3 minute read
EXISTE CLASSE MÉDIA NA MÚSICA?
Dados de distribuição de direitos de execução pública mostram que minoria concentra a maior parte dos rendimentos; pesquisador e músico analisam a situação e debatem saídas
por_ Fabiane Pereira | do_ Rio
Advertisement
Este ano ficará marcado como um dos períodos de maior redução nos rendimentos com execução pública musical. A paralisia dos shows e eventos ao vivo, além do impacto da pandemia sobre as receitas publicitárias de televisões, rádios e outros usuários, vão tirar muitos milhões de reais do bolso dos titulares.
Independentemente desse cenário, a execução pública, apesar de ser reconhecidamente um terreno de sucesso internacional do Brasil, com um pujante sistema de gestão coletiva, é também uma área que reflete as desigualdades inerentes do negócio musical. Uma grande maioria de titulares recebe valores simbólicos, com o topo da pirâmide ocupado por poucos artistas. O que fazer para mudar este quadro?
É o que fomos perguntar a um músico e um pesquisador muito envolvidos nesta questão, depois de analisar os números da base de dados da UBC sobre execução pública, que você confere no quadro a seguir:
67,03%
dos mais de 20 mil titulares ativos da UBC têm rendimentos de entre um centavo e R$ 50 por mês.
4,84%
têm rendimentos de R$ 1 mil a R$ 5 mil mensais.
25,85%
recebem entre R$ 50 e R$ 1 mil.
2,27%
recebem mais de R$ 5 mil mensalmente.
O pesquisador Giovani Marangoni, da Escola Superior de Propaganda e Marketing do Rio (ESPM), comenta. “Sou músico por origem, é importante dizer de onde venho. Minha formação musical é informal, assim como a da maioria dos músicos no Brasil. Nunca deixei de tocar, compor e produzir e continuo, nunca parei, mas precisei procurar outras receitas, como professor e pesquisador. Viver de música é muito complexo”, descreve. “Quando, nas décadas de 80 e 90, as tecnologias digitais começaram a se popularizar entre os músicos, eles ganharam um pouco de autonomia, mas o mercado de música continuou a ser como sempre: sem uma classe média propriamente”, diz.
Contribui para isso a persistente dificuldade de compor, produzir, gravar, distribuir e ter sua música efetivamente usada – e remunerada – por uma TV, uma rádio. Fatores como uma maior profissionalização de quem faz música, melhores remunerações por parte de quem os contrata ou usa suas criações, uma menor inadimplência dos usuários e uma base de associados mais robusta nas sociedades de gestão coletiva são fatores-chave para mudar essa situação.
“A base de mais de 30 mil associados da UBC representa uma elite intelectual que compreende a necessidade de uma sociedade arrecadadora. Muitos que tocam por aí em festas e bares nem se aproximam desta realidade. Talvez até estejam começando a entendê-la e participar dela através do digital. Mas ainda vai levar tempo até que exista uma classe média de fato na música.”
O cantor e compositor Pedro Mann opina que uma maneira viável para aumentar os ganhos dos artistas com direitos autorais no Brasil é a pressão política. “Neste momento, por exemplo, há uma constante movimentação no Congresso para beneficiar o setor turístico e hoteleiro com isenções de pagamento de direitos autorais, em detrimento dos autores. Banheiro de aeroporto, hotel, posto de gasolina: todos têm que pagar pelo uso de músicas, e é preciso que haja cumprimento e fiscalização. O que é arrecadado via streaming ainda é muito incipiente, os valores devem subir. Além disso, tem uma coisa importante: sou formado em música numa universidade, e ali mal se falava em direito autoral. Não há informação para o compositor dentro da faculdade”, critica o criador, que vê na formação e na educação as principais ferramentas para virar esse jogo.
BANHEIRO DE AEROPORTO, HOTEL, POSTO DE GASOLINA: TODOS TÊM QUE PAGAR PELO USO DE MÚSICAS.”
Pedro Mann, cantor e compositor
LEIA MAIS | Na página 33 (Fique de Olho) e no site da UBC, mais informações sobre a grande queda na distribuição de direitos autorais provocada pela pandemia | ubc.vc/QuedaAD