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DIVULGAÇÃO/ROCCO

CLARICE LISPECTOR JORNALISTA E ESCRITORA DE CORPO INTEIRO A autora de A Hora da Estrela, que ganhou merecido renome como ficcionista, é afinal reconhecida também como jornalista de notável expressão. Páginas 38 e 39

Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa

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Jornal da ABI

A MÚSICA TIROU CAYMMI DO CAMINHO DO JORNALISMO Recém-chegado ao Rio, ele obteve registro profissional de jornalista mas o apelo da criação musical afastou-o das redações. Páginas 35, 42 e 43 TASSO MARCELO/AGENCIA ESTADO

A Une inicia o retorno à sua sede histórica Lúcia Stumpf e Ismael Cardoso, líderes da Une e Ubes, obtêm de Lula o projeto que viabilizará a volta. Página 13 e Editorial na página 2

MINO PARLA! O dever do jornalista é participar de uma cruzada para melhorar o País, diz o fundador de grandes projetos editoriais, como as revistas Veja e Carta Capital e o Jornal da Tarde Páginas 16, 17, 18, 19, 20 e 21

BIENAL DO LIVRO DE SP

ESTATUTO DA PROFISSÃO

SOLANO TRINDADE, O QUE

NA HORA DA MUDANÇA

É POSTO EM DEBATE

VIU O POVO COM FOME

SEGUNDO MAIOR EVENTO DO MUNDO ESTUDA O QUE FAZER PARA AVANÇAR . PÁGINA 14

GRUPO DE ESTUDOS ANALISA A LEGISLAÇÃO, INSTITUÍDA PELA DITADURA. PÁGINA 29

OS 100 ANOS DO POETA QUE LUTOU PARA FORMAR A CONSCIÊNCIA NEGRA. PÁGINAS 28 E 29

NA PROVA LIBERDADE, PEQUIM FOI SÓ PRATA

LUIZ PAULO HORTA, MAIS UM JORNALISTA DE FARDÃO

SANTA CATARINA PRESTA HOMENAGENS À ABI

NESSA COMPETIÇÃO, A C HINA NÃO SE ABRIU TANTO QUANTO DEVIA. PÁGINAS 26, 27, 28 E 29

MÚSICO E CRÍTICO MUSICAL, ELE OCUPARÁ A CADEIRA DE MACHADO . PÁGINA 29

ASSOCIAÇÃO CATARINENSE ORGANIZA SÉRIE DE TRIBUTOS AO CENTENÁRIO . PÁGINAS 8 E 9

FRANCISCO UCHA

LUCIANA WHITAKER/FOLHA IMAGEM

AGOSTO 2008


Editorial

UNE: UMA LENTA RECONSTRUÇÃO A INICIATIVA DO GOVERNO FEDERAL de encaminhar ao Congresso um projeto de lei visando à reconstrução da sede da União Nacional dos Estudantes na Praia do Flamengo, seu endereço histórico, constitui um passo que só pode merecer aplausos de quantos se preocupam com a construção da democracia no País, um processo lento a que falta muito para se completar. A DESTRUIÇÃO DO ANTIGO prédio da Une foi um dos pontos mais destacados da violência, da repressão e do obscurantismo que se instalou no País com o golpe militar de 1º de abril de 1964. O incêndio da sede da entidade marcou o primeiro dia do assalto ao poder, numa manifestação terrorista avivada mais de uma década depois, já que a ditadura jamais se conformou em que restasse ali vestígio da instituição dos universitários brasileiros e esperou largo tempo para, afinal, varrer do mapa os últimos tijolos da velha construção, com a sua demolição, seu arrasamento. A DERRADEIRA AGRESSÃO só fora retardada graças à inteligência, ao tirocínio e à coragem de eminente intelectual, o jornalista, escritor e teatrólogo Guilherme de Figueiredo, que lá instalou a Federação das Faculdades Independentes do Estado do Rio de Janeiro, a lendária Fefierj, embrião da atual UniRio, graças ao seu prestígio e, também, ao parentesco com poderosa personalidade

do regime, seu irmão General João Batista de Figueiredo, mais tarde Presidente da República por nomeação dos generais de quatro estrelas. A imagem pessoal de Guilherme de Figueiredo o impunha ao respeito tanto por parte do irmão como dos demais condestáveis do regime militar. Ele não era partidário nem áulico do regime e até o afrontara com a escolha do espaço onde a Une fora assassinada e com outros gestos, como a presença ostensiva na primeira eleição da ABI – de que era sócio -- que se seguiu à morte do jornalista Vladimir Herzog nas masmorras do sinistro Departamento de Operações Internas-Comando de Operações de Defesa Interna-DoiCodi, em São Paulo, em 25 de outubro de 1975. É DE JUSTIÇA RELEMBRAR que foi do então Presidente Itamar Franco, no começo dos anos 90, a primeira iniciativa visando à reabilitação histórica de que a Une carecia, com a sua decisão de devolver o prédio à posse da instituição que o regime militar abominava e perseguira. Passaram-se quase duas décadas até que o Estado nacional definisse a forma de promover esse tardio resgate, como previsto nesse projeto que o Presidente Lula assinou no Rio e que o Congresso Nacional precisa aprovar com urgência, como indispensável contribuição a um processo de construção democrática que se arrasta penosamente.

Jornal da ABI Número 332 - Agosto de 2008

Editores: Maurício Azêdo e Francisco Ucha Projeto gráfico, diagramação e editoração eletrônica: Francisco Ucha Edição de textos: Marcos Stefano e Maurício Azêdo Fotos e ilustrações: Acervo Biblioteca da ABI (Biblioteca Bastos Tigre), Agência Brasil, Agência Estado, Agência O Globo, Arquivo Jornal do Commercio, Folhapress Apoio à produção editorial: Alice Barbosa Diniz, Ana Paula Aguiar, Guilherme Povill Vianna, Maria Ilka Azêdo, Mário de Freitas Borges. Publicidade e Marketing: Francisco Paula Freitas (Coordenador), Queli Cristina Delgado da Silva, Paulo Roberto de Paula Freitas. Diretor Responsável: Maurício Azêdo Associação Brasileira de Imprensa Rua Araújo Porto Alegre, 71 Rio de Janeiro, RJ - Cep 20.030-012 Telefone (21) 2240-8669/2282-1292 jornal@abi.org.br Impressão: Taiga Gráfica Editora Ltda. Avenida Dr. Alberto Jackson Byington, 1.808 Osasco, SP

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Jornal da ABI 332 Agosto de 2008

DIRETORIA – MANDATO 2007/2010 Presidente: Maurício Azêdo Vice-Presidente: Audálio Dantas Diretor Administrativo: Estanislau Alves de Oliveira Diretor Econômico-Financeiro: Domingos Meirelles Diretor de Cultura e Lazer: Jesus Chediak Diretor de Assistência Social: Paulo Jerônimo de Sousa (Pajê) Diretor de Jornalismo: Benício Medeiros CONSELHO CONSULTIVO Chico Caruso, Ferreira Gullar, José Aparecido de Oliveira (in memoriam), Miro Teixeira, Teixeira Heizer, Ziraldo e Zuenir Ventura. CONSELHO FISCAL Luiz Carlos de Oliveira Chesther, Presidente; Argemiro Lopes do Nascimento, Secretário; Adail José de Paula, Adriano Barbosa do Nascimento, Geraldo Pereira dos Santos, Jorge Saldanha de Araújo e Manolo Epelbaum. CONSELHO DELIBERATIVO (MESA 2008-2009) Presidente: Fernando Barbosa Lima 1º Secretário: Lênin Novaes de Araújo 2º Secretário: Zilmar Borges Basílio Conselheiros efetivos 2008-2011 Alberto Dines, Antônio Carlos Austregesylo de Athayde, Arthur José Poerner, Carlos Arthur Pitombeira, Dácio Malta, Ely Moreira, Fernando Barbosa Lima, Leda Acquarone, Maurício Azêdo, Mílton Coelho da Graça, Pinheiro Júnior, Ricardo Kotscho, Rodolfo Konder, Tarcísio Holanda e Villas-Bôas Corrêa. Conselheiros efetivos 2007-2010 Artur da Távola (in memoriam), Carlos Rodrigues, Estanislau Alves de Oliveiora, Fernando Foch, Flávio Tavares, Fritz Utzeri, Jesus Chediak, José Gomes Talarico, José Rezende Neto, Marcelo Tognozzi, Mário Augusto Jakobskind, Orpheu Santos Salles, Paulo Jerônimo de Sousa (Pagê), Sérgio Cabral e Terezinha Santos.

DESTAQUES DESTA EDIÇÃO 03

Mercado - Um produto em alta: revistas

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Ano do Centenário - Santa Catarina presta homenagem à ABI e à ACI

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Bienal - A Festa das Letras pede mudanças

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Justiça - Uma vitória da democracia

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Mais um jornalista na Academia de Letras: Luiz Paulo Horta ○

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Centenário - Este poeta viu que tem gente com fome: Solano Trindade ○

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Mercado - Congresso da ANJ discute a situação e o futuro dos jornais ○

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Especial/Olimpíadas - 21 barreiras em Pequim 2008 na competição das informações Legislação - Estatuto da profissão, instituído pela ditadura, é colocado em discussão Internacional - A Espanha não está satisfeita com sua imprensa

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Depoimento - Mino Capital ○

16

Exposição - A hora da jornalista ○

ARTIGOS

06

Reflexões sobre os Jogos Olímpicos 2008 por Ilma Martins ○

SEÇÕES

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A C ONTE CEU NA AB ONTECEU ABI ○

Cabral, a cara do Rio, num filme lançado com a casa cheia ○

O Estadão põe o Rio em debate ○

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L I B ER DADE DE IM P R EN SA ERD ENSA

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D I R EIT OS H U MANOS EITOS

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L IVROS

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V I DAS CUNHÃO, FENELON E DORIVAL CAYMMI

Conselheiros efetivos 2006-2009 Antônio Roberto Salgado da Cunha (in memoriam), Arnaldo César Ricci Jacob, Arthur Cantalice (in memoriam), Aziz Ahmed, Cecília Costa, Domingos Augusto Xisto da Cunha, Domingos Meirelles, Fernando Segismundo, Glória Suely Alvarez Campos, Heloneida Studart (in memoriam), Jorge Miranda Jordão, Lênin Novaes de Araújo, Márcia Guimarães, Nacif Elias Hidd Sobrinho e Pery de Araújo Cotta. Conselheiros suplentes 2008-2011 Alcyr Cavalcânti, Edgar Catoira, Francisco Paula Freitas, Francisco Pedro do Coutto, Itamar Guerreiro, Jarbas Domingos Vaz, José Pereira da Silva (Pereirinha), Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Ponce de Leon, Ruy Bello, Salete Liusboa, Sidney Rezende,Sílvia Moretzsohn, Sílvio Paixão e Wilson S. J. de Magalhães. Conselheiros suplentes 2007-2010 Adalberto Diniz, Aluízio Maranhão, Ancelmo Góes, André Moreau Louzeiro, Arcírio Gouvêa Neto, Benício Medeiros, Germando de Oliveira Gonçalves, Ilma Martins da Silva, José Silvestre Gorgulho, Luarlindo Ernesto, Luiz Sérgio Caldieri, Marceu Vieira, Maurílio Cândido Ferreira, Yacy Nunes e Zilmar Borges Basílio. Conselheiros suplentes 2006-2009 Antônio Avellar, Antônio Calegari, Antônio Carlos Austregésilo de Athayde, Antônio Henrique Lago, Carlos Eduard Rzezak Ulup, Estanislau Alves de Oliveira, Hildeberto Lopes Aleluia, Jorge Freitas, Luiz Carlos Bittencourt, Marco Aurélio Barrandon Guimarães (in memoriam), Marcus Miranda, Mauro dos Santos Viana, Oséas de Carvalho, Rogério Marques Gomes e Yeda Octaviano de Souza. COMISSÃO DE SINDICÂNCIA Ely Moreira, Presidente; Carlos di Paola, Jarbas Domingos Vaz, Maria Ignez Duque Estrada Bastos e Maurílio Cândido Ferreira. COMISSÃO DE ÉTICA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO Alberto Dines, Arthur José Poerner, Cícero Sandroni, Ivan Alves Filho e Paulo Totti. COMISSÃO DE LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOS Audálio Dantas, Presidente; Arcírio Gouvêa Neto, Daniel de Castro, Germando de Oliveira Gonçalves, Gilberto Magalhães, Lucy Mary Carneiro, Maria Cecília Ribas Carneiro, Mário Augusto Jakobskind, Martha Arruda de Paiva, Orpheu Santos Salles, Wilson de Carvalho, Wilson S. J. Magalhães e Yacy Nunes.


FRANCISCO UCHA

MERCADO

Um produto em alta: revistas Esse segmento registra um faturamento superior ao dos demais veículos impressos. Novos títulos buscam atender a leitores de públicos específicos. POR JOSÉ REINALDO MARQUES

O mercado brasileiro de revistas vive um momento positivo, com muitos lançamentos nacionais e licenciamentos de títulos estrangeiros. Há também uma busca intensa de ampliação de conteúdo na internet, com sites de praticamente todas as publicações. A informação é da Diretora-Executiva da Associação Nacional dos Editores de Revistas– Aner, Maria Célia Furtado.

Dados de uma pesquisa do Projeto Inter-Meios, da Editora Meio & Mensagem, mostram que as revistas tiveram um crescimento superior à média de mercado no primeiro trimestre de 2008. Segundo o estudo, o faturamento dos veículos de comunicação foi de R$ 4,9 bilhões (16,76% maior do que o faturamento do mesmo período do ano anterior), enquanto o faturamento do meio revista foi de R$ 431,6 milhões, acusando um crescimento de 20,34%: Jornal da ABI 332 Agosto de 2008

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UM PRODUTO EM ALTA: REVISTAS

DIVULGAÇÃO

— Em 2007, foram vendidos cerca de 400 milhões de exemplares, considerando-se os canais de vendas e assinaturas, de um total de 3.833 títulos. Em 2008, as primeiras informações que temos são bastante promissoras, tanto no que se refere à circulação quanto ao mercado publicitário — diz Maria Célia. No caso do investimento publicitário no setor de revistas, os números apurados pela pesquisa também são positivos: de janeiro a março de 2008, o faturamento foi de R$ 284.277.930,45, enquanto no mesmo período do ano passado, segundo a Aner, foi de R$ 240.292.587,66. A Diretora da Associação ressalta: — O crescimento do investimento publicitário pode ser explicado pelo momento positivo que atravessa a economia brasileira, o aquecimento do consumo e o crescimento das classes C e D, permitindo que um novo contingente de consumidores tenha acesso ao mercado, inclusive ao de revistas. Também são importantes projetos desenvolvidos pelo meio, como eventos, merchandising e ações integradas.

Livros, lá embaixo Curiosamente, apesar de o mercado brasileiro contar com 299 editoras — responsáveis pela publicação de mais de 1.700 títulos vendidos em bancas — , os estudos encomendados pelo setor de revistas mostram que o brasileiro compra cerca de dois livros por ano — índice considerado baixo em relação a países desenvolvidos como Estados Unidos e França, onde a média por cidadão é de 17 e 20 livros/ano, respectivamente. O nível de escolaridade é citado pela Diretora da Aner para explicar o aumento na venda de revistas: — Os leitores dessas publicações pertencem a uma classe da população mais educada e com mais poder de consumo, um público multiplicador de opinião. Neste sentido, a revista é um veículo essencial na construção de marcas e na venda de produtos: ocupa a terceira posição no ranking de investimentos e é um meio potencializador de bons resultados de campanhas publicitárias. As revistas que respondem pela maior parcela do mercado são as semanais de informação. Em 2000, este segmento detinha 25,3% do mercado; em 2007, 26%. Na liderança está a Veja, da Editora Abril, cuja média é de 1,1 milhão exemplares por edição. Época, da Globo, aparece em segundo lugar, com cerca de 430 mil, seguida pela IstoÉ, da Editora Três, com quase 350 mil, de acordo com dados do IVC medidos de janeiro a maio deste ano. A Distribuidora Nacional de Publicações– Dinap, empresa criada pela Abril, registra que o segmento de revistas para públicos específicos detém 22% do mercado, com destaque para Raça, da Editora Símbolo, dirigida aos afro-descendentes; Fluir, de esportes radicais; e os títulos voltados para o setor de informática. Os do segmento religioso não são auditados pelo IVC, mas o Anuário Mídia Dados de 2007, publicado pelo Grupo de Mídia de São Paulo, infor-

Executiva da Associação Nacional de Editores de Revistas, Maria Célia Furtado atribui a expansão do mercado de revistas ao poder que estas têm para a difusão de marcas e a venda de produtos. Nisso a revista é essencial.

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ançada em outubro do ano passado, Gloss é mensal, tem tiragem de 200 mil exemplares e busca atrair um público jovem feminino crítico e bem informado, segundo a Diretora de Redação Angélica Santa Cruz: — A Gloss é feita para o público feminino entre 18 e 28 anos, para a ex-leitora de Capricho que ainda não migrou para a Nova. O sucesso imediato do título, sem alterar a circulação dos outros títulos, comprovou que havia esse espaço no mercado. A Gloss foi pensada para uma leitora que está no início da carreira, começando a construir suas relações amorosas, e que é novidadeira e “interneteira”. São mulheres críticas e exigentes com a qualidade da notícia, pois têm acesso a muita informação. Recebemos muitos e-mails de leitoras que se dizem impressionadas com a adequação às suas vidas dos temas que abordamos. Para a gente, claro, é uma satisfação danada saber disso. Angélica considera a revista que dirige um sucesso por se tratar de “um pacotão de atrativos”: — Um deles foi ir para as bancas no formato pocket, ao custo de R$ 5, quando ainda havia uma verdade absoluta de que o mercado editorial brasileiro rejeitava essa fórmula. A revista tem um padrão visual de altíssima qualidade, e vem se aprimorando. Só trabalhamos com os melhores fotógrafos, os melhores designers, os melhores maquiadores. Esta é a nossa aposta para transformar a Gloss em uma referência na área de moda e beleza, abordando os assuntos com o frescor que a nossa leitora exige. A revista também se dedica a outros temas, desde que o conteúdo se mantenha fiel ao perfil do público: — Fomos o primeiro veículo do Brasil a falar com a jovem Melanie (filha de Ingrid Betancourt), que relatou o drama de conviver, ao longo de seis anos, com o seqüestro da mãe pelas Farc. É um grande prazer ver a maneira como essas reportagens são bem recebidas por nossas leitoras. Elas adoram, pedem mais, sentem que sua revista está conectada com o mundo e consegue abordar esses temas de uma maneira mais próxima delas.


ma que são publicados cerca de 80 títulos do gênero classificado como religão/esoterismo.

Os quadrinhos: escondidos nas bancas

As líderes Fora da faixa dos hebdomadários, Maria Célia Furtado diz que os mais tradicionais líderes de vendas são as revistas femininas e de celebridades: — Entre as mensais, Claudia é a líder, com 403 mil exemplares, seguida de Seleções, com 397 mil, e Nova, com 224 mil. Nas semanais de comportamento/entretenimento, Caras é a primeira, com 279 mil exemplares. Depois vêm Viva Mais (167,7 mil), Ana Maria (167 mil) e Contigo (139 mil), segundo dados de 2007 do IVC. Sobre os fatores que têm contribuído para a variedade de novos títulos, Maria Célia diz: — A segmentação do mercado é uma tendência cada vez maior. Os títulos visam a preencher lacunas existentes — e um exemplo recente é a Gloss, da Abril, direcionada a mulheres jovens que têm formação superior e trabalham. Só no lançamento foram vendidos cerca de 150 mil exemplares da revista, que tem um formato menor que o tradicional, outra novidade para o público. THAIS GOUVEIA

As leitoras de Gloss impressionam-se com a capacidade da revista de saber os assuntos que lhes interessam, conta Angélica Santa Cruz, sua Diretora de Redação.

De acordo com os dados do Anuário de Mídia 2007, as histórias em quadrinhos também apresentam um grande número de títulos em bancas (185), seguidas das revistas de culinária (164), de atividades infantis (84) e infantis de interesse geral (42). Apesar disso, Maria Célia Furtado diz que as histórias em quadrinhos não mantiveram o nível de exposição com que apareciam nas bancas há duas décadas: — Nos últimos anos, os quadrinhos passaram por grandes transformações e há uma nova geração de criadores, editores e leitores nesse universo. Os mangás (japoneses) ganharam espaço e também, principalmente, os heróis dos games. Artistas, ilustradores, desenhistas se incorporaram a este segmento, produzindo material de alta qualidade, além de títulos licenciados. A hq deixou de ser direcionada apenas ao público infanto-juvenil e alcançou os adultos. Muitas destas publicações são “revistas-livros”, vendidas em livrarias. Rogério de Campos, diretor editorial da Conrad Editora, casa publicadora de várias “revistas-livros” ou graphic novels, concorda com essa avaliação. Para ele, uma área do mercado mundial que tem crescido apesar da crise editorial dos últimos anos, é a dos quadrinhos. — A queda de faturamento das livrarias norte-americanas só não tem sido maior por causa da performance espetacular das graphic novels. O que acontece é que os formatos e gêneros antigos estão em queda. Para quem se acostumou a pensar que quadrinhos eram sinônimo do gênero super-heróis, o cenário é triste. Cassius Medauar, editor-chefe da Pixel Media, acredita que o mercado de quadrinhos passa por

um “momento estranho”. — Temos um grande crescimento horizontal no mercado, com cada vez mais editoras pequenas lançando mais títulos, mas todos eles com tiragens cada vez menores. Não está havendo uma renovação dos leitores; se está, é muito pequena. Medauar acredita que a concorrência com outras mídias pode ser um dos fatores da diminuição de leitores. — Mas, ao mesmo tempo, houve um grande crescimento de exposição e vendas de quadrinhos em livrarias e uma coisa está compensando a outra. O cartunista Arnaldo Branco acha que houve uma migração forte de público para a internet. — O mercado de hq perdeu muito por conta disso e também por causa da segmentação, que fez com que as revistas em quadrinhos tenham que sobreviver vendendo menos. Mas a grande facilidade em se conseguir títulos importados de melhor qualidade tambén contribui para a queda nas vendas. Sem contar que nas bancas de jornal quase não se vê a exposição de quadrinhos: por causa da concorrência, elas deixaram de ser outdoors de si mesmas. O também cartunista Aroeirafaz coro com Arnaldo: — As bancas, atualmente, são verdadeiros quiosques, nos quais as revistas em quadrinhos concorrem com uma quantidade muito grande de outros produtos. Em geral, o quadrinho — que nasceu adulto nas tiras de jornal, mas é sustentado pelos jovens — é mal exposto nas bancas, à exceção das revistas do Maurício de Souza. Houve uma migração muito forte de público para a internet. O consumidor, jovem ou adulto, trocou o quadrinho pelo game. Jornal da ABI 332 Agosto de 2008

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RICARDO STUCKERT/PR

ARTIGO

Um dos muitos chefes de Estado presentes à cerimônia de abertura dos Jogos Pequim 2008, o Presidente Lula liderou o lobby oficial de defesa do Rio como sede dos Jogos de 2016.

O Brasil está preparado para as Olimpíadas de 2016? Com o encerramento dos Jogos Olímpicos de Pequim, constatamos com um misto de tristeza e desânimo o pífio desempenho da nossa delegação, composta de 277 atletas de várias modalidades esportivas. O que ocorreu de 2004 até agora? Será que os nossos atletas não foram prévia e devidamente preparados para competir em pé de igualdade com os outros países? Essas indagações têm sentido se levarmos em conta o decantado Programa Bolsa-Atleta, os 2% da arrecadação de todas as loterias federais do País que são repassados ao Comitê Olímpico Brasileiro-Cob e ao Comitê Paraolímpico BrasileiroCPB) pelo Governo. Segundo informações do Ministro dos Esportes, Orlando Silva, à imprensa, foram investidos cerca de R$ 40 milhões na preparação da nossa delegação para os Jogos Olímpicos de Pequim, mas, pelo fraco desempenho dos principais atletas, isso parece insuficiente se compararmos com os nossos vizinhos mais próximos. 6

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CAIO GUATELLI/FOLHA IMAGEM

POR ILMA MARTINS

César Cielo, um fenômeno: deu ao Brasil o primeiro ouro em natação em Jogos Olímpicos.

Durante a abertura dos Jogos, dia 8 de agosto, o próprio Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, fez corpo-a-corpo junto aos ilustres convidados e dirigentes do Comitê Olímpico Internacional presentes ao evento para convencê-los de que o Brasil está apto para preparar a Olimpíada 2016. Será? O desejo de sediar uma Olimpíada é legítimo e até louvável. Tal evento, além de dar grande visibilidade ao país-sede, traz polpudos dividendos econômicos, políticos e culturais, repassando ao mundo os nobres ideais de paz e fraternidade. Verificamos isso com a celebração aqui dos Jogos Pan-Americanos, apesar de reconhecermos que muitas das promessas feitas em relação principalmente à infra-estrutura, como o metrô, não saíram do papel, além da bela piscina que não está sendo devidamente utilizada e em litígio com os Poderes estadual e municipal. O que mais me preocupa é o fato de que os nossos dirigentes do desporto dão mais ênfase à parte estrutural do que ao fator humano quando falam da preparação dos Jogos

Olímpicos de 2016. Já devíamos, há muito tempo, ter iniciado o mutirão em todos os cantos do País para descobrir, atrair e assistir os possíveis talentos esportivos, elaborando quadros de técnicos, professores de ginástica, psicólogos, massagistas, médicos e todos aqueles ligados à nobre causa esportiva. Nota-se a falta de vigor físico dos nossos atletas, com algumas poucas exceções. A boa nutrição das nossas crianças lhes dará ânimo para cultivar naturalmente as lides esportivas. O futebol não é e nunca será o bastante. Precisamos do esporte de massa, nas escolas, nos clubes, nas comunidades urbanas e rurais e, também, nas universidades. Se não se colocar a mão na massa desde agora, corremos o risco de gastarmos bilhões preparando a festa e não correspondermos à altura na aquisição das medalhas olímpicas que estarão à disposição dos mais capazes, lamentando depois por cada medalha de ouro perdida para os outros concorrentes. Ilma Martins, jornalista, é membro da Comissão Diretora da Diretoria de Assistência Social da ABI.


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FOTO: ASSESSORIA DE IMPRENSA DA ALESC

Ademir Arnon cumprimenta Jayme Sirotsky diante do Presidente da ABI, dos Deputados Joares Ponticelli (PP) e Herneus de Nadau (PMDB) e do jornalista Moacir Pereira (último à direita).

Os Deputados Reno Caramori (PP) e Valdir Cobalchini (PMDB) entregam ao Presidente da ABI uma placa em homenagem ao centenário da Casa.

Santa Catarina presta homenagem à ABI e à ACI Uma por seu centenário, outra pelos seus 40 anos, as duas entidades receberam demonstrações de apreço da Assembléia Legislativa e do Governo do Estado. Em sessão solene repleta de autoridades e prestigiada por uma assistência representatativa da sociedade civil do Estado, a Assembléia Legislativa de Santa Catarina-Alesc comemorou na noite do dia 6 de agosto o centenário da ABI e os 40 anos da Associação Catarinense de Imprensa. A sessão foi prestigiada pela presença do Governador do Estado, Luiz Henrique Silveira, que exaltou a atuação das duas entidades na defesa das liberdades ao longo de suas fecundas trajetórias. Além de pronunciamentos de parlamentares, entre os quais o Presidente da Assembléia, Deputado Júlio Garcia, dois acontecimentos marcaram o evento: o lançamento do livro Um catarinense visionário: Gustavo de Lacerda e o centenário da ABI, do jornalista Moacir Pereira, ex-Presidente da ACI, e a palestra A mídia em transformação: uma nova relação com a comunidade, apresentada pelo empresário Jayme Sirotsky, membro do Comitê Executivo e ex-Presidente da Associação Mundial dos Jornais, Vice-presidente da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) e Presidente do Conselho de Administração do Grupo RBS, de Porto Alegre. Coube ao Deputado Marcos Vieira (PSDB) o primeiro pronunciamento da noite, representando os parlamentares com assento na Casa. Vieira elogiou a escolha da Assembléia Legislativa para sediar a cerimônia, em virtude da estreita 8

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Ademir Arnon e Moacir Pereira entregam à ABI o Troféu Cuatiara.

Sirotsky: Imprensa e democracia são irmãs siameses.

relação desse Poder com a imprensa. — É essencial reconhecer a importância da imprensa para uma sociedade mais justa e democrática. E a democracia tem no Poder Legislativo uma garantia de continuidade — destacou ele em seu discurso, ressaltando também a figura do catarinense Gustavo de Lacerda, fundador da ABI. Relembrando a trajetória dos 40 anos da ACI, que inclui uma série de bons serviços prestados não só aos profissionais da mídia, empresários e colaboradores, mas sobretudo à população de Santa Catarina, o Presidente da entidade, Ademir Arnon, enalteceu a realização de parcerias com instituições públicas e privadas e a promoção de campanhas de caráter social, que ele-

vam a cultura catarinense e congregam os que atuam na área. — Ressalto as parcerias que a instituição vem realizando com os Poderes do Estado, sempre voltadas para o interesse público, revelando as maravilhas concebidas e conquistadas por este extraordinário povo. O Presidente da ABI, Maurício Azêdo, disse que a Casa fica feliz pela comemoração de seu centenário em Santa Catarina, terra de Gustavo de Lacerda, e declarou que a instituição continua com a mesma concepção ao longo de seus cem anos: — Defender o jornalismo, o livre acesso à informação e a liberdade de imprensa e trabalhar por um futuro com cidadania para o País. Maurício Azêdo recebeu do Presidente da Assembléia, Deputado Júlio Garcia, uma placa com texto da homenagem do Poder Legislativo de Santa Catarina à Casa do Jornalista, com o seguinte teor: “À Associação Brasileira de Imprensa (ABI) por seu centená-

rio e pela destacada atuação no fortalecimento da democracia do País, dignificando a classe jornalística.” A ABI foi saudada também pela Federação Catarinense de MunicípiosFecam com o título de Honra Municipalista, numa homenagem à imprensa brasileira, “cujas ações culminaram com o fortalecimento dos municípios brasileiros”. A exaltação à liberdade de imprensa e à ordem democrática também foi tema do pronunciamento do Governador Luiz Henrique da Silveira (PMDB): — A democracia é exercida por um triângulo constituído por Parlamento, Imprensa e Justiça soberanos e livres. A ABI tem longa trajetória, secundada pela ACI, na luta por estes princípios e valores. Como exaltador da liberdade de imprensa e da democracia, saúdo as duas associações, que são a bandeira da liberdade de escrever, falar e pensar. Em Um catarinense visionário: Gustavo de Lacerda e o centenário da ABI,


Ademir Arnon recebe dos Deputados Jorginho Mello (PSDB) e Édison Andrino (PMDB) a placa em homenagem aos 40 anos da ACI. Abaixo, capa do novo livro de Moacir Pereira.

Moacir Pereira traça o perfil biográfico de Gustavo de Lacerda, repórter nascido na antiga cidade de Desterro, atual Florianópolis, que fundou a ABI em 7 de abril de 1908. O livro também trata da criação e dos episódios que marcaram a Associação Catarinense de Imprensa, que foi idealizada por Alirio Bossle e se tornou realidade em 1º de março de 1968. Moacir Pereira, que ao longo dos últimos anos se dedica a pesquisas, entrevistas e estudos sobre a vida e obra de Gustavo de Lacerda, falou de seu entusiasmo pela trajetória do jornalista: — Quanto mais sei, mais horizontes se abrem e mais rico se torna o personagem. O fundador da ABI viveu na mes-

ma época da mais iluminada constelação de estrelas da literatura e do jornalismo no Brasil. Nomes como Rui Barbosa, José do Patrocínio, Coelho Neto, João do Rio, Artur Azevedo, Graça Aranha, Luiz Delfino, Lima Barreto, Olavo Bilac e Machado de Assis falam por si. Pereira agradeceu “o apoio da Assembléia Legislativa e a decisiva participação de seu Presidente, Deputado Júlio Garcia (DEM), que contribuíram para tornar possível este projeto cultural”.

Em Blumenau, um troféu da cultura tupi O centenário da ABI e o 40º aniversário da foram celebrados tmbém em Blumenau, no dia 5 de agosto, com um almoço oferecido pela Associação Comercial e Industrial de Blumenau-Acib, durante o qual o Presidente do Conselho de Administração do Grupo RBS, Jayme Sirotsky, fez palestra em homenagem às duas entidades. O evento foi realizado no Tabajara Tênis Clube, em Blumenau. A ABI foi então agraciada pelo Grupo RBS, rede de comunicação que integra os Estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, responsável pelos jornais Diário Catarinense e Zero Hora, com o Troféu Cuatiara, entregue ao representante da Diretoria da ABI em Santa Catarina, jornalista Moacir Pereira, e ao Presidente da ACI, Ademir Arnon, que agradeceram a saudação em nome da Casa. O troféu foi concebido pela artista plástica Vânia Guedes, a qual revelou que na língua tupi cuatiara significa escrever, escritura, papel, pintar. A obra é uma releitura da prensa de tipos móveis, de onde deriva o termo imprensa. Sobre o material utilizado na confecção da peça, ela explicou: — Usei no trabalho metal em forma de letras para representar as founts (letras fundidas, fontes), que bem caracterizam a imprensa escrita. Já a transparência íntegra e cristalina do acrílico busca exaltar características e princípios que, com certeza, norteiam o exercício da imprensa.

As comemorações dos aniversários da ABI e da ACI tiveram início em 28 de julho, data de lançamento de O Catharinense , primeiro jornal a circular em Santa Catarina — e têm eventos marcados até setembro em todo o Estado. Destacase na programação o lançamento de duas importantes premiações: o Prêmio Sistema Fiesc de Jornalismo e o Prêmio Fatma de Jornalismo Ambiental, “criados para valorizar o trabalho dos jornalistas catarinenses”, segundo o Vice-Presidente da ACI, Roger Bitencourt. O Presidente da ACI, Ademir Arnon, disse que o objetivo das ações da instituição é “oferecer oportunidades de qualificação aos profissionais de omunicação e promover um intercâmbio entre jornalistas e estudantes, buscando sempre a valorização profissional”. No dia 7 de agosto, a Associação Comercial e Industrial de Joinville-Acij e o Grupo RBS homenagearam a ABI e a ACI com um coquetel, às 19h, na sede da Acij. No dia 8, durante a posse do Diretor Regional Norte da ACI, Júlio Franco, as duas entidades também foram celebradas. No dia 11, a Universidade Federal de Santa Catarina lançou o Projeto Foca, com a realização de uma sére de debates entre representantes da ACI, profissionais e estudantes de Jornalismo das universidades locais, sobre o tema A estrutura das empresas de comunicação corporativa.

Também destacou o que chamou de “cerimônia única e histórica” e a “incorporação do Governo do Estado, Poder Legislativo, Tribunal de Justiça, de empresas jornalísticas e dos profissionais nos eventos comemorativos que superaram todas as expectativas”. Em sua palestra, Jayme Sirotsky falou sobre as transformações da mídia e seus efeitos na sociedade. Ressaltou que a imprensa brasileira e, em especial, a catarinense estão vivendo um momento verdadeiramente histórico com as comemorações do centenário da ABI, “entidade referencial para a democracia e quartel-general da resistência contra os inimigos de todas as liberdades”. Depois de saudar os 40 anos de fundação da ACI, que classificou como “o nosso posto avançado na luta diária pelo direito de informar e de ser informado”, Sirotsky falou sobre o papel da imprensa e da livre expressão, destacando que a mídia nacional se encontra “cada vez mais integrada neste novo mundo da comunicação plena, a partir da convivência com os vertiginosos avanços tecnológicos”. Frisou também a relação entre imprensa e democracia, por ele rotuladas de “irmãs siamesas”.

Festa também em Chapecó Cerca de 200 profissionais de comunicação de todo o Estado de Santa Catarina reuniram-se em Chapecó, no dia 23 de agosto, para comemorar o centenário da ABI e os 40 anos da Associação Catarinense de Imprensa-ACI, em solenidade na sede campestre da Câmara de Dirigentes Lojistas daquele Município. O Presidente da ACI, Ademir Arnon, programou, além das homenagens, lançamento de livros e almoço festivo, sob a coordenação do Diretor Regional da Associação, Marcos A. Bedin, com a presença de jornalistas, radialistas, publicitários, relações-públicas, professores, empresários e proprietários de meios de comunicação, “representando o caráter multiprofissional da entidade e do próprio encontro”. Entre os homenageados estava o jornalista catarinense Luiz Perroni Pereira, festejado pela ACI e seus companheiros pelos 50 anos de atividade na área de comunicação. A convite da ACI, o jornalista Moacir Pereira lançou em Chapecó seu livro Um catarinense visionário: Gustavo de Lacerda e o centenário da ABI, Casa que ele define como “o órgão máximo de representação da comunicação nacional e instituição que resistiu bravamente em defesa da democracia, das liberdades e do Estado de Direito, além de ter sido fundada por um jornalista barriga-verde”.

Alunos da Facha exaltam a ABI em seu jornal O Jornal Laboratório (JL) editado por alunos da unidade Méier da Facha (Faculdades Integradas Hélio Alonso) festejou o centenário da ABI em recente edição. A matéria, realizada por Aline Sá, estudante do curso de Jornalismo, começa contando a História da ABI e de seu fundador, Gustavo de Lacerda: “A primeira sede da ABI foi no sobrado do imóvel onde funcionava a Caixa Beneficente dos Empregados do jornal O Paiz, no Centro do Rio. A Associação enfrentou dificuldades e até hostilidades por parte de alguns críticos que diziam que era composta por malandros chefiados por um anarquista perigoso.” O esforço do fundador na união da classe, destaca o texto, ganhou o reforço do jornalista e advogado Barbosa Lima Sobrinho, que presidiu a entidade de 1926 a 1927, de 1930 a 1932 e de 1978 a 2000, e a determinação de Herbert Moses, Presidente entre 1931 e 1964, essencial para a construção da atual sede, na Rua Araújo Porto Alegre. A matéria segue destacando o papel da ABI na construção da democracia no País e na luta pela liberdade de imprensa, citando a decisiva participação da Casa em relevantes momentos da História. Depoimentos de alunos lembram a importância de os jornalistas se associarem à Casa, para dar continuidade à tradição centenária de luta pelas liberdades.

Roberto Dinamite: A ABI representa a resistência Ao agradecer o envio da Edição Especial do Centenário, Volume 1, do Jornal da ABI, o Deputado estadual Roberto Dinamite salientou que “a ABI representa a resistência no sentido mais amplo da palavra enquanto guardiã das liberdades democráticas.” Diz a mensagem de Dinamite, maior ídolo do Vasco da Gama e seu atual Presidente: “Prezado Maurício Azêdo. Agradeço o envio da Edição Especial do Jornal da ABI, Volume 1. Sabemos que a ABI representa a resistência no sentido mais amplo da palavra enquanto guardiã das liberdades democráticas. Parabenizo a todos pelos 100 anos e pelo trabalho de vocês à frente da Associação. Um abraço do amigo Roberto Dinamite.”

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Aconteceu na ABI

Cabral, a cara do Rio, num filme lançado com a casa cheia Mais de 500 amigos e admiradores dele reuniram-se na ABI para conhecer o dvd com que Fernando Barbosa Lima o retratou. FOTOS: BERNARDO COSTA

POR CLÁUDIA SOUZA

O dvd Sérgio Cabral - A Cara do Rio, com um perfil do jornalista, escritor, pesquisador e Conselheiro da ABI, foi lançado na noite do dia 18 de agosto no Auditório Oscar Guanabarino, onde mais de 500 pessoas se reuniram para conhecer o filme e homenageá-lo. Dirigido pelo jornalista Fernando Barbosa Lima, Presidente do Conselho Deliberativo da Associação, Dermeval Netto e Rozane Braga, o dvd faz parte da série Grandes Brasileiros, que já retratou Barbosa Lima Sobrinho, Tancredo Neves, Ziraldo e Darci Ribeiro. Apresentado pelo jornalista Ronaldo Rosas, o evento teve início com os agradecimentos de Rozane Braga, em nome de Fernando Barbosa Lima, que não pôde comparecer à cerimônia por motivo de saúde. – Foi muito divertido fazer este filme com Sérgio Cabral, que é a cara do Rio. Uma grande aquisição para a série Grandes Brasileiros – disse Rozane Braga. Em seguida, Jesus Chediak, Diretor de Cultura e Lazer da ABI, saudou os convidados e destacou a presença do Governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral Filho, e a iniciativa da homenagem. – A ABI está feliz com esta celebração ao nosso companheiro, o jornalista Sérgio Cabral – disse Chediak. Patrocinadores e responsáveis pela concretização do projeto discursaram sobre a importante trajetória de Sérgio Cabral na cena cultural e artística brasileira. Na seqüência, teve início a exibição do documentário – narrado pela atriz Débora Nascimento e pelo pesquisador, escritor e historiador Haroldo Costa – que mostra a vida e a obra de Sérgio Cabral, com histórias e “causos” narrados por ele, parentes – a mãe Regina, a mulher Magaly, os filhos Sérgio, Cláudia e Maurício —, companheiros de trabalho e parceiros de boemia como o Presidente da ABI, jornalista Maurício Azêdo, Ziraldo, Nélson Sargento, Paulinho da Viola, Rildo Hora, Martinho da Vila, Leci Brandão, Lan e Roberto Dinamite, entre outros. O dvd conta com detalhes a infância de Sérgio Cabral no subúrbio de Ca10 Jornal da ABI 332 Agosto de 2008

O Governador Sérgio Cabral, que é jornalista e sócio da ABI, trouxe seu abraço ao pai, cuja atuação multifacética foi estampada em imagens na capa do dvd que Fernando Barbosa Lima concebeu. Cabral, nadando em alegria, abraçou com carinho Marilka e Maurício Azêdo, Rozane Braga (embaixo, à esqueda) e Dermeval Netto, que dirigiram o filme.

valcânti, o início como jornalista, a passagem pelo Pasquim, a militância política, a prisão durante a ditadura, a carreira como produtor de discos e escritor e, ainda, a paixão pelo Rio, o Vasco da Gama, a Escola de Samba Em Cima da Hora e o Partido Comunista, ao qual se filiou a convite de Maurício Azêdo. – Tive a honra de incorporar ao Partido um valor extraordinário em termos de idealismo e da dimensão de Sérgio Cabral. Militamos juntos, inclusive na greve de jornalistas e gráficos de 1962, que motivou nossa demissão do JB. Travamos muitas lutas políticas a partir de uma preocupação com a participação social – diz o Presidente da ABI em depoimento no dvd. Maurício exaltou o orgulho da ABI em sediar a cerimônia de lançamento: – A ABI fica em festa, engalanada por ser o cenário de uma homenagem a Sérgio Cabral, que é um amigo muito querido de todos nós jornalistas e uma personalidade extraordinária da vida cultural e administrativa da cidade do Rio de Janeiro, à qual ele tem prestado relevantes serviços em vários campos. Para nós é uma satisfação e um orgulho muito grande poder ser o abrigo desta noite generosa de homenagem a Sérgio. No ambiente de confraternização, Sérgio Cabral disse não ter palavras para descrever a festa. – É uma maravilha, até porque estou revendo amigos, pessoas que eu não encontrava há muito tempo. Só este fato já me deixa feliz. No mais, é achar estranho que se faça um dvd sobre um pobre mortal como eu. Há pessoas mais importantes. Mas como acharam que podiam fazer comigo, eu topei a idéia. A Academia Brasileira de Letras foi representada no ato pelo acadêmico, jornalista e escritor Murilo Melo Filho, que aplaudiu a trajetória do homenageado: – Todos nós estamos aqui para abraçar e felicitar Sérgio Cabral nesta festa, que é a recompensa de tantos anos de dedicação ao livro, ao disco, à cultura carioca e ao jornalismo. A homenagem é mais do que justa, disse Hermínio Bello de Carvalho, pesquisador e produtor musical, poeta e compositor, que definiu Sérgio Cabral como um símbolo do Rio: – Ele é considerado um professor, um mestre na cultura, sobretudo na área da informação e da biografia. É importante que a ABI abra espaço para receber um jornalista desta importância. Um carioca da melhor qualidade. Haroldo Costa, narrador do dvd, também sublinhou a estreita ligação de Sérgio Cabral com o Rio de Janeiro. – Ele é carioca em tempo integral. É 100%


carioca. Representa a face mais alegre da cidade. Foi uma alegria, um privilégio participar da apresentação do filme, pois sou amigo do Sérgio, inclusive de trabalho. Atuamos juntos na cobertura de carnaval da TV Manchete, em palestras e conferências. Ele é um grande companheiro. Nélson Sargento, compositor, cantor e artista plástico, ressalta este lado afetivo e solidário do jornalista. – Sérgio Cabral é a pessoa mais cara que conheço. Na verdade, são três Sérgios: o chefe de família, o escritor e o amigo dos amigos. Minha primeira galeria como artista plástico foi a casa dele. Sérgio foi meu primeiro marchand.

“O Rio vive em mim” “Sérgio Cabral é o Rio de Janeiro andando. Ele conhece todas as calçadas desta cidade.” Assim Mário Lago resumiu o perfil de Sérgio Cabral. — Para nós é um orgulho retratar a vida deste personagem que representa de forma definitiva o espírito irreverente, criativo e batalhador do carioca — diz Rozane Braga. — Sérgio, além disso tudo, é meu amigo e me orgulho disso — completa Fernando Barbosa Lima. O filme fala do namoro de Sérgio com Magaly, com quem está casado há 46 anos, o início como jornalista, a militância política, a prisão durante a ditadura, a carreira como produtor de discos e escritor. Sérgio fala também de seu amor pela cidade — parafraseando o personagem Gonzaga de Sá, de Lima Barreto: “Eu vivo no Rio de Janeiro e o Rio de Janeiro vive em mim” — e da paixão pelo Vasco da Gama, o Partido Comunista e a escola de samba Em Cima da Hora, que o homenageou com um enredo de Fernando Pamplona, em 1997: — É muito bacana ver sua vida passar em 90 minutos. Nunca tive problemas de rejeição. Mas se tivesse, com certeza, este dvd resolveria tudo — diz Sérgio, com o costumeiro bom humor.

Na tela, clássicos de Capra, Wilder, Chaplin, Minelli Mais obras-primas exibidas no ciclo A Imprensa no Cinema, entre as quais um curta em que o criador de Carlitos foi mostrado pela primeira vez ao grande público. Meu Adorável Vagabundo (Meet John Doe), de Frank Capra, cujo título na tradução brasileira era originalmente Adorável Vagabundo, abriu no dia 7 a programação de agosto do Cine ABI, que deu continuidade ao ciclo A Imprensa no Cinema. O filme conta a história de uma jovem jornalista (Barbara Stanwyck) que, ao ser demitida, numa leva dispensada pelo jornal para contratar profissionais qualificados e aumentar a circulação, decide escrever, sob o pseudônimo de John Doe, personagem fictício que ameaça se suicidar, uma série de reportagens denunciando as injustiças sociais. Diante do sucesso do personagem John Doe, a direção do jornal, The New Bulletin, resolve contratar um homem desempregado – a história se passa em 1929, o ano do grande crack da Bolsa de Nova York — para representar o personagem e o transforma em herói de uma campanha sensacionalista destinada a favorecer um político corrupto. Quando percebe que está sendo manipulado, o “vagabundo” (Gary Cooper) decide denunciar a trama e cometer mesmo suicídio e cabe à jornalista resgatá-lo. O roteiro de Robert Presnell e Richard Connell enfatizava a manipulação do homem pelo Estado. Os produtores, no entanto, alteraram a história para dar um final feliz ao “vagabundo” e a creditaram a Robert Riskin, gerando um processo judicial por parte dos autores originais. O cineasta Ramon Alvarado — que acompanha o Cine ABI desde o lançamento do projeto — elogia a mostra dedicada à imprensa e Meu Adorável Vagabundo, que considera uma jóia do cinema norte-americano do século passado: — Gary Cooper representa um personagem transgressor e humanista, na linha de Carlitos. O filme é um retrato do controle da sociedade pelo poder econômico, usando para isso o sistema político representativo, o mito popular e a máquina da imprensa. Também presente à sessão, o jornalista, escritor e professor de Português

e Literatura Nélson Tangerini herdou da família o interesse pelas artes dramáticas. A avó Antônia Marzullo —

atriz de teatro e cinema que atuou em grandes produções nacionais, como O Ébrio, com Vicente Celestino; Samba, com Sarita Montiel; e Favela dos Meus Amores, de Humberto Mauro — é matriarca de uma família de grandes mulheres artistas: é mãe das atrizes Dinah e Dinorah Marzullo e avó de Marília e Sandra Pêra. Filho de Dinah e Nestor Tangerini, jornalista, escritor, autor de famosas revistas teatrais, entre elas NoTabuleiro da Baiana e Gol!, Nélson aplaudiu Meu Adorável Vagabundo como uma “obra fantástica” de Frank Capra: — O filme retrata a linha divisória entre uma América humana e outra desumana, brutalizada pelo capitalismo selvagem que dava seus primeiros passos para se consolidar. É interessante o caráter humanista do filme, a tentativa de mostrar aos norte-americanos e ao mundo o monstro que começava a crescer. Seres humanos são peças descartáveis do sistema capitalista.

Os abutres, com Kirk Douglas Exibido no dia 14 de agosto, A Montanha dos Sete Bbutres (Ace in the Hole), de Billy Wilder, gira em torno de Charles Tatum (Kirk Douglas), um jornalista inescrupuloso e em fim de carreira, empregado num pequeno diário de uma cidade interiorana dos Estados Unidos, Albuquerque, no Estado do Novo México, que vislumbra a possibilidade de retornar à grande imprensa com uma matéria sensacionalista e inverídica. Enviado por seu editor para cobrir uma caça às cobras cascavéis em cidade vizinha, durante a viagem ele encontra o gancho para sua autopromoção: um homem preso em uma caverna. Apostando na máxima “a morte de centenas ou milhares de pessoas não tem o mesmo interesse

que a morte de uma única pessoa”, Tatum cria condições para sua ascensão profissional, explorando a desgraça alheia em matéria questionável e antiética. Essa obra de Billy Wilder (19062002) é festejada pelo teor de denúncia do poder de manipulação da imprensa e constitui uma das muitas obras-primas desse diretor de origem austríaca, autor de realizações da importância de Pacto de Sangue, de 1944; Farrapo Humano, de 1945, que assegurou o Oscar de melhor ator a Ray Milland; Crepúsculo dos Deuses, de 1950; O Pecado Mora ao Lado, de 1955, e Quanto Mais Quente Melhor, de 1959, que realçaram o talento de atriz de Marilyn Monroe, e Se Meu Apartamento Falasse, de 1960.

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Aconteceu na ABI REPRODUÇÃO

Tocaiado à esquerda, Carlitos desencadeia confusões, já com a idéia da cartola e da bengala que o celebrizariam a partir de 1914.

Um picareta na pele de Carlitos Carlitos Repórter, filme em que Charles Chaplin surgiu pela primeira vez para o grande público, em 2 de fevereiro de 1914, abriu a programação do dia 21 de agosto do do Cine ABI, a qual contou com a projeção de outras obras. O curta-metragem narra em 15 minutos a história de um jornalista picareta que tenta, ao longo de todo o tempo, tirar uma fotografia original, em meio a improvisações, embuste e muita correria. Na seqüência, foram exibidos 19 vídeos da série No meio da rua, do jornalista e cineasta João Sabóia, que começou a realizá-los em fevereiro de 2007 e já contabiliza cerca de 360 mil exibições no site do Youtube: — Este trabalho se caracteriza pela simplicidade — diz Sabóia. — Uso uma pequena câmera digital para registrar as imagens que julgo interessantes, especialmente quando vinculadas ao cotidiano e à rotina de jornalistas. Antes do início da sessão, aberta pelo jornalista e Conselheiro da ABI José Rezende, também responsável pelo Centro Histórico-Esportivo da Casa, Sabóia agradeceu o convite do Diretor de Cultura e Lazer Jesus Chediak para participar da mostra: — Tenho forte ligação com a ABI. A cerimônia da minha formatura em Jornalismo, em 1980, foi realizada no Auditório Oscar Guanabarino, no 9º andar da Associação. É um orgulho poder mostrar aqui na ABI meu trabalho, que ocupa pela primeira vez uma sala de exibição. Sabóia formou-se em Jornalismo pelo Centro Unificado Profissional, sediado em Jacarepaguá, no qual teve aulas de cinema com Sérgio Santeiro, curador do Cine ABI. A experiência de cronista do jornal Ponte Velha, de Resende, no Sul do Estado do Rio, influenciou-o na composição da série. — Com a revolução tecnológica e conhecendo as técnicas básicas de cinema, fica fácil fazer um filme. Estes vídeos soam como uma crônica do que acontece nas ruas da cidade por onde passo, registrando aquilo que acho que 12 Jornal da ABI 332 Agosto de 2008

vale a pena ser filmado. Na Rua Uruguaiana, no Centro do Rio, Sabóia filmou a apresentação de Black Prince interpretando no steel drum (tambor de aço típico do Caribe) o choro Brasileirinho, de Valdir Azevedo. Na Rua São Clemente, em Botafogo, registrou uma explosão de gás natural; em Ipanema, filmou um bloco carnavalesco, o Empolga às 9. Para Sabóia, exibir seus curtas ao lado de um clássico de Charles Chaplin também foi uma oportunidade rara e significativa: — Os filmes de Chaplin se aproximam da minha estética de simplicidade. Carlitos representa a fase inicial do cinema e o meu trabalho focaliza o avanço tecnológico focado na simplicidade. Tony Marins, jornalista, sócio e colaborador da ABI, aplaudiu os curtametragens da noite: — As imagens de Sabóia encantam por tecer a crônica do cotidiano com linguagem simples, porém crítica. Os filmes são fantásti-

cos e exibem diversos aspectos da sociedade, do grotesco ao singelo, com destaque para o vídeo sobre o bloco Crustáceos da Manguaça. Também admirador do talento de Charles Chaplin, Tony Marins ressaltou a atuação do artista e a linguagem de ação do curta: — A obra de Carlitos, como sempre impecável, impressiona pelo ritmo ágil e a montagem das cenas salpicadas de ironia e comicidade, que mantêm a platéia em suspense. Raquel Miranda, bancária aposentada, compara o personagem de Chaplin ao perfil do típico malandro brasileiro. — A atuação de Carlitos está genial como sempre. Ele é aquele sujeito pobretão, vigarista, que acaba se envolvendo em uma confusão. Não pode haver nada pior para um jornalista do que virar notícia em uma situação desagradável como a narrada neste curta. É aquela velha história do feitiço virando contra o feiticeiro. No final, a astúcia vence a prepotência.

Um idílio Gregory Peck-Lauren Bacall No dia 28 de agosto o Cine ABI exibiu Teu nome é mulher, comédia romântica dirigida por Vincente Minnelli, em que Gregory Peck interpreta o jornalista esportivo Mike Hagen, que trabalha em um jornal de Nova York e é enviado a Los Angeles para cobrir um torneio de golfe. No dia seguinte à cobertura, Mike acorda com uma dor de cabeça monumental, motivada por excesso de bebida, e não se lembra se mandou ou não a matéria ao editor. Enquanto toma café no hotel em que está hospedado, ele é abordado por uma bela jovem, Marilla Brown (Lauren Bacall), estilista de moda que o tranqüiliza, dizendolhe que a matéria

foi escrita e enviada a Nova York com sua colaboração, pois ele estava bêbado demais para fazê-lo. Esta é a deixa para Mike convidá-la a passar uns dias com ele em Los Angeles, onde começam a se envolver amorosamente. Porém, quando os dois se casam e se mudam para Nova York, os problemas começam a aparecer. Minnelli (1910-1986) era um mestre na comédia romântica, de que Teu Nome é Mulher é belo exemplo. Marido de Judy Garland, da qual se divorciou depois de terem a filha Liza Minelli, era norte-americano de Chicago e fez destacados clássicos da comédia musical, como o pioneiro Ziegfield Follies, de 1946, Sinfonia em Paris, de 1951, e A Roda da Fortuna, de 1953.

Bolívia festeja sua independência com danças na ABI Em comemoração ao 183º aniversário da independência do país, o ConsuladoGeral da Bolívia no Rio de Janeiro promoveu uma série de eventos, entre os quais uma grande celebração aberta ao público, na noite de 11 de agosto, no Auditório Oscar Guanabarino, no 9º andar do Edifício Herbert Moses. Danças folclóricas da região andina da Bolívia, como cueca, diablada de ouro, morenada e tinkus, foram apresentadas pelos grupos Sambos Caporales, Caporales de San Simon e Sambos de Enaf. A oportunidade de conhecer a cultura e o folclore do país vizinho foi proporcionada pelo Centro Cultural y Social Boliviano, que iniciou as celebrações da independência no dia dia 5.

Campeão de xadrez encarou 20 de uma vez O grande mestre internacional e atual campeão brasileiro de xadrez Giovani Vescovi (foto) fez no dia 14 de agosto uma exibição especial no Salão de Estar da ABI, onde enfrentou 20 enxadristas ao mesmo tempo – e venceu todos. O evento foi organizado pela Diretoria de Cultura e Lazer da ABI em colaboração com a Federação de Xadrez do Estado do Rio de Janeiro-Fexerj. — A ABI é uma grande parceira da Federação — disse Ricardo Barata, Presidente da Fexert — e esse laço vem-se fortalecendo a cada ano com a realização de grandes eventos promovidos em conjunto, como o Torneio ABI de Xadrez, criado para comemorar o centenário da Casa. Recebendo Vescovi, a ABI promove um dos mais importantes eventos de xadrez do Brasil, que facilitará a realização de outros, alguns criados especificamente para jornalistas. Giovani Vescovi é o enxadrista número 1 não apenas do Brasil, mas também da América Latina, e participou de competições em mais de 40 países. Aos 11 anos de idade, venceu todos os torneios da sua categoria realizados em São Paulo. É também o enxadrista com melhor pontuação do Rio de Janeiro — 2.640 pontos, 200 mais do que o segundo colocado, o que significa muito no xadrez.


O Estadão põe o Rio em debate Por sugestão de sua Sucursal Rio, o jornal escolheu o espaço da ABI para conhecer as propostas dos candidatos a prefeito. Entre os dias 21 e 29 de agosto, o Auditório Oscar Guanabarino, no Edifício Herbert Moses, sede da ABI, transformou-se num espaço de discussão e debate da democracia no Rio de Janeiro. Ali, o jornal O Estado de S. Paulo realizou uma série de sabatinas com os candidatos à Prefeitura da cidade, discutindo as principais propostas dos postulantes ao cargo. Sempre individualmente, Marcelo Crivella (PRB), Alexandre Molon (PT), Eduardo Paes (PMDB), Fernando Gabeira (PV), Solange Amaral (DEM), Chico Alencar (PSOL) e Jandira Feghali (PCdo B) apresentaram suas idéias e responderam às perguntas dos jornalistas Marcelo Beraba, Diretor da Sucursal Rio do Estadão e mediador do evento(na

foto, com Crivella), Irany Tereza, Editora Regional da Agência Estado, e Wilson Tosta, repórter do jornal. Também participaram convidados presentes na platéia e, com a cobertura em tempo real pelo portal www.estadão.com.br, pela Agência Estado e pela Rádio Eldorado, internautas que enviaram suas perguntas. Como em São Paulo, onde o Estadão também reuniria os candidatos à Prefeitura paulistana, de 1º a 8 de setembro, em sua sede, as sabatinas cariocas foram momentos de reflexão e discussão, vistas pela ABI como um serviço para a população que escolherá o gestor da cidade nos próximos quatro anos. Foram estas as principais propostas defendidas por cada um dos candidatos.

residências e utilizar a energia solar são algumas prioridades. Também quero instalar um sistema de saneamento básico e coleta de lixo nas favelas com auxílio de motoqueiros em morros como o da Rocinha.

JANDIRA FEGHALI

FOTOS: ALINE SÁ

deserto econômico e promover a instalação de novas empresas lá.

SOLANGE AMARAL

MARCELO CRIVELLA O Senador e candidato do PRB apresentou suas propostas de Governo nas áreas de saúde, educação, transporte e segurança. Ele pretende ampliar o Programa de Saúde da Família em áreas mais carentes, criar um fundo municipal para subsidiar a construção de moradias para famílias que recebem até cinco salários-mínimos, rever o sistema de aprovação automática na educação e criar a “Zona Franca Social”, reduzindo impostos para que empresas próximas a regiões carentes contratem moradores locais: – Não serei eleito para pregar a Bíblia. O Prefeito é um conciliador e não o epicentro de uma crise. E eu quero me dignificar servindo os mais pobres. – disse.

ALEXANDRE MOLON O Deputado estadual e candidato do PT disse que a principal característica de seu Governo será a transparência e o acesso às informações da Prefeitura. Entre suas propostas, estão a reconquista para a cidade do título de capital do turismo, do lazer e do turismo de negócios, atraindo novas empresas

em pólos industriais e investindo na limpeza urbana, sinalização e no combate à violência pela reestruturação da polícia, mas evitando o uso das Forças Armadas. Quanto à educação, Molon aposta na formação continuada do professor com cursos, centros de estudos e melhores condições para uma dedicação integral: – No Rio que imagino, não se morre de dengue, não há transportes controlados por milícias, as crianças têm educação garantida e todos usufruem de um espaço público tranqüilo com direito de ir-e-vir.

EDUARDO PAES Ex-Secretário de Estado de Esportes, Lazer e Turismo, o candidato do PMDB concentrará seus esforços na saúde. Com apoio do Governo estadual e do Governo federal, pretende implementar o Programa Saúde da Família, tornar integral e em três turnos o horário de atendimento nos postos de saúde, reformar e implantar cinco novas unidades de UPA, com investimentos de 1 milhão por unidade, e criar uma agência de saúde com central de regulação de leitos e equipamentos. Acabar com o sistema de aprovação automática e implantar o reforço escolar são suas metas na educação. Quanto à segurança, promete o policiamento ostensivo da Guarda Municipal e aposta em coisas simples, como a iluminação. – Quero reurbanizar a Avenida Brasil, que hoje é um

FERNANDO GABEIRA Desordem urbana, violência e capacidade de liderança são questões fundamentais, disse o Deputado federal e candidato pelo PV. Policiamento ostensivo, reequipar e reeducar a Guarda Municipal e investir em sinalização, limpeza e iluminação farão parte de suas ações, caso eleito. Para a saúde, Gabeira acredita que a solução não seja apenas construir novos postos, mas aumentar o horário de funcionamento e contratar gestores profissionais e com autonomia para os hospitais. Ele ainda falou sobre política ambiental: – Melhorar a coleta de lixo, com catadores e reciclagem, instalar novos aterros sanitários e instalar depósitos de água das chuvas nas

prevenção de doenças como a dengue e passar o funcionamento das emergências nos postos de saúde para 24 horas. Redução de alunos em sala de aula e ampliação da rede viriam com o investimento de 25% do orçamento do Município. Cadastrar os camelôs e construir 100 mil novas moradias são outras propostas: – Pretendo promover um choque de poder público com participação cidadã.

Expandir deve ser palavra de ordem para a Deputada e candidata democrata. Essa é sua proposta para o Programa Remédio em Casa, assim como a construção de 25 postos de saúde, do Hospital da Mulher e uma união entre os Poderes para investir nos hospitais já existentes. No quesito habitação, ela pretende construir 100 mil novas moradias e investir no já existente programa Favela-bairro. Além disso, promete aplicar recursos no metrô e criar corredores de ônibus e o Plano Municipal de Segurança Cidadã, com policiamento ostensivo. O número de escolas-padrão passaria de 30 para 100. Para ela, o sistema de aprovação automática não seria problema: – A alteração do sistema seriado para o de ciclos já foi adotada em Belo Horizonte, São Paulo e Niterói. Temos que diminuir o número de estudantes nas salas de aula e acabar com as deficiências do magistério.

CHICO ALENCAR Como prioridade, o Deputado e candidato do Psol destaca a segurança. Para ele, a criação de creches, centros culturais e de formação técnica nas áreas dominadas pelo tráfico ou por milícias deve vir junto com a articulação entre as forças municipais, estaduais e federais, e a consolidação da Guarda Municipal. Para a saúde, ele pretende gerenciar melhor a verba do Sus (Sistema Único de Saúde), investir na

Para a candidata do PCdoB, a saúde deve ser prioritária com o funcionamento dos postos em três turnos, formação de 346 equipes do Programa de Saúde da Família para beneficiar mais de 1 milhão de pessoas e restrição no tempo máximo de marcação de consulta para oito dias. Tudo articulado à educação, que passaria a ser em horário integral para as crianças. Quanto à dengue, ela pretende

investir na prevenção e na divulgação de orientações. Sua política para os transportes é investir no metrô, articulando com ele trens e ônibus, além de criar o bilhete único. Construir 80 mil moradias por ano é uma das propostas habitacionais: – Para reduzir a violência, temos que reurbanizar áreas como praças e a Guarda Municipal deve ser comunitária, desarmada e equilibrada, não uma repressora da atividade informal.

Através do ex-Deputado Vivaldo Barbosa, membro do Diretório Nacional do Partido, o candidato do PDT, Deputado estadual Paulo Ramos, protestou contra a não inclusão de seu nome entre os convidados para o debate. A ABI esclareceu que a realização da série de entrevistas foi iniciativa do Estadão. À ABI coube apenas ceder o espaço, mediante locação.

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BIENAL

A Festa das Letras pede mudanças Em sua 20ª edição, a Bienal Internacional do Livro de São Paulo consolida-se como um dos eventos do gênero mais importantes do mundo e busca universalizar o acesso da leitura de qualidade no Brasil. FOTOS: DIVULGAÇÃO

Mais uma vez, a Bienal Internacional do Livro de São Paulo fez jus aos predicativos que a transformaram no segundo maior evento do mercado editorial do mundo, atrás apenas da Feira do Livro de Frankfurt. Mais de 800 mil pessoas visitaram a 20ª edição do evento e mergulharam num universo que reuniu no Anhembi, Zona Norte da capital paulista, em dez dias, mais de 2 milhões de livros e 150 autores. Porém, mais importante do que os números é a consolidação da Bienal como um dos acontecimentos mais importantes do mercado editorial em todo o mundo e um importante espaço fomentador da leitura e do debate crítico em um país que ainda lê muito pouco e, mesmo com todo o crescimento econômico e modernidade, insiste em negar o acesso de grande parte da população à palavra escrita. O grande destaque do evento, realizado entre 14 e 24 de agosto, foi o reforço da programação cultural. Houve 684 horas de atividades voltadas para adultos, jovens e crianças, uma média de uma atividade a cada três minutos. Entre os muitos e destacados escritores que marcaram presença estiveram os brasileiros João Ubaldo Ribeiro, reconhecido há pouco com o Prêmio Camões, o mais importante da língua portuguesa, Nélida Piñon, Maria Adelaide Amaral, Moacyr Scliar e Lygia Fagundes Teles. Com a comemoração do centenário da imigração japonesa para o Brasil e a realização do Congresso Ibero-Americano de Editores, que pela primeira vez foi realizado no País, antecedendo a Bienal, também estiveram presentes importantes nomes da literatura mundial, que transformaram a festa numa miscelânea de culturas e idéias. Logo no primeiro dia, Akiko Kurita, diretora do Foreing-Rights Center, do Japão, falou sobre as tendências da literatura japonesa no Brasil. No dia seguinte, Zlata Filipovic, autora do Diário de Zlata, no qual faz um registro da guerra na antiga Iugoslávia, falou sobre suas experiências em Sarajevo. Guil-

A americana Samantha Power, entre Maurício de Souza e Fernando Moraes: ela é biógrafa de Sérgio Vieira de Mello, morto no Iraque.

lermo Arriaga, produtor, roteirista e escritor mexicano, premiado pelo roteiro de Babel com o Globo de Ouro, participou de um debate sobre cinema e literatura. Os temas das discussões em que participaram os mais de 40 autores estrangeiros foram prato cheio para quem desejava mergulhar no mundo da literatura, seja para ler, seja para escrever com qualidade. O francês Stéphane Audeguy, autor de Filho Único, comparou os romances brasileiros com os franceses, o norte-americano John Sack, de A Conspiração Franciscana, discorreu sobre romance histórico, e o historiador russo Yuri Felschtinsky promoveu um talk show sobre sua mais nova obra: A Era dos Assassinos e o misterioso universo da KGB. Já o cubano Edmundo Desnoes, autor de Memórias do Subdesenvolvimento, trouxe novamente à discussão o tema do cinema e da literatura, e a chinesa Anne Cheng, de História do Pensamento Chinês, abordou o pensamento intelectual na China e a cultura milenar daquele país. Um dos atrativos da Bienal para os estrangeiros é o vasto potencial do mercado editorial brasileiro, que não pára de crescer. Em 2006, 310 milhões de exemplares foram vendidos, 46 mil novos títulos lançados e o faturamento alcançou a atrativa cifra de R$ 2,9 bilhões, 11,9% a mais que em 2005. Esses números transformam o País no maior mercado da América Latina e chamaram a atenção de países como Argentina, Alemanha, Portugal, Peru, Uruguai, Suíça, Áustria e Índia. Dos 350 expositores, 74 eram estrangeiros, que responderam por boa parte dos 4,1 mil lançamentos e 210 mil títulos apresentados na Bienal, o melhor retrato do mercado brasileiro. “Ler é Minha Praia”

Rosely Boschini, Presidente da CBL: esforço para aumentar número de leitores.

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Além do centenário da imigração japonesa, os 200 anos da indústria do livro no Brasil, os cem anos da morte de Machado de Assis e do nascimento de Guima-

rães Rosa foram outros temas de destaque debatidos por historiadores, cientistas sociais, antropólogos, professores e, claro, jornalistas, cuja produção literária, principalmente em termos de biografias e livros-reportagem, cresce cada vez mais. Fernando Morais, Laurentino Gomes, Humberto Werneck e a norte-americana Samantha Power, vencedora do Pulitzer e que veio ao Brasil lançar O Homem Que Queria Salvar o Mundo, a biografia do brasileiro Sérgio Vieira de Mello, morto em atentado à sede da ONU no Iraque, em 2003, estiveram presentes. Captando a máxima de que “bom é ser criança”, a Bienal nunca foi mais infantil,

A evolução de um modelo europeu A primeira Bienal Internacional do Livro de São Paulo organizada pela Câmara Brasileira do Livro aconteceu entre 15 e 30 de agosto de 1970, no Pavilhão da Bienal, no Ibirapuera, em decorrência de um projeto iniciado na década de 50. Em 1951, com o intuito de introduzir no País a tradição européia das feiras de livros encontradas na França, na Alemanha e na Itália, a CBL promoveu a 1ª Feira Popular do Livro, na Praça da República. A experiência foi retomada em 1956 e deslocada para o Viaduto do Chá, ponto ainda mais central da capital paulista e de grande fluxo de pedestres. No ano de 1961, em parceria com o Museu de Arte de São Paulo, foi promovida a 1ª Bienal Internacional do Livro e das Artes Gráficas, evento que se repetiu em 1963 e 1965, servindo de ensaio para a 1ª Bienal, organizada exclusivamente pela CBL, em 1970. Desde 1996 o evento tem sido realizado em locais cada vez maiores, abrigando maior número de expositores e proporcionando mais conforto ao público. Há três anos, a feira é realizada no Pavilhão de Exposições do Anhembi, o maior e mais tradicional local de eventos de negócios da América Latina.

no bom sentido. As crianças e adolescentes, um público sempre expressivo nesse tipo de evento, ganharam um espaço só para eles durante o evento. Com uma arena, um espaço para oficinas e 2 mil metros quadrados de área, o projeto Ler é Minha Praia abrigou um programa à parte, que contou com 480 horas de histórias, atividades lúdicas, visitas monitoradas aos estandes de mais de 80 editoras participantes. Apelidado de “roteiro inteligente”, essa programação atendeu em cheio ao desejo da leitura e aprendizagem para a garotada até 14 anos e fez que cerca de 180 mil tivessem contato com o melhor da literatura e com ícones do segmento, como Maurício de Souza e Ziraldo. – Nossa batalha é pelo aumento do número de leitores no Brasil. Vimos que, por causa do tamanho, crianças e adolescentes ficavam desorientados na Bienal e fizemos um espaço para eles. Cada vez mais a Bienal de São Paulo caminha para uma aproximação maior com o público, a exemplo do que também acontece no Rio. – explica Rosely Boschini, Presidente da Câmara Brasileira do Livro. Nesse esforço de aumentar o número de leitores, ela entregou ao então Ministro interino da Cultura, Juca Ferreira, um manifesto de escritores, editores e livreiros pedindo a recriação da Secretaria do Livro e da Leitura. Apesar de reconhecer as diversas medidas tomadas pelo Governo, como a desoneração fiscal dos livros feita em 2004, o documento diz que o livro e a leitura perderam “a centralidade e a visibilidade no centro do poder político do País”. O Ministro não comentou o texto, mas sintetizou com sua declaração aquilo que todos esperam daqui para frente: – Promover o acesso à leitura é parte da infraestrutura que o Brasil precisa criar para o futuro. Mas não deve se restringir à Bienal. Precisamos baixar ainda mais o preço dos livros e levá-los à população cotidianamente. (Marcos Stefano)


JUSTIÇA

Uma vitória da democracia Em ato no Aterro do Flamengo, o Presidente Lula assina projeto de lei para a reconstrução da sede da Une e da Ubes. Após conhecer a reprodução da fachada da futura sede da Une, projeto doado por Niemeyer exibido pela Presidente Lúcia Stumpf (ao lado), o Presidente atravessou as pistas da Praia do Flamengo e participou do histórico ato com os Ministros José Gomes Temporão (à esquerda) e Fernando Haddad (à direita) e o Governador Sérgio Cabral. MARCELO CARNAVAL-AGÊNCIA O GLOBO

O movimento estudantil celebrou e a festa foi da democracia brasileira. Afirmando estar "corrigindo uma injustiça histórica", o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, assinou no dia 12 de agosto, no Rio, projeto de lei que permitirá a reconstrução da sede da União Nacional dos Estudantes-Une e da União Brasileira dos Estudantes SecundaristasUbes, no histórico endereço da Praia do Flamengo, 132, Zona Sul do Rio. O texto, que agora deverá ser apreciado pelo Congresso Nacional, reconhece a responsabilidade do Estado na destruição do prédio. Em 1º de abril de 1964, a sede das entidades estudantis foi um dos primeiros alvos da ditadura militar ao ser incendiado. Em 1980, o então Presidente, General João Batista Figueiredo ordenou sua demolição. – A Une, por tudo o que fez e por tudo o que significou e significa, jamais deveria ter sido destruída, mas sim vangloriada. Tenho orgulho em reparar o erro que foi cometido. – disse o Presidente. Ao lado dos Ministros da Saúde, José Gomes Temporão, da Educação, Fernando Haddad, e da Igualdade Racial, Edson Santos, do Ministro Interino do Esporte, Wadson Ribeiro, do Chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Luiz Dulci, e dos Governadores do Rio, Sérgio Cabral, e de São Paulo, José Serra, Lula conheceu a maquete da nova sede. No local será construída a Casa do Poder Jovem e da Efervescência da Política e da Cultura Nacional. O projeto doado aos estudantes por Oscar Niemeyer prevê a construção de um prédio de 13 andares, com um centro cultural e um teatro para abrigar produções culturais e o Museu da Memória do Movimento Estudantil. O Governador José Serra, que presidia a Une na época do golpe de 1964, classificou como compreensível, embora inaceitável, o que foi feito com os estudantes naquele tempo: – O País vivia um clima de radicalização. Assim, os conflitos não surpreendem, mas o incêndio foi um ato criminoso e a demolição mostrou a raiva dos governantes em represália à participação dos estudantes na resistência ao regime militar. – Assim como foi com as centrais sindicais, esta solenidade pública significa o reconhecimento da legitimidade da participação dos estudantes na

Tasso Marcelo/AE

POR MARCOS STEFANO

vida política da Nação. – afirmou outro ex-Presidente da Une dos anos 60, o ex-Deputado Aldo Arantes. Ele ainda destacou que Lula é o segundo Presidente da República a visitar o local da sede das entidades estudantis. Em 1962, João Goulart esteve lá acompanhado do Primeiro-Ministro Tancredo Neves e de todos os ministros de seu Gabinete. Arantes aproveitou o ato para entregar ao filho de Goulart, João Vicente Goulart, um retrato emoldurado da visita de seu pai à antiga sede. "Meu apoio é concreto" O projeto prevê a criação de um grupo de trabalho para discutir o valor da indenização às entidades estudantis, que pode ser de até R$ 36 milhões, seis vezes o valor em que está avaliado o terreno. Essa comissão será coordenada pela Secretaria-Geral da Presidência

da República e pelo Ministério da Justiça, contando também com representantes do Ministério da Educação, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, do Congresso Nacional e do Ministério Público. Lula pediu aos estudantes que intensifiquem as conversas com o Congresso para a aprovação do projeto. Ele afirmou que gostaria de colocar o primeiro tijolo da futura sede, que já tem até uma dotação reservada no orçamento da União. Porém, isso não deve ser muito difícil, já que a Une e a Ubes já conseguiram a adesão de mais de 400 deputados e 50 senadores para a construção com a campanha "Meu apoio é concreto". Segunda vitória A reconstrução de sua sede é a segunda grande vitória que as entidades estudantis podem conseguir na luta por seus direitos. Depois que o prédio foi demolido em 1980, o terreno foi invadido e transformado em um estacionamento clandestino. Após várias manifestações, em fevereiro de 2007, a Justiça determinou a reintegração de posse às entidades. A campanha pela retomada da propriedade, batizada de

"De volta para casa", foi vitoriosa. Ao lado do Presidente da Ubes, Ismael Cardoso, a Presidente da Une, Lucia Stumpf, era uma das mais eufóricas. Ela acredita que neste ano, em que a entidade completa 71 anos, foi possível alcançar maturidade para um diálogo mais franco entre estudantes e o Governo. Stumpf prevê que a nova sede deve ser construída em 18 meses: – O mesmo Estado que destruiu esse tradicional reduto político e cultural da juventude está agora, 44 anos depois, reparando o dano e tomando uma atitude que é inédita no fortalecimento da democracia. A solenidade no Aterro do Flamengo também marcou o lançamento da Caravana da Saúde, Educação e Cultura, projeto da Une apoiado pelo Ministério da Saúde. Foi apresentado um ônibus aos presentes, que deverá percorrer 32 mil quilômetros nos 26 Estados e no Distrito Federal. Serão promovidas atividades culturais, oficinas e campanhas como a doação de sangue, além da vacinação contra a rubéola, em 41 universidades federais e várias universidades privadas. O final ficou por conta de centenas de universitários e secundaristas, estes ainda com o uniforme escolar, que cantaram hinos, músicas e gritavam palavras de ordem. Como cantarolavam eles: "A nossa História ninguém apaga. A Une e a Ubes estão voltando para casa". Jornal da ABI 332 Agosto de 2008

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DEPOIMENTO

“Não existe na imprensa brasileira texto tão elegante como o de Mino Carta.” Quando ouve o elogio do jornalista Geneton Moraes Neto, Mino Carta ri um pouco constrangido. De fato, é saboroso acompanhar seu trabalho, ora irreverente, ora contundente, mas sempre crítico, publicado toda semana em CartaCapital. Mas apenas esse prisma é insuficiente para se compreender a importância desse genovês de 74 anos para o jornalismo brasileiro nas últimas décadas. Aliás, nem mesmo as tantas publicações que criou, como Quatro Rodas (1960), Jornal da Tarde (1966), Veja (1968), IstoÉ (1976), Jornal da República (1979) e a própria CartaCapital, da qual é Diretor de Redação há 14 anos, mostram de fato a extensão de sua influência. Além do texto refinado, Mino é uma alma, ou melhor, uma mente inquieta. Buscando sempre algo de relevância para transformar o País. Algo, que define com suas palavras como “capital” e bem define seu recado. “Capital significa principal, essencial, fundamental, decisivo, determinante. Mas também é substantivo, e significa valor econômico, centro administrativo de um país, riqueza na sua acepção mais estreita e mais vasta. O que não indica mania de grandeza: explica simplesmente o propósito de uma Carta-capital endereçada ao coração do poder”, escreveu ele na apresentação da primeira edição de sua última criação. Claro, falava da revista, mas bem podia sintetizar assim também sua missão e visão da vida. Crítico do jornalismo brasileiro, Mino Carta tem como seu principal alvo a busca de um jornalismo independente, isento e honesto. Nivelado por cima, para brasileiros conscientes e não para um público “imbecilizado” por tantos chavões e mentiras. Enquanto começava a planejar a edição de número 500 de CartaCapital, ele arrumou tempo em sua agenda para receber o Jornal da ABI na Redação da revista em São Paulo. Entre tantos assuntos e experiências, garantiu que, mesmo depois de tanto tempo, continua sendo o mesmo: um jornalista, não um patrão. E que continuará assim em sua cruzada.

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POR FRANCISCO UCHA E MARCOS STEFANO


FRANCISCO UCHA

Ele queria ser santo e não pensava em seguir a profissão do pai, grande jornalista. Mas sua carreira o transformou num ferrenho crítico da mediocridade e um defensor intransigente do jornalismo ético, que busca a verdade, mantém o espírito crítico e fiscaliza o poder.

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DEPOIMENTO MINO CAPITAL

JORNAL DA ABI - QUEM DE FATO É MERCÚPARLA?

CIO

Mino Carta - A princípio, uma personagem de dois livros meus, O Castelo de Âmbar e A Sombra do Silêncio, os únicos que escrevi, aliás. Mas é claro que é muito mais. O Castelo de Âmbar eu escrevi no começo de 2000, muito rapidamente, em quatro meses. Não me acho em condições psicossomáticas para escrever um livro de memórias, talvez por causa do jornalismo. Já trabalho como jornalista todo dia, queria algo diferente. Por isso, quando fui empreender essa tarefa, sabia que teria que ser uma coisa um pouco onírica e voltada para a imaginação de uma criação maior. Não interessa muito contar como é trabalhar para a família Mesquita ou para os Civita. Mas quando isso é feito em uma narrativa de ficção, torna-se algo divertido. Além disso, também não preciso pesquisar detalhes, verificar se um evento aconteceu no dia 2 de maio ou no 31 de dezembro. Enquanto O Castelo é uma obra escrita na primeira pessoa porque é uma coletânea de documentos, de papéis perdidos, de rascunhos e discursos de autoria do tal Mercúcio, o segundo é escrito na terceira pessoa porque olha a personagem mais de longe. E, no fim, o Mercúcio sou eu mesmo. Comecei a escrever movido por uma questão muito mesquinha. Estava muito irritado com o livro do Mário Sérgio Conti, Notícias do Planalto, que falseia fatos que dizem respeito à minha vida, porque ele preferiu ouvir o patrão dele, que é um dos pulhas mais refinados que já apareceram por aí. Mas além disso, também falseou a História do País, atribuindo aos jornalistas a criação do fenômeno Collor. Collor foi criado pelos patrões dos jornalistas, inclusive os patrões donos da Veja, na qual ele trabalhava e que inventou o slogan “caçador de marajás”. Aí, eu quis escrever o primeiro livro, que tem no centro uma figura chamada Mercúcio Parla num país que não existe, num tempo que você não sabe qual é, mas que carrega boa parte das minhas experiências pessoais e boa parte da História recente do Brasil, que acompanhei de perto. Depois decidi escrever o segundo livro porque havia uma razão sentimental: eu precisava mostrar o outro lado do tal Mercúcio. Seriam trabalhos que trazem um lado, vamos dizer, mais artístico. JORNAL DA ABI - UM DOS GRANDES MISTÉRIOS QUE RONDAM SUA VIDA É QUAL A DATA DE SEU NASCIMENTO.

PODE ESCLARECÊ-LO?

Creio que não, pois é uma confusão para mim também. Tenho documentos que dizem que nasci no dia 6 de setembro. Outros falam em 6 de novembro e outros ainda em 6 de fevereiro. Agradame essa confusão, porque impede que as pessoas tenham certeza. Não digo quanto à minha idade, porque a diferença é de quatro meses, nada fatal. Mas com isso não fico na obrigação de convidar para uma festa, um jantar, um happy hour. Tenho duas nacionalidades: a brasileira e a italiana. Quando fui tirar o passaporte italiano, a data que aparece é 6 de novembro. No brasileiro, sou de 6 de setembro. Aos 22 anos, no fim de 18 Jornal da ABI 332 Agosto de 2008

1956, fui para a Itália, trabalhar em um jornal de Turim. Como estava casado – meu primeiro casamento, uma das besteiras que a gente costuma fazer –, não precisei fazer o serviço militar. Mas tinha que me apresentar no quartel. Lá, em meio a todos os registros possíveis e imagináveis, ao lado de medições variadas, como peso e altura, consta minha data de nascimento como 6 de fevereiro.

A partir de 1982, Mino sucedeu a Múcio Borges da Fonseca, fundador e primeiro Diretor de Redação da Senhor, da Editora Três, que se tornou a revista semanal mais influente do País.

JORNAL DA ABI - O SENHOR JÁ AFIRMOU QUE, DIFERENTE DE ROBERTO MARINHO E VICTOR

CIVITA, NÃO É PATRÃO. SER PATRÃO É TÃO

RUIM ASSIM?

Não é algo ruim, mas para ser patrão é preciso ter vocação e tino. Talento para tanto. E eu não tenho nenhum. Tanto que nunca fui patrão. Tive uma sociedade com Domingo Alzugaray que durou de maio de 1976 a novembro de 1979. Tínhamos uma editora para fazer a IstoÉ chamada Encontro Editorial. O Domingo implorava que eu me mantivesse longe dos negócios, que deixasse isso para ele. Depois, eu fui empregado do Fernando Moreira Sales, ainda na IstoÉ. E também do próprio Domingo Alzugaray, que dizia: “Não, não. Meu sócio você nunca mais será, porque você é um desastre. Terá um bom salário, mas será empregado”. Quando meu sobrinho, Andréa, herdou do pai uma editora, a Carta Editorial, que ainda existe e publica a Vogue, quis fazer algo comigo e me propôs uma sociedade, eu lhe respondi: “Não quero sociedade. Você é o patrão e eu sou empregado. Se me pagar esse salário, eu trabalho para você tranqüilamente”. Fizemos a CartaCapital, que leva esse nome não em homenagem à minha pessoa, mas porque a Um país escravo dos seus oligarcas, e que editora se chama Carta Editorial, fundaaté hoje é incapaz de raciocinar e de perda por meu irmão, falecido em 1994, ceber onde caminha uma democracia auantes dessa minha conversa com o Antêntica. Por isso, eu digo que não sou padréa. Assim, a revista saiu como mensal trão. Patrão não é jornalista, é empresáe eu empregado. Em março de 1996, a rerio. vista virou quinzenal, mas eu continuei JORNAL DA ABI - COMO SE DEU SUA SAÍDA como empregado. Quando a revista virou DA VEJA? NÃO FOI POSSÍVEL CONCILIAR SEU semanal, não foi difícil verificar que haESTILO COMBATIVO COM A PUBLICAÇÃO? via uma certa incompatibilidade entre a editora Carta Editorial e essa revista poNa verdade, a questão com a Veja foi lítica de oposição clara ou, pelo menos, outra. Está para sair um livro de memóde independência claríssima. E isso fez rias do Karlos Rischbieter, que na época com que Deluso e em que eu estava eu assumíssemos a na Veja era PresiÓ AQUI NO RASIL VEJO dente tarefa de tocar o da Caixa Ecoprojeto, de empresnômica Federal. Ele JORNALISTA CHAMAR O tar nosso nome a conta o episódio no uma nova editora livro e vai ser triste que se chama Con- PATRÃO DE COLEGA SSO ME para Mário Sérgio fiança, dentro da Conti e companhia. IRRITA CONSTRANGE E qual também não A Abril queria um somos patrões de empréstimo de 50 ATÉ DIRIA QUE ENTRISTECE milhões de dólares coisa alguma. Eu cuido dessa Redapara consolidar no O SINDICATO AINDA DÁ Brasil dividas que ção. Ponto. Faço o trabalho que fiz a tinha contraído CARTEIRINHA SE ELE QUISER com instituições fivida inteira. Já trabalhei na nanceiras mundo Time Life, no L´Express, no Il Messaggeafora, sobretudo com a Morgan Trust. ro e até na Der Spiegel, sem falar uma Para tanto, decidiram recorrer à Caixa palavra de alemão, diversos lugares do Econômica Federal. E não era um pedimundo, mas só aqui no Brasil vejo jordo descabido, não havia qualquer coisa nalista chamar o patrão de colega. Isso suja por trás, as garantias eram válidas. me irrita, constrange e até diria que enTanto que, segundo Rischbieter, o emtristece. E o sindicato ainda dá carteiripréstimo poderia ser feito. Só que acabanha, se ele quiser. Isso é o cúmulo, mosva sendo um empréstimo político, portra o que é o Brasil, um país de oligarcas. que a Veja era censurada severamente.

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Era considerada pelo regime militar um adversário, um inimigo. A coisa caminhou até chegar no Presidente Ernesto Geisel. Ele tinha ódio de mim e acho que estava certo, porque no fundo penso que era um panaca, irascível, bestalhão monumental, como a maioria dos generais nativos e talvez dos generais do mundo afora. O General Geisel tinha ódio e proibiu o empréstimo para a Editora Abril. A não ser que as pessoas por ele odiadas saíssem de lá. O Armando Falcão foi o intermediário desta coisa. Rischbieter conta que tentou falar com o General Golbery e ele disse não poder entrar nessa questão e ainda que ia lavar as mãos. Foi aí que me antecipei. Saí da Veja porque não era somente diretor de Redação, mas também fazia parte do board da Editora Abril; era uma das seis pessoas que funcionavam na direção da empresa, no conselho diretor da empresa. Eu passei a dizer que valho mais do que Jesus Cristo, porque Cristo foi comprado por 30 dinheiros e eu por 50 milhões de dólares da época. Estamos falando de 1976. JORNAL DA ABI - ANTES DISSO, JÁ HAVIA ALGUMA INIMIZADE COM O PESSOAL DA EDITORA

ABRIL?

Nossa relação sempre foi, em primeiro lugar, profissional. Mas há outras histórias fantásticas, que demonstram o caráter e o temperamento desses senhores. Uma experiência pela qual passei foi com o Fernando Moreira Sales. Quinze dias antes de me comunicar que eu estava despedido, ele me convidou para que


pudéssemos construir juntos uma quadra de tênis. Eu e minha mulher passamos o domingo inteiro com ele e sua esposa, procurando um lugar próximo a São Paulo para essa empreitada. Ele já planejava o que iria fazer logo, mas disfarçou muito bem. Duas semanas depois, veio me dizer que eu precisava ir embora porque puxava a sardinha para o PT e estava me tornando muito importante. Foi aí que descobri que a Redação me considerava um ditador e que muitos se reuniam com ele para lhe puxar o saco e conspirarem contra mim. São coisas típicas do nosso Brasil. Em qualquer outro lugar, colega é mais importante que patrão; há jornalistas profissionais que não vêem a puxação de saco como única forma de crescer. Aqui, isso abunda. Sem falar no medo de perder o emprego, o tormento básico de todo infeliz que trabalha em jornal ou em televisão. Outra coisa que acentua esses problemas é o fato de o editor brasileiro ganhar mais que na Europa e nos Estados Unidos, enquanto os demais jornalistas, repórteres, ganharem bem menos. Queria ver a Miriam Leitão ou a Dora Krammer conseguirem emprego na Europa ou nos Estados Unidos. Talvez fossem encaminhadas à cozinha para ver se têm alguma aptidão culinária para, pelo menos, prepararem o café. JORNAL DA ABI - EM 2005, O SENHOR AFIRMOU QUE O MAIOR ELOGIO QUE RECEBEU NA VIDA VEIO JUSTAMENTE DE UM GENERAL.

JOÃO BATISTA FIGUEIREDO TERIA DITO QUE “O MINO CARTA É UM CHATO DE GALOCHA, MAS É O ÚNICO QUE NÃO TEM O RABO PRESO”. A IMPRENSA BRASILEIRA TEM O RABO PRESO ?

Esse episódio realmente ocorreu, mas da seguinte forma: Pouco antes de morrer, o General Figueiredo foi a um churrasco em 1988. Como já não estava mais no poder, tomou umas “tangebrinas” e decidiu deitar falação. Um amigo dele, com sua aquiescência, gravou. Ele colocou-me no mesmo pé de Roberto Marinho e Victor Civita, porque quando chegou à presidência eu ainda era sócio do Domingo. O que ele disse foi: “Essa gente vinha me procurar e só pediam favores. O Roberto Marinho e o Victor Civita só queriam dinheiro. Agora, outra coisa é o Mino Carta. O Geisel tinha ódio dele. Ele é um chato e é capaz de reescrever os Evangelhos, mas não tem o rabo preso, nunca teve o rabo preso”. Mas quem não tem o rabo preso? Veja, por exemplo, a história dos livros didáticos neste país. Todas as editoras estão metidas nessa operação. Fazem livros didáticos adequados à nossa inteligência, à nossa cultura, aos avanços extraordinários do nosso ensino? Todos fazem parte desse esquema. Produzem esses livros didáticos porque há uma mamata nisso. Digamos que nada seja superfaturado, mas mesmo assim a grana é preta e todos dependem dela. Um esquema aberto, do qual faz parte o Ministério da Educação. No fim, parece mesmo que, enquanto o sangue não correr pelas calçadas, nunca acontecerá nada. Só que as revoluções não estão na moda... Claro, há um toque de brincadeira no que eu falo. Mas acho

Direito. Mas não tinha nenhuma chance de advogar, de ter uma banca sólida. Banca, sabe como é: filho de advogado sempre leva vantagem. Então ele acabou indo trabalhar no jornal que meu avô tinha dirigido, mas na época não dirigia mais. Quando meu avô morreu em 1929, papai foi trabalhar em um outro jornal de Gênova, que existe até hoje e é o jornal mais antigo da cidade, o Il Secolo XIX. JORNAL DA ABI - OUTRA DE SUAS AFIRMAFoi tão bem que aos 28 anos já era redaÇÕES É QUE A DE QUE GRANDE IMPRENSA NÃO tor-chefe. Tanto que, quando a guerra SOFREU CENSURA DURANTE A DITADURA. ISSO acabou, foi chamado para ser o diretor de ACONTECEU MESMO? Redação do jornal. Jornal do Brasil, Folha, O Globo nunMeu pai tinha convicção de que teríca foram censurados. A Folha chegou a amos uma Terceira Guerra Mundial mais emprestar à Operação Bandeirantes as cedo ou mais tarde. Guerra sempre foi suas peruas. Perseguidas – e duramente uma experiência difícil para a família. So– foram toda a imprensa dita “nanica” e fremos muito e ele chegou a ser preso a revista Veja. O Estado vivia uma briga pelos fascistas. Para fugir dos bombarentre primos e irdeios, fugimos pamãos. Julio de Mesum cantinho do ORNALISMO É UMA COISA ra quita, o pai, foi ao Piemonte mas acaRio depois do golbamos cercados peMUITO CHATA EU PAI SÓ la guerrilha. Assim, pe, para propor ao Castelo Branco alquando papai receFALAVA DE JORNALISMO E beu a proposta do guns nomes ao Ministério. Castelo Conde Francisco MEU IRMÃO QUERIA SER Branco disse que tiMatarazzo para vir nha escolhido todo ao Brasil e reorganiJORNALISTA DESDE mundo e não estava zar as Folhas, aceia fim de ouvir outou na hora. O MaPEQUENO U NÃO tras sugestões. Por tarazzo supunha isso, juraram ódio ter a maioria das eterno ao Castelo Branco. A família ações das Folhas. Tinha de fato de 48 a Mesquita estava com Lacerda, cujo so49% e havia um pequeno grupo que esnho era receber o poder de mão beijada. tava com ele. E este grupo deveria ter de Lacerda foi cassado e eles foram censu3 a 4%. O grupo era capitaneado por um rados, tudo um joguinho em família: certo senhor, Nabantino Ramos. Mas vocês são censurados, mas podem, inclupara nossa decepção, quando chegamos, sive, mostrar que estão sendo, para a Matarazzo disse: “Eu me enganei. Fui glória no futuro. Para poder depois afirtraído por este pequeno grupo, passaram mar que são notáveis e lutaram bravapara o outro lado e o Nabantino Ramos mente. Com isso, o Estadão publicava virou o dono”. Era o começo dos anos 60. versos de Camões em lugar das partes JORNAL DA ABI - MESMO ASSIM, VOCÊS cortadas, e o Jornal da Tarde, que eu criei, DECIDIRAM CONTINUAR NO BRASIL? publicava receita de bolos. Mas vários Como já fazia parte do contrato, o dos censores escolhidos a dedo pela PoMatarazzo ofereceu uma indenização e lícia Civil eram amigos da família Mestambém passagens de volta. Meu pai quita. Por isso, insisto em que a grande aceitou a indenização, mas recusou as imprensa nunca foi censurada. passagens. Isso, porque o Matarazzo JORNAL DA ABI - MESMO EM TEMPOS DE havia fundado com outros senhores da INTERNET E BLOGS, JORNALISMO CONTINUA colônia italiana uma importante editoSENDO UM TRABALHO DE EQUIPE? ra chamada IPÊ (Instituto Progresso Sim, embora sempre haja alguns carEditorial). Além de publicar obras de regadores de piano, e outros que, embora importantes autores nacionais, ainda saibam carregá-lo, também sabem tocar. lançou no País escritores menos traduAí fica apenas meia dúzia de pessoas, zidos para o português, tanto americamas realmente é um trabalho de equipe. nos quanto italianos. Logo, meu pai se Mesmo quem escreve para a internet, se tornou diretor cultural e artístico dessa não trabalhar dessa forma, fará algo de editora. Mas o jornalismo corria nas péssima qualidade. veias. Meu pai começou a escrever uma página diária em italiano no Diário de JORNAL DA ABI - O SENHOR JÁ QUIS SER UM S.Paulo. Também conheceu Paulo DuarSANTO. COMO VEIO A SE TORNAR UM JORNALISTA? te, que trabalhava na editora e neste Primeiro eu queria ser santo, depois tempo também era redator-chefe de O queria ser pintor e escritor. Nunca jorEstado de S.Paulo. Os dois se tornaram nalista. Jornalismo é uma coisa muito grandes amigos. E assim meu pai foi para chata. Meu pai só falava de jornalismo o Estado como secretário. A sede do jore meu irmão queria ser jornalista desde nal era na Barão do Prado, perto do Merpequeno. Eu não. Mas acho que é uma cado Municipal naquela área perfumada herança de família. Meu avô – pai da de cânhamo e especiarias árabes. Era um minha mãe – era jornalista em Gênova, jornal bastante atrasado em termos técna Itália. Mas quando Mussolini se tornicos. Você pegava o jornal e a capa pana um ditador, em 1924, meu avô passa recia ser um amontoado de telegramas de a ser perseguido e perde a direção do agências estrangeiras colados ali. Meu pai jornal genovês. Já meu pai formou-se em disse: “Tudo bem, nós temos as agências que o País corre riscos imensos de se apagar, de se perder nessa aposta da globalização, na religião de dois mercados. Uma aposta errada, que não vai dar certo a longo prazo. O rabo preso continua. Os governos são muito dependentes do poder da mídia. Quem ousa nesse país atacar a Globo? Só se for em alguns momentos, como o faz agora o império da fé.

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e um dia, quem sabe, o jornal possa ter correspondentes fora do Brasil. Mas vamos tentar pegar esse material e reescrever tudo, fazer matérias”. Começou por ele mesmo: apanhava os fatos mais importantes do dia, assinalava estes fatos, reduzia tudo ao osso e tentava explicar o que estava acontecendo. Ainda arriscava uns palpites sobre os desenvolvimentos possíveis. Nem arquivo o jornal tinha naquele tempo. Foi a partir daí que organizou também o arquivo. JORNAL DA ABI - FOI NESSE TEMPO QUE SEU CLÁUDIO ABRAMO?

PAI TRABALHOU COM O

Papai escrevia em italiano e alguém precisava traduzir. Quem fazia isso era um jovem talentoso que seria também logo contratado como repórter: o Cláudio Abramo. Ele era filho de italiano, falava italiano. Meu pai ficou no Estado até morrer em 1964. Moço ainda, tinha 59 anos e morreu de câncer. Naquela época os recursos eram poucos e o combate à doença ainda era feito ainda à base de coisas estranhíssimas. Meu pai era um excelente jornalista, tinha experiência, tarimba, escrevia muito bem. Mas eu achava jornalismo uma coisa muito chata quando eu era menino. Não me passava pela cabeça ser jornalista. JORNAL DA ABI - ENTÃO, COMO VOCÊ ACABOU SE TORNANDO UM JORNALISTA? FOI ALGO A CONTRAGOSTO?

Eu diria que foi algo mais pragmático. Em 1950, meu pai recebeu de dois jornais italianos de Roma e de Gênova o pedido para que escrevesse alguns artigos sobre o Mundial de Futebol no Brasil. Ele aceitou. Mas meu pai odiava futebol, tinha um ojeriza fatal pelo futebol. Na decisão da Copa, entre Brasil e Uruguai, eu iria com ele ao Maracanã. Tinha meus 16 anos. Foi aí que ele me disse: “Não tenho condições de escrever sobre isso. Só vou ficar irritado. Você não quer escrever esse artigo?”. Eles iriam pagar bem e eu topei, pois calculei que com esse dinheiro que ganharia com a minha pena, poderia mandar confeccionar sob medida em um alfaiate de grande qualidade o terno azulmarinho que tanto desejava para participar dignamente dos bailes de sábado. A partir daí, percebi que a felicidade não era tão cara e poderia ser alcançada escrevendo. Por isso, fui trabalhar com Paulo Duarte em uma revista de cultura chamada Anhembi. Depois fui para a Agência Ansa, que se instalou em São Paulo em 1952. De repente, veio a proposta para trabalhar na Itália, onde permaneci por três anos e meio. JORNAL DA ABI - SEU PAI FEZ A REFORMA DO ESTADÃO COM O CLÁUDIO ABRAMO?

O Cláudio naquele tempo era muito moço. Em 1949, ele decidiu ficar fora do Brasil por um ano, foi para a Europa, viajou, visitou museus, satisfez as curiosidades culturais e intelectuais. Quando voltou, foi na seção do exterior, chefiada por meu pai. Até então, o Estadão só colocava notícias estrangeiras na primeira página O que importava era a política exterior. Só a morte do Getulio Vargas é que mudou essa coisa. No fim dos anos 50, o Cláudio completou a obra que meu Jornal da ABI 332 Agosto de 2008

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DEPOIMENTO MINO CAPITAL

pai tinha iniciado e avançou dentro dela muito. E com excelentes resultados. A reforma do Estadão nunca foi tão badalada como a reforma do Jornal do Brasil, mas é um erro, porque aconteceu bem antes, quase dez anos primeiro, só que se estendeu por um longo período. JORNAL DA ABI - O SENHOR ACREDITA QUE O JORNALISMO DAQUELE TEMPO ERA MELHOR?

Creio que era praticado por jornalistas que tinham convicção de que o negócio devia ser feito lá por cima. Nunca nivelar por baixo. Jornalistas que sabiam escrever, que usavam a língua com mestria. Outro dia, um blogueiro me mandou um post com uma crônica do Rubem Braga. Só para mostrar como escrevia bem. É verdade. Mas crônica não é evidentemente uma coisa definitiva em termos de jornalismo. É o retrato de um momento. Além disso, o Rubem Braga foi um excelente repórter. A cobertura que ele e Joel Silveira fizeram da expedição da Feb à Itália é fantástica. Eles estavam no mesmo nível dos jornalistas europeus e americanos. O trabalho que faziam era até muito superior ao dos estrangeiros, pois se tratava de um jornalismo elegante, com a preocupação efetiva de pensar no País, de fazer com que o leitor evoluísse, de iluminá-lo. Aí surgiram as tiragens, os ibopes, os tormentos variados, a crença de que nós estávamos imitando o jornalismo americano, ou pelo menos seguindo os passos, mas que a nossa era uma imitação medíocre. JORNAL DA ABI - COMO SE DEU O SURGIVEJA EM UM TEMPO DE GRANDES REVISTAS COMO O CRUZEIRO E REALIDADE? MENTO DE

O Cruzeiro chegou em uma época a 500 mil exemplares, que para a época era um espanto. Mas era uma coisa bastante provinciana. Manchete quis ser um avanço, mas imitava outras publicações, inclusive em seus erros. Todos tinham a Time como arquétipo, mas quem teria coragem de fazer uma semanal por aqui? Porém, a Abril já era uma potência com condições de arriscar muito. Desde que Victor Civita me convidou para voltar ao Brasil para dirigir uma revista sobre automóveis, ele já acalentava esse sonho. “Não sei dirigir, não sei nada de carro”, ele me disse, “mas se nossa experiência for positiva, você vai dirigir a revista semanal que a gente vai fazer e que vai se chamar Veja”. Ele pensava numa revista semanal, ilustrada. Mas tinha esse projeto antes de a Quatro Rodas se tornar um grande sucesso. A coisa estava bem encaminhada. Mas o Jânio renunciou em agosto de 1961. Estranhamente ele colocou o projeto em banho-maria. Veio o golpe de 1964 e eu saí da Abril para O Estado de S. Paulo. Já estava meio esgotado e a Abril começou a pensar em uma revista mensal, que acabou sendo a Realidade, em 1966. Fui trabalhar no Estado para fazer o Jornal da Tarde. Começamos fazendo uma espécie de ensaio com o Caderno de Esportes do Estadão. O Jornal da Tarde começou a ser efetivamente preparado em 1965 e foi lançado no dia 2 de janeiro de 1966. A Realidade, se não me engano, é de abril de 1966. Foi o mo20 Jornal da ABI 332 Agosto de 2008

mento dessas duas publicações novas. Que eram novas em muitos pontos de vista interessantes. Fico contente porque a Realidade estava sendo feita pela turma da Quatro Rodas. Já na Quatro Rodas tínhamos uma parte que era, teoricamente, Turismo, mas que trazia investigações históricosociológicas. Por isso, inclusive, ganhamos dois Prêmios Esso de equipe. Aquela turma era excelente, era outro jornalismo, sabiam escrever, achavam que jornalismo era uma forma de literatura importantíssima, tinha que ter qualidade literária. A Realidade era uma revista um pouco contra a corrente, que falava de muitos tabus como femininismo, virgindade, práticas sexuais, aborto, música popular, movimentos operários. Estes assuntos eram terríveis naquele tempo. Já o Jornal da Tarde realizou, sobretudo, uma revolução formal. Muito estética, textos também muito bem trabalhados, uma paginação corajosa, fotos rasgadas, coisas desse tipo. Mas do ponto de vista político era um jornal dos senhores Mesquita. Quer dizer, era tão conservador quanto o Estadão. Mas tecnicamente era um grande avanço. JORNAL DA ABI - MESMO ASSIM, A ABRIL RESOLVEU APOSTAR NUMA SEMANAL?

Era tempo, pois todo esse sucesso lhe dava condições. No decorrer de 1967, a Abril começou a pensar novamente em uma semanal. Mas agora uma semanal de inspiração americana, um newsmagzine e me chamaram. E acabou se chamando Veja, porque o Victor Civita cismou que tinha que ter esse nome. E não adiantou o meu argumento de que seria uma revista para ler e não visual.

É? Não lembro... Mas a Abril tinha recursos para fazer a revista. O erro foi não entender que a situação política era muito complicada, tinha problemas. E esta era uma revista com implicações políticas importantes, mas eu não disse nada, porque pra mim também era um desafio. Em termos de dinheiro, de salário, não me ofereciam muito mais do que eu ganhava. Algo como 5%, 8% a mais. Mas exigi autonomia total do ponto de vista de conteúdo. Equipe eles me davam. Para o conteúdo eles não poderiam ditar regras previamente. Eles seriam leitores da revista, poderiam fazer observações a posteriori. Não teriam acesso à pauta. E isso vigorou até o fim, até o desenlace mais ou menos dramático. JORNAL DA ABI - MAS VEJA NÃO FOI UM SUCESSO IMEDIATO...

A revista começou muito mal, três anos para chegar no ponto de vender. Aí ela engrenou, para depois sofrer uma censura impiedosa. Por outro lado, a revista ganhou público, que percebia o ataque ao poder. Então, virou uma revista de oposição e foi isso que levou o Governo a pedir a minha cabeça. Eu tinha uma grande honra. Eu comecei na Veja em janeiro de 1968, desde a preparação. Fiz viagens ao exterior por cerca de dois meses para Paris, Hamburgo e Nova York para ver outras revistas e pegar experiência. Quando voltei, a partir de 4 de março, começou a preparação da edição. Produzimos 13 números zero. A revista foi lançada no dia 8 de setembro de 1968. A quinta edição foi apreendida nas bancas. Cobria o congresso da Une. JORNAL DA ABI - O SENHOR NÃO TEMIA PELA SUA INTEGRIDADE FÍSICA AO ATACAR TÃO

JORNAL DA ABI - POIS É... ACHO QUE FOI POR ISSO QUE QUANDO A REVISTA FOI LANÇADA SE CHAMAVA

VEJA E LEIA, COM O “E LEIA”

ENTRANDO PEQUENO AO LADO DO PINGO DO

“J”.COM O TEMPO ESSE TERMO FOI RETIRADO DO LOGOTIPO DA REVISTA...

Em 1962, Mino Carta, quinto da esquerda para a direita entre os agachados, era um dos jogadores desse time de primeira do jornalismo brasileiro, que incluia José Hamilton Ribeiro, George Duque Estrada e Paulo Patarra.

FRONTALMENTE A REPRESSÃO MILITAR?

Eu tinha um certo cuidado. Havia um senhor muito importante em Brasília que, sem nunca ter mexido uma palha para me tirar de enrascada, duas vezes me ligou dizendo para que eu não dor-

misse em casa. Sou muito bem informado. À noite, caminhava pelo meio da rua. Mas nada que me salvaria se fosse o caso. Nunca fui torturado, mas acabei preso em duas circunstâncias muito peculiares. Uma vez porque a revista publicou cartas do Lamarca à amante dele. E estas cartas, na verdade, tinham sido entregues ao Otávio Ribeiro, chamado Pena Branca – um grande repórter policial que trabalhava para a Veja no Rio –, por um coronel do seminário. Disse que poderia publicar porque acreditava que as cartas mostrariam que o Lamarca era louco. Mas a julgar por essas cartas Lamarca era um idealista, um sonhador. Nós publicamos. A revista foi apreendida e eu fui preso. Passei um dia mais ou menos atribulado. À noite, já no quartel, fui levado à presença do Coronel Erar, que era um dos chefões da operação. Disse a ele que um colega dele nos ligou e nos deu as cartas. Pedi que ligasse e confirmasse. Ele pediu licença, dali a 15 minutos voltou e disse: “Desculpe, por favor”. Saí em seguida, 9 da noite. A segunda vez foi depois de a turma do Fleury matar o Joaquim Câmara Ferreira. No aparelho dele encontraram uma montanha de papéis que vinham da Redação de Veja e que eram todos trabalhos feitos para abastecer uma matéria sobre tortura. Naturalmente, a revista publicou e foi apreendida nas bancas. Tudo isso aconteceu depois da posse do Médici, no fim de 1969. Aí começou para nós a censura dura. A última revista apreendida foi esta, pois a partir daí instalaram os censores. Quando acharam aquela papelada, descobriram nomes de repórteres. À meia-noite, pegaram um dos nossos repórteres que tinha meu endereço. Acabaram pegando a mim. E eu tive o prazer de ser interrogado pelo Delegado Fleury, aquela figura “imponente”, por três dias a fio. Ele me ameaçava, mas não me tocou. Chegou a me deixar em companhia de torturados para intimidar. Só saía de lá escoltado.


Mino é também pintor, já realizou inúmeras mostras no Brasil e no exterior. Só não se dedica mais à pintura porque o jornalismo o desviou do caminho que correspondia ao seu desejo: as artes plásticas.

JORNAL DA ABI - VOCÊ SE DEFINE COMO UM HOMEM DE ESQUERDA?

Sou basicamente um anárquico. O Gabeira está dizendo que agora não tem esquerda e direita. No fundo, ele e outros nunca acreditaram na esquerda. Acho que a esquerda brasileira tem o Partidão, alguns homens do Partidão eram absolutamente sinceros, acreditavam naquilo, mesmo depois do surgimento do PCdoB, teve gente que morreu. Não duvido da fé de Marighela ou do Joaquim Câmara Ferreira. Mas a esquerda não é uma tradição brasileira. Não sinto esse caldo de cultura de esquerda. Na Itália, como em tantos países europeus, o proletariado foi o caldo de cultura ideal para que a esquerda se firmasse e se desenvolvesse. É evidente que o proletariado não quer ser proletariado. A força dele está no fato de que ele quer ser burguês. Mas por aqui não temos essa consciência toda. Por isso, precisamos pensar o que é ser de esquerda. Você não precisa ser marxista, por exemplo, mas ter um empenho a favor da igualdade. Liberdade é muito pouco. É o básico. Quem é a favor da igualdade é de esquerda, queira ou não. Nesse sentido, o Zapatero é de esquerda. O Walter Veltroni é de esquerda, Berlusconi é de direita. Obama, dentro do panorama americano, é mais de esquerda do que de direita. Já a Hilary é uma dondoca, conservadora. JORNAL DA ABI - E COMO FOI A EXPERIÊNREPÚBLICA, UMA PUBLICAÇÃO DE IMENSA IMPORTÂNCIA, ATÉ REVOLUCIONÁRIA PARA A IMPRENSA BRASILEIRA, MAS QUE ACABOU NÃO SE MANTENDO? CIA DE FAZER O JORNAL DA

Saí da Veja e fiz com o Alzugaray a IstoÉ. Mensal por dez meses e depois semanal. Novamente foi uma publicação de oposição. Domingo ria de orelha a orelha. Foi isso que me animou a vender ao Domingo a idéia de uma nova publicação. Ele deixou-se seduzir. Tanto eu quanto ele raciocinávamos mal. Do ponto de vista empresarial, caímos em uma esparrela. Não tínhamos reforços para fazer aquilo. Inicialmente Domingo aplicou à idéia do jornal os mesmos critérios que valeriam para a revista. Mas uma coisa é um sorvedor de dinheiro como o jornal, que é uma coisa que sai todo dia. E outra, uma revista, mesmo

ca me cobrou o fracasso do Jornal da que saia uma vez por semana. Então é República. Depois do lançamento do jorimpossível comparar uma operação com nal, ele veio a mim e disse para que feoutra. Eu tenho a impressão de que, se chássemos e mantivéssemos apenas a tivéssemos recursos muito acima daqueIstoÉ. Eu não quis e ele nunca me cobrou les fornecidos pelos lucros da IstoÉ, pelo essa resistência, o que pra mim é um bom menos para agüentar um par de anos, o sinal, é um lado positivo de uma relação Jornal da República estaria aí até hoje. que não existe mais, que gorou em agosMas não tínhamos publicidade, condito de 1993, mas que justifica essa memóções de agüentar aquilo, e aí gorou o proria de um gesto muito generoso dele. jeto. Não chegou a durar cinco meses. Depois de um mês, Domingo retirou-se JORNAL DA ABI - DEPOIS DA CRIAÇÃO DE da parada. Eu estava sozinho, me ajudaTANTAS PUBLICAÇÕES, POR QUE LANÇAR MAIS vam muito alguns, entre eles o RaimunREVISTA , A CARTACAPITAL? HAVIA ALGUUMA do Paulo, que era um pensador e não um MA LACUNA A SER PREENCHIDA? jornalista. Pensador fundamental para enEla não pretendeu suprir nenhuma latender o Brasil, aliás. Mas, como eu, nincuna. Apenas praticar o jornalismo. Ponguém tinha um tostão furado. Éramos seis to. Tal jornalismo se baseia em três condonos da operação, mas um bando de poceitos básicos. O primeiro é o respeito bretões. Houve um fenômeno estelar pela verdade factual. Eu estou tomando qualquer que, como nos filmes de Frank coca-cola, esse é um copo, isso é um Capra, aconteceu. Apareceu um anjo para óculos, isso é uma mesa, isso é um teleajudar o coitado ali embaixo. Veio o Ferfone, essa é a verdade factual. Se eu sou nando Moreira Sales, filho do Walter, e se simpático ou dispôs a tapar o não, se a cocaburaco do jornal, OR QUE UMA NOVA RECESSÃO cola é uma bebificando com a reda válida ou não vista. Nós venAMERICANA ORQUE SE é outro assunto; demos a revista, mas é coca-cola e ao preço do buraVALORIZOU A PRODUÇÃO DE eu sou o Mino. O co do jornal. Persegundo é o exerdemos o jornal e DINHEIRO EM LUGAR DA cício desabrido a revista. Eu acho do espírito critique se ele tivesse co, para o bem sido sábio talvez PRODUÇÃO DE BENS ou para o mal. não fosse tão fácil convencer o pai S BOLSAS SÃO MERCADOS DE Porque a crítica não é necessariadele disso, mas mente negativa. poderia segurar o AZAR SÃO CASSINOS O verbo criticar jornal. Porque tiassume freqüentemente essa conotanha recursos. Mas aí nos desentendemos. ção, esse significado, mas isso está erraNossa operação durou um ano e um mês. do. Criticar é postar-se diante da vida. JORNAL DA ABI - VOCÊ VOLTOU A TRABALHAR Você se expõe. Aí sim, no uso do espíriCOM O DOMINGO ALZUGARAY NOVAMENTE E to crítico você manifesta o seu pensaDEPOIS SE DESENTENDEU COM ELE OUTRA VEZ. mento. E não ter medo de manifestá-lo. O QUE HOUVE? Não ter receio de se expor. Finalmente, Voltei a trabalhar com ele já como o terceiro é a fiscalização do poder, onde empregado, não mais como sócio, a parquer que ele se manifeste. Seja político, tir de abril de 1982. Fui embora em agoseconômico ou qualquer outro. Mesmo to de 1993, porque ele estava desencana cultura. Veja por exemplo, a ditadupado, fazendo coisas que eu não podia ra da arte moderna. É uma coisa espanaprovar, coisas que prejudicavam brutaltosa, é a imbecilização do mundo. Estamente a revista do meu ponto de vista, mos tentando realmente imbecilizar a acabavam com a credibilidade. E acabou Humanidade. Quer dizer, você pega um como acabou. Essas coisas acabam dancocô de cachorro, coloca dentro dessa do errado. Devo reconhecer que ele nunsala, põe todo mundo e todos os móveis

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para fora. Chame isso de “a condição humana”: os críticos gritarão de alegria, vão delirar, vão dar nós nas gravatas. Essas são as bolhas que levam ao mundo a estar como está. Por que uma nova recessão americana? Porque se valorizou a produção de dinheiro em lugar da produção de bens. As bolsas são mercados de azar, são cassinos. Hoje, as corporações multinacionais têm mais dinheiro do que os Estados, do que nações inteiras. Têm mais peso no quadro dessa religião neoliberal do que os próprios Estados nacionais. JORNAL DA ABI - O SENHOR ACREDITA QUE O JORNALISTA BRASILEIRO FAZ UM ELOGIO A ESSA SITUAÇÃO?

O problema é que muitas vezes a turma que expõe esses conceitos acaba acreditando neles. É o caso de inúmeros jornalistas brasileiros. Digo: a larga maioria. Eles estão convencidos de que o patrão tem razão. Então Lula é um imbecil, um metalúrgico não pode ser presidente da República, Fidel Castro já vai tarde e por aí vai. Todo dia vemos isso, tem Miriam Leitão escrevendo impunemente uma montanha de bobagens. Você pode não ter grande simpatia por Fidel Castro. Eu, por exemplo, afirmo com sinceridade: Fidel Castro para mim é um grande líder de uma revolução popular autêntica, mas ao mesmo tempo me irrita que ele tenha passado 49 anos usando farda. Não gosto disso. Mussolini, Hitler, Stálin, Franco foram os inauguradores dessa tradição para inspirar medo. Mas, ao mesmo tempo, Castro me agrada sobremaneira porque ficou desafiando aqueles senhores nas barbas do império por 50 anos. Por que eu tenho uma certa simpatia por Chávez? Apenas por isso. A América Latina sempre foi quintal desse império, mas alguma coisa está mudando. E para que isso aconteça a influencia do Chávez, do Correia, do Morales é importante. JORNAL DA ABI - E QUAL É A IMPORTÂNCIA ABI, EM SUA OPINIÃO,

DE ENTIDADES COMO A

NESSE PROCESSO DE LUTA PELA LIBERDADE DE INFORMAÇÃO, POR MELHORES CONDIÇÕES SOCIAIS E IGUALDADE?

Teoricamente, total importância. A melhor recordação que tenho da ABI é do Prudente de Moraes, neto visitando a revista Veja. Eu acho que às vezes a ABI poderia se fazer mais presente. Até mesmo para dizer “senhores, um mínimo de vergonha na cara. Não escrevam certas coisas desta maneira. Não se disponham a agradar o patrão de forma tão servil”. JORNAL DA ABI - EM SEU BLOG, O JORNALISTA GENETON MORAES NETO DISSE QUE “NÃO EXISTE NA IMPRENSA BRASILEIRA TEXTO TÃO ELEGANTE QUANTO O DE

MINO CARTA”. O SE-

NHOR SE ACHA UMA ESPÉCIE EM EXTINÇÃO NO JORNALISMO?

(Risos) É mesmo? Não sabia... Com sinceridade, penso que há muitos que sabem escrever tão bem e mesmo melhor do que eu, como o próprio Geneton. O que importa é que todos que têm consciência e talento saibam que fazem parte de uma cruzada para melhorar o País. Esse é o dever de todo aquele que se diz jornalista. Jornal da ABI 332 Agosto de 2008

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Liberdade de imprensa ALEXANDRE BRUM/O DIA

CARLO WREDE/O DIA

Odinei Fernando da Silva, o Zero Um, e Davi Liberato de Araújo, o Zero 2, chefes da milícia do Batã: são os primeiros que terão de prestar contas à Justiça.

ACEITA A DENÚNCIA CONTRA OS CHEFES DA MILÍCIA DO BATÃ Bandidos responderão por três crimes e poderão ser condenados a 20 anos de reclusão, no mínimo.

24 Jornal da ABI 332 Agosto de 2008

ainda não identificadas, para a prática de crimes de revenda ilegal de gás, distribuição de sinal clandestino de tv a cabo e organização de segurança armada, formando uma milícia que atuava na comunidade do Batã, tendo Odinei como chefe e Davi no segundo posto de comando da quadrilha. Informa o Promotor que em 14 de maio deste ano, por volta das 21h, dentro da Favela do Batã, os denunciados e seus comparsas descobriram que uma equipe de reportagem do jornal O Dia, com três integrantes, estava morando na localidade para apurar o envolvimento de policiais na milícia. Levadas a uma casa em Gericinó, as vítimas foram torturadas por mais de sete horas com socos, chutes, pontapés, asfixia com saco plástico, empalação e ameaça de roleta-russa com revólver. Disse o Promotor que o objetivo era obter informações quanto ao material jornalístico, incluindo fotos, que foram colhidas no local. Após a tortura, os denunciados roubaram das vítimas celulares, MP3, televisores, celulares e documentos. Noticiou O Dia que o Juiz Alexandre Abrahão, num despacho de três páginas, chamou os acusados de vi-

REPRODUÇÃO

O Juiz da 1ª Vara Criminal de Bangu, Alexandre Abrahão, aceitou denúncia do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro contra o inspetor da Polícia Civil Odinei Fernando da Silva, conhecido como “Dinei” ou “Zero Um”, e Davi Liberato de Araújo, o “Zero Dois”, acusados de praticar crimes de tortura contra uma equipe de jornalistas do Dia e um morador da Favela do Batã, em Realengo, Zona Oeste do Rio. A denúncia foi baseada no relatório da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas e Inquéritos Especiais-Draco-IE. Os acusados vão responder pelos crimes de formação de quadrilha armada, tortura e roubo. Se condenados, a pena mínima pode chegar a 20 anos de reclusão — a máxima é de 36. Em seu despacho decretando a prisão preventiva dos acusados, o Juiz Abrahão destacou que é necessário “reprimir com rigor esta anarquia que está tornando, em especial, a Zona Oeste do Município do Rio de Janeiro ícone da violência no País”. Na denúncia, o Promotor Horácio Afonso de Figueiredo da Fonseca, da 2ª Promotoria de Justiça, que atua junto à 1ª Vara Criminal de Bangu, relatou que os denunciados associaram-se com pessoas,

A corajosa denúncia de O Dia permitiu a identificação e prisão dos bandidos.

olentos e considerou ousada a ação dos milicianos. Estes são alguns trechos do despacho do magistrado: “(...) Há ainda que se levar em consideração a penetração destas facções em todas as ramificações do poder público carioca, em especial as Forças Militares, Policiais e até

mesmo no seio do Poder Legislativo, haja vista as recentes operações que culminaram com a prisão de deputados, vereadores e inúmeros assessores destes. (...) Não há dúvida que esses grupos paramilitares muito se aproximam das células terroristas do Oriente Médio e das facções guerrilheiras que atormentam inúmeros países das Américas. (...) Tenho como certo que a presente decisão trará um pouco de bem-estar e de garantia de restabelecimento da lei à população local, permitindo inclusive novas denúncias e esclarecimentos de crimes cometidos por estes milicianos. (...) Formadas por pessoas com treinamento policial ou militar, munidas de armamento de guerra, granadas e outros apetrechos altamente nocivos, vivem as milícias de inúmeras variantes criminosas, para sustentar o enriquecimento vertiginoso dos seus agentes. (...) São esses fatos públicos e notórios que tornaram a garantia da ordem pública, o bem-estar social e a liberdade pessoal e ou de imprensa totalmente vulneráveis. Digo isso porque se tornou pública e notória nos últimos dias a preocupação das autoridades públicas. (...)”


Morto em Itaguaí dono de jornal que fazia denúncias Oito tiros, perto de casa, silenciaram líder comunitário considerado polêmico. A ABI decidiu enviar documento ao Governador do Rio, Sérgio Cabral, pedindo empenho da Polícia na investigação do assassinato de Jorge Martins, Presidente da Federação Regional das Associações de Moradores de ItaguaíFrami e dono do jornal Sem Mentira, executado com oito tiros, perto de sua casa, na Rua Elza Rosa Martins, às 18h30min do dia 19 de agosto, no Bairro Amendoeiras, em Itaguaí, RJ. A investigação policial apurou que Jorge Martins — conhecido como Jorginho da Frami — foi morto por quatro homens encapuzados, que estari-

am em um carro, no qual fugiram em direção à Rodovia Rio—Santos. A família da vítima não quis se pronunciar sobre o crime. Jorginho chegou a ser encaminhado ao Hospital Municipal São Francisco Xavier, no Centro de Itaguaí, mas não resistiu aos ferimentos. O crime está sendo investigado pela 50ª DP, de Itaguaí. O Delegado Nilton Coelho da Gama revelou que a única hipótese inicialmente descartada é a de que Jorge Martins tenha sido vítima de um assalto, pois nenhum de seus pertences foi levado. De acordo com reportagem sobre o crime publicada no Jornal Atual, também de Itaguaí, Jorginho da Frami tinha fama de polêmico. Seu jornal fazia críticas a políticos e grupos da sociedade quando destoavam dos princípios que

ele entendia como democráticos — Jorginho usava o Sem Mentira “para mostrar à população o seu ponto de vista sobre questões políticas, tanto do Executivo quanto do Legislativo”, “mas nas últimas edições seu jornal tinha diminuído os ataques”, diz o texto. Ainda segundo o Jornal Atual, Jorginho da Frami não tinha ligações com nenhum político da região ou qualquer partido, mas era comum vê-lo participando de eventos como audiências públicas e o Café Comunitário, que reúne membros da Polícia Militar, da Polícia Civil e da Polícia Rodoviária Federal, em Itaguaí. No Registro de Ocorrência da 50ª foi anotado que ele vinha sendo ameaçado devido às denúncias que fazia em seu jornal, considerado panfletário.

O Sem Mentira, que circula há mais de um ano nas comunidades de Itaguaí, Mangaratiba e Seropédica, estava em sua 15ª edição — na qual a primeira página foi dedicada a temas sociais. Representantes da Frami decidiriam o futuro do jornal. Jorge Martins não era jornalista; criou o Sem Mentira para tornar mais efiucaz sua militância política e comunitária. Dados do Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros, divulgado pelo Ministério da Saúde, mostram que 49 cidades do Estado do Rio figuram na lista das 556 com maior índice de homicídios. Itaguaí lidera o ranking fluminense e é a quarta do País em número de assassinatos, principalmente de jovens de 15 a 24 anos.

A ABI PROTESTA CONTRA APREENSÃO DE REVISTA

Ayres Britto admite a ABI no processo da Lei de Imprensa

Decisão de juiz eleitoral do Estado do Rio, diz a ABI, representa grave retrocesso em relação à liberdade de imprensa.

Sua intervenção se dará na qualidade de amicus curiae (“amigo da Corte”), como interessada no desfecho da causa, cujo julgamento será retomado.

Através de mandado de notificação expedido em 28 de julho passado, o Juiz Luiz Márcio Victor Alves Pereira determinou que a editora de Roteiro do Poder informasse quantos exemplares da publicação ainda não tinham sido comercializados e os recolhesse no prazo de cinco dias ao depósito do Tribunal Regional Eleitoral, situado no bairro do Caju. Assim, além de apreender a publicação, o Juiz impôs à sua editora os ônus de levantar em prazo exíguo o nível de comercialização da revista, que tem circulação nacional, e de entregar os exemplares que recolher em dependência do TRE, que é poupado de qualquer trabalho ou esforço para cumprimento da ordem de apreensão do veículo. Sem adentrar, por ora, a essência da decisão do Juiz Luiz Márcio, que nos parece conflitar com o entendimento adotado recentemente pelo Tribunal Superior Eleitoral acerca da prevalência da liberdade de imprensa assegurada pela Constituição sobre a legislação eleitoral, a ABI considera que essa decisão do Juiz Coordenador da Propaganda Eleitoral no Estado do Rio de Janeiro constitui grave retrocesso em relação ao exercício das liberdades públicas, num campo — o da liberdade de imprensa — em que a Constituição não admite a imposição de qualquer empecilho pela lei e muito menos por decisões e despachos de juízes monocráticos desafeiçoados ao Estado Democrático de Direito. Rio de Janeiro, 8 de agosto de 2008. (a) Maurício Azêdo, Presidente.”

A ABI foi aceita pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Ayres Britto como amicus curiae (“amigo da Corte”, ou instrumento de aperfeiçoamento) nos autos do processo de questionamento da Lei de Imprensa — Lei nº 5.250, de 1967 —, do qual ele é relator. O Ministro não só deferiu o pedido da ABI como assegurou o seu direito de incorporar memorial aos autos, cujo julgamento será retomado proximamente pelo Supremo Tribunal Federal. Em seu despacho, Ayres Britto diz que considera relevante a solicitação: “Trata-se de petição pela qual a Associação Brasileira de Imprensa requer seu ingresso no feito, na condição de amicus curiae. (...) Ante o exposto, considerando a relevância da matéria e a representatividade da ABI, defiro a sua inclusão no processo. (...)” No dia 13 de agosto o Ministro recebeu em seu gabinete o professor da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro Thiago Bottino do Amaral, ao qual expôs pormenores da tramitação do processo, que já foi submetido a um julgamento pelo Plenário do STF em 27 de fevereiro, ocasião em que foi decretada a suspensão, por 180 dias, de 22 disposições da Lei de Imprensa. De acordo com Thiago Bottino, durante o encontro — ocorrido no intervalo de uma sessão plenária, na presença de um assessor — Ayres Britto foi enfático ao afirmar que pretende levar o processo a julgamento tão logo fique desobrigado dos encargos que

NELSON JR-ASICS-TSE

A ABI expressou no dia 8 de agosto, seu protesto contra a decisão do Juiz Coordenador da Propaganda Eleitoral no Estado do Rio, Luiz Márcio Victor Alves Pereira, que mandou a editora da revista Roteiro do Poder entregar num depósito do Tribunal Regional Eleitoral os exemplares ainda não comercializados da edição 2008 da publicação, sob o fundamento de que ela favoreceu, em uma de suas matérias, a candidatura a prefeito do Senador Marcelo Crivella. Na declaração que emitiu a respeito, a ABI afirma que a decisão “constitui grave retrocesso em relação ao exercício das liberdades públicas num campo – o da liberdade de imprensa – em que a Constituição não admite a imposição de qualquer empecilho pela lei e muito menos por decisões e despachos de juízes monocráticos desafeiçoados ao Estado Democrático de Direito”. Diz a declaração da ABI: “A Associação Brasileira de Imprensa lamenta registrar a decisão do Juiz Coordenador da Propaganda Eleitoral no Estado do Rio de Janeiro, Luiz Márcio Victor Alves Pereira, que determinou a apreensão indireta da revista Roteiro do Poder, sob o fundamento de que a publicação efetuou propaganda eleitoral do candidato Senador Marcelo Crivella, ao inserir em sua edição de 2008 texto cuja veiculação seria vedada pela legislação de propaganda eleitoral e excederia o limite de ¼ de página admitido pela Lei nº 9.504/97 e a Resolução nº 22.718 do Tribunal Superior Eleitoral.

"Considerando a relevância da matéria e a representatividade da ABI, defiro sua inclusão no processo", disse Ayres Britto.

assoberbam o Tribunal Superior Eleitoral, de que é Presidente, em razão das eleições municipais. O questionamento da constitucionalidade da Lei de Imprensa foi formulado pelo Partido Democrático Trabalhista-PDT por iniciativa de seu Líder na Câmara Federal, Deputado Miro Teixeira (RJ), que é jornalista e membro do Conselho Consultivo da ABI. Nos termos de instrumento firmado entre a ABI e a Escola de Direito da FGV, Bottino está incumbido de coordenar com seus alunos na disciplina Prática Jurídica, de que é professor, os estudos acerca da Lei de Imprensa e a elaboração do memorial a ser apresentado ao Supremo pela ABI. Jornal da ABI 332 Agosto de 2008

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ESPECIAL OLIMPÍADAS RICARDO STUCKERT/PR

Com o deslumbrante espetáculo de abertura dos Jogos Olímpicos Pequim 2008, o Governo da China pôs em segundo plano as críticas às limitações ao trabalho dos jornalistas.

21 BARREIRAS EM PEQUIM 2008 NA COMPETIÇÃO DAS INFORMAÇÕES O confronto entre as normas da China e a busca e divulgação de notícias acerca da maior disputa esportiva do século. Quatro dias após a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim 2008, realizada em 8 de agosto, o jornal independente South China Morning Post denunciou a existência de uma lista emitida pelo Departamento de Propaganda do Partido Comunista da China contendo 21 proibições impostas à imprensa local na cobertura dos Jogos. Olímpicos. Entre elas, o veto a reportagens sobre o bloqueio de páginas da internet com conteúdo crítico ao Governo do país e assuntos “polêmicos” como Tibete, Taiwan, direitos humanos e democracia. O jornal revelou ainda que a imprensa chinesa foi proibida de informar o assassinato de um turista norte-americano, sogro do treinador da seleção masculina de vôlei dos Estados Unidos, Hurg McCutcheon, por um chinês, no dia 9 de agosto. Os repórteres que entrevistaram atletas da equipe tiveram seus blocos de anotações confiscados pelas autoridades. Para evitar que as determinações fossem descumpridas, os 26 Jornal da ABI 332 Agosto de 2008

Departamentos Provinciais de Propaganda passaram a realizar reuniões diárias com a imprensa de cada região. Sun Weide, porta-voz do Comitê Organizador dos Jogos, afirmou que “os direitos dos jornalistas estão protegidos pela Constituição chinesa” e disse desconhecer qualquer problema. Entretanto, o Comitê não liberou o visto do tibetano Dhondup Gonsar, jornalista da Rádio Free Asia-RFA que tem cidadania norte-americana, mas não consegue entrar na China. Na semana anterior, a RFA anunciara que, apesar de ter obtido o credenciamento do jornalista pelo Comitê Olímpico Internacional, ainda não tinha recebido autorização para a viagem de Gonsar, e pediu ao Comitê Olímpico Internacional para pressionar a China e cobrar o compromisso de realizar os Jogos Olímpicos em um clima de abertura. Em outro episódio, o Vice-Presidente do Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos 2008, Wang Wei, declarou

que o tanque militar estacionado no dia 11 no acesso ao Centro de Imprensa, em Pequim, serviria para “preservar e garantir a segurança nos Jogos” e “não constituía uma ameaça”. Wang Wei disse ainda que a decisão de mobilizar

o carro de combate partiu das autoridades chinesas, dentro do programa de segurança dos Jogos. Medidas similares, disse, foram tomadas em Jogos Olímpicos anteriores, mas ele não citou exemplos.

OS JOGOS, EM NÚMEROS • 137 MIL QUILÔMETROS PERCORRIDOS PELA TOCHA OLÍMPICA • TRÊS VILAS OLÍMPICAS (PEQUIM, HONG KONG E QINGDAO) • 11.128 ATLETAS • 38 MODALIDADES ESPORTIVAS • 37 LOCAIS DE COMPETIÇÃO (31 EM PEQUIM) • 639 ATLETAS DA CHINA, A MAIOR DELEGAÇÃO DA HISTÓRIA DOS JOGOS • 2.924 ÁRBITROS • 74.615 VOLUNTÁRIOS OLÍMPICOS (935 ESTRANGEIROS) • 3.223 PROFISSIONAIS DA ÁREA MÉDICA • 110 MIL MILITARES TREINADOS PARA GARANTIR A SEGURANÇA • 3 MIL MEDALHAS • US$ 2,2 BILHÕES ARRECADADOS COM A VENDA DE INGRESSOS • US$ 2 BILHÕES GASTOS NA ORGANIZAÇÃO


Paramilitares agrediram dois jornalistas japoneses

POR CLÁUDIA SOUZA

Para os meios de comunicação do mundo inteiro, os Jogos Olímpicos foram iniciados oficialmentre no dia 8 de agosto, quando se encerrou o credenciamento dos jornalistas. Dos 21.600 profissionais credenciados pelas autoridades chinesas, 5.600 atuam na mídia impressa e na internet; 12 mil, em emissoras de rádio e televisão detentoras dos direitos de retransmissão; e 4 mil na tv responsável pela geração das imagens oficiais. Do Brasil, 45 veículos participam da cobertura: 35 impressos, cinco tvs, quatro rádios e o portal Terra, que detém exclusividade dos canais simultâneos de exibição. Os órgãos de imprensa que não conseguiram credenciamento poderiam recorrer a uma agência de comunicação, a Textual, especialmente contratada pelo Comitê Olímpico Brasileiro para atuar como agência de notícias e assessoria de imprensa, intermediando pedidos de entrevistas com atletas e dirigentes (mídia brasileira e internacional), cobrindo todas as atividades em que os brasileiros estiverem competindo e atualizando o noticiário. O trabalho envolve 16 profissionais, entre redatores, fotógrafos e assessores que estavam em Pequim desde 25 de julho, cobrindo a chegada dos atletas. Um grupo de apoio atua no escritório do Rio de Janeiro. O materi-

al seria disponibilizado no site www.cob.org.br, permitindo que veículos sem equipes na China acompanhassem o evento. Para abrigar os milhares de jornalistas credenciados para os Jogos, foi construído o Main Press Centre-MPC, um centro de imprensa com 62 mil metros quadrados de área útil, construído em frente à Vila Olímpica e a poucos metros do Estádio Nacional — o famoso Ninho de Pássaro — e do complexo aquático Cubo D’Água, que fazem parte do novo bairro batizado Olympic Green. A administração do local é feita pelos departamentos de Comunicação do Comitê e do Governo do Município de Pequim. Grande parte dos veículos teria um escritório próprio montado no MPC, que vai funcionar 24 horas. A principal sala de imprensa possui mais de 900 lugares, com serviço de tradução simultânea em chinês, inglês, francês, espanhol, alemão, japonês, coreano e russo. O edifício oferece bares e restaurantes com gastronomia internacional, supermercado, academia de ginástica, sala de massagem e cabeleireiro: — A 29ª edição dos Jogos Olímpicos não pode ter êxito sem a ampla participação dos meios de comunicação. Proporcionar à imprensa serviços de alto nível é uma parte importante de nosso trabalho — disse Jiang Xiaoyu, Vice-Presidente do Comitê Organizador dos Jogos.

O maior reality show O historiador norte-americano Alfred Senn, professor emérito da Universidade de Wisconsin e autor do livro Poder, Política e os Jogos Olímpicos, afirmou que as Olimpíadas “são o maior reality show da tv do mundo”, “uma chance de cobrar avanços e dar visibilidade global aos problemas”. Em consonância com os avanços, o Comitê Olímpico Internacional firmou acordo com o site YouTube, do Google, para disponibilizar na internet clipes e vídeos com os destaques da competição em Pequim. Os arquivos estão no canal www.youtube.com/beijing2008, alcançando 77 países e territórios da África, Ásia e Oriente Médio e nações populosas, como a Índia, a Coréia do Sul, a Nigéria e a Indonésia, onde os direitos digitais não foram vendidos ou cedidos de forma não-exclusiva: — Pela primeira vez na história olímpica, teremos uma cobertura global online completa. O Comitê Olímpico Internacional oferecerá três horas diárias de imagens, com uma compilação das principais disputas do dia e com destaques do decorrer dos Jogos. Não haverá publicidade nem uso de logotipos comerciais. A prioridade é garantir que o máximo de pessoas experimentem a magia das Olimpíadas — disse em nota Timo Lumme, Diretor de Televisão e Marketing do Comitê. CAIO GUATELLI/FOLHA IMAGEM

A agência espanhola de notícias Efe informou que o porta-voz do Governo do Japão, Nobutaka Machimura, anunciou no dia 5 de agosto que o país protestará com veemência junto à China, caso fosse confirmada oficialmente a agressão a dois jornalistas japoneses por paramilitares chineses. O fotógrafo Masami Kawakita, do Chunichi Shimbun, e o repórter Shinji Katsuta, da Nippon Television Network, foram detidos nesse dia em Kashgar, no Oeste da China, por forças paramilitares e levados para um quarto de hotel, onde foram espancados e tiveram os equipamentos de trabalho destruídos. Os jornalistas, que foram libertados após duas horas de tortura, estavam em Kashgar fazendo reportagem sobre o suposto ataque terrorista ocorrido no local na véspera, em que morreram 16 policiais. Em entrevista ao Clube de Correspondentes Estrangeiros da China, o fotógrafo Masami Kawakita, que ainda sentia dores no braço e nas costelas, afirmou que em 15 anos de jornalismo nunca viveu uma situação como esta. A organização não-governamental Repórteres Sem Fronteiras repudiou a ação da polícia chinesa e afirmou em comunicado que o Comitê Olímpico Internacional seria responsabilizado caso novos incidentes ocorressem. Fontes que acompanharam o caso informaram que as autoridades chinesas sabiam dos fatos e prometeram pedir desculpas pelo incidente, que ocorre em incomum momento de boas relações entre o Japão e a China. O porta-voz da organização das Olimpíadas, Sun Weide, não comentou o ataque, mas confirmou que a segurança foi reforçada na região onde ocorreu o atentado e em Pequim: — Nós nos preparamos para todas as possíveis ameaças. Acreditamos que, com o apoio do Governo e a ajuda da comunidade internacional, teremos capacidade de sediar uma Olimpíada segura. O Departamento de Segurança Pública chinês disse ter informações de que o Movimento Ocidental TurcoIslâmico planejara ataques terroristas durante a semana que antecede aos Jogos Olímpicos. Nos últimos meses, as autoridades chinesas indicaram que havia ameaças terroristas contra as Olimpíadas de Pequim e apresentaram Xinjiang como um dos focos potenciais. O Movimento Ocidental Turco-islâmico estava entre as maiores preocupações do Governo da China durante o evento.

A maratona da notícia, fora das pistas

Um dos raros momentos de alegria para os brasileiros: a extraordinária conquista do ouro por Maurren Maggi no salto em distância.

Jornal da ABI 332 Agosto de 2008

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ESPECIAL OLIMPÍADAS CAIO GUATELLI/FOLHA IMAGEM

Nos rostos de Paula Pequena e suas companheiras a euforia da conquista do ouro no vôlei feminino com uma campanha irretocável.

Medalha de prata O Governo da República Popular da China cumpriu sua parte no acordo para sediar os Jogos Olímpicos em Pequim e promoveu o aumento de liberdade para a imprensa no país? Em partes, sim. Mas tal qual na disputa pelo ouro, permanece o sentimento de que ainda falta muita coisa para a China alcançar o lugar mais alto do pódio. POR MARCOS STEFANO

A poucos metros do Estádio Nacional, que acabou mais conhecido como Ninho de Pássaro devido a sua arrojada arquitetura, do complexo aquático Cubo D’Água e bem em frente à Vila Olímpica, o Main Press Centre – MPC era mais uma obra a chamar a atenção na paisagem do novíssimo Olympic Green, um bairro inteiro construído em Pequim para os Jogos Olímpicos que aconteceram na cidade em agosto. Com 62 mil metros quadrados de área útil, o MPC trazia todas as modernidades e confortos que um centro de imprensa precisa para oferecer as melhores condições de trabalho aos jornalistas. Havia escritórios próprios para boa parte dos veículos de comunicação, uma sala principal com mais de 900 lugares e serviço de tradução simultânea em chinês, inglês, francês, espanhol, alemão, japonês, coreano e russo, além de bares e restaurantes oferecendo o melhor da gastronomia internacional, supermercado, academia de ginástica, sala de massagem e cabeleireiro. Como discursou com pompa o VicePresidente do Comitê Organizador da 29ª edição dos Jogos Olímpicos, Jiang Xiaoyu, o esporte não pode ter êxito sem a ampla participação dos meios de co28 Jornal da ABI 332 Agosto de 2008

municação e para isso os 21.600 jornalistas estrangeiros credenciados deveriam ter as melhores condições para realizar seu trabalho. Suas palavras, no entanto, contrastavam com uma presença insólita na entrada do centro de imprensa: um tanque militar. A justificativa de que o tanque era necessário para garantir a segurança não foi suficiente para tirar a sensação de ameaça. Como nos Jogos de 1936, em Berlim, quando a vitória do negro norte-americano Jesse Owens sobre o ariano Lutz Long obrigou Hitler a se retirar do estádio antes da premiação e frustrou o espetáculo montado para glorificar o regime nazista, também em Pequim, mais de 70 anos depois, as disputas extrapolaram as pistas. Para realizar as Olimpíadas mais caras da História, o Governo chinês investiu não somente 40 bilhões de dólares, mas também se comprometeu com o Comitê Olímpico Internacional-COI a melhorar os direitos humanos no país e dar liberdade à imprensa na cobertura do evento. Mas o que se viu na prática foi uma constante quebra de braço entre jornalistas e uma das censuras mais duras do mundo. Em janeiro do ano passado, entrou em vigor no país a chamada “liberdade de imprensa olímpica”. Antes dela, os

jornalistas estrangeiros eram obrigados a informar ao Ministério dos Negócios Externos se quisessem entrevistar alguém ou mesmo apurar informações fora da cidade onde funcionasse sua base de trabalho, normalmente apenas Pequim ou Xangai. Por causa da demora na concessão dessa licença e da burocracia, muitos jornalistas viajavam para outras províncias sem pedir a autorização e acabavam detidos ou tinham seu material apreendido pelas autoridades locais. A flexibilização das regras melhorou a situação dos correspondentes estrangeiros. Isso ficou claro na cobertura do terremoto que devastou a província de Sichuan em maio deste ano. Também antes de as novas regras entrarem em vigor, era quase impossível entrevistar Boa Tong, um dos principais críticos do Governo e o mais velho dos oficiais presos por causa dos protestos na Praça da Paz Celestial. Desde então, ele tem atendido a diversos pedidos. Houve problemas de acesso ao Tibete e outros locais, bloqueados no início das competições, mas as mais diversas reportagens, dos parques eólicos aos dissidentes, foram facilitadas. – Ainda assim, registramos 270 detenções e interferências contra o trabalho destes jornalistas entre janeiro e se-

tembro deste ano, 50 deles durante as disputas dos Jogos Olímpicos. Entre os casos estão violência física, destruição de informações apuradas e material fotográfico, prisões, proibição de acesso a locais públicos e interrogatórios. – conta o Presidente do Clube dos Correspondentes Estrangeiros na China (FCCC, sigla em inglês), Jonathan Watts. Uma das principais reclamações durante os Jogos foi sobre o acesso à internet. Chegou-se a ser noticiado pelas autoridades que o acesso seria livre, mas o que se viu foram muitas reclamações durante todo o evento. O Departamento de Comunicação do Partido Comunista chegou a emitir uma lista contendo 21 proibições à imprensa local. Entre elas, o veto a reportagens com conteúdo crítico à política do país e assuntos “polêmicos” como Tibete, Taiwan, direitos humanos e democracia. Apesar de a proibição não se estender aos estrangeiros, poucos dias antes do início do evento jornalistas que já estavam em Pequim reclamaram por não poderem acessar a página da Anistia Internacional, que divulgara um relatório sobre direitos humanos na China. Outros sites sobre o Tibete, a seita religiosa Falun Gong e até a britância BBC também estavam bloqueados. Indignados, representantes da Federação Internacional dos Jornalistas – IFJ chegaram a pedir às autoridades que parassem de “farejar” e fotografar o trabalho dos jornalistas estrangeiros em Pequim. O irlandês Aidan White, Secretário-Geral da IFJ, disse que enquanto os profissionais cobriam as atividades esportivas e seus desdobramentos agentes à paisana ficavam por perto tirando fotos e filmando tudo: – Trata-se de mais uma forma de intimidação. Foi assim com um grupo de jornalistas que entrevistava alguns moradores que tiveram suas propriedades desapropriadas pelas obras olímpicas e que protestavam na Praça da Paz Celestial e com outras dezenas de profissionais que foram à Torre do Tambor para obter informação sobre um homem que matou um turista norte-americano e depois se suicidou. Páginas coladas e barbas de molho A suavização nas rígidas regras de censura foi um avanço, mas como diz o ditado, “para inglês ver”. E literalmente, já que apenas os estrangeiros puderam desfrutar do privilégio. Os veículos locais continuaram submetidos às restrições do Comitê Central. O jornal independente South China Morning Post chegou a denunciar que foi proibido de divulgar certas notícias e vários de seus profissionais tiveram suas anotações confiscadas depois de entrevistar atletas estrangeiros. Mais espantoso era folhear as revistas estrangeiras que chegavam às pouquíssimas bancas e aos raros assinantes e descobrir que vinham com páginas coladas. Muitos censores não sabem inglês ou qualquer outra língua estrangeira, mas basta descobrir que o


LEGISLAÇÃO

Estatuto da profissão, instituído pela ditadura, é colocado em discussão Ministério do Trabalho constitui grupo para estudar a revisão da regulamentação profissional.

ARQUIV

O ABI

Um Grupo de Estudos formado pelo Ministério do Trabalho e Emprego começou a discutir em 26 de agosto, em Brasília, a revisão da legislação e regulamentação da profissão de jornalista, a qual é regulada por normas instituídas durante a ditadura militar. Integra o Grupo de Estudos um representante da ABI, Pery de Araújo Cotta, membro efetivo do Conselho Deliberativo da Casa. Em seu primeiro encontro, o Grupo de Estudos, definiu os Estados — das cinco regiões do País — e as datas em que acontecerão as audiências públicas para discutir a questão. O Grupo de Estudos atuará como interlocutor entre as partes interessadas, para que haja consenso sobre a regulamentação, a partir de um amplo debate entre os representantes do setor e da sociedade civil. De acordo com o calendário, a primeira audiência foi programada para o dia 8 de setembro, na capital paulista. Outras audiências públicas foram programadas para setembro: dia 15, em Recife, PE; 22, em Belém, PA; e 29, em Porto Alegre, RS. Em outubro, as audiências serão realizadas em Brasília e no Rio de Janeiro, nos dias 6 e 13, respectivamente. As audiências serão sempre às segundas-feiras, pela manhã, com a participação de professores de Comunicação Social, parlamentares e profissionais da imprensa atuantes em cada região. Já o Grupo de Estudos se reunirá à tarde, para discutir as propostas apresentadas. Participaram da reunião inaugural, pelo Ministério do Trabalho e Emprego, o Secretário de Relações de Trabalho, Luiz Antonio de Medeiros; o Diretor do Departamento de Emprego e Salário da Secretaria de Políticas Públicas de Emprego, Rodolfo Torelly; e o Chefe da Assessoria de Comunicação Social do órgão, Max Monjardim. Da parte dos empregadores, compareceram Paulo Tonet Camargo, da Associação Nacional de Jornais-ANJ. Os trabalhadores foram representados

VALTER CAMPANATO/ABR

assunto da matéria é China e lá vai cola. Ao leitor, como aos 250 milhões de chineses que navegam pela web, sobra a alternativa da improvisação. Enquanto os internautas burlam as regras com softwares piratas, os leitores dirigem-se aos fogões. Esquentam água na panela; quando o vapor sobe, colocam a revista sobre ela, para tentar desgrudar as páginas. Quase não há livros de bons nem maus autores à venda. Já a importação de livros é demorada e sujeita o comprador a encontrar cola nas páginas das obras. Em Pequim há apenas 70 salas de cinema para os 17,4 milhões de habitantes e apenas 20 filmes estrangeiros são lançados por ano. Já as emissoras de televisão aberta – e controladas pelo Estado – abusam da exibição de novelas ambientadas há séculos e protagonizadas por governantes e guerreiros com longas barbas. A menos que se hospede em um hotel cinco estrelas, quem precisa colocar as barbas de molho é o interessado em acompanhar as tvs a cabo. – As Olimpíadas não melhoraram a situação dos direitos humanos na China, mas a pioraram. Nenhum dos políticos internacionais ou integrantes do Comitê Olímpico Internacional em Pequim aproveitou devidamente a oportunidade para criticar o comportamento das autoridades chinesas de forma razoável. – protestou a Diretora para a Ásia da Human Rights Watch, Sophie Richardson. – A liberdade prometida pela China aos jornalistas foi concreta apenas em partes. Ao menos 22 jornalistas estrangeiros foram detidos e impedidos de realizar seu trabalho. – fez coro o Secretário-Geral da Repórteres Sem Fronteiras, Robert Ménard. Mesmo com tantos incidentes, as diversas organizações destacaram recentemente outro aspecto da questão, que pode significar a maior herança dos Jogos Olímpicos de Pequim e um passo efetivo rumo a uma real liberdade de imprensa na China: a flexibilização das regras para o trabalho de jornalistas estrangeiros, que era apenas provisória, agora passará a ser definitiva. – Damos as boas-vindas à nova regulamentação, que reconhece o direito dos jornalistas estrangeiros de viajar por onde quiserem sem autorização prévia e entrevistar quem quiserem. Se for colocada em prática adequadamente, marcará um importante progresso rumo à abertura da China à imprensa. – afirmou em nota oficial o Clube dos Correspondentes Estrangeiros. Para a entidade, agora a luta é fazer com que todas as autoridades locais apliquem a lei. E cobrar mais avanços, como uma legislação que proteja as fontes ou acabe, por exemplo, com a regra que obriga os hotéis a informar à Polícia quando um jornalista estrangeiro lá se hospeda. Outro pedido é a abertura do Tibete à imprensa estrangeira, mesmo que se mantenha a obrigação de pedir autorização ao Governo para viajar para lá com visto de jornalista.

por Sérgio Murilo de Andrade, da Federação Nacional dos Jornalistas – Fenaj; Suzana Blass, do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro; e Pery Cotta, da ABI. O principal objetivo do Grupo de Estudos — instituído pela Portaria nº 342, publicada no Diário Oficial da União de 23 de julho de 2008 — é propor alterações na legislação em vigor, a fim de viabilizar a regulamentação da profissão de jornalista. A portaria estabelece que o Grupo de Estudos é composto por três representantes do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e das classes profissional e empresarial. No dia 13 de agosto foram publicados no Diário Oficial da União os nomes que passaram a integrar o Grupo. Para o Ministro do Trabalho e Emprego, Carlos Lupi, este será o “melhor caminho para chegar à regulamentação da profissão”. Princípios importantes O representante da ABI, Pery Cotta, considera que as propostas sobre as alterações na legislação que regulamenta a profissão de jornalista devem ter como base dois princípios importantes: — Direito à informação e liberdade de imprensa, exatamente conforme os preceitos da Constituição de 1988, devem ser os faróis a iluminar o caminho do Gru-

Indicado para o Grupo pela ABI, Pery Cotta sustenta que a nova regulamentação deve ter por base o direito à informação e a liberdade de imprensa.

Ex-sindicalista, Luiz Antônio de Medeiros é agora Secretário de Relações do Trabalho. É ele que coordena o Grupo de Estudos.

po de Estudos. Esta é a posição defendida pela ABI, de chamar a atenção para o fato de que a legislação em vigor é do período autoritário. Entende Pery Cotta que “não tem sentido propor emendas e alterações na legislação que regulamenta a profissão de jornalista sem levar em conta que a origem e a filosofia da Lei de Imprensa é da época da ditadura”. É preciso ainda, lembra, considerar o Código de Ética do Jornalista, que foi aprovado pela categoria em 4 de agosto de 2007 e diz no seu artigo 4°, que “o compromisso fundamental do jornalista é com a verdade no relato dos fatos, razão pela qual ele deve pautar seu trabalho pela precisão da apuração e pela sua correta divulgação”. Durante o encontro foi aprovada a sugestão de que o Ministério do Trabalho e Emprego faça um comunicado de imediato sobre a constituição e instalação do Grupo de Estudos ao Supremo Tribunal Federal, que está para decidir sobre a obrigatoriedade do diploma do curso de Jornalismo. Jornal da ABI 332 Agosto de 2008

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INTERNACIONAL

Em entrevista exclusiva ao Jornal da ABI, o Presidente da Federação das Associações de Imprensa da Espanha, Fernando González Urbaneja, diz que os jornais de seu país se defrontam com um desafio: recuperar a credibilidade e a reputação perdidas desde 1995.

POR ROGÉRIO F ARIA TAVARES

Fernando González Urbaneja (Burgos, Espanha, 1950) é o presidente da Associação de Imprensa de Madri e também da Federação das Associações de Jornalistas da Espanha, a Fape. Licenciado em Ciências Políticas e Jornalismo, atuou como diretor, redator- chefe e redator em publicações espanholas importantes, como El País e Cinco Días, e trabalhou na revista Cambio 16 e na Antena 3. Atualmente, é articulista do jornal ABC e professor de Jornalismo na Universidade Carlos III, em Madri. As instituições que preside são as mais representativas dos jornalistas espanhóis. A Associação de Imprensa de Madri foi fundada em 1895 e a Fape, criada em Santander, em 1992, agrupa quarenta e cinco associações regionais de imprensa, com 12.500 membros, e três associações setoriais de jornalistas, que somam 3.000 associados. O Jornal da ABI entrevistouo na sede da Associação, na capital espanhola. O resultado da conversa foi uma análise acurada sobre a situação da imprensa na Espanha de hoje. Jornal da ABI – É possível medir a influência e o poder da mídia espanhola de hoje? Urbaneja – Temos no universo de meios convencionais um desenvolvimento potente das televisões, todas com um componente importante de espetáculo e entretenimento, mas também com uma parte informativa de expressão. Temos um universo de televisões nacionais, regionais e locais com um nível razoável de concorrência. A metade é pública, estatal, autonômica (dos diferentes Estados espanhóis, chamados de comunidades autônomas) ou local, e a outra metade é privada. Dessa metade privada, uma parte é privada espanhola e a outra parte é privada européia, fundamental30 Jornal da ABI 332 Agosto de 2008

A Espanha não está satisfeita com sua imprensa mente italiana. O nosso mapa de rádios é muito diversificado. Há quatro rádios nacionais em cadeia, com programas muito potentes e que desempenham um papel muito importante de informação. Sessenta por cento da população seguem o rádio diariamente. E noventa por cento seguem a televisão diariamente. Quanto à mídia impressa, temos seis ou sete jornais nacionais, editados em Madri ou Barcelona, com distribuição em todo território nacional, que tendem a cobrir cerca de 35% da população, que é a que lê jornais, e uma centena de jor-

nais regionais e locais que cumprem um papel em cada localidade. Não há cidade de mais de 50 mil habitantes na Espanha que não tenha dois jornais. Ainda que a sua difusão seja baixa, são sempre um elemento de referência local. A imprensa teve um grande crescimento de influência e reputação na Espanha entre os anos 70 e 90 e desde o ano de 95 há grandes problemas de credibilidade e reputação. Estamos nesse momento em uma situação de crise. Jornal da ABI - Devido a quê? Urbaneja – Por um lado, há uma quei-

xa na sociedade sobre a trivialização dos conteúdos. Eles são muito voltados para o mundo das celebridades, fazem pouca verificação de fontes e possuem pouca qualidade; por outro lado, muitos meios apresentam alto nível de politização, tem uma coloração política muito acusadora e portanto são muito previsíveis quando assumem sua posição. Jornal da ABI – É possível dizer que há um certo grau de partidarização da imprensa espanhola? Urbaneja – Sim, de partidarização e previsibilidade. É possível intuir à noi-


te o que os jornais vão falar no dia seguinte. Sabemos que terão posição próPsoe (Partido Socialista Obrero Espanhol) ou pró PP (Partido Popular). Temos aí um problema de viés, que em si não é mal, porque é legitimo que os meios de comunicação tenham um viés. O que não é legitimo é que esse viés condicione o conteúdo informativo. Jornal da ABI - E a mídia digital, a internet? Urbaneja – Experimenta um desenvolvimento intenso. Nesse momento, todos os meios convencionais também atuam por internet. Não é apenas um suporte adicional que se une aos suportes clássicos. É um suporte que transforma os meios. Já temos televisão por internet, os jornais clássicos podem ser lidos pela internet. Depois, ainda há o desenvolvimento da própria rede, muito intenso, muito opinativo, às vezes muito enviesado, muito valorativo, com pouco rigor ou com muito rigor, depende. Mas é um setor pujante, nesse momento. Tanto em rádio como em televisão e em internet estamos na média européia. Em imprensa escrita estamos mais atrasados que a média européia, porque o nível de leitura é mais baixo na Espanha, historicamente. Jornal da ABI – Como o espanhol se informa, em termos gerais? Urbaneja – O espanhol se informa por várias vias. Há fenômenos curiosos. Um mesmo leitor pode utilizar vários jornais ao longo do mês. A informação é muito aberta, muito plural , e as pessoas se informam fundamentalmente grátis, ou pelo rádio ou pela televisão ou pela internet, e têm oportunidades razoáveis para informar-se. Jornal da ABI - E os jornais gratuitos? São um fenômeno também na Espanha? Urbaneja – É um fenômeno novo, de sete anos. Foi um fenômeno muito intenso, que amadureceu muito rápido, que se segmentou em quatro jornais de alcance nacional com tiragens hoje de 4 milhões de exemplares, distribuídos em todas as cidades de mais de 50 mil habitantes. Há também um fenômeno de jornais gratuitos locais, ou de bairro, também muito intenso, que não está quantificado, mas que é também um setor que amadureceu muito rápido, que faz uns produtos de razoável qualidade e que provavelmente é dos mais avançados na Europa. Jornal da ABI - Como o Estado regula a atuação da imprensa na Espanha de hoje? Urbaneja – Temos o artigo 20 da Constituição espanhola, que é muito claro, muito rotundo, clássico como o artigo 5º da Constituição alemã, que estabelece um marco muito amplo de liberdades; temos uma ampla jurisprudência do Tribunal Supremo e do Tribu-

nal Constitucional, e temos leis positivas, concretas, sobre o direito à retificação, o direito à honra, contra injúrias e calúnias, que funciona razoavelmente. Não há intervenções públicas. O que há, sim, é uma presença pública muito potente nos meios audiovisuais. Cerca de 50% das televisões são públicas, o que é muito típico da Europa, mas que dá um pouco uma sensação de equilíbrio instável. Jornal da ABI - Como se dá a formação do jornalista espanhol? Urbaneja – Aqui funciona uma fórmula das chamadas Faculdades de Ciências da Comunicação, já há trinta anos. Elas são muitas. Temos quase quarenta, atuando em dois âmbitos, o de jornalismo e o de audiovisual, que inclui televisão e cinema. A imensa maioria das redações está cheia de pessoas que estudaram para exercer essa profissão, cerca de 90%. E há muita gente que tem a titulação mas que nunca se dedicou ao jornalismo e que se dedica a outras coisas. Essas pessoas são metade dos graduados em Jornalismo. É uma profissão bastante aberta. Jornal da ABI – Como é a qualidade do ensino de Jornalismo? Urbaneja – É deficiente. Há pesquisas que mostram que a qualidade do ensino do jornalismo é mais bem avaliada pelos estudantes e pelos professores do que pelos profissionais do mercado. Jornal da ABI - E o futuro? Quais são os desafios da imprensa espanhola? Urbaneja – O desafio para a imprensa espanhola agora é o de recuperar a credibilidade e a reputação. É o de recuperar padrões de qualidade jornalística mais altos. Temos um problema de padrões de qualidade, de informação mais contrastada, de melhorar fontes, fontes mais depuradas, mais confiáveis; melhorar a qualidade e estabilizar projetos editoriais que não estão estabilizados. Agora estamos numa situação muito crítica, porque há uma situação econômica muito ruim nos meios de comunicação, o que, nessas últimas semanas, tem levado a demissões. Jornal da ABI - Para terminar, uma mensagem para a Associação Brasileira de Imprensa, que comemora seu primeiro centenário. Urbaneja – Nós também completamos nosso primeiro centenário, em 1995. Nossa casa é de 1895 e seria bom que conversássemos sobre os problemas que provavelmente são comuns. Talvez as soluções que cada um encontrou por sua conta para seus problemas possam ser compartilhadas. Rogério Faria Tavares, sócio da ABI radicado em Belo Horizonte, MG, é jornalista e advogado. Mestre em Direito Internacional pela Universidade Federal de Minas Gerais, atualmente faz doutorado em Direito Internacional na Universidade Autônoma de Madri.

MERCADO

Congresso da ANJ discute a situação e o futuro dos jornais As questões mais relevantes da indústria da comunicação foram debatidas pela entidade em encontro com mais de 800 delegados. Com a participação de mais de 800 delegados, representando os diferentes segmentos da indústria da comunicação, a Associação Nacional de Jornais-ANJ realizou em São Paulo o 7º Congresso Brasileiro de Jornais, evento que acontece a cada dois anos e é considerado o mais importante da indústria jornalística do País. A grande procura por inscrições foi apontada pela Diretoria da ANJ como reflexo do “bom momento vivido pelos jornais brasileiros, com grandes investimentos, crescimento de circulação, recuperação da participação no bolo publicitário e lançamento de novos títulos”. Com o tema geral O Brasil e a Indústria Jornalística em 2020, o Congresso contou com três grandes palestras e 16 painéis simultâneos em que foram debatidos temas como as

perspectivas econômicas do País, convergência de mídias, novas tendências em design gráfico, liberdade de imprensa, responsabilidade social dos jornais e práticas de gestão empresarial no setor. Entre os palestrantes e debatedores figuraram Roger Agneli, Presidente da Vale do Rio Doce; Rosental Calmon Alves, Diretor do Knight Center for Journalism in the Americas, e Earl Wilkinson, Diretor-Executivo da Associação Internacional de Marketing de Empresas Jornalísticas. O Deputado federal e também jornalista Miro Teixeira e o jurista Saulo Ramos participam do painel Liberdade de expressão, em que foram discutidos a Lei de Imprensa, a chamada “indústria” do dano moral, o direito de resposta e as intimidações à liberdade de expressão.

PROGRAMAÇÃO A programação completa do Congresso incluiu a apresentação e discussão destes temas: LIBERDADE DE EXPRESSÃO: LEI DE IMPRENSA, “INDÚSTRIA” DO DANO MORAL, DIREITO DE RESPOSTA E INTIMIDAÇÕES

com Miro Teixeira, Deputado pelo PDT-RJ, e Saulo Ramos, jurista; GESTÃO DE MUDANÇAS: OS DESAFIOS DE TRANSFORMAÇÃO NAS EMPRESAS JORNALÍSTICAS

com Fernando Portella, Vice-Presidente Executivo da Organização Jaime Câmara, de Goiânia, e Geraldo Corrêa, VicePresidente de Rádios e Jornais do Grupo RBS, de Porto Alegre; O NOVO CONSUMIDOR DE INFORMAÇÃO: COMO ATRAIR E RETÊ-LO com John Wilpers, Consultor Sênior da Innovation, dos Estados Unidos; GESTÃO VERSUS RESPONSABILIDADE SOCIAL DA EMPRESA JORNALÍSTICA: INDICADORES ANJ/LNSTITUTO ETHOS com Paulo Augusto Itacarambi, DiretorExecutivo do Instituto Ethos; FATORES ESTRATÉGICOS PARA A GESTÃO EMPRESARIAL: O QUE AS EMPRESAS JORNALÍSTICAS DEVEM FAZER PARA ENFRENTAR O FUTURO

com José Santos, professor de Gestão Internacional do Insead, da França; CONVERGÊNCIA MULTIMÍDIA: O QUE OS JORNAIS BRASILEIROS PENSAM DA FUSÃO DAS REDAÇÕES E TÊM FEITO SOBRE A QUESTÃO

com Luiz Fernando Gomes, Editor-Chefe do Lance!, São Paulo; Marco Chiaretti, EditorChefe do estadao.com.br, São Paulo; e Paulo Canno, Diretor de Tecnologia da Rede Gazeta, de Vitória, Espírito Santo. CENÁRIOS E PERSPECTIVAS PARA AS RELAÇÕES DE TRABALHO

com o Professor José Pastore, da Universidade de São Paulo;

DISTRIBUIÇÃO DE JORNAIS: TENDÊNCIAS E GERAÇÃO DE VALOR PARA OS CLIENTES

com Alexandre Kabarite, Gerente-Geral de Distribuição da Infoglobo, Río de Janeiro; Ricardo Hoerde, Gerente-Geral de Logística do Grupo RBS; e Rodrigo Schoenacher, Gerente de Operações da Infoglobo, Rio de Janeiro; TENDÊNCIAS PARA A INDÚSTRIA JORNALÍSTICA NO BRASIL E NO MUNDO HOJE E EM 2020 com Earl Wilklnson, Diretor-Executivo do INMA, Estados Unidos, e Orlovisto Guimarães, Diretor-Presidente do Grupo Positivo, de Curitiba, Paraná; A CULTURA MULTIMÍDIA: DESAFIOS E OPORTUNIDADES PARA OS JORNAIS

com Randy Covington, Diretor do IFRA, da Universidade da Carolina do Sul, Estados Unidos; ESTRATÉGIA DE CRESCIMENTO com Fablán Barros, Consultor-Sócio da McKinsey, São Paulo; REFORMA TRIBUTÁRIA com os Deputados Antônio Palocci (PT-SP) e Sandro Mabel (PR-GO); OS PROJETOS DE JORNAIS E EDUCAÇÃO NA VISÃO DE FUTURO E SUSTENTABILIDADE DO NEGÓCIO

com Miguel Fontes, Diretor da John Snow do Brasil, de Brasília; NOVOS NEGÓCIOS EM CLASSIFICADOS: O DESIGN DOS JORNAIS HOJE E NO FUTURO

com Javier Errea, Presidente da Society for News Design, da Espanha; CRIANDO A CULTURA DE INOVAÇÃO: MEDIÇÃO DA CULTURA ATUAL VERSUS CULTURA DESEJADA

com Dorailson Andrade, Diretor do Hay Group, São Paulo; ESCAPANDO DA CRISE: HISTÓRIAS DE SUCESSO DE JORNAIS AMERICANOS

com Michael P. Smith, Diretor-Executivo do Media Management Center, da Northwestern University.

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Direitos humanos

“TORTURA NÃO É CRIME POLÍTICO: PELA VERDADE E RECONCILIAÇÃO” Um “Manifesto em favor do debate e contra a impunidade e a tentativa de imposição do esquecimento” é firmado por instituições empenhadas na responsabilização dos que praticaram torturas durante a ditadura militar. Em declaração divulgada em 28 de agosto em Brasília, instituições da sociedade civil, à frente a ABI, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e a União Nacional dos Estudantes, personalidades da vida acadêmica e cultural e militantes do movimento social expressaram seu entendimento de que os agentes públicos que cometeram torturas durante a ditadura militar não foram alcançados pela Lei da Anistia de 1979, porque esses crimes não são prescritíveis. Em poucos dias a declaração recebeu adesões de entidades e personalidades de pelo menos oito Estados e do Distrito Federal (Bahia, Ceará, Pará, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo) e só não chegou a outros pontos do País porque era exíguo o prazo fixado para a sua divulgação: 28 de agosto, dia em que foi sancionada, em 1979, a Lei da Anistia. Com o título e o subtítulo reproduzidos acima, a declaração tem o seguinte teor: “Um debate fundamental para a democracia brasileira, há muito tempo sufocado, finalmente se estabelece de forma republicana junto à opi-

nião pública: a questão da responsabilização jurídica dos agentes torturadores durante a ditadura militar. Causa espécie e estranhamento o fato de que, em plena democracia, tal assunto provoque reações contrárias que rejeitam até mesmo o próprio debate público do assunto. Sob os argumentos de que o tema é inoportuno, intempestivo, e até mesmo que significa “um desfavor para a democracia” ou que “não mais interessa a sociedade’, percebe-se explicitamente um movimento, certamente motivado por interesses específicos mas nem sempre explícitos, que procura abafar as vozes daqueles que há mais de três décadas clamam e esperam por justiça. O fato concreto é que existem no Brasil mais de 100 associações de ex-perseguidos políticos e familiares de mortos e desaparecidos políticos.

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Mais de 62 mil brasileiros ingressaram com pedidos de reparação na Comissão de Anistia nos últimos sete anos, restando quase 25 mil por apreciar. A União apreciou mais de 500 processos movidos por famílias que tiveram familiares mortos ou desaparecidos durante a ditadura militar. Diversos particulares têm ingressado com ações no Poder Judiciário pedindo a responsabilização jurídica de quem os torturou ou levou à morte dos seus familiares. O Ministério Público Federal promove, atualmente, Ação Civil Pública contra agentes públicos que chefiaram o Doi-Codi de São Paulo. Milhares de brasileiros aguardam reparação, centenas aguardam o direito de enterrar seus entes próximos ou de conhecer a verdade histórica sobre seus paradeiros. Não se pode falar em reabrir feridas que nunca se estancaram. Estudos internacionais recentes revelam que a impunidade aos crimes (ressalta-se sempre, atos praticados na ilegalidade do próprio regime ditatorial) é fator de piora dos índices de violência e de abuso aos direitos humanos, servindo como uma forma de legitimação da violência praticada hoje no Brasil. Não há de se falar, portanto, de que se trata de um assunto do passado. É mais do que presente. O debate que está posto não é a alteração ou revisão da lei de anistia, mas sim o cum-

primento da mesma. O debate que está posto não significa afronta às Forças Armadas enquanto instituição nacional, mas sim o prestígio de sua corporação frente àqueles que não respeitaram nem ao menos as regras do próprio regime ditatorial que proibia a prática da tortura e comprometeram a sua imagem. A questão jurídica central é: se a lei de anistia abrangeu ou não os crimes de tortura enquanto como crimes políticos. O certo é que não há manifestação do Poder Judiciário sobre a questão e, por isso, a importância do debate público. Enquanto este momento não ocorrer o debate permanecerá em pauta junto à sociedade civil. Questões fundamentais ainda não foram res-

pondidas: Se a anistia foi ampla, geral e irrestrita, por que a anistia a Carlos Lamarca foi questionada por setores militares da reserva na Justiça? Existe correlação moral e ética entre aqueles que usurparam da estrutura estatal do monopólio da violência para torturar com aqueles brasileiros que exerceram a resistência contra uma ordem injusta que os perseguia? Que democracia é essa, incapaz de enfrentar o seu passado? A quem interessa que o debate não seja realizado e os fatos não sejam revelados? Os perseguidos foram processados e julgados e hoje são anistiados à luz da Lei n.º 10.559/02, os torturadores nem ao menos reconheceram seus atos. Como anistiar em abstrato crimes que não foram elucidados e julgados? As organizações da sociedade civil abaixo assinadas vêm por meio desta mensagem apoiar e somar-se às iniciativas do Ministério da Justiça e do Ministério Público Federal em discutir a validade e alcance da Lei de Anistia de 1979 e os caminhos jurídicos para que, sem alteração das leis que permitiram a redemocratização do Brasil, a questão seja apropriadamente tratada no Poder Judiciário. É dever do Estado, no mínimo, promover o debate sobre as garantias fundamentais dos seus cidadãos, entre elas o direito à verdade, à memória e à justiça. Cremos, em consonância com diversos tribunais internacionais, e com diversas cortes superiores da América Latina, que os crimes contra a humanidade não são prescritíveis, portanto, não passíveis de anistia, e que aqueles que os cometeram, fora da própria legalidade do re-

gime de exceção, devem ser julgados e responsabilizados. Apenas com o devido processamento e esclarecimento de todos os fatos que envolveram esses crimes é que será efetivamente possível falar em anistia, permitindo que a reconciliação nacional se consolide, desbancando a tese degenerativa da democracia de que a única solução possível para lidar com as abomináveis violações de direitos humanos perpetradas por agentes públicos é a impunidade e a imposição do esquecimento.”


CAMILLA MAIA/ AGÊNCIA O GLOBO

Os primeiros signatários Foram estes os primeiros signatários do Manifesto: 1. Maurício Azêdo, RJ, Presidente da ABI 2. Cezar Britto, DF, Presidente da OAB 3. Lúcia Stumpf, SP, Presidente da UneE 4. Emir Sader, RJ, Professor, Uerj 5. Alberto Manuel Quintana, RS, UFSM 6. Alexandre Zamboni, PR, EngenheiroAgrônomo, Candidato a Vice-Prefeito de Ponta Grossa, Paraná 7. Aluízio Ferreira Palmar, PR, Jornalista e escritor 8. Alzira Anamaria Lutfi, SP, Dentista 9. Amir Eduardo Abud Machado, SP 10.Ana Carolina Guimarães Seffrin, RS, Fadisma 11.Ana Jose Alves Lopes, MS, Diretora Presidente e Diretora Executiva, Rede de Mulheres Negras e Fórum Nacional de Mulheres Negras 12.Ana Maria Wilheim, SP 13.Ana Monteiro Caldas, RJ 14.André Pereira Roquete, RJ 15.Andressa Rissetti Paim, RS, UFSM 16.Angela Caniato, PR, Universidade Estadual de Maringá 17. Anita de Moraes Slade, RJ, Programadora visual, Rio de Janeiro, Fórum de Reparação do Rio de Janeiro 18.Camila Borges Breda, RS, UCS 19. Carlos Eduardo Pestana Magalhães, SP, Jornalista e sociólogo, Coligação PT-PCdoB 20.Clara Charf, RJ, ex-perseguida política 21.Clanricardo Paulino, SP 22.Daniela Helena 23.Fernanda Giardini Pogorelsky, RS, Unisinos 24.Francisco Fernandes Maia, DF, Presidente da Acimar 25.Geo Britto, RJ, Centro de Teatro do Oprimido - CTO-Rio 26.Márcia de Almeida, RJ, jornalista 27. Giselle Megumi Martino Tanaka, DF, Arquiteta e Urbanista 28.Ivete Caribé da Rocha, Serpaj Brasil 29.João Guilherme Vogado Abrahão, PA, Universidade Federal do Pará 30.Lawrence Estivalet de Mello, RS,Universidade Federal de Pelotas 31.Leila Rocha Marques, BA, Instituto

Eletrocooperativa 32.Letícia Garcia Ribeiro Dyniewicz, SC, Universidade Federal de Santa Catarina 33.Lincoln Secco, SP, Professor, Departamento de História, Usp 34.Manoela Michelli 35.Marco Aurélio Purini Belém, SP, Usp 36.Marcos Aarão Reis, RJ 37. Maria Ângela Santa Cruz, SP, Psicanalista e analista institucional, Instituto Sedes Sapientiae 38.Maria Perpétua Guimarães de Castro, BA, Eletrocooperativa 39.Mariana Monteiro de Matos, PA, UFPA 40.Marta Cezária, MS, Rede de Mulheres Negras e Fórum Nacional de Mulheres Negras 41.Matheus Bandeira Onofre, PB, Diretor de Extensão da Une, João Pessoa, PB, UFPB 42.Natalina Ribeiro, SP, Assistente Social 43.Nathalia Beduhn Schneider, RS, UFRGS 44.Nélie Sá Pereira, RJ 45.Og Roberto Doria, SP 46.Paulo Sérgio Alves Barbosa, SP, Técnico em eletrônica 47. Raimunda Luzia de Brito, MS, Rede de Mulheres Negras e Fórum Nacional de Mulheres Negras 48.Reinaldo Pamponet Filho, BA, Instiuto Eletrocooperativa 49.Rodolfo Porley Corbo, Uruguai, Secretario del Ámbito Proceso Uruguay Entero Sur 50.Rose Nogueira, SP, Presidente, Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo 51.Selma Pellizon Teixeira de Camargo, SP 52.Vera Vital Brasil, RJ, Psicóloga clínica, Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro e membro do Fórum de Reparação do Rio de Janeiro 53.Viktor Mello Goulart, RS, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 54.Zilda Cargnin Piovesan, RS, Jornalista 55.Gilmar de Mello Pereira, SP 56.Luiz Rodolfo de Barros Correia Viveiros de Castro, RS 57. Daniel Gerardo Raviolo, CE, Coordenador–Geral de Comunicação e Cultura do Ceará 58. Marília Bandeira, RJ, Programadora visual.

Mais adesões A declaração foi firmada em seguida pelas seguintes pessoas: Alexandrina Cristensen de Souza, DF, Presidente da Associação Brasileira de Anistiados Políticos Ana Gabriella de Souza Andrade, PE, AJUP direito nas ruas, UFPE André Luiz Barreto Azevedo, PE, NAJUP, Direito nas Ruas, UFPE; Ariel de Castro Alves, SP, Coordenador da Seção Brasileira da Ação dos Cristãos para a Abolição da Tortura, Cícero Paiva de Souza, DF, funcionário da Associação Brasileira de Anistiados Políticos Denise Pereira Silva, DF, funcionária da Associação Brasileira de Anistiados Fernanda Motta d’Avila, RS, Advogada Glauco Ludwig Araujo, RS, DCE UFRGS Jacqueline Sinhoretto, SP, Professora Universitária Jéssica Elize da Fonseca, SP, Estudante de Direito João Bosco da Silva, SP, Tesoureiro-Geral, Sindicato dos Servidores Públicos da Assembléia Legislativa e do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo Mariana Cavalcante Araujo Costa, SP, Fórum Centro Vivo Marleide Ferreira Rocha, DF, Advogada,

Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares Vera da Silva Telles, SP, Universidade de São Paulo Mirnalene Neves da Silva, DF, funcionária da Associação Brasileira de Anistiados Políticos Nelson Cicone Filho, DF, funcionário da Associação Brasileira de Anistiados Olivia de Campos Maia Pereira, SP, Arquiteta Márcia S. Hirata, SP, Fórum Centro Vivo, Fau-USP Tales de Castro Cassiano, SP, VicePresidente da Une Ademar Pozzatti Junior, SC, Mestrando, Universidade Federal de Santa Catarina Reila Márcia Miranda da Silva, SP, Jornal Brasil de Fato Pedro Ruas, RS, Advogado Rafael Lemes Vieira da Silva, RS, Estudante de Direito da UFRGS Rodrigo Marcos de Jesus, MG, professor de Filosofia Secretário-Geral do Conselho Estadual de Direitos Humanos de São Paulo, Membro do Movimento Nacional de Direitos Humanos Suellen Muniz Coelho, Paris, França Tarciso Tavares, Presidente, União Nacional de Aeronautas Anistiados.

Um ano após a morte dele, Sergipe presta homenagem àquele que lhe deu honra invejável: a de berço do maior repórter do Brasil.

HOMENAGEM

Uma ponte para Joel Silveira em sua terra POR ALINE SÁ

No mês em que se completa um ano da morte de Joel Silveira, o Governo de Sergipe dá andamento ao projeto de construção da ponte que homenageará seu filho ilustre, jornalista, correspondente de guerra e escritor de grande importância para o País. Joel Silveira nasceu no Município sergipano de Lagarto, em 23 de setembro de 1918. Veio em 1937 para o Rio de Janeiro, onde se destacou como jornalista e escritor. Publicou mais de 40 livros e foi contemplado com o Prêmio Machado de Assis, o mais importante da Academia Brasileira de Letras, em 1998, pelo conjunto da obra. Pela notável presença que teve por onde passou, Joel Silveira ganha de seu Estado natal esta homenagem, que, segundo o Governo, é dirigida a toda a imprensa: batizar com o nome de Joel Silveira a ponte sobre o Rio Vaza-Barris, ligando a região do Mosqueiro, em Aracaju, a Caueira, no Município de Itaporanga D’Ajuda, no litoral Sul do Estado. O Governador Marcelo Déda informou que o investimento de R$ 51.180.300,00 — dos quais R$ 30 milhões do Governo Federal, do Ministério do Turismo, através do Programa de Aceleração do Crescimento-Pac, e R$ 21.180.300,00 de recursos do Governo do Estado — representa uma imensa contribuição no desenvolvimento turístico de Sergipe, integrando-o à Região Nordeste e preparando-o para a Copa de 2014. A filha de Joel, Elisabeth Silveira, emociona-se ao relembrar o pai, de quem guarda uma imagem que vai muito além do profissional respeita-

do e admirado pelos colegas: — Ele foi um homem forte, íntegro e corajoso e me ensinou a não temer as adversidades e a enfrentar todas elas com dignidade. Foi um grande exemplo de vida e dedicação. Sigo a minha vida pautada no seu idealismo, característica marcante de sua personalidade. Elisabeth considera mais do que justa a homenagem do Governo de Sergipe a um cidadão da terra que, como Secretário de Cultura, “dinamizou a educação em seu Estado, criando várias bibliotecas na capital e nas cidades do interior”. O ato do Governo, diz ela, “tem um valor inestimável para esta e futuras gerações”. Em entrevista ao site do Departamento Estadual de Infra-Estrutura Rodoviária-DER, o Governador Marcelo Déda ratifica a declaração de Elisabeth: — Cumprindo uma meta de notabilizar as homenagens prestadas em obras públicas, encontramos em Joel Silveira um grande intelectual, um dos maiores jornalistas do Brasil. Ele foi o primeiro repórter brasileiro a realizar uma cobertura histórica da Segunda Guerra Mundial. Além disso, a História registra que a entrada do Brasil na guerra decorreu de ataques de submarinos alemães a navios no litoral sergipano. Joel foi quem esteve lá para reportar esse momento. Informações do Departamento de Estradas e Rodagens dão conta de que a Ponte Joel Silveira terá 1.080 metros de comprimento e 14,2 metros de largura. Iniciada em outubro de 2007, a obra deverá terminar e ser inaugurada em maio de 2009. Aline Sá, estudante de Comunicação, é estagiária da Diretoria de Jornalismo da ABI.

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Livros

Os jornais vão acabar? Tese de Lourival Sant’Anna sustenta que ainda não A razão principal: o jornalismo online é muito pouco rentável e não mantém operações sólidas de apuração da informação. A polêmica sobre a suposta extinção dos jornais impressos frente a meios eletrônicos mais dinâmicos na transmissão de informações ganhou vulto nos últimos tempos, principalmente após o boom da internet nos anos 90. Há vozes mais alarmistas, inclusive no meio jornalístico, que chegam a fazer previsões para o sumiço das publicações. Não é o caso do repórter especial de O Estado de S. Paulo Lourival Sant’Anna, que, em O Destino do Jornal (Record), aponta tendências para o futuro da imprensa e do exercício da profissão neste meio. O livro é resultado de seu mestrado na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (Eca/Usp), orientado por Beth Saad, especialista em gestão de empresas de comunicação. Para sua realização, Lourival usou como recursos os dados quantitativos do mercado; uma pesquisa com foco no público-alvo dos jornais; uma revisão da literatura norte-americana e européia; e entrevistas com os diretores de Redação dos três jornais em que concentrou o estudo — Estadão, Folha de S. Paulo e O Globo — e dois especialistas no tema — Nicholas Negroponte, do Media Lab do Massachusetts Institute of TechnologyMit, e Ramón Salaverría, do Laboratório de Comunicação da Universidade de Navarra, na Espanha: — Eu queria saber o que de fato vai acontecer com o jornal e quais as conseqüências disso para o jornalismo em geral — diz Lourival. — É uma discussão sobre sustentabilidade econômica, concorrência, hábitos de leitura e a maneira como as pessoas estão se informando, as tendências do mercado publicitário, a gestão das empresas de comunicação e o uso da tecnologia. O jornalismo praticado na internet em tempo real tem sido o grande causador de especulações sobre o fim dos jornais. Para Lourival, no entanto, ainda não está bem estruturado a ponto de rivalizar com o impresso: — A web ainda se encontra no estágio em que estavam os jornais no século XIX, quando eram menos um negócio e mais a iniciativa de pessoas ou grupos que ganhavam dinheiro com outras coisas e o investiam nos jornais para propagar suas idéias. Estamos tateando nesse novo negócio. Ele ainda é muito pouco rentável e não sustenta operações sólidas de apuração da informação. Em grande medida, a internet se serve das estruturas de apuração dos meios tradicionais, a começar pelos próprios jornais. Longe de causar a falência dos jornais, o momento é de complementação dos meios, diz Lourival: — A internet funciona como um teaser, um estímulo para o leitor querer saber mais nas páginas dos jornais, no dia seguinte, sobre aqueles 34 Jornal da ABI 332 Agosto de 2008

Lourival contesta os profetas que anunciam o fim do jornal, do veículo impresso: os meios eletrônicos não têm agilidade nem recursos para concorrer com o jornalismo tradicional.

fatos noticiados. O jornal, por sua vez, pode remeter o leitor de volta para a internet, convidando-o a acompanhar o seguimento da notícia no decorrer do dia ou a acessar a íntegra e o áudio das entrevistas, bem como textos, documentos, seqüências de fotos, infográficos, material de arquivo, enfim, tudo o que não caberia pôr no jornal. Em recente pesquisa realizada pelo Datafolha sobre como os jovens brasileiros se informam, constatou-se que a maioria, 33%, ainda prefere a tv; 26%, a internet; e 19%, os jornais; nas classes A e B e entre jovens de 16 a 17 anos e de 18 a 21, a internet é o meio predileto. Para Lourival, a constante migração para o online é explicada pelo fato de o usuário poder romper com a dicotomia emissor-receptor: — Ele também quer emitir informações, quer atuar como repórter e editor sem ser um profissional treinado para isso, sem ter as condições de trabalho oferecidas por uma empresa de comunicação e sem estar sujeito aos controles a que os jornalistas estão submetidos: dos colegas, dos chefes, das fontes, dos leitores, do sindicato e da Justiça. Somadas a isso, outras características do online são apontadas por Lourival como uma ameaça à nossa cultura jornalística. Entre as principais estão os softwares que elevam para o alto da página as matérias mais acessadas, alterando a sua hierarquia, e os “links patrocinados” — palavras do texto que, clicadas, levam a anúncios publicitários e ações de marketing, possibilitando que o comercial tenha influência sobre as pautas: — Será que os jornais, ao migra-

rem para o online, cederão a todas as essas demandas? Se o fizerem sem prestar atenção nas possíveis implicações, podem pôr em risco ativos como a credibilidade, o prestígio e a influência, valores intangíveis que tornam o jornalismo um negócio rentável e independente de grupos econômicos e políticos. Além da internet, outros meios de comunicação — como o rádio, a tv, os painéis eletrônicos e os celulares — transmitem a notícia com mais eficiência que os jornais, o que implica uma reestruturação da função do impresso: — O jornal não pode mais se limitar a dar a notícia — diz Lourival. — Ele precisa explicar o que aquele fato, do qual o leitor tomou conhecimento na véspera, significa para sua vida, sua cidade, seu país e o mundo. O jornal deve agregar valor à notícia, tornando-se mais analítico e interpretativo. Não estou falando de opinião; esta já tem espaço nobre e suficiente nas páginas diárias. Ele também deve adquirir mais qualidade narrativa, contando as histórias com início, meio e fim. Para tanto, os profissionais também devem passar por reformulações: — Nossos jornalistas estão treinados para relatar fatos e transcrever declarações. Isto não é mais suficiente. O jornal deve continuar apurando a informação, mas precisa trabalhá-la muito mais. Precisaremos de profissionais mais versados em História, Economia, Ciência Política, Antropologia, Direito etc. E que saibam escrever de uma forma ao mesmo tempo precisa, acurada, lógica e saborosa. Em meio às novas possibilidades de consumo de informação, Lourival apon-

ta algumas tendências estruturais para o destino do impresso e afirma: — O jornal não vai acabar tão cedo. Vai perder receita publicitária para a internet e diminuir em número de páginas, porque não se proporá mais a noticiar todos os fatos importantes da véspera, concentrando-se apenas em alguns deles. Deve reduzir também em número de cópias, com a migração para o online, e de formato, passando de standard para tablóide, uma tendência internacional que potencializa seu atributo de portabilidade. A internet deve ainda reduzir mais de um terço dos custos, referente à impressão e à distribuição, além de permitir que as empresas de comunicação transfiram suas atividades do setor industrial para o de serviços: — Vamos nos concentrar na informação, que é o nosso negócio, e, no processo, nos livraremos das amarras industriais, como o tamanho dos textos, a limitação das fotos e dos infográficos e o cruel deadline, que impõe o fechamento de uma edição quando muitas vezes a notícia ainda está em andamento. No primeiro semestre de 2008, em relação ao mesmo período no ano anterior, o Instituto Verificador de Circulação-IVC constatou um aumento de 8,1% na circulação dos jornais filiados à entidade, entre eles O Globo, o Estadão e a Folha. Lourival atribui o bom momento ao incremento da renda no País: — Nos anos 90, houve uma bolha de circulação, inflada pelos “anabolizantes”, os brindes. Quando essas promoções se esgotaram, o número de leitores refluiu. Depois, a desvalorização do real, em janeiro de 1999, abalou as finanças dos jornais, altamente endividados em dólares. E o crescimento econômico foi medíocre na primeira metade dos anos 2000. Em conseqüência, os jornais deixaram de investir em campanhas de assinaturas e reduziram a circulação ao nível mais rentável possível — grosso modo, 50% das receitas provêm de anúncios; 25%, de classificados; e só os restantes 25% de venda de assinaturas e avulsa, de maneira que uma circulação maior não equivale necessariamente a maior rentabilidade. Quando o crescimento econômico se tornou mais robusto, os jornais, com suas dívidas equacionadas, partiram para atender a demanda reprimida. Daí o aumento de circulação. Lourival argumenta que este é o melhor momento para se reformular os jornais, apostando na interpretação e contextualização da notícia como forma de assegurar lugar no mercado: — Acho que o maior valor agregado não está na opinião — que é uma impres-


são pessoal, mais ou menos embasada, sobre uma informação geralmente apurada por outrem —, mas sim na análise e na interpretação feitas pelos próprios profissionais que apuram a notícia e recorrem, para isso, a fontes especializadas e bem informadas. Em graus e nuanças diversas, os diretores do Estadão, da Folha e do Globo concordam com essa minha tese. Daí a colocá-la em prática, vai uma distância. Para quem tem a responsabilidade da gestão, é difícil, principalmente num momento em que os jornais desfrutam de alta rentabilidade, trocar um modelo pelo outro. Claro que esta discussão terá de ser gradual. Não se faz isso da noite para o dia. Mas é preciso começar. Senão, seremos atropelados pela História e nos tornaremos irrelevantes.

Antônio Olinto em Minas, com A casa da água Como parte das comemorações do centenário da Academia Mineira de Letras, o escritor e acadêmico Antônio Olinto lançou e autografou na sede da AML, em Belo Horizonte, MG, seu mais novo livro, A casa da água, evento incluído no projeto Bate-papo com o autor. Quinto ocupante da cadeira nº 8 da Academia Brasileira de Letras, cujo patrono é Cláudio Manoel da Costa (1729-1789), Antônio Olinto, mineiro de Ubá, é um dos escritores brasileiros mais publicados no País e no exterior, com diversas traduções mundo afora. Romancista, tradutor, poeta, cronista, crítico e ensaísta, é também jornalista: colaborou em diversas publicações da imprensa no Brasil e em Portugal. Seu livro Jornalismo e literatura foi adotado em cursos de Comunicação de todo o País. Entre as várias premiações conquistadas por Olinto destaca-se o Prêmio Machado de Assis, concedido em 1994 pela ABL pelo conjunto da sua obra. No projeto Bate-papo com o autor, os primeiros 50 exemplares de A casa da água foram vendidos a R$ 5. Responsável durante muitos anos pela coluna especializada em literatura Porta de Livraria, de O Globo, Olinto é sócio da ABI desde 1948 e integra a Comissão de Honra do Centenário da Casa.

Mais do que mil palavras José de Souza Martins discute a Sociologia pelas lentes das máquinas fotográficas. A discussão sobre o papel da fotografia para a compreensão de um fato ou mesmo da realidade não é uma discussão nova. Apesar disso, na maioria das vezes, resvala apenas para o lado crítico de que a imagem manipula, reduz e dá uma visão distorcida do acontecido. Em Sociologia da Fotografia e da Imagem (208 páginas, Editora Contexto), o cientista social e professor da Usp José de Souza Martins não se prende a essa visão reducionista e mostra que a fotografia é um instrumento dos mais importantes para a Sociologia e a Antropologia. E, se corretamente analisada, uma imagem pode revelar relações sociais, mentalidades, formas de consciência social, maneiras de ver o mundo, de nele viver e até de compreendê-lo. Se o começo da obra é bastante teórico com a análise sobre como a fotografia, os retratos e as imagens da vida cotidiana têm sido vistos no decorrer da História, aos poucos começa a ganhar um tom mais prático e muitos exemplos e análises de fotos. Aliás,

nesse aspecto a obra acerta em cheio, ao ilustrar boa parte de suas páginas com pinturas e fotografias que auxiliarão o leitor a apreciar melhor as idéias discutidas por Martins. Da discussão sobre o fascínio da imagem sobre o ser humano e da forma como os olhos visitam o passado, dos antepassados aos incidentes contemporâneos em fotografias dispostas nos álbuns, em computadores e cds ou mesmo em caixas de sapato, o autor passa a analisar como as fotos de reportagens jornalísticas ocultam ou revelam detalhes seja na vida do homem da periferia, seja nas diversas expressões de fé e religiosidade dos brasileiros. A relação estabelecida entre as obras de pintores impressionistas e a Sociologia da Fotografia é outro ponto a se destacar, já que José de Souza Martins se coloca em uma linha diferente de opinião da do pai da Sociologia Visual, Howard Becker, marcada por forte positivismo. Porém, ainda mais gostoso é ler sobre as impressões de Martins em uma

visita à exposição Êxodos, de Sebastião Salgado, narrada em primeira pessoa, ou ver o ensaio fotográfico que o autor produziu dias antes da demolição de alguns edifícios da Casa de Detenção de São Paulo, o Presídio do Carandiru, em 2002. Apesar do ambiente vazio, pois os presos já haviam sido transferidos para outras cadeias, os cenários mostram intensas falas. Nas fotos é possível ver imagens chocantes: a pichação na parede que diz “Sangue de louco não corre, tira racha”, a torneira soltando sua última gota d’água, o improviso no chuveiro feito com fios e potes de margarina e no aquecedor de barro, a tentativa de pendurar uma cortina na busca por privacidade e um prato vazio, perdido, frente a uma parede esburacada. Sociologia da Fotografia e da Imagem não tenta esgotar a questão nem tampouco ser um referencial teórico. Mas com ingredientes que dão à obra tons de ensaio o autor consegue estimular a necessária reflexão e transformar sua obra numa leitura necessária a quem quer fazer da imagem algo mais do que simples registros familiares e de alguns eventos um pouco mais marcantes. (Marcos Stefano)

Livro estuda relação entre Caymmi e a Bossa Nova – Certamente aquilo que Stellinha não sabe de Dorival Caymmi, você não precisa aprender. – Foi com essas palavras que o jornalista, escritor e biógrafo Ruy Castro saudou Caymmi e a Bossa Nova – O Portador do Inesperado (Editora Íbis Libris), a mais nova obra sobre a vida e a música do compositor baiano. Escrito pela jornalista Stella, 45, a primeira neta e biógrafa de Caymmi, o livro mostra que é um erro lembrar a relação entre o compositor e a Bossa Nova apenas por causa de sua proximidade com Tom Jobim, com quem o baiano fez Caymmi visita Tom, disco antológico de 1964, e João Gilberto. Para a autora, a ligação do avô com o movimento urbano que modernizou a música nacional acabou beneficiando a própria Bossa Nova, que incorporou vários elementos de sua composição, como a liberdade harmônica, a composição, a temática amorosa e do mar e a atemporalidade. Por outro lado, também foi decisiva para que a obra de Caymmi permanecesse e fosse reconhecida. Inicialmente, Stella, que já tinha lançado em 2001 Dorival Caymmi – O Tempo e o Mar, escreveu o trabalho como

dissertação de mestrado em 2006 na Puc do Rio. Começou a trabalhar com a proposta de analisar a ligação do avô com a música regional, mas decidiu enveredar por outros rumos depois de entrevistar Chico Buarque para a biografia do avô e se deparar com um comentário inusitado: – Por ser um movimento revolucionário, a Bossa Nova recusou muita coisa. Recusou Noel, Ataulfo Alves.... os grandes da música brasileira. E não podia recusar Caymmi – disse ele, levantando a interrogação na mente da jornalista: por que não? Analisando jornais antigos, de 1938 a 1958, para descobrir como as canções eram recebidas pelo público e o acervo pessoal de Caymmi, ela descobriu, entre outras coisas, que, a partir da Bossa Nova, o até então “cantor das cousas e graças da Bahia” teve reconhecimento da crítica, da mídia e até de alguns de seus pares, que finalmente enxergaram a real dimensão das inovações estéticas que ele introduziu no conjunto maior

da mpb. Apesar de ter por natureza uma linguagem acadêmica, o fato de Stella ser uma jornalista foi decisivo para tornar a obra mais acessível. Concebido originalmente para comemorar os 70 anos de carreira do compositor e os 50 da Bossa Nova, o livro se transforma em homenagem póstuma, em razão da morte de Dorival Caymmi: – Apesar de Nélson Rodrigues ter dito que a unanimidade é burra, há exceções, e uma grande é meu avô. Sua obra é pequena, mas lapidada, criteriosa e se incorporou à vida das pessoas, não como autor regional, mas como alguém que tratava de temas simples, mas que descobrem a alma humana. – afirma Stella. Para Francisco Bosco, autor de Dorival Caymmi, publicado também em 2006, Caymmi e a Bossa Nova — O Portador do Inesperado é mais uma contribuição de Stella Caymmi aos estudos sobre a canção popular brasileira, agora sob a perspectiva, não habitual neste campo, da Estética da Recepção. Jornal da ABI 332 Agosto de 2008

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REPRODUÇÃO

CENTENÁRIO

Este poeta viu que tem gente com fome: Solano Trindade Homem de criação e de ação, ele foi um dos precursores da formação da consciência negra e fundou o Teatro Popular Brasileiro, que valorizou as coisas do povo. POR JOSÉ REINALDO MARQUES

O poeta, folclorista, pintor, ator e teatrólogo Solano Trindade (1908-1974), que completaria cem anos em 24 de julho, era um homem surpreendente. Por meio de sua obra, foi um dos precursores da chamada consciência negra e de um olhar referencial sobre a camada social menos favorecida, que tão bem decantou em seus versos e encenou em peças teatrais. Seus poemas são a expressão da vitalidade e a consciência política do artista, que permanece viva em Água do Rio e o Calor do Sol: “A vida é um grande monumental poema/ minha luta são estrofes/ são versos neste grande monumental poema (...)”. Ou nas palavras que escreveu para filha Raquel: “Estou conservado no ritmo do meu povo/ Me tornei cantiga determinadamente/ e nunca terei tempo para morrer.” O centenário deste pernambucano, nascido na Rua do Nogueira, no bairro pobre de São José, em Recife, está sendo lembrado com uma programação extensa — principalmente em Embu, São Paulo, onde viveu entre os anos 60 e 70 —, que inclui exposições, espetáculos teatrais e musicais e relançamento de livros. As homenagens começaram já no ano passado, quando Solano foi condecorado, post-mortem, na categoria Gran Cruz, com a Ordem do Mérito Cultural 2007 — a mais alta comenda do Governo brasileiro a personalidades e instituições pelo desenvolvimento da cultura nacional —, entregue pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva à sua filha Raquel, artista plástica e folclorista, em cerimônia realizada no Palácio das Artes, em Belo Horizonte, MG. Na época, o ator Sérgio Mamberti — então Secretário da Identidade e Diversidade Cultural do MinC – justificou a comenda com o seguinte comentário: “Solano Trindade era uma pessoa fantástica, um incansável batalhador da cultura popular brasileira.” O livro O poeta do povo, lançado pela Ediouro, é uma homenagem póstuma dos filhos Raquel Trindade Souza, Godiva Solano Trindade da Rocha e Liber36 Jornal da ABI 332 Agosto de 2008

to Solano Trindade. A publicação traz dados biográficos e reúne quatro cadernos de poesia selecionados de Poemas d’uma Vida Simples, Seis Tempos de Poesia e Cantares ao Meu Povo, publicados entre 1944 e 1953. No caderno Poemas Sobre o Negro, os versos remetem o leitor à saga do povo africano no Brasil, à influência religiosa no culto ao candomblé e à figura do líder Zumbi dos Palmares. O caderno Poemas de Cunho PolíticoSocial reúne os versos em defesa da igualdade social e racial, com destaque para as poesias Também Sou Amigo da América, Advertência e Tem Gente Com Fome, um dos seus poemas mais famosos e que lhe rendeu a primeira prisão política. Os versos foram musicados pelo grupo Secos & Molhados e censurados pelo regime militar – bem mais tarde, Ney Matogrosso gravou: Trem sujo da Leopoldina Correndo, correndo, Parece dizer: Tem gente com fome Tem gente com fome Tem gente com fome... Mas o freio de ar, Todo autoritário, Manda o trem calar: Psiuuuuu. Poemas de amor, como sugere o título, mostra o lado lírico de Solano, em versos criados para exaltar a beleza da mulher negra e o comportamento alegre característico dos afro-descendentes. Já Poemas Sobre a Vida do Poeta é dedicado aos versos nostálgicos sobre a infância, a família, o ambiente nordestino, com cenas das festas populares das cidades em que o autor viveu, como Interrogação, seu último poema, escrito em 1969, na cidade de Embu. Os poemas de Solano Trindade foram também reeditados pela Nova Alexandria, nos livros Poemas Antológicos e Tem Gente Com Fome. O primeiro foi subdividido em quatro seções – Vida, Nossa Vida, Deuses e Raízes, Amor à Flor da Pele e Resistência e Luta – e ilustrado por Raquel Trindade. O segundo acabou se tornando um livro infanto-juvenil, com ilustrações de Murilo Silva e Cintia Viana.

Solano Trindade foi também diretor da União Brasileira de EscritoresUBE e um dos mais importantes defensores da cultura afro-brasileira: – Sua poesia é de um engajamento que o põe na qualidade de um dos mais expressivos poetas negros do Brasil. Ele foi um militante de primeira hora – diz o escritor, jornalista e crítico literário Uelinton Farias Alves, autor de Solano Trindade – Tem Gente Com Fome e Outras Poesias (1988). O poeta era filho do sapateiro Manoel Abílio e de Emerenciana Quituteira e fala da família no Poema autobiográfico: “Quando eu nasci/ meu pai batia sola,/ minha mana pisava milho no pilão,/ para os angus das manhãs (...)./ Portanto, eu venho da massa, eu sou um trabalhador (...).” Os primeiros versos foram escritos nos tempos do Colégio Presbiteriano XV de Novembro, em Garanhuns,PE, mas ainda eram “textos místicos, publicados na revista escolar”, segundo o historiador Emmanuel de Macedo Soares. No entanto, não demorou para ele perceber que os pobres e os negros recebiam tratamento diferenciado até mesmo por parte das entidades religiosas da época. Assim, abandonou a diaconia e começou a traçar caminho próprio, em que o misticismo “cedeu lugar a um sentimento de afirmação da própria raça, bandeira de luta em peregrinações futuras pela Bahia, Minas, São Paulo e Rio Grande do Sul”, conta Emmanuel. Lançado na década de 1930, Poemas Negros foi seu primeiro movimento no sentido contrário do descaso da classe dominante em relação aos problemas étnico-sociais que se transformaram em objeto de estudo de alguns intelectuais brasileiros, entre os quais o sociólogo Gilberto Freire, com Casa Grande & Senzala. Anseios legítimos

Nos anos de 1934 e 1935, Solano participou ativamente do I e do II Congresso Afro-Brasileiro, respectivamente em Recife e Salvador. Em 1936, fundou a Frente Negra Pernambucana, reafirmando a defesa pela igualdade no Brasil: “Não faremos lutas de raça, porém ensinaremos aos irmãos negros que não há raça

superior nem inferior, e o que faz distinguir uns dos outros é o desenvolvimento cultural. São anseios legítimos a que ninguém de boa-fé poderá recusar cooperação”, diz o manifesto da entidade. Também em 36, criou o Centro de Cultura Afro-Brasileira. E começou os anos 40 viajando pelo País, para falar de cultura popular e consciência negra. No Rio, Solano conheceu Abdias Nascimento, que, na mesma época que ele, morou em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. No livro Abdias Nascimento – O Griot e as Muralhas, o poeta Éle Semog diz que alguns intelectuais, artistas e militantes do movimento negro chegaram a levantar a hipótese de os dois terem sido rivais, devido às propostas do Teatro Experimental do Negro, fundado por Abdias, e o Teatro Folclórico Brasileiro – mais tarde transformado em Teatro Popular Brasileiro —, de Solano Trindade. A versão é desmentida pelo próprio Abdias, que diz ter conhecido o poeta no momento em que acabara de se desiludir com o integralismo e começara a ter aproximação maior com os negros cariocas, cuja relação com sua cultura, por meio da religiosidade (especialmente o candomblé), era mais expressiva e direta do que em São Paulo. No livro, no capítulo Aprendendo os Caminhos, Abdias comenta: “Foi uma nova educação para mim, passei a freqüentar os terreiros e a conviver com outro tipo de intelectual. Um deles era o poeta Solano Trindade, um amigo querido, com quem eu discutia e brigava por causa daquela sua história de Partido Comunista; mas ele tinha a grandiosidade da cultura negra, ele tinha essa consciência”. O mesmo Abdias diz num texto que escreveu em 1944: “Entre os raros poetas


Teatro Popular

O sonho de esclarecer o povo sobre suas origens foi realizado com a criação do Teatro Popular Brasileiro-TPB, em 1950, com a mulher Maria Margarida Trindade e o sociólogo Edison Carneiro. As peças eram basicamente protagonizadas por gente das classes menos favorecidas, como domésticas e operários. Com o grupo, produziu vários espetáculos da genuína cultura popular brasileira, como capoeira, maracatu, bumba-meu-boi, congada, lundu, batuque e jongo, entre outros ritmos e danças que apresentou em turnê pelo Brasil e para companhias estrangeiras. Com isso, teve a oportunidade de levar o TPB para exibições na Polônia e na antiga Tcheco-Eslováquia.

Esta fase é lembrada pelo pesquisador, historiador e produtor cultural Haroldo Costa, que conheceu Solano no início dos anos 50, quando era um jovem estudante do Colégio Pedro II, mas já freqüentava o chamado Polígono Cultural, que funcionava no Centro do Rio, entre e a Cinelândia e a Avenida Graça Aranha, formado pelo Teatro Municipal, o Museu Nacional de Belas-Artes, a Biblioteca Nacional, a ABI, o Teatro Ginástico e o Palácio Gustavo Capanema, então sede do Ministério da Educação e CulturaMec. Em frente ao prédio da ABI havia um restaurante, o Vermelhinho, freqüentado por jornalistas, alunos da Escola de Belas-Artes, poetas e gente de teatro e cinema. “Era a meca da intelectualidade carioca”, diz Haroldo, relembrando que nesse período Solano, Abdias e

Ironildes Rodrigues colaboravam com atores iniciantes: – O Solano, que já havia criado o Teatro do Folclore Brasileiro, escreveu dois quadros para o chamado Grupo dos Novos, do qual eu fazia parte e que se apresentava no Auditório da ABI : Maracatu e Os pregões do Recife. Depois houve um mal-entendido entre ele e a Direção do TFB. Foi então que ele fundou o TPB. Assim como Haroldo, Raquel Trindade se lembra bem do Vermelhinho: – Quando minha mãe, eu e minha irmã chegamos do Recife, em 1950, fomos direto ao restaurante. Encontramos o Grande Otelo e minha mãe pediu a ele que avisasse meu pai de que estávamos no Rio. Logo que recebeu a notícia, ele foi nos buscar e a gente foi morar na Gamboa, na Rua do Livramento. Eu era pequena, mas cheguei a freqüentar com meu pai o Vermelhinho e a ABI, lugares onde conheci grandes artistas, como o maestro Abgail Moura, da Orquestra Afro-Brasileira. Quando Haroldo Costa lançou o Teatro Folclórico, também contou com ajuda do artista, que, juntamente com a mulher, passou a ensinar coreografias afro-brasileiras à nova companhia: – Foi nessa época que ele escreveu Tem gente com fome, poema que é a base para a compreensão da poesia negra engajada. Naquele momento, Solano declamou o caráter social profundo dos passageiros dos antigos trens da Leopoldina. O poema funciona como uma importante testemunha daquele período. Em 1969, Solano Trindade foi viver em Embu, que conheceu por intermédio do escultor Claudionor Assis Dias. Lá, fez diversas apresentações do TPB e lançou a Feira de Artes e Artesanato, ajudando a transformar a cidade em um dos mais importantes atrativos culturais e turísticos de São Paulo, hoje conhecido como Embu das Artes. É lá também que fica a sede do Teatro Popular Solano Trindade, administrado pela filha Raquel, e onde a Prefeitura celebrou o centenário de nascimento de Solano com selo e carimbo postal com sua efígie, lançados pelos Correios. O poeta – que também teve participação como ator nos filmes Agulha no Palheiro (Alex Vianny, 1952), A Hora e Vez de Augusto Matraga (Roberto Santos, 1965) e Santo Milagroso (Carlos Coimbra, 1966) – morreu no Rio de Janeiro, em 1974, vítima de arteriosclerose, deixando como herança um legado artístico inestimável: – A importância do meu pai – diz Raquel Trindade – está nas contribuições que ele deu ao País por meio de sua militância política e ao Movimento Negro, com a preservação da cultura afro-brasileira. Este era o verdadeiro sentido da sua célebre frase “pesquisar as origens do povo e devolvê-las em forma de arte”. É por isso que até hoje eu, meus filhos, netos e bisnetos continuamos esse trabalho, que passou a ser também muito importante para as nossas vidas.

ACERVO DA ABL-ANDRÉA MORAES

negros que conheço neste Brasil ‘mestiço’, Solano Trindade é o que melhor me satisfaz. Porque Solano Trindade não se encerrou na torre de marfim da arte e tampouco escreveu poesia negra com linguagem de ‘negro-branco’. (...) Ele é Negro, sente como Negro, e como tal cantou as dores, as alegrias e as aspirações libertárias do afro-brasileiro. Para mim Solano Trindade é o brado da raça, maior poeta negro do Brasil contemporâneo.” Solano foi militante ativo também do Partido Comunista Brasileiro-PCB e chegou a promover algumas reuniões da célula a que pertencia em sua casa. Quando o Partido passou a ser perseguido pelo Governo do Presidente Dutra, foi preso, mas não abandonou as convicções sobre liberdade e democracia – embora tenha se desligado mais tarde do PCB por discordar dos companheiros que diziam não haver no Brasil problema racial, apenas social.

Além de músico e crítico musical, Horta é teólogo e profundo conhecedor da Bíblia.

Mais um jornalista na Academia de Letras: Luiz Paulo Horta Músico e historiador da música, ele foi vitorioso em três escrutínios, em que enfrentou 18 candidatos. Considerado um dos mais notáveis críticos de música clássica do País na atualidade, o jornalista Luiz Paulo Horta agora também se tornou um imortal. Na quinta-feira, 21 de agosto, ele foi eleito para ocupar a cadeira de número 23 da Academia Brasileira de Letras, lugar que já pertenceu a Machado de Assis e estava vago desde maio, com a morte da escritora Zélia Gattai. Dos 39 acadêmicos, 30 compareceram e os demais votaram por carta em uma das disputas mais acirradas dos últimos tempos. Não à toa: a cadeira 23 não é uma vaga qualquer. Inaugurada por Machado, que escolheu como patrono José de Alencar, teve também outros ocupantes de destaque como Lafayette Rodrigues Pereira, Alfredo Pujol e Otávio Mangabeira. Jorge Amado ocupou-a por quatro décadas e sua mulher, Zélia Gattai, o substituiu por sete anos. Além disso, desde 2006 não havia cadeiras vagas. Na eleição, Horta superou outros 18 concorrentes: Antônio Torres, Nélson Valente, Marcelo Henrique, Isabel Lustosa, Jorge Eduardo Magalhães de Mendonça, Marco Aurélio Lomonaco Pereira, Ziraldo Alves Pinto, Blasco Peres Rego, Paulo Hirano, Valter Escravoni Alberto, Fábio Lucas, Embla Rhodes, José Paulo da Silva Ferreira, Octávio de Melo Alvarenga, João Carlos Zeferino, Palmerinda Vidal Donato, Felisbelo da Silva e Marylena Barreiros Salazar. – Luiz Paulo Horta tem uma obra belíssima e é talvez um dos melhores críticos de música de todos os tempos, além de ser um teólogo com profundo conhecimento da Bíblia. O fato de ter obtido as maiores cotações nos três

escrutínios mostra a importância de ele estar na Academia. – disse o Presidente da ABL, Cícero Sandroni. Bastante descontraído, Sandroni ainda brincou com o mais novo colega: Ele prometeu que vai colaborar com nossos próximos programas culturais. Quem sabe também não formamos um coral da ABL? Trajetória Luiz Paulo Horta nasceu em 1943, é carioca e membro da Academia Brasileira de Música. Estudou Piano e Teoria Musical nos Seminários de Música Pró-Arte. Em 1970, iniciou a carreira de crítico musical no Jornal do Brasil. Entre 1985 e 1990, foi o responsável pela seção musical do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Em seguida, foi para O Globo, em que escreve críticas até hoje. Publicou seu primeiro livro Cadernos de música, em 1983, e editou o Dicionário de Música Zahar. Escreveu também Guia da Música Clássica em CD, Sete Noites com os Clássicos e Villa-Lobos, Uma Introdução, e organizou, com Luiz Paulo Sampaio, a edição brasileira do Dicionário Grove de Música. Depois de receber a notícia de sua eleição por telefone do também imortal Arnaldo Niskier, Horta se disse muito emocionado, ainda mais por ocupar a cadeira que foi de Machado de Assis no ano do centenário da sua morte: – É uma coisa que só acontece uma vez na vida, uma oportunidade de fazer parte de uma instituição cada vez mais presente na sociedade. – disse, enquanto comemorava na casa da sogra em Copacabana com amigos e outros imortais. Jornal da ABI 332 Agosto de 2008

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EXPOSIÇÃO DIVULGAÇÃO/ROCCO

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ecorreram mais de 30 anos desde que ela deu ao mundo aquela que seria sua obra mais popular: A Hora da Estrela. Mesmo tempo, também, que esse mundo perdeu seu grande talento. Por causa disso, a exposição Clarice Lispector – A Hora da Estrela, que ficou em cartaz no ano passado no Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, e este ano no Centro Cultural Banco do Brasil-CCBB, no Rio, foi um momento mágico, daqueles capazes de revelar os mais escondidos segredos em fotografias, manuscritos, correspondências, documentos e primeiras edições. Em São Paulo, a exposição fez tanto sucesso, que atraiu quase 300 mil pessoas. No Rio, o público também compareceu em peso, encantado com a atmosfera do lugar, coberto por imagens ampliadas da escritora, sobrepondo frases e textos e integrando espaços íntimos como a sala de estar com o sofá e a máquina de escrever que usava. – Nosso objetivo era oferecer ao espectador uma introdução à riqueza do universo da escritora. Quem veio acredito que se tornou também seu admirador e leitor. – diz Júlia Peregrino, que assinou a curadoria da exposição com o poeta e escritor Ferreira Gullar. A cenografia ficou por conta de Daniela Thomas e Felipe Tassara. A exposição revelava as várias facetas de Clarice. Estavam lá suas grandes obras, do primeiro romance, Perto do Coração Selvagem, aos contos, arte em que se especializou e na qual talvez nenhum outro escritor de língua portuguesa tenha conseguido superá-la. No total, a escritora publicou 25 títulos e foi traduzida em 15 línguas. Um vídeo foi cedido pela TV Cultura, com as únicas imagens em movimento dela de que se tem notícia, gravadas durante uma entrevista ao jornalista Júlio Lerner no programa Panorama Especial. Porém, um lado menos conhecido e também presente mostrou que Clarice Lispector, por vezes, sentia-se mais à vontade do outro lado do microfone. Por quase quatro décadas, ela foi tradutora, cronista, contista, repórter, entrevistadora e colunista de página feminina em diversas revistas e jornais do Rio. Assim como na ficção, também na imprensa sua trajetória foi riquíssima e marcada por temas, preocupações, gêneros e insubordinações. Nascida em 1920 na cidade de Tchelchenik, Ucrânia, Clarice veio ainda bebê para Recife na companhia dos pais e de duas irmãs. As dificuldades financeiras e a morte da mãe quando ela tinha apenas nove anos forçaram a família a se mudar para o Rio de Janeiro e a levaram a se formar em Direito, embora nunca tenha advogado. O caminho que a escritora procura é outro. Em 1940, quando ainda estava na faculdade, ela bateu à porta da Agência Nacional, órgão do Departamento de Imprensa e Propaganda-Dip do Governo Getúlio Vargas, pedindo emprego. Diante da atitude direta da moça, o diretor, Lourival Fontes, propôs-lhe ser tradu-

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Pouco mais de 30 após sua morte, exposição lembra a carreira de Clarice Lispector na ficção e na imprensa.

A HORA DA JORNALISTA POR MARCOS STEFANO

tora, mas todas as vagas para esse cargo já estavam preenchidas. Foi assim que se tornou redatora e repórter. Primeiro, publicou o conto Triunfo, nas páginas da revista Pan, ainda em 1940. Em seguida, teria uma entrevista com o escritor Tasso da Silveira na Vamos Ler!. Sua primeira reportagem, Onde se ensinará a ser feliz, apareceu pouco tempo depois, em 19 de janeiro de 1941, no Diário do Povo, de Campinas, SP, e relatava a visita da primeira-dama da República, Darcy Vargas, a um orfanato feminino. Foi em 1942 que ela começou a trabalhar como redatora de A Noite e obteve seu registro profissional como jornalista. Apesar do ofício puxado, o romance a perseguiria. Nos anos seguintes, ela conciliou o jornalismo com a literatura e lançou, em 1944, seu primeiro romance. Também é nessa época que nasce uma das principais características de seu método de escrita: bastante espontânea, as idéias surgiam a qualquer hora, por isso, levava sempre com ela um pedaço de papel para anotar tudo no frescor do momento. – O trabalho de Clarice Lispector foi pioneiro. Era uma mulher no meio de um ambiente masculino, as redações. Mas vale lembrar que no fundo ela não se considerava jornalista nem tinha seu maior prazer em atuar na imprensa diária. Se pudesse, dedicaria-se integralmente à literatura – afirma a jornalista e professora Aparecida Maria Nunes, em seu livro Clarice Lispector Jornalista (São Paulo, Editora Senac). Apesar disso, a atuação de Clarice na imprensa não foi uma atividade passageira, de quem busca apenas garantir a subsistência em tempos de vacas magras, como acontecia muito naquele período. Afora os anos em que viveu no exterior, acompanhando o marido, o diplomata Maury Gurgel Valente, Clarice construiu uma longa, criativa e instigante carreira nas páginas de diversos veículos, que só veio a se encerrar dois meses antes de sua morte. Tanto que, durante os anos 50 e 60, aceitou o desafio de escrever colunas femininas, nas quais falaria sobre moda, beleza e comportamento. Porém, a preocupação com a ideologia veiculada nessas seções, que normalmente reduzia a mulher a um papel secundário na sociedade, e o temor de comprometer sua reputação como ficcionista levaram-na a assinar os trabalhos com pseudônimos. Como Teresa Quadros, escreveu entre maio e setembro de 1952 a coluna Entre Mulheres no jornal Comício, uma publicação que se tornaria precursora da imprensa alternativa. Depois, em 1959, assumiu a identidade de Helen Palmer, no Correio da Manhã; – Longe de se conformar, Clarice desejava driblar a ideologia dominante


nessas seções. Logo ela começou a utilizar os espaços da imprensa feminina para publicar inéditos e embriões de contos ou romances. Quando você caminha pelo que, aparentemente parece ser um monte de conversas frívolas, acaba descobrindo outra escritora. Submetida, sim, aos padrões da imprensa feminina, mas que, mediante artifícios ficcionais, instigava suas leitoras sobre si mesmas e sobre a vida – analisa Aparecida Nunes.

tivesse a mesma prática de décadas antes, mas interagia de uma maneira que só ela seria capaz de fazer. E não somente com amigos; também com desafetos. Um desses casos foi uma entrevista com a socialite Teresa Souza Campos, a mulher mais elegante, com quem Clarice não simpatizava. Mas queria buscar o lado humano por trás das grifes, talvez movida pelo dever de dar a notícia. Mesmo com os mais chegados, o papo era diferenciado: – Fernando, por que você escreve? Eu não sei porque escrevo e talvez o que você disser sirva também para mim. – disse Clarice a Fernando Sabino. E continua: Como começa em você a criação, por uma palavra, uma idéia? Esse ato criador é sempre deliberado? Ou você, de

DIVULGAÇÃO/ROCCO

Só Para Mulheres Aqueles eram tempos nos quais tantas vezes a redação produzia e editava a parte noticiosa dos veículos e depois ainda precisava dar conta das colunas das celebridades. Estas contribuíam com suas assinaturas estelares, mas os verdadeiros autores de seus textos eram jornalistas tarimbados. No início de 1960, o jornalista Alberto Dines acabara de assumir o Diário da Noite, cuja circulação despencara de 200 mil para 8 mil exemplares diários, depois que os concorrentes Última Hora e O Globo entraram no mercado matutino. Para recuperar o prestígio do jornal que lançou Suzana Flag – pseudônimo sob o qual o dramaturgo e escritor Nelson Rodrigues assinava seus folhetins duas décadas antes –, transformou-o em vespertino e decidiu apostar nos nomes dos famosos. Uma página feminina seria assinada pela atriz e modelo Ilka Soares. Mas quem a escreveria? Afinal, a equipe era pequena e estava sobrecarregada. Um telefonema de Oto Lara Resende resolveu o problema: – Ele me pediu para dar uma força para a Clarice, que estava precisando de emprego. Como precisava de um ghost-writer, o que seria melhor de uma escritora fenomenal por trás de um ícone de geração? Surpreendeu-me a habilidade de uma ficcionista para se aproximar do público feminino do tablóide popular – conta Dines. Só Para Mulheres foi muito bem recebida por todos. Clarice enviava as colunas para a redação já prontas, editadas, diagramadas e ilustradas. Montava tudo em casa, com recortes de publicações femininas internacionais como Vogue e Elle. Esse processo continuou até o fechamento do jornal, em março de 1961. Em 1967, Oto novamente ligou para

Dines. O jornalista e sua equipe estavam então criando o Caderno B do Jornal do Brasil para os sábados. Como o jornal não saía às segundas, a seção de cultura circulava de terça a sexta e não havia ainda um cronista para a página 2. Mais uma vez Clarice caiu como uma luva e foi decisiva para trazer para o JB um leitor mais exigente e cumprir com os objetivos da reforma que então era feita no veículo. – Clarice ia pouco à Redação, preferia tratar tudo por telefone. Era muito reservada. Talvez fosse involuntariamente discreta por causa do acidente, o incêndio em seu colchão, que a deixou dias entre a vida e a morte, deformou partes de seu corpo e deixou marcas profundas. Com o tempo, até se acostumou, mas em fim ficou a impressão de que passou a viver se protegendo das cicatrizes – comenta Dines. Clarice Lispector publicou suas crônicas no JB entre 1967 e 1973. Esquiva, evitava declarações muito íntimas nas entrevistas que concedia e chegou a afirmar que jamais escreveria uma autobiografia. Mas naquelas crônicas deixou escapar, de tempos em tempos, confissões que formam um belo retrato seu. Ela falava sobre os mais diversos temas, da descoberta do amor ao seu temperamento impulsivo. Dizia que era escritora, não intelectual, e que escrever, para ela, era sobreviver: – Eu disse a uma amiga: ‘A vida sempre superexigiu de mim’. Ela respondeu: ‘Mas lembre-se que de que você também superexige da vida’. ‘Sim.’ Sou tão misteriosa que não me entendo – escreveu ela em um de seus textos. Nesse entretempo, em maio de 1968, nove meses depois de sua estréia no JB, Clarice aceitaria produzir para a revista Manchete uma seção de entrevistas, Diálogos Possíveis. A cada semana, entrevistaria um convidado, normalmente pessoas admiradas ou conhecidas, que vinham a sua casa, como os músicos Tom Jobim, Chico Buarque e Jacques Klein; as pintoras Djanira e Grauben; as atrizes Bibi Ferreira e Tônia Carrero e os escritores Jorge Amado, Pablo Neruda e Erico Veríssimo, este último, um amigo de longa data. Era sua volta aos princípios, um jornalismo em estado puro. Talvez não

repente, vê-se escrevendo? Comigo é uma mistura. É claro que tenho o ato deliberador, mas precedido por uma coisa qualquer que não é de modo algum deliberada. Já houve quem apontasse o pendor da entrevistadora para a primeira pessoa como uma influência do new journalism. A hipótese não pode ser descartada, mas o passado de Clarice na imprensa revela que, ao assumir o posto de quem entrevista, ela provavelmente estivesse atuando mais intuitivamente. Da mesma maneira que fazia em sua obra literária. Os anos seguintes são de intensa produção, tanto ficcional como de literatura da realidade. Até que, em 1977, descobre um câncer de ovário. O fim é rápido e a morte vem no dia 9 de dezembro, um antes de seu 57º aniversário. A palavra escrita ocupou-a até o fim. Tanto que, de dezembro de 1976 a outubro de 1977, colaborou também em entrevistas com Fatos & Fotos Gente, outra revista do Grupo Bloch. Já suas crônicas, naquele tempo, eram publicadas na Última Hora. Ainda assim, que fique claro: Clarice Lispector não é daquelas cujo nome consta no rol de “jornalistas e escritores”. Sua verdadeira carreira desenvolveu-se na ficção. Mas não saborear também seu lado jornalístico seria um desperdício e uma privação de boa leitura. Afinal, como ela mesma costumava dizer, a palavra era sua verdadeira missão, seu domínio sobre o mundo, o qual ajudou a ser melhor.

Clarice, que era sindicalizada (página anterior), pegava no batente do dia-adia da profissão, antes de despertar admiração como escritora.

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Vidas

Fenelon, seis décadas de dedicação à ABI Por mais de seis décadas, desde que ingressou na Casa em 1 de abril de 1948, Fenelon Paul Perdigão foi um dos mais assíduos freqüentadores do Edifício Herbert Moses e um dos mais eficientes colaboradores da ABI. Foi com extremo pesar, por isso, que a Casa recebeu a n otícia do seu passamento, por insuficiência respiratória, no dia 1 de agosto. Além de jornalista, que trabalhou como redator, diretor de publicações e fotógrafo, Fenelon era ator de cinema, no qual colaborava por paixão, sem preocupação profissional ou econômica, e fisioterapeuta, especialidade em que prestou colaboração à ABI,

atendendo os sócios e seus dependentes na Diretoria de Assistência Social. O Presidente da ABI, Maurício Azêdo, ressaltou o empenho de Fenelon Perdigão nas questões que a Casa enfrentou durante a ditadura militar, além da solidariedade por ele prestada a companheiros presos. — Fenelon era um sócio interessado pela Casa. No fim dos anos 60 e ao longo da década de 1970, houve muitas perseguições a jornalistas que eram diretores da ABI, como os que foram presos no Natal de 1972. Durante todo esse período, Fenelon participou das lutas de resistência da ABI ao regime militar. Adalberto do Nascimento Cândido, o Candinho, funcionário mais antigo da ABI, também deu seu depoimento sobre Fenelon Perdigão. — Quando eu cheguei à ABI, em 1948, ele já era associado da Casa. Lembrome dele freqüentando o Salão de Estar do 11º andar, para jogar sinuca. Além de jornalista, ele era ator de cinema. Fez um papel no filme Assalto ao Trem Pagador (1962), de Roberto Farias, e dizem que ficou amigo do John Wayne, quando ele esteve n o Brasil, no começo dos anos 40. Também era fisioterapeuta e dava atendimento

Jornalista de muitos talentos, Fenelon foi fotógrafo, redator, ator e dirigiu Garota, revista destinada ao público feminino, onde trabalhava também como ilustrador.

no serviço de assistência médica que funciona no edifício-sede da Casa. Além de Assalto ao Trem Pagador, Fenelon atuou em outros filmes nacionais, como Rio, 40 Graus (1955), de

Nélson Pereira dos Santos, Perpétuo Contra o Esquadrão da Morte (1967) e O Barão Otelo no Barato dos Milhões (1971), ambos de Miguel Borges, e pornochanchadas produzidas por Nilo Machado. Entre os anos 50 e 60, participou também de fotonovelas na revista Grande Hotel. Quando se associou à ABI, Fenelon dirigia a revista Garota, em que exerceu anteriormente a função de ilustrador. A publicação tinha na equipe Luíz Fausto, diretor técnico e também ilustrador, Solita Carvalhal, Nélson Amaro e Regina Coeli. Garota, como o próprio título sugere, era dirigida ao público feminino. Na edição de lançamento (1º de agosto de 1947, ano I,nº 1), o poeta J. G. de Araújo Jorge fez a apresentação: “Aqui está Garota. Por que havia de estar eu aqui no ‘pórtico’ a dizer alguma coisa para os leitores? Dizem os organizadores desta Revista que não ficaria mal que um poeta tivesse a palavra para fazer esta apresentação inicial.(...) Não estranhei. (...) Garota vai conquistar o carioca; estará na praia, no salão, (...) em toda a cidade. Irá na bolsa da carioca, porque é pequena e prática. Façamos votos que vá também em seu espírito e em seu coração.” Os múltiplos talentos de Fenelon Paul Perdigão o levaram a trabalhar também como fotógrafo na antiga Manchete. — Meu pai se orgulhava de ter sido o autor da fotografia que ilustrou a capa da primeira edição da revista — conta Rogério Perdigão —, apesar de o crédito ter sido dado a toda a equipe, que era coordenada pelo Jean Manzon. Na Manchete, ele também participou do furo de reportagem do caso Bandeira, caso famoso ocorrido no Rio, que ficou conhecido como o Crime do Sacopã.

Cunhão, um modelo de competência e de caráter Definido por sua colega na Redação Rio do Jornal da Tarde Magdalena de Almeida como um modelo de competência profissional e de caráter como pessoa, o jornalista Antônio Roberto Salgado da Cunha morreu aos 58 anos no dia 20 de agosto, vítima de câncer no pulmão. Cunhão, como era chamado pelos amigos, por ser mais alto que seu tio Mário da Cunha, que o iniciou no jornalismo, era membro efetivo do Conselho Deliberativo da ABI, que ele integrou por mais de um mandato: eleito para o triênio 2003-2006, foi reeleito em 2006 para o período 20062009. Ele era sócio da ABI desde 22 de outubro de 1974. O Presidente da ABI, Maurício Azêdo, lembrou que nos anos 70 Antônio Cunha integrou no Rio “uma equipe brilhante da Sucursal do Jornal da Tarde, liderada pelo jornalista Ayrton Baffa, que na época era o Secretário de Re-

dação, e na qual figuravam os jornalistas Domingos Meirelles, Luiz Carlos Lisboa, Cláudio Lacerda e os fotógrafos Falta foto Iarli Goulart e Fernando Bueno”. — Ele começou muito jovem como repórter e sempre teve um desempenho jornalístico marcado pela competência e por um compromisso inarredável com a busca da verdade — disse Maurício. Domingos Meirelles, Diretor Econômico-Financeiro da ABI, foi colega Cunhão no Estadão e em O Jornal, no começo dos anos 70. Sua principal característica, disse Domingos, era a solidariedade com os colegas: —

Ele foi um dos profissionais mais dedicados e afetuosos com os companheiros com quem trabalhei até hoje. Era solidário, prestativo e também superqualificado, com um fa-ro incomum para a notícia. A jornalista Magdalena de Almeida, atualmente Diretora do Instituto Ary Carvalho, instituição sociocultural do Grupo O Dia, lembra do tempo em que trabalhou com Antônio Cunha no Jornal da Tarde. Ele se destacava em uma Redação de que faziam parte Ferreira Gullar, Maurício Menezes, Márcio Guedes, Rui Portilho, Fernando Molina, João Zacarias,

Roberto Arruda, Gilson Menezes e Gilson Rebello. — O Antônio Cunha tinha um excelente caráter. Era um chefe da maior competência, e acima de tudo, o que é raro na relação profissional, um grande amigo. Outra característica que o destacava era a capacidade de encomendar uma matéria para o repórter com o perfil mais adequado para desempenhar aquela função, o que era muito bom, porque garantia o sucesso do trabalho. Depois que se afastou do jornalismo diário, Antônio Roberto Salgado Cunha passou a trabalhar como consultor e assessor de imprensa. Foi assessor de Comunicação Social do Governador Marcello Alencar e, mais recentemente, exerceu a mesma função nos Governos de Anthony e Rosinha Garotinho e na Companhia Estadual de Águas e Esgoto-Cedae.

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Vidas MANOEL PIRES/FOLHA IMAGEM

Ao se radicar no Rio, no fim dos anos 30, ele chegou a se enturmar com os jornalistas, obteve registro profissional no Ministério do Trabalho, mas a paixão pela música foi mais forte que o fascínio pelo jornalismo. O que é que o Caymmi tem? Tentar responder a essa pergunta aprisionando o genial compositor e sua obra no folclore e na temática baiana é um grande equívoco. Assim como, dizer que se trata apenas de um “precursor” da Bossa Nova. Sem Dorival Caymmi, a Bossa, que completa seus 50 anos, não seria tão nova e a música popular brasileira não viria acompanhada da mesma mística e utopia. Por isso, a morte do autor de sambas consagrados como Vatapá, Marina, Só Louco, Você Já Foi à Bahia?, Preta do Acarajé, 365 Igrejas e O Que É Que a Baiana Tem?, no sábado, 16 de agosto, chegou a ser comparada pelo compositor Aldir Blanc a uma catástrofe ecológica: – Ficamos sem mar, sem vento, sem rio, sem floresta. Ficamos num deserto? – questiona ele, deixando claro não o que Caymmi tinha, mas o que era. Caymmi era antes de tudo um artesão da palavra. Demorava anos para fazer uma canção porque queria o termo certo no lugar certo. Essa busca por fluência fez com que muitas de suas frases parecessem colhidas no ar, mesmo

sem o uso de metáforas e buscando sempre o elemento visual. Para ele, a proverbial “preguiça baiana” nada mais era do que o melhor método de trabalho de um paciente artesanato verbal, que lhe rendeu pouco mais de uma centena de composições. E justo reconhecimento. – Dorival Caymmi é um dos fundadores da mpb, um patriarca de uma linhagem de músicos de talento. Suas canções praieiras e seus sambas-canção são patrimônio da cultura nacional. Brilhou e inovou como compositor, músico e cantor. Sua obra é uma completa tradução da Bahia, diz o Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. A obra do compositor é mais ainda, até porque Caymmi viveu sete décadas no Rio. Como passou seus primeiros 24 anos em Salvador, impregnou os olhos, ouvidos e sentimentos para deixar a todos com saudade da Bahia do começo do século 20. Mulato de ascendência italiana, cresceu entre a capoeira, os afoxés, as rodas de samba do Recôncavo Baiano, cânticos de orixás e formas eruditas da Europa, de Bach a Debussy.

– Caymmi, embora único, é um produto típico da mestiçagem e do sincretismo baianos, que fundem orixás e modernismo, a literatura de Jorge Amado e a poesia de Lorca. Não nos esqueçamos que Itapuã era uma comunidade de pescadores místicos e artesanais, mas ele a fez soar pela indústria do disco e pelas ondas da Rádio Nacional. – analisa o poeta e antropólogo Antonio Risério, autor de Caymmi: Uma Utopia de Lugar, lembrando a religiosidade do compositor. Filho-de-santo de Mãe Menininha do Gantois, escreveu em 1972 a música Oração de Mãe Menininha, que acabou gravada por Gal Costa e Maria Bethânia. Caymmi jornalista Em 1938, aos 23 anos e com o incentivo de Gilberto Matins, diretor da Rádio Clube da Bahia, Dorival Caymmi viajou de navio para a capital federal. Mas chegando lá, buscou outros caminhos: arrumou um emprego de jornalista e começou a fazer o curso preparatório de Direito. Nesse tempo, conheceu Carlos Lacerda e Samuel Wainer,

passando a fazer diversos trabalhos na imprensa e trabalhando para os Diários Associados, de Assis Chateaubriand. Mas não ficou muito tempo no ramo. Apresentado a um diretor da Rádio Tupi, como ainda compunha e cantava, estreou cantando duas composições e começou a fazer sucesso como calouro, especialmente depois de participar do programa Dragão da Rua Larga, com O Que é Que a Baiana Tem. Naquela época, o mito encontrava sua correspondência. Tanto é que, ao compor O Que É Que a Baiana Tem?, Caymmi a ensinou a Carmen Miranda em 1939, dando ainda dicas sobre trejeitos e balangandãs que consagrariam a cantora em Hollywood. A partir da Bossa Nova e na voz de Tom Jobim e João Gilberto, Caymmi contribuiu para alterar a sensibilidade brasileira. A partir de sua obra, Iemanjá passou a ser celebrada de uma ponta à outra do País e o candomblé, que sofria perseguições policiais, tornou-se patrimônio do povo. – Sua obra ganhou um tom de permanência, passando a morar na memória coletiva e ajudando a construir a identidade do Brasil. Como disse Jobim, eram modernas, pois empregavam notas de sexta e sétima maiores nos acordes menores, imprevisíveis modulações de meio-tom, que ninguém usava na


LUCIANA WHITAKER/FOLHA IMAGEM

época. Mas também, tal qual apontou Jorge Amado, narravam algo antigo, porém permanente, como em suas canções praieiras. – diz o ensaísta e letrista Francisco Bosco. Ao modernizar a música brasileira, Caymmi atravessou a Bossa Nova e saiu dela ainda mais forte, influenciando a geração de Chico Buarque, Gilberto Gil – que foi casado com a filha do compositor, Nana, na década de 1960 – e Caetano Veloso. Agora, a voz e o violão impossíveis de serem copiados de Caymmi estão em digitalização no Instituto Antonio Carlos Jobim. Casado com Adelaide Tostes, a cantora Stella Maris, que trabalhou no rádio nos anos 30, pai de Nana, Danilo e Dori, todos também cantores, Caymmi sofria de câncer nos rins há nove anos e nos últimos meses já não podia quase sair de casa. Dormia em seu apartamento, na Zona Sul do Rio, quando sofreu insuficiência renal e falência múltipla dos órgãos. Na ocasião, a esposa, com 86 anos, estava internada em um hospital e havia entrado em coma poucos dias antes. Como numa das canções míticas e cheias de amor e sensualidade do marido, partiu apenas 11 dias depois. – Acho que ele teve uma vida muito plena, e não está morrendo esquecido, mas no auge. – disse o novelista Gilberto Braga no velório. Ele contou ter escolhido Sábado em Copacabana para a abertura da novela global Paraíso Tropical, por causa do amor de Caymmi pelo bairro carioca e finalizou: – O último dos grandes compositores dos anos 30 está indo. E com ele o apogeu da mpb.

Caymmi manteve a alegria de viver até que a mulher, Stella, enfrentou longa internação.

Caymmi e a ABI A ABI expressou no dia 16 de agosto sua grande tristeza pela morte do cantor e compositor Dorival Caymmi, que integrava a Comissão de Honra de seu centenário, presidida por Oscar Niemeyer. Ao aceitar em fevereiro passado o convite para integrar a Comissão, Caymmi lembrou que tinha forte ligação afetiva com a Casa desde os tempos de Herbert Moses, no fim dos anos 30, quando se radicou no Rio de Janeiro, após o sucesso de O que é que FOLHA IMAGEM

Os inseparáveis Jorge Amado e Caymmi, numa foto de 1952: com romances embebidos de coisas e gente da Bahia, o escritor inspirou poemas e músicas do amigo.

a baiana tem, em 1938. Caymmi tinha registro de jornalista profissional, obtido no começo da década de 40, quando ainda não se dedicava integral e exclusivamente à música popular. Nesse começo de vida no Rio de Janeiro, o jovem Dorival foi atraído pelo jornalismo, até porque um de seus fraternais conterrâneos, o escritor também jovem Jorge Amado, freqüentava as rodas de escritores e de jornalistas, que então não tinham barreiras de especialização a dividi-los.e viviam em intensa comunhão intelectual, política e social. Um registro fotográfico da convivência com os jornalistas com que se enturmara foi publicado na Edição Especial do Centenário, Volume 1, do Jornal da ABI, como ilustração do texto do jornalista Dácio Malta sobre seu pai, o também jornalista Octávio Malta. Nessa fotografia, do acervo da família de Octávio Malta, Caymmi aparece com o próprio Malta, Samuel Wainer, Carlos Lacerda, Emil Farhat e um jornalista não identificado. Caymmi enturmava-se não com jornalistas quaisquer, mas com os de esquerda, que enfrentavam então as restrições impostas pela ditadura do Estado Novo e pelo famoso Dip (Departamento de Imprensa e Propaganda) de Lourival Fontes. Na conversa que manteve pelo telefone com o Presidente da ABI, por iniciativa de seu filho Dori, Caymmi declarou-se emocionado com o convite para integrar a Comissão de Honra do Centenário, evocou a convivência com Moses e se colocou à disposição para participar de eventos comemorativos dos 100 anos da Casa. Era um arrebatamento ditado pela emoção de ser lembrado e pela antiga ligação afetiva com a ABI, pois já àquela altura seu estado de saúde exigia cuidados especiais. Foi com sincero pesar que a ABI divulgou esta declaração no dia do seu passamento: “A Associação Brasileira de Imprensa

recebeu com grande tristeza o falecimento do cantor e compositor Dorival Caymmi, que integrava a Comissão de Honra do Centenário da ABI, com a qual manteve forte ligação afetiva desde os tempos de Herbert Moses, no fim dos anos 30, quando se radicou no Rio de Janeiro, após o sucesso de O que é a baiana tem, em 1938. Essa relação foi lembrada por Caymmi em fevereiro passado, quando, por iniciativa de seu filho Dori Caymmi, telefonou para a ABI para dizer que aceitava como grande honra o convite para integrar a Comissão do Centenário. Antes de se tornar o notável cantor e compositor cujo passamento o País lamenta, Dorival Caymmi participou ativamente da comunidade jornalística do Rio de Janeiro, da qual só se afastou, como aspirante a futuro profissional, porque o êxito como criador de música popular lhe deixou claro que estava fadado a atuar nesse campo. Ele chegou a obter no começo dos anos 40 o registro de jornalista profissional, mas preferiu enveredar pelo campo da criação musical, sem, porém, se afastar dos companheiros jornalistas. Na Edição Especial do Centenário, Volume 1, de seu jornal, a ABI publicou uma fotografia desse momento da vida de Caymmi, em que ele aparece em primeiro plano num grupo de jovens jornalistas que se destacariam na imprensa e na vida nacional nos anos seguintes: pela ordem na foto, Carlos Lacerda, Octávio Malta, Samuel Wainer, Emil Farhat. Além de excepcional como criatura, pelo carinho com que tratava as pessoas, Dorival Caymmi marca sua passagem entre nós pelo talento de poeta, cantor e compositor, pelo amor à sua Bahia e ao Brasil expresso em suas criações e pelo teor de brasilidade que imprimiu à sua obra. É a esse artista extraordinário que a ABI rende homenagens neste momento. (a) Maurício Azêdo, Presidente.”



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