A cada atabacada, entrava um jovem

duzentos e cinquenta anos e os orientei como as telhas eram

diferente e um quilombola saía, até que só ficaram dentro do

modeladas nas coxas de escravos.

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Kisa então indagou: “Como assim? Que coxão!”. Entrei dentro da casa, mostrei a eles cada cômodo, mesas e lustres. Sem querer, pisei no assoalho que estava rangendo, este quebrou revelando o diário de um escravo. Folheei e tentei compreender o que aqueles garranchos queriam dizer,

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Ao terminar a leitura, fomos aplaudidos de pé, nosso sofrimento foi reconhecido, terminado, e hoje permanece como orgulho, porque do sofrimento criamos a vida, a liberdade que tanto queríamos. Nós somos os quilombos, negros e ex-escravos e não temos vergonha de falar disso!

concentrei-me com todo foco possível e exclamei a todos:

No fim do dia, eu e minha família, finalmente, já tínhamos

“Quero ler para vocês um documento real.” Os olhos negros

dinheiro suficiente para comprar comida. Não porque somos

de todos se voltaram para mim e, lendo silabicamente, os

pobres, mas porque minha fonte de sustento terminou. As

decifrei:

lavouras foram empesteadas e a mãe preta que me ajudava

“Vossa alteza, eu tenho crença de que cada gota de san-

havia falecido algumas semanas antes.

gue que escorre no meu corpo será tua condenação. Esta é

Por fim, quase me esqueci de comentar! Fui efetivado

minha cor, cada comida que nós tenhamos de vir a esconder

como guia de turismo da área e agora sou pago pelo governo.

será encontrada e reconhecida. Minha dança, a dança dos escravos que vós tanto repudiais, será a minha elevação, meu orgulho. As famílias jogadas ao mar e nossas costas rasgadas por açoitadas maldosas cairão sobre tua família. Quando cada corrente for quebrada, cada atabaque anunciar nossa liberdade, vós vereis com vossos próprios olhos que todos nós somos iguais por dentro e para cada açoitada que recebemos, haverá três no vosso corpo.”


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Meu nome é Robson e tenho 17 anos. Sou violinista e tenho dois grandes sonhos: quero ser um escritor de sucesso ou um spalla (Violino Mestre) de alguma orquestra, mas sei que tenho que evoluir muito em ambos os caminhos para poder chegar onde desejo. Toco na Escola de música da Rocinha. Estou dividido entre Letras e faculdade de Música. Cresci na favela e tenho consciência de que necessito conquistar espaço e provar meus conhecimentos, mas aceito isso como desafio e vou chegando lá devagar batendo meta por meta. Posto meus textos em fóruns e pretendo criar blogs e um canal no youtube para divulgar minhas ideias, minhas visões e minha experiência de jovem nascido na favela.

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Encontro com os grandes Lucas Silva Lembro muito bem daquele meu aniversário. Dia 8 de abril, na ilha de Paquetá, onde vivíamos. Eu e minha avó tínhamos combinado que, neste dia, ela me deixaria ir à praia no Rio de Janeiro. Dormi ansioso. Quando despertei, fui à cozinha e topei com vó colocando seu sabão de coco pra Santa Clara. Ela era meio louca por santos, deuses, etc. Mas por que Santa Clara gosta desse sabão?, eu perguntava sempre. Vai

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entender né? Pois bem, aí veio a má notícia. – Pedro, sinto dizer, mas você não vai à praia, por causa do mau tempo. – Não vai acontecer nada, vó. Para de show. – Você vai então, mas se o tempo fechar, volta correndo. Então pegamos a barca e nos mandamos pra Urca, eu e minha prima Bia. Éramos bons parceiros nessas aventuras. Curtimos uma manhã nublada na praia vermelha, e o sol chegou a sair por alguns momentos. Como tínhamos um dinheirinho que vó me deu de presente pra passar o dia, re-

solvemos passear de bondinho até o Pão de Açúcar, vendo o pôr do sol. No meio da subida começou uma tempestade fortíssima. O bonde foi subindo, subindo, eu escutei um raio, mas ele subia cada vez mais rápido. – Meu Deus! Os cabos terminaram, estamos fora dos trilhos! Bia, Bia, cadê você? O bonde passou o Pão de Açúcar e subiu pelas incríveis nuvens da tempestade até acabar tudo e abrir um novo tempo, um lugar luminoso e vazio. Um incrível sol, mas sem calor, e um vento forte que passava por mim sem que eu o sentisse, como se não tivesse força para mover uma mosca sequer. O bonde pousou no alto de um monte. À minha frente, uma bela mulher se apresentou, juro para você, como a deusa A-te-nas! Era o grande Olimpo... – Pedro, vamos, Zeus te espera e vai te mostrar umas coisas. Você não imagina como fiquei empolgado para conhecê -lo... Ela abriu uma grande porta de ferro e recomendou que


eu não tocasse em nada, que seria triste me ver morrer de novo. Não me sentia morto e achei o comentário engraçado. Zeus era uma figura com os cabelos e pelos do peito levantados como se estivessem sendo atraídos por um imã. Segurei o riso. Atenas sempre séria. Cumprimentei o grande Zeus com muito respeito, eu já tinha lido muito sobre ele. Pediu-me que o seguisse. Passamos por uma porta e entramos por um lugar escuro e estrelado, com o grande globo da Terra à nossa frente. – Veja, Pedro, você morava aqui. – Zeus, de onde veio o raio que me atingiu? Ele passou a mão em cima do mapa do Brasil e ele se encheu de uma luz amarela muito forte. Então, uma faísca saiu do Rio de Janeiro até a ponta do seu dedo. Ele me estendeu sua outra mão e lá estava eu, tocando na mão de Zeus. Meus cabelos se arrepiaram, iguais aos dele. Senti algo muito estranho. – Então o senhor enviou o raio?

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– Não é bem assim, Pedro, é um ciclo. Agora, prepare-se para a coisa mais importante que você vai ver. Voltamos pela porta até o Salão de Pedra, no topo do Monte.

– É claro, Pedro! Acorda, menino, para vocês passearem, é teu aniversário! Dorme mais que a cama, nunca vi... Estas foram as palavras que vovó dizia, com um lindo sorriso, naquela manhã de oito de abril, meu aniversário.

– Pedro, Zeus continuava, sou feito de energia, assim como os humanos. A única diferença é que sou a fonte de seu universo. Veja, aqui está a vida – disse, apontando uma prateleira cheia de bonecos de cobre, irradiando luz. Outros,

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sem brilho, estavam empilhados num chão azul escuro. – Todos os seres possuem essa energia. Quando, por algum motivo, ela deixa o corpo, os bonecos acabam como você, mortos. Porém, renascidos. (Eu fiquei, literalmente, em estado de choque). Chegou a hora criança, sua missão acabou e a Bia tá aí.

O coração quer o que quer Não sei o que fez comigo Tudo me lembra você Até a forma de me porem para baixo

– Hãm?

down, down, down

– Acorda, Bia tá aí!

Quando penso que te esqueci

– Minha prima?

Meu coração bate veloz


Como ele fazia

Cansei de bombardeios

Ao estar com você

O coração bombeia

Mistura perfeita de

O coração quer

Amor-ódio destruiconstrução

o que quer.

Na noite fria me esquenta O seu calor Me ilumina como vênus E o coração quer o que quer Não me dê escolha I can´t scape Should I? Eu e meu coração queremos Não um conto de fadas moderno

Seu quebrar escutando você navego queria e quero, em ti morar, dormir mas sua força pode matar-me e vale a pena

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com Iemanjá quero viver morar até falir e com você eu vivo até o amanhecer ouvindo seu quebrar no mar.

214 Luz Amarela Não pude esperar para logo ver sua luz amarelo ouro Sim, eu não pude esperar pra ver você crescer


envelhecer e logo morrer com tua luz falando em minha alma mas basta amanhecer pra você sumir dizendo: tenha um bom dia...

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Ah lua cheia! eu peço que fique e ilumine a minha escuridão.

Meu nome é Lucas, mas pode me chamar de Van... Luh... Tanto faz. Moro em Paquetá, tenho 16 anos e gosto muito de ler ficção... Na vida gosto muito de dormir e viajar... Ah, sem esquecer de que amo COMER. Quem não gosta? Uma frase de que gosto muito é: “Não é o fim nem o começo do fim. Mas talvez seja o fim do começo.”


O ocorrido Emely Helen A saudade ficou no esquecimento da sinceridade do calor do sexo onde não rolou individualidade depois do jantar à luz de velas acompanhado do banho de espuma sob a camada d’água quente igual ao motor do carro no qual fomos naquela praia onde capturei a nossa foto no fundo com a paisagem de um céu negro e trocamos beijos ao som da música tocada na rádio do meu celular a canção era tão bondosa para

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que nossa noite desse certo depois de um pote de sorvete tomado debaixo da ponte e a luz da lamparina se acendia com o calor do momento.

Sombra Fitando a janela banhada pela lua, Anne imaginava quem era o sujeito em quem não parava de pensar. Ele, que a deixou trêmula com uma pequena troca de olhares por uma fração de segundos, por quem tomou o medo de se apaixonar, aquele que em sua mente tinha apenas um nome: Sombra.


Hotel Cassino Na chegada, não é muita coisa. Trata-se apenas de pé direito multiplicado vinte e três vezes eu e objetos e móveis programados na hollywoodade de quem o construiu. E são vinte e um cômodos principais com suas funções e finalidades. Quer saber onde me encontrar? Passe pelo hall de entrada e veja a grande fonte, é minha. Se você estiver acompanhado de um menor de idade, deixe-o em boas mãos na ala da criançada. Entre no jardim de

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inverno, você está no caminho certo... Siga pelo corredor das manchetes e compre umas lembranças. Encaminhe-se até a cúpula. Ouve os sons de fichas tilintarem? Estarei sentada numa cadeira reservada à mesa de poker, vestida elegantemente e dizendo duas palavras na minha vez: - Mais uma!

Meu nome é Emely, tenho 15 anos e terminei de cursar o ensino fundamental na Escola Municipal João Barbalho. Gosto de escrever cartas e pretendo lançar um livro. Futuramente, penso em me formar em Gastronomia e Engenharia Civil e fazer todos os tipos de curso de idioma para poder viajar.


O garoto era Beatles Valeska Torres Mais uma vez sem um “Era uma vez...” um garoto chamado Gabriel já despertava, já havia se contentado com a rotina. Todos os dias o garoto acordava às sete horas da manhã pra mais um dia numa universidade do Rio de Janeiro, onde tinha estudado bastante pra passar em direito, assim como o pai havia lhe pedido. Mas não era esse o seu pedido interior. Não queria Direito, na verdade, sentia que tinha mais

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vocação pra motorista de ônibus da linha Caxias x Pau-Ferro do que para engravatado cheio de si e dono da verdade, defendendo algo que talvez fosse contra sua moral, sua ética. Descendo do ônibus, Gabriel, como sempre muito observador, reparou naqueles que rodeavam o exterior do seu corpo, muito mais corpo e raciocínio do que alma. Aliás, ele era advogado, não era poeta, não era arquiteto, era um doutor da lei. Gradativamente, percebeu o quão deslocado estava naquele meio. Ele estudava na PUC, mas não era a PUC. Encontrava-se no segundo período e nem colegas tinha, muito menos um lugar pra chamar de seu. Ele então sentou, ouviu os meninos falarem, as meninas rirem e o professor com o

seu blá blá blá habitual, e a partir daí não ouviu mais nada. Ou melhor, ele ouviu o nada que criava em si mesmo. Durante o seu “nada”, Gabriel pensou basicamente: a) sete vezes em largar a universidade b) dez vezes em sair de sala assoviando Come Together dos Beatles (ou apenas sair de sala) c) cinco vezes em tirar um cochilo e alguns outros trilhões em sair de sala assoviando Come Together dos Beatles para largar de vez a faculdade, comer um sanduba, se mandar e tirar um cochilo. Mas Gabriel só pensou, Gabriel não fez, aliás, antes mesmo dele entrar pra faculdade, já pensava em não fazer faculdade, porém só pensava, não fazia. Antes de tudo, o garoto tinha uns amigos, uma vida, e o que lhe restara? Se perguntava se era mais importante sua opinião ou a opinião do pai, tinha respeito pelo velho, mas não tinha coragem pra enfrentá-lo, aliás, como se debate com um advogado? Riu quando pensou que talvez fosse bom fazer Direito apenas


para finalmente ganhar uma discussão com o seu velho. Seu pai não era um advogado dentro do padrão. E muita coisa que ele via na PUC não era dentro do padrão. Sendo assim, preferia criar o seu, para sentir-se mais à vontade no mundo quando tomasse coragem de enfrentar o seu pai. Tantos pensamentos... No entanto, o sonho era apenas sonho, a vontade era apenas vontade e o dia se tornou a oração da Ave Maria, depois chegou a novela das nove, e assim ele foi dormir acreditando que o amanhã seria outro dia, mas lá estava o despertador às sete horas da manhã, lá estava Gabriel, que já havia se contentado com sua rotina.

219 Meu nome é Valeska, tenho 18 anos mas às vezes me sinto com 30. Falo carioquês e um pouco de português. Escrevo poesia, mas não sou poetisa. Uma coisa que você tem que saber antes de me ler, de tentar entender as coisas que estão por aqui, é que às vezes não sou totalmente eu, sou um pouco de todos. Um resumo rápido de mim mesma: sou uma eterna aprendiz.


Morro Azul Luiz Gustavo de Souza

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Clarões de amor nas cordas de felicidade

Não quero que deixe flores cantadas

de minha lira

em minha lápide

ficaram pinceladas no canto de teus lábios

nem mande suspiros estrelados em forma de pranto

Vesti-me de todas as cores

o mapa-múndi tatuado

Tirei do varal o prazer dos homens

em tuas alvas pernas

A tinta fresca escorreu em tua face

corações renovados em meio aos montes.

esboçando um novo sol em gotas

Cuidadoso sarau festejamos com as aves

submergindo a fonte do saber, do céu, da reflexão –

absorvi com delicadeza o saber dos monges

Monte Azul

fiz do teu mar bravo

Café forte para meu espírito foste tu

um bem desenhado oceano.

vertente nomeada da liberdade

Lembranças arrebatadas terei

como ovelha desgarrada corri

do seu verde mal definido pela aragem

sob o teu desbotado céu


Solúvel, observei a lua luzir em teus olhos Superei rios bravios Sonhei sem dó uma borboleta feita de poesia Alcei meu voo de mãos vazias despido de mim mesmo Renasci.

Pop contradições Praça da paz celestial, 2.006 mortos A China era a décima primeira economia mundial O muro não caiu O setor americano na Berlim oriental. Um fatal acontecimento, a menina no poço! Coragem soldado, Eu estava desesperado e não via ninguém Eu não estava sozinho o Rei era comigo e minha sombra habitava no oeste Estava quente e cada segundo foi crucial Humildemente me aproximei da guarita

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dando pontapé no escândalo nacional interracial fronteira internacional dor Jogaram-me água Estava calor mas a guerra era fria O massacre comunista

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A cortina de ferro se abriu O show da revolução foi transmitido pela CNN Mesmo sem viagra, a audiência subiu Os âncoras agradecem. Feliz ano cantado em inglês é claro. Punks e grunges levantaram bandeiras


junto com Michael e Madonna

viva cada momento intensamente

Isso é cultura pop

este é um clichê, mas se clichê

Contradições

que seja pra valer a pena

Manipulação de mente que revolucionou o mundo

Macarena, seja feliz!

o terrorista bilíngue Bin Ladden

Um menino viaja para a Lua de estilingue.

e Marilyn Manson no noticiário quase lado a lado Lady Di morreu politicamente incorreta É tempo de regar o amor e se desconectar do sintoma sistema que o mundo causou O Mundo não tem manual Então se arrisque

Sangue Negro Punhal de dois gumes Verdade misteriosa que me alvorece Lágrima consumida Regando as plantas secas na terra Devorando-me lentamente com o ranger de dentes Assobios em minha cabeça contaminados de sangue

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O exílio e a nudez do desterro

Escoltado pela lua de sangue

Orvalho da noite sobre as palavras

No fim, começo, no meio

Limpou minha túnica bordada com suor do meu pesado trabalho

andando na brasa

E como bramido de leão, Ele me ergueu do pó

Arrisco movimentos leves

Abençoando meus céus e minhas terras

No comprimento de duas braças

Transformou-se em escudo

Que representam o universo plasmático

Novo mundo

Desconexo com a perfeição

Era que não começou

O tecido conjuntivo não compreende

Bandidos inocentes plantam e colhem orquídeas

que o homem não se alimenta só de pão

Oligarquias no jardim

Vão que separa

Vida, luz dos homens

Os prazeres

Verbo cheio de graça

da medula óssea

Manifestando o sagrado nome

Como palavras afiadas em detrito...


Amanheci Não era só o sol, mas a lua também era eu a sorrir às escuras emergindo da floresta sem flores Meu espírito e minh’alma brigaram na apocalíptica Jerusalém para saber quem era a criatura e quem era o universo paralelo onde tudo terminava em dança no meu querer, o amanhecer vislumbrou Pensei relatos sobre a plenitude e o poder, lancei-os via satélite entardeci, acendi uma fogueira colorida para contar histórias perfumadas para meus descendentes Lembrei-me do silêncio do orvalho

que me trazia um monte de palavras não ditas malditas, palavras disse eu, disse você e o beija-flor que embriagou-se de tanto amor na roda de samba O tempo parou? O tempo não para e não compra passagem de regresso Ele sempre muda Entretanto não teremos açoite hoje Estamos nulos nessa noite de poesia e libertação Jesus negro, Jesus grego Jesus europeu O tempo é meu? Aurora, auréola O passado, presente, futuro

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A eureca O tempo sou eu? Às vezes cochilo em cima do muro e ele não perdoa Ele sempre muda Mas os fragmentos são meus e eles me retêm se não controlo o volume do rádio me sinto fácil refém

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mesmo sem precisar de alguém eclodo dentro de mim me sinto coautor da sinfonia poética e sem euforia morri ao perceber que o tempo sou eu.

Sou duplo, sou múltiplo e mudo a cada minuto. Na poesia, encontrei uma unidade, que se divide, se multiplica e se transforma. Sou poeta.


Turista Aprendiz Equipe

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Revista Manguinhos, Rocinha, Centro e Complexo do AlemãO

Orientação pedagógica

Coordenação

Fernanda Schnoor

Maria Pereira

Monitoria

Consultoria

Alice Souto

Isabel Ostrower Roberto Taddei

Clarissa Calado Marcelo Castañeda Rafael Zacca

Produção Simone Vieira

Pesquisa Janete Farias

Professores Flávio Correa de Mello Guilherme Gonçalves

Patrícia Azevedo


Alunos autores

Damiana Figueirêdo

Gabriel Mação

Larissa Melo

Alex Santos

Davi Nascimento

Giovanna Souza

Luana Batista

Amyne dos Santos

Diana Lemos

Guilherme Cunha

Lucas Silva

Ana Beatriz F. dos Santos

Douglas de Paulo

Iara Lima

Luís Gustavo Souza

Ana Luiza Tornelli

Eduarda Lima

Isabela Cunha

Luis Victor Moraes

Ana Maria Rodrigues

Eduarda Pereira

Isabela Tavares

Makollin Silva

Ananda Trajano

Eduardo Couto

Isabella Mendes

Marcelo Lopes

Brenda Mota

Emely Helen

Isadora Farias

Mariana Castro

Bruna Alves

Estefani Basilo

Jaqueline Nobre

Matheus Gomes

Bruno da Silva

Fabrícia Mello

Juliana Lourenço

Mikael David

Camila Quima

Fernanda Silva Vidal

Karen Campos

Natália Lopes

Carmélia Costa

Fillipe de Souza

Karine de Jesus

Nicole Pereira

Caroline Rodrigues

Gabriel Leonne

Késya Barros

Petra Merlim

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Raiannê Rodrigues

Uesley dos Santos

Raphaela Luiz

Valeska Torres

Raquel Andrade

Valeska Torres

Rayanne Adjene

Vitória Iracema

Rebecca Miller

Woaiza Figueiredo

Robson Casciano

Yuri Lopes

Samara Félix Shélida Silvério Tainá Melo Tawan Loryan Thainar Xavier Thamires Bonifácio Thayane Soares

Gestão Bibliotecas Parque


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