Ancelmo Gois: Escrever pouco é mais difícil que escrever muito Dono da coluna mais lida da nossa imprensa, ele revela que não é fácil dar o recado, com furo ou opinião, no espaço de três linhas. Páginas 20, 21, 22, 23, 24 e 25
Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa
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Jornal da ABI
J ULHO 2009
FAZ 100 ANOS ESTE HERÓI DA LIBERDADE Páginas 12, 13, 14 e 15
Luta pelo diploma move o Congresso contra o Supremo Projetos já em tramitação podem restaurar o que o STF cassou. Páginas 17, 18 e 19
Canal 100: como o cinema gerou a paixão do futebol O talento de seu criador, Carlinhos Niemeyer, fez a técnica servir à emoção. Páginas 42, 43, 44 e 45
Jornais gratuitos, a novidade que cresce no mercado Um deles, o semanário Resumo, de São Paulo, tira 200 mil exemplares. Páginas 3, 4, 5 e 6
A BRUXA DA CENSURA ESTÁ SOLTA
Contrariando o disposto na Constituição da República, o Desembargador Dácio Vieira, doTribunal de Justiça do Distrito Federal, impôs censura prévia ao jornal O Estado de S. Paulo, submetendo-o a violência igual à imposta pela ditadura. Também estão sofrendo censura A Tarde, de Salvador, e sites da Bahia e do Espírito Santo.
PÁGINAS 30, 31 E 36 E EDITORIAL NA PÁGINA 2: JUSTIÇA TOTALITÁRIA
FORMA DE FAZER CARTAZES
ENTIDADES DIZEM NÃO A UM AI-5 NA INTERNET
TER COMPROMISSO SOCIAL?
COM O PAÍS SITIADO E SEM RECURSOS, ARTISTAS RECORREM À SERIGRAFIA . P ÁGINAS 40 E 41
A AMEAÇA ESTÁ CONTIDA EM PROJETO DO S ENADOR EDUARDO AZEREDO. PÁGINAS 10 E 11
NESSA LINHA, AS IDÉIAS E CRIAÇÕES DE JOÃO ROBERTO RIPPER . PÁGINAS 38 E 39
CUBANOS MOSTRAM NOVA
O FOTOJORNALISMO DEVE
UCHA
AGÊNCIA O GLOBO
MANO DÉCIO DA VIOLA
Editorial
JUSTIÇA TOTALITÁRIA NO PASSADO RECENTE e em repetidas oportunidades, seja em declarações públicas, seja em textos editoriais deste jornal, a ABI tem sustentado que atualmente o maior inimigo da liberdade de imprensa e da liberdade de informação no Brasil é o Poder Judiciário, pela freqüência com que magistrados de primeira instância, em diferentes pontos do País, têm ignorado os mandamentos da Constituição da República concernentes a esses bens imateriais que compõem o Estado Democrático de Direito instituído pela Carta Magna, o qual, diferentemente do imaginado pelas abstrações idealistas, é construído passo a passo pelo esforço coletivo no cotidiano da vida social. O DEFORMADO COMPORTAMENTO desses membros da magistratura, infelizmente não limitado aos juizados do primeiro grau do Judiciário, já que respeitáveis desembargadores, como se deu há cerca de dois anos no Estado do Paraná, têm igualmente cometido as mesmas impropriedades na leitura, interpretação e aplicação do texto constitucional, resulta de insuficiências não apenas da formação jurídica, mas também da qualificação cultural, do desconhecimento da recente História do País e das provações impostas a quantos se empenharam na luta pelo Estado Democrático afinal conquistado. É fruto, também, da alienação. IGNORAM INÚMEROS AGENTES da magistratura que esse regime político não caiu do céu nem foi adotado por favor ou concessão dos donatários civis e militares que ocuparam o Poder durante 21 anos. Nesse prolon-
Jornal da ABI Número 343 - Julho de 2009
Editores: Maurício Azêdo e Francisco Ucha Projeto gráfico, diagramação e editoração eletrônica: Francisco Ucha Edição de textos: Maurício Azêdo, Marcos Stefano e Paulo Chico Fotos: Acervo Biblioteca da ABI (Biblioteca Bastos Tigre), Agência Brasil, Agência Câmara, Agência O Globo, Folha Dirigida, Folhapress. Apoio à produção editorial: Alice Barbosa Diniz, Ana Paula Aguiar, Conceição Ferreira, Fernando Luiz Baptista Martins, Guilherme Povill Vianna, Maria Ilka Azêdo, Mário Luiz de Freitas Borges. Publicidade e Marketing: Francisco Paula Freitas (Coordenador), Queli Cristina Delgado da Silva, Paulo Roberto de Paula Freitas. Diretor Responsável: Maurício Azêdo Associação Brasileira de Imprensa Rua Araújo Porto Alegre, 71 Rio de Janeiro, RJ - Cep 20.030-012 Telefone (21) 2240-8669/2282-1292 e-mail: abi.presidencia@abi.org.br Impressão: Taiga Gráfica Editora Ltda. Avenida Dr. Alberto Jackson Byington, 1.808 - Osasco, SP
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com violação grosseira da determinação constitucional que veda “toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”. Prova-o, também, em outra latitude mas revestida do mesmo ranço totalitário, a censura de igual caráter imposta ao jornal A Tarde por um juiz de primeira instância, numa demonstração de que o clamoroso desrespeito ao texto constitucional invadiu e se instalou em diferentes escalões do Judiciário. gado e tormentoso momento da vida nacional tombaram e foram sacrificados milhares de patrícios, punidos com cassações de mandatos e de direitos políticos; privação da liberdade; proscrição da possibilidade de acesso aos meios de sobrevivência na iniciativa privada e no serviço público; exílio no exterior e na própria Pátria, numa materialização da imagem literária cunhada por Euclides da Cunha; torturas; mortes; desaparecimentos após prisões ilegais. As gerações que se preocuparam com o País após a democratização de 1945 pagaram pesado tributo para a instituição desse Estado Democrático de Direito; seu sacrifício tem de ser respeitado. NA DIREÇÃO CONTRÁRIA a esse dever cívico manifestam-se e agem não poucos dos ungidos para o exercício da relevante missão que a toga lhes impõe. Prova-o, agora, a decisão de um desembargador do Tribunal de Justiça do Distrito Federal – não um tribunal qualquer, mas um organismo do Judiciário sediado na capital da República — de impor a censura prévia ao jornal O Estado de S. Paulo,
DIRETORIA – MANDATO 2007/2010 Presidente: Maurício Azêdo Vice-Presidente: Tarcísio Holanda Diretor Administrativo: Estanislau Alves de Oliveira Diretor Econômico-Financeiro: Domingos Meirelles Diretor de Cultura e Lazer: Jesus Chediak Diretor de Assistência Social: Paulo Jerônimo de Sousa (Pajê) Diretor de Jornalismo: Benício Medeiros CONSELHO CONSULTIVO 2007-2010 Chico Caruso, Ferreira Gullar, José Aparecido de Oliveira (in memoriam), Miro Teixeira, Teixeira Heizer, Ziraldo e Zuenir Ventura. CONSELHO FISCAL 2009-2010 Geraldo Pereira dos Santos, Presidente, Adail José de Paula, Adriano Barbosa do Nascimento, Jorge Saldanha de Araújo, Luiz Carlos de Oliveira Chesther, Manolo Epelbaum e Romildo Guerrante. MESA DO CONSELHO DELIBERATIVO 2009-2010 Presidente: Pery Cotta 1º Secretário: Lênin Novaes de Araújo 2º Secretário: Zilmar Borges Basílio Conselheiros efetivos 2009-2012 Adolfo Martins, Afonso Faria, Aziz Ahmed, Cecília Costa, Domingos Meirelles, Fernando Segismundo, Glória Suely Álvarez Campos, Jorge Miranda Jordão, José Ângelo da Silva Fernandes, Lênin Novaes de Araújo, Luís Erlanger, Márcia Guimarães, Nacif Elias Hidd Sobrinho, Pery de Araújo Cotta e Wilson Fadul Filho. Conselheiros efetivos 2008-2011 Alberto Dines, Antônio Carlos Austregesylo de Athayde, Arthur José Poerner, Carlos Arthur Pitombeira, Dácio Malta, Ely Moreira, Fernando Barbosa Lima (in memoriam), Leda Acquarone, Maurício Azêdo, Mílton Coelho da Graça, Pinheiro Júnior, Ricardo Kotscho, Rodolfo Konder, Tarcísio Holanda e Villas-Bôas Corrêa. Conselheiros efetivos 2007-2010 Artur da Távola (in memoriam), Carlos Rodrigues, Estanislau Alves de Oliveira, Fernando Foch, Flávio Tavares, Fritz Utzeri, Jesus Chediak, José Gomes Talarico,
NO CASO DA CENSURA ao Estadão há outro componente por demais preocupante, que agrava a transgressão da dicção da Carta Magna. O magistrado que a determinou não cumpriu, como deveria, a obrigação ética de se declarar impedido para decidir acerca de um pleito formulado por membro de uma família com a qual mantém relações pessoais, o que o inabilitaria, se respeitada a normalidade, para intervir em tal feito judicial. Neste episódio foi vulnerado não somente o texto da Constituição pertinente ao direito de informação, mas a moralidade que esta arrola entre os princípios da administração pública, na qual se inclui a judicatura. QUADRO TÃO DEPLORÁVEL só não é mais angustiante porque atuou como detonador de vigorosa reação ao totalitarismo que tanto nos agride. Apesar da leniência com que o Judiciário tem encarado seu dever de revogar a liminar censória, o Estado Democrático de Direito vai resistir e afirmar sua hegemonia sobre aqueles que adotam decisões e práticas contrárias àquilo que a Constituição estabelece.
José Rezende Neto, Marcelo Tognozzi, Mário Augusto Jakobskind, Orpheu Santos Salles, Paulo Jerônimo de Sousa (Pajê), Sérgio Cabral e Terezinha Santos. Conselheiros suplentes 2009-2012 Antônio Calegari, Antônio Henrique Lago, Argemiro Lopes do Nascimento (Miro Lopes), Arnaldo César Ricci Jacob, Ernesto Vianna, Hildeberto Lopes Aleluia, Jordan Amora, Jorge Nunes de Freitas, Lima de Amorim, Luiz Carlos Bittencourt, Marcus Antônio Mendes de Miranda, Mário Jorge Guimarães, Múcio Aguiar Neto, Raimundo Coelho Neto e Rogério Marques Gomes. Conselheiros suplentes 2008-2011 Alcyr Cavalcânti, Edgar Catoira, Francisco Paula Freitas, Francisco Pedro do Coutto, Itamar Guerreiro, Jarbas Domingos Vaz, José Pereira da Silva (Pereirinha), Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Ponce de Leon, Ruy Bello, Salete Liusboa, Sidney Rezende,Sílvia Moretzsohn, Sílvio Paixão e Wilson S. J. de Magalhães. Conselheiros suplentes 2007-2010 Adalberto Diniz, Aluízio Maranhão, Ancelmo Góes, André Moreau Louzeiro, Arcírio Gouvêa Neto, Benício Medeiros, Germando de Oliveira Gonçalves, Ilma Martins da Silva, José Silvestre Gorgulho, Luarlindo Ernesto, Luiz Sérgio Caldieri, Marceu Vieira, Maurílio Cândido Ferreira, Yacy Nunes e Zilmar Borges Basílio. COMISSÃO DE SINDICÂNCIA Jarbas Domingos Vaz, Presidente, Carlos Di Paola, José Carlos Machado, Luiz Sérgio Caldieri, Marcus Antônio Mendes de Miranda, Maria Ignez Duque Estrada Bastos e Toni Marins. COMISSÃO DE ÉTICA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO Alberto Dines, Arthur José Poerner, Cícero Sandroni, Ivan Alves Filho e Paulo Totti. COMISSÃO DE LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOS Orpheu Santos Salles, Presidente; Arcírio Gouvêa Neto, Daniel de Castro, Germando de Oliveira Gonçalves, Gilberto Magalhães, Lucy Mary Carneiro, Maria Cecília Ribas Carneiro, Mário Augusto Jakobskind, Martha Arruda de Paiva, Wilson de Carvalho e Yacy Nunes. COMISSÃO DIRETORA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL Paulo Jerônimo de Sousa, Presidente, Ilma Martins da Silva, Jorge Nunes de Freitas, José Rezende Neto, Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli e Moacyr Lacerda.
MERCADO
RITA BRAGA
Uma tendência que avança sem crise no Brasil Enquanto os jornais tradicionais reclamam de quedas de tiragem e estagnação do número de leitores, diários e semanários gratuitos não param de crescer. Mesmo assim existem dúvidas – e muitas polêmicas – envolvendo essas publicações. POR MARCOS STEFANO O mais novo fenômeno do jornalismo contemporâneo pode ser visto nos movimentados cruzamentos de algumas das grandes cidades brasileiras, em estações de trem e de metrô, na entrada de shopping centers e de tradicionais escolas e universidades. Para facilitar a leitura, tem formato tablóide, muitas imagens colori-
das e textos curtos. E, diferentemente dos tradicionais diários, não há reclamações sobre estagnação do número de leitores e das sucessivas quedas na tiragem. Trata-se dos jornais gratuitos, uma tendência mundial, cada vez mais presente também por aqui. Jornal da ABI 343 Julho de 2009
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MERCADO UMA TENDÊNCIA QUE AVANÇA SEM CRISE NO BRASIL
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MARCOS STEFANO
Versões nacionais de títulos estrangeiros de sucesso, publicações tipicamente brasileiras, até algumas segmentadas, voltadas para mulheres ou para quem quer se divertir, viajar ou fazer compras: eles se multiplicam e se diversificam como nunca. Mas ao mesmo tempo que conquistam novos leitores – muitos deles jovens que aproveitam o deslocamento para o trabalho ou estudo para se inteirar de notícias mais importantes –, os gratuitos ainda provocam desconfianças e trazem consigo não menos interrogações. Afinal, essa é uma mídia nova e ainda mal compreendida ou um jornalismo superficial que pode sepultar de vez os jornalões? Nesse debate que já inflamou os Estados Unidos e a Europa e agora incendeia a imprensa do Brasil, há muita polêmica desnecessária e idéias equivocadas. Tudo causado pelo desconhecimento sobre os gratuitos. “O jornal gratuito é a primeira página do pago. Se todas as notícias da primeira página de uma Folha de S. Paulo ou de um O Globo estiverem na publicação, o dever está cumprido”, costumam sintetizar os editores desses jornais. Mas a questão vai além. Num mundo moderno, onde se popularizam a internet, a tv por assinatura e a tv digital, fragmentando as fontes de informação e entretenimento, cada vez mais leitores e espectadores selecionam o que vão consumir. Só que os jornais vendidos mostram-se incapazes de se adaptar a esses novos tempos. – O maior erro é não entender que, mesmo antes dos gratuitos, já havia uma crise dos títulos tradicionais. Em geral, a entrada do novo modelo não provocou mudanças na tendência da circulação paga. Segundo a Associação Mundial de Jornais, ela está em queda na maioria dos países ocidentais – ainda que nos últimos anos no Brasil tenha se registrado um crescimento. Dentre as razões, uma sobressai: a incapacidade de capturar o público jovem. Eles continuam apostando na fórmula “mais é melhor”, tentam ser extensivos, sem, no entanto, ser suficientemente reflexivos. Não competem com a internet e não agradam a quem busca aprofundamento. Já os gratuitos investem na leitura rápida. Alguns até evidenciam esse objetivo em seu título, caso da rede 20 Minutos. – aponta Fábio Santos, diretor editorial do diário gratuito Destak, que circula em São Paulo e Rio de Janeiro. Como é possível os jornais pagos reclamarem de queda ou estagnação se registram aumentos nas vendas que acumulam até 10% nos últimos anos? Isso se deve basicamente ao sucesso de publicações “populares”, vendidas a preços mais baixos. Porém, o crescimento dos gratuitos não apenas supera esses índices como, diversamente do que tantos estão pensando, a maior parte desses jornais não concorre com os populares. Apesar de boa parte da
Presidente do grupo que edita o jornal Metro, idéia original de uma empresa sueca que publica jornais em 150 cidades de 20 países e alcança 22 milhões de leitores, Marcelo D'Ângelo diz que o jornal gratuito, como o dele, não concorre com os veículos impressos tradicionais.
tiragem ser distribuída no sistema de transporte público, o investimento maior é em estações mais centrais de metrô, universidades, prédios de escritórios e regiões de grande afluxo de pessoas. Essa estratégia faz que esses jornais tenham como mais da metade de seus leitores pessoas das classes A e B. No Destak esse percentual atinge os 52% e no Jornal da Orla, de Santos, é ainda maior, chegando aos 65%. Esse dado enterra outro mito que ainda circula forte no meio: o de que por serem distribuídos de graça não vale a pena investir em publicidade e fazer anúncios nesses veículos, já que vão para pessoas sem poder aquisitivo. De acordo com os defensores dos gratuitos, essa é mais uma falsidade divulgada pelos veículos vendidos, que consideram os jornais distribuídos de graça como “predadores”. É fato que se nos jornais gratuitos as receitas vêm inteiramente da publicidade, atualmente isso não é tão diferente da imprensa paga. Nos jornais tradicionais apenas 20 a 25% do que faturam são obtidos com vendas. Mas não seria para os gratuitos que os pagos perdem seus anunciantes, e sim para as novas tecnologias. Do outro lado, um caminho longo a percorrer, mas muitas expectativas. Para o pessoal dos diários e semanários gratuitos, já passou da hora de essas publicações deixarem de ser vistas com desconfiança para se tornarem motivo de esperança na busca pela tão propagandeada democracia na comunicação: – O Brasil é um país onde ainda se lê pouco, que tem um público leitor potencial muito grande a ser explorado. Nesse mercado, há espaço tanto para gratuitos quanto para pagos. A questão é trabalhar com inteligência os dois tipos – defende Lúcia Castro, Editora Executiva da Sempre Editora, que pu-
blica em Minas Gerais os semanários gratuitos Pampulha, O Tempo Betim, O Tempo Contagem, além do jornal pago O Tempo e do popular Super. Jornais cinqüentões Apesar de a distribuição gratuita de jornais ser um fenômeno mais recente, esse tipo de publicação não é propriamente uma novidade. Alguns jornais gratuitos têm mais de 50 anos de circulação. É o caso do tablóide novaiorquino The Village Voice, criado em 1955 por Ed Fancher, Dan Wolf e Norman Mailer em um apartamento de dois quartos e que se tornou um dos semanários mais famosos do mundo. No Brasil, também há publicações bastante antigas. O Tempo Betim surgiu em 1974. No mesmo ano, com a inauguração do metrô em São Paulo, também começou a circular o Metrô News, diário criado pelo empresário Paschoal Thomeu e que até hoje circula de segunda a sábado, com tiragem de 120 mil exemplares. Mas nada disso se iguala à tendência mundial surgida em meados dos anos 90 e que se encontra em franca expansão. A Associação Mundial de Jornais informa que 8% dos jornais do planeta são gratuitos. Só na Europa são mais de 300 títulos e uma distribuição diária de 41 milhões de exemplares. Empresas como a sueca Modern Times Group, que publica o diário Metro, tornaram-se verdadeiras multinacionais da informação. Só ela está presente em
150 metrópoles de 20 países e tem mais de 22 milhões de leitores. De olho nesse potencial, até empresas jornalísticas de publicações vendidas decidiram entrar no jogo: o The New York Times comprou 49% das ações do gratuito Metro Boston, o Washington Post lançou o Express, e a Tribune Company, proprietária do Chicago Tribune e do Los Angeles Times, começou a publicar o RedEye, em Chicago, e o AM, em Nova York. No Brasil, jornais como os paulistanos Destak e Metro, com tiragens de 150 mil exemplares cada, só confirmam essa tendência. Mais recentemente, começaram a circular os gratuitos de segunda geração, que, além de segmentados, passaram a ser customizados. Entre essas publicações estão aquelas dirigidas aos segmentos econômico, feminino, de imigrantes e dos que apreciam esportes. Exemplo desse tipo de publicação é o jornal IB Universal, diário tablóide, todo colorido, voltado para os passageiros que a companhia de aviação espanhola Iberia transporta. Com 70 mil exemplares por dia e 24 páginas, ele traz reportagens de interesse social, noticiário internacional e da Espanha, de economia e esportes, além de lazer e cultura. Em São Paulo, dois jornais exemplificam muito bem esse novo momento. Lançado no fim do ano passado, Placar traz diariamente e de forma resumida
as principais notícias do mundo esportivo, especialmente do futebol. Publicado pela Editora Abril, o jornal alcança tiragens de 80 mil exemplares e circula junto com o Destak. No começo deste ano, foi a vez de o semanário Resumo ganhar os principais semáforos da cidade. Com tiragem de 200 mil exemplares, o veículo publicado pela Shelter Mídia, empresa de publicidade indoor e de painéis eletrônicos, é voltado essencialmente para o público feminino e, além dos principais acontecimentos da cidade, traz notícias sobre moda, decoração e comportamento. – Nossos leitores são pessoas que antes não liam jornais e têm como sua primeira leitura os gratuitos. Gente com 30 anos ou menos, acostumada com o estilo da web. Por isso, usamos uma linguagem mais jovial, imagens e infográficos. O jornal gratuito complementa a mídia impressa, não concorre com os jornais tradicionais. É algo que fez sucesso não somente na Europa e na América do Norte, mas que está se consolidando igualmente nas nações emergentes, principalmente no Brasil, China, Índia e Rússia – defende o jornalista Marcelo D’Angelo, Presidente do jornal Metro no Brasil, numa parceria entre o Grupo Bandeirantes de Comunicação e a Metro Internacional. Nos países em que se instalou, o Metro implantou jornais diários em formato tablóide, mas que não circulam nos fins de semana. Como em tantos outros veículos gratuitos, as Redações que produzem essa informação nervosa e concisa, mas eficaz, são pequenas, com pouco mais de uma dezena de jornalistas. Essas publicações acabam usando bastante o material de agências de notícias. Mas seus profissionais também apuram, ainda que, na maioria das vezes, por telefone ou internet. Bastante selecionadas e curtas, as informações caem no gosto do público. Pesquisa do Ibope revelou que a maioria dos leitores gasta, em média, 45 minutos diários com leitura de jornais. Tempo re-
A resposta veio na mesma moeda, escrita no Le Monde por Frédéric Filloux, ex-Diretor de Redação do próprio Libération e Diretor de Redação do gratuito 20 Minutes. Invocando a liberdade de expressão, liberdade de imprensa e liberdade de empreendimento, ele defendeu que seu veículo é um jornal de verdade: “Feito por 22 jornalistas profissionais e concebido para dar uma visão geral da atualidade para um leitor jovem pouco habituado à leitura de jornais. Nele, como nas rádios de notícias, as informações chegam aos leitores de graça. Nem por isso, as rádios são atacadas por conseguirem receita apenas com publicidade.” A despeito do jogo de palavras, os gratuitos são uma realidade consolidada, inclusive no Brasil. E a prova definitiva de que este tipo de publicação veio mesmo para ficar aconteceu por conta da crise econômica mundial iniciada em meados do ano passado. Por
almente insuficiente para folhear – e superficialmente – os principais diários brasileiros, porém mais do que suficiente para ler os gratuitos. Estima-se que a leitura de alguns deles não consuma mais do que 17 minutos. Com a particularidade de não custarem nada ao leitor. Ainda assim, há quem veja com antipatia e torça o pescoço para essa onda. Na França, a chegada dos gratuitos provocou celeuma e quase ressuscitou Astérix e Obélix nas Redações dos jornais pagos. “Não passam de jornais diários sem Redação que desrespeitam todos os mercados”, acusou Serge July em artigo no Libération. No texto, sob o título “Gratuitos: desconfiem das imitações”, July explicava que um bom jornal cotidiano tem Redação de cerca de 250 jornalistas, contra os dez dos gratuitos. “As pessoas, as sucursais, os enviados especiais no mundo inteiro têm um preço. É o que você paga quando compra seu diário. Você compra a especialização, a inteligência, a contextualização, a análise e as escolhas, em função dos valores próprios a cada jornal. Os gratuitos têm aparência dos jornais de informação, o cheiro de papel de jornal, mas as semelhanças param aí. O papel de jornal não é suficiente para fazer um diário de informação.
Internacional, mas com sotaque brasileiro
DIVULGAÇÃO
Editora Executiva da Sempre Editora, que publica em Minas Gerais quatro semanários gratuitos, Lúcia Castro diz que há espaço no mercado para veículos pagos e de graça.
dependerem das minguantes receitas publicitárias, temia-se que muitos veículos fechassem as portas. De fato, as operações em algumas cidades, principalmente na Espanha e nos Estados Unidos, até foram suspensas ou passadas adiante. Mas no demais, inclusive por aqui, continuam crescendo. E a previsão é que continuem a trajetória ascendente. Apesar de alguns desses veículos terem freado planos de expansão e abertura de jornais em outras cidades, a impressão geral é de uma fase passageira. No fim, caberá ao leitor escolher aquilo que prefere ler. No universo dos jornais, há lugar para publicações pagas e gratuitas. Para quem quer algo simples e rápido, é só pegar na esquina. Quem desejar mais aprofundamento e variedade precisa andar alguns passos a mais e comprar na banca. A demanda continua existindo, mas a competição e as novidades exigem mudanças de quem quiser permanecer na disputa.
Oferecer informação rápida, de qualidade e com muitas imagens, dirigida essencialmente a um público jovem. Qualificado, mas que não lia jornais. E tudo isso de graça. Foi o esse o desafio com o qual nasceu, em fevereiro de 1995, em Estocolmo, Suécia, o primeiro jornal Metro. De lá até o dia 7 de maio de 2007, quando, graças a uma parceria com o Grupo Bandeirantes, a publicação passou a circular também em São Paulo, muita coisa mudou. Mas nada causa tanto espanto quanto o fato de que aquela aposta sueca, arriscada e inicialmente tachada como um jornalismo superficial, tenha se transformado no maior jornal do mundo. Aliás, definir o Metro como superficial ou arriscado é, no mínimo, ignorar o que de fato é a publicação. Na capital paulista, o gratuito circula de segunda a sexta, em formato tablóide e com uma média de 24 páginas. Nas sextas-feiras, à tarde, ainda há uma edição extra, o Metro Diversão, com matérias de lazer, entretenimento e um resumão da programação cultural do final de semana. Todo colorido, com muitas imagens e textos curtos, o jornal é produzido por uma equipe de 17 profissionais, além dos colaboradores. São eles os responsáveis pelo conteúdo, parte apurada pela equipe, parte recebida das agências de notícias, da internet e da gigantesca rede de jornais do grupo espalhada pelo mundo. – Somos um veículo com uma visão global, um estilo internacional, que faz sucesso no mundo todo, mas que também sabe falar muito bem a linguagem do brasileiro. – define o jornalista Marcelo D’Ângelo, Presidente da joint venture que trouxe o Metro para o Brasil. Essa estratégia faz que a publicação tenha uma aparência igual em todos os lugares, mas um conteúdo que reflita a realidade da população local. Que pos-
sa, por exemplo, dar destaque para a notícia de que “três em cada dez brasileiros ignoram que seu esgoto não é tratado”, que “a cada dois dias um bingo é fechado em São Paulo” ou que “oito em cada dez casos de gripe são do tipo A”. D’Angelo diz que o jornal está perfeitamente adaptado à realidade brasileira. Agora, os desafios passam a ser outros. E foi por causa deles que ele veio para o Metro neste mês de julho. Repórter de rádio, correspondente internacional, assessor de comunicação e diretor das mais diversas empresas, ele tem em seu currículo importantes projetos de reformulação e expansão de negócios. A ordem é usar essa experiência para fazer a publicação crescer e ter ainda mais sintonia com seu público – jovens entre os 20 e os 30 anos, principalmente as mulheres: – Temos um enorme potencial para explorar. Estamos investindo em diversos projetos especiais, como o concurso anual de fotografia Metro Foto Challenge, e também queremos investir em outras importantes cidades brasileiras. Jornal da ABI 343 Julho de 2009
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MERCADO UMA TENDÊNCIA QUE AVANÇA SEM CRISE NO BRASIL
O pioneiro tem sotaque mineiro Com o sucesso dos jornais gratuitos mundo afora, tornou-se moda – e bom negócio, claro – os veículos tradicionais investirem na nova tendência, criando títulos ou comprando os já existentes. Mas o caminho percorrido pelo grupo mineiro Sempre Editora foi exatamente o inverso. No começo dos anos 70, o empresário italiano Vittorio Medioli veio para Betim, na esteira da construção da primeira fábrica da montadora Fiat no Brasil. Já prestava serviços para a matriz e queria oferecer o transporte com os enormes caminhões tipo cegonheira por aqui também. Como o contrato demo-
rou mais tempo do que se previa e Medioli começou a sofrer pesadas críticas da imprensa local, resolveu contra-atacar. Assim, em 1974, surgia o semanário gratuito O Tempo Betim. Em 1996, ele adquiriu mais um título gratuito: o também semanário Pampulha, um jornal com cara de revista distribuído na Zona Sul de Belo Horizonte e em grandes condomínios da cidade. Foi a partir dos bem-sucedidos gratuitos que a editora decidiu investir, no final dos anos 90, em jornais pagos. Criou o diário O Tempo e depois o popular Super Notícias, jornal de maior tiragem no País, com picos de mais de 300 mil exemplares diários. E, finalmente, depois de tudo isso, o maior grupo de mídia impressa de Minas ainda criaria mais um gratuito, O Tempo Contagem. Juntas, as três publicações chegam aos 186 mil exemplares, impressos e distribuídos toda semana. Todos em formato tablóide e com um número de páginas que varia de 24 a 40 páginas. Mas com Redações e equipes próprias: o jornal de Betim é feito por dez profissionais; o de Belo Horizonte, por oito; e o de Contagem, por cinco. Tanto o Pampulha quanto O Tempo Contagem são dirigidos para as classes mais altas, o que significa A e B para o primeiro e B e C para o segundo: – A exceção fica por conta de O Tempo Betim, que tem uma tiragem expressiva para o tamanho da cidade, 45 mil exemplares, e é lido em todas as classes
sociais. – explica a jornalista Lúcia Castro, Editora Executiva e responsável pelas publicações da editora. Formada pela Universidade Federal de Juiz de Fora e com experiência em rádio, televisão e assessoria de imprensa, Lúcia começou no jornalismo impresso em 1988. Em 1996, foi contratada como repórter especial pela Sempre Editora, passando a redatora, Editora Adjunta, Editora de Cidades, Secretária de Redação e Editora Geral. Justamente por conhecer tão bem a empresa e seus veículos, ela não deixa dúvidas: – A receptividade aos nossos três jornais gratuitos é excelente, não só por parte dos leitores, como dos anunciantes. Todos são rentáveis, lucrativos e, diferente do que alguns imaginam, não há qualquer competição com os veículos pagos do grupo. Pelo contrário, só há benefícios, pois as áreas comerciais e editoriais atuam em grande sintonia. A publicidade é comercializada para mais de um jornal. Nossa expectativa é crescer mais, por isso, estamos investindo em equipamentos gráficos. O brasileiro ainda lê pouco e há potencial para crescimento tanto dos jornais pagos quanto dos gratuitos.
O jornal feito para a galera O clima de Copa do Mundo que vem tomando conta do País chegou à imprensa. Desde o final de abril circula em caráter definitivo na cidade de São Paulo o Jornal Placar, primeiro diário esportivo da Editora Abril. Em formato tablóide, totalmente colorido e com 16 páginas, a publicação traz as principais notícias do esporte, especialmente do futebol. De segunda a sexta são 80 mil exemplares distribuídos gratuitamente em parceria com outro diário, o Destak, nos principais cruzamentos e ruas da capital paulista. A publicação é uma das primeiras no Brasil da chamada segunda geração dos jornais gratuitos, aqueles que são feitos para públicos segmentados. Na verdade, o projeto piloto do periódico já havia circulado gratuitamente entre 10 de novembro e 9 de dezembro de 2008, por ocasião das partidas finais do Campeonato Brasileiro. Agora a publicação é distribuída em mais de 200 pontos, com foco nas classes A e B. Mas as estações de metrô são evitadas: nesses locais os exemplares chegaram a ser disputados no período de testes. Para fazer o novo jornal, a editora montou uma Redação própria, com 12 profissionais, que ainda contarão com a colaboração dos dez jornalistas da revista Placar, a qual
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continua saindo mensalmente. Na equipe de colunistas estão nomes como Paulo Bonfá, Luciano Burti, Mauro Cezar Pereira, Paulo Júlio Clement e Arnaldo Ribeiro. -– Nosso objetivo é atrair um leitor novo. Enquanto a revista publica reportagens mais analíticas e aprofundadas, cabe ao jornal informar, dar a notícia no calor da hora. – diz o jornalista Sérgio Xavier Filho, Diretor de Redação do núcleo de publicações Placar. Xavier conta que a idéia é aumentar a tiragem e o número de páginas, mas por enquanto não se cogita levar o Jornal Placar para outras cidades. Ainda assim, há sempre a opção da internet para quem não é paulistano. Como acontece com a maioria dos gratuitos, o jornal ganhou a rede mundial de computadores. No reformulado site das publicações, dá para ler todo o conteúdo em formato PDF. Essas iniciativas são parte do projeto da Abril com vista às Copas de 2010, na África do Sul, e de 2014, no Brasil. Com novos produtos e cobertura diferenciada, a cota de publicidade deverá ser vendida na forma de pacotes. Dinheiro à parte, o jornal faz lembrar os bons tempos da revista Placar, que fez história como uma das principais publicações do jornalismo esportivo brasileiro e formou gerações de jornalistas.
Eles acertaram o alvo “Atender a um público exigente e sem tempo a perder, que busca informação concisa, mas completa.” É com esse alvo em vista – e na capa também, já que o alvo faz parte do logotipo do jornal – que começou a circular em São Paulo, em julho de 2006, aquele que é o primeiro jornal gratuito publicado no Brasil em decorrência da nova tendência mundial: o Destak. De segunda a sexta, 150 mil exemplares diários são distribuídos nos principais cruzamentos, prédios de escritórios, shoppings, estações de metrô, escolas e universidades da capital paulista. Aos sábados, a tiragem fica em 90 mil. Era um conceito novo, mas o sucesso foi imediato. Quem normalmente não costumava ler jornal agora até estranha se por acaso não encontra o gratuito pela manhã. Fruto disso, no ano passado, foi lançada a edição carioca do Destak. Todo dia, de segunda a sexta, são distribuídos 80 mil exemplares com conteúdo editorial local nas ruas do Rio de Janeiro. O conteúdo é produzido por 27 jornalistas em São Paulo e Rio, com apoio de agências de notícias e internet. As edições brasileiras do jornal surgiram a partir de uma parceria entre o empresário André Jordan e a Cofina, maior grupo de mídia impressa de Portugal. No veículo desde o começo do projeto, coube ao jornalista Fábio Santos, Diretor Editorial, adaptar ou, como ele mesmo diz, “brasilianizar” o veículo: – Era uma experiência nova para o momento. Tínhamos o projeto e formatamos o conteúdo editorial, adaptandoo à nossa realidade. E conseguimos. Hoje, temos cerca de 800 mil leitores, dos quais 94% lêem o Destak como uma de suas principais, senão a principal, fontes de informação. – conta Santos, que já trabalhou na Folha de S. Paulo, na Folha da Tarde, fez cobertura política para O Globo, foi editor da revista República, Secretário de Comunicação na cidade de Santos e assessor de imprensa. Ele sabe que com a chegada do Metro ao mercado brasileiro a concorrência começará para valer. Afinal, os suecos disputam exatamente o mesmo público. Mas ele acredita que o Destak ainda tem muito a crescer. – Nosso objetivo imediato é crescer ainda mais em São Paulo. Mas também logo deveremos chegar em outras praças. Isso estava programado para acontecer neste ano, mas com a crise econômica adiamos um pouco. Além disso, queremos investir em outra de nossas publicações, o Radar Universitário, voltado para o público estudantil. Ele sai mensalmente, mas o plano é que brevemente se torne semanal.
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PODER
Rômulo Maiorana, um império ao Norte A trajetória de um dos barões da comunicação no Brasil. POR LÚCIO FLÁVIO PINTO
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screvi este artigo, a pedido de Maurizio Cierici, repórter especial do L’Unità, de Roma, para o livro Favelas e arranha-céus, recém-publicado pelo jornal italiano na coleção Cadernos da América Latina. Dois dos seis títulos já lançados dessa coleção têm o Brasil como tema. O artigo foi solicitado em função da guerra judicial aberta contra mim pelos herdeiros do império jornalístico criado por Rômulo Maiorana, um filho de italianos. Escrito para o leitor daquele belo país, o que mais amo depois do lugar no qual nasci, espero que interesse também ao leitor da minha querida cidade. E que leve os filhos de RM a refletir e acabar com esse mau hábito de criar suscetibilidades hiperinflacionadas, reagindo com selvageria sempre que alguém, tendo que falar sobre um passado ainda tão recente, mas já passado, reconte a história verdadeira – que, como tal, tem tanto de heróico e soberbo quanto de miserável e dramático em seu enredo real. Homens de carne e osso fizeram essa história. Não bustos impolutos ou fantoches caricatos. Que a boa pesquisa faça justiça a personagens históricos, sejam eles Magalhães Barata, Paulo Maranhão ou Rômulo Maiorana. Certamente essas pessoas se tornaram marcantes porque o saldo de suas vidas foi positivo, superavitário. Do contrário, já estariam esquecidas. Em 1953 o Rio Amazonas, o maior e mais volumoso do planeta, encheu como nunca. Suas águas caudalosas invadiram cidades e foram muito além de suas margens, criando um mar interior, ao longo de seu percurso, com 300 quilômetros de largura. Foi a maior enchente do século XX de um rio que lança ao Oceano Atlântico 12% da drenagem superficial de água doce do planeta Terra. Foi esse o fato mais marcante de 1953. Ninguém registrou, na época, um fato que também teria sua repercussão específica – certamente muito menor, ainda assim significativa – na História Contemporânea do Pará, o segundo Estado em extensão da Amazônia, o mais antigo, o mais populoso e o mais importante da região. Nesse ano chegou a Belém, a metrópole regional, situada na foz do Amazonas, numa ponta de terra às proximidades do mar, um pernambucano, filho de
pais italianos, chamado simplesmente Rômulo Maiorana. Maiorana já estava com 31 anos, mas nada realizara até então de especial para merecer a atenção coletiva. Nascera em Recife, a capital do Nordeste brasileiro, estudara apenas até o segundo grau (chamado, então, de científico), e fora mandado pelo pai à Itália para estudar. Mas a guerra estourou e ele acabou sendo incorporado ao exército de Mussolini. Não foi para os campos de batalha, entretanto: ficou na retaguarda, como datilógrafo. Finda a guerra, Rômulo voltou ao Brasil. Não para Recife, mas para Natal, a mais importante base de operações dos Aliados em território brasileiro na Segunda Guerra Mundial, onde seus pais se haviam instalado. Sem perspectiva, decidiu tentar a sorte mais ao Norte. Belém, com pouco menos de 400 mil habitantes, vivia um período mais favorável nesse novo entre-guerras do que na fase de 1918 a 1939, quando entrou em crise profunda porque a principal atividade econômica regional (e a segun-
da base da economia nacional), a exploração da borracha, entrou em colapso por causa da concorrência asiática. Rômulo tentou alguns negócios comerciais, como fabricar placas indicativas de ônibus, flâmulas e painéis luminosos, antes de começar a montar uma rede de sete lojas de vestuário e calçados, que inovaram em vendas e marketing. Mas nunca deixou de escrever uma coluna social na imprensa, sua verdadeira paixão. Primeiro foi colunista em O Liberal, jornal fundado em 1946 para ser o porta-voz do partido mais forte do Estado, o PSD (Partido Social Democrático). O verdadeiro dono dessa legenda era o General Magalhães Barata, que surgiu na política como integrante do movimento dos jovens militares de classe média que faria a renovação do Brasil a partir da década de 20, o tenentismo. Barata foi interventor federal no Pará em 1930, voltou a ser interventor durante a grande guerra e em 1953 era senador, preparando-se para disputar – e vencer – a primeira disputa como
governador eleito pelo voto popular, em 1955. Seus maiores inimigos não eram outros políticos ou empresários, que não aceitavam seus métodos truculentos e a oligarquia criada em torno de seu poder pessoal. Quem mais o preocupava era um jornal, a Folha do Norte, fundado ainda no século XIX, e seu dono e principal redator, Paulo Maranhão, já então sexagenário, mas de estilo violento, demolidor. O Liberal perdeu feio as escaramuças praticamente diárias com a Folha, o mais poderoso jornal do Norte do Brasil, mas Barata conseguiu voltar ao poder total, que perdera na eleição de 1950 para a Coligação Democrática Paraense, uma frente com quase todos os outros partidos. Além de escrever uma coluna no jornal de Barata, Rômulo passou a namorar uma sobrinha do General, Lucidéia, mais conhecida como Déa, jovem muito bonita e muito comentada nas rodas da “alta sociedade” por seu modo de viver desafiador para a moral conservadora da época. À sombra do caudilho, Rômulo cresceu no comércio como nunca, não só através da multiplicação das Lojas RM, como pelo contrabando que se desenvolvia na cidade. Belém era, na época, uma espécie de Sicília. Vivia isolada do restante do País. Não dispunha de estradas de rodagem ou ferrovias para as comunicações com outros Estados brasileiros ou o exterior, que só podiam ser feitas por navio ou avião. Mas como estava às proximidades das Guianas (na época, sob o domínio da França, que ainda se mantém, da Holanda e da Inglaterra, que concederam a independência às suas antigas colônias sulamericanas), Belém se abastecia, sobretudo de bens duráveis (como automóveis) ou de consumo supérfluo (como bebida alcoólica e perfume), através de um comércio ilegal com seus vizinhos estrangeiros. O contrabando quebrava o isolamento e, ao mesmo tempo, enriquecia um grupo de empreendedores mais audaciosos – ou mais próximos do poder político, que daria cobertura às suas aventuras. Rômulo fazia parte desse grupo. Perspicaz, como demonstraria ser ao longo de sua vida, ele viu que esse tipo de comércio ficou com seus dias contados quando o “baratismo”, o sistema de poder construído em torno de Magalhães Barata, foi derrotado por
um novo movimento militar eclodido no Brasil, em 1964, que depôs o Presidente João Goulart e acabou com o populismo, o sistema nacional de poder estabelecido a partir do ditador Getúlio Vargas, um híbrido de autoritarismo político de elite com patronato econômico em favor dos desfavorecidos (Getúlio seria imortalizado como “o pai dos pobres”). Rômulo fechou abruptamente sua cadeia de lojas, famosas na cidade, e comprou, em 1966, O Liberal. O jornal já não era mais do PSD: fora adquirido por Ocyr Proença, um empresário que, embora vinculado ao Governador cassado do vizinho Estado do Amazonas, Gilberto Mestrinho, iria apoiar a eleição de um dos militares que ingressara na política exatamente com o novo poder, responsável pela cassação de Mestrinho, acusado de corrupção. O Coronel Alacid Nunes se elegeu governador, mas a participação de O Liberal fora tão pouco convincente como quando na fase do controle baratista. O jornal tirava 500 exemplares em 1966 e sua credibilidade era zero. Rômulo teve que emprestar dinheiro (de Armando Carneiro, um político getulista, que decidira trocar a política pela atividade empresarial para escapar à cassação, passando a atuar nos bastidores) e trabalhar dobrado para conseguir que a velha e precária impressora
funcionasse, imprimindo sua nova mercadoria.
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omo jogador de cartas que era, Romulo fazia seguidas apostas na sorte e na força de sua intuição, que complementavam sua audácia. Ele sabia que um fato importante criara um vácuo na imprensa com a morte, exatamente em 1966, do homem que dava vida à Folha, dona inconteste do mercado. Paulo Maranhão morreria aos 96 anos, levando consigo as chaves do sucesso do jornal que comandara durante mais de meio século. O Liberal tinha que entrar nesse vácuo. Rômulo seduziu os jornaleiros com propostas vantajosas e presentes para que apregoassem prioritariamente O Liberal. Dobrou as comissões dos “baderneiros”, os vendedores de rua. Oferecia jornais de cortesia. Renovava empréstimo, que não pagava, oferecendo permuta de publicidade, divulgando os nomes dos benfeitores. Em 1972, já consolidando sua liderança, deu um golpe mortal na concorrência: O Liberal foi o primeiro jornal do Norte a adotar o moderno sistema de impressão em ofsete, que garantia rapidez e qualidade ao impresso. Dois anos depois, comprou a Folha, já decadente. Ao invés de tentar reanimar o glorioso jornal do passado, deu-lhe a extrema-unção. O Liberal é que devia ser o novo poder.
Confirmou-o quando, em 1976, inaugurou a TV Liberal, montada em apenas oito meses, para se tornar afiliada da TV Globo, que se tornaria a quarta maior rede de televisão comercial do mundo. Mas Rômulo não pôde colocar a emissora em seu nome, embora fosse seu dono. Os órgãos de informação ainda mantinham em sua ficha a nódoa do contrabando. O regime militar ainda estava no movimento afluente do seu moralismo (o golpe de 1964 foi dado no Pará a pretexto de combater a subversão e a corrupção). Não concordava em transferir para alguém tido como ex-contrabandista uma concessão pública, o canal de televisão. Rômulo teve que colocar a concessão no nome de cinco funcionários, reavendo-lhes a ação depois, quando seus serviços prestados ao Governo haviam limpado definitivamente seu nome dos arquivos da “comunidade de informações”, o subsolo no qual funcionava um autêntico governo paralelo. Pelos dez anos seguintes Rômulo não pararia mais de investir, crescer e expandir seu poder. Seu jornal se tornou o segundo maior consumidor de papel de imprensa do Norte e Nordeste, com tiragem em torno de 50 mil exemplares, quase dobrando aos domingos. De cada dez leitores de jornal no Pará, quase nove liam O Liberal, uma
proporção sem igual no País na época. Seus outros veículos de comunicação eram, todos, líderes em seus respectivos setores. Com uma nota na coluna principal do jornal, que ele escrevia ou supervisionava, podia fazer o sucesso ou o desastre de uma pessoa, empresa ou governo. Ciente do seu poder, ele parecia viver como se fosse eterno, o que justificava, embora de forma paradoxal, sua notória hipocondria. Fazia-o feliz quem lhe desse o “último grito” em remédios de presente. Quando morreu, em abril de 1986, aos 64 anos, de leucemia, ele estava comprando um novo e moderno parque gráfico para o jornal, em via de importação do Canadá, e equipamentos para as emissoras de rádio e televisão, além de montar um novo tipo de negócio, a produtora de vídeo. Os sete filhos, que o sucederam, sob a presidência honorária da mãe, encontraram uma máquina azeitada, em pleno movimento e com um apreciável estoque de capital líquido, os elementos que respondem pelo poder sem igual que o Grupo Liberal tem na História da imprensa do Pará. Mas que podem se tornar a causa de sua decadência, em futuro não longínquo, se faltar aos herdeiros algum dos componentes essenciais que levaram Rômulo Maiorana a criar esse império amazônico.
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Aconteceu na ABI
NÃO AO AI-5 DIGITAL A sociedade civil repudia a proposta do Senador Eduardo Azeredo de criminalizar o uso da internet, impondo um ato institucional, como o de 1968, nessa área da comunicação. POR JOSÉ REINALDO MARQUES
Em ato público realizado em 1° de julho na ABI, jornalistas, parlamentares, estudantes, militantes sociais e membros de entidades civis e de comunicação se manifestaram contra o projeto de lei do Senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) que altera a legislação contra crimes na internet. A proposta, aprovada no Senado em 9 de julho, ainda será votada pela Câmara dos Deputados. A audiência pública foi convocada pela ABI, Associação de Centros de Inclusão Digital, Centro de Ação e Comunicação Comunitária, Coletivo Ciberativismo, Coletivo Digital, Coletivo Intervozes, Conselho Regional de Engenharia-Crea-RJ, Mega Não, Projeto Softer Livre Brasil, Setorial da Tecnologia da Informação do PT-RJ, Sindicato dos Bancários do Rio, Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Sindicato dos Servidores das Justiças Federais do Estado do Rio de Janeiro, União Nacional dos Estudantes-Une e Central Única dos Trabalhadores (Cut-RJ). Encontros similares foram promovidos em São Paulo, Porto Alegre, Brasília e Belo Horizonte. A mesa que coordenou o encontro foi formada com Marcos Dantas, especialista em comunicação; Oana Castro, do Coletivo Intervozes; Luiz Moncau, da Fundação Getúlio Vargas; Marcelo Rodrigues, do Coletivo da Cut-RJ; Jesus Chediak, Diretor Cultural da ABI; Sérgio Rosa, da Setorial de TI do PT-RJ; Deputado Alessandro Molon (PT); Deputado Jorge Bittar (PT-RJ), Secretário Municipal de Habitação da Cidade do Rio de Janeiro, e João Caribe, da Ciberativismo. O debate focalizou o substitutivo apresentado pelo Senador Eduardo Azeredo que aglutinou três projetos de lei que tramitavam no Senado, para tipificar condutas realizadas mediante uso de sistema eletrônico, digital ou similares, de rede de computadores, ou que sejam praticadas contra rede de computadores, dispositivos de comunicação ou sistemas informatizados e similares. O projeto proposto por Eduardo Azeredo é considerado pelo movimento como uma medida prejudicial à liberdade de expressão, e por isso vem sendo chamado de “AI-5 Digital”, em referência ao Ato Institucional editado em 13 de dezembro de 1968 e que marcou a fase mais dura da repressão do regime militar. Tudo é crime Especialistas no assunto criticam, por exemplo, o artigo 2º, que, ao alterar o Código Penal, “transfor-
ma em crime todo acesso não autorizado a redes de computadores, sistemas informatizados e dispositivos de comunicação protegidos por expressa restrição de acesso, seja a restrição legal ou não”. Isso afetaria o acesso a conteúdos de domínio público. Sérgio Rosa, do Setorial de TI do PT-RJ, manifestou a sua preocupação, fazendo uma comparação com o Código Penal. Se a Câmara aprovar o projeto de crimes na internet, disse, criminalizará o cidadão, sujeitando-o a penas que variam de um a três anos de reclusão, conforme o artigo 285: — O Código Penal também estabelece penas de um a três anos de prisão para casos de homicídio culposo e de detenção de três meses a um ano para lesões corporais. Homicídios e lesões corporais todos sabemos do que se trata, mas acessar páginas não autorizadas na internet não tem significado claro. Como está no projeto, um jovem que vasculhe na rede um texto armazenado num computador de outrem terá punição mais grave do que a dos crimes contra a vida. A proposição de Azeredo, conforme foi divulgado no site do Senado, altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), o Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969 (Código Penal Militar), a Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996, o Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), a Lei nº 10.446, de 8 de maio de 2002, e a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código do Consumidor), para tipificar condutas realizadas mediante uso de sistema eletrônico, digital ou similares, de rede de computadores, ou que sejam praticadas contra dispositivos de comunicação ou sistemas informatizados e similares. Lula: É proibido proibir Antes da abertura dos debates foi exibido um ví-
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deo em que o Presidente Lula fala publicamente contra o projeto. — Neste Governo é proibido proibir. A nossa proposta é sempre discutir, sem rancor nem mágoa, para fortalecer a democracia até às últimas conseqüências. Essa proposta de lei que está aí não visa a proibir abuso na internet, o que ela quer na realidade é fazer censura — disse o Presidente. O Diretor de Cultura e Lazer da ABI, Jesus Chediak, disse que considera o projeto de lei de Azeredo uma atitude antidemocrática: — Acho que essa censura à mídia digital representa um novo poder que passou a controlar a sociedade desde o neoliberalismo. Não é o poder de Estado, como vimos na época da ditadura, mas continuamos ameaçados por uma atitude autoritária. A cidadania controlada O ato foi acompanhado por jornalistas, estudantes, representantes de empresas de comunicação e sindicalistas, além da participação de parlamentares, como os Deputados Alessandro Molon e Jorge Bittar, ambos do PT-RJ. O primeiro classificou a manifestação como necessária em defesa da liberdade, da garantia dos direitos constitucionais e de uma sociedade livre e autônoma, sem a tutela do Estado, para exercer o seu direito do acesso à comunicação: — Por mais que a gente possa falar em algum momento em termos técnicos ou abordar as características do meio digital, esse debate é antes de tudo político, sobre que sociedade e que Estado nós queremos. O que está em jogo são as declarações de direitos, as garantias e os direitos individuais. Essa conquista foi alcançada pela Humanidade no século XVIII e no XIX colocada em xeque pelo capitalismo triunfante, que quis substituir essa sociedade dos direitos pela sociedade da vigilância e do con-
trole, da polícia e da desconfiança do cidadão – disse Molon, sustentando que a sociedade deve recusar o Estado que olha para o cidadão como alguém perigoso, que precisa ser controlado, porque pode ameaçar o status quo: — É essa a visão de Estado e de sociedade que não queremos. Desejamos o Estado e sociedade das liberdades individuais, conquistados com sangue e luta no Brasil por instituições e militantes como os que se encontram nesta noite na ABI. E é por isso que é muito simbólico que este evento aconteça nesta Casa. Essa foi uma escolha dos organizadores que optaram corretamente pela realização deste ato nesta entidade que representa a democracia e onde se discute o direito humano fundamental à comunicação livre – acrescentou Molon. O que há por trás? O Deputado Jorge Bittar, atual Secretário de Habitação do Município do Rio de Janeiro, afirmou que também é contrário ao projeto. No exercício do mandato na Câmara dos Deputados, ele teve atuação destacada na Comissão de Comunicação, Ciência e Tecnologia e Informática, na qual defendeu a pauta da inclusão digital. Ele fez coro com Jesus Chediak quando disse estar preocupado com o jogo de interesses que há por trás da proposta de criminalizar alguns tipos de acesso na internet: — Não podemos nos acomodar diante de circunstâncias como esta. É preciso que tenhamos muita iniciativa. Há muita coisa envolvida nesse processo. Além do precioso princípio da liberdade de expressão, há muitas questões econômicas em jogo. Aproveito para manifestar o meu compromisso de barrar essa iniciativa por meio da lei que procura definir uma coisa aparentemente ingênua, como crimes na internet. Esse projeto de lei traz os interesses de grupos econômicos contrariados pelo fenômeno da web, pela revolução que está em curso graças à oportunidade que a internet oferece aos indivíduos em todo o mundo. Bittar aproveitou para falar para a platéia que lotou a Sala Belisário de Souza da ABI sobre a importância da Conferência Nacional de Comunicação, prevista para o fim do ano, em Brasília, e uma prévia no Rio, em data a ser definida: — É importante que façamos uma reflexão e nos posicionemos sobre o tema das comunicações no País, que abrange inclusive as questões verdadeiramente ligadas à internet.
Raros foram os filmes sobre o tema que tiveram retorno comercial, dizem estudiosos no ciclo A Arte do Futebol. POR BERNARDO COSTA
Jornalistas, associados e pessoas comuns prestigiaram o terceiro encontro do ciclo de palestras Futebol Arte: A Arte do Futebol realizado na noite de 7 de julho, na ABI, que promoveu o evento, juntamente com o Grupo de Literatura e Memória do Futebol (MemoFut), o Laboratório de História do Esporte e do Lazer da UFRJ (Sport), o canal SporTV e as editoras Livrosdefutebol.com, e Apicuri. Formaram a mesa de debates sobre o tema Futebol e cinema o historiador e professor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro Victor Andrade de Melo, o jornalista Guilherme Roseguini e o cineasta José Carlos Asbeg. O evento, que acontece na primeira terçafeira de cada mês, tem por objetivo reunir jornalistas, acadêmicos e artistas para debater o esporte a partir de ângulos distintos como o samba, a dança, as artes plásticas, a literatura e o cinema. O jornalista José Rezende, Coordenador do Centro Histórico-Esportivo da ABI, deu início ao encontro com a projeção do filme Garrincha, Alegria do Povo (1963), de Joaquim Pedro de Andrade. Logo após a exibição, o jornalista Guilherme Roseguini abriu o debate chamando a atenção para o sucesso dos filmes nacionais que abordam a temática do futebol. Victor de Melo, Coordenador do Laboratório de Esporte e Lazer da UFRJ (Sport), lembrou que a parceria futebol-cinema gerou bons filmes, que, entretanto, não obtiveram retorno comercial: — Esses filmes não alcançaram sucesso de bilheteria. Porém, para o pesquisador, aquele que quer ver o futebol no cinema para interpretar o Brasil — já que o registro cinematográfico fica para a História — acredito que esta interação tenha dado um resultado positivo. Autor dos livros Cinema e Esporte: Diálogos e Esporte e Cinema: Novos olhares, Victor destacou que o primeiro filme a apresentar o futebol no roteiro data do ano de 1931. — A partir daí, as portas foram abertas para outras produções, com destaque para Rio 40º, de Nélson Pereira dos Santos, um filme importante para a cinematografia nacional, que tem o Maracanã como cenário em quase um terço da trama. O cineasta José Carlos Asbeg, diretor do documentário 1958: O Ano que o Mundo Descobriu o Brasil, ressaltou, com bom humor, que o seu filme não obteve retorno de bilheteria. Para Asbeg, o fracasso comercial das produções brasileiras sobre futebol está vinculado a questões culturais e não ao tema: — Na época das chanchadas, os filmes alcançavam grande sucesso de público. As pessoas iam muito ao
cinema ver os filmes brasileiros. Depois, a estética do Cinema Novo afastou um pouco esta audiência, que gostava de dar risada de si mesma, de seus costumes, mas tinha resistência em refletir sobre sua própria realidade. Este afastamento encontra eco nos dias atuais. Cerca de 80 milhões de brasileiros foram ao cinema no ano passado, mas somente 10% desse total para ver os filmes nacionais. Citando O Corintiano, de Mazzaropi, obra que alcançou retorno comercial, Victor de Melo afirmou que o tema futebol não faz sucesso no cinema porque o espectador está ausente do espetáculo: — No estádio, a arquibancada influi no resultado de uma partida, tem uma participação muito ativa. Isto não ocorre no cinema, pois a platéia assiste passivamente ao filme. O público que lota os estádios acaba não enchendo as salas de cinema, já que os filmes apresentam um roteiro definido, que pode ser previsível, enquanto o futebol é invariavelmente imprevisível. Victor sublinhou ainda que durante algum tempo, o tema futebol, por ser popular, foi deixado de lado por cineastas, jornalistas e acadêmicos: — Na imprensa, o futebol foi inicialmente encarado como futilidade. Nas universidades, era inconcebível que um historiador ou um sociólogo se debruçasse sobre o esporte para entender melhor a sociedade. Mas isto vem mudando com o tempo. José Carlos Asbeg admitir que o fato de o futebol ter sido utilizado politicamente durante a ditadura militar para incentivar o sentimento ufanista da nação e desviar a atenção da sociedade dos problemas internos do País pode ter contribuído para o afastamento do público: — Lembro que durante a Copa do Mundo de 1970 muitas pessoas chegaram a torcer contra o Brasil para não fazer o jogo dos militares. A dificuldade para a realização de filmes de ficção sobre futebol foi um ponto abordado pelos palestrantes, ao final do evento. —Manter a espontaneidade de um drible durante uma encenação é algo quase impossível de se conseguir. Pelé Eterno, de Aníbal Massaini, é um documentário de qualidade, mas que apresenta resultado primário na cena de um gol, devido aos problemas de marcação cênica de uma partida, observou Asbeg. Victor de Melo citou Fuga Para a Vitória, de John Huston, no qual o ator Sylvester Stallone interpreta um jogador de futebol. — O resultado da encenação foi tão ruim que o roteiro teve que ser mudado. O Stallone passou a ser o goleiro para que o resultado não fosse tão artificial. Guilherme Roseguini apontou Linha de Passe e O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias, dirigidos, respectivamente, por Walter Salles e Cao Hamburger, como exemplos de obras recentes nas quais as cenas de partidas de futebol foram reproduzidas com êxito. No encerramento do debate, os participantes da mesa sortearam livros sobre o tema para a platéia. ABI ON LINE
Mobilização surpreende Para Luiz Moncau, da Fundação Getúlio Vargas, à grande mobilização gerada em vários pontos do País e as audiências públicas para debater o projeto demonstram o grau de insatisfação da sociedade em relação à proposta: — Este momento não pode se dissipar. Pelo contrário, deve servir para unir a sociedade e fazer a nossa voz ser ouvida, em benefício da luta por uma comunicação melhor. Oana Castro, do Coletivo Intervozes, também se referiu à grande adesão que as audiências públicas contra o projeto vêm conquistando, mas fez uma alerta: — Nenhum de nós sabia aonde essa situação ia chegar, mas as coisas foram acontecendo e o movimento foi ganhando mais solidez e a unidade que a gente poucas vezes vê no campo da mobilização de várias dessas lutas que estamos travando por uma comunicação mais democrática, mais livre e mais participativa. Mas a bandeira contra o projeto Azeredo não pode se restringir a ela mesma. Tenho medo das conquistas que possamos obter contra essa proposta e venhamos a esquecer que existem outros projetos de lei que colocam em risco a democracia na comunicação.
Especialistas reconhecem: o futebol dá bons filmes, mas não lota os cinemas
Rosseguini (à esquerda) moderou o debate, no qual o cineasta Asbeg (à direita) lamentou que filmes sobre futebol não tenham êxito comercial.
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Mano Décio da Viola saúda o povo e a imprensa e pede passagem A ABI, o Instituto Cravo Albin e o Império Serrano abrem as comemorações do centenário do autor de Exaltação a Tiradentes e Heróis da Liberdade. POR JOSÉ REINALDO MARQUES
Amigos, sambistas, jornalistas, entre outros convidados, lotaram o Auditório Oscar Guanabarino da ABI no dia 20 de julho, para participar das homenagens pelo centenário de nascimento do compositor Mano Décio da Viola (19092009). A programação foi inaugurada com um debate sobre a vida e a obra do emérito ex-integrante e fundador da Escola de Samba Império Serrano, com a participação dos pesquisadores Rachel Valença, Ricardo Cravo Albin, Haroldo Costa e Sérgio Cabral — que também é Conselheiro da ABI —, além do Presidente da Casa, Maurício Azêdo, que foi o moderador da sessão. Na platéia foi destacada pelo Presidente da ABI a presença do cantor Roberto Silva — grande amigo de Mano Décio da Viola, de quem gravou o samba-enredo Exaltação a Tiradentes (1958) — e do historiador Hiram Araújo, responsável pelo Centro de Memória do Carnaval Carioca da Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro–Liesa. Também foram saudados o mangueirense Ed Miranda
Rosa, Presidente da Associação das Velhas Guardas das Escolas de Samba do Rio de Janeiro; o Desembargador João de Sant’Anna, sócio benemérito e um dos fundadores do Império Serrano; além dos membros das Alas das Baianas e da Velha Guarda da verde-e-branco de Madureira. O Presidente da ABI agradeceu ainda a presença de Laerte Lacerda, Diretor da Capemisa, patrocinadora do evento; Elmo José dos Santos, ex-Presidente da Mangueira e Diretor da Liesa; do jornalista José Carlos Netto, Diretor da Mangueira; e do também jornalista Paulo Francisco, Diretor da Associação das Velhas Guardas. Um carioca da bahia Um dos responsáveis pela programação que homenageia Mano Décio, o jornalista e Conselheiro da ABI Lênin Novaes foi quem deu início à solenidade: — É com muita honra que a Associação Brasileira de Imprensa, o Instituto Cultural Cravo Albin e o Grêmio Recreativo Escola de Samba Império Serrano, com o apoio da Capemisa Vida e
Previdência, orgulhosamente celebram o centenário de nascimento do compositor Mano Décio da Viola nesta noite. Mano Décio é co-autor de sambas antológicos como Heróis da liberdade e Exaltação a Tiradentes, entre outros – disse Lênin Novaes, que traçou breve perfil do compositor. Mano Décio, disse, nasceu na cidade de Santo Amaro da Purificação, Bahia, em 14 de julho de 1909, e morreu no Rio de Janeiro, em 18 de outubro de 1984. Contou que a abertura oficial das comemorações do centenário do sambista teve início em 14 de julho, na Escola Municipal Mano Décio da Viola, em Jacarepaguá, com empolgada participação de professores e alunos: — A direção do colégio produziu um esquete simulando um desfile de escola de samba. A atuação das crianças emocionou a todos, especialmente o cantor e compositor Jorginho do Império, um dos filhos de Mano Décio da Viola – contou Lênin, que representou a ABI na singela homenagem realizada na Escola.
FOTOS ABI ON LINE
Jornalista e historiador, Haroldo Costa (à esquerda, ao lado de Ricardo Cravo Albin e Maurício Azêdo) disse que Mano Décio tinha consciência política e queria passar cultura ao povo. Após a eleição de 1945, ele fez um samba em homenagem a Luís Carlos Prestes, eleito senador pelo PCB.
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Santana, um fundador Coube a Lênin a convocação dos integrantes da mesa de debatedores, mediados pelo Presidente da ABI, que, antes de passar a palavra aos conferencistas, disse que era necessário fazer um registro especial sobre alguns dos convidados: — Antes de tudo a Roberto Silva, grande intérprete do samba carioca, que, como lembrava há pouco o nosso Sérgio Cabral, foi o primeiro a gravar o samba-enredo Exaltação a Tiradentes, em 1956. Queremos também saudar a presença do Dr. Hiram Araújo, que foi e é um dos baluartes da preservação da música popular brasileira representada pelas escolas de samba. Queremos igualmente registrar a participação do Desembargador João de Sant’Anna, um dos fundadores do Império Serrano nos anos 40 e que teve o privilégio de ser um dos criadores da Escola de Samba Prazeres da Serrinha, embrião do Império Serrano. Depois de destacar a figura do Desembargador João Santana, o Presidente da ABI disse do orgulho e satisfação da ABI em receber a Diretoria da Escola Municipal Mano Décio da Viola, à frente sua Diretora, professora Rosana Oliveira, e a comitiva integrada pela Vice-Diretora Márcia Rodrigues e as professoras Maria Helena Carvalho, Cristina Veluna e Ângela de Oliveira. Maurício explicou para a platéia o motivo de a ABI, uma entidade de jornalistas, prestar homenagem a uma figura da música popular. Segundo ele, esta história começa com a inauguração da sede, “que resultou da luta de uma geração de jornalistas e do entu-
siasmo, idealismo e capacidade do exPresidente Herbert Moses”. Para reafirmar a coerência da Casa com eventos de música popular brasileira, citou um período dos anos 40 e 50 em que o 7º e o 9º andares do edifício-sede da ABI eram pontos permanentes de freqüência de grandes compositores: — Alguns deles dividiam a condição de criadores da música popular com a de jornalistas militantes, entre os quais o grande desenhista e cartunista Nássara, que viveu até recentemente a tempo de poder receber as galas das homenagens da turma do Pasquim por inspiração de Sérgio Cabral e de Jaguar, e, ainda, Cristóvão de Alencar, que foi também uma figura extraordinária da música popular brasileira. O Presidente Maurício Azêdo encerrou sua intervenção falando sobre a vinculação que a ABI sempre teve com a música popular brasileira e a música erudita, ressaltando que uma das grandes expressões da Casa foi o maestro Heitor Vila-Lobos, sócio da entidade durante 31 anos, que em 1959, ao falecer, “exibia com orgulho a sua condição de membro da ABI”. Cabral: admiração e amor Sérgio Cabral, o primeiro dos expositores, expressou a sua satisfação em falar sobre Mano Décio da Viola: — É um personagem que me deixa muito feliz de falar sobre ele. Foi uma das primeiras figuras da música popular, especialmente das escolas de samba, a quem me aproximei a partir do momento em que comecei a escrever sobre Carnaval no Jornal do Brasil. Eu e Mano Décio ficamos amigos. Freqüentávamos um a casa do outro. Fui a um almoço na casa dele onde estavam reunidos Roberto Silva, Risadinha, entre outros. Ele me influenciou tanto que, quando sugeri que o violonista Paulo César Batista de Faria passasse a se chamar Paulinho da Viola, eu na verdade, estava me inspirando em Mano Décio da Viola, por quem tenho grande admiração e afeto. Disse Sérgio Cabral que revendo os seus arquivos sobre Mano Décio da Viola encontrou muitos documentos escritos por ele sobre samba, Praça Onze e Império Serrano. O sambista era um homem que se preocupava com a História. Revelou que quando escreveu o seu primeiro livro sobre escolas de samba Mano Décio foi um dos primeiros entrevistados, para falar sobre as origens da escola de samba que ajudou a criar: — Ele falou das histórias do Império Serrano desde o Recreio de Ramos, a primeira escola onde ele esteve e conviveu com grandes sambistas, como Armando Marçal e Bide. Lá surgiu, dessa dupla, o samba Agora é cinza, que venceu o Carnaval. Tive envolvimento com Mano Décio também em discos — dois dos quais escrevi as contracapas. —, em um deles com empenho especial para que saísse pela gravadora Polydor, dirigido por Luiz Roberto,
melodia maravilhosa, da letra inspiradíssima, e porque me lembra um tempo feliz, em que o Império Serrano e as outras escolas de samba eram mais ideal e menos pragmatismo e lucro.
Conselheiro da ABI, Sérgio Cabral recebeu com carinho o cantor Roberto Silva (ao alto), autor da primeira gravação do antológico samba-enredo Exaltação a Tiradentes, de Mano Décio, Silas de Oliveira e Molequinho. Jorginho do Império, filho de Mano Décio, encerrou a noite, emocionado, com um show emocionante.
violonista, cantor e compositor. A minha fala representa, portanto, uma manifestação de amor e admiração por Mano Décio da Viola. Rachel, a insistente Rachel Valença, pesquisadora de música popular e Diretora do Império Serrano, iniciou sua exposição recordando o primeiro depoimento que colheu de Mano Décio, em 28 de novembro de 1978, para o livro Serra Serrinha Serrano O Império do Samba, escrito por ela e o ex-marido Suetônio Valença falecido há alguns anos. As pesquisas para o livro, contou Rachel, começaram em 1978 por sugestão do amigo Humberto Soares Carneiro, atual Presidente do Império Serrano: — Eu e Suetônio chegamos à escola em 1971. Humberto dizia que a nossa missão era preservar a memória da agremiação, que estava se perdendo com a morte de fundadores e antigos integrantes. Mano Décio da Viola era citado por todos como parte da tríade sagrada de compositores imperianos, juntamente com Silas de Oliveira e Jorginho Pessanha.
Para conseguir a entrevista com Mano Décio, após várias tentativas frustradas, Rachel Valença decidiu aguardar a saída dele de uma gravação na TV Tupi, na Urca: — Convidei-o para almoçar em minha casa, me identificando como amiga de Jorginho do Império. Ele aceitou. O depoimento em que ele fala da infância, da adolescência, da sua chegada ao Império Serrano, dos parceiros e baluartes da época foi um dos mais importantes para a elaboração do livro. Ele cita os sambas Medalhas e Brasões, que precisou ser mudado por problemas com a Embaixada do Paraguai; e Heróis da Liberdade, que teve um trecho censurado pela ditadura militar. Dando continuidade à produção da obra, no ano seguinte Rachel e Suetônio estiveram na casa de Mano Décio da Viola para gravar sambas inéditos, cantados por ele, com a participação do filho Jorginho do Império. A pesquisadora elegeu o samba Obsessão como a obra-prima de Mano Décio da Viola, uma parceria com Osório Lima: — Esta música trata da inspiração, da gênese do samba do compositor, sempre me faz chorar por causa da
Passagens pelos morros Terceiro expositor, Ricardo Cravo Albin começou falando sobre o excelente trabalho de Lênin Novaes na organização dos eventos comemorativos ao centenário de Mano Décio da Viola, supervisionado pelo Presidente Maurício Azêdo, que, para sua surpresa e alegria, canta na íntegra vários sambas-enredo de autoria do compositor, muitos deles desconhecidos. Cravo Albin disse que gostaria de enfatizar uma parte da história de Mano Décio da Viola, que começa com a sua chegada ao Rio de Janeiro quando criança, as suas passagens pelos morros de Santo Antônio e Mangueira, até se instalar na Serrinha. Esta trajetória, disse, contribuiu para o desenvolvimento do talento musical de Mano Décio e também o de agregar pessoas, sambas, sambistas, ambientes: — Mano Décio foi um dos primeiros compositores a dar depoimento ao Museu da Imagem e do Som, por sua relevância histórica em relação ao Carnaval, à musica carioca e ao sambaenredo. Em 1934, ele ingressa como um grande nome na mpb, ao lado de Bide e João de Barros, o Braguinha, com a adaptação de uma valsa que fez muito sucesso. Na opinião de Ricardo Cravo Albin, a parceria com Silas de Oliveira deu início a uma grande história que marcou Mano Décio “como sacerdote do rito de passagem da criação do samba-enredo”: — Digo isto porque os sambas-enredo dos anos 30 ficaram muito marcados pela ode a situações do cotidiano. A partir de Mano Décio e Silas de Oliveira e outros poucos compositores, o samba-enredo ganha esta estrutura descritiva, uma seqüência de homenagens ao Brasil com a exaltação a Tiradentes, Carlos Gomes, Joana Angélica, Duque de Caxias e Dom João VI. “Exemplo de retidão” Para Haroldo Costa estar na ABI tem um sabor muito especial, por causa da tradição da Casa de apoio às demandas e às iniciativas populares. Ele fez questão de destacar que a entidade sempre prestigiou todas as manifestações que envolviam a comunidade negra: — Sou testemunha disto. Nesta sala, o Teatro Experimental do Negro deu seus primeiros passos. Ensaiamos aqui o primeiro espetáculo. Aqui Abigail Moura ensaiava e fazia os seus espetáculos da Orquestra Afro-Brasileira, uma das iniciativas mais sérias deste País, para a preservação e divulgação do imaginário musical do negro brasileiro. Contou Haroldo que na ABI foi realizado o I Congresso Afro-Brasileiro, Jornal da ABI 343 Julho de 2009
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Aconteceu na ABI que contou com a presença de Darci Ribeiro, Guerreiro Ramos, Abdias Nascimento: — Como vocês podem ver, é uma Casa que tem em seu arcabouço muitas das nossas lembranças, da nossa herança, do nosso passado. É uma honra estar aqui hoje para celebrar Mano Décio, exemplo de dignidade artística, de retidão de caráter. Haroldo disse que conheceu Mano Décio e outros sambistas da sua época, como Mano Elói, Molequinho, Aniceto, entre outros, durante uma reportagem que fez para a revista O Cruzeiro. Além de destacar o talento musical do sambista, afirmou também que Mano Décio não era um compositor alienado, tinha visão política: — Nas eleições gerais de 1945, logo após o Estado Novo, Luís Carlos Prestes foi o Senador mais votado. Vespasiano Luz, membro do Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro (PCB), criou um desfile no Campo de São Cristóvão, em homenagem a Prestes. Vários compositores concorreram, mas o vencedor foi Mano Décio da Viola, que disse certa vez: “Através do samba-enredo precisamos passar cultura para o povo”. Troféu Mano Décio é 100 Ao final do debate, foram prestadas homenagens do Comitê Mano Décio é 100 integrado pela ABI, Instituto Cultural Cravo Albin e Grêmio Recreativo Escola de Samba Império Serrano, com a entrega de um troféu a personalidades que deram muitas e importantes contribuições para a memória e a divulgação do samba carioca. Entre os agraciados estavam Roberto Silva e Hiram Araújo. Também integram a lista dos contemplados com o troféu — mas que devido a compromissos particulares estiveram ausentes na festa — Paulinho da Viola, Elza Soares, João Bosco, Martinho da Vila e Dona Ivone Lara, que justificou a sua ausência: estava com uma forte gripe. Jorginho canta e conta Em seguida foi a vez de Jorginho do Império subir ao palco do Auditório Oscar Guanabarino, acompanhado da sua banda, para emocionar a platéia com um show magnífico intitulado De pai para filho, no qual interpretou belíssimos e antológicos sambas de autoria do seu pai, como A paz universal, Antônio Castro Alves, Heróis da liberdade, Hora de chorar, Exaltação a Tiradentes, Exaltação ao Brasil Holandês, Exal-
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tação a Bárbara Heliodora, Medalhas e Brasões, Obsessão, 61 anos de República e Rio dos Vice-Reis. Antes de iniciar o show, Jorginho do Império falou da sua alegria com as homenagens em memória do centenário do nascimento de Mano Décio da Viola, que para ele é uma forma de evitar que a imagem do compositor se perca e seu nome entre na lista dos artistas esquecidos: — Realmente papai era uma pessoa que merecia tudo isto que começamos a fazer por ele, aliás, que eu já venho fazendo há muitos anos, quando canto O imperador, de Paulinho Rezende e Paulo Debétio, que virou a música da nossa família, da minha vida. A gente vem mantendo esta chama acesa, essa vinculação do nome Mano Décio da Viola com o Império Serrano, com os sambas-enredo que marcaram muito, como Heróis da liberdade e Tiradentes. Disse Jorginho que a melhor forma encontrada foi promover uma grande programação cultural: — Para trazer os amigos para falarem da obra e do homem aqui na ABI, onde o Maurício Azêdo acolheu a nossa idéia, com o apoio do Instituto Cravo Albin e da Capemisa, que há muito está ligada aos eventos culturais que promovemos no Império. Na quadra do Império também fizemos um grande evento para celebrar os 100 anos do Mano Décio, além da solenidade na escola municipal que tem o seu nome, no dia 14 de julho, dia do aniversário do papai. Resgate do poeta Com a chancela do Comitê Mano Décio é 100, as homenagens ao sambista se estenderão até julho de 2010. Está prevista a realização de um festival, no Teatro João Caetano, no mês de setembro. Em novembro haverá também um show na Praça da Apoteose. No mesmo período será lançado um cd duplo, gravado pelo selo Lumiar, com a seleção dos melhores sambas de Mano Décio da Viola, interpretados por Jorginho do Império. Na opinião do Diretor de Cultura e Lazer da ABI e produtor fonográfico Jesus Chediak, o cd “resgatará um dos mais expressivos poetas da maior manifestação cultural popular brasileira, o samba, e será ilustrado pelo cartunista Ziraldo”. Por iniciativa do Deputado federal Edmilson Valentin (PCdoB-RJ), será conferida ao compositor, em homenagem póstuma, a Medalha do Mérito Cultural do Ministério da Cultura. Na Câmara Municipal do Rio de Janeiro e na Assembléia Legislativa de Estado, parlamentares também propõem homenagens a Mano Décio.
Lembranças de uma encantada dama POR RACHEL VALENÇA
“Estou neste momento numa mansão na Praia Vermelha, na casa de uma encantada dama que deseja me entrevistar.” Assim começa o depoimento prestado por Mano Décio da Viola no dia 28 de novembro de 1978, para o livro Serra Serrinha Serrano O Império do Samba, de minha autoria, em parceria com Suetônio Valença, meu ex-marido, já falecido. A mansão era um modesto apartamento de sala e três quartos na Avenida Pasteur, onde morávamos na época. A encantada dama aqui está. De realidade na primeira frase do depoimento só resta a Praia Vermelha. As pesquisas para o livro começaram em 1978, por sugestão do amigo Humberto Soares Carneiro, hoje Presidente do Império. Ele falava da nossa quase obrigação de registrar a história da escola, onde chegáramos no final de 1971. A história, segundo ele, ia se perdendo à medida que seus protagonistas iam envelhecendo, esquecendo fatos e datas, ou mesmo morrendo. Já perdêramos Elói Antero Dias, em 1968, Jorginho Pessanha, o grande compositor, em 1969, Silas de Oliveira, em 1972. Era preciso correr contra o tempo, registrar depoimentos, pesquisar documentos e fotos e publicar, para que o Império Serrano tivesse um livro, como o Salgueiro já tinha. A tarefa nos empolgou e os anos de 78 e 79 foram para nós de muito trabalho. Mas já se aproximava o fim do ano e ainda não tínhamos o testemunho de um personagem importantíssimo: Mano Décio da Viola, citado em todos os depoimentos como parte da tríade sagrada de compositores imperianos, junto com Silas de Oliveira e Jorginho Pessanha. Marcava-se uma entrevista e não dava certo, porque o espírito de andarilho, sua marca mais forte, o impedia de estar na hora marcada e no lugar combinado para algo que ele não sabia bem o que era: uma entrevista a dois jovens, ilustres desconhecidos. Naquele novembro de 30 anos atrás, vi que se anunciava, no estúdio da TV Tupi, na Urca, uma gravação do Império e Mano Décio faria parte dela. O Suetônio não podia estar lá, era dia de semana, dia de trabalho: mas eu tirei uma folga a que tinha direito e me bati a pé para a Urca, para tentar conversar com o Mano Décio ou ao menos combinar algo. Pois até combinar era complicado: os meios de comunicação na época eram bastante precários, ter telefone em casa ainda era um luxo, celular e internet
nem em sonhos... não podia desperdiçar a chance de encontrá-lo. Fui, abordei-o na saída da gravação e, muito abusada, convidei-o para almoçar na minha casa, me identificando como amiga do Jorginho do Império, o que era verdade, porque minha amizade com o Jorginho data da época da minha chegada à escola, em 1971. Mano Décio foi andando comigo pela amurada da Avenida Portugal, de frente para o mar, até chegarmos à praia Vermelha. Quis ver a praia, que não conhecia. Já lá em casa, ganhei tempo para não intimidá-lo: almoçamos primeiro, ele gostou da comida, me lembro que era uma berinjela recheada, que ele louvou muito, bem como ao pudim de leite da sobremesa. Depois, pus discos na vitrola, lps do Império que eu colecionava, inclusive os dele próprio. Aí ele ia falando sobre as músicas e os parceiros, tudo muito casual, e de repente perguntei se ele se importava que eu gravasse suas palavras. O clima da conversa era muito bom, e o depoimento em que fala da infância e da adolescência, em que fala de sua chegada ao Império, dos parceiros e dos demais baluartes da época, foi um dos mais importantes para nós para a elaboração do livro. Lá estão narrados três episódios importantes: os problemas diplomáticos que em 1960 culminaram na mudança do enredo e do samba Medalhas e Brasões, de sua autoria com o parceiro Silas de Oliveira; o enredo escolhido, Retirada da Laguna, susceptibilizara os brios nacionais do embaixador paraguaio, a quem pareceu desrespeitosa a abordagem que o carnaval do Império faria da guerra entre os dois países. Outro episódio esclarecido em seu depoimento foi sua saída do Império por pouco mais de um ano e seu complicado retorno, enfrentando a resistência principalmente da inflexível Dona Eulália, que não admitia a mais ínfima infidelidade à escola que ajudara a fundar; e por fim os problemas enfrentados em 1968, em plenos anos de chumbo, quando o samba Heróis da Liberdade causou aos seus autores, obrigados pelo Dops a substituir a palavra revolução, da letra original, por evolução, como cantamos até hoje. No ano seguinte fomos à sua casa para gravar sambas inéditos, que ele cantou com muito boa vontade e com a participação do filho Jorginho. Mais adiante vieram as fotos para o livro, feitas pelo fotógrafo Fernando Seixas, em que ele aparece com o violão em punho, bem informal, na varanda de sua casa na Rua Itaúba, hoje Rua Mano Décio da Viola.
AGÊNCIA O GLOBO
Em novembro de 1978 Mano Décio deu um longo e agradável depoimento à jornalista Rachel Valença, que foi a base para a elaboração do livro Serra Serrinha Serrano O Império do Samba.
Com fotos e documentos não pôde contribuir para nosso trabalho: nada tinha e culpava as mulheres e a vida desregrada que tivera por não ter guardado nada. Mas desde esta época nos tornamos bons amigos. Em 1981 cavamos a oportunidade de um show da Velha Guarda do Império, até então inexistente. A Velha Guarda da Portela começava a ter visibilidade e não nos conformávamos com o fato de o Império, com seus sambas antológicos, não ter como mostrá-los. Suetônio conseguiu a Sala Funarte e imaginamos que, agendado o show, os “artistas” seriam obrigados a se unir e se organizar. Jorginho do Império tomou a dianteira e administrou com paciência e habilidade as dissensões dos meninos: o grupo era formado por Mano Décio, Fuleiro, Molequinho, Manuel Ferreira, Nilton Campolino e Carlinhos Vovô e congregava ainda as damas que dançavam o jongo, uma das fortes tradições da Serrinha, e faziam o indispensável coro de vozes femininas. A diretora do show era a saudosa Teresa Aragão, que se apaixonou perdidamente pelo repertório e pelos irresistíveis artistas. Fui a todos os ensaios e guardo até hoje as críticas altamente elogiosas ao espetáculo, que teve lotação esgotada em toda a temporada. Guardo também a foto do grupo no camarim e é com muita saudade que me lembro dos bons momentos passados em conversa com aqueles amigos que tinham em comum comigo a paixão pelo Império Serrano. A convivência com Mano Décio era sempre muito doce, pois ele era uma pessoa extremamente gentil, modesta, cordial, incapaz de dizer um não ou dar uma resposta que imaginasse desgostar o interlocutor. Tão doce quanto as balinhas que enchiam sempre seus bolsos e que oferecia a quem se aproximasse dele.
Foi nesse show que ouvi pela primeira vez a música que considero sua obraprima: Obsessão, em parceria com Osório Lima. Essa música, que fala da inspiração, da gênese do samba na mente do compositor, sempre me faz chorar. Primeiro, porque tem uma melodia maravilhosa e uma letra inspirada e comovente. Segundo porque me faz lembrar um tempo feliz, em que eu tinha trinta e poucos anos e em que o próprio Império Serrano e as escolas de samba em geral eram muito mais ideal do que pragmatismo e lucro. Ali, no Império Serrano, minha vida foi passando: hoje tenho a idade que tinha o Mano Décio quando eu o conheci. Não é uma comparação: não fundei o Império, também não compus nenhum samba. Mas me orgulho de ter contribuído um pouquinho para que a memória da escola esteja hoje reunida, para que haja fotos, que comprei ao longo dos anos de arquivos de jornal e do próprio Arquivo Nacional, dessas pessoas iluminadas que fizeram da minha escola o que ela é hoje: um quilombo de resistência cultural da negritude. Como me orgulho de no momento estar dedicando todos os meus esforços, junto com Humberto, Jorginho e tantos outros, para dar prosseguimento a essa história, que não podia seguir por caminhos que não dessem a nossos maiores – Silas de Oliveira, Mano Décio, Jorginho Pessanha, Elói Antero Dias, João de Oliveira, Mestre Fuleiro, Aniceto Menezes e Dona Eulália – motivo de continuar tendo orgulho de haver “pintado de verde e branco a bandeira do samba” naquele longínquo 23 de março de 1947. Rachel Valença, professora e historiadora, é VicePresidente do Império Serrano. Este é o texto integral que ela apresentou na sessão realizada em 20 de julho na ABI, na qual intercalou, num ponto e noutro, observações adicionais.
OS ADMIRADORES DE MANO DÉCIO Entre as dezenas de pessoas que acorreram à sessão em homenagem a Mano Décio da Viola figuravam as relacionadas a seguir, segundo o Livro de Presença. A ADAIL DE PAULA CUNHA ADALBERTO CÂNDIDO ADALGISA DA SILVA, da Velha Guarda do Império Serrano ALBERTO VIEIRA DOS SANTOS ALCIDEMAR BARBOZA ALÍPIO MONTEIRO ÁLVARO ALBINO ANA MARIA MORAIS ANDRÉ BORGES ÂNGELA CRISTINA BALDIEIRO DA SILVA ANTÔNIO NERY B BENILDO MENDES C CAROLINA MEIRELLES CIRO RIBEIRO (Ciro do Agogô) CONJUNTO OSAMBABRILHA D DALVA BELTRÃO DIEGO MENDES E EDESIO TETOUZ EDIALEDA SALGADO DO NASCIMENTO EDSON DE OLIVEIRA ELLIETE MARIA SANTOS, representante da Velha Guarda da Escola de Samba Unidos do Viradouro ELOÁ MARQUES ERENILDA PRILLO, da Velha Guarda do Império SERRANO ERIK OLIVEIRA EWERSON CLÁUDIO F FABIO LUIZ PINTO DA SILVA FRANCISCA TALARICO FRANCISCO PAULO NETO FRANCO PAULINO G GETÚLIO DANTAS GRÊMIO RECREATIVO ESCOLA DE SAMBA OS BAMBAS DA SERRA TERESÓPOLIS
H HELOÍSA TERÊNCIO
MOISÉS AJHAENBLAT, Diretor do Teatro Casa Grande
I ILMA MARTINS DA SILVA IRACI MARIA, Ala das Baianas do Império Serrano
N NACIF ELIAS HADDAD SOBRINHO NEILSON LOPES NILO SÉRGIO GOMES NORMA S. HAUER
J JANDYR ANTUNES JOÃO CARLOS DOS SANTOS JOÃO DE SANT´ANNA JOÃO GUEDES JOÃO LEITE JOÃO RICARDO JÚNIOR JORGE AIROGA JORGE DE A. ARAGÃO, da Escola de Samba Paraíso do Tuiutí JORGE DE OLIVEIRA JORGE RIBEIRO JOSÉ CARLOS NETTO JOSÉ GONZAGA DE OLIVEIRA L LAERTE TAVARES LACERDA LÊNIN NOVAES LEONARDO BRUNO PASSOS FERREIRA LISIANE ZANORA COSTA LIZZA DIAS LORIS BAENA CUNHA LUCÍLIA PEREIRA CAMPISTA LUIZ CARLOS DE OLIVEIRA CHESTHER M MARCELO GONZAGA MARCELO MACEDO MARCELO MOUTINHO MÁRCIA BEZAMAT COUTINHO MÁRCIA BUTTEL MÁRCIA MARQUES MÁRCIO DE ANDRADE MARCO AURÉLIO SILVA MARCOS ANTÔNIO DE PAIVA MACIEL MARIA CLARA AZÊDO MARIA DA CONCEIÇÃO LOROZA, ritmista do Império Serrano MARIA IGNEZ DUQUE ESTRADA BASTOS MARILENE MARQUES MARLENE BIGOT MARROTTI FIALHO, DE PORTO ALEGRE MAURÍCIO REIS (Fundação Cultural Palmares) MAURO VIANA MIRO LOPES
P PAOLLA GOMES PATRÍCIA S. RODRIGUES PAULO SANTI PEDRO CELESTINO SANTOS FILHO (Cabrinha da Escola de Samba Porto da Pedra) Q QUÉSIO MEIRELLES (Departamento Jurídico da Federação dos Blocos) R RAFAEL CAL RAQUEL MIRANDA REGINA BATISTA RODRIGUES ROBERTO ULANGA RONALDO R. CARVALHO ROSANA OLIVEIRA RUBENS CERVAS, Bloco Filhos de Gandhi S SERGIO CALDIERI SERGIO SOARES SILVIO BARBOSA JÚNIOR SIMONE BARRETO SYONE GUIMARÃES DA COSTA T TEREZA CRISTINA S. PINHEIRO TONI MARINS V VANDA VERMON VICENTE DATTOLI VICENTE E DIL MENDONÇA VIVIAN RIBEIRO W WALKIRIA GUIMARÃES WANDERHEBE BICUDO (Escola de Samba Em Cima da Hora) WELLOS SILVA Z ZÉLIO TEIXEIRA
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Aconteceu na ABI REPRODUÇÃO
A vez de Wadih Damous candidato Lançada na ABI sua candidatura à reeleição como Presidente da OAB-RJ. Centenas de advogados lotaram na noite de 27 de julho o Auditório Oscar Guanabarino da ABI para prestigiar o lançamento da campanha do advogado Wadih Damous à reeleição na Presidência da Ordem dos Advogados do Brasil-Seção do Estado do Rio de Janeiro-OAB-RJ. Foi ele o segundo candidato à eleição da OAB a lançar candidatura na ABI, como já fizera o advogado João Tancredo. Wadih concorre a novo mandato de três anos, nas eleições que se realizarão no mês de novembro. Sua campanha foi lançada a pedido de cerca de 18 mil advogados, que assinaram manifesto para que ele concorra novamente à Presidência da OAB-RJ. Entre os pontos do programa eleitoral de Wadih Damous figuram a continuação da luta pelo Estado de Direito e pelos direitos humanos, a defesa das
prerrogativas dos advogados, a melhoria dos serviços necessários ao desempenho eficaz da advocacia, como a recente instalação na sala da OAB no Fórum do Rio de 45 computadores e, a pedido, de cinco máquinas de escrever, destinadas ao uso por advogados que ainda não se familiarizaram com o computador. Dentre outros compromissos há também a criação do Recorte Digital, pelo qual os advogados receberão on line, em seus locais de trabalho, as informações do Diário de Justiça acerca dos processos judiciais do seu interesse. O auditório foi todo enfeitado com bolas de borracha nas cores azul e vermelho e branco. Muito entusiasmados, os partidários da permanência de Wadih Damous na direção da OAB-RJ exibiam botons e adesivos onde se lia Pra não parar – Wadih de novo!
Imagem do documentário Zeitgeist Addendum, lançado na internet e exibido no Cine ABI.
Um fenômeno da internet ganha as telas na ABI Documentário lançado na internet foi destaque no Cine ABI, que ainda reservou espaço para obras-primas do cinema cubano. POR PAULO CHICO
CONSELHO APROVA 13 PROPOSTAS DE FILIAÇÃO Com base em parecer da Comissão de Sindicância, o Conselho Deliberativo da ABI aprovou em sua reunião de julho, realizada no dia 28, a admissão de cinco sócios na categoria Efetivo e oito na de Colaborador, bem como a transferência de um associado da categoria Colaborador para a de Efetivo. Os associados receberam uma comunicação da ABI para o pagamento da mensalidade e da taxa de emissão da carteira social de
2009, ambas no valor de R$ 20,00. Para a categoria Efetivo foram aprovadas as propostas de Alex de Oliveira Teixeira, César Laus Simas, Darcy Homem Monteiro, Elayne Fagundes Pereira e Marcelo Eduardo Rangel Calife Chagas. Para a categoria Colaborador foram aprovadas as propostas de Alberto Wu, Edivaldo Leite de Souza, Josemar de Andrade de Castro, Paulo Alves Conserva, Porfírio Bacelar Pimentel, Tertuliano
Petter Siqueira, Thércio Pereira de Lira Rocha e Thiago Hilário Feijó. A transferência da categoria Colaborador para a de Efetivo aprovada foi a de Waldir Luiz Ferraz. O parecer da Comissão fora aprovado no dia 23 em sessão secretariada pela sócia Maria Ignez Duque Estrada, com a participação dos associados Antônio M. Lopes Filho (Toni Marins), Carlos Di Paola, José Carlos Machado, Luiz Sérgio Caldieri e Marcus Antônio Mendes Miranda.
O Conselho Deliberativo da ABI designou uma comissão para estudar a reforma do Estatuto, a fim de ajustá-lo à realidade atual da mídia impressa e eletrônica; às inovações na comunicação pela internet, a tv a cabo e por satélite; à interatividade jornal virtual-rádio e tv digital garantida pela telefonia celular; e aos novos agentes dessa transformação tecnológica. Integram a Comissão os Conselheiros Carlos Arthur Pitombeira, Jarbas Domingos Vaz, Lênin Novaes de Araújo, Maurício Azêdo, Milton Coelho da Graça, Orpheu dos Santos Salles e Pery Cotta. Os associados podem apresentar sugestões de emendas por carta ou e-mail. A previsão é que o novo estatuto seja votado em assembléia-geral extraordinária a ser convocada para o mês de outubro próximo. As sugestões dos associados poderão ser encaminhadas através do e-mail: reformadoestatuto@abi.org.br.
EM ESTUDO A REFORMA DO ESTATUTO
MOÇÃO PEDE A SAÍDA DE MICHELETTI, UM USURPADOR A ABI encaminhou no dia 1º de julho ao Embaixador de Honduras no Brasil, Victor Manoel Lozano Urbina, moção de repúdio ao golpe militar em Honduras e em favor do retorno do Presidente Manuel Zelaya e da renúncia de Roberto Micheletti. Na véspera, após intenso debate, o Conselho da ABI aprovou a moção e decidiu que a Casa reclamaria ao Governo de Honduras o restabelecimento da legalidade democrática, que constitui uma questão de honra para os povos sulamericanos, após o prolongado período de supressão das liberdades públicas e dos direitos civis iniciado nos anos 60. No entender da ABI, o Presidente empossado pelo Congresso, Roberto Micheletti, é um usurpador, cuja permanência no poder ofende as aspirações de democracia do povo hondurenho. A mensagem da ABI dizia: “Senhor Embaixador Victor Manuel Lozano Urbina,
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Peço transmitir ao seu Governo que a Associação Brasileira de Imprensa, a mais antiga entidade de jornalistas do País, expressa repúdio ao Presidente Roberto Micheletti pela forma antidemocrática com que assumiu a Presidência de seu país, após a deposição do Presidente Manuel Zelaya por um golpe militar. Micheletti é um usurpador e sua posse constitui uma ameaça aos povos da América, por restabelecer o ciclo de golpes militares que enodoaram o Continente a partir dos anos 60. Embora Sua Excelência possa desdenhar deste apelo, não podemos deixar de exortá-lo a fazer isto: devolver o Poder ao Presidente Manuel Zelaya, seu legítimo dono, pela vontade do povo hondurenho.” Atenciosamente, jornalista Maurício Azêdo, Presidente da Associação Brasileira de Imprensa-ABI Rio de Janeiro, Brasil.
A cada dia, a internet revoluciona o mundo das comunicações e a relação entre as pessoas em todo o mundo. Então, por qual motivo pensar que o cinema passaria ao largo deste processo? Um fenômeno da rede ganhou espaço no Cine ABI no dia 23 de julho, com a exibição de Zeitgeist Addendum, documentário produzido por Peter Joseph. Lançado de forma pioneira na internet, em 2 de outubro de 2008, o filme trouxe um estilo inovador e polêmico e despertou a curiosidade de milhões de pessoas em todo o mundo. Em bom português, a tradução literal do termo alemão que dá título ao documentário é O Espírito de Uma Era. Ao longo de duas horas, a obra divide-se em três eixos centrais. Na primeira parte, intitulada A Maior História Já Contada (The Greatest Story Ever Told), faz a análise crítica de aspectos relacionados à religião. O episódio seguinte, denominado O Mundo Inteiro é um Palco (All The World’s A Stage), o diretor apresenta o ataque de 11 de Setembro sob o argumento de que os Estados Unidos tinham conhecimento prévio de que os graves atentados ocorreriam. De forma geral, este trecho do documentário nada traz de novo, mas a forma como é apresentado é um diferencial à parte. Na terceira e última parte, chamada de Não Se Importe Com os Homens Por Detrás da Cortina (Don’t Mind the Men Behind the Curtain), Peter Joseph apela para as recorrentes teorias da conspiração para falar sobre o sistema econômico mundial e suas relações de poder e dominação. Focado prioritariamente no sistema bancário, tece e amarra toda a teia que pretendia expor, ligando a religião aos acontecimentos trágicos do 11 de Setembro e às guerras e conflitos mundiais, eventos que provocaram dor e perdas irreparáveis e também geraram muitos lucros para certas parcelas da sociedade. Além dessa obra, o cinema cubano continuou em cartaz no Cine ABI. No dia 9 de julho foi apresentado o filme Hello Hemingway, de Fernando Pérez. Produzida em 1990, a película é considerada um clássico, e conta a história da jovem Larita (Laura De la Uz), que sonha com uma
bolsa de estudos nos Estados Unidos para fugir da miséria e dos conflitos de seu país, em meados dos anos 50. Inspirada no escritor Ernest Hemingway, que reside perto de sua casa, Larita traça um paralelo imaginário entre a sua vida e as histórias do livro O Velho e o Mar, através do qual percebe que o ser humano pode ser destruído, mas jamais dominado, na luta por seus sonhos. A obra conquistou no Festival de Havana os prêmios de melhor filme e atriz para Laura De la Uz. Teve ainda a indicação na categoria de melhor filme no Festival de Gramado. No dia 16 chegou a vez da exibição de Tres Veces Dos, ainda dentro da Mostra de Filmes Cubanos, em parceria com o cineclube da Casa da América Latina. O filme, vencedor do Prêmio Zenith Obra-Prima no Festival de Montreaux em 2004, apresenta três histórias dirigidas pelos cineastas Pavel Giroud (Flash), Lester Hamlet (Lila) e Esteban Insausti (Luz Vermelha). Logo no primeiro episódio, um jovem estremece diante das estranhas aparições de uma mulher desconhecida em suas fotos enquanto prepara uma exposição. Na segunda história, uma anciã recebe a notícia pela qual esperou por mais de 40 anos: seu amor de juventude regressa ao povoado. No terceiro e último episódio, a chuva une dois seres solitários sob a luz vermelha de um semáforo. Por fim, na sessão de 30 de julho, ocorreu a exibição de Fidel, de Estela Bravo. A obra resgata a história da Revolução Cubana e aspectos da vida de Castro através de seu relato pessoal e dos depoimentos de personalidades como o Prêmio Nobel, jornalista e escritor Gabriel García Márquez, Sydney Pollack, Ted Turner, Muhammed Ali. Imagens raras e exclusivas dos arquivos do Estado cubano revelam diversos momentos de intimidade do Presidente cubano, ao lado de amigos como Nelson Mandela. Há ainda registros de fatos pitorescos, como a comemoração do aniversário do líder da revolução com os músicos do grupo Buena Vista Social Club. Vale lembrar que o Cine ABI é um evento gratuito, realizado nas noites das quintas-feiras, na Sala Belisário de Souza, 7º andar do edifício-sede da Associação, na Rua Araújo Porto Alegre, 71, Centro do Rio.
AÇÕES
O Supremo na berlinda: Câmara e Senado defendem o diploma que ele cassou Parlamentares apresentam projetos que buscam restabelecer a exigência do diploma específico para o exercício da profissão de jornalista e ampliam o debate público acerca do tema. AGÊNCIA CÂMARA - GILBERTONASCIMENTO
Após o impacto inicial diante do duro golpe, as mais fortes reações. Assim foi o mês de julho, marcado por diversas iniciativas e contestações à decisão do Supremo Tribunal Federal que, em 17 de junho, eliminou a obrigatoriedade do diploma de curso de Comunicação Social ou Jornalismo para o exercício da profissão. Após o encerramento da sessão do STF, a ABI afirmou que tal decisão “sonega à sociedade um jornalismo feito com competência técnica e alto sentido cultural e ético”, como assinalou o Presidente da Casa, Maurício Azêdo. Ao pronunciamento da ABI e de diversas instituições representativas do País seguiram-se iniciativas com o objetivo de reverter a decisão do STF. Em 8 de julho, o Deputado Federal Paulo Pimenta (PT-RS) apresentou a Proposta de Emenda Constitucional 386/2009, que restabelece a obrigatoriedade do diploma de curso superior para o exercício da profissão de jornalista. A proposta recebeu 191 assinaturas, 20 além do necessário para tramitar na Câmara Federal. A proposta foi despachada para a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, que, em data ainda não definida, analisará a constitucionalidade da matéria. Vale destacar que desde o dia 1º de julho tramita no Senado uma Proposta de Emenda Constitucional para retomar a exigência do diploma para o exercício da profissão. A iniciatuva foi do Senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE), que recolheu 50 assinaturas, 23 além do mínimo necessário. Informou o Deputado Paulo Pimenta que a proposta apresentada na Câmara foi formulada após várias reuniões com jornalistas, professores e estudantes de Jornalismo. “Foi importante a rápida reação da sociedade, desaprovando o absurdo cometido pela Corte Suprema brasileira. A atividade do jornalismo influencia na decisão dos receptores da informação, por isso não pode ser exercida por pessoas sem aptidão técnica e ética”, salentou o parlamentar. No mesmo dia 8 foi apresentado o Projeto de Lei nº 5.592/2009, que regu-
Jornalista, Paulo Pimenta (PT-RS) colheu 191 assinaturas para emendar a Constituição.
lamenta o exercício da profissão de jornalista. O texto foi apresentado pelo Deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), também jornalista e Conselheiro da ABI (leia íntegra na página 18). A proposta define funções dos jornalistas e também abrange questões relacionadas a salário e jornada de trabalho. “O projeto busca manter a organização de uma profissão que é absolutamente relacionada com o interesse público”, afirma o Deputado. A proposta estabelece a obrigatoriedade do diploma de conclusão de curso superior de Jornalismo, Comunicação Social ou equivalente ou de registro profissional para o desempenho da atividade de jornalista no serviço público. O texto apresentado segue a disposição do Decreto-Lei nº 972/69 de abrir exceção para os colaboradores e provisionados. Também no dia 8 de julho a Deputada Federal Rebecca Garcia (PP-AM) pediu apoio do Presidente da Câmara Federal, Michel Temer (PMDB-SP), para a criação de uma Frente Parlamentar em defesa da obrigatoriedade do diploma. Ne entendimento da Deputada, a falta do diploma é um retrocesso, pois o maior pilar do jornalismo é a ética, que também se aprende nos bancos da faculdade. Temer informou que encaminhará a proposição em regime de urgência para que seja votada rapidamente.
OPINIÃO
Diploma e liberdade de expressão POR ARNALDO NISKIER
Provocado por um repórter do muito bem elaborado Jornal da ABI, sinto-me no dever, como jornalista militante há quase 60 anos, de escrever alguma coisa sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal que cassou a exigência do diploma de nível superior para o exercício da profissão de jornalista. Há duas preliminares: a primeira é a de que isso nada tem a ver com a proclamada e necessária liberdade de expressão; a segunda é a de que o tema não é grave, nem relevante, a ponto de merecer a atenção da Corte Suprema. Aprendi desde sempre que decisão do Supremo é para ser cumprida. Mas, vivendo numa democracia, ninguém pode nos tirar o direito de discordar, aliás, como fez brilhantemente o Ministro Marco Aurélio Mello, único voto contra no histórico marcador de 8 a 1. Antes de ressaltar os seus ponderáveis argumentos, devo uma explicação que é essencial: fui chefe de Reportagem e diretor de Jornalismo da revista Manchete, no seu período áureo (1960-1978), trabalhei com centenas de repórteres e jamais senti dificuldade depois que a exigência do diploma foi estabelecida. Ao contrário, foi uma geração de méritos indiscutíveis na profissão oriundos de cursos de nível superior, sempre mereceram o meu maior respeito. Posso até confessar que dei uma colaboração decisiva, na época como membro do Conselho Universitário da Uerj, para que fosse criado o seu curso de Comunicação. O Ministro Marco Aurélio Mello foi muito claro no seu voto solitário: “Depois de 40 anos é que vamos conside-
rar o diploma extravagante? É possível erro nesse campo? É possível mesmo se detendo curso superior, como é possível erro no campo da Medicina, no campo do Direito, como é possível erro mesmo no âmbito desta Corte, já que a Justiça é obra do homem, sendo passível de falha”. Prossegue o Ministro Marco Aurélio Mello: “Com a exigência facultativa, frustar-se-ão inúmeras pessoas que acreditaram na ordem jurídica e matricularam-se em faculdades... Tendo o profissional o nível superior, estará mais habilitado à prestação de serviços profícuos à sociedade brasileira... Não vejo nada de inconstitucional nessa exigência”. O fato de existirem projetos de lei, no Congresso Nacional, pretendendo regular indevidamente profissões como a de escritor, esteticista, chefe de cozinha ou mesmo babá, não pode servir de pretexto para o menosprezo à escolha de muitos jovens pela carreira jornalística, que envolve outro tipo de responsabilidades sociais. Tanto que ela não deve ser predominantemente exercida por jeitosos, ou seja, por aqueles que, sendo bons em suas respectivas profissões, onde detêm reserva de mercado, poderão agora invadir uma área nobre que funciona muito bem. Existe um movimento legítimo, no Congresso Nacional, para que uma emenda constitucional restitua os direitos assegurados até aqui pelos que se formam, em nível superior, nas escolas brasileiras de Comunicação. Elas são muito procuradas e sua importância não deveria ser reduzida, a qualquer pretexto. Arnaldo Niskier, jornalista, professor e escritor, é membro da Academia Brasileira de Letras e sócio remido da ABI. Publicado originalmente no Jornal do Brasil, edição de 17 de julho de 2009, página A9.
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AÇÕES O SUPREMO NA BERLINDA
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MIRO PROPÕE PROJETO QUE RESTABELECE EXIGÊNCIA DO DIPLOMA. NO SERVIÇO PÚBLICO A proposição, diz ele na justificativa, visa a manter a organização de uma profissão absolutamente relacionada com o interesse público. Menos de um mês após a decisão do Supremo Tribunal Federal que cassou a exigência do diploma para o exercício da profissão de jornalista, como determinava o Decreto nº 972/69, o Deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) apresentou projeto de lei que regulamenta a atividade profissional e restabelece a conquista que o Supremo derrubou. A proposição, porém, limita a exigência ao serviço público. Pelo Projeto, que tomou o nº 5.592/ 2009, voltará a ser obrigatório o diploma de conclusão de curso superior de Jornalismo, Comunicação Social ou equivalente para obtenção do registro profissional, que será necesário para o desempenho da atividade de jornalista no setor público, mas sem restringir o trabalho em empresas jornalísticas. Dispõe ainda o Projeto que a empresa não-jornalística sob cuja responsabilidade se editar publicação destinada a circulação externa promoverá o cumprimento desta lei relativamente aos jornalistas que contratar. “A minha proposta é uma adaptação à decisão do Supremo Tribunal”, disse o Deputado. “Para trabalhar numa Redação, não precisa de diploma. Mas
É o seguinte texto da proposição:
AGÊNCIA CÂMARA - GUSTAVO MORENO
Participaram do encontro os Deputados Paulo Pimenta (PT-RS), autor da PEC nº 386/2009, que busca restabelecer a obrigatoriedade do diploma, Fernando Nascimento (PT-PE), e Emiliano José (PT-BA), que solicitou à Presidência da Câmara a criação de comissão especial para analisar a questão. Além dos parlamentares, participaram da reunião representantes da Federação Nacional de Jornalismo-Fenaj. No dia 15 de julho a Comissão de Legislação Participativa da Câmara Federal aprovou requerimento protocolado pelo Deputado Federal Iran Barbosa (PT-SE) pedindo a realização de uma audiência pública para discutir iniciativas relacionadas com a retomada da exigência do diploma de jornalismo para o exercício da profissão. “Os ministros do STF confundiram o direito à liberdade de expressão e de opinião com o exercício profissional do jornalismo. E pior, abriram um precedente perigoso para que as outras profissões que exigem formação em nível superior venham, também, a ter essa exigência suprimida”, disse o parlamentar. O assunto também será debatido na Comissão de Educação e Cultura. Titular nas duas comissões, Iran Barbosa informou que as datas das duas audiências públicas ainda serão marcadas. A ABI foi convidada a participar da audiência ao lado de outras entidades, como a Fenaj, a Ordem dos Advogados dos Brasil-OAB e a Associação Nacional de Jornais-ANJ, além do Ministério do Trabalho. “Ao retirar a exigência de formação acadêmica para a prática do jornalismo, o STF abre um espaço para a desqualificação da profissão e coloca em xeque a importância do ensino superior no Brasil, o que me traz muita preocupação”, questiona o Deputado Iran Barbosa. Não apenas na esfera federal, mas até mesmo em cidades do interior do Brasil, registraram-se manifestações de repulsa à decisão do STF. A Câmara Municipal de Toledo, no Estado do Paraná, aprovou por unanimidade o Requerimento nº 156/2009, condenando a decisão judicial que colocou fim à exigência do diploma para o exercício da profissão de jornalista. A Casa Legislativa de Toledo expressa a sua solidariedade à ABI e à Associação Toledana de Imprensa-ATI, pela postura das duas entidades contra a decisão do Supremo. A iniciativa foi do Vereador João Martins (PDT) e comunicada à ABI por ofício pelo Presidente da Câmara, Vereador Renato Reimann (PP). “A exigência do diploma não quebra a liberdade de expressão, pelo contrário. Qualquer pessoa – e a confusão acaba provocando erros de interpretação – pode expressar-se de maneira livre. O que a Constituição garante é que só jornalistas possam fazer jornalismo”, ponderou o Vereador João Martins.
Miro Teixeira (PDT-RJ): "Se a gente começa a discutir muito, não faz nada".
para ser jornalista e ter o regsitro profissional, precisa”. Além de regular a questão do diploma, o Projeto define as funções exercidas pelo jornalista, repetindo o que a respeito dispunha o Decreto nº 972/69, dispõe sobre aspectos salariais e atribui aos sindicatos de jornalistas a incumbência de representar às autoridades acerca do exercício irregular da profissão.
Disse o Deputado que espera receber contribuições para o aperfeiçoamento do Projeto, elaborado sem participação de entidades de jornalistas nem de representantes da sociedade civil, dada a sua preocupação de adotar alguma iniciativa logo após a decisão do Supremo. “O texto representa o pensamento do autor. Se a gente começa a discutir muito, não faz nada”, observou.
eventual execução de serviços técnicos de jornalismo, como os de arquivo, ilustração ou distribuição gráfica ou digital de matéria a ser divulgada;
Art. 3º Considera-se empresa jornalística, para os efeitos desta lei aquela que tenha como atividade a edição de jornal ou revista, a distribuição de noticiário e registro legal.
Projeto de Lei nº 5.592/2009 Dispõe sobre o exercício da profissão de jornalista. O Congresso Nacional DECRETA:
e) planejamento, organização e administração técnica dos serviços de que trata a alínea “a”;
Art. 1º É livre o exercício da profissão de jornalista.
g) coleta de notícias ou informações e seu preparo para divulgação;
Art. 2º A profissão de jornalista compreende o exercício habitual e remunerado de atividade intelectual ou de informação em meios de comunicação, ai incluídas as de:
h) revisão de originais de matéria jornalística, com vistas à correção redacional e à adequação da linguagem;
a) redação, condensação, titulação, interpretação, correção ou coordenação de matéria a ser divulgada, contenha ou não comentário; b) comentário ou crônica; c) entrevista ou reportagem; d) planejamento, organização, direção e
f) ensino de técnicas de jornalismo;
i) organização e conservação de arquivo jornalístico, e pesquisa dos respectivos dados para a elaboração de notícias; j) execução da distribuição gráfica ou digital de texto, fotografia ou ilustração de caráter jornalístico, para fins de divulgação; k) execução de desenhos artísticos, de computação gráfica e técnicos, de caráter jornalístico, para fins de divulgação.
§ 1º Equipara-se à empresa jornalística a seção ou serviço de empresa de radiodifusão, televisão ou divulgação cinematográfica, ou de agência de publicidade, ou sítios de internet ou outros meios de acesso onde sejam exercidas as atividades previstas no art. 2º. § 2º Para desempenho da atividade de jornalista, no setor público, será obrigatória a exigência de diploma de conclusão de curso superior de Jornalismo, Comunicação Social ou equivalente ou de registro profissional deferido até a data de publicação desta lei. § 3º A empresa não-jornalística sob cuja responsabilidade se editar publicação destinada a circulação externa promoverá o cumprimento desta lei relativamente aos jornalistas que contratar. Art. 4º A graduação em curso superior de Jornalismo, Comunicação Social ou
afim, permite registro profissional de jornalista no órgão regional competente do Ministério do Trabalho e Emprego, que se fará mediante a apresentação do respectivo diploma, reconhecido pelo Ministério da Educação e: I – prova de nacionalidade brasileira;
Repórter Fotográfico: aquele a quem cabe registrar fotograficamente quaisquer fatos ou assuntos de interesse jornalístico; Repórter Cinematográfico: aquele a quem cabe registrar, cinematograficamente, quaisquer fatos ou assuntos de interesse jornalístico;
II – folha corrida; III – carteira profissional. § 1º Para efeito de registro, a exigência de diploma de nível superior de Jornalismo, Comunicação Social ou equivalente, é aplicável ao exercício das funções relacionadas de “a” a “g” no artigo 5º. § 2º O aluno do último ano de curso superior de Jornalismo, Comunicação Social ou equivalente poderá ser registrado como estagiário, na forma do parágrafo anterior.
Art. 5º As funções desempenhadas pelos jornalistas profissionais, como empregados, serão assim classificadas: Redator: aquele que além das incumbências de redação comum, tem o encargo de redigir editoriais, crônicas ou comentários; Noticiarista: aquele que tem o encargo de redigir matéria de caráter informativo, desprovida de apreciação ou comentários; Repórter: aquele que cumpre a determinação de colher notícias ou informações, preparando-as para divulgação; Repórter de Setor: aquele que tem o encargo de colher notícias ou informações sobre assuntos predeterminados, preparando-as para divulgação; Rádio Repórter: aquele a quem cabe a difusão oral de acontecimento ou entrevista pelo rádio ou pela televisão, no instante ou no local em que ocorram, assim como o comentário ou crônica, pelos mesmos veículos; Arquivista Pesquisador: aquele que tem a incumbência de organizar e conservar, cultural e tecnicamente, o arquivo redatorial, procedendo à pesquisa dos respectivos dados para a elaboração de notícias; Revisor: aquele que tem o encargo de rever as provas tipográficas de matéria jornalística; Ilustrador: aquele que tem a seu cargo criar ou executar desenhos artísticos ou técnicos de caráter jornalístico;
Parágrafo único. Às atividades jornalísticas desempenhadas por trabalhadores autônomos aplicam-se, nos termos do regulamento, os direitos estabelecidos por esta lei. Art. 6º Não haverá incompatibilidade entre o exercício da profissão de jornalista e o de qualquer outra função remunerada, ainda que pública, respeitada a proibição de acumular cargos e as demais restrições legais. Art. 7º O salário de jornalista não poderá ser ajustado nos contratos individuais de trabalho, para a jornada normal de cinco horas, em base inferior à do salário estipulado, para a respectiva função, em acordo ou convenção coletiva de trabalho, ou sentença normativa da Justiça do Trabalho. Parágrafo único. Em negociação ou dissídio coletivo poderão os sindicatos de jornalistas reclamar o estabelecimento de critérios de remuneração adicional pela divulgação de trabalho produzido por jornalista em mais de um veículo de comunicação coletiva. Art. 8º Também poderá obter registro de jornalista profissional quem comprovar o exercício da profissão por dois anos consecutivos ou quatro intercalados, em qualquer das atividades descritas nos artigos 2º e 5º, mediante: I – os documentos previstos nos itens I, II e III do artigo 4º; II – atestado de empresa jornalística, do qual conste a data de admissão, a função exercida e o salário ajustado; III – prova de contribuição para o Instituto Nacional de Previdência Social, relativa à relação de emprego com a empresa jornalística atestante. Parágrafo único. Aos sindicatos de jornalistas incumbe representar às autoridades competentes acerca do exercício irregular da profissão. Art. 9º Estão convalidados os registro deferidos pela seção competente do Ministério do Trabalho e Emprego. Art. 10. O regulamento desta lei será expedido dentro de sessenta dias de sua publicação, pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Art. 11. Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogado o Decreto-Lei nº 972, de 17 de outubro de 1969, o parágrafo primeiro do artigo 302 e os artigos 310 e 314, todos do DecretoLei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.
Os textos com sua assinatura começaram a ser publicados por 94 jornais: 69 diários, três bissemanais e 22 semanais, quinzenais ou mensais. O Presidente Luiz Inácio Lula da mento detalhado das obras da Copa Silva assinou em 8 de julho a sua prie depois reunirá representantes dos meira coluna semanal, intitulada O Estados e dos Municípios envolvidos Presidente Responde, que será publica“para definir responsabilidades, danda inicialmente em 94 jornais cadasdo transparência ao processo”. trados pelo Governo Federal. InscreOutra pergunta foi feita pela penveram-se para receber o material 69 sionista Leila Dalgolbo, de Cariacica, veículos diários, três bissemanais e 22 ES. Ela queria saber o motivo de não semanais, quinzenais ou mensais. A ser incluído no programa Minha Região Sudeste concentra a maior Casa, Minha Vida o desconto das parte dos veículos, com 43 jornais caprestações da casa própria em folha dastrados; a Região Nordeste conta de pagamento do Instituto Nacional com 19 jornais inscritos; a Sul, 18; a do Seguro Social-INSS. O PresidenNorte, nove; a Centro-Oeste, cinco. te respondeu que o desconto poderá A coluna é dividida em perguntas “vir a ser realizado pelo programa”. e respostas e deverá ser publicada Leila quis saber também a razão de sempre às terças-feiras. Formuladas os interessados no programa não popelos leitores dos jornais, as pergunderem se cadastrar por meio da intertas devem abordar temas relacionanet, para que não precisem enfrentar dos às políticas públilongas filas. O Presicas e ter relevância e dente fez elogios à suinteresse jornalístigestão da pensionista cos. A seção respone disse que “as áreas derá a perguntas de específicas do Goverleitores enviadas aos no serão acionadas veículos cadastrados e para o estudo e a posrepassadas à Secretasível adoção dessa alria de Comunicação ternativa”. Social da Presidência A terceira pergunda República. Cabe ao ta respondida pela Governo a seleção secoluna foi formulada manal de três pergunpela dona de casa tas entre as enviadas. Anna Maria Marcus, São escolhidas aquede Diadema, SP, que Lula: Semanalmente em 69 indagou ao Presidenlas que tratam de “temas relacionados às diários, a maioria no Sudeste. te por que é tão difícil políticas públicas e o Sistema Único de que tenham relevância e interesse jorSaúde-Sus oferecer assistência médinalísticos”, como decidiu o Planalto. ca de qualidade. O Presidente disse Na coluna inaugural, o Presidenque o Governo reconhece que o siste respondeu sobre dúvidas dos leitema de saúde enfrenta problemas, tores acerca dos gastos do Governo como “filas grandes e dificuldades federal com a Copa do Mundo de para se marcar um exame ou consul2014, o programa Minha Casa, Minha ta, o que é um transtorno para pesVida e o Sistema Único de Saúde-Sus. soas mais fragilizadas”. Uma das perguntas respondidas A causa da dificuldade de atendipelo Presidente foi formulada pela mento, acrescentou, é o fato de o Brasil professora universitária Natália ter “o maior sistema de saúde pública Miranda Viera, residente em Natal, do mundo, uma vez que 70% dos braRN, que queria saber como o Goversileiros dependem exclusivamente no Federal vai garantir que não haja dele”. Ele atribuiu a queda de qualidasangria de dinheiro público nas obras de do atendimento do Sus à perda da para a Copa de 2014, a exemplo do Contribuição Provisória sobre Movique ocorreu nos Jogos Pan-Americamentação Financeira-CPMF: “Perdenos de 2007 no Rio de Janeiro. mos volume expressivo de recursos, O Presidente respondeu que não que esperamos recompor com a reguhouve sangria de gastos públicos nos lamentação, pelo Congresso, da Jogos Pan-Americanos, mas admitiu Emenda Constitucional 29”. que “os investimentos superaram o A Emenda 29 obriga Estados e previsto”. Ele explicou que o planeMunicípios a investirem 12% e 15% jamento do evento não foi da resda arrecadação de impostos em saúponsabilidade da União, que teve de. Já o Governo Federal em 2000 foi que arcar com uma série de comproobrigado a investir 5% e nos anos semissos do Estado e do Município do guintes teve que aplicar valores corRio de Janeiro. Disse também que o rigidos pela variação nominal do ProGoverno Federal fará um planejaduto Interno Bruto-Pib. ANTONIOCRUZ/ABR
§ 3º O regulamento disporá ainda sobre o registro especial de: colaborador, assim entendido aquele que exerça habitual e remuneradamente atividade jornalística, sem relação de emprego; funcionário público titular de cargo cujas atribuições legais coincidam com aquelas expressas no artigo 2º; provisionados, assim entendido aquele que, sem diploma, teve o reconhecimento, como prático, para o exercício das atividades previstas na presente lei e no regulamento específico.
Diagramador: aquele a quem compete planejar e executar a distribuição gráfica de matérias, fotografias ou ilustrações de caráter jornalístico, para fins de publicação.
O Presidente agora é colunista de jornal
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DEPOIMENTO
A UTOR DA COLUNA MAIS LIDA DO B RASIL , ESSE SERGIPANO DO M UNICÍPIO DE F REI P AULO DIZ QUE É MUITO MAIS FÁCIL REDIGIR UM TEXTO DE DEZ LAUDAS DO QUE RESUMIR TODA A INFORMAÇÃO EM POUCAS LINHAS .
Ancelmo Gois – Escrever pouco é mais difícil do que escrever muito.
ENTREVISTA A JOSÉ REINALDO MARQUES
Com 45 anos de profissão, o jornalista Ancelmo Gois, colunista do jornal O Globo, chega aos 60 anos de idade com muito dinamismo, trabalhando em média 12 horas por dia. Ele diz que o seu apetite pela política é que o trouxe para o jornalismo: “No começo eu sempre fiquei dividido entre a política e a atividade jornalística”, declarou. Ancelmo começou sua carreira na Gazeta de Sergipe aos 15 anos. Foi chefe do escritório da Veja no Rio, função que 20
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acumulou com a de titular da coluna Radar. Convidado por Marcos Sá Correa trocou a revista pela coluna Informe JB no Jornal do Brasil, que era o seu grande sonho de consumo. Nesta entrevista Ancelmo Gois fala da sua participação no movimento estudantil, o seu envolvimento com o Partido Comunista Brasileiro, do exílio na União Soviética e sobre o dilema que viveu entre a política e o jornalismo que durou até à edição do AI-5, em 13 dezembro de 1968.
ARQUIVO PESSOAL
a de limpar os clichês que eram usados para a impressão das fotografias.
JORNAL DA ABI – COMO É CHEGAR AOS 60 ANOS DE IDADE E 45 DE PROFISSÃO COMO UM DOS JORNALISTAS MAIS PRESTIGIADOS DA SUA GERAÇÃO? Ancelmo Gois – Eu ralei muito e ainda ralo até hoje. E também sou muito grato às pessoas que me ajudaram e me deram oportunidades. A primeira chance que eu tive foi no jornal A Gazeta de Sergipe, quando tinha 15 anos de idade.
JORNAL DA ABI – O QUE MAIS É MARCANTE NA SUA ATUAÇÃO NO JORNALISMO EM
SERGIPE? Ancelmo – A imensa generosidade de pessoas que me ajudaram naquele período, como os dois grandes mestres que tive. Um deles foi o José Rosa de Oliveira Neto (que já morreu) e chegou a ser dirigente do Partido Socialista. Ele me orientou muito com relação à leitura. Eu era um jovem metido a besta, que só queria saber de livros de Filosofia. Ele me dava bronca e dizia: “Você não tem que ler livros de Filosofia p... nenhuma. Vá ler José Lins do Rego, Graciliano Ramos e Jorge Amado”. Esse cara foi fundamental na minha vida.
JORNAL DA ABI – APESAR DA POUCA IDADE VOCÊ JÁ TINHA A CONVICÇÃO DE QUE QUERIA SER JORNALISTA?
Ancelmo – Quando cheguei ao jornalismo eu me vi numa encruzilhada, que era a vontade de ter uma participação política efetiva, e ao mesmo tempo exercer a profissão de jornalista. No meu tempo, política e jornalismo se misturavam. Essa era uma prática comum no Brasil naquela época (anos 60), daí haver muitos políticos que também eram jornalistas. O ambiente no País era mais propício a essa mistura. No começo, sempre fiquei dividido entre a política e a atividade jornalística.
JORNAL DA ABI – VOCÊ CITOU UM DOS SEUS MESTRES, QUEM FOI O OUTRO?
Ancelmo começou menininho no jornalismo: tinha 15 anos quando foi admitido na Gazeta de Sergipe, onde fez de tudo, até mesmo crítica cinematográfica, além de distribuir o jornal.
JORNAL DA ABI – COMO SURGIU ESTA SUA INCLINAÇÃO PARA A POLÍTICA?
Ancelmo – Eu fui muito influenciado pela família. O meu pai, Euclides Gois, foi vereador pelo Partido Republicano, em Frei Paulo, onde eu nasci, em 1948, no interior de Sergipe. Lá em casa era muito comum os políticos vindos da Capital serem recebidos para almoços, quando iam fazer campanhas no interior. Então, eu, muito moleque, fui ouvindo aqueles papos sobre política, que me chamavam a atenção e me despertavam muita curiosidade. JORNAL DA ABI – VOCÊ COSTUMAVA ACOMPANHAR DE PERTO AS CAMPANHAS ELEITORAIS?
Ancelmo – Em 1960, quando o Lott disputou a Presidência da República com o Jânio Quadros, eu tinha 12 anos de idade e adorava freqüentar os comícios. Tanto é que até hoje guardo, com muita força, as recordações das campanhas daquela época. O Lott, como era marechal, usava uma espada de ouro como símbolo de campanha. O do Jânio era a vassourinha. Eu ia para os comícios e adorava cantar os jingles das campanhas. JORNAL DA ABI – VOCÊ AINDA SE LEMBRA DESSES JINGLES?
Ancelmo – Nos comícios do Lott, de quem o meu pai era eleitor, eu cantava: “Espada de ouro / quem tem é o Marechal/ Lott, Lott você é o ideal / Porque da dobradinha PTB-PSD...”. Mas, escondido do meu pai, eu ia aos comícios do Jânio, cujo jingle de campanha era: “O homem da vassoura vem aí / Já sei para onde ir com a família...” (risos) Eu adorava isso. Ligava o rádio para ouvir a Rádio Nacional do Rio de Janeiro, interessado nos acontecimentos políticos. Fui criado em um univer-
so que sempre me despertou um grande interesse pela política. JORNAL DA ABI – E DA CAMPANHA DO JANGO, VOCÊ TAMBÉM TEM ALGUMA RECORDAÇÃO? Ancelmo – Eu me lembro também da música criada para o Jango pelo Miguel Gustavo, que era assim: “Na hora de votar / A dona de casa vai jangar / É o Jango, é o Jango / É o João Goulart / Pra vice-presidente / minha gente vai votar/ É no Jango, é no Jango / No doutor João Goulart”. Isso me emocionava muito. Eu cheirava aquele ambiente, respirava as brigas da UDN com o PSD. Na minha adolescência e na juventude eu era movido pela política, que acabou me levando para o jornalismo. JORNAL DA ABI – COMO ASSIM? Ancelmo – Como eu já disse, eu comecei freqüentar a Gazeta de Sergipe em 1963, com 15 anos. Mas quando eu entrei para o jornal a minha paixão não era o jornalismo, era a política. A Gazeta, naquele tempo, pertencia ao Partido Socialista Brasileiro, que tinha uma base socialista muito forte. Tanto é que antes de se chamar Gazeta de Sergipe, o título do jornal era Gazeta Socialista. JORNAL DA ABI – MAS VOCÊ ACABOU MUDANDO O FOCO, NÃO SEGUIU A CARREIRA POLÍTICA E VIROU JORNALISTA.
Ancelmo – Pois é, depois que ingressei no jornal nunca mais abandonei a profissão. São 45 anos na atividade jornalística. JORNAL DA ABI – E COMO FOI A SUA ESTRÉIA NO JORNAL?
Ancelmo – Aconteceu por causa da
descoberta de petróleo em Sergipe, em novembro de 1963, na cidade de Carmópolis. Mesmo sendo um adolescente fui destacado para fazer essa matéria. Evidentemente, que isso foi uma maluquice. Pois eu não sabia nem escrever à máquina direito. JORNAL DA ABI – ESSA EXPERIÊNCIA DEVE TER SIDO MUITO PROVEITOSA... Ancelmo – É por isso que eu costumo dizer que tive duas grandes escolas: a primeira de política; a segunda de jornalismo, que eu cursei em um jornal do interior. Hoje, um moleque como eu era não consegue nem passar aqui na portaria do jornal (referindo-se a O Globo), quanto mais entrar. E se isso vier a acontecer, será quando ele estiver com 20 anos de idade, no último ano da faculdade. Então ele ingressa no jornal (e está certo) e vai fazer uma coisa só.
Ancelmo – O Ivan de Macedo Valença, que está vivo e esteve na minha festa de 60 anos. Ele foi o meu primeiro chefe na Gazeta de Sergipe. Um profissional com uma grande sensibilidade jornalística. Estávamos na década de 60, quando o creme do creme do jornalismo brasileiro era o nosso Jornal do Brasil, no qual ele se inspirava. O Jornal do Brasil tinha o Informe JB, então o Ivan criou o Informe GS (Informe Gazeta de Sergipe). Ele morava em Aracaju, que naquela época era uma cidade pequena ainda, mas vivia antenado, pesquisando o que era bem-feito. JORNAL DA ABI – QUE OUTRAS INOVAGAZETA? Ancelmo – Na Gazeta de Sergipe ele introduziu muitas idéias gráficas que pesquisava nos jornais, inclusive publicações estrangeiras. Mas principalmente do Jornal do Brasil. Eu fui criado nesse ambiente até que veio o golpe de 1964. ÇÕES O IVAN INTRODUZIU NA
JORNAL DA ABI – E AÍ... Ancelmo – E aí que o jornal foi empastelado, muitos profissionais foram presos. Isso tudo acontecendo muito perto de mim. Eu vi os agentes da ditadura entrar na JORNAL DA ABI Gazeta, empaste– QUAL FOI O SALlar o jornal, com U SEMPRE FUI MUITO DO POSITIVO DESSE gente fugindo, CURIOSO MAS TAMBÉM TIVE PERÍODO? entre outras coiAncelmo – Eu sas. Por isso, eu A SORTE DE TER PERTO DE mexi com muitos me considero um MIM PESSOAS MUITO assuntos. Fui até cara de sorte, porcrítico de cinema, que durante toda INTERESSANTES entre outras coia minha trajetósas. Como o jorria ligada ao jornal era pequenininho, a gente acabanalismo Deus colocou diante de mim va fazendo de tudo, como acontece em coisas muito marcantes. qualquer cidadezinha do interior, onde JORNAL DA ABI – MAS TEM TAMBÉM O a pessoa termina distribuindo e venSEU PRÓPRIO MÉRITO... dendo o jornal para o qual escreve. Deus me deu essa felicidade de viver Ancelmo – Eu me refiro a ele usandentro de jornal. Eu era um péssimo do uma frase de um personagem do aluno, não queria ir para a escola. O Guimarães Rosa, que diz assim: “Eu meu desejo era ficar dentro do jornal, quase que nada não sei. Mas descononde conheci a impressão a quente, no fio de muita coisa”. Eu sempre fui muichumbo. A minha primeira função foi to curioso, mas também tive a sorte
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FOTOS: ARQUIVO PESSOAL
Credenciado para uma cobertura na Alemanha, Ancelmo abriu mão de qualquer luxo: desprovido de vaidade, andava de metrô, como as pessoas comuns. Ele esteve na Alemanha mais de uma vez, uma delas em 1979, integrando uma delegação de jornalistas num seminário sobre economia.
de ter perto de mim pessoas muito interessantes. JORNAL DA ABI – VOCÊ AINDA NÃO EXPLICOU COMO SE DECIDIU PELO JORNALISMO. Ancelmo – O dilema entre a política e o jornalismo durou até à edição do AI5. Eu ficava muito dividido entre o jornalismo e as minhas idéias socialistas, que incorporei desde o tempo da Gazeta. Quando aconteceu o golpe militar, eu era secundarista e comecei a participar do grêmio do colégio, que fora presidido pelo Joel Silveira, que também é sergipano. Nós fizemos greves e passeatas contra a ditadura, quando então, em dezembro de 1968, veio o AI-5 e eu acabei sendo preso. JORNAL DA ABI – PARA ONDE VOCÊ FOI LEVADO?
Ancelmo – Para o 28º Batalhão de Caçadores, uma unidade do Exército em Sergipe. Mas nunca fui torturado ou molestado fisicamente, inclusive fiquei pouco tempo detido, para os padrões da época. Mas quando saí dali o meu emprego na Gazeta de Sergipe tinha evaporado. Não vou entrar muito no mérito do motivo que levou o dono do jornal a me demitir, até porque eu ainda não era um grande repórter, pois estava com a cabeça ainda muito voltada para a política. JORNAL DA ABI – VOCÊ PROCUROU LOGO UM OUTRO EMPREGO? Ancelmo – Aconteceu um fato inusitado. Apareceu uma outra chance que eu agarrei com muita força. Foi o seguinte: como eu já militava no Partido Comunista Brasileiro e no movimento estudantil, no período da prisão eu fortaleci as minhas convicções socialistas. A ponto de na minha saída da prisão o Partido, de maneira irresponsável, mas que para mim foi a glória, me oferecer para estudar na antiga União Soviética. 22
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JORNAL DA ABI – O QUE ACONTECEU EM SEGUIDA?
Ancelmo – Aconteceu que ainda bem jovem, com 20 anos de idade, fui embarcado para a União Soviética. Eu nunca tinha entrado num avião na minha vida, e de repente estava voando clandestinamente para a Rússia. JORNAL DA ABI – COMO ERA SUA VIDA RÚSSIA? Ancelmo – Eu vivi por algum tempo com o nome falso de Ivan Nogueira, porque estávamos na ditadura militar e a gente só conseguia ir para a Rússia protegido pela KGB. Foi este órgão que me deu uma identidade falsa, com retrato, e me transformou numa outra pessoa. Em seguida, fui para uma escola comunista para jovens, a Escola de Formação de Jovens Quadros, Konsomol, do Partido Comunista da União Soviética, onde estudei sobre o marxismo e o leninismo. NA
nos, quatro irlandeses, dez chilenos, entre outros povos. Imagina o que era morar em um lugar com pessoas de várias partes do mundo. Eu tinha como vizinhos de quarto dois italianos, com os quais eu conversava muito, e também com finlandeses. Foi uma experiência muito rica. JORNAL DA ABI – QUANDO FOI QUE VOCÊ BRASIL? Ancelmo – Em 1970 voltei para o Brasil e vim para o Rio de Janeiro. Entrei no País pela Argentina, e a KGB inventou que eu estava na França. Toda a minha documentação sobre dia e horário da minha entrada naquele país foi falsificada, o que fazia parecer que eu tinha morado na França e não na União Soviética. VOLTOU AO
seguições, mortes, e de repente, o Partido, que me dava um salário, ficou sem dinheiro e eu morando de favor, na casa do jornalista Luiz Paulo Machado, a quem devo muito e que foi meu colega na escola do Konsomol. JORNAL DA ABI – COMO FOI QUE VOCÊ ENFRENTOU ESSA SITUAÇÃO?
Ancelmo – Eu precisava arranjar um emprego. Eu não queria voltar para Sergipe. Eu me aproximei dos camaradas do Partido Comunista no Rio de Janeiro, principalmente do Oscar Maurício de Lima Azêdo, que foi um grande padrinho meu. Eu procurei o Azêdo, que naquele tempo era o principal quadro do Partido Comunista na imprensa no Rio. JORNAL DA ABI – QUAL FOI A ATITUDE DO MAURÍCIO AZÊDO PARA AJUDÁ-LO? Ancelmo – Foi ele quem conseguiu para mim os meus primeiros frilas. Ele falou com o jornalista Domingos Meirelles, atual Diretor Financeiro da ABI, que trabalhava na Editora Abril, na revista Realidade. Eu fui procurálo no escritório da revista na Rua do Passeio, no Centro da cidade. Domingos me apresentou a um amigo dele, chamado José Presciliano Martinez, que trabalhava na divisão de edições técnicas especializadas da Abril, responsável pelas revistas Máquinas e Metais, Transporte Moderno, Química e Derivados, Plásticos e Embalagens e uma outra se não me engano ligada ao ramo de supermercados. JORNAL DA ABI – VOCÊ LEMBRA QUAL FOI SEU PRIMEIRO TRABALHO COMO FREE-
ABRIL? Ancelmo – Foi sobre lingotamento contínuo. Naquele tempo a indústria siderúrgica brasileira estava em grande expansão. O então Presidente Médici tinha acabado de lançar um plaJORNAL DA ABI – ASSIM QUE CHEGOU no nacional para o setor. Na época, VOCÊ FOI LOGO PROCURAR EMPREGO NA IMhavia três usinas estatais que se desPRENSA? tacavam nesse produto, entre elas a Usiminas e a Cosipa (Cia. SiderúrgiAncelmo – Não. O meu sonho era me JORNAL DA ABI – COMO FOI QUE VOCÊ ca Paulista). Lá fui eu atrás do tal lindedicar 24 horas por dia à causa do SE VIROU COM A LÍNGUA, JÁ QUE NÃO FALAgotamento contínuo, assunto do qual Partido Comunista. Eu não voltei penVA O IDIOMA RUSSO? não entendia nada, mas me agarrei naquilo com a fome do Ancelmo – As aulas eram tranordestino e a necessidade do duzidas, mas a língua a gente U VIVI POR ALGUM TEMPO COM O retirante. E aí voltei para o joraprende rápido por uma razão NOME FALSO PORQUE ESTÁVAMOS NA nalismo. muito simples. Você pega um sergipano, que saiu da caatinDITADURA MILITAR E A GENTE SÓ JORNAL DA ABI – E INGRESSOU ga e joga lá na União SoviétiREVISTA EXAME? NA ca. Em dez dias ele tem que CONSEGUIA IR PARA A ÚSSIA Ancelmo – Eu trabalhava com aprender o que é sal, porque OI ESTE PROTEGIDO PELA muito tesão, com muito entuaquela comida é uma merda e siasmo, e as revistas técnicas coinsossa. E se você quiser comer ÓRGÃO QUE ME DEU UMA IDENTIDADE meçaram a editar no abre (pribatata e não sabe como proFALSA COM RETRATO E ME meiras páginas) uma coluna chanunciar em russo, depois de mada Negócios em Exame, que três dias você aprende pela exTRANSFORMOU NUMA OUTRA PESSOA veio a ser a maternidade da revistrema dificuldade. Se não ta Exame, na qual eu comecei a como é que você vai comer ou trabalhar. Depois fui subeditor de Ecosando no jornalismo. Eu estava defiandar de metrô, entre outras coisas? nomia da Veja, num período de muitas nitivamente apaixonado pela política, JORNAL DA ABI – E SOBRE A ESCOLA? matérias interessantes, de muitos furos que tinha sido a minha opção entre os de reportagem. Naquele tempo, na Veja, Ancelmo – Era uma escola internacianos de 68 e 70. Eu vim para o Rio e eu colaborava muito com a coluna Raonal, onde me deram a chance de conqueria apenas ser profissional do PCB. dar, que era feita pelo Élio Gaspari, que viver com cinco suecos, dois argentiMas nesse período houve muitas perLANCER NA
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R KGB. F
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Jornalista superqualificado, Ancelmo é sempre indicado para coberturas importantes, como entrevistas com candidatos à Presidência da República, como Lula (ao alto, à esquerda). Ele fica à vontade quando recebe ídolos como Caetano Veloso (acima, à direita), festejado por ele e por Rodolfo Fernandes, Diretor de Redação de O Globo (à direita de Caê), assim como Gilberto Gil e Zeca Pagodinho (abaixo, à esquerda). Seu xodó e da esposa, Janete Corrêa, também jornalista, é a netinha Carol.
também foi meu padrinho. Depois quando foi trabalhar no Jornal do Brasil, o Marcos Sá Correa me levou para fazer o Informe JB.
nal. E eu fazia parte da molecada que pegava carona em um jipe velho para ir ao aeroporto apanhar o Jornal do Brasil.
JORNAL DA ABI – ESSE FOI O INÍCIO DA SUA CARREIRA COMO COLUNISTA? Ancelmo – Eu dei um salto danado, pois o Marcos Sá Correa apostou em mim com uma coragem sem igual. Então eu deixei o cargo de subeditor de Economia da Veja, para escrever a mais importante coluna da imprensa brasileira daquela época, que era o Informe JB.
ROTINA UM GRANDE ACONTECIMENTO.
Ancelmo – E a minha postura quando via o Jornal do Brasil era a de um cristão diante da Bíblia. O dia em que eu entrei no JB pela primeira vez para trabalhar tive uma crise de choro e dizia: “P... que p... eu estou no JB”. Para um moleque que veio lá de Frei Paulo, cidadezinha do sertão de Sergipe, ingressar no Jornal do Brasil foi bom demais. E o corpo não agüentou a emoção daquele momento.
NA VEJA PELO SITE JORNALÍSTICO NOTÍCIAS OPINIÃO (NO)? Ancelmo – Por uma razão muito simples. Quem fica parado é poste e a gente precisa constantemente sentir um friozinho na barriga. No dia em que o profissional se acomoda ele está lascado. Eu estava em um dos melhores empregos do jornalismo do Brasil, como chefe do escritório da revista no Rio, responsável pela coluna Radar, ganhando um belo salário, quando o Marcos Sá Correa, que tinha me levado para o JB, me chamou para fazer jornalismo na internet.
JORNAL DA ABI – QUANTO TEMPO VOCÊ FICOU NO JORNAL DO BRASIL? Ancelmo – Passei seis anos escrevendo o Informe JB. Depois desse período voltei para a Veja, para dirigir o escritório da revista no Rio e assumir a coluna Radar. Então acumulei a chefia do escritório com a responsabilidade pela coluna. Foram momentos interessantes.
JORNAL DA ABI – ERA UMA PROPOSTA VANTAJOSA? Ancelmo – Eu fui para o NO porque confiava muito no taco do Marcos. Ele já tinha sido meu chefe no Jornal do Brasil e o salário era do tamanho de um caminhão. Eu ganhava três vezes mais do que na Veja. Naquele tempo a internet era um mercado de altos salários. Comprei um apartamento com esse
JORNAL DA ABI – VOCÊS FAZIAM DESSA
JORNAL DA ABI – SEMPRE QUANDO FALA
JORNAL DA ABI – O QUE O LEVOU A TROCAR A POSIÇÃO DE DESTAQUE QUE OCUPAVA
SOBRE O TEMPO QUE PASSOU NO JB VOCÊ SE MANIFESTA COM MUITA PAIXÃO.
Ancelmo – É fácil de entender. Quando me perguntam por que eu sou jornalista eu respondo: por causa do Jornal do Brasil. Eu era moleque lá na minha Aracaju e tinha uma paixão total e absoluta pelo JB. Como lhe falei, a Gazeta de Sergipe imitava o JB. Todo dia um avião da Varig chegava na cidade, às três e meia da tarde, trazendo os exemplares do jor-
trabalho. Foram quinhentos dias trabalhando no NO. Uma experiência rica, porque era um veículo muito diferente do jornalismo impresso. JORNAL DA ABI – FOI DIFÍCIL SE ADAPTAR A ESSA MÍDIA NOVA?
Ancelmo – Eu achava que ninguém me lia, principalmente porque tinha saído de uma coluna de 4 milhões de leitores, para um negócio chamado internet. Tinha dias que eu me sentia isolado e ficava gritando para a máquina “Tem alguém aí? Tem alguém aí?”. Uma coisa a que eu tive que me adaptar foi a relação com as fontes. JORNAL DA ABI – COMO ASSIM? Ancelmo – Uma coisa é você ligar para um ministro dizendo que é o Ancelmo Gois da Veja. Outra é falar que é do NO. Do outro lado da linha vinha sempre a pergunta: “NO? O que é NO?”. Eu tinha que ficar explicando para as secretárias que NO era o site jornalístico Notícia Opinião, era uma loucura. Houve também outras coisas interessantes. Jornal da ABI 343 Julho de 2009
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DEPOIMENTO ANCELMO GOIS
JORNAL DA ABI – QUAIS? Ancelmo – A internet é fantástica por causa da parceria e interação com o leitor que nos proporciona. Se a gente escreve uma bobagem, imediatamente recebe uma mensagem assinalando que a nota contém erro. Numa questão de minutos um cara lhe escreve provando que você é um merda. No impresso você só tem esse contato uma vez por dia, quando abre a correspondência vinda pelo Correio, enquanto que na internet essa comunicação é on line, com pessoas que podem ser idiotas ou cultas. A internet levou à exaustão a interação do leitor com o veículo. JORNAL DA ABI – E POR QUE O NO NÃO FOI ADIANTE? Ancelmo – O NO era bancado por um grupo de empresários que não tinha nada a ver com o jornalismo. Gente como Daniel Dantas, pessoas ligadas à Brahma, o Carlos Jereissati e o dono da Andrade Gutierrez, ou seja, investidores que criaram um produto jornalístico certamente para vender mais adiante por um bom dinheiro, como era comum naquela época. Só que no meio do caminho caiu a bolha e nesse período vagou o cargo de colunista aqui no Globo, para onde eu vim substituir o Ricardo Boechat, que é um grande amigo meu.
vive de falar somente com santos. O colunista não pode ser promíscuo, mas é impossível publicar as safadezas que ocorrem em Brasília ligando para o Colégio São Bento ou o Convento de Santo Antônio. Porque se você ligar para esses lugares não vai conseguir apurar o que está acontecendo de ruim na Capital. Pra isso o colunista tem que ligar para os próprios personagens. Alguns ilustres, mas a maioria nem tanto. JORNAL DA ABI – EXISTE UMA FÓRMULA PARA COLUNISTA NÃO ESCORREGAR NA QUESTÃO ÉTICA?
Ancelmo – Na realidade eu não sei qual é a melhor maneira de se abordar uma fonte, se tornar próximo dela e, por questões éticas, manter a devida distância. Sinceramente, não tenho uma fórmula para isso. JORNAL DA ABI – QUEM SÃO AS FONTES QUE VOCÊ CHAMA DE CINCO ESTRELAS?
Ancelmo – Com o tempo o colunista vai descobrindo as fontes que são boas de notícia e aquelas que nem tanto. O Doutor Ulisses era uma boa fonte, mas quando se pedia a ele para revelar um bastidor ele negava, já o Antônio Carlos Magalhães contava. Ao longo do tempo o jornalista vai aprendendo que uma fonte não precisa ser necessariaQUALIDADE MAIOR JORNAL DA ABI mente o presi– QUEM SÃO AS dente da empreDO COLUNISTA É O GOSTO SUAS REFERÊNCIAS sa, pode ser a sePELA REPORTAGEM PELA NO COLUNISMO NAcretária ou até CIONAL? mesmo um conNOTÍCIA E PELO FURO Ancelmo – A corrente. Com o maior delas foi o amadurecimento Zózimo, com quem eu convivi no JB. Ele na profissão a gente aprende quem são me inspirou no uso de algumas expresas pessoas para quem se deve ligar. Dessões. Eu utilizo na coluna o estilo que cobrimos quem é fonte cinco estrelas, ele e o Ibrahim Sued já usavam. Mas quatro, duas ou uma. Tem a fonte com acho que o Zózimo era o brasileiro que melhor escrevia em três linhas. Escrever pouco é mais difícil do que escrever muito. Fazer um texto de dez laudas é muito mais fácil do que resumir toda a informação em poucas linhas. Essa é uma prática que requer uma inteligência especial. Mas eu acho que a qualidade maior do colunista é o gosto pela reportagem, pela notícia e pelo furo.
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quem falamos uma vez por mês, outras a gente liga todo dia. Essas são as cinco estrelas. JORNAL DA ABI – VOCÊ COSTUMA CHE-
ro em casa às dez da manhã e às dez da noite é que eu saio da redação de volta ao lar. JORNAL DA ABI – COMO É QUE VOCÊ LIDA
CAR A INFORMAÇÃO?
COM O GRANDE VOLUME DE INFORMAÇÕES
Ancelmo – Depende da informação, da gravidade do assunto e da fonte. Como eu disse anteriormente, depois de um longo tempo na profissão o colunista vai prestando atenção naqueles que nunca falharam e que lhe deixam mais relaxado. E também no cara em que a gente não confia, e que nos obriga a dar dois ou três telefonemas para checar a informação.
QUE RECEBE DIARIAMENTE?
JORNAL DA ABI – EM QUE MEDIDA O TRABALHO EM EQUIPE AJUDA NA QUALIDADE DA NOTÍCIA?
Ancelmo – As colunas atualmente são feitas em equipe, não é mais, como antigamente, o trabalho de uma só pessoa. A nossa é a melhor do colunismo brasileiro. JORNAL DA ABI – VOCÊ PODE IDENTIFI-
Ancelmo – As notícias cada vez mais têm um prazo de validade mais curto. Então muitas vezes o cara tem uma boa história, mas se ele me contar fora do prazo de validade não adianta. O mundo de hoje está cada vez mais veloz. É uma rapidez tão grande de uma informação que às vezes o jornalista bobeia e não apura direito. Na internet isso é mortal. Foi o que aconteceu com a Agência Estado, que ligou para a casa do Zuenir Ventura e o garoto que atendeu de sacanagem disse “o Zuenir morreu”, e os caras publicaram que o Zuenir tinha morrido. A internet é uma máquina mortífera que já matou muita gente, inclusive o mestre Zuenir (risos). JORNAL DA ABI – COMO SE DEFENDER
CAR OS SEUS COLABORADORES?
DESSE TIPO DE BARRIGA?
Ancelmo – Um deles é o Marceu Vieira, que é o meu braço-direito e o cara que traz alguma graça para as notas da coluna. Conto também com a Ana Cláudia Guimarães e o Aydano Motta, que é o editor do site. Oitenta por cento do meu trabalho e o de toda a equipe é dizer não aos pedidos que chegam. É por isso que toda coluna tem que ter um bom grupo trabalhando. Como a gente faz uma coluna que é muito lida, temos uma pressão muito forte de gente querendo plantar notas.
Ancelmo —Temos que ter cuidado para a rapidez não nos domar, porque não podemos dar desculpa pelo tipo de notícia. Não se pode dar uma nota na internet ou na rádio sem checar, a começar pela morte de alguém.
JORNAL DA ABI – VOCÊ TEM UMA JORNADA DE TRABALHO MUITO EXTENSA?
Ancelmo – É um processo de muita ralação. Basicamente todo dia o jornal manda um motorista me pegar de car-
JORNAL DA ABI – O JORNALISMO ON LINE É MESMO UMA AMEAÇA PARA O IMPRESSO?
Ancelmo – Tem um jornalista americano que disse que o jornal impresso vai acabar no verão de 2035, então eu quero que ele se dane. Primeiro, porque eu não acredito muito nisso; segundo, porque em 2035 eu posso não estar vivo; e terceiro porque eu não quero que acabe. O jornal impresso terá um dia uma finalidade mais nobre, por isso não vai acabar.
JORNAL DA ABI – QUAL O
JORNAL DA ABI – NA SUA OPINIÃO QUAL É O NÍVEL DO JORNALISMO BRASILEIRO?
Ancelmo – Eu acho que nós fazemos um jornalismo muito moderno. Veja o caso da TV Globo, que tem sido comparada com o que há de melhor nas tvs estrangeiras, inclusive por causa da produção de novelas. No caso das revistas há publicações como a Veja, que está no nível das maiores revistas semanais do mundo.
PRINCÍPIO QUE VOCÊ DEFENDE SOBRE A RELAÇÃO DO COLUNIS-
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JORNAL DA ABI – ATUAL -
TA COM AS FONTES?
MENTE ELA TEM SIDO MUITO
Ancelmo – É um desafio diário você se aproximar, conviver e se separar quando é necessário de uma fonte. Vamos supor que a fonte é um pilantra, você não vai ligar para ele e falar: “Oi seu pilantra, me dá uma notícia”. O que eu quero dizer é que uma boa coluna não
CRITICADA.
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Desde a Gazeta de Sergipe Ancelmo familiarizou-se com a tecnologia de imprensa. Lá, aprendeu cedo a lidar e trabalhar com a linotipo; aqui, dominou com facilidade a operação com computadores e toda a variedade de equipamentos usados no processo de produção da informação.
Ancelmo – Essa é uma outra questão que suscita o debate sobre como a imprensa se comporta diante dos fatos. Cada um reage de acordo com o seu olhar, o seu cacoete e as suas predileções ideológicas. Eu acho que nesse contexto a Veja radica-
FOTOS: ARQUIVO PESSOAL
rantias sociais mais fortes, enquanto os republicanos são mais liberais no campo econômico. As coisas estão mais ou menos separadas. JORNAL DA ABI – VOCÊ ACHA QUE NO BRASIL AS PROPOSTAS NÃO SÃO TÃO CLARAS? Ancelmo – Exatamente. O que é o PT hoje? Por que em São Paulo, nas últimas eleições, o PT tem tido uma diferença tão grande de votos em relação ao Rio de Janeiro? É porque são dois partidos totalmente diferentes reunidos em um só. O erro não está na população, mas nos partidos; e o que vale para o PT vale para o PSDB, PMDB e qualquer outra sigla partidária. JORNAL DA ABI – PASSADOS 40 ANOS DA DECRETAÇÃO DO AI-5, COMO VOCÊ AVALIA O COMPORTAMENTO DA IMPRENSA DURANTE A VIGÊNCIA DESSE MECANISMO DE CENSURA?
Além de manter a coluna em O Globo, trabalho que se estende por cerca de 12 horas quase todo santo dia, Ancelmo produz e apresenta semanalmente o programa de Lá Pra Cá, da TV Brasil. Aqui ele está numa boa, entrevistando Gilberto Braga, um mestre das telenovelas.
lizou o seu posicionamento, principalmente no conteúdo político, que é bom. Se não fosse, a revista não seria vendida. Se de um lado é um sucesso, por outro gera uma reação muito forte naqueles que pensam diferente. Os jornais também não são isentos. Para mim não há problema nenhum a Veja ter assumido esse caminho, desde que haja outras publicações que assumam outras posições. Isso não me assusta. JORNAL DA ABI – ALGUMA VEZ VOCÊ FOI CENSURADO? Ancelmo – Rigorosamente, não, mas já tive que responder a dezenas de processos. O Eurico Miranda, quando Presidente do Vasco, abriu vários contra mim. Ele de sacanagem levava as ações para o Fórum de Duque de Caxias, alegando que o Globo tem um escritório lá. Só pelo prazer de me deslocar para a Baixada Fluminense.
guir fazer um país correto dando às pessoas o direito de contestarem a imprensa. Ninguém está acima da lei. O Poder Judiciário, desde que bem acionado, é um instrumento para ser acessado contra qualquer cidadão, seja jornalista ou Presidente da República. JORNAL DA ABI – COMO VOCÊ ANALISA O QUADRO POLÍTICO BRASILEIRO NA ATUALIDADE?
Ancelmo – A política é uma arte nobre, indispensável no processo civilizatório de todas as sociedades. No caso brasileiro, o que me preocupa é uma certa alienação de uma parcela da sociedade com a política, principalmente os jovens. Vivemos um momento político especial, mas no fundo somos vítimas do nosso próprio sucesso. Como implantamos uma democracia, nós deixamos de nos dedicar mais à política. JORNAL DA ABI – QUAIS SÃO OS PROBLE-
JORNAL DA ABI – É UMA SITUAÇÃO CONSTRANGEDORA. Ancelmo – Mas eu acho, e digo isso de coração, que somente vamos conse-
MAS QUE ESSE COMPORTAMENTO TEM ACARRETADO?
Ancelmo – Eu vejo com muita inquietação os dilemas que estão colocados
Ancelmo – De modo geral praticamente todos os jornais brasileiros, à exceção da Última Hora, apoiaram o golpe militar. Mas o AI-5 conseguiu pela sua truculência e monstruosidade, além do desapego aos valores humanos, fazer a imprensa romper muito claramente com o regime. A ditadura militar prendeu e torturou muitos jornalistas. A partir do AI-5, a imprensa se engajou nas lutas das liberdades.
para política brasileira, que necessiJORNAL DA ABI – NO MOMENTO, VOCÊ ta urgente de uma reforma. Acho que ACUMULA O TRABALHO NA COLUNA COM O um dos grandes problemas do Brasil PROGRAMA DE LÁ PRA CÁ NA TV BRASIL. hoje é o fim dos partidos. Por exemplo, VOCÊ GOSTA DA TELEVISÃO? o PMDB é atualmente Ancelmo – O prograuma sigla partidária rema, que eu apresento gionalizada. Cada direcom a Vera Barroso, é POLÍTICA É tório do partido, em um voltado para a História, UMA ARTE NOBRE Município qualquer do no qual a gente parte de Brasil, pode ter uma poum dado histórico e o INDISPENSÁVEL lítica diferenciada do trazemos para o presenNO PROCESSO outro. te. Por isso o nome De lá pra cá. Pegamos um epiCIVILIZATÓRIO JORNAL DA ABI – QUE sódio do passado e mosTIPO DE PREJUÍZOS ISSO tramos o que aconteDE TODAS AS ACARRETA PARA O PROCESceu daquela data até os SOCIEDADES SO POLÍTICO? dias de hoje. Nos 70 Ancelmo – Não é posanos do lançamento do sível fazer um Congresso sem partidos, livro Vidas secas, do Graciliano Ramos, um conglomerado de tendências. Por fomos até Palmeira dos Índios, terra isso a reforma política no Brasil é funonde nasceu o escritor, mostrar a vida damental. Veja o caso da eleição nornaquela cidade atualmente. te-americana. Ali está muito claro que só existem dois partidos: o DemocraJORNAL DA ABI – E VOCÊ ESTÁ SE SENta e o Republicano que são mais proTINDO À VONTADE COMO ÂNCORA DE PROtecionistas no campo da economia e GRAMA TELEVISIVO? mais interventores no âmbito do EsAncelmo – É um brinquedo, mas o tado. Os democratas defendem gameu negócio é o jornalismo em papel.
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Aconteceu Mensagens na ABI Jornal da ABI, uma preciosidade, diz o gaúcho Faccioni nais e de grande projeção nacional, como o Jornal do Brasil e a Tribuna da Imprensa, protagonista de grandes embates memoráveis que agitaram a República no tempo de Carlos Lacerda, e a Gazeta Mercantil, que estaria ‘em agonia’. Outro ponto polêmico que o jornal aborda de forma elucidativa é sobre a Lei de Imprensa, derrubada no STF, ainda em abril deste ano, e a não necessidade do diploma para o exercício da profissão de jornalista. São assuntos que ainda gerarão muitas discussões e que esperamos cheguem a bom termo sob a liderança segura da ABI. Por todos esses motivos, quero, além de agradecer-lhe essa preciosidade impressa, cumprimentá-lo pela qualidade gráfica dessa publicação mensal, de excelente performance literária, tanto pela maneira com que aborda temas polêmicos como pela capacidade e competência de sua equipe diretiva e redacional. Parabéns, pois, e votos de continuado sucesso, também em nome da Atricon-Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil. (a) Victor José Faccioni.”
APLAUSO CATARINENSE
atualizar conhecimentos, despertaram, além de curiosidade, o desejo de uma leitura especialmente atenta. Entre tantos, o excelente artigo sobre o Acordo Ortográfico, fruto da aula magna do Professor, Filólogo e Acadêmico Evanildo Bechara, que nos presenteia com atuais perspectivas para o novo Vocabulário da Língua Portuguesa. Muitíssimo obrigado, Presidente Maurício Azêdo, pela atenção ao enviar-me o Jornal da ABI do mês de maio. Atenciosamente (a) Eduardo Bittencourt Carvalho, Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.”
“Senhor Presidente e Prezado Amigo, Cumprimentando-o cordialmente, tenho a satisfação de acusar o recebimento de exemplar do Jornal da ABI nº 341, maio 2009, desse renomado órgão de imprensa. Agradecendo a deferência da remessa, colho do ensejo para parabenizá-los pelas importantes matérias contidas na publicação, dentre elas a homenagem ao mais antigo analista político em atividade no Brasil, Villas-Bôas Corrêa, recebendo a Medalha Pedro Ernesto, honraria concedida pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Todos aqueles que se deleitam com uma boa leitura, seja através de livros, revistas, jornais, informativos, ou qualquer outro meio de comunicação escrita, sabem da existência de toda uma estrutura produtiva que gerou aquele veículo de informação e que envolve cuidadoso trabalho intelectual e pesquisa, envolvendo muitas pessoas. Neste sentido é que cumprimentamos os organizadores da publicação que recebemos, seja em relação à qualidade do material impresso e, principalmente, com a fidelidade das informações ali contidas. Outrossim, informo-lhe que a publicação recebida integrará a Biblioteca Nereu Corrêa desta Corte de Contas, para leitura, consulta e pesquisa de nosso Corpo Funcional. Ao ensejo, renovo nossos agradecimentos apresentando protestos de estima e consideração. (a) Conselheiro José Carlos Pacheco, Presidente do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina.”
AGRADECIMENTO PAULISTA “Senhor Presidente, Mais uma vez, graças à cortesia de Vossa Senhoria, foi recebido neste Gabinete exemplar do Jornal da ABI, relativo ao mês de maio. Assuntos interessantes e possibilidade de obtenção de novos caminhos, destinados a
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Jornal da ABI 343 Julho de 2009
ELOGIO ALAGOANO “Senhor Presidente, 1. De ordem do Senhor Presidente, externo agradecimentos a Vossa Senhoria pela gentileza de, mensalmente, remeter a este Tribunal de Contas uma edição do Jornal da ABI, da qual também é editor. 2. Ao ensejo, parabenizo-o, extensivamente a quantos valiosa e valorosamente contribuem para a editoração de um órgão com tão elevado nível de informação jornalística e produção intelectual. Atenciosamente (a) Perroneo Tojal Silva, Diretor de Gabinete da Presidência do Tribunal de Contas do Estado de Alagoas.”
HOMENAGEM CARIOCA “Prezado Amigo Maurício Azêdo: Fraterno abraço. Agradeço a gentileza pelo envio do excelente Jornal da ABI, sempre em dia com os temas da atualidade que tocam o cidadão brasileiro, com uma constelação de excelentes articulistas e colaboradores. Com meu cordial abraço (a) Thiers Montebello, Presidente do Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro.”
POR JOSÉ REINALDO MARQUES
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m 1951, na seção Álbum do rádio, no seu segundo número, a prestigiada Revista do Rádio abriu uma página para falar sobre Décio Luiz de Souza, então com 22 anos de idade. Ele era um dos mais novos locutores do País, cuja atuação, de acordo com a publicação, se destacava pelo “brilho e segurança” com que se apresentava aos ouvintes. Décio Luiz começou a trabalhar em rádio em 1945, antes de completar 18 anos de idade. Primeiro, na Rádio Mec e depois na PRA-3, Rádio Clube do Brasil. Mais tarde veio a se destacar na locução e no comando do jornalismo das Rádios Nacional, Globo e Tupi. Um ás dos jornais-falados entre as décadas de 40 e 60, personificou a figura do âncora no Brasil, muito antes de o termo ter sido consagrado na televisão, em 1952, segundo os estudiosos do assunto, “por causa do trabalho de Walter Cronkite, durante a convenção pré-eleitoral do Partido Democrata nos Estados Unidos”. Atualmente com 80 anos de idade, muito diferente do empreendedor do passado, Décio vive recluso em um apartamento no Leblon Zona Sul do Rio, mergulhado em suas memórias, cercado de material inédito sobre grandes personagens do rádio, televisão e da imprensa brasileira — a exemplo de Silvino Neto e Nássara —, que pouco manuseia, mas sabe que é material precioso que daria para escrever mais de uma dezena de livros sobre grandes personagens da cultura brasileira. Ainda o homem simples e discreto do início da carreira, que não gosta de falar de si mesmo, mas que se entusiasma e sorri com as manifestações de carinho da professora de Inglês Martha Pereira de Souza — “Ms. Martha”, que é como ela gosta de ser tratada pelos alunos — com quem está casado há 50 anos, ele conta como foi o início da sua trajetória: — Em 1945 eu fui ser locutor no Rádio Clube do Brasil, que hoje é a Rádio Globo, onde eu também trabalhei como locutor de esportes logo que ela iniciou as suas transmissões. Três anos depois (1948) eu já estava na Rádio Nacional. Lá comecei jovem, antes de completar os 18 anos de idade. Naquela época a Nacional era a mais importante estação de rádio do Brasil. Em 1948, Décio Luiz transferiu-se para a Rádio Tupi para fazer o jornal-falado da emissora em um estilo diferente do que fazia na Nacional. O noticiário era baseado nas notícias fornecidas pela Agência Meridional e pela reportagem do jornal Diário da Noite, veículos que pertenciam aos Diários Associados de Assis Chateaubriand. — O nome do jornal era Quando o galo canta o cacique informa e fez um tremendo sucesso. A audiência foi tão grande que o Repórter Esso, outro grande notiABI ON LINE
Em mensagem à ABI, o Presidente da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil-Atricon, Conselheiro Victor José Faccioni, felicitou a Casa pela qualidade do Jornal da ABI, que ele definiu como “preciosidade impressa”, “de excelente performance literária, tanto pela maneira com que aborda temas polêmicos como pela capacidade e competência de sua equipe diretiva e redacional”. Gaúcho de Caxias do Sul, Faccioni foi deputado federal por quatro mandatos, um deles na Assembléia Nacional Constituinte de 1986-87, e é membro do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul. No começo de sua vida profissional, foi Assessor de Imprensa da Secretaria de Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul, o que valoriza sua avaliação sobre o Jornal da ABI. Diz a mensagem de Faccioni, datada de 9 de julho: “Recebi o exemplar nº 341 de maio passado passado do Jornal da ABI, no qual são abordados assuntos de grande interesse, como, por exemplo, A crise bate às portas dos jornais. E entra, à página 25. É alarmante mesmo a situação dos jornais tradicio-
PIONEIRISMO ARQUIVO PESSOAL
Agora com 80 anos (página à esquerda), Décio Luiz começou precocemente em rádio: não tinha 18 anos quando passou a trabalhar na Rádio Ministério da Educação. Ele percorreu as principais emissoras de rádio, nas quais foi repórter,editor e locutor (foto acima). Com essa cancha foi pioneiro na televisão, nos anos 50.
DÉCIO LUIZ Nosso primeiro âncora na tv Entre as décadas de 40 e 60, o jornalista Décio Luiz de Souza foi um dos principais nomes do rádio e da televisão brasileira. Começou a carreira na Rádio Mec (1945), em seguida trabalhou nas Rádios Globo, Nacional e Tupi. Amante das obras de Machado de Assis e de Eça de Queirós, escreveu dois livros sobre o trabalho dos dois romancistas. ciário da época, teve que modificar a sua apresentação e passou a dar notícias nacionais também, mas só que com muito atraso em relação ao jornalismo da Rádio Tupi. A nossa vantagem era pertencermos aos Diários Associados, com correspondentes de Norte a Sul do Brasil. Para nós foi importante porque conseguimos quebrar a hegemonia da Rádio Nacional. Esse foi um momento importante de Décio Luiz no rádio, pois pôde acompanhar de perto, na qualidade de protagonista, um dos momentos mais frutuosos do radiojornalismo brasileiro. Em 1950, os Diários Associados lançaram a TV Tupi. Primeiro em São Paulo, em seguida foram instalados os estúdios no Rio de Janeiro. Quinze dias antes da inauguração da Tupi carioca, que aconteceu no dia 20 de janeiro de 1951, Décio Luiz e o então engenheiro chefe da emissora, Luiz Malheiros, fizeram o programa Aprenda a sintonizar, que ensinava os telespectadores a ligar corretamente os aparelhos de televisão: — É por isso que eu me considero o pioneiro dos homens de televisão do Rio de Janeiro. Quando a Tupi foi inaugurada eu assumi a chefia do Departamento de Cinema e Reportagem. Os primeiros passos da
televisão brasileira foram dados pela TV Tupi. Na TV Tupi Décio Luiz apresentava o telejornal O que dizem os jornais, que ia ao ar às 22h, perto do encerramento das transmissões. Ele lembrava que era um telejornal improvisado, baseado na leitura das manchetes dos jornais que estariam nas bancas na manhã do dia seguinte: — Eu escolhia os jornais para ler, inclusive os veículos dos Diários Associados, que me passavam em primeira mão o que iam publicar no dia seguinte. Em 1963, ocorreu no Rio de Janeiro uma paralisação geral das emissoras de rádio e televisão, por causa da reivindicação dos trabalhadores por melhores salários. A única rádio que não parou foi a Mec porque era estatal e seus funcionários não podiam se juntar ao grupo grevista dos veículos particulares. A greve acabou beneficiando a rádio do Governo porque todas as outras entraram em greve e a Mec ficou sozinha no ar. Nessa época, Décio Luiz era o chefe do jornalismo da emissora, que durante o período de paralisação das outras rádios ficou transmitindo noticiários com exclusividade. Por causa do movimento grevista, o locutor acabou sendo o res-
ponsável por divulgar uma das notícias mais importantes do histórico dia 22 de novembro de 1963: — Sobre a minha passagem pela Rádio Mec eu tenho uma história muito interessante. Por causa da greve tive a oportunidade de dar com exclusividade a notícia da morte do Kennedy. Simplesmente a Mec foi a única emissora a falar do assassinato do então Presidente dos Estados Unidos. Quando veio o golpe militar de 64, Décio foi taxado como comunista e teve que responder a um IPM (Inquérito Policial Militar). Depois do caso passado é que foram descobrir que, durante um interrogatório, ele havia ludibriado os agentes da repressão: — Eles procuravam por alguém que se chamava Décio Luiz Pereira de Souza, enquanto que o meu nome de batismo é Décio Leal Pereira de Souza. O Luiz eu incorporei como locutor de rádio. Quando foram me interrogar eu disse que me chamava Décio Leal. Como não provaram nada contra mim, eu acabei chefe de Reportagem da Mec. Fui alçado a um dos postos de destaque, na função de um dos responsáveis pelos jornais da emissora, que antes da minha chegada não existiam. Para mim foi um benefício, graças a essa brincadeira eu ascendi no serviço público. Amante da boa literatura, Décio Luiz tornou-se especialista em Machado de Assis e Eça de Queirós. Profundo conhecedor da obra machadiana, foi convidado a participar da edição do livro Memorial de Aires, para o qual escreveu as notas explicativas de pé de página. O livro foi lançado pela editora Expressão e Cultura, com ilustrações de Riva Bernstein e fotos de Zeka Araújo. Em 2001, lançou o livro Eça de Queirós — Cartas D’Amor, que organizou e para o qual escreveu um ensaio, publicado pela editora Contratempo. A obra reúne cartas que, diz Décio Luiz, jamais tinham sido publicadas, e que foram escritas “no estilo inconfundível de Eça de Queirós”, assinadas pelo misterioso personagem Carlos Fradique Mendes — “autor inventado, escritor de ficção dos círculos lisboetas de Antero de Quental, Ramalho Ortigão, Jaime Batalha Reis e pelo próprio Eça de Queirós”. O livro é uma história de amor na forma de cartas, tão ao gosto do período romântico do fim do século XIX, em que foi escrito. Segundo Décio Luiz, “quando lidas em seqüência as cartas são um verdadeiro mini-romance”. Décio é também um profundo conhecedor do Rio de Janeiro, capaz de contar a história tanto dos logradouros como as de muitos monumentos que ornamentam a cidade: — O Rio era a História do Brasil, todo mundo importante nos Estados vinha para cá e a gente convivia com eles. Aliás, nos dias de hoje continua acontecendo a mesma coisa. São Paulo tem uma força econômica terrível, mas é para o Rio que vêm as pessoas importantes. Tanto no meio cultural quanto no jornalístico Décio Luiz conheceu muita gente. Fez grandes amizades, como por exemplo, com o jornalista Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, colunista da Última Hora: — Eu fui alvo de uma coluna inteira dele quando quebrei a segunda vértebra cervical pegando jacaré na praia de Copacabana. Tive que usar um aparelho que chamava muito a atenção. Cansado de responder a muitas perguntas sobre as causas do acidente, mandei fazer um cartão com 16 itens, para entregar a quem me perguntasse sobre o caso. Ele gostou e publicou a história na coluna. Jornal da ABI 343 Julho de 2009
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Liberdade de imprensa
JUIZ IMPÕE CENSURA PRÉVIA AO ESTADÃO, NUMA VOLTA À DITADURA A DECISÃO FOI DO DESEMBARGADOR DÁCIO VIEIRA, DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS, E VIOLA O DISPOSTO COM NITIDEZ NO ARTIGO 220, PARÁGRAFO 2°, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. Numa decisão que violou disposições da Constituição da República que garantem a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão e especialmente o parágrafo 2º do artigo 220, o Desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, determinou em 31 de julho a imposição de censura prévia ao jornal O Estado de S. Paulo, proibindo-o de publicar textos acerca da Operação Boi Bar-
rica, realizada pela Polícia Federal e que tem entre os investigados o empresário Fernando Sarney, filho do Presidente do Senado, José Sarney (PMDBAP), e autor do pedido deferido pelo magistrado. Com esse despacho, o Desembargador Dácio Vieira promoveu um retorno à época da ditadura miltar, que manteve o Estadão como um dos principais veículos de comunicação submetidos à censura prévia, a
Publicada em diversos veículos, inclusive no site do Estadão, a foto mostra o Desembargador Dácio Vieira com o Senador José Sarney no casamento da filha do antigo Diretor-Geral do Senado Agaciel Maia. Bastaria isso para ele se declarar impedido.
A MANIA PEGA: TAMBÉM A TARDE SOFRE CENSURA Juiz proíbe a publicação de matérias com denúncias sobre a venda de decisão por um desembargador, cujo nome não pode ser citado, sob pena de multa diária. A exemplo do Estadão, também A Tarde, o principal jornal da Bahia, está submetido a censura prévia por decisão judicial. Por força de liminar concedida pelo Juiz da 31ª Vara de Feitos de Relação de Consumo, Cíveis e Criminais da Comarca de Salvador, Már30
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cio Reinaldo Brandão Braga, o jornal foi proibido de citar o nome de um desembargador acusado de vender decisões e que está sendo investigado num processo administrativo instaurado pelo Tribunal de Justiça do Estado. Se descumprir a ordem judicial, o jornal será punido com multa diária de R$ 5 mil. A Tarde começou a noticiar o caso em setembro de 2008, depois que a Presidente do Tribunal de Justiça, Desembargadora Sílvia Zarif, relatora de uma sindicância instaurado pelo Tribunal, apresentou em reunião do Pleno, no dia 4 daquele mês, um cd em que havia a gravação de 13 minutos de uma conversa telefônica do filho de um desembargador com um ex-prefeito do Município de São Francisco do Conde, na qual era combinada a emissão de uma decisão favorável ao exprefeito, mediante o pagamento de uma propina de R$ 400 mil. Com o processo ainda em curso e buscando impedir que o jornal publique notícias a respeito, o de-
qual se estendeu por cerca de três anos, com censores instalados na Redação e, depois, nas oficinas do jornal. Além de agredir a Constituição, o Desembargador Dácio Vieira violou obrigação ética contida no Código de Processo Civil e na Lei Orgânica da Magistratura Nacional, pois deveria terse declarado impedido de atuar na ação ajuizada pelo empresário Fernando Sarney, em razão de suas ligações com a família deste e particularmente com o Senador José Sarney. Vieira foi Consultor Jurídico do Senado numa das gestões do Senador José Sarney como Presidente da chamada Câmara Alta e tem convívio social com o ex-Diretor-Geral do Senado Agaciel Maia, afastado do cargo após as denúncias sobre irregularidades ocorridas durante sua gestão, entre as quais a edição de atos secretos na administração de Casa. Em vigorosa reação à decisão de Vieira e que mantém até agora, o Estadão publicou fotografia em que este, sua esposa e o Senador José Sarney aparecem juntos na festa de casamento da jovem Mayanna, filha de Agaciel. A fotografia fora publicada numa coluna social do Jornal de Brasília três dias depois do casamento e mostrava também no grupo o Senador Renan Calheiros (PMDB-AL). A postulação de Fernando Sarney teve trami-
sembargador ingressou com uma petição na 31ª Vara e obteve a liminar com a imposição de censura. Em defesa da liberdade de informação, manifestaram-se contra a decisão a Federação Nacional dos JornalistasFenaj, a Ordem dos Advogados do Brasil-Seção da Bahia, e a Associação Nacional de Jornais-ANJ e a ABI, que ouvidas pela repórter de A Tarde Amélia Vieira apontaram a inconstitucionalidade da liminar do Juiz Brandão Braga. Disse o Presidente da ABI, Maurício Azêdo: “Essa decisão é ilegal, porque o texto constitucional dispõe expressa e incisivamente no artigo 220, parágrafo 2º, que é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística. O autor da liminar colidiu com o texto constitucional e é preciso que, em grau de recurso, em instância superior, se recoloque essa questão nos trilhos da legalidade.”
tação célere no Tribunal de Justiça do Distrito Federal, no qual sua petição deu entrada numa quinta-feira, dia 30 de julho, no final do expediente do fórum, e foi logo distribuída. No dia seguinte, 3l, foi despachada pelo Desembargador Dácio Vieira, que concedeu a liminar pleiteada para que o jornal fosse impedido de divulgar informações sobre a Operação Boi Barrica e sobre o empresário. A decisão foi logo comunicada ao jornal, que a partir de então voltou a sofrer a mordaça de que fora vítima durante o regime militar. A violência contra o Estadão gerou uma onda de protestos no País e no exterior, entre os quais o da ABI, que expôs seu repúdio à decisão em declarações a diferentes veículos de comunicação. No mesmo dia da expedição da decisão censória do Desembargador Dácio Vieira, o Presidente da Casa, Maurício Azêdo, classificou de antiética a decisão, em vista da ligação pessoal do magistrado com a família Sarney. Disse ainda o Presidente da ABI: — Além de antiética, a decisão é uma agressão violenta ao texto constitucional, que veda a censura de caráter político, ideológico e artístico.
PARA O DESEMBARGADOR DÁCIO VIEIRA LER NA CAMA
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL ARTIGO 5º Inciso IX – É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença. Inciso XIV – É assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional. ARTIGO 220 A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. Parágrafo 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV. Parágrafo 2º - É vedada qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
Decisão judicial pode levar jornal paulista à ruína Um jornal do interior de São Paulo, O Debate, do Município de Santa Cruz do Rio Pardo, foi condenado pelo juiz da comarca local a pagar a outro juiz, também da mesma comarca, uma indenização por danos morais que excede em muito a sua modesta receita e pode levá-lo à ruína ou ao fechamento, pela impossibilidade de arcar com o ônus que lhe foi imposto. A indenização foi fixada em R$ 593.203,82, valor muito acima do faturamento do jornal com publicidade, assinaturas e venda em bancas. A ação contra O Debate foi ajuizada em 1995 pelo Juiz Antônio José Madalena, da 2ª Vara de Justiça da Comarca de Santa Cruz do Rio Pardo, com fundamento na alegação de que o editor do jornal, Sérgio Fleury Moraes, movia uma campanha difamatória contra ele. Madalena foi citado pelo jornal como beneficiário de irregularidades praticadas na administração
da cidade pelo então Prefeito Adilson Donizeti Mira, que foi processado por corrupção e condenado pelo Tribunal de Contas do Estado a ressarcir os prejuízos que causara ao Município. Madalena, segundo relatou a Associação Nacional de Jornais-ANJ em declaração que emitiu sobre o caso, passou a perseguir o jornalista e chegou a determinar sua prisão no curso de uma ação instaurada no Juizado Eleitoral do Município. Na declaração, firmada por seu VicePresidente e Coordenador de seu Comitê de Liberdade de Expressão, Júlio César Mesquita, a ANJ fez um apelo a instâncias superiores do Poder Judiciário para que procedam à revisão da decisão, impedindo o fechamento do jornal, “para evitar esta violação da liberdade de expressão e tentativa de impor censura à imprensa, de cercear o direito ao livre exercício da profissão de jornalista e de o cidadão ser informado”.
Deputado perde ação de dano moral contra o JB SAULO CRUZ/AGÊNCIA CÂMARA
ça que “inexistiu abuso do articulista Em sentença firmada em 28 de juque informou e criticou a conduta do lho, o Juiz Paulo Campos Filho, da 4ª. Requerente, o que é líciVara Civel de Osasco, São to diante da liberdade de Paulo, rejeitou o pedido imprensa garantida pela de indenização por dano Constituição; inexistem moral ajuizado contra a danos morais a serem inempresa editora do Jornal denizados, sendo abusivo do Brasil e o jornalista Auo valor pleiteado”. gusto Nunes pelo Deputado João Paulo Cunha (PTTeixeira derrotado SP), que se queixara de que Também no Rio houve fora vítima de calúnia em decisão judicial contrária texto publicado em 20 de numa ação de indenizadezembro de 2005 em que ção por dano moral, como Nunes, na coluna Sete relatou na reunião de juDias, fazia menção à manlho da Comissão de Liberchete Planalto paga mesada a deputados, publicada Deputado João Paulo Cunha dade de Imprensa e Direipelo jornal em 24 de se- (PT-SP): Juiz não viu ofensa tos Humanos o associado no texto de Augusto Nunes Gilberto Magalhães, o tembro de 2004. que o desagradou. qual informou a seus paCunha era Presidente res que a Juíza Cíntia Souda Câmara dos Deputato Machado de Andrade Guedes, da 7ª. dos e determinou a apuração da deVara Cível da Comarca da Capital do Esnúncia mas arquivou a investigação tado, rejeitara ação ajuizada contra o jorno mesmo dia, sob a alegação de que nalista Paulo César de Andrade Prado, o relatado não tinha consistência. Um que no blog que mantém chamara de ano depois, a CPI dos Correios com“Barão de Munchausen” o Presidente da provou a procedência da informação. Confederação Brasileira de Futebol, RiPosteriormente, em entrevista à repórcardo Teixeira. Prado dizia também que ter Renata Lo Prete, da Folha de S. Paua sigla CBF representava a denominalo, o então Deputado Roberto Jefferção “Casa Bandida do Futebol”. son (PTB-RJ) confirmou que o chamaAo julgar ação ajuizada em 2007 por do mensalão existia. A Folha publicou Ricardo Teixeira, a Juíza Cíntia Souto a denúncia na manchete de sua priacatou a argumentação do jornalista de meira página. que não havia no texto incriminado Em sua defesa, Augusto Nunes susqualquer menção ao nome do autor . tentou que o texto jornalistico citado A sentença reconheceu que Prado utiteve cunho crítico informativo. O arlizara “expressões que não ofendem a gumento foi acolhido pelo Juiz Camhonra e a imagem da CBF”. pos Filho, que declara em sua senten-
CENSURA NA INTERNET
Juíza e Tribunal da Bahia impõem e mantêm mordaça Silenciado o blog que fazia denúncias de irregularidades na Prefeitura de Jeremoabo, no interior do Estado. Desrespeitando a Constituição Federal, que nos artigos 5º, incisos IV e IX, e 220, parágrafo 2º, proíbe a censura, a Justiça da Comarca de Jeremoabo, interior da Bahia, mantém fora do ar o jornal eletrônico Jeremoabohoje (www.jeremoabohoje.com.br) , que desde 2003 está impedido de funcionar por decisão da Juíza auxiliar Denise Vasconcelos dos Santos. A decisão tem o aval do Tribunal de Justiça do Estado, que rejeitou recursos contra a decisão inconstitucional. Para fugir da censura prévia imposta pela Justiça baiana, o responsável pelo site, o aposentado José Montalvão, há dois anos lançou o blog Dedé Montalvão (www.dedemontalvao.blogspot.com), no qual continua publicando notícias de irregularidades praticadas por políticos. Desde que entrou no ar, revelou, o blog teve 230 mil visitações. Informou Montalvão que o Jeremoabohoje tinha como proposta inicial ser um veículo informativo e educativo. Em face do recebimento de várias denúncias contra a administração municipal — que lhe foram encaminhadas pelos vereadores de oposição —, desde o início centrou seu noticiário na divulgação de denúncias contra o Prefeito João Batista Melo de Carvalho (Dem). Inconformado, o Prefeito entrou com ação cautelar na Comarca de Jeremoabo, pedindo que o site fosse impedido de divulgar quaisquer tipo de notícias sobre a sua administração. Em caso de descumprimento da lei, requereu, Montalvão deveria ser punido com multa no
valor de R$ 500,00 por dia. A Justiça acatou o pedido do Prefeito e a ação foi deferida pela Juíza Denise Vasconcelos dos Santos, na época plantonista da Comarca de Jeremoabo. A decisão da Juíza, cujo teor é reproduzido a seguir, proíbe também a publicação de novas matérias: “... Defiro medida pleiteada liminarmente, para determinar que o Acionado retire de sua página da internet toda e qualquer informações que denigra o Pedinte, bem como que se abstenha de efetuar inserções com tal fim”. Montalvão já apelou diversas vezes à Justiça tentando reverter essa situação, mas não foi bem-sucedido. Em 2005 e em 2008, deu entrada no Tribunal de Justiça da Bahia com agravos de instrumentos pedindo efeito suspensivo da censura ao site. Os recursos foram distribuídos para a 3ª Câmara Cível, que os levou a julgamento e manteve a censura prévia ao jornal. Em 19 de maio deste ano, um novo pedido para a liberação do site foi indeferido. Dizendo-se cansado dessa corrida de gato e rato, mas em nenhum momento desanimado em defender os seus direitos, Montalvão dispõe-se a continuar apelando por justiça, mas lamenta o fato de a liberdade de expressão continuar sendo ameaçada no País, mesmo com o fim do regime militar: — Já recorri várias vezes à Justiça para mudar esta situação, mas não encontrei justiça. O sentimento que tenho é de que continuamos como no período da ditadura militar, sem direito à liberdade de expressão.
A ABI reprova sanção a site no Espírito Santo A ABI expressou no dia 13 de julho a sua estranheza diante da decisão do Juiz Marcos Horácio Miranda, do 2º Juizado Especial Cível Adjunto do Espírito Santo, de impor censura ao site de notícias Século Diário, editado em Vitória, o qual foi obrigado a retirar do ar três reportagens acerca de denúncias formuladas por advogados contra decisões de magistrados do Estado. Lamentou a ABI que o Juiz Miranda tenha promovido uma agressão à Constituição da República, que em seu artigo 220, parágrafo 2º, veda expres-
samente “toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”. Esse magistrado entrou também em colisão com o inciso IX, do art. 5º da Constituição Federal, segundo o qual “é livre a expressão de atividade intelectual, artística, científica e de comunicação independentemente de censura ou licença”. A ABI manifestou a esperança de que na segunda instância a decisão seja reformada “para o fim de colocar o Juiz Marcos Horácio Miranda nos trilhos da legalidade constitucional”.
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Liberdade de imprensa
O PROTESTO DE UM CONDENADO O jornalista paraense Lúcio Flávio Pinto reage diante da sentença que o condenou por dano moral pela biografia que traçou do empresário Rômulo Maiorana, fundador do jornal O Liberal, de Belém. “Estupefato, perplexo e indignado”. Essas foram as palavras usadas pelo jornalista paraense Lúcio Flávio Pinto para manifestar o seu inconformismo diante da decisão do Juiz Raimundo das Chagas, titular da 4ª Vara Cível de Belém do Pará, que o condenou a pagar uma indenização no valor de R$ 30 mil, por danos morais, movida pelos proprietários das Organizações Rômulo Maiorana, uma das mais influentes empresas de comunicação da Região Norte. A sentença, expedida no dia 6 de junho, foi lavrada numa das quatro ações indenizatórias
movidas pelos empresários contra Lúcio Flávio Pinto, por causa do artigo Um império ao Norte, que o jornalista publicou em 2005 e foi incluído no livro Favelas e Arranha-céus, organizado pelo repórter especial do jornal italiano L’Unitá Maurizio Cierici. O texto do artigo foi reproduzido no Jornal Pessoal, de Lúcio Flávio Pinto, no qual o jornalista relata a trajetória do fundador das Organizações Maiorana, Rômulo Maiorana, e afirmava que entre as atividades exercidas pelo empresário nos anos 50 estava a de contrabandista. O
fato foi considerado uma ofensa pelos herdeiros de Maiorana, que acionaram Lúcio Flávio Pinto judicialmente. Em artigo publicado no Jornal Pessoal no dia seguinte ao da emissão da sentença, Lúcio Flávio indagou se o Juiz Raimundo das Chagas tem realmente consciência do significado do poder que a sociedade lhe delegou para fazer justiça “ou, abusando das prerrogativas que lhe foram conferidas para a tutela judicial, utiliza esse poder em benefício de uma das partes e em detrimento dos direitos da outra”.
“O JP só diz o que pode provar”
Maiorana. Isto porque, ‘meses antes de tamanha inspiração’, me envolvi ‘em grave desentendimento’ com eles. O ‘grave desentendimento’ foi a agressão que sofri, praticada por um dos irmãos, Ronaldo Maiorana. A agressão foi cometida por trás, dentro de um restaurante, onde eu almoçava com amigos, sem a menor possibilidade de defesa da minha parte, atacado de surpresa que fui. Ronaldo Maiorana teve ainda a cobertura de dois policiais militares, atuando como seus seguranças particulares. Agrediu-me e saiu, impune, como planejara. Minha única reação foi comunicar o fato em uma delegacia de polícia, sem a possibilidade de flagrante, porque o agressor se evadiu. Mas a deliberada agressão foi documentada pelas imagens de um celular, exibidas por emissora de televisão de Belém. O artigo que escrevi me foi encomendado pelo jornalista Maurizio Chierici, para um livro publicado na Itália. Quando o livro saiu, reproduzi o texto no Jornal Pessoal, oito meses depois da agressão. Diz o juiz que o texto possui ‘afirmações agressivas sobre a honra’ de Rômulo Maiorana pai, tendo o ‘intuito malévolo de achincalhar a honra alheia’, sendo uma ‘notícia injuriosa, difamatória e mentirosa’. A leitura isenta da matéria, que, obviamente, o magistrado não fez, revela que se trata de um pequeno trecho inserido em um texto mais amplo, sobre as origens do império de comunicação formado por Rômulo Maiorana. Antes de comprar uma empresa jornalística, desenvolvendo-a a partir de 1966, ele estivera envolvido em contrabando, prática comum no Pará até 1964. Esse fato é de conhecimento público, porque o contrabando fazia parte dos hábitos e costumes
Lúcio Flávio rebate as alegações dos irmãos Maiorana, donos de O Liberal, e do Juiz Raimundo das Chagas, que o condenou. No artigo em que comentou a sentença do Juiz Raimundo das Chagas, diz Lúcio Flávio Pinto, que é um dos mais respeitados jornalistas não só de seu Estado, mas do País: “Ao caro leitor, Li com estupefação, perplexidade e indignação a sentença que ontem [6/7] me impôs o Juiz Raimundo das Chagas, titular da 4ª Vara Cível de Belém do Pará. Ao fim da leitura da peça, perguntei-me se o magistrado tem realmente consciência do significado do poder que a sociedade lhe delegou para fazer justiça, arbitrando os conflitos, apurando a verdade e decidindo com base na lei, nas evidências e provas contidas nos autos judiciais, assim como no que é público e notório na vida social. Ou, abusando das prerrogativas que lhe foram conferidas para o exercício da tutela judicial, utiliza esse poder em benefício de uma das partes e em detrimento dos direitos da outra parte. O juiz deliberou sobre uma ação cível de indenização por dano moral que contra mim foi proposta, em 2005, pelos irmãos Rômulo Maiorana Júnior e Ronaldo Maiorana, donos da maior corporação de comunicação do Norte do País, o Grupo Liberal, afiliado à Rede Globo de Televisão. O pretexto da ação foi um artigo que escrevi para um livro publicado na Itália e que 32
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reproduzi no meu Jornal Pessoal, em setembro daquele ano. O magistrado acolheu integralmente a inicial dos autores. Disse que, no artigo, ofendi a memória do fundador do grupo de comunicação, Rômulo Maiorana, já falecido, ao dizer que ele atuou como contrabandista em Belém na década de 50. Condenou-me a pagar aos dois irmãos indenização no valor de 30 mil reais, acrescida de juros e correção monetária, além de me impor o pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, arbitrados pelo máximo permitido na lei, de 20% sobre o valor da causa. O juiz também me proibiu de utilizar em meu jornal ‘qualquer expressão agressiva, injuriosa, difamatória e caluniosa contra a memória do extinto pai dos requerentes e contra a pessoa destes’. Também terei que publicar a carta que os irmãos Maiorana me enviarem, no exercício do direito de resposta. Se não cumprir a determinação, pagarei multa de R$ 30 mil e incorrerei em crime de desobediência. As penas aplicadas e as considerações feitas pelo juiz para justificá-las me atribuem delitos que não têm qualquer correspondência com os fatos, como demonstrarei. O juiz alega na sua sentença que escrevi o artigo movido por um “sentimento de revanche” contra os irmãos
JORNAL PESSOAL
Lúcio Flávio Pinto: Há 22 anos fazendo um jornal artesanal, com tiragem de 2 mil exemplares e uma credibilidade que incomoda os irmãos Maiorana, barões da mídia.
de uma região isolada por terra do restante do País. O jornal A Província do Pará, um dos mais antigos do Brasil, fundado em 1876, se referiu várias vezes a esse passado em meio a uma polêmica com o empresário, travada em 1976. Três anos antes, quando se habilitou à concessão de um canal de televisão em Belém, que viria a ser a TV Liberal, integrada à Rede Globo, Rômulo Maiorana teve que usar quatro funcionários, assinando com eles um ‘contrato de gaveta’ para que aparecessem como sendo os donos da empresa habilitada e se comprometendo a repassar-lhe de volta as suas ações quando fosse possível. O estratagema foi montado porque os órgãos de segurança do Governo Federal mantinham em seus arquivos restrições ao empresário, por sua vinculação ao contrabando, não permitindo que a concessão do canal de televisão lhe fosse destinada. Quando as restrições foram abolidas, a empresa foi registrada em nome de Rômulo. Os documentos comprobatórios dessa afirmação já foram juntados em juízo, nos processos onde os fatos foram usados pelos irmãos Maiorana como pretexto para algumas das 14 ações que propuseram contra mim depois da agressão, na evidente tentativa de inverter os pólos da situação: eu, de vítima, transmudado à condição de réu. Todos os fatos que citei no artigo são verdadeiros e foram provados, inclusive com a jun-
tada da ficha do SNI (Serviço Nacional de Informações), que, na época do regime militar, orientava as ações do Governo. Logo, não há calúnia alguma, delito que diz respeito a atribuir falsamente a prática de crime a alguém. Quanto ao ânimo do texto, é evidente também que se trata de mero relato jornalístico, uma informação lateral numa reconstituição histórica mais ampla. Não fiz nenhuma denúncia, por não se tratar de fato novo, nem esse era o aspecto central do artigo. Dele fez parte apenas para explicar por que a TV Liberal não esteve desde o início no nome de Rômulo Maiorana pai, um fato inusitado e importante, a merecer registro. O juiz justificou os 30 mil reais de indenização, com acréscimos outros, que podem elevar o valor para próximo de 40 mil reais, dizendo que a ‘capacidade de pagamento’ do meu jornal ‘é notória, porquanto se trata de periódico de grande aceitação pelo público, principalmente pela classe estudantil, o que lhe garante um bom lucro’. Não há nos autos do processo nada, absolutamente nada para fundamentar as considerações do juiz, nem da parte dos autores da ação. O magistrado não buscou informações sobre a capacidade econômica do Jornal Pessoal, através do meio que fosse: quebra do meu sigilo bancário, informações da Receita Federal ou outra forma de apuração.
O público e notório é exatamente o oposto. Meu jornal nunca aceitou publicidade, que constitui, em média, 80% da fonte de faturamento de uma empresa jornalística. Sua receita é oriunda exclusivamente da sua venda avulsa. A tiragem do jornal sempre foi de 2 mil exemplares e seu preço de capa, há mais de 12 anos, é de 3 reais. Descontando-se as comissões do distribuidor e do vendedor (sobretudo bancas de revista), mais as perdas, cortesias e encalhes, que absorvem 60% do preço de capa, o retorno líquido é de R$ 1,20 por exemplar, ou receita bruta de R$ 2,4 mil por quinzena (que é a periodicidade do jornal). É com essa fortuna que enfrento as despesas operacionais do jornal, como o pagamento da gráfica, do ilustrador/diagramador, expedição, etc. O que sobra para mim, quando sobra, é quantia mais do que modesta. Assim, o valor da indenização imposta pelo juiz equivale a um ano e meio de receita bruta do jornal. Aplicá-la significaria acabar com a publicação, o principal objetivo por trás dessas demandas judiciais a que sou submetido desde 1992. Além de conceder a indenização requerida pelos autores para os supostos danos morais que teriam sofrido por causa da matéria, o juiz me proibiu de voltar a me referir não só ao pai dos irmãos Maiorana, mas a eles próprios, extrapolando dessa forma os parâmetros da própria ação. Aqui, a violação é nada menos do que à Constituição do Brasil e ao Estado Democrático de Direito vigente no País, que vedam a censura prévia. A ofensa se torna ainda mais grave e passa a ter amplitude nacional e internacional. Finalmente, o magistrado me impõe acatar o direito de resposta dos irmãos Maiorana, direito que eles jamais exerceram. É do conhecimento público que o Jornal Pessoal publica — todas e por todo — as cartas que lhe são enviadas, mesmo quando ofensivas. Em outras ações, ofereci aos irmãos a publicação de qualquer carta que decidissem escrever sobre as causas, na íntegra. Desde que outra irmã iniciou essa perseguição judicial, em 1992, jamais esse oferecimento foi aceito pelos Maiorana. Por um motivo simples: eles sabem que não têm razão no que dizem, que a verdade está do meu lado. Não querem o debate público. Seu método consiste em circunscrever-me a autos judiciais e aplicar-me punição em circuito fechado. Ao contrário do que diz o Juiz Raimundo das Chagas, contrariando algo que é de pleno domínio público, o Jornal Pessoal não tem ‘bom lucro’. Infelizmente, se mantém com grandes dificuldades, por seus princípios e pelo que é. Mas dispõe de um grande capital, que o mantém vivo e prestigiado há quase 22 anos: é a sua credibilidade. Mesmo os que discordam do jornal ou o antagonizam reconhecem que o JP só diz o que pode provar. Por assim se comportar desde o início, incomoda os poderosos e os que gostariam de manipular a opinião pública, conforme seus interesses pessoais e comerciais, provocando sua ira e sua represália. A nova condenação é mais uma dessas vinganças. Mas com o apoio da sociedade o Jornal Pessoal sobreviverá a mais esta provação. (a) Lúcio Flávio Pinto Belém, 7 de julho de 2009.” Jornal da ABI 343 Julho de 2009
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Liberdade de imprensa
O Ministro dos Transportes perde a esportiva e tenta agredir dois jornalistas que o criticaram Em represália a noticiário que considerou hostil, Alfredo Nascimento investiu contra os repórteres Marcos Santos e Ronaldo Lázaro, da Rede de Rádio e Televisão Tiradentes, de Manaus, contra os quais mobilizou também um de seus seguranças, oficial da PM do Amazonas.
“Histórico de violência”
O Ministro Alfredo Nascimento tem um histórico de violência. Foi acusado, durante a campanha para o Senado da 34
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MARCELLO CASAL JR./ABR
Em ofício enviado à ABI em 22 de julho, a Rede de Rádio e Televisão Tiradentes, de Manaus, pediu manifestação de solidariedade à representação judicial dos jornalistas Marcos Santos e Ronaldo Lázaro Tiradentes, funcionários da emissora, protocolada no Ministério Público local contra o Ministro dos Transportes, Senador Alfredo Nascimento, seu filho Gustavo Nascimento e um de seus seguranças, o oficial da Polícia Militar do Estado do Amazonas Wellington Silva, acusados de tê-los “xingado, ameaçado e agredido”, durante um incidente no aeroporto de Manaus. No documento dirigido à ABI, relata a Rede Tiradentes que o episódio só pode ser classificado como “revolta e desequilíbrio” do Ministro, de seu filho, Gustavo Nascimento, e do oficial da PM, e “um ato de vingança contra os jornalistas Ronaldo Tiradentes e Marcos Santos”. O motivo seria a atitude dos apresentadores no programa de rádio CBN Manaus, no qual têm cobrado do Ministro o cumprimento de promessas feitas em sua campanha em disputa de uma vaga no Senado. No apelo à ABI, os jornalistas afirmam que a atitude do Ministro Alfredo Nascimento “é mais uma demonstração desse comportamento arbitrário e ditatorial, que não respeita a convivência democrática”. É este o texto integral da denúncia dos jornalistas da Rede de Rádio e Televisão Tiradentes, com intertítulos da Redação do Jornal da ABI: “Senhor Presidente, Vimos por meio desta comunicar o lamentável incidente ocorrido na tarde do dia 27 de junho do corrente ano, num dos hangares do Aeroporto Eduardo Gomes, envolvendo o jornalista Ronaldo Tiradentes e a esposa deste, Kiê Cavalcante Hara, e o jornalista Marcos Santos, funcionários da nossa empresa, destratados, xingados, ameaçados e agredidos pelo Senador e Ministro dos Transportes Alfredo Nascimento e por um dos seguranças deste, o oficial da PM-AM Wellington Silva. O incidente decorre do jornalismo independente que a Rede de Rádio Tiradentes, especialmente a Rádio CBN (FM 91,5), vem exercendo ao longo de sua história, numa clara afronta aos direitos democráticos e à liberdade de informação tão duramente conquistados em nosso País.
Nascimento: “Se esse fdp estacionar o carro atrás de mim eu passo por cima”
República, em 2006, pelo jornal Diário do Amazonas, de ter ameaçado de morte um dos seus diretores. Mais recentemente, num episódio fartamente relatado pela imprensa, o Senador Ministro ofendeu o Ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, chamando-o de (sic) “viado”. A reação dele, no episódio ora relatado, é mais uma demonstração desse comportamento arbitrário e ditatorial, que não respeita a convivência democrática. A sociedade amazonense, com a Rádio CBN em posição de destaque, cobra do Ministro o cumprimento das promessas de campanha. Dizia o então candidato que cumpriria o mandato integralmente e logo em seguida o entregou ao suplente; mostrava imagens de máquinas no que supostamente seria o asfaltamento da BR319, cujo licenciamento ambiental até hoje, decorridos quase quatro anos, não foi concedido; afirmava que duplicaria a BR-174, entre Manaus e o Município de Presidente Figueiredo, coisa que também não ocorreu; garantia o andamento de obras para construção de 33 portos no Amazonas, mas inaugurou apenas o de Parintins, que na enchente do ano passado, por falta de cuidado e fiscalização na construção, foi ao fundo e este ano, de cheia recorde na Região Amazônica, está mais de um metro submerso.
O histórico de promessas não cumpridas pelo Ministro em campanhas anteriores é extenso, todo ele do conhecimento dos amazonenses. Relembrar essas coisas e cobrar o cumprimento do prometido ao eleitor não é mais que dever de cidadão. Ressalte-se que, em todas as críticas formuladas, a emissora ofereceu espaço para que o Ministro se defendesse, coisa que aconteceu uma única vez e por intermédio da assessoria dele.
onais e capazes de conduzir as averiguações a bom termo. Instantes depois chegou ao local o oficial da PM-AM Wellington Silva, que acompanhou toda a revista feita no carro de Ronaldo Tiradentes. Este, por sua vez, filmou o procedimento, para se resguardar. Ao final, quando tomava imagens do carro do Ministro, o oficial tentou agredi-lo e ao jornalista Marcos Santos, que interveio tentando evitar as vias de fato.
Tentativa de agressão
“Acusações levianas”
Alfredo Nascimento, porém, processou os jornalistas Ronaldo Tiradentes e Marcos Santos, na tentativa de intimidálos. Não conseguindo, ao encontrá-los pessoalmente no hangar do Aeroporto Eduardo Gomes, partiu para a agressão física, que só não se concretizou porque o carro do jornalista Ronaldo Tiradentes estava com as portas travadas. Os dois jornalistas estavam chegando ao Aeroporto, de onde seguiriam rumo à cidade de Parintins, sede da mais importante festa folclórica do País, com transmissão ao vivo pela TV Band, quando aconteceu o incidente. O responsável por organizar o estacionamento dos carros pediu licença ao Ministro para que este permitisse a Ronaldo Tiradentes estacionar o carro atrás do dele. Alfredo Nascimento reagiu com impropérios: “Se esse fdp estacionar o carro atrás de mim eu passo por cima”, esbravejou. Ato contínuo, partiu para cima do carro de Ronaldo Tiradentes, tentando abri-lo. Ao mesmo tempo, o filho dele, de nome Gustavo Nascimento, e outros dois homens que os acompanhavam tentavam abrir a porta do lado da esposa do jornalista. Ronaldo tentou pegar o celular para fotografar a tentativa de agressão e uma senhora que os acompanhava, diretora do Dnit no Amazonas, Auxiliadora Carvalho, gritou que podia ser uma arma. Só então o Ministro saiu correndo de perto do carro, sendo imitado pelo filho e os outros acompanhantes. Ato contínuo, o Ministro acionou os agentes da Polícia Federal que estavam no Aeroporto. Afirmava que Ronaldo Tiradentes estava armado. Feita a revista no carro do jornalista, porém, nenhuma arma foi encontrada. Restou a evidente tentativa de intimidação, que poderia degenerar num incidente ainda mais grave não fossem os agentes da Polícia Federal bons profissi-
Alfredo Nascimento, no entanto, não deixou as coisas por aí. Em nota oficial, distribuída a todas as emissoras de rádio e TV de Manaus, assim como aos jornais, afirmou que Ronaldo Tiradentes e Marcos Santos o haviam ameaçado de morte e fez diversas outras acusações levianas, em evidente tentativa de distorcer os fatos. Ficam patentes o abuso de poder, a tentativa de intimidação e a falta de espírito democrático e de decoro do Ministro. O Senador e Ministro dos Transportes Alfredo Nascimento não vai calar a Rádio CBN Manaus. Essa trincheira da liberdade de imprensa será defendida até o último momento, buscando resguardar a sociedade de políticos que não cumprem as promessas e sobrevivem de renová-las a cada eleição, como é o caso dele. “Déspota autoritário”
Solicitamos a essa entidade o apoio e solidariedade necessários. Alfredo Nascimento anuncia abertamente a candidatura ao Governo do Estado do Amazonas. Se não houver uma ação pronta e direta agora, no momento em que ainda é candidato, o Estado que detém a maior parcela preservada da Floresta Amazônica corre o risco de ser governado por um déspota autoritário e capaz de imaginar que o Brasil não possui instituições fortes o suficiente para combater-lhe a prepotência, o autoritarismo e a arrogância. Por último, informamos que foi feita uma representação junto à Superintendência da Polícia Federal do Amazonas, para instauração de inquérito policial, cuja cópia segue anexa. Pedimos que essa entidade faça o devido acompanhamento da mesma. Certos de contar com sua pronta e costumeira solidariedade, Cordialmente (a) Rede de Rádio e Televisão Tiradentes Ltda. RonaldoLázaroTiradentes/Reg.Srt-am470 Marcos Santos / Reg. Srt-am 023.”
UM TIRO À QUEIMA-ROUPA MATOU RAFAEL FRANCISCO O assassino estava numa motocicleta, pediu às pessoas próximas que se afastassem da vítima, fez o disparo e fugiu, sem nada levar, contou O Fluminense em sua edição de 18 de julho. POR CLAUDIO EMANUEL E R ODRIGO R EBECHI
Um tiro, provavelmente de pistola, disparado à queima-roupa nas costas por um motociclista que estava de capacete, matou na noite de ontem o jornalista Rafael Pimenta Francisco, de 54 anos. O crime aconteceu por volta das 19 horas, em frente a uma oficina mecânica na Avenida Rui Barbosa, próximo ao número 609, em São Francisco, na Zona Sul de Niterói. Segun-
O Presidente da Câmara Municipal de Manaus, Vereador Luiz Alberto Carijó de Gosztonyi, encaminhou às ABI a Moção de nº 0262/2009, em que o Vereador Amauri Batista Colares felicita os profissionais de jornalismo pelo Dia Internacional da Liberdade de Imprensa, comemorado em 10 de junho. Cópia do documento também foi enviada ao Presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Amazonas, César Augusto Monteiro Wanderley. Na justificativa, o Vereador Amauri Batista Colares ressalta a importância da imprensa e dos profissionais que atuam no jornalismo: “São importantes pelo valor das inúmeras informações que prestam à sociedade. São verdadeiros heróis que muitas das vezes, no cumprimento de sua função, morrem ou até desaparecem em combate”. É este o texto da Moção: “Proponho à Mesa Diretora desta Augusta Casa Legislativa, após os trâmites legais e demais formalidades regimentais, uma Moção de parabenização pelo Dia Internacional da Liberdade de Imprensa, comemorado no dia 10 de junho. Justificativa Neste dia em especial valorizamos a importância da imprensa e seus profissionais, que são importantes pelo valor das inúmeras informações que prestam à sociedade. São verdadeiros heróis. que muitas das vezes, no cumprimento de sua função, morrem ou até desaparecem em combate. Chega-se à conclusão de que a profissão de repórter é tão antiga quanto a guerra. São dezenas de repórteres que têm perdido a vida no exercício de sua responsabilidade. Portanto, parabenizamos todos os profissionais que têm contribuído em muito para nos manter informados. Enfatizamos a importância da liberdade de imprensa para o funcionamento das sociedades democráticas. (a) Amauri Colares, Vereador.”
vore e acabou sendo executado pelo criminoso, morrendo no banco do motorista. Policiais da 79ª DP (Jurujuba) e peritos do Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE) examinaram o local do crime e constataram que nada de valor foi levado pelo assassino do jornalista. Celulares, cartões de crédito, carteira de motorista e pertences pessoais estavam intactos. Após a perícia preliminar, o corpo foi
levado para o Instituto Médico-Legal (IML) de Tribobó. As investigações do crime estão a cargo da Delegacia de Jurujuba. Rafael Pimenta Francisco era jornalista, produtor cultural e poeta. Editor do jornal Enseada, que circula nos bairros de São Francisco, Charitas, Jurujuba e Piratininga, era separado e morava com o filho de 13 anos. Em 2005 foi nomeado na Secretaria Executiva do então Prefeito Godofredo Pinto.
Dez anos depois, A Tarde derrota Borges na Justiça Governador do Estado, o atual senador cortou a publicidade do jornal em represália a denúncias que este publicava. O Tribunal de Justiça da Bahia condenou o Governo do Estado da Bahia no dia 21 de julho a pagar ao jornal A Tarde uma indenização de R$ 10.754.172,08, acrescida de juros e correção monetária, pela discriminação econômica imposta ao veículo ao longo do mês de maio de 1999, durante a gestão do então Governador César Borges, atualmente Senador pelo Partido da República (PR). Na época, a publicidade oficial de secretarias, fundações, autarquias, empresas públicas e sociedades de economia mista do poder público estadual no jornal foi suspensa integralmente em represália às denúncias veiculadas por A Tarde relacionadas ao Comando da Polícia Militar e à emissão de documentos falsos pelos Serviços de Atendimento ao Cidadão, conhecidos pela sigla Sacs.
O advogado do jorEm declaração à jornal, João Carlos Teles, nalista Amélia Vieira, revelou que, apesar de de A Tarde, o Presidenser o veículo de comute da ABI, Maurício nicação impresso de Azêdo, apontou a demaior circulação no cisão do Tribunal de Norte e Nordeste, A Justiça da Bahia como Tarde viu-se repentinaimportante contribuimente sem receber ção à liberdade de imnada das dotações desprensa, por restabeletinadas pelo Governo cer o princípio de que do Estado à propaganos órgãos de comunida oficial. Noticiado cação não podem ser por jornais de todo o discriminados econoPaís, o caso foi acompaSenador César Borges, ex- micamente pelo que nhado por diversas en- Governador da Bahia: discriminou noticiam ou comenem 1999, agora perdeu. tam, como ocorreu tidades de classe como a ABI, a Sociedade Inteneste caso, com a reramericana de Imprensa-Sip e a Assopresália imposta ao jornal em 1999 pelo ciação Nacional de Jornais-ANJ. então Governador César Borges. ANTONIO CRUZ/ABR
CÂMARA DE MANAUS SAÚDA O DIA INTERNACIONAL DA LIBERDADE DE IMPRENSA
do testemunhas, o assassino se aproximou da vítima e pediu que as pessoas que estavam próximas se afastassem, efetuando o disparo em seguida. O jornalista foi atingido en seu Fiat Palio KCO 4261. De acordo com pessoas que estavam no local, ele teria percebido a intenção do assassino e correu para o seu carro, numa tentativa desesperada de fuga. Ele ainda teve tempo de arrancar com o carro, mas bateu de frente contra uma ár-
Procurador perde processo de calúnia Crítica a ocupante de cargo público não significa necessariamente calúnia ou difamação, proclama juiz ao absolver jornalista acusado. O Juiz Leandro Loyola de Abreu, da Comarca de São João da Barra, no Norte do Estado do Rio, absolveu o jornalista Carlos Augusto Abreu de Sá, ex-editor do jornal S. João da Barra, no processo de calúnia contra ele movido pelo ex-Procurador-Geral do Município, Carlos Guilherme Machado dos Santos, que se considerou ofendido em matéria publicada pelo periódico em abril de 2008. Acolhendo em sentença lavrada em 5 de junho e divulgada pelo jornal S. João da Barra em sua edição de junho-julho de 2009 a manifestação do Ministério Público, o Juiz Loyola de Abreu decidiu que, “tratando-se de fato envolvendo pessoa pública, ocupante de cargo público”, “é comum a ocorrência de críticas e indagações sobre a sua conduta e exercício da função, sem que tais comentários impliquem necessáriamente em calúnias ou difamações”. A notícia que gerou o processo infor-
mava que o Ministério Público Estadual para Assuntos Difusos e Coletivos recebera denúncia de que o Procurador Carlos Guilherme, irmão da Prefeita Carla Machado, comprara um carro importado e um terrreno em condomínio de luxo na vizinha cidade de Campos. Carlos Guilherme, que na época exercia o cargo de Procurador-Geral do Município, pagou R$ 250 mil pelo carro, um Mercedes Benz modelo 2008, cor preta, placa Guarapari MRX 6661, registrado no Detran do Espírito Santo. Ele processou também o estudante Thiago Miranda e a dona-de-casa Mônica Paes, que foram igualmente absolvidos. Em editorial sob o título Imprensa e democracia, publicado na primeira página da edição citada, abaixo da notícia sobre o julgamento e da reprodução de parte da matéria que gerou o processo, o S. João da Barra salientou que a decisão do Juiz Loyola de Abreu “ é uma boa notícia não
só para o jornal, tampouco só para imprensa”, pois “é uma vitória da liberdade de expressão, essência da democracia, e uma lição àqueles que, uma vez investidos em cargo público, seja eletivo ou não, de primeiro ou sétimo escalão, se consideram pessoas acima das leis e da ética”. Acrescenta o editorial: “O ex-Procurador Carlos Guilherme Machado dos Santos tem apreço especial por demandas judiciais. Talvez por gosto do ofício, por ser advogado. Ouve seu nome citado e pronto, lá vai processo. Neste, em especial, confundiu notícia com calúnia e achou que a ninguém interessava, nem ao cidadão que o denunciou ao Ministério Público, nem à sociedade, o fato de ter comprado um carro de luxo e um terreno em condomínio também de luxo.” “Ledo engano. Quem recebe salário pago pelo povo, justamente para cuidar do que pertence ao povo, deve sim comprovar que pode comprar bens materiais com o dinheiro que recebe. Cabe ao povo questionar, cobrar investigação e exigir que seus governantes ajam com transparência e responsabilidade na administração do patrimônio público.” Jornal da ABI 343 Julho de 2009
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Liberdade de imprensa
Relatório arrola agressões e mortes no Brasil e no exterior
GERVÁSIO BAPTISTA/ABR
No relatório aprovado em sua reuve 223 ataques à liberdade de expresnião de julho, realizada no dia 21, a Cosão e informação; desse total, 85% fomissão de Defesa da Liberdade de Imram dirigidos contra jornalistas e 15% prensa e Direitos Humanos da ABI contra veículos de informação. arrolou inúmeros casos de violências Na Rússia, os quatro acusados pelo contra a liberdade de imprensa ou, fora assassinato da jornalista Anna Polido exercício profissional, contra a pestkovskaya serão submetidos a novo soa de jornalistas, como no caso de julgamento. Anna foi morta no hall do Rafael Pimenta Francisco, prédio onde morava, em assassinado em Niterói, Moscou, por denunciar onde morava, quando se violações dos direitos hudirigia para casa. Rafael manos no país. pode ter sido vítima de Orpheu preside um assalto ou de um criA reunião da Comissão me encomendado; seus foi a primeira sob a presimatadores ainda não fodência do Conselheiro Orram identificados. A Copheu Santos Salles, em missão registrou em ata o substituição ao Conselheirelato feito sobre a morte ro Wilson Fadul Filho, lide Rafael pelos jornalistas cenciado para tratamento Cláudio Emanuel e Rodride saúde, e contou com a go Rebechi, o qual é reproparticipação dos associaduzido na página 35. Yeda Crusius: Violência dos Wilson de Carvalho, A Comissão registrou para impedir cobertura seu Secretário, Arcírio também as violências prada imprensa. Gouvêa Netto, Germando ticadas em Porto Alegre de Oliveira Gonçalves, contra o repórter Wilson Gilberto Magalhães e MarthaArruda. Rosa e integrantes de uma equipe do Germando relatou o encontro que SBT por soldados da Polícia Militar do teve com o Deputado Otávio Leite Estado, quando cobriam ocorrências re(PSDB-RJ) acerca do projeto de lei por lacionadas com as denúncias formulaeste apresentado que dispõe sobre a das contra a Governadora Yeda Crusius inserção de publicidade oficial nos pela oposição. Wilson Rosa foi o mais chamados periódicos alternativos, de atingido pela truculência dos policiais bairros ou regionais em todo o País, aos e quase desmaiou ao ser derrubado pequais serão destinados 10% do total de los golpes de seus agressores. dotações destinadas à publicidade ofiCom base em relato de Arcírio Goucial em veículos impressos. vêa Netto, a Comissão anotou também “Esse projeto quer dizer liberdade de a restrição imposta aos jornalistas pelo imprensa, pois viabiliza a edição de Presidente da Câmara Municipal de mais jornais alternativos, hoje tão diDuque de Caxias, que proibiu a distrifícil, devido ao alto custo”, disse Wilbuição e circulação do jornal DC News son de Carvalho. nos Gabinetes e demais dependências Por proposta de Germando de Olido Legislativo. Decidiu também o Preveira Gonçalves, a Comissão aprovou sidente da Câmara que não poderão a realização de homenagem aos assofreqüentar os Gabinetes os jornalistas ciados Arthur Cantalice, falecido em que forem identificados como autores abril de 2008, e José Gomes Talarico, de críticas aos membros da Casa. decano do Conselho Deliberativo, com Terror no México a afixação de placas de reconhecimento A Comissão expressou sua preocupelos serviços prestados à Casa. pação em relação a violências contra Crianças na pobreza jornalistas em diferentes países e espeA Comissão registrou em ata os cialmente no México, onde o exercício números do estudo feito por uma pesda profissão está sujeito a riscos que quisadora do Instituto de Pesquisa registram um crescendo. Relatório de Econômica Aplicada-Ipea, Enide Rouma instituição internacional, a Funcha, especialista em questões relacidação Buendia, informa que 17 jornaonadas com os direitos da infância e listas foram assassinados no México da adolescência, o qual revela que nos últimos 18 meses, dos quais 12 em 55% das crianças brasileiras com até 2008 e cinco no primeiro semestre seis anos de idade estão abaixo da lideste ano, quase uma morte por mês. nha da pobreza. O texto da matéria Desde 1990, informa a Fundação, não divulgada a respeito é reproduzido na cessam os ataques a órgãos de comucoluna ao lado. nicação e a jornalistas. Em 2008 hou36
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Direitos humanos
A pobreza pune 55% das nossas crianças Pesquisadora do Ipea comprova que percentuais da carência econômica de crianças e adolescentes são superiores aos dos adultos. A desigualdade social aumenta a vulnerabilidade de quem o Estatuto da Criança e do Adolescente-Eca há 19 anos deve proteger. Cerca de 55% das crianças brasileiras com até seis anos de idade estão abaixo da linha da pobreza. Entre crianças e adolescentes de 7 a 14 anos, o percentual de pobres é de 50% e entre os jovens com idade de 15 a 17 anos, de 40%. Os percentuais de crianças e adolescentes pobres estão acima do que se verifica entre os adultos; 25% desses estão abaixo das linha de pobreza (meio salário-mínimo per capita de renda familiar). “As crianças são mais pobres que os adultos”, confirma Enide Rocha, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada-Ipea, especializada na área dos direitos da infância e da adolescência. Segundo ela, para cada adulto pobre há duas ou três crianças mais pobres. Ela afirma que o desrespeito aos direitos dos adolescentes aumenta a vulnerabilidade: “Envolve-se em um delito quem já esteve fora de qualquer mecanismo lícito de ascensão social, como a escola e o trabalho legal”. O Deputado federal Paulo Henrique Lustosa (PMDB-CE), da Frente Parlamentar da Juventude, considera que “a infância já é por si uma si-
tuação de vulnerabilidade”: “Com a pobreza, a tendência é que essa vulnerabilidade recaia com maior peso”. Para Enide Rocha, as desigualdades regionais agravam a situação dos brasileiros mais jovens. A Região Nordeste tem os piores indicadores de mortalidade infantil – é duas vezes maior do que a taxa na Região Sul, que é de 16,1 óbitos por mil—, analfabetismo, universalização e qualidade do ensino e trabalho infantil, enumera a pesquisadora, que está fazendo doutorado sobre a participação da sociedade civil na construção das políticas públicas. Mário Volpi, Coordenador do Programa de Cidadania dos Adolescentes do Fundo das Nações Unidas para o Desenvolvimento da Infância-Unicef, também destaca a desigualdade como obstáculo para as políticas e programas criados para a promoção de direitos de crianças e adolescentes. Segundo o oficial do Unicef, o País deve para melhorar o futuro das crianças diminuir as suas desigualdades: “O Brasil deve enfrentar essas disparidades. São essas desigualdades que fazem que uma criança negra, uma criança favelada ou uma criança na Amazônia tenha menos oportunidade de realizar os seus direitos”.
O mundo vai marchar pela paz, em outubro A ABI aderiu à Marcha Mundial pela Paz e pela Não Violência, que tem como objetivo combater o tráfico de armas que consome US$ 1 trilhão por ano. A iniciativa propõe o desarmamento nuclear em nível mundial, a retirada imediata das tropas invasoras dos territórios ocupados, a redução progressiva e proporcional do armamento convencional, a assinatura de tratados de não-agressão entre países e a renúncia dos governos a utilizar as guerras como meio para resolver conflitos. Além da ABI, outras entidades, como a Anistia Internacional, a Confederação dos Povos Indígenas da Bolívia e a Avós da Praça de Maio, já aderiram à Marcha, assim como importantes personalidades, entre as quais o Prêmio Nobel da Paz Desmond Tutu; o escritor Jose Saramago; o lin-
güista, filósofo e pensador Noam Chomsky; o maestro Zubin Metha; o escritor Eduardo Galeano. No Brasil, o Senador Cristovam Buarque, o cantor Gabriel O Pensador e o diretor do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas-Ibase, Cândido Grzybowski, também apóiam o movimento. A Marcha Mundial pela Paz e pela Não Violência terá início no dia 2 de outubro deste ano, na Nova Zelândia, e término no dia 2 de janeiro de 2010, na Cordilheira dos Andes, aos pés do Monte Aconcágua. Durante o percurso, passará por mais de 90 países e 100 cidades dos cinco continentes, onde os organizadores desenvolverão fóruns, encontros, festivais, conferências e eventos de caráter esportivo, social, cultural, musical, artístico e educativo, entre outros.
FOTOGRAFIA
A foto dramática de Luiz Vasconcelos mostra a PM retirando indígenas de uma área particular em Itacoatiara. Ao lado, o fotógrafo André Vieira registra o desconsolo do estilista angolano.
O melhor do fotojornalismo chega ao Brasil Organização holandesa, a World Press Photo premia, anualmente as melhores fotos publicadas na imprensa, que são expostas em 61 cidades de 37 países. O melhor do fotojornalismo desembarcou no Brasil no dia 29 de julho. Mais precisamente na Caixa Cultural Rio com a mostra World Press Photo, da organização internacional que premia anualmente os melhores trabalhos fotojornalísticos. Em sua 52ª edição, a exposição apresenta 196 fotografias, em 62 painéis de 1,65m x 1,10m, reunidas a partir da seleção das melhores imagens do fotojornalismo mundial publicadas em 2008. A mostra começou a ser exibida em maio e segue em viagens até dezembro deste ano, percorrendo 61 cidades, num total de 37 países, com um público estimado em 2 milhões de visitantes no total. O Rio de Janeiro, onde a World Press Photo permanece até 23 de agosto, foi a primeira cidade da América Latina a receber as imagens. De acordo com os produtores da exposição, 5.508 profissionais de 124 países inscreveram 96.268 trabalhos, batendo o recorde de participantes em relação às edições anteriores. As imagens foram selecionadas por um júri internacional, composto por profissionais da fotografia. Este ano, foram premiados 64 fotógrafos de 27 nacionalidades, em dez categorias: Notícias em geral, Notícias em destaque, Pessoas em destaque, Natureza, Retratos, Esporte e ação, Esportes em geral, Arte e entretenimento, Vida cotidiana e Assuntos atuais. Dentro de cada categoria, há as modalidades Single e Série de fotos. A foto vencedora do concurso World Press Photo 2008 é uma imagem em preto-e-branco do fotógrafo norte-americano Anthony Suau, que mostra O cochilo de Michelle Obama registrado por Callie Shell durante uma das viagens da campanha um oficial do Departamento de do atual Presidente dos Estados Unidos, e a violência na Favela do Coque na foto de Eraldo Peres. Polícia do Condado de Cuyahoga invadindo uma residência em conflito, mas é simplesmente o despejo revista Time, que na sua versão completa Cleveland, Ohio, para a execução de uma de pessoas de suas moradias. Agora a ficou também com a segunda colocação ação de despejo por cancelamento de higuerra, em seu sentido clássico, está na categoria Vida cotidiana. poteca. A imagem foi registrada em dentro da casa das pessoas, pois elas não “Ela parece uma fotografia clássica de março de 2008, para uma reportagem da
conseguem pagar as suas hipotecas”, declarou MaryAnne Golon, presidente do júri, sobre a foto de maior destaque da exposição. Três fotógrafos brasileiros tiveram seus trabalhos premiados nesta edição do World Press Photo. Luiz Vasconcelos, da Zuma Press, foi o primeiro colocado na categoria Single, em Notícias gerais, com uma foto publicada no jornal A Crítica, AM, em que aparece uma índia sendo expulsa de sua aldeia, numa ação da Polícia Militar do Estado do Amazonas para desocupar terrenos particulares. Ainda na categoria Single, Eraldo Peres, da Associated Press, ganhou Menção Honrosa em Vida cotidiana, com uma foto registrada em 22 de janeiro de 2008, mostrando várias pessoas em volta do corpo do jovem Thiago Franklino de Lima, 21 anos, morto na Favela do Coque, no Recife, PE. Outro brasileiro agraciado este ano foi André Vieira, da Focus Photo und Presse Agentur, que conquistou o terceiro lugar no segmento Artes e entretenimento, categoria Single. A fotografia é um registro do estilista angolano Shunnoz Fiel, integrante da nova geração de artistas da moda do País. O Brasil ainda aparece na exposição em uma série de cinco fotos do mexicano Carlos Cazalis, primeiro colocado na categoria Assuntos atuais, dentro da modalidade Série de fotos, com o registro de moradores de rua dormindo em São Paulo. Fundada em 1955, em Amsterdã, na Holanda, a World Press Photo é um dos mais importantes eventos sobre a produção fotográfica da imprensa mundial. Segundo os seus organizadores, a exposição, na sua versão atual, é um painel retrospectivo dos fatos mais marcantes ocorridos no ano passado, registrados com arte e precisão pelas lentes de grandes fotógrafos, abrangendo temas como política, economia, esportes, cultura e meio ambiente. A mostra em cartaz é uma realização da Capadócia Produtora Cultural, representante oficial da World Press Photo no Brasil, com o apoio da Caixa Cultural Rio. Jornal da ABI 343 Julho de 2009
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FOTOGRAFIA
Uma exposição com a cara do Brasil Depois de três décadas de atividade, o fotógrafo João Roberto Ripper ganha sua primeira grande exposição individual, na qual revela as mazelas do Brasil, em suas mais diversas faces, e oferece aos brasileiros a oportunidade de encararem a si mesmos.
Neta foto de 1989, o registro do olhar do indiozinho Guarani Kaiowá, cuja tribo era ameaçada de despejo, na Aldeia Jaguapiré, em Paranhos, Mato Grosso do Sul.
POR PAULO CHICO
Todos os recursos técnicos da fotografia a serviço de um olhar mais que especializado em denunciar os abismos sociais. Nas imagens de João Roberto Ripper é possível conferir as mazelas do povo brasileiro, ainda que envolta em beleza estética, graças ao refinado tratamento de forma e luz. Após 35 anos com a máquina em punho, o fotógrafo carioca revela fotos ao público em sua primeira mostra individual. Na verdade, apenas uma pequena amostra de seu talento. São 70 ampliações tiradas ao longo de sua carreira, além de um painel com mais de 200 retratos de rostos de brasileiros de diversas regiões, raças e cores, selecionados de um arquivo pessoal com 150 mil fotos. Amor, Dor, Resistência e Liberdade são os núcleos temáticos de Imagens Humanas, que esteve em cartaz na Caixa Cultural do Rio de 9 de junho a 12 de julho. A próxima parada da mostra será em São Paulo, de 15 de agosto a 27 de setembro, na Caixa Cultural da Sé. O público pode conhecer, com entrada gratuita, o trabalho realizado por Ripper em suas passagens por diversos cantos do País, desde que trocou o trabalho em grandes jornais na década de 1980 para atuar em agências, aliando sua arte à militância social. A exposição retrata a seca, o cotidiano de povos
Mulher resiste em sua terra devastada pela plantação de eucaliptos, ao norte de Minas Gerais.
indígenas, o trabalho infantil, a disputa pela terra, a paixão nacional pelo futebol, além de outros temas. O trabalho de Ripper é apoiado no total domínio técnico e apuro estético,
Trabalhador rural andando na Transamazônica, Altamira, Pará.
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e fascina não só pela beleza, mas por retratar a realidade crua e sem concessões. O fotógrafo cobriu o Brasil com um olhar poético e investigativo, e ganhou vários prêmios internacionais com seu trabalho voltado para os direitos humanos. “Poucas imagens são tão radicalmente humanas quanto as fotografias produzidas por ele. Elas são fruto de um olhar humanista sobre os muitos territórios que integram nosso País e constituem um vigoroso painel fotográfico do povo brasileiro. O fio condutor disso tudo são os direitos humanos, que sempre nortearam Ripper”, declara Dante Gastaldoni, curador da exposição. Dante é parceiro de Ripper na Escola de Fotógrafos Populares, na Maré, um dos maiores complexos de favelas do Rio de Janeiro, onde a arte da fotografia é ensinada aos jovens, preparando-os para o mercado de trabalho. O projeto ganhou o Prêmio Faz Diferença, do jornal O Globo, em março do ano passado. “Ripper chega perto, convive, cria intimidade e ganha a cumplicidade do
fotografado. Quase sempre utiliza objetivas de curta distância focal e isso o obriga a estar perto das pessoas que fotografa”, explica o curador. Coordenadora geral da mostra, Mariana Marinho fala da importância e do impacto ao se deparar com os registros do fotógrafo. “O escuro, o desprovido de conceitos, a brecha, o lugar em que a ignorância é sábia, esse espaço é que senti, através das imagens de Ripper, ser mexido, remexido, colorido. A luz crua da natureza, quantos pretos, quantos brancos nos vêm aos olhos para atiçar os sentidos. A incansável aposta na vida e na humanidade, a coragem de mergulhar seu olhar nas atrocidades, de registrar o que há de perverso no ser humano, traduz a inquietude, o incômodo, a presença dos opostos latente no artista. Passivo guerreiro, artista da vida. É um privilégio a possibilidade de apresentar e promover o encontro do público com o trabalho do Ripper, que é um verdadeiro Titã da fotografia e da arte”, diz.
As lentes de João Roberto Ripper estão sempre apontadas para retratar a vida e a luta dos trabalhadores no interior do Brasil, desde os cavoeiros de Mato Grosso do Sul (acima) à mulher catadora de tomates, em São Paulo (ao lado), passando pelo drama de trabalhores que vivem num regime de semi-escravidão, como era o caso do casal João e Olga (foto maior).
Dante Gastaldoni fala da importância dessa primeira exposição individual de Ripper, não só para colocar suas obras acessíveis ao público, mas também para preservá-las. “Ele tem uma militância, uma coerência e postura tão densas que o tornam conhecido para além das suas fotos. Esta é sua primeira grande mostra depois de 35 anos de carreira. E foi isso que me motivou: dar a ele e a seu trabalho a merecida visibilidade. Durante a minuciosa seleção das fotos para a mostra, descobrimos que alguns negativos estavam em situação irrecuperável. Ele chegou mesmo a chorar quando viu que parte dessa memória estava se perdendo”. O próprio João Roberto Ripper fala da experiência de, pela primeira vez em mais de três décadas de atividade, ser a única estrela de uma exposição de grande porte. “Ao longo da carreira fiz muitas exposições para públicos específicos, sendo muitos deles alvo de meu trabalho. Fiz exposições para índios, seringueiros, em campos do MST, nos espaços populares de favelas... Também já fiz exposições conjuntas em grandes locais. Desta vez minha obra aparece em destaque
isolado numa mostra de grande porte. E isso é de fato importante neste momento, em que surgem fotógrafos novos querendo seguir uma linha de trabalho parecida, com viés social, que quase sempre é muito criticada”, avalia. A exposição conta com patrocínio da Oi e da Caixa Econômica Federal. Ainda em novembro deste ano, como parte das comemorações pelos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, completados em 2008, será lançado um livro bilíngüe também chamado Imagens Humanas. Fruto de extensa pesquisa iconográfica, o livro terá distribuição internacional e apresentará o registro de cerca de 240 fotos de Ripper que esperavam o momento certo de chegar aos olhos dos leitores de todo o mundo. “Para esse trabalho, contei também com a ajuda valiosa de duas fotógrafas, que são a Ingrid Cristina e a Elizângela Leite”, revela Ripper, que sempre que possível está presente na exposição. “No dia 9 de setembro, por exemplo, teremos um debate Imagens Humanas – Fotografia e Direitos Humanos, às 19h, na própria Caixa Cultural da Sé. Nessas ocasiões, é sempre muito interessan-
te perceber o comportamento e a reação do público. Ver que as pessoas têm interesse pelo que está por trás da foto, conhecer a história de cada uma delas”, comenta Ripper. Além do premiado autor das imagens, o debate especial contará com a participação do jornalista e doutor em Ciência Política Leonardo Sakamoto, coordenador da organização nãogovernamental Repórter Brasil e membro da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo.
“Aliás, é importante destacar que trabalhar com os direitos humanos é bem mais do que trabalhar apenas com denúncias. Às vezes, o mais importante é mostrar as boas soluções, o que há de bom e belo nessas comunidades, que quase nunca têm visibilidade”, defende José Roberto Ripper, que define de forma objetiva e sucinta o seu ofício. “Fotografar é reconhecer valores. Aprender com eles. Além de ser um enorme prazer.” Jornal da ABI 343 Julho de 2009
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MOSTRA
Em cartaz, os cartazes cubanos Pôsteres de cinema produzidos em Cuba são exibidos em São Paulo: um espetáculo singular da arte gráfica mundial. POR PAULO CHICO
Em favor do cinema, uma aula de design. Peça fundamental na hora de vender qualquer filme para o público, os cartazes feitos para divulgação da Sétima Arte em Cuba são, eles próprios, verdadeiras obras de arte. Tanto que merecem uma sessão especial. Mais do que isso, uma exposição inteira. Esse é o objetivo da mostra Cartazes Cubanos – Um Olhar sobre o Cinema Mundial, que, de 5 de agosto a 13 de setembro, ocupa a Galeria Betetto da Caixa Cultural de São Paulo, na Praça da Sé, 111, com entrada franca e faixa etária livre, sempre das 9h às 21 horas. O público pode conferir 80 cartazes produzidos da década de 1960 até o início dos anos 1990 pelo Icaic (Instituto Cubano de Arte e Indústria Cinematográfica). Utilizando a serigrafia como técnica de impressão, um grupo de artistas cubanos desenvolveu trabalho rico em formas, cores e texturas. As suas criações possibilitaram o surgimento de uma escola peculiar de artes gráficas na América Latina. Para tal feito, os artistas buscaram inspiração e referências nas mais diversas fontes, desde a estética dos cartazes poloneses, tchecos e húngaros, passando pelo
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Push Pin Studio de Nova York, e chegando até a pop art e ao design californiano do final dos anos 60. A exposição em cartaz na Caixa Cultural percorre a obra de 12 destes grandes designers gráficos, entre os quais Azcuy, Bachs, Dámian, Dimas, Julio Eloy, Niko, Reboiro, Raul Martinez. São cartazes que retratam, além do cinema cubano pós-revolução, produções de diversos países, como as do Leste europeu, norte-americanas e brasileiras. Na mostra encontram-se peças gráficas para filmes de Gláuber Rocha e Júlio Bressane. O objetivo é apresentar ao público um importante período da história cultural de Cuba a partir de 1959, vastamente refletida também por meio da comunicação visual produzida no País. Mas o que revelam esses cartazes sobre a produção artística do país de Fidel Castro, bem como a respeito de suas conquistas sociais e severas restrições políticas? A primeira pista para responder a essas perguntas vem da própria técnica utilizada na confecção das peças. “Em Cuba, o problema nunca foi de ordem tecnológica, mas sim de caráter econômico. A adoção de um meio de impressão como a serigrafia sempre esteve e ainda é diretamente relacionada com o custobenefício que essa técnica acarreta”, diz o curador da exposição, Alexandre Guedes, numa referência às pequenas tiragens desses cartazes na Ilha, quase sempre na ordem das 500 unidades. Tais restrições, é claro, tiveram influências diretas na criação. “Em virtude das limitações de natureza técnica, os artistas gráficos cubanos tiveram que lançar mão de um repertório estético muita amplo, para que o termo de suas proposições lograsse o êxito desejado. Contudo, as restrições impostas pelo meio de impressão não somatizam, em si, o único agente que determinou a primazia visual das peças: os profissionais responsáveis pela criação possuíam formação sólida em desenho e pintura. É, na verdade, a partir dessas resultantes, que se assenta o alto nível de qualificação
Azcuy (acima), Dámian (El Lobo de Mar e Dulcima) e Raul Martinez (Lucia) são três destacados artistas gráficos cubanos que têm seus cartazes expostos na mostra.
Versões de cartazes cubanos para clássicos do cinema mundial como Moby Dick, de John Huston; Sbatti il Mostro in Prima Pagina (inédito no Brasil), de Marco Bellocchio; Tristana, de Luis Buñuel; Beijos Proibidos, de François Truffaut; Zorro, de Duccio Tessari, com Alain Delon; e os brasileiros Cara a Cara, de Julio Bressane e Deus e o Diabo na Terra do Sol (rebatizado como Antonio das Mortes) estão entre as obras expostas.
Antonio Fernández Reboiro (acima e à esquerda) e Dimas (à direita): dois artistas gráficos que ajudaram a renovar a linguagem dos cartazes de cinema em Cuba.
plástica das obras e a sua eficácia enquanto meio de comunicação visual”, avalia o curador da mostra. Para Alexandre Guedes, há muitos fatores impactantes nas obras cubanas, que justificam plenamente a formatação de uma exposição. “A produção traz como particularidades a mistura racial, a geografia peninsular de clima tropical, a tradição pictórica universal e a linha cartazística do Leste europeu do segundo pósguerra. Assim, procuramos descortinar ao olhar brasileiro um traço da produção visual da nação. Um país que nos últimos 50 anos procurou agregar valor à formação de seu povo por meio da imagem”, considera ele, para quem não há paralelo entre a produção de cartazes em Cuba e no Brasil. “A cartazística cubana é, portanto, uma possibilidade para repensarmos a lógica do que compreendemos por design e os caminhos que regem a sua
produção em nossos domínios”, defende Guedes, que destaca outra peculiaridade: “Produções internacionais que conseguem estrear por lá têm seus cartazes refeitos por designers locais. Em nosso próprio país existe uma antiga lei estabelecendo que para todo filme estrangeiro que chegasse ao Brasil teria que ser feito novo cartaz, por artista brasileiro. Só que ela não é cumprida. É desnecessário dizer o campo de trabalho que ela abriria para profissionais da produção visual. Em Cuba, ocorre justamente o contrário. Para todas as películas é feita uma nova proposição a partir da ótica de um artista local. Isso gerou em seu interior não apenas uma escola de linguagem particular, mas também estabeleceu um canal de comunicação artístico direto com o povo. Uma questão que deve ficar bem clara é que nessa medida não havia nenhuma intenção explícita de contro-
le político”, afirma Alexandre Guedes. Apesar da enorme variedade de estilos, os cartazes são assinados e têm igual formato 76,5 x 51cm, sempre impressos em serigrafia, com o uso de oito ou dez cores. Quanto aos aspectos técnico-formais, há grande variedade conceitual, que vai do uso de imagens satíricas ao emprego dramático da fotomontagem. Predominam as grandes chapadas de cor, os contornos precisos, o desenho estilizado, o uso de imagens em altocontraste ou de retículas aparentes, acentuando seu caráter gráfico. Apesar do rigor formal, prevalece o caráter inventivo, que permitiu a renovação da linguagem dos cartazes cubanos, criando uma escola original. A mostra foi montada em ambiente ideal para ressaltar o contraste de cores vibrantes dos cartazes, com especial cuidado na parte de iluminação. Paralelamente à exposição, que de 28 de setembro a 25 de outubro também poderá ser vista na Caixa Cultural do Rio de Janeiro, estão programadas oficinas de criação de cartazes direcionadas a estudantes universitários de design, principalmente, a jovens de 12 a 18 anos de escolas da rede pública. Para agendamento nas oficinas, basta ligar para (11) 3321-4400.
Quatro exemplos da arte primorosa de Eduardo Muñoz Bachs (à esquerda) e Antonio Pérez, que assina como Niko (embaixo e à direita).
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FOTOS: ACERVO CANAL 100
MEMÓRIA
A paixão pelo futebol ia ao cinema Entre as décadas de 60 e 80 as lentes do cinejornal idealizado por Carlos Niemeyer registraram boa parte da História do Brasil e, em lances geniais, mostraram em detalhes a arte do futebol brasileiro. POR PAULO CHICO Um slogan bastante popular afirma que cinema é a maior diversão. Mas, bem mais do que isso, ele também é informação. Quem busca conhecer um pouco mais da História do século XX, antes do advento da televisão ou mesmo quando essa caixa mágica dava seus primeiros passos, tem nos cinejornais um porto seguro. É exatamente neste contexto que se situa o Canal 100, referência máxima de registros noticiosos veiculados em película no Brasil. Seu criador foi Carlos Niemeyer, que desde o início dos anos 50 se dedicou à produção de documentários sobre o Rio de Janeiro. Fundou sua própria 42
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produtora em 1958 e, do ano seguinte até 1986, produziu um cinejornal semanal, registrando um vasto acervo dos acontecimentos jornalísticos dessa época – somando cerca de 70 mil minutos de imagens; medido em horas, mais de 1.166. Com um estilo próprio, utilizando de vinhetas e técnicas apuradas de montagem, além da filmagem exemplar de Francisco Torturra, foi com as cenas de futebol que a marca do cinejornal se firmou. “O Canal 100 foi um cinejornal que soube criar seu espaço numa mídia obrigatória. E da necessidade da renovação nasceu o feliz encontro com o esporte
e principalmente com o futebol. Ele foi tão apreciado pelo público que teve um tempo em que as novas edições eram anunciadas nos letreiros dos cinemas e o povo fazia fila para esperar as imagens, muitas vezes ainda inéditas. Em 1970, com a conquista da Copa do Mundo, o Canal 100 causou furor com as primeiras imagens coloridas dos campos do México”, conta Carla Niemeyer, filha do funddor do cinejornal. O nome de batismo do cinejornal fazia uma analogia com a tradição dos principais canais de tv da época no Brasil. que, antes de ostentarem nomes próprios ou de fantasia, eram tão so-
mente identificados por seus números de sintonia. Assim, em meio ao Canal 13 (TV Rio), ao Canal 6 (TV Tupi) e ao ainda iniciante Canal 4 (TV Globo), surgiu o Canal 100. E sua importância histórica foi devidamente mensurada pelo jornalista e dramaturgo Nélson Rodrigues, tricolor apaixonado. “Foi a equipe do Canal 100 que inventou uma nova distância entre o torcedor e o craque, entre o torcedor e o jogo, grandes mitos do nosso futebol, em dimensão ‘miguelangesca’, em plena cólera do gol. Suas coxas plásticas, elásticas enchendo a tela. Tudo o que o futebol brasileiro possa ter de lírico,
Meticuloso e senhor do seu ofício, Carlinhos Niemeyer ajusta a câmera do cinegrafista João Rocha, buscando o ângulo ideal (página à esquerda). Acima, momentos felizes do Canal 100 focalizando os supercraques Pelé e Rivelino e a agonia do torcedor.
dramático, patético, delirante...”, declarou certa vez o polêmico cronista e autor de peças como Vestido de Noiva e Bonitina, Mas Ordinária. “Em certo sentido, o papel do Canal 100 junto ao futebol brasileiro é uma continuação do trabalho que o jornal O Globo desenvolveu, principalmente a partir dos anos 30, com os irmãos Mário e Nélson Rodrigues. Mário Filho, com suas campanhas em O Globo, criou a paixão pelo futebol no Rio de Janeiro. Nas décadas seguintes, o Canal 100 contribuiu para transformar o futebol brasileiro em paixão nacional. A rede de distribuição – que chegou a contar com mais de três mil salas de cinema – levava semanalmente aos mais remotos cantos do País as emoções passadas na pequena área do
Maracanã. Ninguém filmou melhor uma partida de futebol do que o Canal 100”, observa Carla Niemeyer. O começo, com um novo estilo O Canal 100 foi fundado em 1959 quando Carlos Niemeyer e seus sócios Perrin e Persin compraram o cinejornal da Líder Cine Laboratórios (atual Labo Cine) e usaram sua experiência de fazer documentários esportivos e sobre o Brasil para criar uma revista no cinema. O projeto, desde seu início, procurou criar um novo estilo, um padrão especial de imagem, que não fosse apenas a informação imediata, a notícia transmitida em cima da hora, característica dos jornais diários e passível de ser repetida na televisão. Havia a proposta de um tratamento novo
dos fatos, trazendo sempre um foco ainda não abordado, uma intimidade que somente o escuro das salas de cinema seria capaz de oferecer. “Acho que o segredo do sucesso do Canal 100 foi estar preparado para as oportunidades que o Brasil pôde oferecer. Meu pai levou para o cinema a nova capital, o futebol campeão do mundo, o Carnaval e as nossas misses, apresentando um novo ângulo, com outras lentes. O Brasil em cores que trocou o brasileiro cordial pelo campeão do mundo. Além disso, havia uma equipe de profissionais de excelência, como os nossos câmeras Chico Torturra, Liercy de Oliveira e João Rocha, além de Kleber Gorini, Jorge Aguiar, Pompilho Tostes e Heloisa Niemeyer”, enumera Carla.
“Chico Torturra é reconhecido como o mais importante cinegrafista de futebol do Brasil. Ele começou em 1958, como eletricista e técnico de som. No ano seguinte já estava trabalhando no Canal 100. Chico era o principal responsável pelas filmagens com lentes telefoto. Casado com uma irmã de Nélson Rodrigues, representou o elo cinematográfico entre as filmagens da Copa de 50, feitas por Mário Filho, e o novo padrão de imagem que foi fixado no Canal 100”, explica Carla Niemeyer. Os registros feitos por Torturra em câmera lenta, para muitos, são os precursores do ‘tira-teima’, posteriormente utilizado em larga escala pelas redes de televisão. Nesse contexto de produção, o trabalho dos editores que passaram pelo cinejornal era de absoluta importância. Jornal da ABI 343 Julho de 2009
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MEMÓRIA CANAL 100, A PAIXÃO PELO FUTEBOL IA AO CINEMA
“Nessa área, nós tivemos colaboradores como o Jorge Niemeyer, descobridor do samba de Luis Bandeira que se tornou o tema do futebol do Canal 100, Alberto Shatovsky, Carlos Leonam e Luiz Otavio Coimbra. Vale lembrar o empenho do montador Walter Roenick, os locutores Cid Moreira e Correa de Araujo, os arquivistas Hamilton e Sampaio, a secretária e produtora Maria do Céu Reis Soares. Todos esses profissionais fizeram o sucesso, pois cinema é um trabalho de equipe”, conceitua Carla. O Canal 100 também deu impulso a diversas e importantes carreiras. Cid Moreira, o primeiro narrador, se transformou em estrela na TV Globo. Rubem Fonseca, premiado escritor, foi autor de vários roteiros para documentários institucionais produzidos pelo cinejornal logo no início dos anos 60. Em 1961, um então jovem diretor, Rui Guerra, foi convidado a dirigir um longa-metragem que nunca foi terminado. Anos mais tarde, Niny (como era conhecido Carlos Niemeyer), Luis Carlos Barreto e Walter Clark, na época diretor-geral da TV Globo, se uniram para produzir um longa-metragem que fez história: Isto é Pelé. Junto com Brasil Bom de Bola, também produzido por Niemeyer, o filme sobre o Rei do Futebol tornou-se marco na filmografia do esporte mundial. Lembranças dos que fizeram “Na realidade, o primeiro editor dos cinejornais era o Jorge Niemeyer, primo de Carlos. O meu trabalho ao longo de alguns anos foi escrever os textos de narração dos curtas. Contudo, eu dialogava muito com o Jorge, sempre sugerindo idéias e métodos. O Canal 100, com sua pequena equipe de cinegrafistas, com destaque para o Francisco Torturra, desenvolveu um estilo de filmagem muito criativo, utilizando diferentes lentes. Foram quase três décadas de pioneirismo, não esquecendo da música-tema, pinçada do nosso repertório 44
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O cinegrafista Francisco Torturra curte a beleza loura de Brigitte Bardot em sua visita ao Brasil (acima, à esquerda). Carlinhos Niemeyer (ao lado, acima, primeiro à esquerda) acompanha um Festival da Canção com Tom Jobim (ao centro) e Walter Clark, então o criativo e competente cacique da TV Globo (à direita). Ao lado, Niemeyer e sua equipe numa pausa no trabalho.
popular. O tempo dos jornais nos cinemas já passou, mas eles deixaram um legado valioso nos muitos milhares de metros filmados nos acontecimentos em geral e, em especial, no futebol”, avalia Alberto Shatovsky, crítico cinematográfico e idealizador de empreendimentos pioneiros, como a criação nos anos 60 do Cinema 1, dedicado à exibição de filmes de arte. Na tese de mestrado Cinejornal e Memória Social, escrita em 1984 para a UFRJ, Luiz Coimbra buscou demonstrar que o Canal 100 registrou a memória social do Brasil republicano durante os anos 60 e 70. A construção de Brasília, o golpe militar e o movimento social pelas eleições diretas são alguns exemplos de momentos históricos amplamente registrados. Nos arquivos do Canal 100 há imagens de reações populares ao golpe, filmadas em 1º de abril de 1964, que são um testemunho
irrefutável da insatisfação popular com o regime de exceção que se instalava. “Trabalhei no Canal 100, como editor-chefe, entre 1979 e 1987, mais ou menos. Depois disso, durante alguns anos, tive a oportunidade de trabalhar de forma esporádica para eles. Meu último contato profissional foi em 1991, quando dirigi um comercial para o Banco do Brasil sobre vôlei de praia, produzido pelo Canal 100. Desde 1993 estou morando em Washington DC, onde dirigi o setor de vídeo da Organização dos Estados Americanos-OEA, criei o sitio web da OEA (www.oas.org), que foi pioneiro na transmissão de reuniões por streaming vídeo. Atualmente estou dedicado à criação do Observatório Interamericano de Criminalidade e Violência da OEA”, explica Coimbra. E é de lá dos Estados Unidos que Coimbra nos faz o relato de uma iniciativa atual que lembra, e muito, a proposta
original do cinejornal de Carlos Niemeyer. “A Liga de Futebol AmericanoNFL filma todos os jogos em 35 mm. A NFL filmes foi fundada nos anos 60 e se especializou em filmagens com padrão de qualidade muito próximo ao do Canal 100: ao menos uma câmera filma o jogo com recurso de câmera lenta, microfones são espalhados pelo campo para captar a torcida, a reação do público e dos jogadores. Música e narração são incluídas na fase de edição. É uma pena que a CBF e o Campeonato Brasileiro de Futebol não contem com estes recursos capazes de revelar com maior intensidade as emoções de uma partida de futebol”, lamenta. Diz Luiz Coimbra que é inegável que o Canal 100 ajudou a alimentar e sedimentar a paixão dos brasileiros pelo futebol. “Ele surge em meio à vitória na Copa de 1958. Nada mais natural que o novo meio de comuni-
cação apresentasse ao público as imagens do futebol que encantava o mundo. Futebol e cinema no Brasil têm uma relação que antecede ao Canal 100. Mário Filho foi o responsável pelas filmagens da Copa de 1950. Mas se esse trabalho foi a base para a descoberta do futebol pelo cinema, o Canal 100 deu com o Torturra um passo fundamental ao criar seu próprio padrão para filmar, editar e sonorizar o futebol”. Ao trazer para a tela grande os detalhes das jogadas de área, o Canal 100 levou o futebol carioca para um público novo, nacional, que, muitas vezes, sequer havia pisado num estádio. Não era mais preciso ser um freqüentador do Maracanã para emocionar-se com Garrincha, Pelé e outros. O Canal 100 foi um veículo para divulgação da arte desses craques, em âmbito nacional. Um futebol que agradava não somente aos fãs do esporte, mas aos admiradores do cinema em geral. “Lembro-me de que o público formava filas nos cinemas da Cinelândia para ver as primeiras imagens coloridas da Copa de 70. Não importava o filme que estivesse sendo apresentado”, recorda Luiz Coimbra. O jornalista Carlos Leonam, que atuou também no Teleobjetiva, de Roberto Farias e Herbert Richers, incorporado em 1977 pelo próprio Canal 100, considera o futebol do cinejornal de Carlos Niemeyer o precursor da linguagem cinematográfica do esporte. “Havia o trabalho de um grande cinegrafista e uma trilha-sonora como marca registrada, com a música Na Cadência do Samba (aquela dos versos Que bonito é...). Ela virou sinônimo de futebol. O Canal 100 dava aos espectadores aquilo que a televisão só agora vem proporcionando, inclusive ao copiar o Francisco Torturra, só que com o uso de mais tecnologia”. “Para se ter uma idéia do que significava o Canal 100, sobretudo para espectadores dos cinemas fora do eixo Rio-São Paulo: muita gente sempre perguntava na bilheteria, antes de comprar o ingresso, qual jogo ia passar.... Quer dizer, essas pessoas se dirigiam ao cinema para ver o futebol do cinejornal de Carlos Niemeyer”, lembra Carlos Leonam, que, no entanto, não vê a possibilidade de fenômeno semelhante se repetir nos dias de hoje. “Um cinejornal custa caríssimo, os cinemas não têm mais espaço para esse programa. As agências de publicidade colocam seus anunciantes na televisão. E essa está cada vez mais espetacular na transmissões esportivas”, pondera o colunista da Carta Capital e autor do livro Os Degraus de Ipanema, no qual há um perfil especial de Carlos Niemeyer. Com um ato oficial, o fim Sobreviver como negócio foi o grande desafio da história do Canal 100. Uma experiência interessante de um período em que vigoravam regras dife-
Num dia de grande clássico, no Maracanã superlotado, Carlinhos Niemeyer é surpreendido por um coleguinha fotógrafo, que faz um flagrante dele com a filha Carla, integrante de sua equipe. De costas, outra participante da turma do Canal 100, Teresa Freitas, que nem teve tempo de se virar para fazer uma pose.
rentes de subsídios e patrocínios. A luta do cinejornal para se manter nas telas é parte da história do cinema. Sem receita, Niemeyer encontrou uma forma alternativa de faturar os acontecimentos jornalísticos, com o patrocínio explícito de firmas comerciais, além da exibição de matérias pagas onde era claramente mencionado quem estava viabilizando a filmagem. Por isso mesmo, em seus acervos há, além do futebol, imagens da política brasileira e registros da borbulhante vida social da época, como a visita ao Brasil de estrelas internacionais do porte de Cláudia Cardinale e Brigitte Bardot. “Meu pai foi um produtor criativo que soube fazer um cinejornal sempre desejado pelo espectador. Preocupado com equipamentos mais modernos, o som direto, as câmeras de última geração e também as que fossem leves para serem utilizadas na mão, o filme em cor... Ele adorava o que fazia, sua paixão pelo que criou, pelo futebol, pelo Flamengo, tudo isso se misturava ao seu próprio trabalho. Estava presente aos jogos que seriam filmados e na hora de ver o copião em equipe, para ter certeza de que filmaram os gols, os lances de falta, as broncas do juiz, a cusparada na cara, a dor e a alegria, a cotovelada, o palavrão”, descreve Carla Niemeyer. Tanto sucesso junto ao público não necessariamente trazia prestígio ao realizador de toda essa obra. “Atualmente, sabemos que ter público é muito importante. Todos querem fazer um cinema que agrade em cheio ao gosto do espectador. Mas naquela época apenas a crítica esportiva era elogiosa ao cinejornal. Carlos Niemeyer não era valorizado pelos ‘intelectuais’ do cinema.
Hoje, muitos desses diretores e produtores realizam filmes de futebol e para as massas, para emocionar, fazer rir, levar gente às salas”. Em 1985, o Ministério da Cultura do Governo Figueiredo, apoiado pelos lobistas do cinema americano, inviabilizou a produção ao proibir a propaganda comercial em cinejornal. Era o fim do futebol do Canal 100 e de um estilo genuinamente brasileiro de fazer cinema. “Para meu pai foi difícil não poder mais produzir o cinejornal que havia criado e realizado por mais de 30 anos. Mas o seu trabalho e dos seus colaboradores ficou eternizado nas imagens realizadas neste período. Sei que Niemeyer, que faleceu em 1999, teve consciência do que realizou e que suas produções poderão sempre emocionar a quem tiver o prazer de assisti-las”, acredita Carla. No acervo há registros políticos e culturais, como os já citados anteriormente, cobrindo desde a Era Vargas até à posse do José Sarney. No meio disso tudo, é claro, JK, Jânio Quadros e Jango; o golpe de 1964 e as reações populares de apoio, como as Marchas da Família Com Deus pela Liberdade, em março e abril de 1964; a heróica resistência, evidenciada nas diversas passeatas estudantis; o Carnaval carioca, os bailes do Copacabana Palace; os shows de música popoulasr brasileira, os festivais da canção; o teatro e as exposições; as Olimpíadas; a cidade do Rio de Janeiro e seus visitantes mais ilustres. Nada disso parece ter escapado das lentes do Canal 100. “Para disponibilizarmos nosso acervo ao público dependemos de investimento financeiro para digitalizar as
imagens que, na sua maioria, se encontram no seu formato original, isto é, em 35mm e 16mm. Já houve iniciativas isoladas de exibição, como as temporadas de programas transmitidos pelo Canal Brasil. Mas precisamos que empresas e governos se interessem e invistam na preservação e difusão deste material cinematográfico, que é fundamental para a História e a cultura do País. A difusão do acervo do Canal 100 resgata mais de 30 anos do Brasil com imagens que documentam os acontecimentos exatamente como se passaram, com depoimentos que registram o que foi dito, sem distorções, pois não foram transcritos ou editados”, destaca Carla Niemyer. Ainda que com a maior parte de seu acervo inacessível, o Canal 100 está indiretamente no cotidiano dos espectadores. “As grandes cadeias esportivas internacionais, como a ESPN, buscam uma estética que permita o registro de detalhes que passam despercebidos na transmissão tradicional. A cobertura mundial de esportes, incluindo as Olimpíadas, também segue esse padrão. Telefoto e câmera lenta são recursos cada vez mais utilizados, permitindo maior aproximação do telespectador. A edição, a música e o som direto são amplamente utilizados nas transmissões, com um especial destaque no milionário futebol americano. Não podemos avaliar com certeza a influência que as imagens da Copa de 66 e as imagens exclusivas da Copa de 70 tiveram na criação de um padrão de coberturas esportivas. Mas certamente, o Canal 100 fez escola até nos meios internacionais”, festeja a filha de Carlos Niemeyer. Jornal da ABI 343 Julho de 2009
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FOLHA DIRIGIDA
VEÍCULOS
Um jornal com todas as letras
Depois de trabalhar quase 40 anos no Grupo Manchete, no qual foi repórter, chegou a Diretor de Jornalismo e pôde criar a Rádio Manchete, Niskier aceitou o desafio de reerguer o Jornal de Letras, que após a morte do último dos irmãos Condé, Elísio, ficou seis anos sem circular. Antônio Olinto não o deixou sozinho.
A mais antiga publicação literária do Brasil, o Jornal de Letras de Arnaldo Niskier e Antônio Olinto reage ao empobrecimento do debate cultural no País. POR PAULO CHICO
Um espaço repleto de letras. A princípio todo jornal é assim. Mas em pelo menos uma publicação a junção dos 26 elementos ortográficos que passaram a compor o alfabeto brasileiro desde a adoção do Acordo, no início deste ano, dão sentido a uma causa tão especial quanto necessária. Essa publicação chama-se Jornal de Letras e tem como objetivo propagar idéias, debates e teses no âmbito mais nobre e fértil de toda e qualquer palavra: a produção literária. “Houve nítido empobrecimento do debate cultural no País. Na pauta do Jornal de Letras procuramos sempre estimular questões como a sobrevivência do livro, ou efemérides como o centenário de Machado de Assis, comemorado no ano passado, e de Euclides da Cunha, celebrado este ano, para tentar compensar essa ausência. Estamos nos preparando para dar uma grande cobertura, em 2010, centenário da morte de Joaquim Nabuco, a outra figura estelar das nossas letras. Além das regulares feiras de livros, era preciso que se tornasse um hábito nacional discutir os grandes problemas da cultura brasileira, o que quase não se faz no rádio. E é raro acontecer na televisão. Uma pena!”, lamenta Arnaldo Niskier, Diretor Responsável da publicação. Na opinião de Niskier, os grandes jornais resistem bravamente à invasão eletrônica, mas reduziram o número de suas páginas e fizeram a escolha equivocada de restringir a cobertura cultural, especialmente no que se refere aos livros. Além disso, afirma, ocorre outro fenômeno: nas editorias culturais há cobertura desmesurada de autores estrangeiros, em detrimento dos brasileiros. “Mesmo assim, devemos abençoar a existência de cadernos como Idéias e Prosa & Verso, no Rio de Janeiro, além do que fazem a Folha de S.Paulo e o Estadão, em São Paulo”, afirma. Linha de produção Na prática, como se dá a produção de um jornal totalmente dedicado ao universo literário? “A linha editorial do Jornal de Letras procura fazer um jornalismo literário de atualidade. Lançamentos e posses são cobertos de forma constante. Outra coisa importante: a partir deste ano, 46
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com a capa do acadêmico Evanildo Bechara, pai da Reforma Ortográfica hoje em discussão, os artistas gráficos Isio Ghelman e Cláudia Sussman atenderam ao nosso apelo para dar uma personalidade de cada vez na primeira página. Após Bechara, tivemos Antônio Olinto, que fez 90 anos, e o acadêmico Sérgio Correa da Costa, já falecido, pela exposição do livro Palavras sem Fronteiras em São Paulo. Outra personalidade que estará na nossa capa é Martinho da Vila. Ele é um grande compositor, cantor premiado, mas tem uma intensa e elogiável atividade literária”, anuncia Niskier. O jornal conta com o auxílio de eminentes colaboradores. Dentre eles destacam-se Moacyr Scliar, na função de correspondente em Porto Alegre/ RS, e Mário Soares, ex-Presidente de Portugal. Na extensa lista há espaço para nomes como Luís Paulo Horta, Paulo Nathanael, Murilo Melo Filho, Luís Gonzaga Bertelli, Rodolfo Konder, Bernardo Cabral e Carlos Nejar, entre muitos outros. Opinião, Letras & Letras, Biblioteca Básica Brasileira, Desenharte, Literatura Infantil e Bolsa do Livro são algumas das seções de maior sucesso da publicação especializada. “Acompanho o Jornal de Letras há muito tempo. É uma notável publicação. E falta espaço para o bom debate literário no Brasil. Faz muito tempo que já não se realizam encontros de escritores, eventos que na época do
autoritarismo eram até freqüentes. Escritores deveriam estar discutindo não apenas temas políticos, mas também outros, relacionados ao panorama cultural: a literatura e o jovem leitor, a literatura e a mídia, a internet e literatura. Escritores não são apenas criadores. Eles são também intelectuais. E é urgente recuperar o papel da intelectualidade em nosso país”, diz Moacyr Scliar. História e pioneirismo “O Jornal de Letras existiu durante muito tempo, há mais de 30 anos, sob a direção dos irmãos João, José e Elísio Condé. Quando este último faleceu, o jornal ficou desativado por cerca de seis anos. Soube que ele não havia sido registrado no INPI e, em companhia de Antônio Olinto, fiz o registro para que voltasse a circular. Ganhou outra roupagem, mais moderna, colorida, sendo impresso nas oficinas da Folha Dirigida. Tem em média 20 páginas, em formato berliner, sendo viabilizado, sobretudo, por anúncios especiais, tendo como parceiros mais constantes instituições como Petrobras, BNDES, Furnas, Bradesco, Vale, Banco Safra e Ciee/ SP”, conta Niskier. Com circulação mensal e tiragem média de 20 mil exemplares, o jornal é distribuído em bancas do Rio de Janeiro, com preço de R$ 4,00, e conta com um sistema de assinaturas. Circula também por intermédio da compra fixa de exemplares, como fazem a Universidade do Estado do Rio de Janeiro-Uerj e o Sindicato de Mantenedoras de Escolas Particulares de São Paulo. O site da publicação está em processo de elaboração, com previsão de pleno acesso e consultas às edições ainda este ano. “A nossa proposta é fazer a divulgação da cultura brasileira, valorizando
autores novos, que têm poucas chances de cobertura na grande imprensa. Sob esse aspecto, temos centrado a cobertura nas atividades da Academia Brasileira de Letras como centro irradiador de primeira ordem. Os objetivos têm sido alcançados, tanto que acabamos de fechar acordo com o Ministério das Relações Exteriores, por intermédio do Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães. Foi determinada a compra mensal de 600 exemplares, que serão distribuídos pelas embaixadas brasileiras no exterior. Há muitos leitores de universidades estrangeiras que sentem a falta de notícias do Brasil. E esse vazio será agora preenchido, com a decisão do Itamarati, que será implantada a partir de julho”, anuncia Niskier, que tem Beth Almeida como aliada na produção do periódico. “Temos a seção Leitor, onde recebemos sugestões de pautas que, na medida do possível, atendemos. Podemos registrar, por exemplo, o agradecimento do Presidente da ABI, Maurício Azêdo, acusando o recebimento de nossa edição, e de outras celebridades e anônimos que elogiam os artigos publicados. Recebemos também artigos de escritores das Academias de Letras de vários Estados, que servem para mostrar que as diferenças regionais em nada interferem na compreensão do texto. As dificuldades com a Nova Ortografia sempre são apresentadas na seção Na Ponta da Língua, criada antes mesmo da reforma, por questionamento de nossos leitores”, explica Beth Almeida, Editora-Adjunta da publicação e assessora de Antônio Olinto, Diretor Editorial do Jornal de Letras. Gosto, e não hábito Pesquisas mostram o aumento do número de leitores no Brasil, ainda que de forma tímida, e em velocidade abai-
Livros xo da esperada. Diversas instituições trabalham em prol da divulgação dos livros. E falam dos infinitos aspectos positivos provenientes do hábito da leitura. O que falta, então, para o País tornar-se uma nação de leitores? “Há campanhas pela valorização do hábito de leitura... Se bem que eu prefiro a expressão ‘gosto’ pela leitura. Mas elas são tímidas diante da avalanche eletrônica que afeta, inclusive, os jornais impressos. A ABL, por exemplo, é um foco de resistência. Seus cursos às terças-feiras são pontos luminosos de reflexão que devem ser saudados”, aponta Niskier. “Seria conveniente, como fez a Secretaria Municipal da Educação do Rio, por iniciativa da Secretária Cláudia Costin, a volta das Maratonas Escolares. Elas são sempre bem-vindas e já tiveram sua época. A cada ano discutia-se com estudantes a vida e a obra de escritores já falecidos, como Machado de Assis, Érico Veríssimo e Carlos Drummond de Andrade. E eram feitas milhares de redações, para prêmios relativamente modestos. Isso morreu, como é costume entre nós abandonar as belas iniciativas no setor pedagógico. Aí vem o espanto de que, nas avaliações nacionais e internacionais, os nossos alunos perdem feio para nações até menos desenvolvidas. Há uma inequívoca dificuldade de interpretação de textos entre os jovens brasileiros. Lêse pouco. E mal”, diz Niskier, que se desdobra entre as atividades da ABL, a produção de uma coluna semanal e a Presidência do Conselho de Administração do Centro de Integração Empresa-Escola do Rio de Janeiro–Ciee-Rio. “Como jornalista, escrevo para o Jornal do Commercio há 25 anos, dando preferência aos temas educacionais e culturais. Esse artigo sai também em outras publicações, como o Diário do Comércio de São Paulo, o Jornal do Comércio do Recife, a Gazeta de Vitória, o Estado do Maranhão, o Jornal do Grande ABC, e outros. Assim, mantenho o meu vínculo com o jornalismo, no qual comecei aos 15 anos, como repórter esportivo da Última Hora. Sou sócio remido da ABI, com muita honra. Trabalhei durante quase 40 anos na Manchete, onde exerci cargos de repórter, redator, chefe de reportagem, diretor, apresentador de tv e criador da Rádio Manchete”, recordou o Diretor-Responsável pelo Jornal de Letras, que tem alguns sonhos reservados para a publicação que dirige há 11 anos. “Os desafios do Jornal das Letras são claros. Eu gostaria de aumentar a sua tiragem para 30 mil exemplares e aumentar a sua periodicidade para quinzenal. Se pudesse ter mais um caderno colorido, melhor ainda. Seria simpático se houvesse algum apoio governamental, como a compra de exemplares para distribuir entre estudantes do ensino médio e superior, em especial para os alunos dos cursos de Letras e Comunicação. Isso parece sonho. Mas quem sabe poderá um dia se concretizar?”.
UM POUCO MAIS DOS PORÕES DA DITADURA Duas novas obras revelam de modo inédito novos detalhes sobre torturas e prisões durante o regime militar. POR MARCOS STEFANO
A guerra entre defensores e opositores da ditadura militar (1964-85) no Brasil foi longa e cheia de segredos. Mesmo após mais de duas décadas do fim do regime, de tempos em tempos aparece algum novo livro com histórias que revelam ainda mais detalhes sobre o período e sobre torturas e prisões políticas, os chamados “porões da ditadura”. São justamente essas revelações que chamam a atenção em Olho por Olho (Record, 210 páginas), do jornalista Lucas Figueiredo, e em Diário de Fernando (Rocco, 288 páginas), de Frei Betto. Mesmo com estilos e enfoques bastante diferentes, as obras mostram que ainda há muito para ser conhecido na recente História brasileira. Olho por Olho é, na verdade, uma grande reportagem. Em 2007, Figueiredo, repórter tarimbado de importantes veículos como Folha de S. Paulo e O Estado de Minas, conseguiu uma das 15 cópias do secreto Orvil, obra produzida pelo Exército como resposta ao Brasil: Nunca Mais, o livro-denúncia sobre as atrocidades cometidas durante a ditadura. Esse foi o ponto de partida para contar a história dos dois livros, seus personagens e a disputa silenciosa que travaram durante 28 anos. Na tradição do melhor jornalismo investigativo, ele conta como um grupo de religiosos e advogados realizou uma verdadeira missão impossível para revelar atrocidades do regime. Eles entraram na sala de processos do Superior Tribunal Militar, um prédio de segurança máxima em Brasília, e saíram sem levantar suspeitas com toneladas de provas de crimes, como assassinatos e torturas. Esse material se tornaria, seis anos e muitos outros fatos curiosos depois, um documento de quase 7 mil páginas, que registravam uma contabilidade tenebrosa: 17 mil pessoas nos bancos da Justiça Militar entre 1964 e 1979; 3.613 presos, 400 mortos, 135 desaparecidos. Fora a lista de 285 modalidades de tortura. A publicação de Brasil: Nunca Mais caiu como uma bomba nas Forças Armadas. Se a princípio a idéia dos militares era deixar tudo o que havia acontecido em 21 anos de regime no esquecimento, agora uma resposta era es-
sencial. E ela veio na forma de outro livro, o Orvil ou O Livro Negro do Terrorismo no Brasil, um projeto de três anos de duração, que gerou um manuscrito de quase mil páginas, no qual os militares davam sua versão sobre a repressão e a luta armada. Tal livro nunca foi publicado, mas com o trabalho de Lucas Figueiredo é possível conhecer o pensamento dos militares sobre o período. Há coisas curiosas. Nele, por exemplo, o PT é chamado de “incubadora de terroristas”, Dilma Rousseff, de “papisa da subversão”, e diversos militares e policiais, como o Delegado Sérgio Paranhos Fleury, recebem elogios por seu “desprendimento, abnegação e heroísmo”. Mas também há questões que permanecem como tabu até hoje, como a crítica feita aos grupos armados de esquerda, que, segundo o Orvil, não estariam nada interessados em democracia. Citando diversos exemplos, o texto dos militares cita as inclinações autoritárias e violentas da esquerda, mais interessada em instaurar outro tipo de ditadura no País. E crimes, muitos deles negados durante décadas, mas que acabam confessados pelas Forças Armadas. Irônico é que o Orvil acaba por reparar a imagem do petista José Genoíno, acusado de delatar os companheiros de Guerrilha do Araguaia. Como revela Olho por Olho, as informações passadas pelo então militante comunista eram por demais genéricas e imprecisas e de nada ajudaram o Exército. O testemunho de Frei Fernando Diário de Fernando também trata dos cárceres da ditadura. Mas não é uma obra jornalística e, sim, um testemunho de cunho bastante pessoal, enriquecido com tom literário e informações publicadas na época pela grande imprensa, que contextualizam a obra. A base é o diário de prisão do frade dominicano Fernando de Brito, que, durante quatro anos (1969-1973), os anos de chumbo da ditadura, passou por diver-
sas cadeias e foi submetido a uma série de torturas. Mesmo assim, teve a coragem de anotar com letras microscópicas, em papel de seda, o que via e ouvia. Depois, desmontava uma caneta Bic opaca, cortava ao meio o tubinho da carga, colocava em seu lugar o diário e remontava tudo. No dia de visita, trocava sua caneta por outra idêntica, levada por um de seus colegas do convento. Coube a Frei Betto, seu companheiro de prisão, resgatar as anotações e produzir um livro que lembra muito o estilo de outra obra famosa internacionalmente, o Diário de Anne Frank. Apesar de não falar sobre as agruras do nazismo, Diário de Fernando relata episódios não menos duros que aconteceram por aqui, revelando um testemunho vívido e comovente sobre torturas, desaparecimentos, seqüestro de diplomatas, guerrilhas urbana e rural, greve de fome, convivência entre prisioneiros e figuras como Carlos Marighella, Carlos Lamarca, Caio Prado Jr., Apolônio de Carvalho, Paulo Vannucchi e Franklin Martins. O tom da narrativa é quase poético, com um toque onipresente de reflexão. “A vida nos subterrâneos da história nos ensina a ver por outra ótica. Torna-nos ariscos como as baratas e temíveis como os ratos que portam a peste. Volatiliza antigos valores e nos faz acostumar às trevas”, conta o religioso. Nada disso, entretanto, esconde a realidade: “Somos agora oito na cela 17, um espaço com 6 X 3 metros, privada turca guarnecida por uma cortina de plástico, uma única torneira, um fogão elétrico de duas bocas e grades duplas de ferro, por onde calor e frio penetram sem cerimônia. Quando se caga, o fedor impregna todo o recinto e se misturam cheiros de merda e de comida”. Ainda vale aproveitar a tradicional e fina ironia de Betto. Entre torturas e dificuldades, ele descreve o jogo de poder na Igreja Católica brasileira de então, entre lutadores pelos direitos humanos, como Dom Paulo Evaristo Arns, e aqueles que afirmavam categoricamente não existir perseguição contra religiosos no Brasil. e sim “uma campanha de difamação contra o Governo dirigida do exterior”. Graças a Deus pela coragem e pelas canetas de Fernando. Jornal da ABI 343 Julho de 2009
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Livros REPRODUÇÃO
As mazelas que Darci denunciou ou criticou há mais de dez anos não foram superadas, diz Eric Nepomuceno, organizador da edição.
Um pensador que permanece Crônicas Brasileiras reúne textos de Darci Ribeiro publicados em sua coluna na Folha de S.Paulo, de 1995 a 1997, os quais trazem uma visão do Brasil crítica e bastante atual. POR MARCOS STEFANO
Antropólogo, etnólogo, professor, educador, romancista e ensaísta, Darci Ribeiro costumava dizer que na América Latina só existiam duas opções: se resignar, ou se indignar. E completava: “Eu não vou me resignar nunca”. Dito e feito: até sua morte, em 1997, sua profunda inquietação e notório inconformismo permaneceram na discussão e na busca de soluções para o Brasil. Agora, parte dessa produção intelectual, escrita durante seus dois
últimos anos de vida em uma coluna no jornal Folha de S. Paulo, foi resgatada e reunida em livro. Crônicas Brasileiras (Editora Desiderata, 184 páginas) é uma coletânea com mais de 50 textos sobre diversos temas sociais, culturais e políticos, de um balanço da ditadura militar e uma discussão sobre projeto de nação à luta pela reforma agrária, a causa indígena e a educação. Para quem conhece a vasta obra de Ribeiro, autor de clássicos como O Povo Brasileiro – A Formação e o Sentido do Brasil, discutir esses assuntos não é
propriamente algo novo. A maior parte deles foi abordada em outros ensaios mais profundos. Mas nos artigos de jornal ganharam outra linguagem, novas abordagens, mais concisão e uma combatividade que dá gosto de ler, mesmo discordando de alguns de seus pontos de vista. E embora datados, pois se trata de reflexões sobre questões daquele momento, continuam atualíssimos. Não apenas porque o País não soube superar esses obstáculos, mas também por se tratar de problemas do dia-a-dia que têm causas mais profun-
das, na formação da sociedade, e continuam a se manifestar de diferentes maneiras hoje. Causas devidamente apontadas e diagnosticadas por Darci Ribeiro. – Ele foi um colunista combativo e de muita personalidade. Como é natural em se tratando de coluna de jornal, voltava muitas vezes ao mesmo assunto ao longo do tempo. Nesses casos, selecionamos a versão mais significativa e duradoura. Para mim, a possibilidade de resgatar esses textos e trazê-los dos arquivos de jornais para os leitores é coisa que não tem preço. O que Darci denunciou ou criticou em determinado dia, mês e ano, continua atual, pois são mazelas que o Brasil não soube superar. E a discussão em alto nível que ele faz garante um olhar original e bem definido sobre a vida nacional. – afirma o jornalista e escritor Eric Nepomuceno, responsável pela seleção de textos e organização da obra, em parceria com Martha Vianna. Crônicas Brasileiras faz parte da coleção Biblioteca Brasileira, que reúne textos menos conhecidos de autores consagrados e pensadores como Manuel Bandeira, Cecília Meireles e Orígenes Lessa. São poemas, contos, crônicas e romances organizados na forma de coletâneas. No caso de Darci Ribeiro, ao mais uma vez tratar de cultura, educação, índios, mulheres e política, ele não apenas ajuda a compor o grande quebra-cabeça verde e amarelo chamado Brasil – no qual, diga-se, nunca deixou de acreditar – como também mostra por que sua obra permanece apontando caminhos.
NOVIDADES NA BIBLIOTECA BASTOS TIGRE No mês de julho, a Biblioteca Bastos Tigre, localizada no 12º andar do edifíciosede da ABI, recebeu diversos títulos que enriquecem seu acervo. Destaque para obras sobre espiritualidade, História da Imprensa e esportes. As obras que já estão à disposição dos associados e do público em geral:
A IMPRENSA NO MARANHÃO NO SÉCULO XIX O advogado, jornalista e pesquisador Sebastião Jorge dá uma inestimável contribuição à História da Imprensa brasileira ao passar um pente-fino pelos principais periódicos surgidos no Maranhão desde a criação do pioneiro Conciliador do Maranhão, em 1821. Ao todo são estudados os objetivos e linhas editoriais de mais de 70 periódicos e traçado um perfil da sociedade do Estado, já que os jornais serviam como um tribuna, na qual os jornalistas da época abordavam temas polêmicos e defendiam suas posições políticas. Mas Jorge não se limita aos veículos. Destaca diversos jornalistas maranhenses pioneiros como Odorico Mendes, Garcia de Abranches, Frederico Magno, José Cândido de Moraes e Silva, João Lisboa, Cândido Mendes, Sotero dos Reis, Estevão Rafael de Carvalho, a primeira mulher a se dedicar ao jornalismo
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na região, Eponina Oliveira Condurú Serra (1842-1931), e a história do primeiro jornaleiro do Estado, um homem cego chamado Basílio, que chegou a ser espancado e preso pela polícia, acusado de ser cúmplice de um veículo que atacava a política de Ana Jansen. Tal profundidade só foi possível graças ao laborioso trabalho de pesquisa empreendido pelo autor, que gastou tempo na Biblioteca Pública Benedito Leito, da Secretaria de Cultura do Maranhão, na Biblioteca Nacional, no Rio, no Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, na Casa Rui Barbosa e na própria ABI.
DOM PEDRO II E A PRINCESA ISABEL – UMA VISÃO ESPÍRITA-CRISTÃ DO SEGUNDO REINADO (Associação Editora Espírita Lorenz, 2008)
O Brasil de D. Pedro II já passou por análises e estudos de todo tipo. Historiadores, sociólogos e artistas já dissecaram o Segundo Reinado. Agora, no entanto, o crivo passa a ser espiritual. Nesta obra, o advogado e jornalista Paulo Roberto Viola baseia-se em obras psicografadas por Chico Xavier para discutir questões históricas, políticas e sociais, como a missão do imperador, a Guerra do Paraguai, as reformas do final dos anos 1860, a situação militar e religiosa,
e a abolição da escravidão, interpretando cada evento sob a ótica da doutrina de Allan Kardec.
PELÉ, ESTRELA NEGRA EM CAMPOS VERDES (Coleção Personalidades Negras, Editora Garamond e Biblioteca Nacional)
Em 196 páginas, Angélica Basthi conta a trajetória do Rei do Futebol, desde seu nascimento em Três Corações (MG) até o sucesso nos campos mundo afora, com atenção especial aos dribles, jogadas geniais e gols inesquecíveis que encantaram gerações. Além de Pelé, Estrela Negra em Campos Verdes, também merecem destaque outras obras sobre esportes que passaram a integrar a Biblioteca da ABI: Esporte e Cinema: Novos Olhares, organizado por Victor Andrade de Melo e Maurício Drumond; Nações em Jogo: Esporte e Propaganda Política em Vargas e Perón, de Maurício Drumond; Urbanidade da Natureza: o Montanhismo, o Surfe e as Novas Configurações do Esporte no Rio de Janeiro,
de Cleber Augusto Gonçalves Dias; Pedalando na Modernidade: a Bicicleta e o Ciclismo na Transição do Século XIX para o XX, de André Maia Schetino. Todos publicados pela Editora Apicuri. Da Garamond, a editora que lançou a nova biografia do Rei do Futebol, ainda estão disponíveis obras marcantes como As Melhores Frases do Futebol e 90 Minutos de Sabedoria – A Filosofia do Futebol em Frases Inesquecíveis, com citações de Neném Prancha, Eduardo Galeano e Nélson Rodrigues, entre outros.
Vidas
Bandeira não criou neologismo; usou o francês Na resposta que deu a Raul Pederneiras, então Presidente da ABI, quando o procurou para se filiar à Casa, o poeta Manuel Bandeira não criou um neologismo, que seria indecifrável, segundo a versão apresentada na Edição nº 341 do Jornal da ABI: ele usou o termo francês desobligeante, mas aportuguesando-o com a retirada do e final e grafando-o como desobligeant. O esclarecimento foi feito por dois leitores, Jaime Correa de Souza Correa e Mirson Murad, em e-mails enviados à Redação do Jornal da ABI. Após um e-mail, Murad mandou outro, em que transcreve o soneto de Vicente de Carvalho mencionado no artigo de Bandeira, com a anotação de que, para surpresa dele, o poeta de Paulicéia Desvairada ignorava o poema e, assim, não entendeu a zombaria que Bandeira fez. Em seu e-mail, datado de 16 de julho, disse Jaime Correa: “Caro Maurício Azêdo (doce), em nosso jornal de maio de 2009 tem uma matéria com o seguinte título: Bandeira criou um neologismo indecifrável. Nem tanto. O adjetivo que Bandeira usou pertence à língua francesa, conforme consta no Petit Dictionnaire de Robert, pag 706. Exemple: Desobligeant; ant/adj; desobliger; qui desoblige; froisse les autres; peu aimable; desagreable, faire une remarque desobligeante. Depaisantcontr. Aimable, obligeant. Cordialmente (a) Jaime Correa.” Em 23 de julho, Mirson Murand enviou este e-mail: “Conforme errata inserida no Jornal da ABI, edição 341, ‘Bandeira criou um neologismo indecifrável’, ouso, respeitosamente, informar que Bandeira não criou um neologismo escrevendo ‘desobligeante’ ao relatar seu diálogo com Raul Pedernei-
ras, visando à sua filiação em nossa querida Casa. O poeta Manuel Bandeira, simplesmente, ‘abrasileirou’ o adjetivo désobligeant (descortês), existente no idioma de Victor Hugo; contudo, saborosa foi sua desforra citando conhecido verso de Vicente de Carvalho. Mais saboroso ainda, para mim, humilde sócio dessa Casa, foi tomar conhecimento, lendo o nosso jornal, da luta do grande Manuel Bandeira – percebese claramente – interessadíssimo em filiar-se à agremiação que hoje tem na sua presidência o vibrante amigo. Um abraço do Mirson Murad.” Dois dias depois, em 23 de julho, Mirson Murad voltou a escrever, transcrevendo o soneto de Vicente de Carvalho: “Prezado Maurício, No e-mail anterior, esqueci-me de enviar o soneto abaixo descrito – apenas a título de complementação – de Vicente de Carvalho, mencionado por Bandeira: Só a leve esperança em toda a vida Disfarça a pena de viver, mais nada; Nem é mais a existência, resumida, Que uma grande esperança malograda. O eterno sonho da alma desterrada, Sonho que a traz ansiosa e enbevecida, É uma hora feliz, sempre adiada E que não chega nunca em toda a vida. Essa felicidadee que supomos Árvore milagrosa que sonhamos Toda arreada de dourados pomos, Existe, sim, mas nós não a alcançamos (no original está escrito: Não n’a alcançamos) Porque está sempre apenas onde a pomos E nunca a pomos onde nós estamos.”
Bandeira: Crônica reproduzida na nossa edição 341 aportuguesou o termo desobligeant.
Médico, cientista e educador, Pinotti foi também um dos mais destacados e competentes homens públicos de São Paulo.
IVALDO CAVALCANTE/AGÊNCIA CÂMARA
LINGUAGEM
Pesar pelo passamento de José Pinotti Em mensagem dirigida à Senhora Sueli Pinotti pelo Presidente da Representação da ABI em São Paulo, Conselheiro Rodolfo Konder, a Casa manifestou seu pesar pelo passamento do médico, professor e Deputado José Aristodemo Pinotti, ocorrido em São Paulo no dia 1 de julho, aos 74 anos. “Em nome da Associação Brasileira de Imprensa e em meu nome pessoal, transmito nosso pesar pelo falecimento do querido amnigo José Aristodemo Pinotti, presença generosa e solidária que ficará para sempre na memória de todos”, dizia a mensagem de Konder, que propôs no Conselho Municipal de Educação da Cidade de São Paulo, do qual é membro, um voto de pesar pelo desaparecimento de Pinotti. Em atenção ao requerido, os membros do Conselho puseram-se de pé e observaram um minuto de silêncio. Paulista da capital, onde nasceu em 20 de dezembro de 1934, Pinotti formou-se em 1958 pela Universidade de São Paulo e se especializou em câncer ginecológico e mamário na Universidade de Florença, no Istituto Nazionale dei Tumori de Milão e no Instituto Gustave Roussy, erm Paris. Atualmente era Diretor-Executivo do Instituto da Mulher do Hospital das Clínicas de São Paulo e Chefe do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Usp. Suas atividades científicas foram expostas em mais de mil publicações, entre livros, artigos, monogra-
fias e participação em congressos no Brasil e no exterior. Licenciado do mandato de deputado federal desde março passado, para tratamento de um câncer nos pulmões, Pinotti teve destaqcada atuação também na vida pública. Nomeado Reitor dsa Universidade de São Paulo em 1982 pelo Governador Paulo Maluf, exerceu o cargo durante boa parte do Governo Franco Montoro (1983-1987). Até se afastar, em 1986, instalou a Prefeitura do campus, estabeleceu oficialmente o Instituto de Geociências e criou o Instituto de Economia e a Faculdade de Educação Física. Deputado federal por três mandatos, Pinotti foi também Secretário de Educação do Estado de São Paulo entre 1986 e 1987 (gestão Franco Montoro), Secretário de Estado de Saúde de 1997 a 2001 (gestão Orestes Quércia), Secretário de Saúde do Município de São Paulo em 2000 (gestão Régis de Oliveira), Secretário de Educação do Município de São Paulo entre 2005 e 2006 (gestão José Serra), Secretário de Estado de Ensino Superior em 2007 (gestão José Serra) e Secretário Municipal Especial da Mulher (gestão Gilberto Kassab). Candidato à Prefeitura de São Paulo em 1996 pelo PMDB, Pinotti atualmente estava filiado ao Democratas, mas na verdade era uma personalidade política que se impôs ao respeito de todos os partidos. Jornal da ABI 343 Julho de 2009
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Goffredo Telles Júnior CLEO VELLEDA/FOLHA IMAGEM
O MESTRE DO DIREITO QUE ABALOU A DITADURA Um dos mais destacados juristas brasileiros, Goffredo da Silva Telles Júnior contribuiu para a modernização do Direito no País e foi o autor, no auge dos anos de chumbo, da célebre Carta aos Brasileiros, marco da luta pela democracia em plena ditadura militar. POR MARCOS STEFANO
O ano era 1977, o 13º de ditadura militar, e o clima no Brasil de grande apreensão por conta da falta de liberdade, violência, perseguições, prisões e torturas. A noite de 8 de agosto transformou-se em um marco na luta pela democracia. No pátio das Arcadas, na histórica Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, no Largo São Francisco, uma multidão de estudantes, intelectuais, autoridades e pessoas comuns do povo acompanhava com extrema atenção o professor que se dirigia à tribuna. Seguro e firme, como se estivesse em sua cátedra, o jurista Goffredo da Silva Telles Júnior começou a leitura: “Na qualidade de herdeiros do patrimônio recebido de nossos maiores, ao ensejo do Sesquicentenário dos Cursos Jurídicos no Brasil, queremos dar o testemunho, para as gerações futuras, de que os ideais do Estado de Direito, apesar da conjuntura da hora presente, vivem e atuam, hoje como ontem, no espírito vigilante da nacionalidade. Queremos dizer, sobretudo aos moços, que nós aqui estamos e aqui permanecemos, decididos, como sempre, a lutar pelos direitos humanos, contra a opressão de todas as ditaduras.” A Carta aos Brasileiros, redigida por Goffredo e assinada por outros importantes juristas e personalidades como Fábio Konder Comparato, Tércio Sampaio Ferraz Júnior, Miguel Reale Júnior, Antônio Cândido, Henry Sobel e o Bispo Dom Cândido Padim, soou como um grito de indignação de uma nação que já não suportava mais aquela situação. Apenas poucos meses antes, o ditador Presidente Ernesto Geisel baixara o chamado “Pacote de Abril”, alterando a já ilegítima Constituição outorgada por uma Junta Militar em 1969, criando os senadores biônicos e novas medidas de restrição às liberdades. Às palavras de Goffredo, que finalizavam a leitura proclamando: “A consciência jurídica do Brasil quer uma cousa só, o Estado de Direito, já”, milhares de estudantes saíram em passeata pelo centro da capital paulista, burlando a repressão policial. O Estado de Direito ainda precisaria esperar 50
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por uma transição que só se completaria em 1985, mas os acontecimentos daquela noite, liderados por Goffredo, se tornaram um marco decisivo no processo de abertura democrática. “Um momento culminante na união da cidadania em torno do ideal dos que a firmaram”, escreveu anos mais tarde o ex-Ministro e atual Presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, Celso Lafer. Aquele foi como um fermento transformador, mas não um acidente de percurso na vida do Professor Goffredo. Filho de Goffredo Teixeira da Silva Telles e de Carolina Penteado da Silva Telles, ele nasceu em São Paulo a 16 de maio de 1915 e, desde a adolescência, demonstrou o ímpeto de lutar pelas liberdades democráticas, contra as formas autoritárias de governo. Com apenas 16 anos, alistou-se para lutar como soldado na Revolução Constitucionalista. – Como eu não podia usar fuzil, por não ter idade, puseram-me como secretário do hospital do sangue na frente Norte. Eu era estudante, sabia ler e escrever, estava no fim do ginásio. Assisti a diversas batalhas aéreas e acudi, no campo de batalha, os feridos, junto com os outros idealistas comuns comigo. Lutávamos pela Constituição. E realmente a obtivemos em 1934. Não era grande coisa, mas se tratava de uma tentativa de democratização. – contou Goffredo, em recente entrevista ao jornal Folha de S. Paulo. Formado em Direito, ele tornou-se professor universitário em 1940 e durante mais de quatro décadas construiu uma sólida carreira acadêmica na Faculdade de Direito da Usp. Ministrando a disciplina Introdução à Ciência do Direito, organizando e coordenando departamentos e cursos na graduação e pós-graduação, Goffredo teve importante papel na modernização do ensino das Ciências Jurídicas no Brasil. “Nem por ser legal a lei é legítima. As leis não nascidas do seio da coletividade, não confeccionadas em conformidade com os processos prefixados pelos representantes do povo, mas baixadas de cima, como carga descida na ponta de um cabo, são ilegítimas”, afirmava ele em seus livros e ensaios. Autor de obras como A Criação do
FOTOS: FOLHA IMAGEM
Goffredo foi casado com a escritora Lygia Fagundes Telles, uma mulher muito linda, como é até hoje. A foto é de 1955.
Direito; Ética – Do Mundo da Célula ao Mundo dos Valores; Direito Quântico – Ensaio Sobre o Fundamento da Ordem Jurídica, Goffredo defendeu de modo pioneiro a participação popular na elaboração das leis e mostrou a necessidade da participação dos setores organizados no processo legislativo. Mesmo aposentado compulsoriamente em 1985, ao chegar aos 70 anos, manteve contato com estudantes e com o meio acadêmico, sendo indicado por unanimidade pelo Conselho Universitário como Professor Emérito da USP.
Nada de gradualismo Goffredo da Silva Telles Júnior participou ativamente da vida política do País. Foi deputado federal constituinte, em 1946, deputado federal entre 1946 e 1950, e Secretário da Educação e Cultura do Município de São Paulo, em 1957. Após participar com outros magistrados e juristas do movimento que lançou a Carta aos Brasileiros, em 1977, ainda participou da Conferência Nacional da Ordem dos Advogados, em maio de 1978, na cidade de Curitiba, exigindo democracia já, em oposição à
Um momento excepcional da vida fecunda de Goffredo e, também, um momento histórico da prolongada luta pela democracia: na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Goffredo lê a Carta aos Brasileiros, que ele redigiu em 1977, sem temer o ditador Geisel.
ROBERTO FAUSTINO
proposta de redemocratização gradual como um remédio a conta-gotas contra a ditadura. Em 1979, novo embate, dessa vez em defesa da anistia. – Ele impressionava pela clareza de seus argumentos. Em seus textos, defendia o afastamento da ordem jurídica ilegítima, da ditadura, que compunha a própria violência. Ao reverso, visava o retorno da legitimidade do direito vigente. Podese dizer, sem temor de errar, que as idéias expostas por Goffredo da Silva Telles Júnior orientaram, mudaram e inspiraram muitos brasileiros. Serve de exemplo sua definição: desordem é a ordem que não me convém – analisa o advogado Walter Ceneviva em texto publicado na Folha de S. Paulo. Goffredo foi casaRespeitado pelos colegas professores e venerado por seus alunos, Goffredo retornou às Arcadas, designação do com a escritora tradicional do prédio da Faculdade de Direito, para receber, em agosto de 1986, carinhosa homenagem Lygia Fagundes Teldos estudantes. Aposentado por limite de idade no ano anterior, ele foi declarado Professor Emérito. les, com quem teve
um filho, o cineasta Goffredo Telles Neto, falecido em 2006 e pai das duas netas do jurista: Lúcia Carolina e Margarida. Do segundo casamento, com Maria Eugênia Raposo da Silva Telles, nasceu Olívia, também advogada. O veterano mestre manteve-se ativo até o fim de sua vida. Em entrevistas ele costumava criticar a atual democracia brasileira, pelo desrespeito dos Governos com o abuso de medidas provisórias, falar da descrença popular no sistema representativo: – Essa descrença nas leis é causada pelo Poder Executivo, que acha que pode legislar com tais medidas provisórias. São constitucionais, mas só se forem usadas em casos de urgência. A democracia é um regime de representação popular. Mas desse jeito e com tantas trocas de partido, como o povo pode saber onde estão e o que fazem seus representantes?”, questionou ele à Folha. Goffredo estava em sua casa, em São Paulo, no sábado, 27 de junho, quando passou mal. Morreu aos 94 anos, de causas naturais, informou a família. Findava a luta de um dos mais destacados juristas brasileiros, mas permanecem seu exemplo e ideais, sempre legítimos, a inspirar gerações. Pelo bem da verdadeira democracia, que, como ele costumava frisar, ainda está sendo construída. Jornal da ABI 343 Julho de 2009
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