Agua, Solo & Educação Ambiental História e Memória, Planejamento e Gestão
Editora da Universidade Federal de Campina Grande Campina Grande – 2008
Catarina de Oliveira Buriti • Fernando Garcia de Oliveira Francisco de Assis Salviano de Sousa • Genival Barros Júnior Genival da Silva • Helton Luís Paulino da Costa João Tertuliano Nepomuceno Agra • Jógerson Pinto Gomes Pereira José Otávio Aguiar • José Raimundo Sobrinho Márcia Maria Rios Ribeiro • Maria Josicleide Felipe Guedes Mirella Leôncio Motta e Costa • Romero Ferreira Azevêdo Filho Soahd Rached Arruda Farias • Valterlin da Silva Santos Wilson Fadlo Curi
Água, Solo & Educação Ambiental História e Memória, Planejamento e Gestão 1ª Edição
Editora da Universidade Federal de Campina Grande Campina Grande — 2008
Editora da Universidade Federal de Campina Grande Universidade Federal de Campina Grande Prof. Thompson Fernandes Mariz Reitor Prof. Dr. Edilson Amorim Vice-Reitor Prof. Dr. Antonio Clarindo Barbosa de Sousa Diretor Administrativo da UFCG Conselho Editorial da EDUFCG Prof. Benedito Antonio Luciano — CEEI Prof. Carlos Alberto Vieira de Azevedo — CTRN Profª. Consuelo Padilha Vilar — CCBS Profª. Edjane E. Dias da Silva — CCJS (Sousa) Prof. José Helder Pinheiro — CH Prof. José Wanderley A. de Sousa — CFP (Cajazeiras) Prof. Onaldo Guedes Rodrigues — CSTR (Patos) Organizadores João Tertuliano Nepomuceno Agra José Otávio Aguiar Editoração Eletrônica Katharine Nóbrega Capa Helton Luís Paulino da Costa FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL DA UFCG A282 Água, solo e educação ambiental: história e memória, planejamento e João Tertuliano N. Agra e José Otávio Aguiar.” Campina Grande, EDUFCG, 2008.
gestão
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Organizadores:
194P. ISBN: 978-85-89674-58-4 1. Educação Ambiental. 2. História Ambiental. 3. Recursos Hídricos. 4. Divulgação Científica. 5. Extensão Universitária. I. Agra, João Tertuliano N. II. Aguiar, José Otávio. III. Título. CDU- 504:37 Campina Grande — 2008 Todos os direitos reservados à EDUFCG edufcg@reitoria.ufcg.edu.br
Agradecimentos Aos Diretores do CCT da UFCG, Benedito Aguiar e Edmar Barbosa (até 2005), Bráulio Maia Jr. e Ricardo Cabral (desde 2005), pelo apoio ao Espaço da Água. Aos Professores e Professoras da UFCG, Carlos Galvão, Francisco de Assis, Geraldo Baracuhy, Gilmar Trindade, Gledsnelli Lins, Janiro Rego, Jógerson Pereira, José Dantas, José Raimundo, Márcia Ribeiro, Romero Azevedo, Soahd Farias e Wilson Curi, pelas sugestões técnicas na elaboração do projeto e participação nas atividades do Espaço da Água; aos pós-graduandos Maria Josicleide Felipe Guedes, Mirella Leôncio Motta e Costa e Valterlin da Silva Santos, pelas contribuições a ensaios deste livro; e aos bolsistas Catarina Burity, Fábio Gomes e Pedro Alysson, pela dedicação às pesquisas em História Ambiental e Recursos Hídricos para a montagem da exposição Espaço da Água. Ao Professor do Curso de Física da UEPB e doutorando em Recursos Naturais na UFCG, Genival Silva, pelo interesse na exposição Espaço da Água e pelo ensaio inédito elaborado para este livro; e aos bolsistas do Curso de Direito da UEPB, Helton Costa e Laion Muriel, pelas pesquisas em Direito Ambiental e pelo talento na criação da página de internet, apresentações eletrônicas, painéis e vídeos do Espaço da Água. Aos Diretores e Diretoras do Estadual da Prata, Francisco Chagas, Fernando “Badu” Azevedo, Gisélia Simões e Manoel Domingos (até 2006), Gisélia Mariz, Carlos Alberto, Fátima Lacerda e Manoel Domingos (desde 2007), pelo apoio ao Espaço da Água; aos Professores e Professoras, Agnaldo Sousa, Ana Rejane, Célio Jardel, Edineis Cavalcante, Eulina Farias, Fabrício André, Flávio Ramos, Maria Aparecida, Maria da Conceição, Maria Simone, Patrícia Falcão, Ricardo Vasconcelos, Socorro Correia, Socorro Queirós, Stanley Arruda e Valdir Cavalcanti, pela participação na criação e operação do Espaço da Água; aos bolsistas Agda Cristina, Andréa Ferreira, Francisco Araújo, Haslan Pedro, Hingridy Lucena e Sayonara Neves, pela atenção e dedicação ao Espaço da Água; e ao técnico eletricista, Expedito (Elvis), pela instalação e manutenção elétrica na sala da exposição Espaço da Água.
À Diretora da EMEF Anália Arruda da Silva, Vera Lúcia de Aquino Arruda, pelo apoio à realização das jornadas do Espaço da Água na comunidade rural de Uruçu, Gurinhém-PB; aos Professores e Professoras Adriel Luís, Ana Maria, Deysiane Silva, Elidiane Francisca, Eliny Rocha, Geni Pereira, Ivânia Maria, Josedita Francisca, Lucimar Lima, Maria Amália, Maria Amélia, Maria das Graças, Maria Rejane, Lúcia de Fátima, Maria Verônica, Mércia Anália, Severina (Lucinha) Expedita e Zilda Feitosa, pela participação entusiasmada nas jornadas do Espaço da Água na escola. À Associação Comunitária dos Produtores Rurais de Urucu, em especial aos senhores Júlio Sousa, José Cavalcante, José Severino, pelo apoio aos trabalhos do Espaço da Água em Urucu. Às Diretoras do Estadual de Santa Rosa, Marlene Eliane, Maria (Rosângela) Reis e Lenilda Melo, pelo apoio às atividades do Espaço da Água e pela participação no Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba; aos Professores e Professoras, Anacílio Silva, Andréa, Carlos, Edmilson, Efigênio, Gilson Ferreira, Inês, Magno, Rita Maria, Suzicleide, Ricardo, Socorro Sobrinho, Suelen e Vânia, pela participação a promoção conjunta de atividades com o Espaço da Água. Aos Professores da equipe Universidades Cidadãs da UFCG, Fernando Garcia e Genival Barros Jr, pelas sugestões, apoio e participação nas jornadas do Espaço da Água em Uruçu; e aos Bolsistas, José Amilton Jr e Mariana Paulino, pelo apoio e participação nas atividades do Espaço da Água em Urucu. Aos técnicos em informática do Núcleo de Tecnologia Educacional (NTE) da 3ª Região de Ensino da Secretaria de Educação e Cultura da Paraíba, Amazile, João Evangelista e Severino, pela instalação e manutenção da rede de computadores do Espaço da Água no Estadual da Prata. Ao Deputado Estadual Raniery Paulino e equipe, pela proposição do voto de aplauso ao Espaço da Água aprovado em 22 de maio de 2007 pela Assembléia Legislativa da Paraíba. Aos Vereadores Fernando Carvalho, autor do requerimento, Antonio Alves Pimentel Filho, Marcos Marinho e Renato Feliciano, subscritores, pela aprovação de votos de aplausos ao Espaço da Água, aprovado em 13 de junho de 2007 pela Câmara de Vereadores de Campina Grande. Ao CNPq, pelo apoio financeiro à realização do projeto.
Autores e Autoras
Catarina de Oliveira Buriti é aluna do Mestrado em História da UFCG. Graduada em Jornalismo pela UEPB. Trabalhou com Jornalismo ambiental e atualmente pesquisa as inter-relações históricas entre sociedades e naturezas na região do Semi-árido do Nordeste brasileiro. Fernando Garcia de Oliveira é professor da UA — Economia e Finanças do CH da UFCG. Engenheiro de Produção e Mestre em Planejamento Urbano e Regional pela UFRJ, Mestre Economie et Finances Internacionales e Doutor em Sociologia — Universite de Paris X (Nanterre) (2002), atua principalmente nos seguintes temas: desenvolvimento agrário, reforma agrária, assentamentos rurais, e luta pela terra. Francisco de Assis Salviano de Sousa é professor da UA — Ciências Atmosféricas do CTRN da UFCG. Bacharel em Meteorologia pela UFPB, Mestre e Doutor em Hidráulica e Saneamento pela USP, atua principalmente nos seguintes temas: climatologia, hidrometeorologia, modelagem do ciclo hidrológico, climatologia estatística univariada e multivariada. Genival Barros Júnior é professor da UA — Serra Talhada da UFRPe e pesquisador do Laboratório de Irrigação e Salinidade da UA de Engenharia Agrícola do CTRN da UFCG. É Agrônomo pela UFPB e Doutor em Engenharia Agrícola pela UFCG, atuando na área de ciências agrárias em manejo de cultivos irrigados e manejo de água-solo-planta, física de solos, plantas oleaginosas, extensão rural, agricultura familiar, reassentamento de populações rurais e reforma agrária. Genival da Silva é professor do Curso de Física da UEPB e aluno do Doutorado em Recursos Naturais do CTRN da UFCG. Licenciado em Física pela UEPB, Mestre em Meteorologia pela UFCG atua nas áreas de Física, Ensino de Física e Meteorologia, desenvolvendo instrumentos automatizados com sensores de posição, força, umidade e velocidade doar para uso em laboratórios de ensino e de pesquisa.
Helton Luís Paulino da Costa é aluno do Curso de Direito da UEPB e bolsista ITI-A do CNPq de julho de 2006 a junho de 2007. Diretor de Arte e Mídia pela UFCG, participa do Grupo Pesquisa Cinema e Trópico Semi-árido desde 2007. Trabalha como produtor, diretor, fotógrafo e roteirista de vídeos e filmes digitais de ficção e documentários de curta, média e longa duração, com vídeos premiados em festivais de vídeo regionais e nacionais. João Tertuliano Nepomuceno Agra é professor da UA — Física do CCT da UFCG. Engenheiro Eletricista pela UPE, Mestre em Ensino de Física e Doutor em Física pela USP é o Coordenador Geral do Espaço da Água. Atua nas áreas de Ensino de Física, Divulgação Científica e Física Experimental. Jógerson Pinto Gomes Pereira é professor da UA — Engenharia Agrícola do CTRN da UFCG. Engenheiro Agrícola pela UFCG e Doutor em Agronomia pela UNESP, atua principalmente nos seguintes temas: Plantio direto, Força de tração, Mecanização, Resistência à penetração. José Otávio Aguiar é professor da UA — História e Geografia da UFCG. Graduado em História pela PUC-MG e Doutor em História e Culturas Políticas pela UFMG, atua principalmente nos seguintes temas: História e Natureza, Cultura Indígena, Revolução Francesa e América Latina e História dos Emigrados Napoleônicos Franceses no Brasil e História do Oriente Distante. José Raimundo Sobrinho é professor da UA — Engenharia Química do CCT da UFCG. Engenheiro Químico e Mestre em Engenharia Civil pela UFPB, atua principalmente nos seguintes temas: wetland construído, macrófitas, plantas aguáticas, typha spp, remoção de matéria orgânica, nutrientes e bactérias. Márcia Maria Rios Ribeiro é professora da UA — Engenharia Civil da UFCG, membro titular do CBH — Rio Paraíba, da Câmara Técnica de Outorga e Cobrança do CERH-PB, editora associada da Revista de Gestão de Água da América Latina e foi diretora de Comissões Técnicas da ABRH. Engenheira Civil pela UFPB e Doutora em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental pela UFRGS atua principalmente no tema da gestão de recursos hídricos. Maria Josicleide Felipe Guedes é aluna do Mestrado em Engenharia Civil e Ambiental da UFCG. Engenheira Civil pela UFCG, desenvolve a pesquisa “Gerenciamento da demanda de água: seleção multicriterial de alternativas na escala de uma cidade” na área Engenharia de Recursos Hídricos e Sanitária.
Mirella Leôncio Motta e Costa é aluna do Mestrado em Engenharia Civil e Ambiental da UFCG na área Engenharia de Recursos Hídricos e Sanitária. Engenheira Civil pela UFCG com ênfase em Hidráulica, atua principalmente nos seguintes temas: semi-árido, gerenciamento da demanda de água, gestão de recursos hídricos e meio ambiente. Romero Ferreira Azevêdo Filho é professor da UA — Arte e Mídia do CH da UFCG e aluno do Mestrado em Literatura e Interculturalidade da UEPB. Jornalista pela UEPB com Especialização em Cinema pela UFBA, atua na área de Comunicação Social com ênfase em editoria de jornalismo impresso, jornalismo científico e formação de profissionais para a indústria cinematográfica. É líder do Grupo de Pesquisa Cinema e Trópico Semi-árido. Soahd Rached Arruda Farias é professora da UA — Engenharia Agrícola e sócia do Centro de Desenvolvimento Difusão e Apoio Comunitário (CEDAC). Engenheira Agrícola pela UFPB, Administradora de Empresas pela UEPB e Doutora em Engenharia Agrícola pela UFCG atua na área de mecanização agrícola e meio ambiente, com ênfase em Irrigação e Drenagem, barragem subterrânea, água, semi-árido, solo, projetos agrícolas, Manejo Integrado de Bacia Hidrográfica. Valterlin da Silva Santos é aluno do Mestrado Engenharia Civil e Ambiental da UFCG. Engenheiro Civil pela UFCG, tem experiência na área de Engenharia Civil com ênfase em Recursos Hídricos e projetos, atua principalmente nos seguintes temas: reciclagem, entulho, concreto, durabilidade e envelhecimento-acelerado. Wilson Fadlo Curi é professor da UA — Física, da pós-graduação em Engenharia Civil e Ambiental e do Doutorado Temático em Recursos Naturais da UFCG. Engenheiro Eletricista pela UFGO, Mestre em Engenharia Elétrica pela UFPB e Doutor em Systems Design Engineering pela University of Waterloo atua principalmente nos seguintes temas: otimização simulação e planejamento integrado de sistemas de recursos hídricos.
Sumário Apresentação José Otávio Aguiar João Tertuliano Nepomuceno Agra (Org.)...................................................................13
I - História Ambiental, Memória e Educação Ambiental A Gestão dos usos e a apropriação cultural dos recursos hídricos através dos tempos: uma História Ambiental da escassez de água no semi-árido nordestino José Otávio Aguiar Catarina de Oliveira Buriti............................................................................................19
Preservando a água e a memória também Romero Ferreira Azevêdo Filho...................................................................................33
Experiências de assessoria e pesquisa Fernando Garcia de Oliveira.........................................................................................43
A mídia e a Educação Ambiental Helton Luís Paulino da Costa João Tertuliano Nepomuceno Agra ..............................................................................65
II - Água, Solo e Meio Ambiente Água, civilização e ciência João Tertuliano Nepomuceno Agra ..............................................................................79
A água na atmosfera Francisco de Assis Salviano de Sousa..........................................................................93
Disponibilidade e retenção de água em comunidades rurais do semi-árido brasileiro Genival Barros Júnior.................................................................................................107
Água, solo e meio ambiente: subsídios para alunos e professores do Ensino Básico Jógerson Pinto Gomes Pereira....................................................................................119
Captação de água em superfícies resfriadas na região do semi-árido paraibano Genival da Silva..........................................................................................................131
Tratamento de águas residuárias domésticas para irrigação usando plantas aquáticas José Raimundo Sobrinho............................................................................................141
III - Recursos Hídricos A nova gestão de recursos hídricos no Brasil Márcia Maria Rios Ribeiro Maria Josicleide Felipe Guedes Mirella Leôncio Motta e Costa...................................................................................155
A bacia hidrográfica e o planejamento de recursos hídricos Wilson Fadlo Curi Valterlin da Silva Santos.............................................................................................169
Água, solo e Educação Ambiental: ações educativas em escolas de Ensino Básico Soahd Rached Arruda Farias João Tertuliano Nepomuceno Agra ............................................................................179
Apresentação Este livro, destinado principalmente a professores e alunos de escolas de Ensino Básico interessados na Educação Ambiental, apresenta conhecimentos atuais e alguns resultados de pesquisas recentes de professores e alunos da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) acerca dos temas “Água” e “Solo” e das relações destes temas com a vida das plantas e animais, flora e fauna, criaturas e (re)criadores do meio ambiente e com as culturas, as civilizações humanas das populações que habitam o planeta Terra. Dentre os temas da Educação Ambiental, a “conservação e o uso racional da água” merece destaque pela diversidade de disciplinas que evoca e pelos esforços exigidos atualmente para evitar o colapso na oferta de água, ar e alimentos de qualidade e em quantidade suficientes para as próximas gerações. Estes esforços extrapolam as capacidades de instituições governamentais e privadas enquanto exige a participação voluntária e ativa de pessoas sozinhas e em grupos. A Educação Ambiental, com base em consensos internacionais entre os países membros da Organização das Nações Unidas (ONU) objetiva a construção de um conjunto de valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltado para a conservação do meio ambiente e necessários à qualidade de vida das gerações atuais e futuras. Este objetivo é chamado, grosso modo, de “sustentabilidade”. Até onde sabemos, são poucas as fontes locais e regionais disponíveis com estas características. Nestes ensaios, o leitor encontrará a descrição de aspectos únicos, e às vezes desconhecidos da região semi-árida nordestina, com ênfase na região polarizada por Campina Grande. Encontrará também sugestões de instrumentos e métodos adequados para empreender campanhas educativas ancoradas em fontes idôneas e atualizadas. Os textos ora apresentados abordam os temas “água” e “solo” sob várias perspectivas complementares. Aqui e acolá o leitor encontrará redundâncias, superposições inevitáveis em abordagens transdisciplinares. Desejamos que estas redundâncias, e eventuais contrastes, contribuam para que cada leitor compreenda mais profunda e convincentemente as mensagens apresentadas. Esta compreensão em alguma medida pode ser favorecida pela diversidade de estilos dos capítulos das três partes do livro. Os autores e autoras, a quem agradecemos as participações voluntárias, optaram de modos diferentes entre o coloquial e o erudito em diferentes estilos didáticos que animam as páginas ora publicadas.
O primeiro conjunto de textos é dedicado à História Ambiental e a instrumentos e métodos usados na divulgação científica e na extensão universitária. O primeiro ensaio mostra as características dos biomas regionais do Nordeste e alguns usos e abusos de mananciais na região semi-árida, palco de fortes contrastes sociais, econômicos, culturais e ecológicos. O epíteto..."Uma imagem vale mais que mil palavras”... abre uma análise da ressonância na academia da crescente influência dos meios de comunicação na sociedade, em especial das TVs, meios que ampliam as possibilidades de acesso a informações especializadas, idôneas e atuais, para um público mais amplo. Uma outra contribuição relata experiências de extensão universitária complementares a pesquisas, fertilizando as relações entre assessoria a movimentos de trabalhadores rurais e atividades de pesquisa, vividas no início da década de 80 e na primeira metade dos anos 90. E chega-se então a uma análise do papel da mídia jornais, revistas, cinema, rádio, tevê e internet, entre outros — na conservação do meio ambiente. Os seis ensaios da segunda parte do livro descrevem aspectos técnicos do manejo da água e do solo na ótica das ciências da natureza e da Matemática ensinadas nas escolas de Ensino Básico. Um sobrevôo na história da humanidade mostra o papel do manejo da água e da agricultura no surgimento das aldeias humanas primitivas e das primeiras cidades onde a circulação, a crítica e a sistematização de idéias favoreceram o surgimento da ciência. As características da atmosfera terrestre e sua importância para o ciclo da água e para o clima do planeta é mostrado em seguida. Adiante vê-se que esforços concentrados e participativos de planejamento, utilização e gestão das águas em comunidades rurais do semi-árido no Nordeste brasileiro podem melhorar a qualidade de vida das pessoas e a conservação dos biomas, capital ecológico para desfrute das gerações atuais e futuras. A seguir, mostra-se como a oferta de água e a produção de alimentos, do ponto de vista da Química, da Biologia, da Geologia, da paisagem e da cultura podem tornar-se pontos de partida para ações educativas. O resultado de uma pesquisa mostra como do captar de água usando superfícies resfriadas na atmosfera de climas semi-áridos, ao custo de R$ 0,21 por litro, uma técnica ao alcance de professores e alunos de escolas de Ensino Básico. O tratamento de esgotos domésticos usando plantas aquáticas é o tema de outra pesquisa com a Typha spp, “táboa”, espécie de uma família de plantas abundante em baixios encharcados de várias partes do mundo, em várias condições climáticas. Assim se encerra o segundo bloco de ensaios. A última parte do livro, dedicada ao planejamento e à gestão dos Recursos Hídricos começa com uma apresentação dos marcos regulatórios da gestão de recursos hídricos no Brasil definidos na “lei das Águas”, a lei 9.433 de 1997. Logo depois, mostra-se como alguns desafios colocados à gestão das bacias
hidrográficas são enfrentados pelo planejamento de recursos hídricos: o crescimento demográfico, expansão econômica e industrial, avanço das fronteiras agrícolas e uso de agrotóxicos, ocupação irregular do solo e a falta de tratamento de esgotos e lixo que fazem minguar a água doce e potável disponível. Como conclusão são apresentadas sugestões para professores e alunos interessados em ações educativas focadas nos temas “Água”, “Solo” e “Meio Ambiente” em duas etapas, começando com a pesquisa de imagens dos espaços nas vizinhanças da escola e a difusão dos resultados desta pesquisa na comunidade escolar em mostras pedagógicas. Este livro é um dos frutos de trabalhos com professores e alunos de escolas públicas de Ensino Básico em andamento desde 2003 em parceria com a UFCG. Inicialmente voltadas para melhoria do ensino das disciplinas de Ciências, Física e História. Em 2005 a nossa parceria passou a girar em torno do eixo temático “conservação e uso racional da água”, com financiamento do CNPq para montagem e operação da exposição “Espaço da Água” na EEEMEP — Elpídio de Almeida, o “Estadual da Prata”, em 2006 e 2007. Desde meados de 2007 a página www.hidro.ufcg.edu.br/espacoagua divulga estes trabalhos, com destaque para onze documentários também disponíveis em dois DVDs e agora este livro. Campina Grande — PB, inverno de 2008 João Tertuliano e José Otávio
I Hist贸ria Ambiental Mem贸ria & Educa莽茫o Ambiental
A gestão dos usos e a apropriação cultural dos recursos hídricos através dos tempos: Uma história ambiental da escassez de água no semi-árido nordestino Catarina de Oliveira Buriti1 José Otávio Aguiar2 “A ignorância do passado não se limita a prejudicar o conhecimento do presente; compromete, no presente, a própria acção”. (Marc Bloch. Introdução à História, p. 40). Um dos temas ambientais que está em evidência nos dias de hoje diz respeito ao uso — em muitos casos, abuso — e a apropriação dos mananciais hídricos disponíveis para a humanidade. Sabe-se que a água é considerada como um recurso fundamental à manutenção da vida na Terra. Todavia, com os rápidos avanços tecnológicos, a exploração desse recurso natural passou a ser feita de forma demasiadamente intensa, a ponto de pôr em risco a sua renovabilidade. Cerca de 500 milhões de pessoas vivem hoje em países com escassez crônica de água, e outras 2,4 bilhões residem em estados onde o sistema hídrico está ameaçado. As estimativas é que essa situação se agrave ainda mais na medida em que, a cada ano, a população mundial está ficando maior e mais sedenta, e, conseqüentemente, a demanda e o consumo de água doce para a agricultura, para a indústria e para o uso doméstico, aumenta. (CLARKE; KING, 2005). Delineia-se assim um cenário de escassez de um recurso natural finito e limitado, cujo potencial de consumo aumenta em escala consideravelmente superior ao seu ritmo de reposição. Sabe-se que boa parte da água consumida retorna às fontes hídricas da superfície ou subterrâneas. Entretanto, parte dessa água fica tão poluída nos usos e nas apropriações culturais que as sociedades delas fazem a ponto de não servir mais para o consumo humano. Além disso, a despeito das reservas de águas existentes nos aqüíferos — imensos reservatórios de água encontrados em rochas porosas de algumas áreas do subsolo — representarem a única fonte de água potável para o consumo de 1
Mestranda vinculada ao Programa de Pós-graduação em História da UFCG; Bolsista do PIBIC/UFCG CNPq, catburiti@hotmail.com. 2 Doutor em História e Culturas Políticas pela UFMG Professor dos Programas de Pós-graduação em História e em Recursos Naturais da UFCG j.otavio.a@hotmail.com.
quase um quarto da população mundial, é sabido que em muitos lugares, a reposição dessas reservas está sendo menos rápida do que seu consumo. (Ibidem). A frase que serve de epígrafe para a abertura deste artigo retoma a idéia defendida por Marc Bloch, famoso historiador da chamada Escola dos Annales, de que a história é sempre filha de seu tempo e o saber histórico deve ser politizado de modo a permitir um conhecimento do passado que proporcione os meios para um novo agir humano. (BLOCH, s/d). Na primavera dos anos 1970, graves danos e impactos ambientais atingiram alguns países provocando uma verdadeira apreensão mundial. Constatava-se que tais problemas não possuíam fronteiras, que as práticas ecológicas deveriam ser uma preocupação internacional e chegava-se à conclusão de que o desenvolvimento tinha claros limites. Muitos passaram a advogar, a partir de então, que os recursos naturais se esgotariam sem que a técnica e a ciência pudessem dar solução. (DUARTE, 2005). Nesse decênio, um grupo de historiadores e biólogos estadunidenses reuniu seus interesses de pesquisa para fundar um domínio historiográfico denominado de Environmental History ou História Ambiental cujo objetivo seria buscar, na história das relações entre sociedades e naturezas, possibilidades múltiplas e contribuições para os debates que perpassavam a questão ambiental. (DRUMMOND, 1991). A falta de acesso à água potável para 1 bilhão de pessoas no mundo não significa a ausência de fontes hídricas nas diversas regiões do globo, mas o problema reside em sua má distribuição. Gestões malfeitas, recursos limitados e mudanças climáticas têm trazido sérios problemas: um quinto da população do planeta não tem acesso à água de qualidade e 40% não dispõe de condições sanitárias básicas. A má gestão, a corrupção, a falta de instituições apropriadas, a inércia burocrática e a carência de novos investimentos na construção de capacidades humanas, assim como em infra- estruturas físicas são amplamente responsáveis por esta situação. (MURARO, 2007). Nesse cenário, urge então a necessidade, enquanto historiadores envolvidos com os problemas do nosso próprio tempo, de buscarmos entender melhor sobre os limites da renovabilidade de recursos tão básicos como a água, sobre as diversas formas de apropriação cultural e de gestão dos usos dos mananciais hídricos através dos tempos, a fim de que possamos elaborar novas formas de agir humano. Para tanto, a História Ambiental pode nos dar uma importante contribuição, levando-nos a refletir sobre a situação hidrológica atual a partir de um panorama histórico da disponibilidade, do acesso, da escassez, da utensilagem técnica — que, em cada época, permitiu a obtenção
da água para as diversas modalidades de usos — da acessibilidade das diferentes categorias sociais ao recurso, das relações sócio-culturais e políticas que giravam em torno dos sistemas de abastecimento de água implantados no alvorecer dos primeiros núcleos urbanos, etc. O Semi-árido do Nordeste brasileiro, entre as cinco macro-regiões geográficas do país, constitui-se como a que possui os mais fortes contrastes sociais, econômicos, culturais e ecológicos. Entre as contradições e fragilidades que marcam a vida neste território, a estiagem pode ser destacada como um dos principais fenômenos da natureza que acentuam os problemas sociais da região, levando-a a apresentar os mais elevados índices de pobreza do país. O processo de desmatamento dessas zonas, provocado pelas ações antrópicas, somado às características climáticas específicas deste bioma, e, marcadamente, às condições ecológicas das secas, torna este território uma das áreas do Brasil mais degradadas e com fortes tendências à desertificação. (MARIANO NETO, 2001). Deter-nos-emos neste artigo a historiar a respeito das especifícidades históricas e culturais da apropriação dos recursos hídricos por parte das
Figura 1 - Paisagem típica do Bioma Caatinga, com predominância do clima Semi-árido, Quixeramobim-Ceará. Foto: José Otávio Aguiar
sociedades que habitaram o Semi-árido do Nordeste brasileiro. Delineamos algumas questões problemas que nos permitirão refletir sobre o tema: 1) Quais os modos de convivência com as secas prolongadas elaborados pelas populações habitantes das zonas semi-áridas nordestinas? 2) Que medidas político-administrativas foram implementadas com o intuito de amenizar a situação das populações que enfrentavam a escassez de água? 3) Quais são as possibilidades de melhor aproveitamento das potencialidades hidrológicas na região semi-árida? 4) Por que as grandes secas do Nordeste são consideradas um problema histórico para o país? 5) Que interesses permeavam o monopólio
dos mananciais de recursos hídricos no Nordeste brasileiro? Procederemos a uma breve revisão do estado da arte da historiografia que problematiza a apropriação cultural dos recursos hídricos no Brasil e as secas do Nordeste semi-árido brasileiro.
1. A história ambiental da escassez de água no Semi-árido A seca é um fenômeno natural cuja duração e extensão apresentam caráter aleatório. Os especialistas em climatologia e paleoclimatologia vêm atribuindo alguma relação entre a seca e o El Nino, fenômeno atmosférico-oceânico caracterizado por um aquecimento anormal das águas superficiais no oceano Pacífico Tropical, e que pode afetar o clima regional e global, mudando os padrões de vento a nível mundial, e afetando assim, os regimes de chuva em regiões tropicais e de latitudes médias. A La Nina representa um fenômeno oceânico-atmosférico com características opostas ao El Nino, e que se caracteriza por um esfriamento anormal nas águas superficiais do Oceano Pacífico Tropical. Alguns dos impactos de La Nina tendem a ser opostos aos de El Nino, mas nem sempre uma região afetada pelo último apresenta impactos significativos no tempo e clima devido ao primeiro.3 Durante os eventos de El Nino, a seca é endêmica na Austrália, na Indonésia, no Sudeste da Ásia, no Nordeste do Brasil e em partes da África. Mas durante o evento La Nina, as localizações preferenciais de seca mudam para outras partes do mundo, incluindo a América do Norte e a América do Sul. (MURARO, 2007). No Brasil, as áreas mais afetadas pelas secas estão localizadas no Nordeste, mais precisamente, na região da Zona da Mata e no Nordeste meridional, correspondendo àquelas que apresentam certas características físicas semelhantes, solos relativamente mais pobres que as demais zonas geoeconômicas do Nordeste, baixo índice de precipitação pluviométrica, vegetação de Caatinga adaptada ao clima tropical semi-árido com regime de chuvas irregulares. No interior dessas áreas há um espaço denominado “miolão do semi-árido”, onde as secas ocorrem com freqüência entre 81% e 100%. Nesse espaço, a variabilidade climática é extremamente acentuada. (Ibidem). A história ambiental das secas leva-nos a classificar o regime de ocorrência e o período de prolongadas estiagens em duas possibilidades: as secas anuais (como a de 1951, 1958 e 1970), e as secas plurianuais (como a de 1979-1983). 3
Para maiores informações sobre os fenômenos El Niño e La Nina ver http://www.cptec.inpe.br/enos/
(Ibidem). Em ambos os casos, a população que habita essas zonas e que viveram o período de estiagem ainda guarda em sua memória rastros dos dilemas que enfrentou e do descaso político a que foi submetida. Historicamente, as secas prolongadas típicas do Bioma Semi-árido do Nordeste brasileiro acompanharam a trajetória das gerações de homens e mulheres que se sucederam nesse espaço e que criaram/desenvolveram características múltiplas para assegurar sua sobrevivência em meio a essas especificidades climáticas. Como tentativa de fugir às “adversidades” climáticas e a falta de democratização dos recursos hídricos, pode-se delinear a história dos movimentos migratórios de nordestinos em direção ao Sul do país e às terras ignotas da Amazônia como uma alternativa encontrada para fugir a essas “desventuras” naturais e aos mandos político e econômico locais, intensificados nos momentos das secas prolongadas. Trata-se, assim, de desconstruir idéias deterministas que situavam a migração como decorrente apenas do clima, erigindo a imagem de uma natureza hostil, adversa, imutável e responsável pelos maiores problemas dessa sociedade. O movimento migratório deve ser compreendido não apenas como uma forma de fugir das secas e da natureza “hostil” e “adversa”; tal mobilidade foi provocada por um sistema que marginalizava os homens livres pobres, uma vez que, apenas eram aproveitados, residualmente, pelo monopólio da água e da propriedade da terra, pelo grande latifúndio e pela presença da mão-de-obra escrava. Migrar seria, em última instância, uma estratégia não só para minimizar as penúrias do cotidiano, a sede, a fome, a miséria, as epidemias, mas também para buscar um lugar social onde se pudesse driblar o sistema excludente pretendido pelas elites brasileiras. Abordar oligarquias e secas se constitui como temas clássicos na historiografia regional em que se configura a imagem de um Nordeste bastante recorrente no imaginário brasileiro. No ensaio Raízes da indústria das secas: o caso da Paraíba, Ferreira (1993) busca compreender a relação existente entre a estrutura de poder e o problema das secas no Nordeste, objetivando caracterizar como foi engendrada a “indústria da seca” na Paraíba, do início da intervenção do Estado (imperial) à institucionalização da política de combate às secas. A autora problematiza como, apesar do enorme acúmulo de estudos e propostas de solução em termos técnico-científicos, a permanência dos efeitos das secas4 revela as tentativas de manutenção da estrutura coronelística e à preservação dos grupos oligárquicos do Estado paraibano. O assistencialismo 4
Fazendo uso deste termo, Ferreira (1993) pretende ressaltar que permanece a utilização das secas como fonte de benefícios para uns em detrimento de muitos, embora a roupagem e as formas tenham mudado.
filantrópico se constitui como a primeira marca da atuação do Estado frente às estiagens, “solução” emergente para fazer face à crise da própria elite, já fragilizada pela decadência das economias agro-exportadoras tradicionais (algodão e açúcar) e atemorizada com as multidões de famintos e retirantes a ameaçarem as suas propriedades. Trata-se, aqui, de perceber como os que fazem a elite local do Nordeste e/ou seus representantes no Parlamento e na imprensa, utilizaram-se da idéia de uma natureza “adversa”, que provocaria secas “pavorosas”, como simples meios estratégicos para causar impacto e para sensibilizar, quando o que realmente pretendiam era que os recursos chegassem, reforçando assim o poder econômico e político daqueles que se dizem preocupados com a “miséria” da região. Significa afirmar que as elites locais utilizaram-se da imagem de uma região seca, “flagelada”, muito mais com o interesse de explorar politicamente o “sofrimento” e a “miséria” daí decorrente. Os parlamentares da região elaboraram uma eficaz rede imagético-discursiva em tomo da região do Semi-árido, sedimentando a idéia de um Norte “sofrido” e em crise por ocasião das secas prolongadas, reivindicando a aquisição de alguns equipamentos modernos, sendo as estradas de ferro consideradas o meio mais adequado para prevenir-se contra esse “sofrimento” ou para sua futura prosperidade. Também propomos identificar como a população flagelada que sofria com a falta d’água nessas regiões assoladas pela estiagem, muniu-se de um conjunto de astúcias com o intuito de superar os momentos de fome e desespero. (ARANHA, 2001). Na obra Vida e morte no Sertão: História das secas no Nordeste nos séculos XIX e XX, o historiador e sociólogo Marco Antônio Villa reconstrói a saga dos retirantes e milhões de flagelados fugitivos da destruição trazida pelas grandes secas, e analisa os principais momentos de devastação econômica e miséria dos sertanejos, provocados pelas contínuas estiagens na região. A historicização das secas no Nordeste revela o descaso a que foi submetida a população da região nos momentos em que tinha de enfrentar o flagelo. Autoridades e governos de todos os níveis, que tinham o dever de amenizar a situação dos flagelados que sofriam sob os efeitos da seca pareciam estar mais preocupados em tirar dela o melhor proveito, o que reflete a hipocrisia em face da gravidade do problema por parte de setores importantes da sociedade brasileira. (VILLA, 2006). Feitas essas considerações, retomamos à problemática abordada no início em relação ao processo migratório provocado pela negligência dos governantes nos momentos de escassez de água e alimentação, conseqüentes das grandes secas. A questão é que, os programas de combate às secas, a exemplo do
emergencialismo, implementados pelos governos para amenizar o problema dos flagelados, não surtiram o efeito esperado pelas elites, principalmente pela corrupção e incúria governamental que marcou a operacionalização desses projetos. (NEVES, 1994). Durante muito tempo, o Bioma Caatinga foi associado ao deserto e as suas potencialidades foram negadas. Lugar apenas de pedras e espinhos, a microrregião servia à retórica da seca, que beneficiava a políticos oportunistas oriundos de um sistema de coronelato. Na falta de um combate sistemático aos efeitos das secas por parte das elites políticas brasileiras, milhares de retirantes deixaram os campos e intensificaram os saques e as invasões às grandes cidades. Isto se tornou um grave problema a ser enfrentado pelos governantes da região que começaram a articular meios para solucioná-lo. Não estava nos planos oficiais do Governo Federal destinar recursos para enfrentar as secas ou, efetivamente, desenvolver a região. Mantinha-se o discurso da necessidade de modernizar o Nordeste e a ênfase ainda era dada à industrialização, abandonando o Sertão seco à própria sorte. E modernizar significava, antes de mais, superar a seca, considerada como sendo o maior obstáculo imposto pela natureza ao desenvolvimento da região. Nesse sentido, constata-se que, ao invés de buscar alternativas que propiciassem a convivência da população que vivia na miséria, em decorrência das secas prolongadas, a imagem que se construía em relação à natureza e seus fenômenos climáticos, era de “adversidade” e “pavor”. (Ibidem). Observa-se que desde o século XIX, a natureza semi-árida era percebida como a principal causa dos problemas da região, e, as elites regionais utilizaram-se amplamente dessa idéia para obtenção de maiores benefícios. A noção de que o clima Semi-árido era o principal responsável pelo atraso do Nordeste, marcou profundamente o imaginário regional e nacional, revelando-se a percepção na qual o determinismo da natureza estava implícito. A imagem de uma natureza “adversa” condena a região e seu povo à miséria, à pobreza e ao sofrimento. Nessa perspectiva, a seca deixa de ser vista como um fenômeno natural representado pela estiagem prolongada e torna-se o símbolo identificador do Nordeste e de todos os problemas sócio-econômicos que são peculiares a uma natureza “hostil”, como miséria aguda, doenças ou epidemias, fome, sede, analfabetismo, enorme migração, choro, desespero, etc. Grupos políticooligárquicos da região, os chamados “industriais da seca” (latifundiários, prefeitos, deputados e governadores) que, através dos “votos de cabresto”, garantiam o poder regional, passaram a se utilizar das características climáticas da região para assegurar seu poderio político- econômico. Estes
mandatários do Nordeste faziam questão de identificar a seca como algo incerto, imprevisível, e atribuíam toda a sorte de problemas a este fenômeno natural. Muito além de naturalizar os problemas dessa sociedade, elencamos um conjunto de fatores (mando local, recrutamentos forçados que permitiam contornar a posse desigual das terras, dos latifúndios, dos mananciais de recursos hídricos e um conjunto de intempéries que inviabilizavam o sobreviver), como responsáveis por impulsionarem o homem nordestino migrante a elaborar linhas e meios para fugir das péssimas condições de vida em que estava imerso.
Figura 2 - Açude de Vaca Brava, Reserva Estadual da Mata do Pau Ferro, Areia-PB. Bioma: Brejo de Altitude.
2. A história das relações do homem com os recursos hídricos no Nordeste colonial: da poetização à “prostituição” das águas A preocupação com a preservação das águas também pode ser encontrada em Gilberto Freyre, sobretudo em sua obra Nordeste, publicada em 1937, na qual dedica um dos capítulos a denunciar a poluição dos rios e das águas da região do Nordeste monocultor. Ao iniciar a obra, Gilberto Freyre assinala que o ensaio consiste em uma tentativa de estudo ecológico do Nordeste da cana-deaçúcar, monocultor, latifundiário e escravocrata, esse Nordeste decadente em sua época, década de 1930, mas que foi durante muito tempo o centro da civilização brasileira. Embora não aprofunde os aspectos de ciência natural, constata-se, nessa obra, a preocupação de Freyre em demonstrar como as expectativas, os valores e os atos dos portugueses produziram efeitos predatórios no quadro natural do chamado Nordeste úmido. Ele examina a relação dos portugueses com os nativos, a terra, a flora, a fauna e a água,
produzindo um diagnóstico até então inédito de destruição ambiental nada favorável aos senhores de engenho, a quem em tantas obras ele fez o elogio. No que se refere às relações dos homens com as águas, Freyre destaca que ela é a “nota dominante da vida na paisagem física e cultural da região” (FREYRE, 1985, p. 19); que sem ela, não teria prosperado, do século XVI ao XIX uma lavoura tão dependente dos rios, dos riachos e das chuvas. Não obstante, ele demonstra que as relações entre a gente e a água desta sub-região nem sempre foram idílicas. No passado, houve um verdadeiro culto e poetização das águas pelas gentes dos engenhos e das várzeas. Com a instalação das usinas, entretanto, as águas dos rios foram “prostituídas” e os rios degradados, “humilhados” e transformados em “mictórios”, secaram na paisagem social do Nordeste, tornaram-se sujos e sem dignidade. (FREYRE, 1985). A literatura regional também traz à baila ricas peculiaridades que podem contribuir para tematizar o meio ambiente. No que tange, especificamente, ao estudo dos recursos hídricos, à preservação e poluição dos rios e outros mananciais, às secas e a escassez de água, podemos destacar alguns escritores ligados ao regionalismo literário do Nordeste, nos anos 1930, que já apresentavam, com relativo pioneirismo, preocupações ecológico-ambientais, dentre eles, destacamos aqui, José Lins do Rego. Tratando da decadência do eldorado da Cana-de-açúcar no Litoral Atlântico do Nordeste brasileiro, nos tempos de 1930, constata-se que José Lins já apresentava preocupações com o meio ambiente e com as questões ecológicas. Em sua narrativa, percebem-se as relações de afetividade que ele mantinha para com a natureza e, especialmente, com o rio Paraíba, desde sua infância, quando era moleque de bagaceira nos engenhos de açúcar. Ele demonstra como a monocultura açucareira, com a instalação das usinas, transformou a terra, as águas, bem como a vida dos moradores, causando profundos impactos sobre o meio ambiente e a sociedade que se estruturava até então naquele espaço. A cada dia, aumentava a ânsia dos proprietários da usina em espalhar partidos de cana por toda a Várzea, o que significava a expulsão dos trabalhadores para ir “sofrer” com as secas nas terras caatingueiras. O rio pertencia ao povo, e era “cheio de vontades”, suas cheias entravam pelas várzeas, matando canas, cobrindo tudo de lama. Árvores podiam cortar, terras podiam trabalhar, lajedos e pedra podiam saltar no estopim, mas, com o rio, eles não podiam. O rio era dos pobres, era uma força que vinha de Deus para vingar a natureza poluída pelos constrangimentos econômicos da usina latifundiária. Em suas palavras, a usina arrasara o Paraíba com a podridão de suas caldas. Quanto mais ela crescesse, mais teria imundície para despejar
sobre as águas do rio. Encerrando a obra ligada ao ciclo da cana-de-açúcar, o escritor apresenta o rio transbordando e cobrindo toda a usina, os partidos de cana, e todos os bens do usineiro, que precisava se retirar em busca de outras paragens para sobreviver. Nesse canário, nota-se que o escritor pretende trazer à baila uma resposta da natureza aos impactos profundos causados pelo homem. É uma voz antecipadoramente ecológica de José Lins que vemos ecoar, ao longo de sua narrativa. Menino de engenho (1932), seguido de Doidinho (1933), Bangüê (1934), O Moleque Ricardo (1935) e Usina (1936), compõem a série de romances que abordam a substituição dos engenhos pelas grandes usinas no Litoral Atlântico do Nordeste brasileiro. A narrativa de José Lins do Rego leva-nos a acompanhar as transformações econômicas por que passou a região açucareira, o desenvolvimento do sistema de propriedade, as modificações da técnica de produção e de trabalho, assim como as influências e reações daí resultantes.
3. Secas no Nordeste: um problema mais político que “natural” O Brasil tem muitos desafios a enfrentar no que diz respeito à gestão e à manipulação das suas águas. A administração integrada dos recursos hídricos, atendendo às demandas sócio-econômicas, ambientais e da saúde das pessoas, tem sido apontada pelos especialistas como um dos mais viáveis caminhos para lidar com a escassez. Os países mais afetados pelas secas dependem da forma como os governos, através de um aparato ético-jurídico, administrarão a crescente crise das águas. (CLARKE; KING, 2005). Não obstante o Brasil deter 12% das reservas de água doce do mundo, um volume bastante significativo, o problema da má distribuição desses recursos é evidente. Cerca de 70% desse total está concentrado na Bacia Amazônica, onde a densidade populacional é a menor do país. Por outro lado, a região mais árida e com índice de pobreza no país, o Nordeste, onde vive 28% da população, possui somente 5% da água doce. No Sul e Sudeste do país, a alta densidade populacional, a poluição, a agricultura e o desperdício, já provocam o aumento na escassez de água de qualidade, onde vive 60% da população. Nessa perspectiva, observamos a grande disparidade entre o tamanho da população e a água disponível nas diversas regiões do país. (MURARO, 2007). Com relação às secas que historicamente acompanharam o cotidiano da população do Bioma Caatinga, não é de hoje que se percebe que esse
problema no Nordeste é mais político do que “natural”, em torno do qual se confrontam os interesses de grupo oligárquicos da região. Afinal, já dispomos de conhecimento e tecnologia suficientes para saber que o Nordeste tem água bastante, senão para resolver a seca, pelo menos para amenizá-la. Respeitados hidrogeólogos do país que têm se dedicado ao estudo do tema asseveram que a resposta para a falta d’água parece estar no subsolo e não na superfície. Apesar do clima semi-árido, predominante em várias partes da região, há reservas de águas subterrâneas (os aqüíferos) suficientes para resolver grande parte dos problemas de abastecimento. Esses pesquisadores chamam atenção também para o fato de que, além de tratar do problema político-administrativo das águas subterrâneas, é preciso investir na pesquisa sobre os recursos hidrológicos brasileiros para que se possa avaliar a melhor forma de explorá-los. A transposição do rio São Francisco há muito vem sendo apontada como uma possibilidade para resolver os problemas da escassez de água no Nordeste. A proposta tem gerado muitas querelas políticas. A questão é quase tão antiga quanto a vinda da corte de D. João VI ao Brasil. A primeira proposta de desvio do curso do rio foi feita pelo intendente do Crato, Antônio Marcos Macêdo, em 1847. O objetivo era tornar perene o rio Jaguaribe, no Ceará. A riqueza de águas subterrâneas na região e o custo relativamente baixo de sua exploração é um dos motivos — não o único, evidentemente — da polêmica discussão sobre a transposição das águas do São Francisco. Assim, das discussões sobre a transposição fica claro que este não é apenas um problema técnico-científico, mas também político e cultural. Longe da pretensão de opinarmos aqui a respeito, ressaltamos apenas a importância de que, antes de se decidir pela transposição, seja realizado um estudo adequado da viabilidade técnica do projeto, analisando os impactos ambientais e se o São Francisco pode suportá-lo. O importante é que encontre realmente possibilidades para solucionar a questão da escassez de água na região Nordeste, pois a história das secas tem contribuído para constatarmos que a população sedenta requer que sejam tomadas urgentemente medidas eficazes que levem à melhoria da sua qualidade de vida, priorizando a preservação ambiental.
4. Referências ARANHA, Gervácio Batista. Trem, modernidade e imaginário na Paraíba e região: tramas político-econômicas e práticas culturais (1880-1925). Tese de doutorado. Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e
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Preservando a água e a memória também Romero Azevêdo5
Take 1 “Uma imagem vale mais que mil palavras”, o epíteto pode ser exagerado, mas faz sentido. A ampliação da cultura audiovisual e a ascensão dos meios de comunicação (notadamente a televisão) na sociedade, nos últimos quarenta anos, encontram ressonância na academia. Hoje, qualquer projeto que se preze inclui em seu ementário o registro e documentação em tecnologia de vídeo digital. A mídia eletrônica, mais que o livro, devemos ter a sensatez de dizê-lo, é quem amplifica e democratiza com rapidez e eficiência os resultados obtidos no campo de pesquisa e/ou laboratórios. A sociedade cibernética que vivenciamos agora exige respostas rápidas para os desafios que se apresentam numa velocidade quântica, o código audiovisual está impregnado em todas as partes, do MP-4 ao aparelho de ultra-som nos consultórios médicos. No “Espaço da Água” não é diferente, parte dos recursos do projeto foi destinada à aquisição de tecnologia audiovisual própria, equipamentos que garantem a um baixíssimo custo o domínio total das três fases indispensáveis para a existência concreta de um produto audiovisual: a produção, a edição/finalização e a exibição. Num curto espaço de tempo e trabalhando com uma equipe reduzidíssima (na prática três pessoas, sendo dois professores da UFCG e um bolsista do curso de Arte e Mídia da mesma universidade), produzimos dez documentários em dois DVDs que serão distribuídos entre os parceiros do projeto, bibliotecas/videotecas da rede pública de ensino, televisões educativas, instituições afins. Se o projeto visa educar e conscientizar os jovens estudantes do ensino médio para a inadiável necessidade de preservação e otimização do uso dos recursos hídricos do planeta, de modo análogo está garantindo também a preservação da memória — tão falha no nosso Brasil — e, mais que isso, a circulação de informações, de conteúdos, de saberes, numa forma dinâmica e bem familiarizada na sociedade como é o caso dos disquinhos prateados do DVD. A divulgação científica aliada às novas tecnologias de comunicação e a tradução do conhecimento científico numa linguagem acessível ao grande público leigo (sem prejuízo do conteúdo original) forma a “química” perfeita para a inclusão de majoritárias parcelas da sociedade nesse fascinante, porém hermético, 5
Professor da UA de Arte e Mídia do CH da UFCG, romeroaz@oi.com.br.
universo da Ciência. Esse projeto, pioneiro, também trabalhou para concretizar esse anelo.
1. A Ciência dá origem ao cinema Na noite em que os irmãos franceses Auguste e Louis Lumière exibiram pela primeira vez numa sessão pública o seu Cinematographo, nunca mais a história da humanidade (ou o registro dessa história), foi a mesma. O ano era 1895, a cidade, Paris, o local, o Grand Café e o dia, 28 de dezembro. Naquela noite, contam os historiadores, foram exibidos pequenos filmes cuja duração não ultrapassava os três minutos. Um dos filmetes mostrava um trem chegando à Gare de Lion, estação ferroviária parisiense e assombrou literalmente os freqüentadores daquele ambiente naquela noite histórica. Passados 113 anos, aquela primeira experiência visual pode ser revivida hoje. Os filmes foram conservados e é possível exibi-los para as gerações do século XXI. É um registro rico, contendo muitas informações que vão desde o aspecto antropológico, com as vestimentas da época, o penteado dos cabelos, a forma dos bigodes etc, até aspectos tecnológicos vinculados ao próprio registro e dizem respeito à textura da imagem, à cadência (a câmera era acionada por uma manivela, e filmava numa velocidade de 16 quadros por segundo, hoje são 24 q.p.s) dos fotogramas projetados na tela; aspectos relativos também à arte do filme como, por exemplo, a forma de enquadramento da cena. Essas imagens históricas, que alguns chamam equivocadamente de primitivas, nos revelam como era o olhar mediatizado pela tecnologia do nascente cinema no final do século XIX na Europa. Nesse episódio fundador, um aspecto nos chama atenção: o cinematographo dos irmãos Lumière foi criado a pedido da Sociedade Francesa de Ciência que precisava de um equipamento que auxiliasse, de forma mais precisa, aos cientistas que trabalhavam nas avançadas pesquisas que se desenvolviam na época. O registro de imagens em movimento nasce com uma vocação científica. A partir de 1895 os estudos da anatomia humana, por exemplo, vão ganhar novos contornos e aprofundamentos. No campo da botânica é possível acompanhar, passo a passo, o desabrochar de uma flor. A zoobiologia avança com a possibilidade de se decompor para estudo os movimentos das patas de um cavalo a galope. Enfim, as novas possibilidades de observação dos fenômenos naturais são imensas.
Outro aspecto relevante do audiovisual é o seu grande podei de persuasão do espectador, o que o torna um poderoso instrumento de veiculação e difusão de idéias e conhecimentos. A impressão de realidade, causada pelo próprio aparato de captação e exibição de imagens que traz em seu código visual princípios geométricos da composição da imagem (a perspectiva) que procuram imitar a visão humana, tornam essa ferramenta, cujo principal recurso, o movimento, é assentado numa ilusão de ótica (a persistência da retina), facilmente assimilável pelo público. De fato, apesar de fazerem parte da nossa vida há mais de um século, as imagens em movimento ainda exercem um forte fascínio sobre todos nós. Aqui abro um parêntese para citar o teórico inglês John Berger em seu livro Modos de ver: “A vista chega antes das palavras. A criança olha e vê antes de falar”. Essa característica única faz do audiovisual um excelente meio de educação. É evidente que essa tecnologia não pode (nem deve) ser vista como uma panacéia salvadora que vai substituir a palavra impressa e, como num passe de mágica, estabelecer uma comunicação imediata com o público, notadamente o público jovem. Não é bem assim, estudos comprovam que para “ler” os filmes também é preciso estar “alfabetizado” em termos de linguagem audiovisual. A pesquisadora Ana Maria Poppovic, por exemplo, nos adverte sobre esse importante ponto, segundo ela para compreender obras audiovisuais a questão da memória é fundamental Ela observou em sua pesquisa a importância da quantidade e da qualidade de informações verbais recebidas pela criança, por parte do adulto, como elemento formador da capacidade de recepção e decodificação da mensagem audiovisual. Poppovic constatou que, em geral, as crianças das classes mais pobres têm um enfoque muito mais voltado para o presente, sentindo dificuldade em relacionar seqüências passado-presente. Se isto realmente acontece, a recepção do conteúdo audiovisual, especialmente dos filmes cinematográficos que tem na memória um dos elementos facilitadores, ficará enormemente prejudicada. Mas, mesmo com esse pré-requisito, é indiscutível o poder de penetração dessas imagens em movimento e sonorizadas que hoje se espalham velozmente e logo estarão disponíveis nos telefones móveis, dentro dos ônibus urbanos, em painéis (out-door) instalados em pontos estratégicos das nossas cidades, nos orelhões, nos futuros “jornais” de cristal liquido que vamos poder carregar (e até dobrar) pelas ruas, nos relógios de pulso etc.
2. Uma vertente que deu certo: o cinema educativo No Brasil, o início do emprego do cinema no ensino e na pesquisa científica
começou bem cedo, apenas doze anos depois da chegada da primeira câmera de filmar em terras do Rio de Janeiro, então Capital Federal. Foi em 1898 que o italiano Paschoal Segreto trouxe da Europa, provavelmente de Londres, a pioneira máquina. Já em 1910, foi criada a Filmoteca do Museu Nacional. Em 1912, o professor Edgar Roquette-Pinto, um entusiasta da educação através das novas tecnologias, na época o rádio e o cinema, trazia da atual Rondônia os primeiros filmes dos índios nambiquara, registrados em seu habitat natural por ele mesmo. Roquette- Pinto foi o primeiro brasileiro a empunhar uma câmera cinematográfica com o objetivo de produzir material científico. A semente do cinema educativo estava lançada. Em janeiro de 1937, o presidente Getúlio Vargas, que compreendeu logo a força do revolucionário meio de comunicação e o utilizou largamente durante os 18 anos em que esteve no poder, sancionou a Lei n° 378, criando o Instituto Nacional de Cinema Educativo para “promover e orientar a utilização da cinematographia, especialmente como processo auxiliar do ensino, e ainda como meio de educação popular em geral”. Nos dez primeiros anos de existência, o Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE) foi dirigido por Roquette-Pinto. É nesse período que o cineasta mineiro Humberto Mauro, que havia sido o principal personagem de um pioneiro ciclo de cinema em Cataguazes, interior de Minas Gerais, se integra aos quadros do INCE atendendo o convite de Pinto. O pesquisador Carlos Roberto de Souza lembra esse período: “Durante os dez primeiros anos de funcionamento do INCE, a produção média anual é de 23 filmes. A temática abrange uma ampla gama de interesses: filmes científicos; reportagens; documentários sobre plantas; peixes; aves; indústrias; cidades; riquezas naturais, reconstituição de episódios da História do Brasil; biografias de estadistas; músicos; romancistas e poetas brasileiros”. Depois da saída de Roquette-Pinto, Mauro ainda permaneceu 20 anos à frente das produções do INCE. Em 1964, quando rodou seu último filme produzido pelo instituto, já havia realizado mais de trezentos documentários de caráter educativo-científico. A obra de Humberto Mauro no Cinema Educativo é um exemplo da feliz junção entre conhecimento científico e estética cinematográfica. A série Brasilianas, iniciada em 1945, é um tesouro antropológico que preservou para nós os modos e costumes de um Brasil rural que já não existe. “Meus oito anos”, por exemplo, baseado no poema de Casemiro de Abreu, é um passeio poético pelos jogos e brincadeiras infantis no cenário natural de uma fazenda mineira do início do século XX. Produzido em 1956, o documentário guarda ainda hoje um encantamento raro onde se misturam, harmoniosamente, a pesquisa, a poesia, a música, a paisagem e o cinema. “Aboios e Cantigas”, volume três da série Brasilianas, capta a vida dos vaqueiros através dos seus
cantos de reunião do gado, os tradicionais aboios. “Engenhos e Usinas” registra a transformação dos processos de produção agrários com a chegada das máquinas que substituem as antigas bolandeiras movidas a tração animal. Mais que um frio panorama da industrialização rural, o filme de Mauro mostra que, se por um lado a usina triplicou a produção de produtos derivados da cana- de-açúcar, por outro destruiu o lado telúrico que ainda havia no método de produção primitivo do engenho. E aqui não há como não lembrar os versos de Caetano Veloso descrevendo as vertiginosas modificações urbanas sofridas pela cidade de São Paulo: “a força da grana que ergue/e destrói coisas belas.” O filme “Preparo e conservação dos alimentos” (1955), é uma aula prática de como produzir e conservar, sem conservantes artificiais, uma série de alimentos. É interessante verificar que o tempo acabou contribuindo para a atualização deste documentário. Como sabemos, hoje é grande a procura por alimentos livres de produtos químicos, muitos deles de alto teor cancerígeno. As formas de conservação mostradas por Mauro utilizam técnicas tradicionais baseadas em ingredientes naturais, livres desses produtos industrializados que envenenam progressivamente o nosso organismo. Outros títulos dirigidos pelo cineasta pioneiro para o Instituto Nacional de Cinema Educativo traduzem bem seu conteúdo: “Higiene Rural — Fossa seca” (1954); “Da força hidráulica à energia elétrica” (1940); “Eletrômetro Capilar” (1944); “Captação da água” (1954); “Técnicas Macro e Micro Fisiológicas no Estudo da Excitabilidade Cardíaca” (1960); “Fabricação da rapadura” (1958); “O mundo eletrônico” (1948); “Fabricação de pregos” (1942); “Laboratório de Física na escola primária” (1938); “Circulação do sangue na cauda do girino” (1937) etc.
3. Cinema Educativo na Paraíba O nosso Estado tem uma tradição de cinema documentário. Ainda na época do cinema mudo, o pioneiro Walfredo Rodriguez realizou um longa-metragem de caráter antropológico, “Sob o céu nordestino” (1928). O filme é um apanhado de paisagens, tipos, costumes e formas de trabalho do homem paraibano. Dividido em oito partes, o primeiro documentário cinematográfico produzido por aqui foi filmado nas regiões do litoral, agreste, cariri e sertão. Infelizmente, a maior parte do filme se perdeu restando apenas cerca de quinze minutos. No ano de 1955 o então governador José Américo instituiu o Serviço de Cinema Educativo, vinculado à Secretaria de Educação e Cultura. O cineasta João Córdula foi o seu diretor e principal cinegrafista durante trinta anos. O
Cinema Educativo foi um importante instrumento de difusão e produção de filmes voltados para a complementação da formação escolar. Várias gerações de cineastas locais também contaram com o irrestrito apoio de João Córdula para suas produções, quer seja cedendo equipamentos, ou se integrando à equipe como fotógrafo. Outro marco da cinematografia paraibana de inspiração científica é o documentário sociológico e antropológico “Aruanda” (1960), dirigido por Linduarte Noronha. O mesmo diretor realizou em 1962, “Cajueiro Nordestino”, baseado numa monografia de Mauro Mota sobre a fruta abundante em nossa região.
4. O documentário científico em Campina Grande A rigor, a primeira produção cinematográfica de Campina Grande baseada num trabalho científico foi o média-metragem (35 minutos) “O que eu conto do sertão é isso...” (1979), produzido pela Universidade Federal da Paraíba e dirigido por José Umbelino e Romero Azevedo. O roteiro foi feito a partir de um trabalho acadêmico dos professores Francisco Alves, Maria Rita Assunção, João Otávio e Roberto Novaes (na época, ligados ao Departamento de Economia do Centro de Humanidades) abordando a comercialização do algodão e as relações de trabalho na zona rural do sertão paraibano. Essa primeira experiência foi precedida por um longo período de inatividade nesta área. Com o surgimento dos primeiros equipamentos portáteis de gravação de imagens em fitas magnéticas, por volta de 1984, a universidade federal adquire algumas câmeras de VHS e distribui com vários departamentos. Nesse período é grande a produção do que chamo de “atas eletrônicas”. Explico, a nova tecnologia gerou uma infinidade de gravações de palestras, conferências, seminários e assembléias realizadas no âmbito da universidade. Para essas gravações não havia uma mínima decupagem (variação do recorte geométrico do espaço abrangido pela câmera), colocava-se o aparelho de gravação diante do palestrante, acionava-se o botão “play” e deixava-se gravando até a fita acabar. O resultado desses registros era enfadonho e tedioso e nem os seus realizadores agüentavam vê-los até o final. A coletânea desses materiais tem ao menos uma utilidade (além de servir de ata com imagem e som), são verdadeiras aulas de como NÃO se deve gravar um evento.
5. Retomando o trabalho: Aquela Conversa No ano de 1993 realizou-se em Lagoa Seca — PB o I Encontro de
Pesquisadores em Ensino de Física do Norte e Nordeste e o V Simpósio de Ensino de Física do Nordeste. O coordenador destes eventos, professor João Tertuliano, nos convidou para trabalharmos com uma câmera VHS no registro e documentação daquele importante encontro de docentes, com representantes todos os estados nordestinos. Além das reuniões temáticas, também foram oferecidos mini-cursos e palestras tendo como tema geral a Física e o Ensino de Física. Antes de iniciarmos o trabalho de campo, nos reunimos com o professor Tertuliano para a elaboração de um roteiro para a gravação das imagens. O roteiro é uma peça fundamental nesse trabalho, pois é nele onde fazemos a decupagem, processo indispensável para a realização de um produto audiovisual de temática científica-educativa. A idéia nos diz o que filmar, o roteiro nos indica como filmar essa idéia. Já a edição final sintetiza todo o material obtido durante as gravações. O resultado de cinco dias de filmagem e 30 dias de edição foi o documentário “Aquela Conversa — memória do V Simpósio de Professores de Física do Nordeste”. Foram produzidas 50 cópias do documentário e distribuídas com os professores e entidades que contribuíram para a realização do encontro, entre elas a Sociedade Brasileira de Física. Pelas informações que temos, entre as cinco edições do Simpósio, essa foi a única vez que o mesmo foi registrado em audiovisual. Não sabemos a causa da ausência de registros em vídeo das outras edições posteriores e anteriores a essa realizada na bucólica cidade de Lagoa Seca-PB.
6. Espaço da Água: a importância do audiovisual O projeto coordenado pelo professor João Tertuliano, da Unidade Acadêmica de Física da UFCG, foi o único da região nordeste que conseguiu aprovação e,conseqüentemente, o financiamento necessário para seu desenvolvimento. O tema enfocado é mais que urgente, mesmo não dando conta, não percebendo o grau de perigo a que estamos expostos, a questão da água é delicada. Alguém já falou que o mote que pode servir de estopim para a deflagração da III Guerra Mundial é a escassa água potável disponível no nosso planeta. Como as gerações passadas não conseguiram (ou não quiseram) resolver o agudo problema que põe em xeque a existência da vida sobre a Terra, o público-alvo desse projeto que credito como de vanguarda, no sentido amplo do termo, foi a juventude. Daí elegermos o audiovisual como ferramenta chave para uma comunicação rápida e eficaz com a chamada “geração da imagem”. Nesse começo de
século, o audiovisual permanece como a melhor forma de preservar nossa memória. Daqui a 20 ou 30 anos, os que estiverem lendo esse texto vão poder ter uma idéia parcial do pensamento no ano 2008; os que tiverem a oportunidade ver os vídeos que nós produzimos durante a vigência do projeto vão poder ver com a fidelidade da imagem digital, os cenários, as pessoas, os métodos e as ações promovidas em Boqueirão, Campina Grande e Gurinhém. O interior de uma sala de aula instalada na zona rural do nosso estado, o laboratório montado no Colégio Estadual da Prata, as aulas práticas nos reservatórios que abastecem uma cidade de porte médio, os depoimentos dos professores e cientistas envolvidos no projeto, tudo preservado e inalterado, proporcionando aos habitantes do amanhã uma viagem no tempo para testemunhar os esforços que foram feitos agora para conscientizar nossos jovens sobre a vital importância da correta utilização dos nossos recursos hídricos. Como já nos referimos na introdução desse resumo do que foi o nosso trabalho no projeto “Espaço da Água”, tivemos a sorte de montar uma micro equipe (Figura 1) porém de uma eficiência muito acima da expectativa. Aqui destaco mais uma vez o nome do estudante bolsista Helton Paulino (hoje graduado em Arte e Mídia) que emprestou o seu talento, a sua disciplina, a sua capacidade de lidar com os equipamentos de registro e finalização de um audiovisual, para que pudéssemos obter êxito na nossa tarefa. Nunca é demais lembrar o empenho e a dedicação do professor João Tertuliano que, mesmo não se tratando de um tema diretamente ligado a sua especificidade acadêmica, não mediu esforços para tomar possível o projeto. Esse gesto de desprendimento, muitas vezes incompreendido, transcende os muros da academia e vai ecoar no seio da sociedade que espera de instituições como a universidade (e seus integrantes) soluções para os reais problemas que os afligem.
Figura 1 — Equipe de Produção dos documentários do Espaço da Água
Registro também para a posteridade, o nome dos professores da UFCG Janiro Costa, Wilson Curi e Gilmar Trindade, que deram sua valiosa colaboração para o projeto, bem como os colegas da rede estadual de ensino Aguinaldo Oliveira, Valdir Sousa, Edineis Neves e Flávio Ramos. Ao CNPq, nossa penhorada gratidão. Encerro agradecendo a oportunidade que me foi dada de aportar com o meu trabalho para ampliar a difusão do conhecimento científico, além dos limites geográficos da sala de aula.
Referências LEAL, Willys. Cinema na Paraíba, Cinema da Paraíba. João Pessoa: Edição do Autor, 2007. POPPOVIC, Ana Maria. Atitude e cognição do marginalizado cultural — Comunicação feita aos voluntários do Movimento de Promoção Humana. São Paulo: Mimeo, 1972 SADOUL, Georges. História do Cinema Mundial. São Paulo: Martins, s/d. SOUZA, Carlos Roberto de. Cinema Brasileiro. Lisboa: Cinemateca Portuguesa, 1987.
Experiências de Assessoria e Pesquisa6 Fernando Garcia de Oliveira7 Este trabalho discute experiências de extensão universitária, nas quais se procurou estabelecer uma frutífera relação entre assessoria a movimentos de trabalhadores rurais e a atividade de pesquisa. O texto está focado sobre duas das experiências vivenciadas, ambas localizadas em áreas de conflitos fundiários, em dois momentos distintos: a primeira, no início da década de 80 e a outra, durante a primeira metade dos anos 90. Ao longo do texto se procura explicitar como foi possível individualizar o trabalho de um pesquisador dentre aqueles que apoiavam a luta dos agricultores. Finalmente, se faz a tentativa de localizar a experiência relatada na discussão sobre pesquisa-ação.
Introdução Ao longo dos últimos 25 anos eu estive envolvido em oito atividades de extensão universitária. Em todas elas eu procurarei conjugar o trabalho de assessoria ao trabalho de pesquisa. Para efeito de clareza farei a seguir o exercício de agrupá-las de sorte a facilitar a compreensão de cada uma delas. Quadro 1 - Assessoria e Pesquisa junto a movimentos de trabalhadores N° de ordem Período Discriminação dos casos de extensão Localização geográfica 01 1979/1982 Luta pela permanência na terra dos moradores do Engenho Geraldo Município de Alagoa Nova, no Brejo Paraibano. Trabalho apresentado no V SEMPE — V Seminário de Metodologia para Projetos de Extensão, 07 a 09 de outubro de 2003, João Pessoa: Parcerias UFPB E UFRJ/SR5 — UNIRIO — UFSCar. 7 Doutor em Sociologia e Professor Titular da UFCG Professor do Departamento de Economia e Finanças da UFCG, aquiri@uol.com.br 6
02 1991/1996 Luta pela permanência na terra dos moradores em cinco imóveis rurais Alagoa Nova, Massaranduba e Alagoa Grande. 03 2001 em diante Luta dos atingidos pela barragem de Acauã8 Aroeiras, Natuba e Itatuba Quadro 2 - Outros Casos de Extensão Universitária N°de ordem Período Discriminação dos casos de extensão Localização geográfíca 04 1980/1982 Organização dos assalariados da cana-de-açúcar, por parte de sete sindicatos da região canavieira. Alagoa Grande, Alagoa Nova, Sapé, Mari, Bananeiras e Solânea. 05 1983 Luta pela permanência por parte das três mil famílias que haviam invadido o conjunto habitacional das Malvinas. Campina Grande 06 1989/1991 8
Atividade de extensão atual. Utiliza-se a mesma metodologia dos dois casos discutidos no texto.
Implementação do PAPP no Engenho Geraldo Alagoa Nova 07 1997/1999 Supervisão do Projeto Lumiar do Incra Paraíba 08 1999/2000 Fórum dos Assentamentos de Alagoa Grande Alagoa Grande Este texto procura sistematizar algumas experiências de extensão desenvolvidas junto a grupos de trabalhadores em processo de luta pela obtenção de determinados direitos. As intenções são: fazer uma apresentação sumária das distintas experiências; procurar localizar os seus traços comuns; e, diferençá-las em função de seus contextos particulares. Finalmente, alinhavar alguns aspectos na discussão sobre metodologia de extensão universitária e de suas relações com a atividade de pesquisa, sobretudo nos contextos em que a assessoria se insere em processos de organização e luta. Naturalmente, que a evolução do meu trabalho em termos de extensão universitária é marcada pelo conjunto das experiências exercitadas ao longo do tempo. Todas elas ajudaram a amadurecer uma certa maneira de trabalhar. Mas, neste trabalho a intenção é discutir a relação mais direta que há entre as três atividades do primeiro grupo. Como se tentará demonstrar existe maior continuidade, do ponto de vista metodológico, entre elas. Mas, é importante que se registre que a minha participação nas demais está relacionada ao exercício daquelas primeiras atividades. As experiências de extensão apresentadas foram sucedidas por outras atividades, junto aos mesmos grupos, que tinham uma outra perspectiva. No caso do Engenho Geraldo, eu me envolvido alguns anos depois com a implementação de um projeto governamental (PAPP-Projeto de Apoio ao Pequeno Produtor) que procurava fomentar o desenvolvimento da comunidade de assentados. A partir da experiência das áreas de conflito da primeira metade dos anos 90 eu me envolvi com dois trabalhos relacionados à política de reforma agrária governamental: primeiro, tive a incumbência de ser o
supervisor do I Censo da Reforma Agrária na Paraíba e, logo a seguir, de integrar o grupo de supervisores do projeto Lumiar9, do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). Mesmo no que tange à postura metodológica há também influencia decisiva das experiências dos trabalhos do primeiro grupo. Simplesmente, neste texto eu me concentro em experiências mais homogêneas, se é que posso empregar esta expressão que são, a meu juízo as do quadro 1, sobre as quais passarei a discorrer.
2. Primeira Experiência: Luta pela permanência na terra dos moradores do Engenho Geraldo, ente 1979 e 1982. O primeiro trabalho de extensão se desenvolve a partir do final do ano de 1979, quando eu sugeri que uma aluna da disciplina “Prática de Pesquisa", ministrada no mestrado de economia rural, fizesse o seu trabalho de campo, atividade obrigatória do curso, naquele caso de conflito de terra, na acepção mais utilizada à época. Eu tive desde o início um envolvimento bastante direto com todas as atividades do trabalho. O conflito era acompanhado pela Comissão Justiça e Paz da diocese de Campina Grande que, além da assistência de padres e bispo, contava com o trabalho de uma atuante advogada, num contexto algo similar ao que era feito em outras regiões do estado, notadamente pela região da diocese de Guarabira e na da Arquidiocese da Paraíba. Como é sabido, naquele momento do regime militar, eram as igrejas que emprestavam decisivo apoio às lutas no campo. A proximidade com o movimento dos trabalhadores rapidamente suscitaria oportunidades para o estabelecimento de relações complementares ao estudo desenvolvido pela aluna. Dessa forma, nos envolvemos com a divulgação do conflito através da imprensa escrita; nos fazíamos presentes nas discussões fechadas, promovidas pelas lideranças; participávamos das assembléias dos trabalhadores; acompanhávamos as reuniões do STR (Sindicato dos Trabalhadores Rurais) de Alagoa Nova, cujo presidente se recusava a prestar apoio aos trabalhadores; comparecíamos ao cartório da cidade — juntamente com os trabalhadores, que sempre acorriam em massa — nas audiências das ações judiciais movidas contra alguns deles, e gravávamos os depoimentos; fotografávamos atos litúrgicos que contavam com a presença do bispo da diocese de Campina Grande, realizados no interior da propriedade; projetávamos os slides daqueles atos religiosos, ao ar livre, para uma massa de mais de 200 pessoas; acompanhávamos-lhes nos atos públicos promovidos na 9
Neste último caso, eu pude escolher ser supervisor da equipe que iria trabalhar nos assentamentos criados a partir da luta que eu acompanhara.
cidade de Campina Grande; etc. Pouco a pouco, procurando-se responder a determinadas necessidades do movimento se estabelecia a vinculação do trabalho de acompanhamento do conflito — e nesse processo emprestando solidariedade e passando a desenvolver uma gama de atividades — com a atividade de pesquisa. Procurava-se configurar um trabalho que tivesse personalidade própria, que não fosse de militância política strictu sensu, e que fosse portador de uma contribuição específica, inerente ao trabalho acadêmico. Uma das atividades desenvolvidas propiciaria, com clareza, especificar o lugar do nosso trabalho. Havia a necessidade de estabelecimento de procurações para que a advogada pudesse proceder à ação de consignação do foro em cartório, forma jurídica adequada para neutralizar a estratégia dos proprietários do imóvel que tinham em mente promover ações de despejo contra os moradores. Mas, as lideranças do movimento não conheciam a totalidade dos moradores e não tinham o hábito de circular pelas diversas partes do imóvel, que ainda estava sob o controle do administrador. Em comum acordo com as lideranças, organizamos a aplicação de um questionário com a totalidade dos moradores do imóvel. A cada domingo uma equipe formada por professores e alunos se dirigia a um setor diferente da propriedade, para onde acorriam os trabalhadores que residiam nas proximidades. As lideranças do movimento tinham parte ativa neste processo. Eram eles que escolhiam a casa do morador onde se iria trabalhar, além de fazerem o trabalho de mobilização necessário. Enquanto se procedia a aplicação dos questionários — cujas perguntas procuravam fazer quantificações de questões suscitadas pelo movimento e por nós mesmos — eles divulgavam os objetivos da luta e realizavam uma tarefa essencial: efetuavam o recolhimento das assinaturas para o estabelecimento de uma procuração coletiva para a advogada, forma indispensável para habilitá-la a agir em nome deles. O conjunto de nossas ações permitiu o estabelecimento de uma relação de confiança com os trabalhadores, e de cumplicidade com as lideranças do movimento. Todo o processo configuraria que aquelas pessoas da universidade tinham compromisso com a luta dos trabalhadores, que estavam dispostas a prestar uma colaboração que perdurava no tempo, que tinha continuidade, que não se interrompia, que poderia durar por vários anos. Seguindo o exemplo de outros colegas da UFPB (Universidade Federal da
Paraíba), campus II, que haviam feito um documentário cinematográfico, em 16 mm., a partir de uma pesquisa sobre a comercialização do algodão no Sertão, nós tivemos a idéia de, a partir do luta do Engenho Geraldo, também realizar um documentário sobre a luta pela terra na Paraíba. Formada a equipe10, aprofundamos a idéia com as lideranças e promovemos reuniões para discutir como deveria ser o filme, o que nele deveria constar, qual seria sua finalidade. Neste processo, definiu-se o seu conteúdo — que aspectos deveríam ser retratados, quem daria depoimentos, etc. Assim, coube à principal liderança espontânea dos trabalhadores — respeitada pelo seu carisma, por sua capacidade de expressão oral e por sua coragem, por ter sido o primeiro a enfrentar o antigo e poderoso proprietário do imóvel (antes da configuração da situação de conflito fundiário), que naquele momento já estava em mãos dos herdeiros — contar o essencial da luta; recaiu sobre um dos raros trabalhadores negros dar o depoimento contando a mais ousada das ações promovida pelos “guerreiros de Santan'Ana”, em solidariedade a uma posseira de um pequeno imóvel vizinho, quando mais de 400 pessoas (contando inclusive com a participação de crianças) destruíram e queimaram a cerca que a oprimia. Uma chuva fina e uma fumaça branca (que subiu aos céus) fez-nos se sentirem guerreiros aprovados por sua padroeira, o que os levaria a entoar cânticos enquanto efetuavam a ação solidária; um dos lideres falou sobre sua viagem ao Rio de Janeiro, registrando o vai-e-vem da migração sazonal, tão habitual aos seus companheiros; conjuntamente também escolhemos no roçado de quem seriam filmadas as cenas de trabalho; as tomadas na casa de farinha; etc. Nas outras regiões do estado (Agreste e Litoral, principalmente), foram selecionados os conflitos mais importantes, onde se promoveram contatos com as lideranças, com aqueles que os apoiavam, e procedeu-se igualmente a levantamentos e discussões para definição do que deveria constar do documentário. Apesar das dificuldades enfrentadas pelos moradores, o engenho Geraldo foi integralmente desapropriado11 pelo presidente Figueiredo em dezembro de Um projeto, por nós elaborado — após aprovação dos três bispos — foi levado por D. José Maria Pires a Roma, e proposto à Misereor. Sua aprovação assegurou os trinta mil marcos alemães necessários ao empreendimento. O documentário se intitula “Lutas e Vidas” e tem, aproximadamente, 50 minutos de duração. O filme contém ainda uma parte sobre as Ligas Camponesas, trechos de uma entrevista de Gregório Bezerra (concedida à TV Paraíba) e tem a participação do cantador de viola Ivanildo Vila Nova. 11 O decreto de desapropriação excluiu a sede do engenho e cerca de nove hectares em 10
1982, e no assentamento criado ficaram todas as 554 famílias (OLIVEIRA, 1983).
3. Segunda Experiência: Luta pela permanência na terra dos moradores em cinco imóveis rurais, entre 1991 e 1996. Próximo do final do trabalho de pesquisa e assessoria “Implementação do PAPP no Engenho Geraldo Implementação do PAPP no Engenho Geraldo”, o presidente do STR de Alagoa Nova me fez o convite para começar a acompanhar um novo caso de luta pela permanência na terra. Tratava-se da luta travada por cerca de 150 famílias de antigos moradores de cinco imóveis, cada um deles com 525 ha de área — localizada nos municípios de Alagoa Nova, Massaranduba e Alagoa Grande — resultante da partilha de um latifúndio que, em seu apogeu chegou a ter 7.000 hectares. Naquele momento, as terras estavam sendo objeto de um processo especulativo, liderado por um comerciante de Campina Grande que havia obtido preferência de compra junto às cinco herdeiras que detinham a titularidade dos mesmos. A atividade tem início em 20 de agosto de 1991, quando ocorre a reunião de preparação dos moradores para a primeira rodada do processo de negociação com os proprietários dos referidos imóveis, sob a coordenação do Interpa (Instituto de Terras e Planejamento Agrícola da Paraíba). Embora o acompanhamento deste caso tenha continuado após 14 de junho de 1995, esta é uma data decisiva para o equacionamento do conflito e também para a compreensão da natureza do meu trabalho. O que se irá apresentar12 aqui transcorre, essencialmente, entre as duas datas especificadas acima. (OLIVEIRA, 2002) Naquele período (de 1991 a 1996), os agricultores eram obrigados a se bater em 04 (quatro) “frentes de luta”, de forma praticamente simultânea, a saber: Luta pela manutenção do controle do território, no interior dos imóveis;
tomo dele, na presunção de que ali ficaria instalado o administrador. O desacordo dos moradores os levaria a forçar a saída dele, mediante indenização paga com recursos financeiros tomados emprestados à diocese de Campina Grande. Coletivamente, os trabalhadores saldaram a dívida, posteriormente. 12 A partir do trabalho de assessoria e pesquisa desenvolvido junto a este movimento, eu escrevi minha tese de doutorado, que serve de base para parte do que está sendo apresentado neste texto.
Enfrentamento dos proprietários na esfera judicial; Participação do processo de negociação, sob a mediação do Interpa, no início do 2o semestre de 1991; Luta pela obtenção da atenção do Incra para este caso de conflito fundiário. Ter que responder às ofensivas dos proprietários impõe aos trabalhadores a necessidade da organização. Os desafios derivam fundamentalmente do processo que os agricultores, com o apoio de seus assessores, precisam deflagrar para poderem participar em todas as instâncias em que são solicitados, a partir da existência do conflito. Cada uma das “frentes de luta” apresenta questões diferentes que precisam ser decifradas pelo movimento, condicionante básico para que se estruturem as respostas que precisam ser dadas. As questões de fundo, na oposição entre proprietários e trabalhadores, eram dadas pelas motivações de cada uma das partes com relação à terra. Os proprietários pretendiam desfrutar dos imóveis que haviam comprado. Os trabalhadores desejavam continuar sendo produtores agrícolas familiares. Mas, havia algo mais. A determinação dos trabalhadores — de não permitir que os novos proprietários desenvolvessem qualquer atividade produtiva sobre as terras que eles haviam comprado — colocava um grande desafio para a sua organização, e para seus assessores. Tratava-se de argumentar, especialmente no processo de negociação e nos embates judiciais, para fundamentar aquela determinação inarredável dos produtores. Nas disputas judiciais isto era ainda muito mais difícil, uma vez que os juizes tendiam a considerar que era intransigência dos trabalhadores não permitir que os proprietários também utilizassem as terras. As questões colocadas para o movimento dos trabalhadores, eram, sumariamente: mobilizar os trabalhadores para a luta, com vistas a obter a participação da maioria deles; impedir a proliferação dos acordos individuais, vistos como grave ameaça, uma vez que poderiam afetar diretamente a mobilização dos trabalhadores; manter o controle do território; proteger suas lideranças, contra os riscos derivados de seu papel; promover a defesa dos trabalhadores na esfera judicial; preparação para a participação do processo de negociação; organizar as respostas a todas as iniciativas hostis, perpetradas pelos proprietários. Para propiciar certa estrutura organizacional o movimento dos trabalhadores toma algumas iniciativas, como se verá a seguir.
Coloca-se em funcionamento uma estrutura organizacional informal que tem dupla função: coordenar as ações do próprio movimento e a articular a ação conjunta das entidades que o apóiam. As instâncias são basicamente duas: As assembléias e o Comitê de Apoio. Sem periodicidade definida, as assembléias eram feitas com os seguintes objetivos: Sempre que havia a necessidade de um posicionamento coletivo dos agricultores frente a algum fato novo; Para falar das dificuldades, das situações de impasse — e houve mais de um — onde sempre se procurava dar algum passo prático, forma eficaz de não “baixar os braços”, de procurar fazer o que fosse necessário para manter a chama da luta acesa. A necessidade de um espaço que permitisse discussões mais aprofundadas, com menor número de participantes, é resolvida com a criação de uma instância que passa a ser chamada de Comitê de Apoio, da qual participam todos os assessores e uma representação dos trabalhadores. Esta estrutura irá congregar representantes dos seguintes organismos e/ou entidades: o presidente do STR de Alagoa Nova; o presidente do STR de Massaranduba; os representantes da CPT (Comissão Pastoral da Terra); os advogados, de uma das duas entidades que irão prestar assistência jurídica aos trabalhadores; 14 (quatorze) trabalhadores, eleitos pelos demais, para representar cada uma das 7 (sete) áreas nas quais dividiram-se as propriedades; o “representante” da universidade. A heterogênea composição do Comitê de Apoio faz com que sua estrutura, e seu funcionamento, não tenham a marca de nenhuma das entidades que o compõem. Não se seguiu um modelo, nem tampouco se tinha uma concepção prévia, de qual deveria ser a dinâmica, e o processo organizacional, que deveria ser estruturado para que houvesse uma competente participação nos espaços de confronto e de negociação. O que ocorre é um somatório de experiências de participação em outros casos de luta pela terra, e uma disponibilidade para procurar responder aos desafios, à medida que os mesmos iam surgindo. A disponibilidade de assessoria jurídica é algo vital para os trabalhadores, nos conflitos fundiários. A defesa dos trabalhadores na justiça constitui-se num dos principais campos de atuação dos advogados, onde o objetivo é propiciar a melhor defesa jurídica para os agricultores, contra os quais haja ações interpostas pelos proprietários.
Entretanto, propiciar a melhor defesa significava bem mais do que ter uma boa argumentação jurídica, elaborada por um bom advogado. A boa defesa judicial é antes de qualquer coisa uma questão de organização dos trabalhadores. Para que se tenha uma rápida visão de conjunto sobre as diferentes fases da luta, apresento a seguir um sumário das situações impasse que tiveram que ser superadas para que houvesse um desfecho favorável aos trabalhadores. Impasse natural. Nenhum dos contendores tinha força para poder afastar o adversário de cena. Nenhum era suficientemente forte para, apenas com seus próprios recursos, sair-se vitorioso! Impasse na justiça. As ações judiciais, interpostas pelos proprietários contra os posseiros não tinham possibilidade de proporcionar uma solução para o conflito fundiário. Em outros termos, no plano judicial não havia, naquele contexto, possibilidade de equacionamento para o conflito. Impasse nacional. No início das negociações, em agosto de 91, tinha-se uma situação de paralisação das ações desapropriatórias do governo federal, o que configurava uma situação de impasse geral para os diversos conflitos fundiários, em todo o país. Impasse na ação do Interpa, em 91. Nas rodadas de negociação, apesar de todas as pressões, os trabalhadores decidem não sucumbir às propostas apresentadas e não se chega a nenhum acordo. Impasse no 1o acordo mediado pelo Incra, em 92. O impasse se estabelece quando os proprietários não aceitam os preços a serem pagos pelas terras, conforme definição da vistoria realizada pelo Incra nos imóveis, após a celebração de um acordo, em 14 de abril de 1992, no teatro municipal da cidade de Alagoa Nova, Pb. Impasse decorrente do desmembramento das terras. O novo líder dos proprietários promove, artificialmente, o desmembramento da titularidade dos imóveis com a expressa finalidade de deixá-los com área inferior à que o Incra poderia desapropriar. As situações de impasse podem ter diferentes significados. No plano nacional, significavam que os interesses contrários à reforma agrária estavam prevalecendo. De fato, durante cinco anos — entre 1988 e 1993 — o país não dispôs de legislação adequada para a execução de um programa de reforma agrária. Mas, no contexto do conflito os impasses (internos) sempre tiveram significados positivos. Sempre que eles ocorreram, tinha- se algo de positivo para o movimento dos trabalhadores. Significava que algum encaminhamento desinteressante não tinha tido curso. Em todos os momentos, tratou-se de
vitórias parciais do movimento dos moradores. O trabalho de assessoria se dá através da participação na equipe de assessores aos trabalhadores em luta pela conquista da terra, o que implicava na participação em todos os momentos do processo de organização dos agricultores. Logo no início do trabalho, durante as rodadas do processo de negociação haveria a primeira oportunidade de produzir algo inerente ao trabalho de pesquisa, propiciando especificidade. A existência de levantamentos do Interpa sobre a situação dos posseiros ensejaria a elaboração de um “parecer técnico” (OLIVEIRA, 1991). “Or c’est seulement durant le processus de recherche que le vrai objet (le besoin, la demande, les problèmes) émerge et que les participants sont capables de le saisir progressivement, de le nommer et de le comprendre." (BARBIER, op. cit., p. 33) A organização dos trabalhadores pôde então inserir, como um dos elementos do processo de negociação, um documento que analisava algo essencial no tocante à oposição de interesses entre proprietários e trabalhadores. Especificamente, o parecer técnico quantificou o valor dos bens dos trabalhadores e comparou com o valor da terra nua. A principal conclusão daquele parecer técnico foi que o que pertencia aos trabalhadores equivalia ao dobro do valor da terra nua, único bem detido pelos proprietários. Os levantamentos do Interpa ensejaram a comprovação de algo que, no início da década de 80, era dito pelos moradores do Engenho Geraldo (e que naquela oportunidade não pode ser comprovado numericamente): os bens dos moradores valem mais do que o que possuem os donos da terra. Circunstância que resulta da situação de abandono dos imóveis, por parte dos herdeiros de antigos, e importantes, donos de engenho, o que propicia a emergência de uma agricultura familiar, que antes era contida pela assimetria da morada. (SIGAUD, 1979 e GARCIA jr., 1989) A conclusão apresentada terá incidência nas disputas judiciais, estará presente ao longo do dialogo com o Incra, e será também decisiva — após a realização de nova pesquisa sobre a situação dos posseiros — para o equacionamento definitivo do conflito fundiário, a partir de junho de 1995, conforme já assinalado. A realização daquele trabalho iniciava o caminho que iria permitir a individualização da contribuição específica do professor da universidade. O fato de já ter realizado trabalhos similares anteriormente concorre positivamente para o planejamento desta nova experiência. Havia portanto o objetivo de proporcionar ao movimento dos trabalhadores
algo que não se confundisse com o trabalho feito pelos sindicalistas, que se diferenciasse do trabalho dos advogados que prestavam assessoria jurídica e que também não fosse igual ao que era realizado pelos membros da CPT, que também integravam o grupo de apoio à organização dos trabalhadores. Relacionam-se a seguir quais viriam a ser, em conjunto, as atividades realizadas. No cotidiano da luta, eu tinha (dentre outras) as seguintes “funções": Registrar a memória do movimento (gravando, registrando em vídeo, fazendo anotações em cadernos e diários de campo); Redigir e/ou digitar toda uma gama de documentos de interesse do movimento. O andamento do trabalho levaria ainda à realização das seguintes atividades: Elaboração de um parecer técnico, a partir dos dados coletados pelo Interpa; Acompanhamento da tramitação no Congresso Nacional dos Projetos de Lei relativos aos artigos do Constituição de 1988 que tratam de reforma agrária13; Participação na reflexão sobre “análise de conjuntura”, onde se destacam os elementos relativos aos planos e programas de reforma agrária, e à evolução da luta pela reforma agrária no país; Acompanhamento da tramitação dos processos de desapropriação, e de compra, dos imóveis existentes no Incra; Acompanhamento das ações judiciais impetradas contra os trabalhadores; Coordenação de pesquisa sobre a situação dos posseiros, cujos resultados incidiriam favoravelmente na solução do conflito; As minhas considerações, fruto do que consta dos itens anteriores, eram veiculadas em diversas oportunidades, dentre as quais destaco: encontros regulares com o presidente do STR de Alagoa Nova e com outros membros da assessoria dos trabalhadores; nas reuniões do Comitê de Apoio; nas 13
A Constituição de 1988 modifica a legislação agrária, mas não ocorre a regulamentação dos artigos que tratam de reforma agrária. A conseqüência é que o país deixa de dispor, durante 5 (cinco) anos, do arcabouço jurídico necessário às desapropriações para fins de reforma agrária. Os boletins mensais do INESC (Instituto de Estudos Socioeocômicos), que faz o acompanhamento parlamentar no Congresso Nacional permitiriam que eu acompanhasse a tramitação dos projetos de Lei objetivando regulamentar os citados artigos da Constituição. As analises feitas alimentavam o movimento dos trabalhadores no tocante a esta decisiva questão.
assembléias do movimento; nas rodadas do processo de negociação; nas discussões com os funcionários do Incra; e mesmo em uma conversa informal com um dos juizes que julgava os processos contra os trabalhadores; Havia ainda um problema a ser equacionado pela organização dos trabalhadores, e por seus assessores, que era de natureza temporal. Era necessário agir para conseguir postergar o desfecho de decisões judiciais, porque se avaliava que neste âmbito não se poderia ter soluções que assegurassem a permanência definitiva dos trabalhadores nas terras. Com este precípuo objetivo, o presidente do STR de Alagoa Nova propôs no decurso de uma audiência judicial que o processo fosse interrompido enquanto uma equipe da universidade fizesse novos levantamentos na área de conflito de sorte a atualizar as informações disponíveis sobre a situação. Aceita a proposta pelo juiz e pelos proprietários, foram tomadas as iniciativas para que o trabalho ocorresse, e se tornasse oficial, basicamente: formação de equipe de professores, oriundos de vários departamentos e seleção de alunos; elaboração de um projeto, com base no qual se daria o apoio financeiro do Incra, complementado pela própria universidade; elaboração de um questionário, com ativa participação dos demais membros da assessoria e das lideranças dos trabalhadores; organização do trabalho de campo, com envolvimento direto de todos os moradores; comunicação a todos os juizes que julgavam processos sobre a situação, bem como aos prefeitos dos três municípios. Em 14 de junho de 1995 eu apresentei os resultados da pesquisa — na sala do superintendente do Incra, em João Pessoa — para uma platéia que incluía: o principal proprietário dos imóveis, acompanhado de seu advogado; uma delegação dos moradores, com seus assessores; membros da equipe de pesquisa; o superintendente do Incra e vários funcionários do órgão. Eram dois os elementos das conclusões da pesquisa, com incidência direta sobre a disputa entre proprietários e trabalhadores: A comprovação quantificada de que mais de 50% dos moradores estavam nos imóveis há pelo menos três gerações. E que, dentre os poucos que neles não haviam nascido a maioria lá estava há pelo menos 10 anos; Que os bens pertencentes aos posseiros valiam muito mais do que o valor da terra nua, único bem detido por aqueles proprietários. Naquele momento do processo, as conclusões da pesquisa podem ser pensadas como uma espécie de gota d’água a pender em favor do lado dos posseiros, cuja força principal era dada sobretudo por sua capacidade de organização e luta, conjugada com o trabalho daqueles que eles haviam conseguido mobilizar em seu apoio.
Na mesma reunião, com as mesmas personagens — sem que ninguém tenha saído da sala, e sem interrupção — teve início, logo a seguir, o que pode ser considerado como o derradeiro momento do longo, conflituoso e tortuoso, processo de negociação tendo em vista o equacionamento daquele conflito fundiário14. Naquele dia, todo o processo teve seu desfecho quando foram estabelecidas as condições necessárias para que a intervenção do Incra pudesse se dar. Explica-se: o principal proprietário da terra comprometeu-se, naquela reunião de negociação, a remembrar os imóveis (que haviam sido por ele mesmo desmembrados, num bem sucedido estratagema para impedir a ação do Incra) fazendo com que a área de cada um deles voltasse a ser superior a 15 módulos fiscais, condição indispensável para que o mecanismo da desapropriação pudesse ser acionado. A partir daquele dia tão somente ocorre o que ali foi estabelecido: o proprietário cumpre com a palavra empenhada e o Incra encaminha a desapropriação integral dos imóveis, com a conseqüente criação de dois assentamentos de reforma agrária, de sorte que os antigos moradores passam à condição de assentados, nos mesmos locais em que se situam seus sítios tradicionais. Obtém-se, finalmente, o equacionamento daquele conflito fundiário que, para Martins (2.000: 19), “se constitui... em legítimo ato de reforma agrária”. Reforma agrária como solução de um tipo específico de impasse: “Reforma agrária é todo ato tendente a desconcentrar a propriedade da terra quando esta representa ou cria um impasse histórico (gripo deste texto) ao desenvolvimento social baseado nos interesses pactados da sociedade.” (MARTINS, op. cit., p.19)
4. Considerações Finais 14
Registre-se que, naquele momento o principal proprietário era uma personagem nova, que não estava presente na fase de negociação formal, mediada pelo Interpa, em 1991. Ele se inserira na história, adquirindo a maior parte das terras em litígio, e até então se recusara a negociar com os moradores. Ele havia feito uma infrutífera tentativa (mesmo respaldado por liminar judicial) de se estabelecer produtivamente nas terras. A vigorosa reação dos trabalhadores lhes valera um processo criminal que, após a desapropriação dos imóveis, colocaria 28 deles (e mais o presidente do STR de Alagoa Nova) numa espécie de liberdade condicional (expressão que não tem precisão jurídica!), preço pago pelo arquivamento do processo.
José de Souza Martins coloca com propriedade a legitimidade do trabalho de assessoria, desempenhando por sociólogos (e por intelectuais, de uma forma geral) quando colocam-se à disposição de determinados grupos. “Não vejo porque possa haver incompatibilidade entre a condição de sociólogo e a de assessor de grupos populares e de grupos indígenas, uma vez que tal incompatibilidade não é mencionada quando sociólogos e antropólogos da Universidade assessoram empresários e cientistas políticos, assessoram partidos e governantes.” (MARTINS, 1993:42) Percebe-se que não há conflito entre assessoria e pesquisa. Muito ao contrário. Assessorar os trabalhadores proporciona uma forma privilegiada de fazer pesquisa. Por seu turno, ter a preocupação com a pesquisa, isto é, de conhecer melhor aquela realidade realimenta a assessoria. Parte das atividades de pesquisa, cujo desenvolvimento deu-se de forma concomitante com o trabalho de assessoria, desenvolveu-se sempre a partir daquilo que era suscitado como necessidade do movimento dos produtores agrícolas. Produtores em processo de mobilização e luta única forma disponível para manterem a condição que depois de algumas gerações ostentavam. Com efeito, a luta afigura-se como a única alternativa para continuarem a ser produtores agrícolas, uma vez que o que os proprietários pretendiam fazer com as terras representava uma clara e expressa ameaça à sua condição de produtores agrícolas. Gilli (1972, cap. 2) ao discutir o contexto específico no qual se desenvolve a atividade do pesquisador social propõe que existe uma hierarquia entre os três personagens da pesquisa, a saber: um o o objeto.
pesquisador,
comitente e
“Em cada pesquisa há um sujeito, o pesquisador; um objeto, isto é, os indivíduos, ou melhor, o grupo social sobre o qual se faz a pesquisa; um concomitante, ou seja a pessoa ou grupo que solicitou a pesquisa e que porá em prática seus resultados”. (ibid) Nesta perspectiva, estabelece-se “... uma situação de desequilíbrio, de assimetria entre sujeito e o objeto”, na medida em que “o sujeito detém um poder técnico em relação ao objeto”. (GILLI, op. cit. p. 4) Por seu turno o pesquisador encontra-se com seu poder limitado por não deter os meios para determinar encaminhamentos práticos que dêem seguimento às
conclusões, ou mesmo recomendações, de seu trabalho de investigação. “(o pesquisador) tem, em suma, um poder técnico, mas não pode dar nenhuma continuidade a este poder, porque lhe falta o poder material, quer dizer, o poder de decidir e de realizar” (ibid) O poder de tomar decisões e de efetivar encaminhamentos práticos atinentes ao objeto está circunscrito ao concomitante. O recurso ao pesquisador tendo sido tão somente uma delegação de confiança, e de um poder transitório, para que fossem produzidas as informações requeridas sobre o objeto. “Podemos, portanto, considerar toda a experiência da pesquisa como um exercício de poder. No centro está o poder técnico do pesquisador; mas antes e depois está o poder material do concomitante”, (ibid) Ao objeto, está reservada uma situação passiva e uma posição de subordinação. “Sobre o objeto de pesquisa se exerce tanto o poder material do comitente quanto o poder técnico do pesquisador”. (ibid) E de forma mais incisiva: “O termo “objeto” exprime exatamente esta posição de subordinação, de passividade, à qual o objeto de uma pesquisa é constrangido. Ele não pode interferir de maneira nenhuma no mecanismo técnico no qual está envolvido, e muito menos pode se defender das conseqüências desse processo.” (ibid) Coloca-se então a seguinte questão: A existência de movimentos sociais, e de intelectuais que se colocam a serviço de suas causas, possibilitaria romper os estreitos limites de cada um dos personagens habituais da pesquisa nas ciências sociais? Neste trabalho pretende-se fazer a demonstração de que a resposta a esta indagação é afirmativa. Todo um conjunto de práticas, de posturas, pode ser alterado, de sorte a redefinir as relações entre os personagens habitualmente presentes no processo de pesquisa. A prática de experiência de “pesquisa a serviço da ação” permite discutir algumas questões presentes no debate sobre a pesquisa em ciências sociais. Em primeiro lugar, supera-se de entrada a questão da neutralidade científica. Há um claro e expresso “parti pris”. Não obstante, isto não significa abrir mão do rigor científico, do uso criterioso de determinadas técnicas. Apenas, e tão somente, ocorre algo que talvez possa ser expresso assim: aqui o comitente é o grupo social em movimento.
Considero que a experiência de extensão vivenciada tem muita proximidade com o que se costuma denominar de pesquisa-ação. Barbier recorda um ponto de partida conceituai para pesquisa-ação. “Il s’agit de recherches dans lesquelles il y a une action délibérée de transformation de la réalité; recherches ayant un double objectif; transformer la rélaité et produire des connaissances concernant ces transformations.” (BARBIER, 1996: 7) Neste contexto, o pesquisador está a serviço da causa dos dominados, tanto através dos resultados da pesquisa quanto de sua prática, enquanto pesquisador engajado. Ao discutir as relações entre movimentos sociais e educação popular, Souza (1995) nos fornece uma interessante pista para tentar compreender as inúmeras situações nas quais grupos de advogados, religiosos e outros intelectuais, no mais das vezes associados a sindicalistas, colocam-se à disposição de grupos que lutam para superar situações desvantajosas no confronto com outros segmentos sociais ou mesmo com instâncias do governo. Em seus termos: “De um lado, pessoas com formação escolar mais ampla, portadores de um pensamento crítico, de projetos políticos mais ou menos esboçados e uma lógica específica. Estas se fazem no processo agentes sociais. Denomino-as, genericamente, de intelectuais. De outro, pessoas que sofrem determinadas situações de exploração, dominação, subordinação, discriminação, situações sociais deprimentes. Geralmente com pouca escolarização, com uma lógica própria e quase sempre sem projetos políticos esboçados. Estas, no decorrer do processo se transformam em autores sociais. Denomino-as de segmentos das camadas da classe trabalhadora.” (SOUZA, 1995: 79) Nas situações empíricas vivenciadas configuram-se compatíveis com o que o autor em questão anuncia:
absolutamente
“Esses dois sujeitos potenciais (pessoas de pensamento crítico ou intelectuais e pessoas das camadas da classe trabalhadora), pelas razões mais diversas e circunstâncias mais inusitadas, se encontram, vão confrontando seus pontos de vista e se transformando em sujeitos coletivos, expressão de movimentos sociais populares.” (ibid) Compreensão que pode ser complementada com termos a seguir apresentados.
“Le chercheur en recherche-action n’est ni un agent d’une institution, ni un acteur d’un organisation, ni un individu sans appartenance sociale, par contre il accepte éventuellement ces différents rôles à certains moments de as action et de sa réflexion. Il est avnat tout un sujet autonome et plus encore un auteur de sa pratique et de son discours.” (BARBIER, op. cit. p. 8) De fato, o engajamento como assessor, no processo de organização e luta dos trabalhadores, adquire dinâmica própria, imprevista. Na medida em que o tema da investigação está diretamente relacionado ao tempo do conflito, o pesquisador também não detém o controle do tempo da investigação. Nesse sentido, o trabalho de assessoria e pesquisa não segue um cronograma, definido previamente, como normalmente ocorre na atividade de pesquisa. Acrescente-se que este tipo de trabalho é bastante exigente: requer compromisso, continuidade e uma dedicação que deve corresponder às necessidades do processo de luta. Na prática da pesquisa-ação, pelo envolvimento, pelos imprevistos, pelos desafios, surge a necessidade do pesquisador externar algo de próprio, de pessoal. Não se está ali para seguir receituários, ou preceitos adredemente concebidos por organizações, entidades ou ideologias. Torna-se necessário, portanto, que — confrontado a determinadas situações — o pesquisador saiba bem utilizar a “caixa de ferramentas” de que ele dispõe. Esta á a idéia: é preciso primeiro dispor de uma “caixa de ferramentas”. E, segundo: ter sensibilidade para saber que ferramentas utilizar, nos diferentes momentos. “Le chercheur joue alors son jeu professionnel dans une dialectique qui articule sans cesse l’implication et la distanciotion, l'affectivité et la rationalité, le symbolisme et l’imaginaire, la médiation et le défi, l’autoformation et l'hétériformatio, la Science et l'art.” (ibid) Surgem, portanto, diferentes possibilidades nas situações particulares, diversos encaminhamentos podem ser vislumbrados, mas dependendo da dinâmica dos processos, e de determinadas intervenções oportunas, tomam-se determinadas direções a partir da análise das alternativas concretas. “Sem essa interinfluência e interferência mútua, sem esse questionamento permanente das situações, das condições existentes, a necessidade de transformação social não é formulada nem se transforma numa prática histórica nem cria sujeitos da ação
coletiva transformadora. Sem esse confronto, não temos práticas sociais transformadoras, não teremos ações coletivas inovadoras.” (SOUZA, op. cit., p.80) Pierre Bourdier entra nesse debate e propõe: “O que podemos fazer é criar não um contra-programa, mas um dispositivo de pesquisa coletivo, interdisciplinar e internacional, associando pesquisadores, militantes, representantes de militantes, etc., tendo os pesquisadores um papel bem definido: eles podem participar de maneira particularmente eficaz, pois é sua profissão, de grupos de trabalho e de reflexão, em associação com pessoas que estão em movimento.” (BOURDIER, 1998: 76) Na proposta de Bourdieu, pensada para os grandes temas (de âmbito internacional), como componente do que ele chama de “táticas para enfrentar a invasão neoliberal”, está implícito o redirecionamento do trabalho dos intelectuais para a construção de um grande “dispositivo de pesquisa coletivo”, que se colocaria a serviço da transformação da sociedade, fornecendo reflexões, interpretações e procurando contribuir na construção de caminhos alternativos à lógica do laissez-faire que seriam de fato “leis de conservação”, cuja verificação interessa apenas àqueles que se beneficiam com o caminho neoliberal. Evidentemente, que todos os paralelos são possíveis e desejáveis. O que está indicado como “tarefa” dos intelectuais comprometidos com os interesses das grandes maiorias das diversas sociedades, em planos macros, pode ser aplicado a toda e qualquer situação nas quais grupos, coletividades, comunidades, ou qualquer outra forma de ser coletiva, buscam superar situações de subordinação econômica, social, política, etc. A proposição de Bourdieu é, portanto, autoaplicável nos mais variados contextos. Ou seja, é absolutamente desejável que intelectuais comprometidos, críticos, tornem-se disponíveis para participar — aportando sua contribuição específica — de movimentos de trabalhadores, e outros, colocando-se assim a serviço daqueles interesses. Neste ponto, é importante registrar que esta específica forma de aproximação dos grupos sociais (de “estar junto”) propicia elementos ímpares, únicos, do ponto de vista do processo de pesquisa. Impensáveis quando o pesquisador — munido de sua pretensa neutralidade — trata os atores sociais como “objeto” de investigação. Nos contextos clássicos de pesquisa social não se estabelece reciprocidade, não estão presentes os níveis de confiança — de cumplicidade mesmo — que se estabelecem quando do engajamento dos pesquisadores às lutas dos trabalhadores.
Os riscos, e as armadilhas do caminho, derivam do fato de que, em boa medida, está sendo apresentado, descrito e analisado todo um processo do qual o autor deste trabalho fez parte. Foi talvez uma de suas personagens. Mas, com honestidade de propósito e procurando trazer uma contribuição para a reflexão de questões presentes em contextos similares, espera este autor superar as dificuldades inerentes a trabalhos do gênero. Bourdieu, ao final de sua intervenção na gare de Lyon (estação ferroviária e metroviária de Paris) ressalta a importância do exercício (e da prática) de uma “... solidariedade real para com os que hoje lutam para mudar a sociedade..." e valoriza, redefinindo-o, o trabalho dos intelectuais enquanto portadores de uma característica exclusiva: a capacidade de realizar trabalho científico. As proposições do autor são claras. Explicitam um lugar para os intelectuais — na luta solidária com segmentos dos dominados — no processo de busca por uma transformação social, objetivando atingir um mundo melhor. “Aquilo com que nós pesquisadores poderiamos sonhar é que uma parte de nossas pesquisas pudesse ser útil ao movimento social..." (BOURDIER, op. cit., pp. 78,79)
Referências BARBIER, R. La Recherche Action. Paris: Anthropos, 1996. BOURDIER, P. Contrafogos: táticas para enfrentar a invasão neoliberal. Rio de Janeiro: CANTALICE, D.M.B. conflito de terra em Alagoa Nova. In I encontro da realidade nordestina. Campina Grande: UFPB/Fundação Ford, 1980. GILLI, G.A. Como si fa ricerca: guida alle ricerca sociale per non specialisi. Traduzido do italiano por Hugo E. Ratier. Verona: Mondari, 1972. GARCIA JR., A. O SUL: caminho do roçado (estratégias de reprodução camponesa e transformação social). São Paulo: Marco Zero; Brasília: Ed. Da UNB/MCT-CNPQ, 1989. MARTINS, J.S. A questão agrária brasileira e o papel do MST. In Stédile J. P. (org.), A reforma agrária e a luta do MST. Petrópolis: Vozes, 1997. OLIVEIRA, F. G Transformations des rapports sociaux dans les structures de production agricole de l’etat de Paraíba: la lutte pour la terre et la resistantce paysanne depuis quinze ans. Nanterre: mémoire de DEA apresentado a l'Université de Paris X, Nanterre, 1984
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A Mídia e a Educação Ambiental Helton Luís Paulino da Costa15 João Tertuliano Nepomuceno Agra16
Introdução A intenção deste ensaio é mostrar a importância da mídia — jornais, revistas, cinema, rádio, tevê e internet, entre outros — na construção de um conjunto de valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltado para a conservação do meio ambiente e necessários à qualidade de vida das gerações atuais e futuras. A garantia do suprimento de recursos naturais renováveis e não renováveis para as gerações atuais e futuras é um grande desafio para os governos, empresas e pessoas no mundo inteiro hoje. São recursos naturais renováveis a água, a energia do Sol e do vento, a flora e a fauna que não estão em extinção. Os recursos naturais não renováveis são o petróleo e os minérios em geral. A garantia da oferta destes recursos para a geração atual e para as futuras gerações é conhecida como “sustentabilidade” dos recursos naturais. A água se destaca dentre os recursos naturais por ser necessária e insubstituível às vidas das pessoas, animais e plantas. Além disso, a água é necessária à produção de bens e serviços essenciais como alimentos, moradia, transportes e energia. Sem um suprimento mínimo água não haveria vida. E sem excedentes de água não seria possível a existência de sociedades complexas baseadas na agricultura e na indústria. A distribuição de água no mundo é desigual. Entre as nações com grande extensão territorial, o Brasil, o Canadá, a Rússia e a Austrália possuem reservas abundantes de água. Mesmo nestes países, há abundância em algumas regiões e escassez em outras. Por exemplo, no Brasil, onde a vazão média dos rios é de 183 mil metros cúbicos por segundo, os rios da Amazônia contribuem com 73 % desta vazão para atender 4 % da população do país. No Nordeste, 23 % da população brasileira recebe apenas 6 % da vazão nacional. A maior parte da água consumida no mundo, cerca de 70 %, destina-se à agricultura. Em uns poucos países desenvolvidos o consumo de água pela 15
Aluno do Curso de Direito da UEPB, Bolsista ITI-A do CNPq no Espaço da Água, Diretor de Arte e Mídia, heltonpaulino@yahoo.com.br. 16 Professor da UA de Física do CCT da UFCG, Coordenador do Espaço da Água.
indústria supera o consumo agrícola. O consumo industrial é de 46 % nos EUA, 69 % no Canadá, 75 % no Reino Unido, 74 % na França, 68 % na Alemanha e 63 % na Rússia. No Brasil o consumo industrial representa 18 % do total, o doméstico 20 % e a agricultura consome 62 % das águas. A sustentabilidade da oferta da água demanda esforços para planejar e gerir a oferta e para que sejam evitados desperdícios no consumo. Estes esforços extrapolam as capacidades de governos e empresas, exigindo a participação ativa das pessoas, sozinhas e em grupos. Esta participação, voluntária, pode começar em ações educativas denominadas “Educação Ambiental”. A Educação Ambiental se apóia em consensos construídos acerca do uso dos recursos naturais no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Começamos o ensaio apresentando as bases da Educação Ambiental. Em seguida descrevemos a produção de filmes documentários realizados com especialistas em recursos hídricos da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e o papel da produção de audiovisuais na Educação Ambienta], em especial nas escolas de Ensino Básico. Concluímos o ensaio descrevendo as atividades do Espaço da Água na EEEMEP — Elpídio de Almeida, o “Estadual da Prata” em 2006 e 2007. O Espaço da Água hoje é uma exposição virtual de divulgação científica centrado no tema “conservação e o uso racional da água“ disponível no endereço www.hidro.ufcg.edu.br/espacoagua.
1. As bases da Educação Ambiental A sustentabilidade dos recursos naturais depende de decisões racionais de governos, empresas e pessoas. A legislação de cada país e acordos internacionais em geral mediados pela ONU regem as decisões de governos e empresas. As decisões pessoais, guiadas por valores culturais, determinam o que, quanto e como consumir de empresas. Através do voto as pessoas escolhem governantes e parlamentares em nações democráticas, como o Brasil. E no dia em casa, no trabalho e nas escolas as pessoas podem minimizar desperdícios no uso dos recursos naturais, como a água. A tarefa de evitar vazamentos em tubulações de água e torneiras, cujo impacto acumulado é enorme, extrapola a capacidade de governos e empresas. Assim a sustentabilidade, depende fortemente de decisões de pessoas e de grupos de pessoas, e a Educação Ambiental pode ser um instrumento para fomentar a tomada de decisões racionais necessárias à sustentabilidade dos recursos naturais.
A racionalidade das decisões depende de consensos construídos a partir de conhecimentos científicos acerca da distribuição e da abundância das formas de vida, das interações dos organismos vivos entre si e deles com o ambiente onde eles vivem, o “habitat” ou “meio ambiente”. Ao conjunto destes conhecimentos dá-se o nome de “ecologia”. A ecologia descreve as propriedades do meio ambiente como a insolação ou fluxo de energia solar, o clima e a geologia, fatores abióticos, e o comportamento dos outros organismos que coabitam o mesmo habitat. A construção de consensos a nível internacional acerca da sustentabilidade dos recursos naturais tem sido conduzida no âmbito da ONU, organização criada em 1945 após a 2a Guerra Mundial. A ONU, inicialmente com 50 países membros, tem sede em Nova Iorque, nos Estados Unidos da América do Norte (EUA) e hoje é uma organização da qual fazem parte 192 nações no mundo inteiro. A ONU, uma organização mundial, é a sucessora da Liga das Nações que congregava apenas as grandes potências econômicas e militares da Europa entre as duas guerras mundiais do século passado. A Liga foi criada no âmbito do Tratado de Versalhes negociado em 1919 e 1920, após a 1 a Guerra Mundial, concretizando idéias apresentadas nas Conferências de Hague de 1899 e 1907. Registra-se que o conceito de “aliança universal para o desarmamento e a paz” foi criado pelo filósofo Immanuel Kant em 1795. A eclosão da 2a Guerra Mundial representou o fracasso da Liga das Nações enquanto instância articuladora de nações empenhadas na promoção da paz. Hoje, a ONU é capaz de empreender e coordenar ações em praticamente qualquer parte do mundo. Na legislação brasileira, disponível em www.presidencia.gov.br/legislacao, o conceito de recursos naturais é explicitado pela primeira vez em 1934, na 3 a Constituição Federal. Nesta constituição e nas seguintes — 1937 (Estado Novo), 1946 (redemocratização) e 1967 (governo militar) as ... “minas e demais riquezas do subsolo, bem como as quedas d’água”... aparecem como recursos distintos do solo para exploração ou aproveitamento industrial. As constituições brasileiras anteriores, a de 1824 (Império) e a de 1891 (República) não se referem aos recursos naturais. À época, a importância destes recursos não era tema de discussão no país nem em fóruns internacionais. A atual Constituição Federal, de 1988 dedica o artigo 225, capítulo VI, ao meio ambiente, a fonte dos recursos naturais renováveis e não renováveis. A Política Nacional da Educação Ambiental foi instituída em 1999 com a promulgação da Lei 9.795. Esta lei tem como fundamentos os consensos construídos internacionalmente no âmbito da ONU, com destaque para a
Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento realizada em 1992 na cidade do Rio de Janeiro. Esta Conferência despertou o interesse da imprensa hegemônica, a grande imprensa — jornais e revistas de circulação nacional, redes nacionais de rádio e tevê — para divulgar os limites da disponibilidade dos recursos naturais no Brasil e no mundo. Alguns anos antes da aprovação da Constituição atual, em 1981, foi criada a Política Nacional do Meio Ambiente através da Lei 6.938. Esta lei criou o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) com o objetivo de disciplinar o desenvolvimento sustentável através de mecanismos e instrumentos legais e institucionais adequados. Fazem parte do SISNAMA o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), instituições com repartições regionais nos estados da federação. Em 1992 a ONU promoveu a realização da Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio 92. Esta conferência teve o mérito de colocar em evidência temas de grande importância para a sustentabilidade dos recursos naturais. Desde então estes temas têm ocupado espaços significativos na grande mídia nacional, e também da imprensa hegemônica regional. A discussão de temas como a biodiversidade, as mudanças climáticas e o desenvolvimento sustentável levou à criação da Comissão das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável. Através da divulgação na mídia, pessoas no mundo inteiro passaram a conhecer a temática ambiental, em especial as ameaças de colapso no suprimento de recursos naturais no futuro próximo. Desde então esta divulgação tem adquirido espaços maiores e periodicidade no mundo inteiro. Hoje em dia praticamente todos os meios de divulgação — impressos, eletrônicos, radiofônicos, televisados e a internet — dedicam espaços para temas afins ao meio ambiente. A UNESCO, agência especializada das Nações Unidas em Educação, Ciência e Cultura com o propósito de contribuir para a paz e a segurança do mundo tem um papel importante na construção de consensos e na promoção da Educação Ambiental, promovendo colaboração internacionais. Entre estas colaborações se destaca a Semana de Educação para Todos em abril de 2004, durante a semana de realização da IV Cúpula Mundial de Mídia para Crianças e Adolescentes, numa tentativa de mobilizar as nações para a importância de uma educação de qualidade. Durante esta movimentação a participação dos meios de comunicação foi fundamental à capilaridade da divulgação, a difusão e disseminação da informação para parcelas mais amplas das populações, para públicos mais diversos, em especial das crianças e dos
jovens em idade escolar. As trocas de experiência sobre o uso criativo e efetivo da mídia na Educação Ambiental e na educação em geral abre novas possibilidades de ensino e aprendizado de crianças e jovens. Dentre os temas da Educação Ambiental, a conservação e o uso racional da água merece destaque. Este tema é o objeto de nosso trabalho no Espaço da Água, descrito mais adiante neste ensaio. A seguir mostramos alguns aspectos das relações entre a Mídia e a Educação Ambiental.
2. A Mídia e a Educação Ambiental O surgimento da mídia e o seu extraordinário crescimento no séculos passado tem suas origens na capacidade humana da comunicação através da linguagem. Entende-se por “mídia”, do inglês ‘media’, a ... Designação dos meios de comunicação social como jornais, revistas, rádio, televisão, cinema, etc... (Aurélio, 1986). A existência de documentos antigos na Grécia antiga é uma das primeiras evidências do surgimento da linguagem escrita. A evolução das técnicas de registro de mensagens passa pelas Actas Diurnas do imperador Otávio Augusto, publicadas no Fórum Romano no século I da nossa era, e pelo primeiro jornal em papel feito na China em 713 d.C., conhecido como Notícias Diversas. A prensa móvel de Gutenberg em 1440 foi o pontapé inicial para o que designamos hoje de imprensa moderna. Em meados do século XX os jornais passaram a ser radiodifundidos e teledifundidos. À invenção do rádio em 1893 e da televisão em 1924 seguemse a criação de formas de gravação como o videocassete na metade dos anos 70 e o atual Digital Vídeo Disc (DVD) na década de 90. Neste década surge e cresce exponencialmente a World Wide Web (www), a internet. Na internet surgem os jornais on line, ou ciberjornais, ou webjomais, e o famoso e-mail. O termo “imprensa”, contudo, foi conservado ao longo desta evolução. Hoje, a mídia se tomou tão presente e impregnada entre nós como o ar que respiramos. A comunicação através da mídia envolve transmissor, mensagem, canal de informação e receptor. A comunicação para grandes audiências é chamada de “comunicação de massas”. A mídia pode ser uma importante aliada na Educação Ambiental, alertando para os processos de degradação ambiental do planeta Terra e sugerindo formas de evitar desperdícios de recursos naturais. Podemos citar alguns exemplos de desperdícios de água, comuns entre pessoas desavisadas, como o uso de esguichos de água para lavar calçadas, automóveis e fachadas de residências, escolas, repartições públicas, indústrias e currais em fazendas. Estas e outras formas de desperdícios podem ser evitadas com a divulgação de
mensagens educativas, em especial entre crianças e jovens. A sustentabilidade dos recursos naturais para atender as necessidades de parcelas mais amplas da população coloca a Educação Ambiental como um dos instrumentos de redução das desigualdades sociais e econômicas verificadas hoje, em especial nas nações em desenvolvimento. Portanto, tratar das questões ambientais abrange a complexidade das opções de ações humanas ante o crescimento econômico sustentado. Esta complexidade nos leva a temas como fome, miséria e condições subumanas de moradia, em geral associados a questões ambientais como a devastação de florestas e matas ciliares, da poluição das águas superficiais e dos aqüíferos, a biopirataria e a extinção das espécies animais e vegetais. A possibilidade atual de democratização das mídias audiovisuais, devido ao baixo custo para produzi-las cria oportunidades inéditas para a Educação Ambiental e para a educação em geral como veremos adiante. Hoje em dia é comum encontrar educadores, jornalistas e pesquisadores envolvidos em trabalhos de divulgação científica no mundo inteiro. Esta é uma prática que remonta ao século XIX nas nações mais prósperas através da mídia impressa. Entre os propósitos atuais da divulgação científica na mídia estão, além da informação, as contribuições para a melhoria da qualidade de vida de parcelas mais amplas da população. Esta melhoria da qualidade de vida passa pela superação das agressões à natureza motivada pelo desenvolvimento econômico a qualquer custo. Um exemplo de atuação da mídia em prol da Educação Ambiental destinada a um público amplo é o programa Globo Ecologia, produzido pela Fundação Roberto Marinho há 15 anos e apresentado no Canal Futura e nas emissoras de TV aberta da Rede Globo de Televisão. O horário de apresentação deste programa, no início das manhãs dos sábados, às 07 horas limita a sua audiência, mas a permanência do programa por mais de uma década poderá permitir a sua exibição em horários de maior audiência, eventualmente com reapresentações. Entre outros temas, o Globo Ecologia aborda a devastação de florestas e matas ciliares, a poluição dos ares, águas e solos e o combate ao desperdício de recursos naturais no Brasil. O outro exemplo, internacional, é o documentário de longa-metragem “Uma Verdade Inconveniente” (An Inconvenient Truth), dirigido por Davis Guggenheim e apresentado pelo ex-vice-presidente dos Estados Unidos, Al Gore. Este documentário aborda o tema “aquecimento global” com farta documentação científica, mostrando os mitos e equívocos existentes em torno do assunto e apontando alternativas para evitar uma catástrofe climática no planeta Terra, a nossa casa, nas próximas décadas. O viés ideológico deste
documentário, produzido por norte-americanos para norte-americanos certamente explica a ausência de críticas explícitas ao consumismo exacerbado, ao desperdício, comum na cultura norte- americana. Os norteamericanos são apresentados como capazes de salvar o mundo das conseqüências do aquecimento global para o planeta Terra. Entretanto o documentário apresenta informações interessantes para uso em ações educativas, críticas, no âmbito da Educação Ambiental. Estes dois exemplos mostram a importância do uso das mídias audiovisuais para a Educação Ambiental, e suas eventuais falhas podem ser vistas como convites para o crescimento da produção áudio-visual regional, local e até mesmo doméstica. Os baixos custos de equipamentos e as facilidades tecnológicas atuais favorecem o crescimento de iniciativas semi-profissionais e amadoras entre educadores nas escolas. Podemos comparar hoje a habilidade no manejo do uso das câmaras, computadores e DVDs ao uso de lápis e papel nos séculos anteriores de nossa civilização. Em 1992, quando da realização da Rio 92 e da emergência do interesse da mídia pelos temas do meio ambiente e da sustentabilidade dos recursos naturais, era comum o uso de aparelhos de videocassete para a reprodução de filmes nas casas, e mais timidamente nas escolas. Entretanto, a produção de filmes numa escala maior era inibida pelos preços dos equipamentos de filmagem e edição, pela lentidão e pelas limitações da qualidade dos processos analógicos de produção. A evolução das tecnologias digitais abaixando os preços e simplificando a produção de filmes permite hoje o uso de câmaras domésticas de qualidade razoável e o uso de computadores domésticos para a edição e reprodução de filmes de qualidade em DVDs. É possível produzir audiovisuais de qualidade a custos razoáveis. O balanço entre entretenimento, acurácia e densidade dos conteúdos destes audiovisuais determinará uma maior ou menor audiência para os mesmos. Audiovisuais nesta linha poderiam ser financiados por escolas, ONGs e órgãos governamentais afeitos à Educação e à Cultura nas esferas de municípios, estados e união. Políticas públicas de incentivos para esta produção ampliariam bastante os horizontes de qualidade e quantidade de produção e audiência para estes audiovisuais. Na ausência de tais políticas em escala mais ampla, as produções audiovisuais acontecem a partir da boa-vontade de produtores e do interesse da audiência crianças, jovens e adultos em escolas, sindicatos e associações de moradores.
3. Educação para a Conservação e Uso Racional da Agua: a proposta do Espaço da Água
Um exemplo de uso da mídia na Educação Ambiental é a proposta do Espaço da Água, criado por professores da UFCG das áreas de Recursos Hídricos e Hidrologia, Engenharia Civil, Física, Química e Arte e Mídia para desenvolver ações educativas para a conservação e o uso racional da água. Com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o Espaço da Água funcionou de novembro de 2006 a dezembro de 2007 na EEEMEP Elpídio de Almeida, “Estadual da Prata”, em Campina Grande, cidade do semi-árido paraibano. A exposição de divulgação científica Espaço da Água foi instalada numa sala de 60 m2 no Estadual da Prata e atendendo cerca de 400 alunos desta escola de julho a dezembro de 2007. Participaram da equipe do Espaço da Água na escola professores de Física, Matemática, Química, Biologia e Expressão Oral e Escrita e seis alunos de Ensino Médio, bolsistas. O perfil da equipe de professores delineou a forma de abordar a conservação e o uso racional da água e a exposição foi organizada em espaços destinados à Matemática, à Física, à Química e à Biologia. As visitas à exposição nos turnos da manhã e da tarde foram agendadas para grupos de 10 alunos do turno oposto e tinham como eixo as contas de água das residências deles apresentadas pela Companhia de Água e Esgotos da Paraíba (CAGEPA). Uma conta de água mostrada num painel de 90 x 100 cm realçava seis quantidades relacionadas ao consumo de água doméstico, como o volume consumido em m3 e o custo da água em R$, e os parâmetros de qualidade da água: cor, turbidez, acidez e quantidade de cloro. Ao volume de água mensal consumido na residência em m3 os visitantes eram instados a relacionar o consumo diário por pessoa e a quantidade de água necessária para os cerca de 400 mil habitantes de Campina Grande. A água de Campina Grande vem do Açude Epitácio Pessoa, na cidade de Boqueirão cuja altitude média situa-se cerca de 200 metros abaixo de Campina Grande. As águas deste açude vêm das chuvas, cuja precipitação média anual é de cerca de 600 mm. A bacia hidrográfica do açude tem uma área de captação de chuvas de 12.410 m2. O açude pode armazenar 412 milhões de m3 de água, quando foi inaugurado em A área do lago é de 2.680 ha, cerca de 500 vezes menor que maior que a área da bacia. Da superfície do lago evaporam-se anualmente quase 3 metros de água. O conjunto de bombas é capaz de elevar até 1,5 m3 de água por segundo para Campina Grande. A água bruta retirada do açude é transformada em água potável na estação de tratamento de Gravatá. A relação entre colunas de água precipitada e evaporada com as áreas da bacia e do lago, os volumes das águas de chuva armazenado no açude e as taxas de retirada de água do açude são temas pertinentes à Geometria, à Matemática.
Os custos de elevação e dos processos de tratamento da água a ser distribuída em Campina Grande levam à discussão de tópicos da Física e da Química. Os processos que garantem a qualidade da água distribuída é objeto de estudo da Química e a relação desta qualidade com a saúde das pessoas é um tema afim à Biologia. O exame das contas de água pelos alunos do Estadual da Prata, bolsistas e visitantes, levou a algumas descobertas de vazamentos mas surpreendentemente não registramos casos de desperdício de água nas casas dos alunos. Uma possível razão isso seria a importância do custo mensal da água consumida em relação à renda familiar típica de alunos de escolas públicas. Por outro lado, estes mesmos alunos conviviam com desperdícios de água nos banheiros e bebedouros da escola. Estes desperdícios foram temas de trabalhos com grupos de alunos visitantes orientados pelos professores da equipe. O sucesso da exposição despertou o interesse de professores das disciplinas de História e Geografia, importantíssimas para empreender ações educativas para a conservação e o uso racional da água. A direção da escola mostrou grande interesse em continuar o trabalho de modo autônomo a partir de 2008. A equipe do Espaço da Água, formada por professores e bolsistas urbanos, residentes em Campina Grande também realizou atividades itinerantes na comunidade rural de Uruçu, no município de Gurinhém — PB, região com características do semi-árido em parceria com a equipe do projeto Universidades Cidadãs da UFCG. Participaram destas atividades professoras e crianças da escola municipal, e lideranças dos grupos de jovens e de mulheres. Foram produzidos dois documentários destas atividades: “Espaço da Água visita Uruçu” e “As nascentes de água em Uruçu”. A memória do Espaço da Água está nos seis documentários produzidos no Estadual da Prata e nos documentários produzidos em Uruçu. Estes documentários estão em dois DVDs, Espaço da Água — Volume I e II. Em meados de 2007 foi criada o Espaço da Água virtual, uma página na internet.
4. Avaliação da proposta e Perspectivas O trabalho de dois anos no Espaço da Água foi gratificante e bem sucedido por várias razões. Gratificante pelo entusiasmo e satisfação dos professores e alunos, bolsistas e visitantes, com os trabalhos. E bem sucedido pelo fato de professores da UFCG instalar uma exposição de divulgação científica numa escola pública de Ensino Médio. Os resultados obtidos, como as habilidades e conhecimentos adquiridos pelos alunos bolsistas e a oportunidade dada aos
alunos visitantes de conhecer a necessidade de conservação e uso racional da água, ultrapassam de longe as dificuldades encontradas para instalar e operar a exposição. Vimos que é possível instalar, operar e manter uma exposição dessas com professores e alunos das escolas, nossos documentários mostram isso. Desta forma, as atividades pioneiras do Espaço da Água podem ter continuidade nesta e noutras escolas Campina Grande e cidades vizinhas. A garantia de bolsas para alunos e professores interessados ampliará o universo de uns poucos voluntários interessados na Educação Ambiental. Os documentários produzidos pela equipe do Espaço da Água estão disponíveis no endereço www.hidro.ufcg.edu.br/espacoagua. Nesta página também se encontram fotografias, painéis, apresentações eletrônicas, textos e endereços de outras páginas na internet onde há informações acerca dos temas “conservação e uso racional da água” e “água, solo e meio ambiente”. Vemos assim que o uso de DVDs e da internet, mídias versáteis e de baixíssimo custo, é de grande importância para a Educação Ambiental.
Referências DE MORAIS, Regis. Educação, Mídia e Meio Ambiente. Editora Alínea, 2004 — Campinas. MATTELART, Armand. Comunicação-Mundo: História das Técnicas e das Estratégias. Editora Vozes, 1994 — Rio de Janeiro. BARBOSA, Erivaldo Moreira. — Introdução ao Direito Ambiental. Campina Grande — PB: Editora da UFCG, 2007. Páginas na internet: http://portalimprensa.uol.com.br/forumagua, acessado em 04 de maio de 2008. www.midiaambiente.org.br, acessado em 04 de maio de 2008. www.wikipedia.org, acessado em 04 de junho de 2008 , acessado em 04 de junho de 2008. www.aesa.pb.gov.br, acessado em 4 de junho de 2008. www.presidencia.gov.br/legislacao, acessado em 4 de junho de 2008.
II Água, solo & Educação Ambiental
Água, civilização e ciência João Tertuliano Nepomuceno Agra17
Introdução Mostramos aqui a importância do manejo da água e da agricultura no surgimento das aldeias humanas primitivas, embriões das primeiras cidades. O desenvolvimento das cidades favoreceu a circulação, a crítica e a sistematização de idéias, condições necessárias ao surgimento e ao desenvolvimento da ciência como a conhecemos atualmente. Atualmente esperam-se respostas da ciência para o desafio de atender às necessidades de água e alimentos para a população mundial estimada em seis bilhões de habitantes. Uma população que quadruplicou nos últimos cem anos e dispõe da mesma quantidade de água e solo existente no planeta Terra há pelo menos 100 mil anos. Este é um desafio e tanto. A apresentação deste desafio em escolas, associações e sindicatos podem ancorar-se nos conhecimentos ensinados nas escolas de Ensino Básico, com ênfase nas ciências da natureza — Física, Química e Biologia — e na Matemática. O uso destes conhecimentos para compreender, criticar e reelaborar mensagens veiculadas por governos, empresas e organizações não governamentais acerca do tema “conservação e uso racional da água” pode tornar alunos, jovens e adultos interessados e capazes em organizar e liderar campanhas educativas nas escolas e comunidades a que pertencem. Entre os desafios atuais e para as próximas décadas apresentados pelo crescimento da população mundial estão o aumento da demanda por água potável e alimentos, os riscos de secas e inundações ante as mudanças climáticas e o agravamento da deterioração da qualidade das águas de uso doméstico, agrícola e industrial. A demanda por água e alimentos para as populações das aldeias e cidades é o tema da primeira parte deste ensaio, uma breve incursão na história da humanidade até o século XX. Na segunda parte sugerimos uma forma de usar os conhecimentos escolares das ciências da natureza e da Matemática como pontos de partida para campanhas educativas que despertem as pessoas para a necessidade e a importância da conservação e uso racional da água para a 17
Professor da UA — Física do CCT da UFCG, joão@df.ufcg.edu.br.
qualidade de vida da população atual e das gerações futuras. Esta abordagem reflete o perfil da equipe que criou a exposição de divulgação científica “Espaço da Água” e a página na internet, www.hidro.ufcg.edu.br/espacoagua, formada por professores da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e da EEEMEP — Elpidio de Almeida, “Estadual da Prata”, escola sede da exposição em 2006 e 2007. As atividades do Espaço da Água são descritas na terceira parte do ensaio. Uma avaliação do trabalho empreendido e das perspectivas que se abrem a partir das vivências na exposição é apresentada na quarta e última parte.
1. Água e civilização A água é necessária a todas as formas de vida conhecidas. Uma pessoa consome cerca de quatro litros de água potável por dia para beber e cozinhar alimentos. São necessários em média quatro mil litros de água para produzir a ração diária para uma pessoa. Vemos assim que a produção de alimentos demanda muita água. A produção de 1 kg de cereal — arroz, feijão, milho — demanda cerca de dois mil litros de água, a carne bovina requer em média 15 mil litros de água por quilograma e a carne de frango cerca de três mil litros de água por quilograma. Esta água agregada aos alimentos, e também a outros produtos — metais, plásticos, computadores, carros e eletrodomésticos, p.ex. — é chamada “água virtual”. É esta água invisível que sustenta a vida das pessoas nas cidades, onde quase não se produz alimentos. Atualmente a tecnologia disponível permite manter pessoas vivas em qualquer parte do sistema solar durante alguns anos. Nas cidades, a higiene pessoal demanda cerca de 60 litros diários por pessoa com roupa e casa lavadas. Os homens primitivos desconheciam a tecnologia e seus padrões de higiene eram outros, mas careciam de água e alimentos para viver. A necessidade da água para a vida é fundamental, independe de civilização ou cultura, os homens primitivos conseguiam água e alimentos em rios e matas. Ainda hoje assim fazem os membros de tribos primitivas na África e na Amazônia, vivem da caça e pesca e da coleta de frutos, raízes, folhas e grãos. As origens da agricultura praticada nas aldeias primitivas e da evolução destas aldeias para as primeiras cidades são pouco conhecidas. O surgimento da agricultura permitiu a criação e o desenvolvimento das primeiras aldeias, onde a vida se organizava em função da produção de alimentos. O crescimento destas e o surgimento de outras mais tomaram mais complexas as relações entre as pessoas numa aldeia e entre grupos de habitantes de aldeias diferentes. Esta crescente complexidade fez surgir a especialização, a divisão do trabalho
e a criação da hierarquia social nas primeiras cidades e a partir delas floresceram as “civilizações”. Entendemos como “civilização” uma sociedade complexa caracterizada pela prática da agricultura e pela criação de cidades. Cada civilização cria uma “cultura”, um conjunto de ...“modos de vida, incluindo artes, crenças e instituições de uma população que são passados de geração a geração”... (Wikipedia, 2008) As civilizações floresceram em torno de rios e mananciais de água. No Oriente Médio, em torno dos rios Tigre e Eufrates surgiu a Mesopotâmia onde estão hoje Irã, Iraque e sul da Síria. Em tomo do rio Jordão fez-se a Palestina, atualmente Israel, Líbano e sudoeste da Síria. O norte da África o rio Nilo foi o berço da civilização egípcia, atual Egito. Na Ásia, em torno dos rios Amarelo e Yangtzé na China, Indo no Paquistão e Ganges na Índia floresceram civilizações hoje milenares. Na Europa em torno dos rios Pó, Reno, Danúbio, Sena e Tamisa surgiram as sementes de nações européias atuais: Itália, Alemanha, França e Inglaterra. Na América do Sul, o cultivo agrícola em terraços com irrigação por gotejamento impulsionou o desenvolvimento da cultura inca nos Andes, em tomo de Cuzco no Peru, na região que hoje inclui o Equador, oeste e centrosul da Bolívia, nordeste da Argentina, norte e centro-norte do Chile, e sul da Colômbia. No planalto da América Central desenvolveu-se a cultura Maia, a única civilização americana antes da invasão européia que deixou registros de um calendário e de uma linguagem escrita avançada. A civilização maia tem descendentes no sul do México e na região da América Central onde hoje estão a Guatemala, Belize, El Salvador e o oeste de Honduras. As bacias dos rios Colorado e Mississipi na América do Norte e dos rios Amazonas, São Francisco e da Prata na América do Sul constituem-se até os dias atuais em pontos de convergências comerciais e culturais. Verifica-se também que o uso de rios, lagos e do mar como vias de transporte tem sido um fator importante no crescimento das cidades. As facilidades de transporte marítimos favoreceram o vertiginoso crescimento de grandes metrópoles atuais como Roterdã, Londres, Paris, Montreal, Nova Iorque, Chicago, Xangai, Tóquio, Hong Kong e Rio de Janeiro. Os registros escritos encontrados nas ruínas das cidades mais antigas conhecidas são relativamente recentes, datam de cerca de 10 mil anos atrás. A cidade antiga com ocupação ininterrupta mais antiga é Jericó, criada próxima ao Rio Jordão há 11 mil anos. Muitas outras cidades surgiram e desapareceram sem deixar registro antes e depois da criação de Jericó,
certamente em todas elas havia meios de obter água e alimentos para os seus habitantes. A maior parte das pessoas nas cidades dedica-se a atividades não agrícolas, trabalham como administradores, artífices, mercadores e trabalhadores braçais, entre outras opções. Estas pessoas consomem os excedentes de água e alimentos disponíveis nas aldeias ao redor das cidades. Melhores práticas de manejo da água e do plantio, colheita, armazenamento e transporte de alimentos contribuem para a formação destes excedentes. Os conjuntos de conhecimentos aliados a estas práticas, as técnicas, criadas, disseminadas e aperfeiçoadas ao longo dos séculos foram os pontos de partida para o surgimento da ciência. A possibilidade de liberar uma parte da população das cidades das tarefas agrícolas e de subsistência favoreceu a circulação de idéias e a criação da linguagem escrita. A linguagem escrita é capaz de registrar fatos e idéias em “memórias” que ultrapassam o tempo de vida médio de uma pessoa. Os textos escritos podem ser copiados e distribuídos a mais pessoas, e podem ser examinadas por muito mais tempo que a duração de uma conversa ou debate presencial. Estas características fazem da linguagem escrita um instrumento de fundamental importância na criação e no desenvolvimento da ciência. A ciência, aqui compreendida como o ...“conjunto organizado de conhecimentos relativos a um determinado objeto, especialmente os obtidos mediante a observação, a experiência dos fatos e um método próprio”... (Ferreira, 1986), surgiu onde havia pessoas dedicadas a organizar conhecimentos através da reflexão e imaginação, tarefas que demandam tempo e esforço de umas poucas pessoas, em geral do topo da hierarquia social, pessoas livres das tarefas imediatas necessárias à sobrevivência pessoal e do grupo social. Estima-se que há 70 mil anos havia dois mil seres humanos na Terra crescendo e se multiplicando rapidamente até os cinco milhões de pessoas estimados há 10 mil anos atrás. No primeiro ano da era cristã éramos cerca de 200 milhões, no início do século XX chegávamos a 1 milhão e 650 mil habitantes. Este crescimento da população, em 2 mil anos octuplicada, ocorreu com mais intensidade após a conquista das Américas pelos europeus a partir do século XVI. Nas Américas havia áreas com matas e florestas irrigadas por caudalosos rios perenes praticamente inexploradas. Na Europa e na Ásia já não havia tanta fartura de água e solo no século XV. O alargamento das fronteiras agrícolas nas Américas, intensificado no século XX, mostrou os limites da capacidade do planeta Terra para renovar as águas usadas pela população crescente e prover alimentos para tanta gente. As fontes
de água e alimentos até tidas infinitas, começam a escassear. Os limites destas fontes e as perspectivas de escassez de água e alimentos mostram sintomas mais fortes a partir de 1950 e foram reconhecidos como preocupantes pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) de 1972. Neste evento, realizado em Estocolmo na Suécia, a ONU estabeleceu o Dia Mundial do Meio Ambiente a ser comemorado no dia 05 de junho em uma cidade anfitriã, referindo-se a um tema a cada ano. A celebração do Dia do Meio Ambiente em 2008 na cidade de Wellington na Nova Zelândia, Oceania, teve como tema a redução da produção de gases que provocam o “efeito estufa”, como o CO2. As ameaças ao equilíbrio local e regional da flora, fauna e dos corpos de água trazidas pelo desenvolvimento industrial acelerado, deixando rastros de poluição química nos rios e solos, e por práticas agrícolas intensivas fazendo farto uso de fertilizantes químicos e pesticidas tóxicos, chamada de “revolução verde” provocou mais uma vez os países membros da ONU, praticamente todos os países do mundo atualmente. Em 1992, no Rio de Janeiro, foi realizada Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento também chamada de “Rio 92” ou “Eco 92”. Nesta conferência foi acertada a comemoração do Dia Mundial da Água no dia 22 de março de cada ano, a realização do Fórum Mundial da Água a cada três anos e a criação do Conselho Mundial da Água, instalado em Marselha, França, em 1996. A 1a edição do Fórum aconteceu em Marrakesh, no Marrocos em 1997 e a 6a edição será em 2009 em Istambul, na Turquia. Os documentos elaborados consensualmente na Eco 92 explicitam a necessidade de garantir a oferta de recursos naturais, no presente e para as gerações futuras, a “sustentabilidade”, em especial a sustentabilidade da água e das espécies vivas ameaçadas de extinção pela destruição de coberturas vegetais nativas em várias regiões do mundo. A Agenda 21 é um destes documentos, um outro é a Convenção da Biodiversidade, ratificado pelo Congresso Nacional em 1993. Estes esforços da ONU refletem o preocupante aumento da população humana na Terra, multiplicada por quatro nos últimos cem anos. Em 2005 somos seis bilhões e meio de pessoas, 61 % vivendo na Ásia, 14 % nas Américas, 13 % na África, 12 % na Europa e 0,5 % na Oceania. O Brasil ocupa 4,6 % das terras do planeta, aqui habita 2,6 % da população mundial e fluem 12 % das águas doces da Terra. Apesar desta grande disponibilidade de água, a distribuição de águas entre as regiões do país é desigual. A vazão dos rios da região Nordeste, onde vivem 23 % da população do país, é de apenas 6 % da vazão total dos rios brasileiros. Na região semi-
árida do Nordeste, 86,5 % da área nordestina, chove entre 400 e 800 mm por ano em uns poucos dias de menos da metade dos meses do ano enquanto evaporam-se em média quase 3 metros ao longo do ano. Este balanço hídrico desfavorável da região Nordeste, a região semi-árida mais densamente povoada do planeta, agravado pelo aumento gradual da população urbana com o êxodo rural sustentado nas últimas décadas, indica que aqui os desafios são maiores. Na Paraíba, a população urbana saltou de 26,7 % do total estadual de 1,7 milhões em 1950 para 71,0 % dos 3,4 milhões de habitantes em 2000. A seguir veremos como alguns tópicos das ciências da natureza e da Matemática ensinados nas escolas de Ensino Básico podem ajudar a compreender a gravidade da situação, o desafio de garantir a sustentabilidade da oferta de água e alimentos hoje e nas próximas décadas.
2. Ciências da natureza e água A crescente demanda de água e alimentos para atender as crescentes populações urbanas há séculos impulsiona o desenvolvimento de técnicas para obtenção, transporte e armazenamento de água, desde o surgimento das primeiras cidades. A agricultura tradicional, fazendo uso de técnicas milenares, pode ser considerada de baixa produtividade, pouco eficiente quando comparadas aos resultados em quilogramas por hectare obtidos com as tecnologias criadas pela revolução verde. A criação de tecnologias parte de aperfeiçoamentos de técnicas usando conhecimentos das ciências da natureza — Física, Química e Biologia — e da Matemática. O grande desenvolvimento da Matemática nos últimos séculos, desde a criação do Cálculo Diferencial e Integral por Newton e Leibnitz no século XVII, com lances de extrema ousadia na criação de conceitos e técnicas cada vez mais abstratos. O talento e a ousadia na construção de modelos matemáticos detalhados de fenômenos complexos descritos pelas ciências da natureza, ampliaram para além da imaginação os horizontes de possibilidades das tecnologias. O advento dos computadores eletrônicos em meados dos anos 40 e o aumento exponencial do poder de cálculo destas máquinas desde então permitem coletar, armazenar e processar dados usados em previsões meteorológicas para uma dezena de dias adiante com um grau de acerto razoável. Grandes lotes de dados referentes à atmosfera, hidrosfera e da crosta terrestre, armazenados nas últimas décadas têm sido usados para criar cenários prováveis para o planeta Terra daqui a algumas décadas, tarefa ousada e ainda carente de um grau de acerto razoável. O uso da Matemática aplicada às ciências da natureza, iniciado com a
Mecânica de Newton, ampliou-se para os domínios da Química no Século XVIII, da Biologia, da Termodinâmica e do Eletromagnetismo no século XIX permitindo uma melhor compreensão das transformações de energia mecânica em energia elétrica ou calor e vice-versa na água, no ar, no solo e nos seres vivos. O uso de máquinas a vapor nas bombas usadas para elevar água do interior das minas de carvão e na incipiente indústria inglesa nos século XIX e o uso de motores elétricos por indústrias alemãs desde o início do século XX são exemplos do poder transformador das tecnologias, produtos da ciência aliada à técnica. Parece-nos interessante usar tópicos das ciências da natureza — Física, Química e Biologia — e da Matemática ensinados nas escolas de Ensino Básico na busca de uma melhor compreensão dos limites das taxas de renovação das águas usadas para fins domésticos, industriais e na agricultura, entre outros usos. Veremos isso a seguir. Da Física, tópicos de Mecânica, Termodinâmica e Eletromagnetismo ajudam a compreender as bases do funcionamento de técnicas milenares, como o parafuso de Arquimedes usado para a elevação de água e o uso de rodas de água para fazer girar as engrenagens de moinhos. Nestas duas técnicas vemos o movimento elevando a água para níveis superiores e as quedas de água gerando movimento. A aeolipila de Heron, aparato milenar precursor da máquina a vapor, capaz de transformar calor em movimento é um outro exemplo fascinante de desenvolvimento de técnica. Os motores, geradores e transformadores elétricos e os motores a explosão são exemplos de aparelhos desenvolvidos com tecnologias, a concepção dele só se tomou possível com a criação do Eletromagnetismo. A importância das ondas mecânicas e eletromagnéticas no transporte de energia e informação, aliada à beleza das interações entre a água e a luz, sugerem incluir estes tópicos numa relação mais ampla. As rodas de água usadas para mover os moinhos primitivos desde o século XIII hoje movem as turbinas das modernas usinas geradoras de eletricidade. A pressão do vapor da água usado para movimentar as primeiras máquinas a vapor no século XVIII move as turbinas das usinas nucleares atuais. A água é também usada como fluido refrigerante nos motores a explosão, criados no século XIX, devido à sua abundância e elevado calor específico. Estes usos da água, entretanto, causam impactos ambientais. Vejamos alguns exemplos destes impactos. A construção de grandes represas para gerar energia elétrica impede o livre curso das águas necessário à reprodução de algumas espécies de peixes que vivem entre as nascentes e a foz de rios. A precipitação de partículas minerais
e orgânicas nas águas estagnadas de uma represa além de causar assoreamento na represa, toma mais transparente a água que seguirá correndo adiante, aumentando o fluxo de luz para o fundo do rio, favorecendo o crescimento anormal de algas leito do rio abaixo. A água usada para refrigeração de máquinas na indústria e nas usinas termelétricas convencionais e nucleares transfere calor para rios e lagos, fenômeno chamado “poluição térmica”, ameaçando a vida de algumas espécies da fauna e da flora fluviais. Tópicos de Química Geral, Físico-Química e Química Orgânica podem ser usados para compreender as características exigidas da água potável para consumo humano descritas na Portaria 518 de 2004 do Ministério da Saúde. Para outros usos, os corpos de águas doces, salobras e salinas são definidos na Resolução 357 de 2005 do Ministério do Meio Ambiente. Análises físicas de temperatura, cor e turbidez, e análises químicas do nível de acidez e da concentração de solutos orgânicos e inorgânicos permitem avaliar o grau a qualidade da água. Da água hoje disponível no mundo, 1 milhão e 577 mil km3, apenas 2,5 % é doce. Das águas doces, 69,5 % estão em geleiras e no subsolo profundo, 30,1 % em aqüíferos e apenas 0,4 % está na superfície, nos biomas e nos seres vivos. Evaporam em média 577 mil km3 de água por ano e chove a mesma quantidade na Terra, como parte do ciclo da água. Os principais motores do ciclo da água são a energia do Sol e a gravidade da Terra. Sobre as terras secas há um excesso de 44,8 mil km3 de chuvas em relação à água evaporada. As águas despejadas pelas chuvas ficam algumas semanas no solo e na biosfera, podem permanecer alguns anos em rios, lagos e grandes barragens e demoram até alguns milênios em lençóis subterrâneos, oceanos e geleiras. Estes processos do ciclo da água são relativamente rápidos, mas tem limites para renovar as águas usadas e deterioradas. Estimativas das velocidades destes processos podem ser usadas para determinar a taxa de renovação das águas numa localidade ou numa região. A água disponível na Terra, mantida entre temperaturas mínimas de -50°C (gelo) nos pólos e máximas de +-50°C (água e vapor) nos trópicos, foi gerada em forma de vapor durante o resfriamento do planeta há cerca de 2,5 bilhões de anos atrás. Vapor de água e outros gases — hidrogênio, oxigênio e CO2 — foram liberados no resfriamento do magma a mais de 1.000 °C (limite de dissociação da molécula H2O) durante a formação de rochas ígneas num curto intervalo de tempo na escala geológica. A idade estimada da Terra é de 4,5 bilhões de anos, o universo teria cerca de 15 bilhões de anos. Ainda hoje se verifica a produção de “água juvenil” em erupções vulcânicas, um dos processos do lento “ciclo das rochas” em eras geológicas.
Os esgotos domésticos, 10 bilhões de litros anuais nas cidades brasileiras, formam uma mistura de água com secreções e dejetos humanos mais resíduos de óleos e detergentes. Alguns compostos orgânicos do esgoto, biodegradáveis, alimentam plantas e microrganismos em processos que demandam oxigênio, cuja quantidade na água é limitada e pode ser exaurida causando mortandade em massa de peixes e moluscos. Os esgotos industriais contêm resíduos tóxicos de materiais orgânicos diversos, ácidos e bases, metais pesados e seus compostos e materiais radioativos. A água usada na agricultura convencional, que faz uso intensivo de fertilizantes e pesticidas químicos, dissolve e transporta resíduos destas substâncias para rios e lagos a jusante. Nas estações de tratamento de esgotos são induzidos processos físicos como flutuação e sedimentação de resíduos sólidos, e usados tratamentos químicos para acelerar a depuração primária da água. As estações de tratamento de água bruta filtram e sedimentam partículas aglutinadas pela floculação induzida por substâncias químicas, e depois usam o desinfetante cloro para eliminar fungos e bactérias. A necessidade da água para a existência das formas de vida conhecidas é mostrada nos tópicos de Citologia, Histologia, Anatomia e Morfologia de animais e plantas da Biologia ensinada nas escolas. A Genética e o estudo da Evolução dos seres vivos reforçam esta necessidade. A Taxionomia dos seres vivos — vírus, bactérias e fungos incluídos — pode ser usada para compreender a importância da qualidade água para a saúde e dos cuidados necessários com a água para beber, cozinhar e para higiene pessoal. A Fisiologia das plantas mostra que elas são capazes de transformar rejeitos minerais e material orgânico em produtos nobres como frutos e folhas, madeiras e raízes. Assim, esgotos domésticos podem ser usado sob certas condições para irrigar e adubar plantios agrícolas não ingeridos diretamente. Estes esgotos também podem ser depurados alimentando plantas aquáticas, cujos resíduos serão mais nobres que as matérias de origem, podem ser usadas para a proteção de solos nus contra as chuvas e na adubação direta de alguns cultivos agrícolas de interesse. Da Matemática, tópicos de Geometria, Álgebra e Aritmética podem ser usados em modelos criados a partir de leis e conceitos das ciências da natureza para descrever fenômenos como os já citados. Por exemplo, o volume obtido pela multiplicação da área de uma bacia hidrográfica, ou de um telhado, pela altura da coluna de chuva precipitada, “índice pluviométrico” pode ser usado para planejar a capacidade de açudes e cisternas a construir. A previsão da quantidade de água que pode ser armazenada nestes reservatórios pode ser
feita usando índices pluviométricos médios medidos em anos anteriores. A estimativa do consumo diário de água por pessoa pode ser usada para prever o consumo mensal e custo da conta de água residencial de uma família. Indo além é possível também estimar a demanda de água de um bairro, de uma cidade, de uma região. Como se vê, são muitas e diversas as possibilidades de uso de tópicos das ciências da natureza e da Matemática como pontos de partida para campanhas educativas para conservação e uso racional da água. Descreveremos a seguir uma escolha deste tópicos em campanhas desenvolvidas numa escola de Ensino Médio urbana e numa Escola de Ensino Fundamental rural, esta última com apoio de lideranças comunitárias e sindicais.
3. Água e ciências no Espaço da Água A exposição Espaço da Água foi criada por professores das áreas de Recursos Hídricos, Engenharia Agrícola, Química, Física e Cinema da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). A exposição foi instalada numa sala de 60 m2 na EEEMEP Elpidio de Almeida, “Estadual da Prata” em 2006. De julho a dezembro de 2007 foram atendidos cerca de 400 alunos da escola e realizadas atividades de extensão na EMEF Anália A. da Silva na comunidade rural de Uruçu, no município de Gurinhém-PB e na EEEFM Antonio Oliveira, “Estadual de Santa Rosa”. No Estadual da Prata, a equipe inicial de professores de ciências — Física, Química e Biologia — e de Matemática contou com o apoio de seis monitores, alunos da escola e bolsistas ITI-B do CNPq. Um grupo de três monitores conduzia as visitas durante a manhã, e outro grupo à tarde, com apoio de um dos dois alunos da UFCG e da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), bolsistas ITI-A do CNPq. Um destes bolsistas dedicou-se à produção audiovisual da memória dos trabalhos. Três quartas partes da sala foram destinadas à exposição, preservando uma área com computador, impressora, mesa e cadeiras para trabalhos internos da equipe. As visitas, agendadas nas turmas de professores da equipe, estendiamse pela manhã para grupos de até 15 alunos do turno da tarde, e vice-versa, evitando prejuízos às aulas. Um painel na entrada da exposição mostrava o ciclo da água, a distribuição de água no planeta e no Brasil, um mapa das chuvas na Paraíba, imagens dos açudes construídos em Campina Grande para armazenar e abastecer de água a cidade. No rodapé do painel foram listados alguns aspectos da legislação brasileira para a gestão das águas e para a Educação Ambiental.
Os alunos eram instados a trazer uma conta de água no dia da visita. Um segundo painel mostrava os elementos básicos de uma conta de água: identificação do consumidor, volume consumido, preço a pagar e parâmetros de qualidade da água (turbidez, cor, acidez e quantidade do desinfetante cloro). Estes elementos eram usados como pontos de partida para discussões de tópicos de ciências e Matemática conduzidas pelos monitores entre grupos menores de alunos a partir da questão: “de onde vem a água da torneira?”. Tópicos de Geometria Espacial, associados aos conceitos de “bacia hidrográfica” definido na “lei das águas” (lei 4.933 de 1997), área do lago, evaporação, infiltração no solo e capacidade de bombeamento da adutora de água bruta eram usados para descrever os fluxos de água no reservatório. A dinâmica e a demanda de energia nestes de água fluxos eram apresentados através de aparatos de demonstração de Física: uma bomba de água (diferença de pressão e elevação da água, sonda e manômetro (variação de pressão com a profundidade), bolhas líquidas, cilindro de Galileu, mergulhador de Descartes e balança de Arquimedes (densidade e flutuação). Os princípios de funcionamento dos aparatos eram apresentados em pequenos painéis. Uma mini-usina hidrelétrica, ao lado de um gerador eletromagnético simples, e uma versão da aeolipila de Heron complementavam as demonstrações. Um terceiro painel ilustrava o funcionamento de uma mini-usina de tratamento de água bruta, ao lado de um enorme filtro de cascalho e areia, construídos pelos monitores com orientação de professoras de Química da escola. Tópicos de Química Geral e Físico-Química eram usados para descrever o funcionamento da mini-estação, e os de Química Orgânica remetiam à relação entre a qualidade da água e a saúde. Um torso ao lado do quarto painel com detalhes da Anatomia humana realçavam a predominância da água nos tecidos de órgãos mais ativos — cérebro, coração, pulmões, rins e fígado- em contraste com a menor quantidade de água presente na pele e nos ossos, tema da Citologia e da Fisiologia animal. A maquete de uma “mandala”, tecnologia de manejo da agricultura familiar objetivando a produção de alimentos em pequenas áreas, tecnologia desenvolvida na Paraíba, demandava conceitos de Biologia para uma melhor compreensão. As atividades realizadas na EMEF — Anália A. Silva na comunidade rural de Urucu, em parceria com a equipe UFCG das Universidades Cidadãs tiveram como temas “a importância da água para a vida” e “o manejo da água em casa e na agricultura”. Encontros e palestras realizados na EEEFM — Antonio Oliveira, “Estadual de Santa Rosa” animaram a direção desta escola a pleitear e conquistar uma vaga
titular no Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba em 2007. Nesta escola, e em mais duas estão sendo empreendidas campanhas educativas em 2008 com o tema “água, solo e meio ambiente” envolvendo professores de várias disciplinas, inclusive Expressão Oral e Escrita, História e Geografia.
4. Avaliação das atividades e perspectivas A excelente acolhida e a enorme satisfação dos visitantes da exposição, aliados à dedicação e ao entusiasmo dos monitores e professores do Estadual da Prata nos animam a uma avaliação generosa e objetiva dos resultados deste trabalho. O crescimento intelectual e cultuar dos monitores, quatro deles alunos da UFCG em 2008, reforçam esta percepção. O financiamento do CNPq e o apoio técnico e logístico da UFCG foram fundamentais para a realização deste trabalho pioneiro nas três escolas atendidas. O material produzido, disponível na página www.hidro.ufcg.edu.br/espacoagua desde meados de 2007 será útil para alunos e professores voluntários interessados em empreender campanhas educativas para a conservação e uso racional da água. Observamos nas escolas atendidas em 2006 e 2007, e nas escolas interessadas a partir de 2008, que um dos fatores que limitam a transformação de fortes interesses em ações educativas é a falta de material idôneo acerca da realidade de Campina Grande e cidades vizinhas para consulta. Conhecer a realidade e o contexto material e cultural onde se vive costuma ser muito gratificante. Os cinco documentários do DVD Espaço da Água vol. 2, também disponíveis na página na internet preenchem em parte esta lacuna. Os ensaios deste livro também ajudam a preencher esta lacuna.
Referências AZEVEDO, G C & SERIACOPI, R, História, Série Brasil, 1a ed, Ed. Ática, 2005. COIMBRA, PJ & TIBÚRCIO, J AM, Geografia — uma análise do espaço geográfico, 2a ed., Ed. Harbra. 2002.m FELTRE, R, Fundamentos da Química — química, tecnologia e sociedade, Ed. Moderna, 2005. FERREIRA, A B H, Novo Dicionário da Língua Portuguesa, Ed. Nova Fronteira, 1986. FRUGONI, C, Invenções da Idade Média — óculos, livros, bancos, e outras
inovações geniais, Ed. Zahar, 2007. GEPEQ/IQ-USP, Química e a sobrevivência, hidrosfera — fonte de materiais, Edusp, 2005. MCT, Diretrizes estratégicas para o Fundo de Recursos Hídricos de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, 2002. RODRIGUEZ, J 1 et al, Atlas Escolar da Paraíba — Espaço Geo-Histórico e Cultural, 3a ed., Ed. Grafset, 2002. TEIXEIRA, W e al (Orgs.), Decifrando a Terra, Oficina de Textos, 2000. WIKIPEDIA — The free encyclopedia, www.wikipedia.org, acesso em 01 de junho de 2008.
A água na atmosfera Francisco de Assis Salviano de Sousa18
Introdução Características da atmosfera com a altura — a atmosfera pode ser definida como uma fina camada de gases que envolvem a Terra. Ela pode comportar-se de diferentes maneiras e nós necessitamos dela para sobreviver. Do mesmo modo que existem camadas no interior da Terra, há também camadas na atmosfera. As camadas interagem entre si, aquecem-se e toda a atmosfera interage com a camada superior da crosta terrestre. Às vezes a atmosfera pode ser sentida como uma brisa fresca. Às vezes pode se sentir intenso calor, com bastante umidade do ar. A atmosfera da Terra é muita fina, cerca de 10 km de espessura, e pode se assemelhar a uma folha de papel quando comparada ao seu ao diâmetro. Tratase de um revestimento dos gases que protege a vida na Terra do vácuo e da radiação espacial. A espessura da atmosfera funciona como uma espécie de contrapeso entre a gravidade da Terra e as moléculas energéticas que tentam escapar para o espaço. As moléculas são excitadas quando a energia do sol incide sobre a superfície da Terra. Se a Terra fosse maior a atmosfera seria mais espessa. Em consequência, a gravidade do planeta seria maior e a pressão atmosférica à superfície aumentaria. A atmosfera é composta, principalmente, por nitrogênio (N2), oxigênio (O2) e dióxido de carbono (CO2) e vapor de água. O ozônio (O3) filtra a radiação prejudicial a vida vinda do espaço. Criando climas — o resultado da circulação dos gases e das partículas é o clima do planeta. Não há um clima único para o todo o planeta. Os climas específicos são encontrados cm diversas áreas sobre o Planeta. Há um tipo de clima sobre o Oceano Pacífico equatorial e um outro tipo no Pólo Norte. O traço comum de todos esses climas da Terra e a atmosfera. Células de Hadley — o ar quente do equador move-se eventual mente para o Norte ou para o Sul e encontra outros climas. Esse ar mais aquecido combinase com o ar mais fresco e essa mistura dá inicio ao processo de formação de tempestades. Esse misturar constante da atmosfera ajuda na manutenção da 18
Professor da UA dc Ciências Atmosféricas / CTRN / UFCG, fassis dca.ufcg.edu.br.
estabilidade de todo o sistema a fim de que os organismos do Planeta possam sobreviver. A Figura 1 exibe um esquema simplificado das localizações das células de Hadley.
Figura 1 - Esquema simplificado das localizações das células de Hadley
O vapor d'água e sua influência na atmosfera — o ar sempre contém, para os casos em que sua temperatura é muito baixa, uma determinada quantidade de água invisível aos nossos olhos. Quando esta quantidade é relativamente pequena dizemos que o ar está seco, se for grande, que o ar está úmido. Sendo assim, a maior ou menor quantidade de água invisível que existe na atmosfera determina o grau de umidade do ar. Essa água invisível formada por pequenas partículas desse líquido, chama-se vapor d'água. O comportamento particular da água nos induz a supor que essas partículas formam um conjunto de cinco moléculas de água, de forma que quando a água evapora, se dispersam no espaço associações de cinco moléculas. Em conseqüência, o vapor d'água, como os demais componentes do ar atmosférico, é um gás, formado por cinco moléculas de água. A Tabela 1 exibe as características moleculares do vapor d'água na atmosfera. Tabela 1 - Características moleculares do vapor d'água
Número de moléculas Peso molecular da partícula Massa de uma partícula Diâmetro de uma partícula Número de partículas em um grama Velocidade média a 0°C Velocidade média a 15°C Pode elevar-se devido a sua velocidade a Reduz-se a metade a cada
5 90 148,5xl0-24g 5,6x10-8 cm 67,3x1020 275m/s 282m/s 4,1 km 1,77 km
As partículas de vapor d’água por possuírem massa pesam. Quanto mais vapor d'água houver no ar, maior será o seu peso. Esse peso pode ser empregado para exprimir o grau de umidade reinante no ar. Chama-se umidade absoluta a quantidade de vapor d'água expressa em gramas e dispersa em um metro cúbico de ar. A umidade absoluta não define o grau de umidade com precisão necessária porque o volume que ocupa uma massa de ar no espaço depende de sua temperatura e da pressão. Desse modo, mais exato é o conceito de umidade específica, que pode ser definida como a quantidade de vapor d'água, expressa em gramas, contida em um quilograma de ar. A umidade específica é útil para identificar massas de ar e para analisar e prognosticar o tempo. Pressão máxima do vapor d’água — como as partículas de vapor d’água têm peso, e se movem com velocidade elevada, necessariamente exercem pressão sobre os obstáculos que se lhes opõem. Essa pressão pode ser medida pela altura de uma coluna de mercúrio. Chama-se pressão do vapor d’água, a pressão exercida pelas partículas de vapor d’água, ou seja, pelas moléculas dos gases que compõem o ar. Suponha um recipiente com volume de 1,0 m3 contendo ar completamente seco. O ar por está a certa temperatura, suas moléculas exercerá determinada pressão. Durante esse experimento são mantidas constantes a temperatura e a pressão. Ao se introduzir vapor d’água nesse recipiente parte do ar seco será evaporado. O vapor d’água ao difundir-se uniformemente no espaço, aumentará a pressão observada devido a pressão exercida pelas partículas de vapor d’água introduzidas. Esse aumento de pressão é proporcional à quantidade de água evaporada — aproximadamente 1,0 mm Hg por centímetro cúbico — de acordo com a Lei de Boyle-Mariotte, segundo a qual a pressão exercida pelo vapor d’água é proporcional à sua densidade. Dando
continuidade ao experimento, pode ser notado que após introduzir no recipiente certa quantidade limite de vapor d’água, a pressão não mais aumentará. Essa pressão limite chama-se pressão máxima. Nesse caso diz-se que o ar no interior do recipiente está saturado de vapor d’água. Após esse ponto se for adicionado mais vapor d’água no recipiente o ar se tomará supersaturado de vapor d’água. Em resumo chama-se pressão máxima de vapor d’água a pressão limite que pode exercer o vapor d’água existente em um espaço, a uma dada temperatura. Essa pressão, igual à atmosférica, pode ser medida pela altura de coluna de mercúrio. O ar úmido se comporta como um gás ideal. Porém ao alcançar seu grau de saturação, a pressão exercida pelo vapor d’água será constante e a lei de Boyle-Mariotte não será mais válida, visto que o ar supersaturado comporta-se como gás real. Para melhor entendimento do comportamento do ar supersaturado, considere o seguinte exemplo: Suponha que se queira construir uma casa, quanto mais trabalhadores forem utilizados, mais rápido a casa será construída, porém não convém exagerar na quantidade de trabalhadores porque, haverá um limite entre o número de tarefas e a quantidade de trabalhadores. Em outras palavras há uma velocidade máxima limite na execução da obra que não pode ser superada por qualquer que seja o número de trabalhadores. Fazendo-se um paralelo entre o exemplo acima e o experimento pode-se dizer que enquanto a quantidade de partículas de vapor d’água não for excessiva, seu movimento molecular não será afetado, porque a pressão exercida é proporcional ao seu número. Se a quantidade de vapor d’água aumentar esse número poderá ser tão elevado que as partículas em movimento se chocarão mutuamente e haverá diminuição de suas velocidades. Ou seja, o incremento da pressão pelo aumento do número de partículas será neutralizado pela redução de suas velocidades. A partir dessa informação, pode-se deduzir também que quanto maior for a quantidade de vapor d’água contido em ar saturado, menor será a velocidade média do seu movimento molecular. Esse fenômeno é de suma importância para o processo de condensação do vapor d'água na atmosfera. O vapor d'água e o ar que o circunda sempre têm a mesma temperatura. Por isso, se a temperatura do ar aumentar — ou seja, a velocidade de seu movimento molecular —, aumentará também a velocidade das partículas do vapor d’água e logicamente, a pressão que essas partículas exercem. Para que seja afetado o movimento do vapor d’água nesse novo ambiente, é necessário que haja maior quantidade de partículas do que havia antes. Em resumo, a quantidade de vapor d’água necessária para saturar o ar aumenta com a temperatura. A Tabela 2 ilustra a quantidade de vapor d’água (Q) necessária
para saturar o ar com distintas temperaturas (t) e pressões máximas (E) que o vapor d’água pode exercer. Tabela 2 - Conteúdo de vapor d’água em função da temperatura e da pressão Temperatura (t) [°C]
Vapor d'água (Q) [g/kg]
Pressão (E) [mm Hg]
-60
0,019
0,014
-50 -40
0,06 0,17
0,05 0,14
-30
0,14
0,37
-20 -10 0
1,06 2,35 4,86
0,93 2,14 4,58
10 20
9,41 17,32
9,21 17,54
30 40
30,35 51,08
31,82 55,32
50 60
82,77 129,8
92,51 149,4
100
588,0
760,0
Medida do conteúdo de vapor d’água do ar — nem sempre existe no ar a quantidade de vapor d’água necessária para produzir sua saturação e muito menos para sua supersaturação. Esse fato, não modifica em nada a importância que tem o vapor d’água como elemento meteorológico de primeira ordem. Chama-se umidade relativa a relação entre a quantidade de vapor d’água existente no ar e a quantidade que deveria existir para que estivesse saturado. Por comodidade essa relação é expressa em percentagem. Designando por q a quantidade de vapor d’água existente no ar e por Q a quantidade necessária para sua saturação, pode-se calcular a umidade relativa do ar (h%) por: (1)
Também se pode definir a umidade relativa como a relação entre a pressão que exerce o vapor d’água existente no ar e a pressão máxima possível à mesma temperatura. Designando por e a pressão do vapor d’água e por E a pressão máxima possível, a umidade relativa do ar (h%) pode ser calculada por: (2) A umidade relativa é tanto menor quanto mais seco estiver o ar e tanto maior quanto mais úmido estiver. O ar saturado próximo à superfície tem umidade relativa de 100%. Em grandes alturas, onde a temperatura é muito baixa, é possível ocorrer supersaturação de até 400%. Conseqüências térmicas nos processos de evaporação e condensação da água — como já foi visto anteriormente, quanto maior a quantidade de vapor d’água existente no ar supersaturado menor será seu movimento molecular. O excesso de vapor d’água em relação à quantidade necessária para saturar o ar é considerado como um simples estorvo que a natureza trata de eliminar. Essa eliminação ocorre pelo processo de condensação do vapor d’água. Ocorre o contrário quando o ar não está saturado de vapor d’água. Neste caso o ar poderá manter mais vapor d’água no espaço do que havia, sem prejuízo do movimento molecular. A quantidade de vapor d’água que falta para atingir o grau de saturação é adicionada pelo processo de evaporação. Para que haja condensação é necessário que o ar esteja supersaturado de vapor d’água, a umidade relativa do ar deverá ser superior a 100%, e para que haja evaporação o ar não pode estar saturado, sua umidade relativa deverá ser inferior a 100%. Para evaporar, a água necessita de calor e para condensar ela necessita perder calor. Esses dois processos de evaporação e condensação são acompanhados de fenômenos térmicos. Para evaporar uma gota de água é necessário transformá-la em vapor e pô-la em movimento retilíneo de forma que sua velocidade média seja de 282 m/s a uma temperatura de 15°C. Essas duas operações exigem trabalho, que por sua vez requerem força. Neste caso a força só pode ser extraída da energia cinética do movimento molecular do ar. Como o número de moléculas do ar é constante, a redução de sua energia cinética deve ser resultado da redução da velocidade do seu movimento. Desse modo, quando a velocidade do movimento do ar diminui o termômetro acusa uma temperatura mais baixa. Pode-se concluir que a evaporação da água à superfície da Terra, da água contida nas nuvens, neblinas e demais produtos da condensação efetua-se por conta da temperatura do ar. A força que realiza esse trabalho é o calor produzido pela radiação solar. A quantidade de calor gasta no processo de evaporação chama-se caloria, que
é a quantidade de calor necessária para elevar a temperatura de um grama de água em um grau Celsius. Para evaporar um 1,0 cm3 de água são necessárias 600 calorias. Essa quantidade de energia chama-se calor de vaporização. O processo inverso dá-se quando 1,0 cm3 de vapor é condensado. Nesse caso, são liberadas cerca de 600 calorias. Essa quantidade de energia é chamada de calor de condensação. Em síntese, o processo de condensação do vapor d’água esquenta o ar e o de evaporação resfria-o. Necessidade do processo de condensação — sabe-se que o ar pode conter um determinada quantidade de vapor d’água, em concordância com a temperatura, em que representa o movimento molecular. Alterando esse estado, caracterizado por uma pressão máxima possível, o ar fica saturado de vapor d’água. Se a quantidade de vapor d’água continuar aumentando, tornase excedente e a natureza trata de eliminar mediante o processo chamado de condensação de vapor d’água. Durante esse processo, o vapor se aglomera em gotas d’água. A água que é condensada se encontra em estado gasoso, e no final do processo se encontra em estado líquido. O vapor d’água pode passar também para o estado sólido, formando cristais de gelo, e por união desses em neve. Quando o vapor d’água passa diretamente do estado gasoso para o estado sólido, e depois para o estado líquido, denomina-se esse processo de sublimação do vapor d’água. Dificuldades do processo de condensação — A partícula do vapor d’água é formada por um conjunto de cinco moléculas, acomodadas em forma de uma bi-pirâmide triagonal. Esse conjunto de moléculas reina com certa força de coesão, de natureza eletrostática, que se manifesta como força de atração em seu redor. Sabe-se que essas partículas têm velocidade media de 275 m/s à temperatura de 0°C e, também, que há infinitos choques entre moléculas de ar no mesmo ambiente. Por essa razão, a condensação de vapor d’água seria praticamente impossível sem a introdução de forças externas. Formação dos cristais de Gelo — Se pudéssemos observar com algum supermicroscópio o ordenamento das moléculas de água no estado sólido, obtido pelo processo de sublimação, veriamos que as cinco moléculas formam um minúsculo hexágono. Esta nova formação é um cristal de gelo. Formação das neblinas — as neblinas são, na maioria dos casos, formações estáticas, produzidas num lugar, sem intervenção das correntes verticais do ar e principalmente como conseqüência de um resfriamento do ar. Três dos fatores que determinam a formação das características das neblinas são: i) ii)
grau magnitude
de do
umidade decréscimo da
do temperatura
ar; e;
iii) natureza dos núcleos de condensação. Um fator negativo é o vento, porque com o movimento turbulento que o caracteriza, remove o ar, impedindo que se estabilizem estados atmosféricos propícios à formação de neblina na superfície da Terra. Dissipação da neblina — a dissipação da neblina é um processo inverso ao da sua formação. Para que se verifique é necessário que: i) a temperatura do ar ii) haja diminuição da quantidade de gotículas d’água.
aumente
e;
Formação de nuvens e o processo da precipitação Características das nuvens — por nuvens compreende uma parte do espaço, geralmente bem limitada, na qual existe uma quantidade de gotas d’água e cristais de neve, que a afeta a visibilidade seriamente. A densidade do ar, como também a pressão, são iguais dentro e fora das nuvens. A temperatura do ar dentro da nuvem é de aproximadamente 2,0 °C maior do que em seus arredores. Ao contrário, sucede com a umidade relativa. Esta é maior 100% dentro da nuvem e menor 100% fora da nuvem. O aumento da densidade do ar, devido a maior temperatura, é compensada, desse modo, pela influência da maior umidade. Nuvem que se eleva se dilata; nuvem que se dissipa se contrai. Precipitação — as gotículas de água que se formam por condensação crescem porque há núcleos de condensação que são higroscópicos (atraem água). A simples saturação do ar não garantiria o seu crescimento. Exceto se o ambiente estiver supersaturado (umidade relativa superior a 100%) — o que é raro acontecer — as gotículas poderão crescer. Mas, mesmo assim, só ao final de 20 a 120 minutos os processos de condensação e deposição podem gerar uma gotícula de nuvem (de 1 a 30 mícron de diâmetro). Além disso, ter-se-ia que esperar quase eternamente para que esses processos gerassem uma partícula de precipitação suficientemente pesada para precipitar (de 0,2 a 5 mm de diâmetro). São os efeitos combinados da colisão e fusão de gotículas e do processo de crescimento de cristais de gelo que asseguram o crescimento das partículas de precipitação a partir das gotículas. Grande parte da precipitação tem origem em nuvens cumuliformes onde a temperatura está abaixo de 0 °C. Mesmo a essa temperatura, existem pequenas gotículas de água (dita superarrefecida). Isto se deve ao fato de as moléculas de vapor d’água precisar de superfícies para se condensar (ou gelar) e de haver poucos núcleos de congelamento numa nuvem típica. As gotículas de água superarrefecidas precisam de algo para condensar. Somente se a temperatura
for inferior a -40 °C é que poderá ocorrer a chamada nucleação espontânea, e assim condensar sem a presença de núcleos de condensação. Processo de crescimento de cristais de gelo — os cristais de gelo numa nuvem fria vão crescendo muito rapidamente à custa das gotículas superarrefecidas. É um processo muito eficiente porque há muita mais gotículas superarrefecidas do que cristais numa nuvem típica e, por isso, há muitas gotículas para “alimentar” cada cristal. À medida que crescem, os cristais vão ficando mais pesados e, quando o seu peso já não pode ser suportado pelo movimento da coluna ascendente de ar, caem em direção ao solo. Se ao caírem atravessar zonas em que a temperatura do ar esteja acima de 0 °C, transformar-se-ão em gotas de chuva que irão crescendo, por colisão e fusão. Tipos de precipitação — os tipos de precipitação que chegam ao solo (chuva, granizo, chuva gelada, neve, etc.) dependem dos tipos de processos dentro da nuvem e também da temperatura do ar entre a base da nuvem e o solo. Pequenas variações de temperatura (décimos de grau) podem implicar na diferença entre chuva, chuva gelada, saraiva ou neve. Se, no seu caminho para o solo, os cristais de gelo encontrar sempre temperaturas negativas até à superfície, a precipitação no solo será geralmente sob a forma de neve. Os flocos de neve são compostos por cristais de gelo parcialmente derretidos (ao entrarem em contacto com o ar mais quente) e colados uns aos outros. Se, no seu caminho para o solo, os cristais encontrarem temperaturas positivas, os flocos de neve se derretem e se transformam em gotículas de chuva. Se as temperaturas se mantiverem positivas até à superfície e o ar estiver suficientemente úmido, a precipitação no solo será em forma de chuva. Se entre a base da nuvem e a superfície o ar estiver pouco úmido, essa chuva pode evaporar antes de chegar ao solo, formando aquilo que se conhece por virga, que é um véu úmido, por baixo de uma nuvem, que não chega ao solo. No entanto, nem sempre a chuva tem origem em cristais de gelo; a chuva pode se desenvolver a partir de gotículas que crescem e se tomam demasiadamente pesadas para permanecerem na nuvem e caem. Se uma camada de ar próxima à superfície estiver com a temperatura abaixo de 0°C, as gotas congelarão outra vez, formando chuva gelada. Se essa camada de ar frio não for demasiadamente fina, a chuva gelada pode se misturar com alguns flocos de neve ou gotas de chuva, parcialmente congeladas, que saltam ao baterem no solo ou em outros objetos. Essa tipo de precipitação é chamado de saraiva. As partículas resultantes desse processo podem eventualmente chegar ao solo se as temperaturas forem muito baixas, mas nas tempestades mais intensas, acabam por ser transportadas para o topo da nuvem cumulonimbus pelas fortes
correntes ascendentes, caindo em seguida, em direção á base da nuvem. Ao caírem, crescem por acumulação, algumas voltam a ser transportadas novamente para o topo da nuvem pelas correntes ascendentes de ar. Este ciclo pode-se repetir várias vezes e as partículas resultantes vão crescendo camada a camada. Quanto mais fortes forem as correntes ascendentes no interior da nuvem, mais vezes esse ciclo se repetirá para cada partícula e mais e mais ela crescerá. Quando uma partícula se toma demasiadamente pesada, cai da nuvem e acelera sob a ação da gravidade em direção à superfície da Terra. Mesmo que a temperatura do ar esteja relativamente elevada, as partículas não chegam a derreter porque o tempo em que atravessam o ar quente abaixo da nuvem não é suficientemente longo antes de cair no solo. Por isso, o que acaba por precipitar na superfície, com violência, são pedras de gelo no estado amorfo. Esse processo é chamado de granizo. Geada é uma camada fina e opaca, composta por cristais de gelo. Esses cristais são formados por sublimação, quando o vapor d’água entra em contacto com uma superfície muito fria. Orvalho — os objetos sólidos (solo, vegetação, etc) são melhores emissores de radiação de ondas longas do que o ar. Por esse motivo, as superfícies sólidas resfriam-se mais rapidamente do que o ar. O ar ao entrar em contato com essas superfícies frias, perde calor e resfria-se. Se esse resfriamento conduzir o ar a uma temperatura abaixo do ponto de orvalho, ocorrerá condensação da umidade do ar sobre as superfícies sólidas (mais frias). NOTA: Por vezes, ouve-se dizer que chuva ocorre porque o ar arrefece e o ar frio “não consegue conter” tanto vapor d’água quanto o ar quente. O que é verdade é que “o ar quente poderá conter mais vapor d’água saturado do que o ar frio”. Se o ar úmido (ou seja, ar que contém muito vapor d’água) arrefecer e a sua temperatura descer abaixo do chamado “ponto de orvalho” (situação de máximo conteúdo de vapor d’água a uma dada temperatura e pressão), a umidade (em forma de vapor) é removida por condensação ou sublimação, dando início a formação das nuvens. O processo da precipitação ocorre quando o peso das moléculas agregadas por ligações químicas (na fase líquida ou sólida) é suficiente para vencer a sua energia cinética e as faz se precipitarem em direção ao solo. Chuvas convectivas — são precipitações formadas pela ascensão das massas de ar quente da superfície, carregadas de vapor d’água. Ao subir o ar sofre resfriamento provocando a condensação do vapor d’água presente c, consequentemente, a precipitação. São características deste tipo de precipitação pluvial a curta duração (pode durar apenas 10 minutos), alta intensidade, freqüentes descargas elétricas e abrangência de pequenas áreas.
São típicas da região intertropical, nomeadamente equatorial, e de verão no interior dos continentes, devido às altas temperaturas. A Figura 2 mostra o processo de formação das chuvas convectivas
Figura 2 - Processo de formação da chuva convectiva
Chuvas orográficas — resulta de uma subida mecânica do ar quando, no seu trajeto, se apresenta uma elevação. O ar ao subir, arrefece, o ponto de saturação diminui, a umidade relativa aumenta e dá-se a condensação e conseqüente formação de nuvens, dando origem à precipitação. São freqüentes nas áreas de relevo acidentado ao longo das vertentes do lado de onde sopram ventos úmidos. Essas chuvas se caracterizam pela longa duração (pode durar horas) e baixa intensidade, abrange grandes áreas e não estão associadas a descargas elétricas. As chuvas de monções (no Sul e Sudeste da Ásia) são exemplos de chuvas orográficas. A Figura 3 esquematiza o processo de formação da chuva orográfica.
Figura 3 - Processo de formação da chuva orográfica
Chuvas ciclônicas ou frontais — resulta do encontro de duas massas de ar com características diferentes de temperatura e umidade. Desse encontro, a massa de ar quente sobe, o ar arrefece, aproximando-se do ponto de saturação, dando origem à formação de nuvens e conseqüente precipitação. As chuvas são de baixa intensidade à passagem de uma frente quente ou de alta intensidade à passagem da frente fria. As chuvas ciclônicas são mais intensas do que as orográficas e abrange, porém, como aquelas, grandes áreas, precipitando-se intermitentemente com breves intervalos de estiagem e com presença de violentas descargas elétricas. A Figura 4 mostra o funcionamento do processo de formação da chuva ciclônica
Figura 4 - Processo de formação da chuva ciclônica
O ciclo da água no nosso Planeta Raramente se pensa que toda a água do Planeta forma apenas um único corpo. Os mapas enfatizam os continentes e os limites políticos das terras. Geograficamente há vários nomes de oceanos, porém, na realidade, não poderia haver delimitação entre um e outro. O ciclo da água no planeta não respeita esses limites. As águas superficiais dos rios, lagos e oceanos de todos os continentes estão conectadas de forma direta ou indireta. Por sua vez, a energia radiante do Sol; através dos processos de evaporação, evapotranspiração e condensação; é responsável pela dinâmica das águas na atmosfera. Esse líquido planetário pode ser encontrado em quase toda parte nas suas três fases naturais: líquida, sólida e gasosa.
Figura 5 - Ciclo da água no planeta Terra
Se fosse possível acompanhar a “viagem” de uma molécula de água nesse ciclo planetário, poderiamos enxergá-la nos organismos vivos (animais e plantas), nos oceanos, nos lagos, nos rios, no subsolo, no gelo glacial, em forma de vapor na atmosfera, na preparação dos alimentos etc. Esse movimento contínuo da água é chamado de ciclo da água ou ciclo hidrológico. A Figura 5 mostra o ciclo da água no nosso Planeta.
Disponibilidade e retenção de água em comunidades rurais do semi-árido brasileiro19 Genival Barros Júnior20
Introdução Recurso natural fundamental no alcance do desenvolvimento sustentável, independentemente da dimensão física, ambiental e sócio-econômica do empreendimento, a água é ao mesmo tempo recurso econômico e componente ecológico de importância que vai muito além dos limites físicos da área onde habita e trabalha uma população. Por outro lado, em uma região de elevada demanda, como é o caso das áreas rurais existentes no semi-árido brasileiro, não se pode restringir à simples equação do balanço entre a disponibilidade ofertada e a demanda requerida de água, nem a uma visão unissetorial do problema da escassez de água, que é global e que requer esforços concentrados e participativos de planejamento, utilização e gestão, de modo a assegurar o aumento da qualidade de vida, com a conseqüente e permanente reserva deste capital ecológico para todas as gerações, atuais e futuras. O presente estudo buscou sistematizar informações que permitam aos usuários, principalmente alunos e professores do Ensino Básico, sejam do meio urbano ou rural, a terem acesso a conteúdos sobre os recursos hídricos existentes na região, os fenômenos físicos responsáveis pela retenção e disponibilidade da água no solo, de forma que possam alcançar níveis de comprometimentos e de responsabilidades compatíveis com a complexidade que envolve hoje a relação com este bem natural, permitindo uma tomada de decisão consciente quanto à adequação do manejo deste insumo frente às condições adversas a que estão submetidos os meios de produção no semiárido brasileiro. Por outro lado, é fato que a degradação dos solos, o manejo equivocado e a exploração excessiva dos demais Recursos Naturais, bem como a crescente competição pela água, contribuem para o crescimento da pobreza e dos índices de fome e das doenças dela decorrentes nas localidades onde vivem e trabalham as famílias agricultoras. 19
Texto parcialmente extraído da Tese de Doutorado do autor apresentada ao Curso de Engenharia Agrícola da UFCG 20 Doutor em Engenharia Agrícola pela UFCG barrosjnior@yahoo.com.br.
Neste contexto se busca uma reflexão que permita compreender que o alcance da segurança alimentar é Perfeitamente possível sem que a agricultura seja vista apenas como forma de proporcionar alimentos para a população em crescimento, mas também como ciência aplicada, capaz de poder economizar água para outras finalidades, além de desenvolver, aplicar tecnologias e métodos de manejo economizadores de água mediante o fortalecimento institucional e técnico das populações rurais que habitam esta região. No tocante ao que se refere ao desenvolvimento da educação (papel maior da Universidade neste processo) é fundamental que ela se dê com eficiência e adequação à realidade em que a população está inserida, procurando não só elevar o nível de consciência dos moradores sobre o meio em que habitam, como também auxiliando no resgate e na consolidação de seus direitos como cidadãos deste País.
1. Disponibilidade da água do solo para as plantas Ultimamente tem-se acentuado os estudos em busca de diferentes critérios na determinação da disponibilidade da água do solo para as plantas e do momento e duração de ocorrências de déficit hídricos nas mais variadas regiões e suas implicações no crescimento e desenvolvimento de várias culturas. De acordo com Reichardt (1979), os vegetais geralmente absorvem centenas de gramas de água para cada grama de matéria seca que produzem, logo, para crescerem adequadamente, precisam ter garantido uma reserva de água tal que o consumo exigido pela demanda evapotranspirométrica, regida pelos fenômenos atmosféricos, seja plenamente atendido pelo suporte hídrico presente no solo. Desta forma, é muito importante estabelecer o nível crítico de umidade até o qual a redução do conteúdo de água presente no solo não afete, com conseqüente redução, a produtividade das culturas. Para Withers e Vipond (1988) o solo acumula uma quantidade limitada de água da qual só parte é disponível às plantas, o que determina a necessidade de novos suprimentos antes que está fração seja totalmente consumida. Para ambos, o grande desafio encontra-se na determinação precisa do conteúdo de água disponível em tempo real no interior do mesmo e a velocidade de sua remoção, o que por sua vez irá determinar o volume de água a ser suprido, impedindo que o limite inferior da capacidade de retenção de água na zona das raízes seja alcançado, com conseqüentes reduções no potencial produtivo das culturas. Este aspecto é ressaltado por Righes et al. (2003), que enfatizam a necessidade de determinação do conteúdo da água no solo como ferramenta indispensável na otimização do uso dos recursos hídricos, principalmente por considerar que a agricultura é responsável pelo consumo de aproximadamente
69 % da disponibilidade mundial de água. Na tentativa de entender melhor as implicações diretas da disponibilidade da água do solo para as plantas, é necessário conhecer o fenômeno da retenção da água pelo solo. Segundo Libardi (2000) dois são os processos responsáveis diretamente pela retenção de água no solo: a capilaridade (a retenção ocorrendo nos microporos dos agregados), fenômeno associado a interface ar — água, regido por uma complexa e irregular rede, composta por poros e canais, que tem origem na formação e estruturação dos sólidos e a retenção da água nas superfícies dos sólidos do solo, onde a água comporta-se como filmes presos a estas superfícies, constituindo um fenômeno comumente chamado de adsorção. O movimento da água através dos capilares, que no solo realiza-se por um emaranhado complexo e irregular de canais e poros, ocorre em função das tensões desenvolvidas nos microporos (DAKER, 1988), com a água se movimentando de um ponto a outro dentro do solo sempre que existe uma diferença de energia entre eles, indo de um ponto de maior potencial para um de menor, na busca espontânea do principio universal do equilíbrio energético (GUERRA, 2000). Da mesma forma ocorre com o processo de adsorção, já descrito no item anterior, onde as forças que unem água e partículas do solo originam uma matriz energética que retém a mesma junto a estas partículas impedindo-a que seja deslocada pela força da gravidade (GUERRA, 2000). Estas forças atuando paralelamente dão aos constituintes sólidos do solo certa “capacidade” de manter a água retida e de “controlar” a sua movimentação, sendo influenciadas, portanto, pelas propriedades físicas e composição química do solo, onde componentes como textura, estrutura, densidade, teor de matéria orgânica, tipos e qualidade das argilas (conteúdo e composição do material coloidal), tipos de sais solúveis, temperatura e outros, possuem um enorme poder de interferência sobre esta propriedade.
2. Principais fatores que afetam a retenção de água no solo 2.1. Textura do solo Exercendo influência nas mais diversas variáveis relacionadas a interface solo — água, a textura está relacionada diretamente com a distribuição do tamanho das partículas de um solo, as quais agrupadas por frações são geralmente conhecidas como areia, silte e argila. A maior superfície específica e quantidade de poros fazem com que os solos de textura fina retenham uma
maior quantidade de água do que os de textura grossa, porém, estes últimos quando saturados, facilitam a liberação da água muito mais rapidamente que os argilosos (KLAR, 1984; GUERRA, 2000). A extração de água do solo pelas plantas exige das mesmas a aplicação de uma força de sucção, que será pequena se o solo tiver próximo da capacidade de campo (poros maiores e menores ocupados com água) e que aumenta à medida que o solo vai secando e a água fica retida apenas nos microporos; portanto, a facilidade com que as plantas extrairão água, varia com o seu conteúdo no solo e a forma de seu sistema capilar que é determinado, além da textura, também por sua estrutura como será visto mais adiante (WITHERS E VIPOND, 1988). Ao influenciar a permeabilidade e a capacidade de armazenamento da água no solo, a textura passa a ser essencial na determinação da quantidade e intensidade de aplicação da água de irrigação. Nos solos de textura grossa, pela predominância de macroporos, a água drena com grande facilidade, ficando, portanto, armazenada por curto período de tempo e em pequena quantidade, o que gera uma necessidade de irrigar mais freqüentemente que nos solos de textura fina (GOMES, 1999). 2.2. Estrutura do solo A estrutura de um solo caracteriza o agrupamento total, arranjamento mútuo, orientação ou organização de suas partículas, constituindo-se numa arquitetura complexa de difícil determinação direta. Nos solos arenosos, onde esta estrutura apresenta-se como friável e desagregável, a capacidade de retenção de água é muito baixa quando comparado com solos argilosos, onde os elementos coloidais aglutinantes são mais presentes. As condições mais favoráveis de disponibilidade de água para as plantas encontram-se nos solos que apresentam estruturas prismáticas, também denominadas de blocos ou granular, caracterizadas por se enquadrar no meio termo entre estruturas completamente soltas e as formadas por grandes maciços, onde a água se move muito lentamente (KLAR, 1984). Os arranjos formados pelas unidades estruturais e seus agregados influenciam fortemente o sistema capilar existente na massa do solo, com os poros maiores respondendo pelo arejamento e facilidade de absorção de água, os intermediários tomando-se fundamentais na movimentação da água e os menores atuando na retenção da mesma (WITHERS E VIPOND, 1988). Mesmo apresentando texturas iguais, os solos podem apresentar estruturas diferentes, influenciadas na sua formação pelas partículas argilosas coloidais, que, por floculação, se acumulam umas sobre as outras formando estruturas diversas, com maior ou menor grau de compactação, dando origem a espaços vazios e a zonas de aglomeração no interior do solo; é importante saber que a
estrutura do solo, no momento da determinação da capacidade de campo, pode mudar substancialmente o conteúdo de água para um potencial matricial específico (GOMES, 1999). Cada solo apresenta características próprias quanto a capacidade de armazenamento de água em função do tamanho e natureza das partículas minerais que o compõe, bem como do arranjo destes elementos estruturais, logo, a estrutura do solo passa a ser tão ou mais importante que a textura, principalmente em situação de compactação onde a porosidade total é reduzida, porém ressaltando que esta característica apresenta um elevado grau de sensibilidade ao manejo agronômico imposto à área, o que afeta diretamente a variabilidade da capacidade de retenção de água pelo mesmo. 2.3. Densidade do solo Dependente essencialmente da composição e da organização das partículas sólidas, ou seja, da textura e, principalmente da estrutura, a densidade do solo também expressa de forma indireta o grau de compactação de um solo, logo, a compactação reduz o volume e aumenta esta densidade, interferindo diretamente na quantidade de água retida (MIRANDA, GONÇALVES e CARVALHO, 2001); desta forma, para uma área em permanente cultivo, dentro de uma mesma mancha de solo, a densidade apresenta uma grande amplitude de valores em função das práticas de manejo adotadas, podendo ocorrer paralelamente uma redução da porosidade total, da infiltração e da própria condutividade hidráulica em relação à condição inicial deste solo. 2.4. Presença de matéria orgânica A matéria orgânica em decorrência das suas características físicas (contrações e subdivisões) e químicas (hidrófila) possui uma capacidade de reter água na proporção de 04 a 06 vezes o seu próprio peso (MALAVOLTA, 1976). O acúmulo de matéria orgânica no solo encontra-se determinado por uma combinação de fatores e pela qualidade, quantidade e tempo de sua decomposição, que por sua vez é regulada por fatores como a drenagem, a capacidade de retenção de água deste solo e a sua cobertura vegetal. A matéria orgânica na forma de húmus possui ação cimentante nas partículas do solo, o que propicia estabilidade aos agregados. A influência da matéria humificada na retenção de água pode ocorrer tanto na forma indireta como direta, sendo a primeira em função das melhorias provocadas nas propriedades físicas do solo e a segunda inerente a sua considerável capacidade de retenção. A capacidade de retenção pode variar de acordo com o estado da matéria orgânica, indo de 80 % de retenção para materiais crus a 400 % para turfas, podendo chegar a 800 % com o húmus (KIEHL, 1985).
2.5. Presença de sais solúveis A redução do potencial total de água do solo provocado pelos solutos osmoticamente ativos constitui-se em outro fator relevante na retenção de água nos solos (GUERRA, 2000), uma vez que nas raízes das plantas verificase a presença de camadas de células com diferente permeabilidade à solução do solo, o que passa a interferir diretamente na absorção, pois, a depender do nível de concentração de sais na solução do solo, haverá uma variação na quantidade de energia que estas plantas empregarão para absorver a água disponível (KLAR, 1984). A acumulação de sais solúveis onde predominam o Ca e Mg tende a deixar o solo floculado, solto e com boa permeabilidade, ocorrendo o contrário quando o acúmulo se dar com sódio trocável, que favorece o adensamento das camadas; assim, soluções de solo com altas concentrações de solutos ou de cálcio e magnésio, favorecem a retenção de água já que proporcionam ao solo boas propriedades físicas; por outro lado, diminutas presenças de sais em detrimento a proporções elevadas de sódio dificultam ou até mesmo impedem a passagem da água pelo interior de suas camadas, diminuindo fortemente a sua permeabilidade e friabilidade, afetando profundamente a capacidade deste solo de reter água e disponibilizá-la para as plantas (MEDEIROS e GHEYI, 2001).
3. A água do disponibilidade
solo
no
semi-árido
brasileiro
-
Concentrada basicamente no nordeste do Brasil, a região semi-árida brasileira caracteriza-se por apresentar peculiaridades que a toma “sui generis” no que se referem as condições físicas e climáticas quando comparado a outras regiões semi-áridas espalhadas pelo mundo (CARNEIRO, 1998). Em termos geológicos, evidencia-se a presença de cristalinos ocupando aproximadamente a metade de sua área, onde o armazenamento da água se restringe as zonas fraturadas, cujos solos caracterizam-se pedologicamente por serem rasos, pedregosos, de baixa capacidade de retenção de água e extremamente pobres em matéria orgânica. No que se refere aos aspectos climáticos, a região tem um balanço hídrico deficitário, onde em média, tem-se uma evaporação de 2000 a 2500 mm/ano contra uma precipitação variando de 400 aos 800 mm/ano nos diversos estados da região, além do que, a distribuição destes volumes ao longo do ano apresenta-se irregular, com a estatística registrando o escoamento em apenas um dia de 21% de tudo o que precipita, chegando aos 63% em menos de um
mês, culminando com 99% do total escoado em 180 dias (CARNEIRO, 1998). Para o Ministério do Meio Ambiente (2000), no que diz respeito ao balanço hídrico do semi-árido, os registros apontam para um escoamento superficial nesta região em tomo de 2,81 l/s/km2, ou seja, menos de 10% do escoamento superficial registrado na bacia amazônica (34,2 1/s/km2), configurando a severidade do quadro de escassez hídrica nesta região. Estudos hidrológicos realizados por Rebouças e Marinho (1972), já apontavam números bastante significativos envolvendo o balanço hídrico da região, com uma precipitação pluviométrica anual para todo Nordeste girando em tomo de 700 bilhões de m3, dos quais 642,6 bilhões de m3 são consumidos pela evapotranspiração (91,8 %), 36 bilhões m3 escoam superficialmente pelos rios para o mar (5,1%), ficando armazenados e efetivamente disponíveis deste total apenas 22 bilhões de m3 (3,10%). Segundo a EMBRAPA (1997), no semi-árido brasileiro, em cada 10 anos, três apresentam bons índices de precipitação pluviométrica, quatro caracterizam-se por ficarem próximos ou abaixo da média pluviométrica e os outros três são de seca impiedosa, sendo que, o problema encontra-se na concentração do período de chuva em apenas alguns meses do ano (novembro a março) com grande parte delas esvaindo-se sem qualquer utilização. Por outro lado, estes mesmos estudos apontam que, ao serem buscadas alternativas de armazenagem dessa água em grandes barragens e açudes duas situações têm inviabilizado a sustentabilidade do recurso: o pouco tempo de permanência da água nos reservatórios por conta da elevada demanda atmosférica que a faz evaporar e a salinização de uma boa parte delas. Esta situação torna-se ainda mais preocupante quando analisamos os dados do IBGE de 2000 relacionados a vegetação do semi-árido, os quais apontam que 54% do Bioma Caatinga encontra-se em elevado estágio de antropização, o que tem causado impactos profundos sobres os recursos hídricos da região, tornando-os ainda mais escassos ou apresentando elevados índices de poluição, principalmente devido a que nestas áreas os solos são classificados na sua maioria como Neossolos Litólicos, Areias Neossolocias Quartozênicas e Luvissolos Não Cálcicos, todos caracterizados como rasos e com baixa capacidade de infiltração de água. Mendes (1997) destaca que a aridez do semi-árido provoca uma inversão importante no regime de recarga dos leitos dos rios, uma vez que, ao terem o fluxo de drenagem permanentemente cortado, o lençol freático vai se tomando mais profundo, demandando cada vez mais água destes rios ao invés de contribuírem para a manutenção de suas correntezas, com os lençóis freáticos confinados mais profundos ocorrendo nas fraturas ou fendas onde, muitas
vezes, as vazões encontradas são baixas (em tomo de 2.000 l/h), o que contribui para uma significativa incidência de poços improdutivos. Como conseqüência desses fatores, os rios são de regime intermitente e o escoamento cessa no mês seguinte ao término das chuvas, com salinização freqüente dos solos, sobretudo em caso de irrigação mal controlada. Suassuna (2006) afirma que um terço dos açudes do Departamento Nacional de Obras de Combate à Seca (DNOCS) já apresentam problemas com a qualidade da água em seus perímetros irrigados. Segundo este mesmo autor, um outro agravante diz respeito ao armazenamento da água por processos de escoamento de pontos mais altos para acúmulo em pontos mais baixos dos terrenos, onde, neste deslocamento, a água arrasta diversos tipos de sujeiras, degradando a sua qualidade que é compartilhada ao mesmo tempo por pessoas e animais. Mesmo com todo este cenário, Ribeiro (2005) afirma ser o semi-árido brasileiro a região mais bem servida de açudes no mundo, detendo também os melhores e mais bem elaborados projetos/construções, com capacidade para armazenarem juntos mais de 37 bilhões de m3. Segundo o autor, são mais de 70.000 açudes construídos pelo governo ou pela iniciativa privada, sendo que mais de 10% deles foram projetados para suportar grandes períodos de estiagem, levando em conta series históricas pluviométricas de mais de 30 anos. De acordo com Suassuna (2006), 80% destes corpos d’água são caracterizados por apresentarem capacidade de armazenamento entre 10.000 e 200.000 m3. Apesar da bacia hidrográfica do Nordeste, onde se localiza a grande maioria do semi-árido brasileiro, ser a 3a maior do Brasil em superfície, sua significância em termos de reserva hídrica é bastante limitada face aos problemas de ordem climática e geológico apresentados anteriormente e que influenciam os regimes dos rios, os quais, com exceção do São Francisco e do Parnaíba, são temporários com baixíssimos rendimentos, cujo valor médio não ultrapassa os 3/l/s/km2 (CARNEIRO, 1998). Mesmo assim, este autor sinaliza um potencial hídrico que poderá viabilizar a irrigação de até 5.000.000 de hectares, desde que seja levado em conta uma combinação de fatores, estando 60% desta área localizada no vale do Rio São Francisco, que inclui o lago de Sobradinho com os seus 35 bilhões de m3, constituindo- se no maior lago artificial de água doce do planeta. Beltrão et al. (2002) ressaltam características importantes que precisam ser levadas em conta com relação à disponibilidade de água na região, segundo os quais, em alguns municípios do semi-árido nordestino, principalmente nos Estado do Piauí, Rio Grande do Norte e Pernambuco, em nenhum mês do ano
registra-se excedente de água ou mesmo umedecimento do solo, sendo a deficiência de água no solo uma constante. Ainda, segundo estes autores, a insolação nestas áreas chega a 3.400 horas/ano e a temperatura na superfície do solo ultrapassa os 65 ° C nos meses mais quentes. Em estudos sobre abastecimento de água em pequenas comunidades rurais do semi-árido, patrocinado pelo Banco Mundial e publicado em 2002, sob responsabilidade da Práxis Consultoria e Projetos S/C Ltda, constatou- se que em 227 comunidades distribuídas entre os Estados da Bahia, Rio Grande do Norte e Ceará, as fontes predominantes de abastecimento são águas subterrâneas, até mesmo na maioria das comunidades onde existem reservatórios públicos próximos e que não secam todos os anos. Por sua vez, as formas de captação são predominantemente através de poço tubular com sistemas de recalque por energia elétrica, ocorrendo na Bahia, entretanto, grande incidência de motores a diesel. Ressalta-se ainda no trabalho que há uma necessidade premente de se construir barragens subterrâneas e barragens de assoreamento, como meio de aumentar a reserva de água em poços amazonas e que a utilização de poços deve ser previamente estudada e a sua perfuração criteriosamente acompanhada de um profissional competente e feita com equipamentos adequados. Por outro lado a sustentabilidade dos sistemas de abastecimento de água destas comunidades está condicionada diretamente a viabilidade técnica, financeira e social dos mesmos, de forma que se recomenda que seja realizado um criterioso e substancial trabalho sócio-educativo junto aos usuários dos sistemas, dando suporte a todas as intervenções técnica e financeira que se fizerem necessárias, afirmando-se a importância de um processo educativo de como utilizar a água, além de um forte trabalho de organização e capacitação dos usuários. Assim como já praticado pelas equipes da UFCG, o documento registra ainda que o trabalho de educação deva ter como foco os recursos hídricos e, particularmente, a água como bem finito.
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Água, solo e meio ambiente: subsídios para alunos e professores do Ensino Básico Jógerson Pinto Gomes Pereira21
Conceito de Água A água é uma substância que na temperatura de 0°C e a pressão de 1 atm (Condições Normais de Temperatura e Pressão), encontra-se em seu ponto de fusão, transição do estado sólido para líquido, ou vice-versa, se a temperatura eleva-se ou diminui. Já na condição ambiente de 25 °C e 1 atm, ela encontrase no estado líquido, e, próximo a 100 °C, no estado de vapor. A água possui a fórmula química H2O, ou seja, possui em sua composição dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio ligados por meio de ligações atômicas ou químicas. É designada por: hidróxido de hidrogênio, monóxido de di-hidrogênio ou ainda protóxido de hidrogênio. Algumas características da água: possui tensão superficial de 0,07198 N m-1 a 25 °C. A água pura em tomo de 4 °C apresenta densidade de 999,97 kg/m3, e, oscila esses valores para mais ou para menos ao arrefecer ou aquecer, respectivamente. Na atmosfera, a água é uma substância estável e desempenha papel importante como absorvente da radiação infravermelha, prepoderante no efeito estufa. A água também possui um calor específico de 75,33 J mol-1 K-1 a 25 °C, alto em relação a outras substâncias, o que favorece desempenhar importante papel na regulação do clima global. A água é a única substância que naturalmente apresenta-se nos três estados; sólido, líquido e gasoso.
O Surgimento da Água na Terra Confunde-se com a formação do próprio planeta. Lento resfriamento de esfera incandescente e emissão de gases diversos, até a formação do vapor d’água. E, sucessivas moléculas de água vaporosa atingindo as camadas mais altas e frias, condensaram-se e transformaram-se nas primeiras precipitações. Estimase que foram chuvas torrenciais. 21
Professor da UA — Eng.Agrícola do CTRN da UFCG
A partir de então, apenas parcela desse volume retornava à atmosfera. A outra parcela, em estado líquido, escorria e preenchia as depressões ou infiltrava pelas fendas rochosas da crosta terrestre. Assim, formou-se a hidrosfera primitiva, semelhante, mas de constituição diversa da atual.
O Ciclo da Água Desde a sua formação, a água nunca se perdeu, ela se conserva. Por isso, a água que se usa hoje é a mesma que existe há 5 milhões de anos. A água não está estática, mas em constante movimento, ao que se denomina de Ciclo Hidrológico. O orvalho sob as plantas, a evaporação do mar, as nuvens, a neve, o granizo, a chuva, são exemplos dos estágios que as moléculas de água estão submetidas dentro do Ciclo Hidrológico. A maior parte do planeta Terra é composta por água, cerca de 75% de sua superfície. É encontrada, principalmente, nos oceanos e calotas polares, e também na atmosfera sob a forma de nuvens, nos continentes em rios, lagos glaciares e aquíferos, de forma que, se se buscasse outro nome para o planeta, a designação Água seria bem mais autêntica. Nos Quadros 1 e 2, tem-se uma estimativa do balanço hidrológico no planeta, em que a entrada de água no oceano se dá pela precipitação e pelos escoamentos dos rios e subterrâneos, enquanto a principal saída é a evaporação. Quadro 1 - Superfície, precipitação e evaporação média no oceano e continente. Item Unidade Oceano Continente Área km? 361.300.000 148.000.000 Precipitação média
mm/ano 1.270 800 Evaporação média mm/ano 505.000 484 Quadro 2 - Estimativa de escoamento das águas da superfície e subterrânea para os oceanos.
Discriminação Unidade Quantidade Rios m3/ano 44.700 Escoamento subterrâneo trf/ano 2.200 Escoamento total trf/ano 46.900
Seres de Água A água é essencial à todas as formas de vida conhecidas: monera, protista, animal e vegetal. E, a maior parte do corpo desses seres vivos também é
constituída de água, que é o maior elemento em quantidade nas células e no sangue de animais e na seiva dos vegetais. A água é incolor, inodora e insípida, e, é imprescindível ao metabolismo da vida dos seres vivos. Os seres humanos adultos, em condições normais de saúde, têm a necessidade média de ingestão de dois litros de água por dia. Dentre as muitas propriedades incomuns da água e que são críticas para a vida, é a de ser excelente solvente. Ou seja, a água dissolve vários tipos de substâncias polares e iónicas, como vários sais e açúcares, favorecendo a interação química entre as diferentes substâncias fora e dentro dos organismos vivos. Apesar disso, algumas substâncias não se misturam bem com a água, a exemplo dos óleos, podendo ser classificadas como insolúveis, e, em alguns casos, hidrofóbicas. As membranas celulares, compostas por lipídios e proteínas, levam vantagem das propriedades hidrofóbicas para controlar as interações entre o seu interior e o meio externo.
O Caso Específico das Plantas As primeiras plantas que surgiram foram as algas, que são vegetais aquáticos sem raízes, caules ou folhas. As plantas são de vital importância para os seres humanos. Sem elas, estes não existiriam. Elas estão em toda parte. Há poucas plantas nos rios de correnteza rápida, pois a velocidade da água elimina as espécies flutuantes ou impede que germinem. Já nos lagos e lagoas existem muitas espécies que se distribuem em função da profundidade da água e a natureza do fundo limoso ou arenoso. A maioria enraíza-se no fundo e se expandem para fora da superfície da água, outras ficam completamente submersas. As plantas submersas retiram nutrientes da água pelas folhas e caules. Expelem oxigênio, que os seres que vivem no mesmo habitat aproveitam. No mar e nas encostas as plantas adaptam-se ao ambiente salino. Têm em geral, folhas pequenas, carnosas e brilhantes. Nas regiões tropicais, nas áreas dos estuários lodosos formaram-se os manguezais, denominação das árvores chamadas mangues. Alagadas o tempo todo, essas árvores acostumaram-se a viver com a água salgada do mar, a água doce dos rios e a mistura de terra e areia. Em sua adaptação, criaram raízes no limo e aérea em forma de arcos. Nos manguezais a vida animal é intensa. As que se adaptaram ao semi-árido fazem sua própria reserva de água, e, às
vezes, apresentam raízes profundas. Normalmente, são plantas anuais que completam seu ciclo em algumas semanas. Essas plantas, em geral, produzem muitas sementes. Isso permite algumas delas esperar por muito tempo a chuva para germinar. Após a chuva, o semi-árido torna-se verdejante e colorido durante alguns dias. As plantas suculentas do semi-árido são plantas reservatórios que acumulam água nas folhas e caules.
A Água e a Paisagem A hidrografia é um dos elementos da paisagem, assim como o solo, o relevo, o clima e a vegetação. Cada um desses elementos, além de depender um dos outros, pode variar muito de um lugar para outro. São as chuvas que formam os rios e os mananciais. Ao cair uma precipitação, uma parcela penetra o solo até encontrar a rocha impermeável. Aí, se acumula e escorre acompanhando a inclinação da rocha, por baixo do solo até a superfície. Esses pontos são chamados nascentes, bicas ou olhos d’água. A partir daí essa água passa a escoar sobre a superfície, abrindo um caminho natural de água corrente que vai sempre de pontos mais altos para locais mais baixos, Figura 1.
Figura 1 - Transbordamento do Rio Taperoá em Cabaceiras (2008) cidade de menor índice pluviométrico do Brasil, aproximadamente 250 mm anuais.
A falta de chuva pode secar os rios. Na paisagem árida os rios ou lagos são temporários, ou seja, só enchem quando chove, embora por pouco tempo. As nuvens também são muito raras e o sol aquece diretamente o solo o dia todo,
provocando temperaturas elevadas, deixando o ar seco. No domínio da caatinga as plantas conseguiram se adaptar a escassez de água com perfeição. Ao começar a estação seca, boa parte da vegetação perde as folhas, mecanismo que evita que a vegetação evapore a água que acumulou durante a estação das chuvas. É desta maneira que a maior parte dos arbustos e árvores da caatinga consegue sobreviver durante os longos meses de estiagem. Só os cacos e algumas árvores como o juazeiro e o imbuzeiro, ficam verdes durante a estiagem. Como as plantas, os animais também se adaptaram à escassez de água. Entre as suas características, destacam-se pelo tamanho pequeno e a velocidade. Para a grande maioria, protegem-se nas horas mais quentes do dia em buracos frescos, saindo à noite para procurar alimentos. Como vivem em um ambiente seco e sem vegetação, eles têm no porte reduzido e agilidade, as principais características. Na caatinga todos os seres vivos aprendem a viver com a falta de água. No interior da Paraíba, há depoimentos de que o tatu não bebe água, mas essa assertiva é fruto do imaginário popular, porque todo ser vivo especialmente os vertebrados, necessitam de água para regular o seu metabolismo bioquímico e excreções, devendo ser continuamente renovada.
Os Rios como Recursos Naturais Há mais água que qualquer coisa no mundo, mas a água doce é mais usada que água salgada. A quantidade de água dos rios varia durante o ano. Os períodos em que o volume de água é menor são chamados de épocas de vazante, e, quando o volume é maior, têm-se as épocas de cheia. Quando o volume de água é excepcionalmente aumentado, ultrapassando o padrão considerado normal para a época de cheia, ocorrem as enchentes. A essa variação periódica dá- se o nome de regime do rio, e é função do clima, do relevo e da vegetação. Os fatores climáticos o tipo do regime do rio: pluvial (quando é proveniente das águas de chuvas) niveal (quando provêm do derretimento da neve) ou misto (pluvial e niveal). Em decorrência da maior ou menor quantidade de água durante o ano, e das condições de evaporação e infiltração, os rios podem ter o regime classificado em: regular, irregular e temporário. Os rios de regime regular não apresentam diferença significativa de volume d’água entre a época de cheia e de vazante. Os de regime irregular têm variações drásticas de volume e os de regime
temporário secam durante as estiagens, Figura 2.
Figura 2 - Afluente seco da Bacia do Rio São Francisco.
Todos os rios desembocam em outros rios maiores formando uma rede, a que se dá o nome de rede hidrográfica. A área drenada por uma rede hidrográfica é chamada bacia hidrográfica. As bacias hidrográficas são separadas uma das outras por divisores de águas. A água tem sido utilizada pelos seres humanos em suas atividades econômicas, para os mais diversos fins. É usada como matéria-prima na produção de alimentos e outros bens, como fonte de energia na produção do vapor e da hidroeletricidade, como via de transporte, como elemento de resfriamento de máquinas e produtos industriais, para irrigação de culturas agrícolas, para recreação e fins terapêuticos, como habitat de plantas e organismos aquáticos, entre outras finalidades. Tem sido usada, inclusive como transporte de esgotos domiciliares e industriais ou de outro tipo. O uso indiscriminado da água tem levado a poluição dos mananciais, alterando os regimes fluviais e, interferindo na diminuição da flora e da fauna aquática. A degradação dos recursos hídricos não se dá apenas pelo seu uso direto. As atividades agrícolas mal conduzidas levam ao sistema hídrico, perigosos poluentes, como certas substâncias químicas dos agrotóxicos e fertilizantes. Da mesma forma, a erosão decorrente da incapacidade do uso do solo, promove o assoreamento dos fundos de rios, lagos e represas. A Água Mundial Apenas 1% da água da Terra é potável e pode ser utilizada para o uso e
consumo humano. E, aproximadamente, 1/3 desse volume encontra- se no subsolo, na forma de água subterrânea, acumulada entre gretas, fraturas e espaços vazios das rochas. A área onde se acumula a água no subsolo se chama zona saturada. Acima dessa área denomina-se de lençol freático, que tem posicionamento variado, podendo situar-se a 0,3 m ou a mais 30 m da superfície. As áreas onde se acumulam as águas no subsolo são conhecidas como aqüíferos que pode ser livre ou confinado. O aqüífero livre é aquele que se assenta sob base impermeável e o nível da água está sujeita à pressão atmosférica. O aqüífero confinado está entre as camadas geológicas impermeáveis e a pressão supera a da atmosfera. Segundo dados da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) a particularidade principal dos recursos hídricos nos vários continentes são as seguintes: África: Conta com 9% dos recursos mundiais de água potável. América: É uma região muito rica em recursos hídricos. Pelas bacias do Amazonas, Qrinoco, Mississipi e Magdalena correm 30% da água superficial da Terra. Ásia: Cerca de 86% da água consumida na região é destinada à agricultura, acima da média mundial de 71 % para essa atividade. Europa: Cerca de 18% da população vive em países com escassez de água, entre eles Espanha, Chipre, Malta e Itália. Oceania: Apresenta 9,6% de reserva de água doce. O maior oceano da Terra é o Pacífico. Localiza-se entre a América, Ásia e a Oceania. Ocupa 1/3 da superfície do planeta e concentra quase 1/2 do volume de água do globo. Nele estão as regiões mais profundas chamada de fossas oceânicas das Marianas, há quase 11.000 metros abaixo do nível do mar. O Oceano Atlântico recebe 68% das águas doces do planeta. Nele é descarregada grande quantidade de sedimentos provenientes principalmente dos rios mais caudalosos que existem: o Amazonas (América) e o Congo (África). O Oceano Índico, situado no Hemisfério Sul entre a Ásia e a Antártida, recebe o volume de água doce provenientes dos rios Ganges, Bramaputra e Indo.
No Hemisfério Norte encontra-se o Oceano Glacial Ártico que recebe água de muitos rios da Ásia e América do Norte. Tem na maior parte de tempo, grossa camada de gelo na sua superfície. Outras superfícies de água de menor extensão são os mares. Podendo ser mares abertos, a exemplo do mar da China no Pacífico e o mar do Caribe no Atlântico, além do Mediterrâneo, do Vermelho e do Negro, e mares fechados, como o Cáspio e o Morto, na Ásia. A mais alta queda d’água é de 979m na Cachoeira Angel, na Venezuela. E a de maior volume, aproximadamente 793m3 é a queda d’água Guairá no Rio Paraná, entre o Brasil e a Argentina. O Canadá tem 50% das águas doces do planeta e milhares de lagos. Há mais de 30.000 lagos maiores que 3km2.
Os fatores do crescimento do consumo de água De 1950 até os dias atuais o uso da água triplicou no mundo pressionado pelos fatores de crescimento populacional, aumento do número de indústria, ampliação das cidades e a expansão das áreas ocupadas por plantações. O consumo diário per capita passou de 1 trilhão para 4 trilhões de litros por dia. O sistema de distribuição é ineficaz, pois 40% da água transportada se perdem. A América do Norte registra a maior cobertura de abastecimento e saneamento de água no mundo. E nos Estados Unidos cerca de 49% da água doce dos é usada para a agricultura.
Fatores que contribuem para o declínio do oferecimento de água potável Ocorre quando a quantidade de água retirada dos lagos, rios ou aqüíferos é tanta que, essas fontes não são capazes de satisfazer todas as necessidades dos seres humanos e dos ecossistemas, trazendo um aumento na competição entre as demandas potenciais.
Escassez da Água A deterioração da qualidade da água subterrânea pode ser direta e indireta, por atividades humanas, naturais ou ambas. Aquelas decorrentes da atividade antrópica são devido à poluição urbana e doméstica, agrícola e industrial, cada qual com conseqüências desastrosas.
Daí, a água é considerada poluída quando a sua composição foi alterada de tal maneira que a torna imprópria par um determinado fim, a exemplo da descarga de efluentes domésticos não tratados na rede hidrográfica, ou de fossas sépticas, ou ainda de lixeiras, que ao atingir o aqüífero promove aumento de mineralização, de temperatura e aparecimento de cor, odor e sabor desagradáveis. Os contaminantes do meio agrícola são os fertilizantes, pesticidas, e, às vezes, a prática da irrigação. Mesmo a reutilização da água subterrânea para irrigação provoca aumento progressivo da concentração de sais, podendo chegar a inviabilizar a área produtiva. Um exemplo se deu no interior do Estado de São Paulo, que já possuiu uma das maiores concentrações de áreas irrigadas do País, a falta de planejamento e de critérios para o uso da água gerou vários conflitos entre os irrigantes em razão da escassez da água. Muitos deles chegaram até a abandonar a atividade ou transferi-la para outras localidades. Os resíduos industriais quando despejados nos corpos d’água sem controle ou tratamento causam sérios problemas de contaminações. Entre as indústrias mais poluentes tem-se: metalúrgicas, petroquímicas, mineradores, de venenos agrícolas, farmacêuticas e até alimentares. A contaminação por intrusão salina é o fenômeno que ocorre nas regiões costeiras onde os aqüíferos estão em contato com a água do mar, que é mais densa e tende a penetrá-los. Com a extração de grandes volumes de água doce subterrânea, provoca o avanço da água salgada com conseqüente salinização dos poços. Ao redor do Golfo Pérsico há escassez de água e as disputam por esse recurso natural marcam a região. A hidrografia do Oriente Médio é determinada pelos rios Tigre, Eufrates, Jordão e Litani. Nessa região a demanda pelo uso da água é alta e leva a intensos conflitos.
O pluriuso das águas do Rio São Francisco Não há excesso de água. Ao longo de seu curso há uso diverso de seu manancial, que serve de transporte, suporte para pesca, mas principalmente, irrigação e geração de energia elétrica., através de hidrelétricas: Três Marias (MG) e do Complexo Paulo Afonso-Sobradinho-Itaparica, na divisa entre Bahia e Pernambuco. Esses usos são conflitantes. A demanda da reserva dessa bacia continua crescente: pressionado pelo uso industrial.
O Brasil tem a matriz energética com 90% de eletricidade proveniente de hidrelétricas. Isso porque em seu território há muitos rios de planaltos, ou seja, que apresentam queda d’água na forma de cachoeiras ou corredeiras. Os estudos dos impactos ambientais decorrentes dessas obras devem ser considerados e remediados, porque a produção de energia elétrica para um chuveiro de 4.400 W por 15 min requer 8.800 litros de água. Apresenta-se no Quadro 3 a discriminação do uso da água por setor econômico. Quadro 3 - Uso de água por território e setor. Fonte: ANA (2008).
Rios Sagrados A civilização indiana teve sua origem há cerca de 4.500 anos, no vale do rio Indo, e o hinduísmo é cultuado por mais de 75% da população, que tem estreita relação com o sagrado nos vários elementos da natureza, entre os quais os corpos d’água.
Plantas x Água x Produção Matéria Seca A comida tem em média mais de 50% de água. O ovo possui aproximadamente 74%, o bife 73%, a melancia 92%e o abacaxi 80%. No Quadro 4 citam-se algumas plantas e a relação entre a quantidade de água necessária para a conversão de matéria seca, em que o destaque é o sisal com potencial de conversão alto a partir de quantidade ínfima de água. Quadro 4 - Plantas e conversão média de água em matéria seca.
ESPÉCIES kg de H matéria seca g de matéria seca/ g de H 3 10,7 Palma Forrageira 267 3,7 Atriplex Nummularia 304 3,3 Milheto 400 2,5 Cevada 500 2,0 Sorgo 666 1,3 Alfafa 1000 0,5
O quanto de água necessita o ser vivo?
O corpo humano possui 2/3 de água. A água potável salva mais vidas do que todas as instituições médicas do mundo. A água, que até então, era tratada com o descaso de um recurso natural renovável e inesgotável, hoje está recebendo a importância que lhe é devida, por ser um recurso essencial à vida, ao desenvolvimento econômico e ao bemestar social e que deve continuar sendo utilizada, mas de forma racional. Na divisão do consumo, a agricultura é responsável por 65% do gasto total de água, a indústria por 25% e o uso doméstico por 10%. A China tem 22% da população mundial e apenas 7% das terras cultiváveis do planeta, o que a toma um país com forte tendência de importação de alimentos. Uma região com potencial de uso de água e terras excedentes é a América do Sul, onde o Brasil tem 53% da água disponível do total latinoamericano e 12% do total mundial. Todos nós temos nossa parcela de contribuição a oferecer; a população em geral, evitando o desperdício; as indústrias, com o tratamento de seus resíduos antes de lançá-los nos rios; as administrações públicas, com tratamento de esgotos urbanos e saneamento básico; os agricultores, com o boicote e substituição dos agrotóxicos e com a preservação de nascentes, mananciais e matas ciliares; e os profissionais que atuam em todas as áreas que possam ter alguma relação com o meio ambiente, oferecendo orientação e educação ambiental, despertando nas pessoas a conscientização para assuntos relacionados à preservação da vida em nosso planeta, que depende diretamente da existência e da preservação da qualidade da água.
Referências LINDOP, Christine; FISCHER, Dominic. Água. In: Something to Read 1. Cambridge University Press, 1988. O planeta das plantas. Tradução de Marina Appenzeller. São Paulo: Melhoramentos, 1999. Páginas na internet: www.ana.gov.br, acesso www.canalkids.com.br, acesso www.furnas.com.hr. acesso www.uniagua.org.br, acesso http://pt.wikipedia.org, acesso em 11/06/08.
em em em: em
11/06/08. 11/06/08. 12/07/2005. 11/06/08.
Captação de água em superfícies resfriadas na região do semi-árido paraibano Genival da Silva22
Introdução Os primeiros cinco quilômetros da atmosfera contêm aproximadamente 90% da massa total de vapor d’água. Esse percentual representa apenas 0,001% de toda a massa de água existente no planeta Terra, ou dez vezes o volume de águas contidas nos rios. Se todo esse vapor d’água fosse condensado e distribuído uniformemente sobre toda a superfície da Terra, formaria uma lâmina de água de aproximadamente 25 mm de altura (Garcez & Alvarez, 1988). O Nordeste brasileiro situado aproximadamente entre as latitudes de 1 e 18° S e longitudes de 34 e 48° W, possui uma grande diversidade climática. Pode-se encontrar desde clima semi-árido com chuvas anuais abaixo de 500 mm, no interior da região, até clima tropical chuvoso, na costa Leste e no Norte do Maranhão, com totais anuais precipitados acima de 1.600 mm. Rao et al (1996) apud Nóbrega (2003). O Brasil possui cerca de 12% das reservas de água doce disponível nas bacias hidrográficas do planeta. Mesmo com todo esse potencial hídrico, o interior do Nordeste Brasileiro, mais precisamente a região semi-árida, sofre permanentemente com a escassez hídrica. Dentre os estados brasileiros, a Paraíba, com 1.320 m3.hab-1.ano-1, é o estado que possui o segundo menor potencial hídrico do país, sendo superado apenas pelo estado de Pernambuco com um potencial hídrico de 1.171 m3 hab-1.ano-1 (Sousa e Leite, 2003). Mesmo sendo de clima semi-árido, o interior do Estado da Paraíba apresenta em sua climatologia umidade específica que atinge valores consideráveis (15 g kg-1). Isto se deve principalmente ao transporte de vapor d’água do oceano para o continente, feito pela circulação geral da atmosfera predominantemente de Sudeste. Este trabalho tem como objetivo a captação de água a partir do resfriamento do ar na região do semi-árido Paraibano. 22
Professor do Departamento de Física da UEPB, Doutorando em Recursos Naturais na UFCG professorgenival@yahoo.com.br.
1. Metodologia O interior da região Nordeste do Brasil, denominada Polígono das Secas, apresenta clima semi-árido, cuja precipitação média anual é cerca de 500 mm. Com relação aos recursos hídricos à superfície, predomina os rios intermitentes que escoam apenas no curto período chuvoso. Em conseqüência dessas características a população da região é bastante penalizada pela falta de água, principalmente a potável. Essa situação torna-se mais crítica durante os longos períodos de estiagens, bastante comuns na região. Os municípios paraibanos de Campina Grande e São João do Cariri (Figura 1), locais em que foram realizados os primeiros experimentos desta pesquisa, estão situados no semi-árido paraibano.
Figura 1 - Regiões climáticas da Paraíba. Localização de (a) Campina Grande e (b) São João do Cariri (b).
Os dados climáticos referentes à temperatura e à umidade relativa do ar dos municípios paraibanos de Campina Grande e São João do Cariri, localizados na região semi-árida da Paraíba, são mostrados na Tabela 1. Pode ser notado que os valores médios anuais de umidade relativa e de temperatura do ar são semelhantes. Tabela 1 - Dados climatológicos de Campina Grande e São João do Cariri. Fonte: UACA/UFCG. Municípios
Temperatura (°C)
Máx. Campina Grande 29,0 São J. do Cariri 30,8
Min. 19,1 19,5
Umidade Relativa (%)
Média 12:00 22,7 84,3 24,0 78,8
18:00 57,4 57,5
24:00 87,2 84,7
A quantidade de vapor de água presente na atmosfera, em um determinado
momento, pode ser determinada, a partir da pressão atmosférica, da umidade relativa e da temperatura do ar (Vianello, 2004). A idéia inicial desta pesquisa surgiu com a observação da formação de água durante o funcionamento de aparelhos de ar condicionados. Esses equipamentos, durante o funcionamento, retiram parte da umidade do ar nos locais onde são instalados. Nos primeiros experimentos desta pesquisa (Silva, 2007), realizados em Campina Grande-PB, foi utilizado como superfície de condensação o tubo que envolve o congelador de um refrigerador de uso doméstico mostrado na Figura 2-a. O tubo foi retirado do refrigerador, ficando totalmente exposta ao ar ambiente. Na Figura 2-b é mostrado um tubo evaporador em forma de hélice coberto de gelo. A água era produzida sobre a superfície refrigerada do tubo, com área total de aproximadamente 0,13m2. O volume da água obtida era medida com o uso de um recipiente graduado em mililitros, normalmente utilizado nas cozinhas para a medida da quantidade de ingredientes durante o preparo de uma receita (bolo, por exemplo). As medidas de consumo de energia elétrica foram feitas através de um medidor igual aos utilizados em residências.
Figura 2 - Sistema de refrigeração utilizado inicialmente para a obtenção de água.
Devido às dificuldades em se transportar o sistema de refrigeração para os diversos locais onde foram realizadas as experiências, adotou-se o uso de um aparato experimental que pudesse ser facilmente transportado e manuseado em locais sem disponibilidades de energia elétrica. O novo aparato foi construído de forma que o custo fosse o menor possível, sem prejuízo experimental, ou seja, que com ele se obtivesse resultados satisfatórios a fim de que a
viabilidade de futuras pesquisas sobre o tema fosse mantida. Na Figura 2 podem ser vistos os instrumentos usados para efetuar as medições da temperatura do ar, umidade relativa do ar, pressão atmosférica, massa de orvalho produzida e temperatura da superfície de condensação. Como superfícies condensadoras de vapor d’água foram utilizadas garrafas PET com capacidade de 2,5 litros, e área de superfície lateral de aproximadamente 0,1 m2. O volume de orvalho formado é relacionado principalmente à umidade relativa do ar, temperatura do ar, temperatura da superfície do condensador, e velocidade do vento. Nas primeiras experiências desta pesquisa optou-se por realizar medidas de temperatura do ar, umidade relativa do ar, pressão atmosférica e temperatura da superfície de condensação. Isso fez com que houvesse redução no número de instrumentos utilizados na montagem experimental. No decorrer dos trabalhos, algumas experiências foram realizadas na estação meteorológica da UACA/UFCG onde também foram obtidas medidas da velocidade do vento, visto que, a presença deste é um fator de grande influência no transporte de vapor d’água e, portanto, no volume de orvalho produzido. Com a substituição do congelador pelo aparato experimental mostrado na Figura 3, o resfriamento das garrafas PET foi feito a partir do congelamento da massa de água contida nas mesmas. Após o congelamento, as garrafas PET contendo gelo foram posicionadas no suporte e expostas ao ar. As medidas da massa de água condensada, inicialmente feitas com o uso de uma balança digital, passaram a ser obtidas automaticamente com a inclusão de uma báscula no experimento (Figura 4). Nos experimentos realizados na Estação Meteorológica da UACA/UFCG, foram feitas apenas medidas da massa de orvalho e da resistência elétrica dos termistores, já que os demais dados meteorológicos foram obtidos da própria estação. O entendimento desta metodologia por parte de alunos do Ensino Fundamental e Médio pode ser mais bem assimilado a partir de uma atividade experimental (descrita em anexo) em que são utilizados materiais a custo zero.
Figura 3 - Montagem experimental.
Figura 4 - Báscula adaptada ao experimento.
2. Resultados A Tabela 2 exibe os valores do tempo de exposição da superfície de condensação At, o volume de água condensado A (XXX135)V, a umidade relativa do ar média (UR) e a energia elétrica AE consumida em cada intervalo de tempo. As superfícies de condensação utilizadas foi o tubo evaporador com área de 0,13 m2. A partir desses dados, foram calculadas as médias horárias do volume de água produzido e do consumo de energia. Também foram obtidas as médias do consumo de energia para cada litro de água produzido, bem como do volume de água produzido por metro quadrado, por hora. Como o experimento foi realizado em ambiente aberto, a condensação ocorreu com a presença do vento. O consumo médio de energia, necessária para se produzir
um litro de água foi de 0,75 kWh/litro usando-se o tubo evaporador como superfície fria. Tabela 2 - Valores médios da umidade relativa do ar (UR), umidade específica do ar (q), energia consumida por litro de água produzido (ΔE/ ΔV) e volume de água produzido por unidade de área por hora (ΔV/A. Δt) Superfície de condensação Tubo evaporador
<ΔV/AΔt>( <UR>(%) <q>(g kg-1) < ΔE/ ΔV> (kWh L-1) Lm-2 h-1) 82,6
16,16
0,75
1,23
A Figura 5-a mostra a temperatura da superfície de condensação (Ts), o valor médio da diferença entre as umidades específicas nas temperaturas T e T s (<qqs>) e a massa de orvalho produzida (Δm) entre 18 e 24 h do dia 21/05/2006, em experimento realizado em ambiente externo, na cidade de Campina Grande — PB. De acordo com os dados apresentados, pode se inferir que, em sendo mantida a temperatura das garrafas PET em tomo de 6 °C, com a temperatura do ar em tomo de 25°C e umidade relativa do ar em cerca de 80%; é possível atingir a produção diária de 6 litros de água por metro quadrado de superfície refrigerada. Observando-se o comportamento do gráfico exibido, verifica- se que Δm e <q-qs> estão bem relacionados.
Figura 5 - Temperatura da superfície de condensação (Ts), diferença média entre as umidades específicas <q-qs> e a massa de orvalho (“m) nos experimentos realizados em (a) Campina Grande e (b) São João do Cariri.
A Figura 5-b mostra os resultados experimentais, obtidos em ambiente aberto, no dia 27/05/2006, na localidade Sítio Farias, situada a aproximadamente 12
quilômetros da cidade de São João do Cariri — PB, região do Cariri Paraibano. Comparando o orvalho produzido no Sítio Farias com os valores produzidos em Campina Grande — PB (Figura 5-b), nota-se que nas três primeiras horas de condensação houve um acréscimo de 77%. A presença do vento e a alta umidade específica do ar foram fatores que influenciaram sobremaneira na obtenção desses resultados. Mantendo-se a temperatura da superfície das garrafas PET em tomo de 12°C, sob condições meteorológicas semelhantes as do dia 27/05/2006, é possível a obtenção diária de 11 litros de água por metro quadrado de superfície refrigerada. A velocidade do vento e a diferença entre as pressões parciais de vapor d’água à temperaturas do ar e da superfície de condensação são fatores que determinam a quantidade de orvalho produzida. AFigura 6-a mostra os valores das quantidades de orvalho produzidas em experiência realizada na estação meteorológica da UACA, no dia 13/12/2006, além dos dados meteorológicos obtidos da própria estação. Verifica-se que a partir das 20 horas ocorreu a maior concentração da massa de orvalho (Am) e, no decorrer do tempo, verificou-se um decréscimo na mesma. Já a velocidade do vento a um metro de altura da superfície foi praticamente constante no mesmo período. A Figura 6-b mostra os valores das quantidades de orvalho produzidas em experiência realizada na estação meteorológica da UACA/UFCG, nos dias 21/12/2006. Verificou-se que o intervalo de tempo em que ocorreu a condensação no experimento realizado em 13/12/2006 (três horas e quarenta minutos) foi bem menor do que o verificado no experimento realizado nos dias 21/12/2006 (cinco horas). Essa diferença está relacionada com maior intensidade do vento, verificada no dia 13/12/2006.
Figura 6 - Valores da massa de orvalho (“m), da diferença de pressões de vapor (“e) e da velocidade do vento a um metro de altura da superfície (U), obtidos nos experimentos realizados na estação meteorológica da UACA/UFCG
3. Conclusões
Utilizando superfícies refrigeradas, a produção média horária de orvalho foi de 1,23 L m-2. Esse valor, quando integrado no tempo, totaliza aproximadamente 12 L m-2, em uma noite (10 horas). Se forem utilizados equipamentos mais eficientes e fontes de energia alternativas (solar e/ou eólica), é possível produzir água potável em quantidade considerável a partir da condensação da umidade do ar. Essa metodologia poderá ser mais uma fonte de água para os habitantes da região do Cariri Paraibano. A apresentação de projetos nessa linha de pesquisa a órgãos financiadores com a parceria de organizações que atuam na preservação do meio ambiente e na ação social, poderá contribuir no processo de fixar o homem do campo, em seu lugar de origem, evitando sua migração para a periferia das grandes cidades. O Sol e o vento podem ser avaliados como fontes alternativas de energia utilizada nos equipamentos de refrigeração para a produção de água.
Referências GARCEZ, L. N.; ALVAREZ, G A. Hidrologia. 2.ed. rev. atualizada. São Paulo: Edgard Blücher Ltda., 1988. p.8. NÓBREGA, R. S. Aspectos climáticos da reciclagem do vapor d’água sobre o Brasil. 2003, 90p. Dissertação de Mestrado em Meteorologia da Universidade Federal de Campina Grande. SILVA, G Condensação da umidade atmosférica: um estudo da viabilidade da produção de orvalho por resfriamento do ar nos municípios paraibanos de Campina Grande e São João do Cariri. 2007, 66p. Dissertação de Mestrado em Meteorologia da Universidade Federal de Campina Grande. SOUSA, J.T.; LEITE, V. D. Tratamento e Utilização de Esgotos Domésticos na Agricultura. 2. ed. Campina Grande: EDUEPB, 2003. p.21-22. VIANELLO, R. L.; ALVES, A. R. Meteorologia básica e aplicações. l.ed. Viçosa: UFV, 2004. p.58e72.
Anexo — Sugestão de um experimento Condensação da umidade do ar 1. Objetivos
• Produzir água a partir do vapor atmosférico; • Relacionar o volume de água produzido com: - A massa de gelo usada no resfriamento da superfície de condensação; - A temperatura do ar (dia ou noite); - A presença do vento (ambiente fechado ou aberto). 2. Material utilizado • 4 garrafas PET com capacidades de 1 ou 2 litros; • 2 embalagens vazias de goiabadas; • Recipiente graduado (em mililitros) para medida de volumes; 3. Procedimentos experimentais • Com um arame grosso aquecido, fazer vários furos nas tampas da embalagens de goiabada (esses furos servem para o escoamento da água produzida para dentro das embalagens); • Encher a garrafas PET com 1 ou 2 litros de água (utilizar o recipiente graduado em mililitros); • Colocar as garrafas dentro de um congelador ou de um freezer por um período de 1 a 2 dias; • Às 10 horas da manhã, posicionar duas das garras contendo gelo sobre as embalagens de goiabadas, uma em ambiente interno (sem a presença do vento) e a outra em ambiente externo, protegida dos raios solares (com a presença do vento). Ao verificar que todo o gelo foi derretido, medir as quantidades de água produzidas, anotando os valores na Tabela 3 (considerar 1 mililitro = 1 grama); Tabela 3 - Dados obtidos no experimento diurno (início: 10 horas). Massa de gelo (kg) Ambiente interno Ambiente externo
Massa de água condensada (g)
Razão de produção (g/kg)
• Utilizando as outras duas garrafas contendo gelo, repetir o procedimento anterior, iniciando a exposição das mesmas a partir da 22 horas. Anotar os valores na Tabela 4.
Tabela 4 - Dados obtidos no experimento noturno (início: 22 horas). Massa de gelo (kg) Massa de gelo (kg) Ambiente interno
Massa de água condensada (g)
Razão de produção (g/kg)
Ambiente externo 4. Análises dos resultados • Calcular a razão de produção de água, dividindo a massa de água produzida a partir da condensação do vapor atmosférico pela massa de gelo contida na respectiva garrafa PET. Considere nos cálculos que 1 litro de água tem a massa de 1 kg e que 1 ml de água tem a massa de 1 grama. • Comentar os valores encontrados para as razões de produção de água em cada uma das situações do experimento. • Estimar a energia absorvida pelo gelo para se produzir 1 litro (1 kg) de água na situação em que a razão de produção foi maior.
Tratamento de águas residuárias domésticas para irrigação usando plantas aquáticas José Raimundo Sobrinho23
Introdução Nesse ensaio apresentamos os resultados de uma pesquisa realizada na UFCG para tratar águas residuárias domésticas de um córrego que atravessa o campus, usando a planta aquática Typha spp, popularmente conhecida como “táboa” (Sobrinho, 2002). As plantas aquáticas são encontradas em terras encharcadas, baixios e pântanos, habitats conhecidos como “wetlands”. Estas áreas têm em comum, a presença de água de pouca profundidade, de forma constante ou temporal (sazonal), águas correntes ou paradas; doces, salobras ou salinas, que desenvolvem uma vegetação apropriada para ambientes saturados com água. Devido esta característica, também podem ser chamados “terrenos ou terras úmidas”, “encharcados”, “alagados”, “pântanos”, “brejos”, etc. Na pesquisa, Typha spp foi cultivada em tanques de 250 litros preenchidos até a metade com pequenas pedras, brita, recebendo os nutrientes dos esgotos domésticos despejados nas águas do córrego. Este sistema de cultivo de plantas aquáticas, chamado “wetland construído”, tem mostrado grande eficiência no tratamento de águas residuárias em várias partes do mundo, em várias condições climáticas, o que motivou a realização desta pesquisa. De fato, a prática do reuso de águas residuárias domésticas, esgotos de residências, com alto potencial fertilizante devido às elevadas concentrações de nutrientes importantes para o desenvolvimento das plantas é comum entre os agricultores em diversas regiões do mundo e vem merecendo a atenção de pesquisadores nas últimas décadas. Alimenta estes interesses a disponibilidade de água de boa qualidade cada vez menor. A minimização dos riscos de contaminação das plantas irrigadas com estas águas exige o tratamento prévio. Uma alternativa de baixo custo para este tratamento é o uso de plantas aquáticas cultivadas em wetlands construídos, sistemas eficientes na remoção de poluentes. Com este tratamento, as águas 23
Professor da UA de jraimundo@dequfcg.edu.br.
Engenharia
Química
do
CCT
da
UFCG,
tornaram-se adequadas para a irrigação de culturas arbóreas, cerealíferas e forrageiras. Mas elas seriam impróprias para irrigação de hortaliças e plantas frutíferas que são ingeridas cruas e para a irrigação de parques, jardins, campos de esporte e lazer, espaços onde há contato direto das pessoas com a vegetação. As águas são classificadas em quatro classes de acordo com a Portaria do Ministério do Meio Ambiente N° 357, de 2005 (MMA, 2005). A importância de pesquisas nesta linha deve-se às questões sociais, políticas e econômicas relacionadas à disponibilidade de água em algumas regiões do planeta. As evidências apontam para uma competição cada vez maior entre as demandas crescentes de água para uso doméstico, industrial e agrícola, agravando a situação de escassez vigente (Salati, Mattos e Salati, 1999). A escassez da água já é uma realidade em várias partes do planeta, especialmente na Ásia Ocidental e na África, onde afeta áreas cada vez mais extensas, podendo resultar em problemas de segurança regional, conflitos e migrações em larga escala como a verificada no início dos anos 80 do século passado na Etiópia, quando grande parte da população migrou para o Sudão em busca de comida e água, aumentando a disputa pelos recursos já escassos. Prognósticos da comunidade científica mundial convergem para a conclusão de que a disputa pelos recursos hídricos, aumentará os conflitos internos em determinadas nações e entre países que compartilham uma mesma bacia hidrográfica. Aproximadamente 200 bacias hidrológicas se localizam em áreas de fronteiras de vários países. Turquia, Síria e Iraque (com partes das bacias dos rios Tigre-Eufrates), Israel, Jordânia e Síria (rio Jordão) e Índia e Bangladesh (rio Ganges) são exemplos de conflitos internacionais que há décadas se arrastam alternando progressos e retrocessos nas suas negociações pela paz. A segurança do Egito, por exemplo, depende de oito países africanos que utilizam a bacia do Rio Nilo (Salati, Mattos e Salati, 1999). Sem gerenciamento que integre as causas desfavoráveis dos balanços hídricos locais e internacionais, à medida que a água for se tornando cada vez mais escassa, menores possibilidades de desenvolvimento, mais conflitos e guerras surgirão pela sua posse, e não por petróleo ou motivos políticos (IRC, 1997). Urge o reconhecimento de que os recursos hídricos em nível mundial são limitados, que se trata de um bem de valor econômico, esgotável e fator limitante das poucas possibilidades de desenvolvimentos social e econômico de vários países. Assim, certas práticas de uso devem ser coibidas ou até mesmo punidas. Deve-se buscar otimizações de técnicas de irrigação, fazer revisões nas redes de distribuição de água nas cidades para evitar desperdícios por vazamento, promover o uso e/ou reciclagem de águas servidas para certos fins compatíveis com a sua qualidade, realizar o tratamento ou despoluição de
rios, lagos, açudes e afluentes de corpos aquáticos em geral. Estes são exemplos de medidas que, ao lado de outras que tenham como objetivo educar a população sobre a importância e necessidade de preservar a qualidade dos mananciais, podem e devem ser difundidas para ajudar a minimizar o problema da escassez em muitas regiões. Este ensaio começa apresentando uma revisão da literatura acerca do uso de plantas aquáticas no tratamento de águas residuárias domésticas no mundo. Em seguida é mostrada a pesquisa realizada na UFCG, usando a Typha spp no tratamento das águas de um córrego que atravessa o campus, transportando esgotos domésticos das residências para o Açude de Bodocongó. Os resultados das pesquisas e as perspectivas para novos trabalhos são apresentados no final.
1. O uso de plantas aquáticas no tratamento de águas residuárias domésticas Do ponto de vista global não existe escassez de água. Tomando-se por base a atual população da terra (6 bilhões) e considerando que 41.000 km3/ano de água doce são descarregados nos rios do mundo, constata-se matematicamente que o volume de água per capita disponível é cerca de sete vezes a estimada como razoável pelas Nações Unidas (1.000 m3/hab.ano). Todavia, essa quantidade está muito mal distribuída. Um exemplo é o Brasil. Este, destacase mundialmente pela grande quantidade de água doce dos seus rios, com uma produção hídrica de 177.900 m3/s, o que representa 53% da produção de água doce do continente Sul Americano e cerca de 12% do total mundial. No entanto, aproximadamente 78% da produção hídrica nacional (promovida pelos rios Amazonas e Tocantins) situa-se numa região (Amazônica) cuja densidade demográfica é apenas 2 a 5 hab/km2, enquanto que na bacia do rio São Francisco essa densidade varia de 5 a 25 hab/km2 e a produção hídrica representa apenas 1,7% do total (Rebouças, 1999). Além dos problemas dessa distribuição irregular, são essas regiões de alta densidade demográfica as que mais água necessitam e as que mais resíduos líquidos e sólidos produzem, contaminando os corpos de água. Só uma mudança dessa realidade pode, num futuro próximo, viabilizar o desenvolvimento sustentável dessas regiões. Segundo Selig et al. (2000), há necessidade de uma mudança profunda nos paradigmas que sempre nortearam a civilização ocidental: crescimento, competição, produção de novos materiais e produtos, que invariavelmente promoveram degradação ambiental, para novas metodologias que integrem desenvolvimento, conhecimentos e valores como: ecologia e produção, educação e consumo.
No Nordeste do Brasil, especialmente na região semi-árida, a escassez de chuvas e, principalmente, a irregularidade destas, trazem repercussões negativas para a maioria das atividades econômicas desenvolvidas pela população desta região. As pessoas que trabalham ou dependem diretamente de atividades primárias como os agricultores e os pecuaristas, são as que mais sofrem com a escassez de água. Dentre as principais conseqüências ou impactos imediatos decorrentes desses fenômenos, constata-se o grande êxodo rural com o conseqüente aumento da população nas zonas urbanas. O crescimento de aglomerados urbanos sem infra-estrutura de saneamento básico e, em particular, esgotamento sanitário inadequado, traz como resultado a deterioração da qualidade das águas superficiais que deságuam em rios e em açudes. É uma prática bastante comum nas periferias das cidades o uso de águas poluídas sem qualquer tratamento na irrigação de forrageiras e hortaliças. Estas últimas, por serem na maioria das vezes consumidas cruas (a exemplo do alface, pimentão, couve, tomate, Coentro, etc), trazem muitos problemas de saúde para significativa parcela da população. Segundo a Organização Panamericana de Saúde, quase a metade da população dos países em desenvolvimento padece de problemas de saúde vinculados com a insuficiência ou a contaminação da água. Mais de três milhões de crianças, menores de cinco anos, morrem por problemas de diarréia causada, principalmente, por águas contaminadas (OPS, 1996). Diversas são as causas de contaminação das águas, principalmente as descargas de esgotos, daí a importância de se procurar técnicas de tratamentos de águas residuárias que visem melhorar sua qualidade antes de serem despejadas nos corpos d’água receptores. Estas técnicas para serem viáveis devem ter um baixo custo de implantação e ser de fácil operação e manutenção. As que envolvam materiais ou produtos complexos, consumo elevado de energia, que dependam de difíceis e/ou constantes operações de manutenção, vêm sendo preteridas em relação às que estimulam o aproveitamento racional dos recursos naturais renováveis. Por se tratar de tecnologia de baixo custo e de fácil implantação e manutenção, capaz de solucionar problemas de poluição aquática que afeta praticamente todas as regiões do planeta, os sistemas de wetlands construídos vêm se consolidando como uma alternativa de grande interesse social, econômico e ambiental em muitos países. Inúmeras informações sobre os resultados alcançados em pesquisas sobre tratamentos de águas poluídas são publicadas por diversos autores. Lakatos, Magdolna e Juhásh (1997), utilizando wetlands construídos no tratamento de águas residuárias de indústrias petroquímicas na
Hungria, obtiveram eficiências médias de 60, 40 e 35%, na remoção de DQO, fósforo e nitrogênio respectivamente; Guimarães et al.( 2000), usando Juncus sellovianus em leito constituído por duas camadas: uma de 10 cm de casca de arroz e outra de 40cm de uma mistura de casca de arroz e solo, conseguiram tratando água residuária doméstica significativas remoções da demanda química de oxigênio (DQO), sólidos totais (ST), sólidos suspensos voláteis (SSV), detergentes, óleos e gorduras. Usando plantas do gênero Juncos spp para o tratamento de esgotos sanitários pré-tratados em reator tipo UASB, Sousa et al. (2000), constataram a eficiência do sistema wetland na remoção de nitrogênio, fósforo e coliformes fecais.
2. O uso da Typha Spp no tratamento de águas de um córrego urbano A engenharia ambiental procura identificar e aplicar processos que tenham a capacidade de evitar, controlar, minimizar e/ou remediar problemas de poluição, através de técnicas que potencializem a capacidade de processos naturais na busca de soluções com menores custos e o mais independente possível de outros recursos como por exemplo, da energia, uso de produtos químicos, etc. Nesse sentido, observações sobre sistemas naturais capazes de tratar águas poluídas têm sido objeto de estudos e pesquisas experimentais em nível nacional e internacional. Dentre estes, os sistemas wetlands vêm se consolidando como uma alternativa tecnológica factível para vários climas e regiões do planeta, para atender a alguns dos principais objetivos dos tratamentos de águas poluídas em geral, notadamente na capacidade de transformar o problema causado por estas em uma saída para fins de irrigação e usos industriais. Essa transformação de água poluída em água tratada e com padrão aceitável para certos fins sócio-econômicos, é uma forma de aumentar o potencial de atendimento às necessidades humanas não só hoje, mas também no futuro. Este processo é entendido como uma ação de desenvolvimento sustentável (World Commission on Environment and Development, 1990). Wetlands são sistemas que possuem um elevado potencial depurador de águas poluídas, em particular a capacidade de degradar a matéria orgânica, remover nutrientes e microrganismos indicadores de contaminação fecal (Gopal, 1999). A combinação de processos físicos (filtração através do sistema radicular, sedimentação e adsorção), químicos (oxidação, produção de biocidas pelas plantas) e biológicos (biofilme que é formado no sistema radicular da macrófita), segundo Rivera et al. (1995), confere a esses sistemas a capacidade
de reduzir a quantidade de microrganismos fecais. Entre os fatores mais influentes nos mecanismos de remoção, destacam-se a temperatura e a radiação solar (Khatiwada e Polprasert, 1999). Os sistemas wetlands, segundo Lakatos, Magdolna e Juhásh (1997), Haberl (1999), Marques (1999) entre outros, apresentam como principais vantagens: baixo custo de implantação e manutenção; ausência de odores; não apresentam problemas como a proliferação de moscas ou mosquitos (a menos que a superfície da água seja exposta); propiciam melhoria ambiental, devido os incrementos quantitativos e qualitativos da flora e da fauna; apresentam eficiência depurativa em todas as regiões, climas ou estações do ano; pouca modificação de desempenho com as variações da carga afluente; grande produção de biomassa (que pode ser usada como ração animal ou até humana, produção de energia e biofertilizantes). A Figura 1 mostra um wetland natural, no qual destaca-se macrófítas emergentes e flutuantes.
Figura 1 - Wetland natural na área rural do município de Campina Grande (PB).
Sistemas como este, constituem-se num importante habitat natural para diversas espécies animais e vegetais que, a base de benefícios recíprocos, convivem harmonicamente. Segundo Crites (1994), os wetlands caracterizam vários ecossitemas naturais onde água, plantas e solo vivem em harmonia graças à reciclagem de nutrientes decorrentes de processos físicos, químicos e biológicos que se aproximam do ideal. Os wetlands construídos diferem dos naturais principalmente na sua hidrologia, devido a uniformidade dos fluxos e a pouca profundidade da água, possíveis de serem controladas ao longo do ano. A hidrologia regula as
características ou estrutura do wetland e suas funções. As principais limitações dos sistemas wetlands construídos, ainda estão relacionadas a conhecimentos insuficientes dos critérios de projeto e funcionamento, bem como dos mecanismos que intervém no processo depurativo. A transferência de conhecimento entre países, devido as experiências e trabalhos científicos desenvolvidos nos institutos de pesquisa e universidades, contrapõe-se a essas dificuldades e viabiliza uma horizontalização dos conhecimentos (Haberl, 1999). Diversas macrófítas aquáticas (emergentes e flutuantes) vêm sendo utilizadas nos wetlands. A seleção das espécies é fundamental e deve obedecer a critérios básicos, como: (1) facilidade de propagação e crescimento rápido; (2) alta capacidade de absorção de poluentes; (3) tolerância a ambientes eutrofizados e (4) fácil colheita e manejo. Entre as espécies emergentes, as mais usadas são: Typha spp, Phragmites, Juncus ingens e Schoenoplectus validus. Enquanto que: Eichhornia crassipes (aguapé), Spirodela spp (erva de pato), Salvinia molesta (salvínia) e Hydrocotyle umbellata são as espécies flutuantes mais freqüentemente empregadas (Sousa et al., 2000). A pesquisa realizada na UFCG utilizou água de um córrego afluente do açude de Bodocongó, o qual recebe águas de drenagem urbana contaminadas com esgotos domésticos. O sistema experimental foi constituído por 10 (dez) tanques cilíndricos, fabricados a base de cimento amianto, com capacidades aproximadas de 250 litros, cheios com brita de 19mm até formar uma camada de 40cm de altura. Oito destes tanques foram cultivados com Typha spp e os outros dois serviram como controles. Os propágulos de Typha foram obtidos na lagoa adjacente ao sistema experimental e, antes de serem plantados, tiveram suas folhas cortadas a cerca de 20cm das raízes. Os materiais aderidos às raízes foram cuidadosamente retirados lavando-as com a água do próprio córrego. Cada tanque cultivado recebeu 8 propágulos, representando portanto uma densidade de cerca de 20 plantas por metro quadrado. Os tanques foram subdivididos em duas séries, com 4 repetições para cada tempo de detenção hidráulica (5 e 10 dias) e, para cada série, foi usado um tanque controle, sem vegetação. A alimentação dos tanques era realizada de forma subsuperficial, a uma profundidade de 20cm no leito de brita. Esta operação ocorria diariamente, sempre em tomo das 17:00 horas, utilizando-se água do córrego que atravessa o Campus da Universidade com destino ao açude de Bodocongó. Para isso, próximo a cada tanque, foi montada uma plataforma de madeira a 1,0m de altura do chão e, sobre ela, colocado um balde plástico com capacidade para 20L, provido de uma torneira localizada a 5cm acima da base, que servia para
regular a vazão de alimentação para cada tanque do experimento situado logo abaixo da plataforma. Através de uma mangueira flexível de 25mm de diâmetro, conectada à torneira e dentro de um tubo de PVC (75mm de diâmetro) introduzido no tanque, o fluxo de alimentação era distribuído a 20cm de profundidade na camada de brita (Figuras 2 e 3).
Figura 2 - Esquema de uma unidade do sistema wetland. Destaca-se o sistema de alimentação e saída do efluente.
A Typha spp, conhecida vulgarmente no Brasil como taboa (usada na confecção de esteiras), é encontrada em ambos os hemisférios, em regiões temperadas e tropicais, é uma planta herbácea perene que cresce em brejos e alagadiços, possui caule com uma porção rizomatosa rastejante e outra erecta que transporta as folhas, sendo estas sésseis, lineares, longas, e quase todas se inserem próximas da base (Brandão, 1975).
Figura 3 - Wetland construido de fluxo subperficial, com destaque para seus principais componentes
3. Análise dos resultados e perspectivas Os resultados obtidos ao longo de 18 meses de funcionamento (Figura 4) do sistema permitiram concluir que: O uso da Typha spp em leito de brita, é um sistema simples, de baixo custo de implantação e manutenção, apto para remover matéria orgânica, nutrientes e microrganismos de águas superficiais poluídas por esgotos domésticos. A remoção da demanda bioquímica de oxigênio (DBO) foram significativas, superiores à 83%, produzindo efluentes com concentrações médias inferiores a 3 mgO2/L, (água de Classe 1) que pode ser despejada sem perigo em corpos aquáticos naturais. A condutividade elétrica (CE), a alcalinidade, a dureza, os teores dos sais em geral, apresentaram aumentos significativos A causa desse aumento de concentração dos sais, pode ser associada principalmente ao processo da evapotranspiração da planta. Os resultados referentes ao nitrogênio amoniacal e fósforo total, indicam que o sistema é eficiente quanto à remoção destes nutrientes, estando isso relacionada principalmente com o desenvolvimento da planta, em idade madura após o 1o ano de funcionamento. A Typha spp) conseguiu remover frações significativas de de coliformes fecais (CF) e estreptococos fecais (EF) durante os tempos de 5 e 10 dias de detenção hidráulica. Houve remoções médias de CF na ordem de 99,97% e 99,92% de EF para a retenção de 10 dias e de 99,85% e 99,62% de EF para 5 dias.
Figura 4 - Vista geral do sistema wetland construído no Campus II da UFPB. Em cima: wetland construído ao lado da lagoa, após 12 meses de funcionamento. Em baixo: após 18 meses de funcionamento
Estes resultados sugerem a realização de novas pesquisas com outras espécies nativas de plantas aquáticas, macrófitas, que tenham, por exemplo, utilidade alimentar ou medicinal para, além de estudar a eficiência dos wetlands construídos na remoção de poluentes, possam produzir biomassa de valor nutritivo, curativo ou ornamental. E também para a realização de estudos sobre a remoção de outras bactérias e de vírus nestes sistemas de wetlands, a fim de poder utilizar seus efluentes no plantio de hortaliças sem riscos de transmissão de doenças.
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III Recursos HĂdricos
A nova gestão de recursos hídricos no Brasil Márcia Maria Rios Ribeiro24 Maria Josicleide Felipe Guedes25 Mirella Leôncio Motta e Costa26 Este texto discute a nova gestão de recursos hídricos do Brasil com base no conteúdo da chamada “Lei das Águas” (Lei de número 9.433 de 1997), a qual propõe uma mudança profunda na forma de gerenciar os nossos recursos hídricos por se pautar por inovadores conceitos — entre os quais, o da participação e da descentralização da gestão de recursos hídricos. Os instrumentos de gestão apresentados na lei são discutidos, assim como as instituições que compõem o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Em nível estadual, o texto destaca, no âmbito da Gestão de Recursos Hídricos da Paraíba, o importante papel dos comitês de bacia hidrográfica já em funcionamento. O Comitê da Bacia Hidrográfica do rio Paraíba é discutido em maiores detalhes.
1. A gestão de recursos hídricos e a Lei das Águas no Brasil A gestão de recursos hídricos é entendida como um conjunto de ações que permite a compatibilização entre a oferta e a demanda de água evitando os conflitos ou minimizando-os. A gestão, portanto, exige a aplicação de medidas estruturais e não estruturais para controlar os sistemas hídricos (sejam eles naturais ou artificiais) em benefício humano e atendendo a objetivos ambientais (Grigg, 1996; Campos e Studart, 2001). De uma forma mais complexa, pode ser entendida como o conjunto de princípios, diretrizes e estratégias de ações determinadas pelos agentes sócio-econômicos (públicos e privados) que interagem no processo de uso dos recursos hídricos garantindolhes sustentabilidade. Após um longo processo de discussão, no qual muito se envolveu o meio técnico, a gestão de recursos hídricos no Brasil, a partir de 08 de janeiro de 1997, passa a contar com um novo aparato legal e institucional 24
Professora do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil e Ambiental do CTRN da UFCG, mm-ribeiro@uol.com.br 25 Aluna do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil e Ambiental do CTRN da UFCG 26 Idem.
definido pela Lei de número 9.433 a chamada “Lei das Águas". A Lei das Águas de 1997 trouxe inovações na forma de se gerenciar os recursos hídricos brasileiros como pode ser percebido através dos fundamentos dispostos, no texto da Lei, para a Política Nacional de Recursos Hídricos: i) a água é um bem de domínio público; ii) a água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico; iii) em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais; iv) a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas; v) a bacia hidrográfica é a unidade territorial para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos; vi) a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades. As mudanças propostas na Lei, portanto, exigem o entendimento de que: não existem águas privadas no Brasil; por ser limitada, a água disponível na natureza (a água bruta) deve ser cobrada (a água deixa de ser gratuita); a bacia hidrográfica é a unidade para as atividades de gestão de recursos hídricos; a gestão deixa de ser realizada por uma entidade governamental e passa a ser compartilhada em um sistema institucional participativo que abriga, entre outros, os comitês de bacia hidrográfica.
1.1 Os instrumentos de gestão de recursos hídricos A Lei das Águas também define os “Instrumentos de gestão”. Tais instrumentos podem ser entendidos como os mecanismos, as ferramentas ou os meios que auxiliam a implementar a gestão de recursos hídricos. Cinco instrumentos de gestão encontram-se definidos na Lei das Águas: 1. Planos de recursos hídricos: documento que orienta a implementação da gestão de recursos hídricos. O plano oferece um diagnóstico sobre a situação de recursos hídricos, define os objetivos e os programas de intervenção a serem realizados a fim de alcançar aqueles objetivos. Três níveis de planos podem ser identificados no Brasil: o Plano Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), o Plano Estadual de Recursos Hídricos (PERH) e o plano da bacia hidrográfica. O país já dispõe, desde 2006, do seu PNRH; vários estados da federação já elaboraram o seu PERH e há planos de recursos hídricos para algumas bacias hidrográficas. 2. Enquadramento dos corpos de água em classes, segundo os usos preponderantes da água: é instrumento de planejamento que indica as metas de qualidade das águas a serem alcançadas nos corpos de água de uma bacia
hidrográfica, em certo período de tempo. Baseia-se na Resolução n° 357/05, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA). Para o caso das águas subterrâneas, o enquadramento está definido na Resolução CONAMA n° 369/08. 3. Outorga dos direitos de uso de recursos hídricos: considerando que a água é bem de domínio público no Brasil, para usá-la faz-se necessário que o usuário solicite uma permissão do Estado. Essa permissão é a “outorga”. O instrumento tem por objetivo assegurar o controle quantitativo e qualitativo dos usos da água, superficiais ou subterrâneas, e o efetivo exercício dos direitos de acesso à água. Sendo assim, aquele que usa a água em quantidades consideradas significantes deve solicitar a outorga ao órgão gestor de recursos hídricos. 4. Cobrança pelo uso de recursos hídricos: objetiva reconhecer a água bruta disponível na natureza (superficial ou subterrânea) como bem econômico dando ao usuário uma indicação do seu real valor; incentivar a racionalização do uso da água e obter recursos financeiros para o financiamento dos programas e das intervenções contemplados nos planos de recursos hídricos. A cobrança não deve ser confundida com o pagamento dos serviços de abastecimento e saneamento oferecidos pelas companhias de saneamento. 5. Sistema de informações sobre recursos hídricos: base de dados e informações em recursos hídricos sendo constituída, entre outras, de informações sobre as potencialidades hídricas (a máxima quantidade de água que uma bacia hidrográfica pode fornecer), as disponibilidades hídricas (a quantidade de água disponível para os diversos usos), as demandas hídricas (os usos da água, podendo ser para o abastecimento humano e animal, a agricultura, a indústria, a recreação, a navegação, a geração de energia, etc.). O sistema de informações em recursos hídricos também deve fornecer informações sobre o balanço hídrico nas bacias (quantitativo e qualitativo) identificando onde existem conflitos pelo uso da água.
1.2 O Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos O Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH), com base na Lei n° 9.433/97 e na Lei n° 9.984/00 (que criou a Agência Nacional de Águas — ANA), está apresentado na Figura 1. Dois âmbitos de atuação são mostrados: o nacional e o estadual. Algumas das entidades do SINGREH são apresentadas a seguir (ANA, 2006). O Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) é o órgão superior do
SINGREH, composto por ministérios e secretarias da Presidência da República com atuação no gerenciamento ou no uso das águas, bem como representantes dos conselhos estaduais, dos usuários e da sociedade civil. Compete-lhe, entre outras atribuições, articular os planejamentos nacional, estaduais e dos usuários elaborados pelas entidades que integram o SINGREH e formular a Política Nacional de Recursos Hídricos. O CNRH emite documentos, chamados de “resoluções”, com critérios e normas sobre temas relevantes para o exercício da Política Nacional de Recursos Hídricos. Exemplos de resoluções do CNRH são aquelas sobre planos de recursos hídricos, outorga, cobrança, enquadramento, sistemas de informações sobre recursos hídricos, comitês de bacia hidrográfica, etc.
Figura 1 - Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (MMA, 2008).
A Agência Nacional de Águas (ANA) tem por finalidade implementar a Política Nacional de Recursos Hídricos, em articulação com os órgãos públicos e privados. Entre as atribuições da ANA estão: a supervisão, o controle e a avaliação das ações e das atividades decorrentes do cumprimento da legislação federal sobre as águas, bem como a outorga e a fiscalização dos usos de recursos hídricos de domínio da União, implementando, em articulação com os comitês de bacia hidrográfica, a cobrança pelo uso desses recursos. Um rio é de domínio da União se “banhar” mais de um estado da federação. De forma semelhante, as “entidades estaduais” (ver Figura 1) representam os órgãos gestores de recursos hídricos nos estados com atribuições semelhantes à ANA nos rios de domínio do estado. Essas entidades podem ser secretarias
de estado, agências estaduais, etc. Um rio é de domínio do estado quando suas águas estão completamente contidas no respectivo estado. Os conselhos estaduais de recursos hídricos (CERH) são órgãos colegiados deliberativos e normativos em matéria de política e gestão das águas de seu domínio. Um CERH possui importante função deliberativa sobre os critérios e as normas referentes às diretrizes da Política Estadual de Recursos Hídricos. Sendo assim, um CERH deve emitir resoluções (à semelhança do CNRH) sobre critérios e normas relativos, entre outras, aos instrumentos de gestão. As agências de bacia são entidades dotadas de personalidade jurídica, criadas para dar suporte administrativo, técnico e financeiro aos comitês de bacia. São denominadas de “escritórios técnicos” dos comitês. A sua instituição exige a prévia existência do comitê e viabilidade financeira, assegurada pela cobrança pelo uso da água. Cabem as agências de bacia, entre outros, prepararem estudos sobre o plano de bacia e a cobrança pelo uso da água — os quais deverão ser apresentados ao comitê no qual a agência atua. A agência de bacia não deve ser confundida com uma agência estadual de águas (que representa o órgão gestor de recursos hídricos do estado). Na bacia na qual não existam as condições necessárias para a criação da respectiva agência de água, deverá o órgão estadual de recursos hídricos exercer o papel de escritório técnico do comitê. Os comitês de bacia são discutidos no item a seguir.
1.3 Comitês de bacia hidrográfica O comitê de bacia hidrográfica é um órgão colegiado com funções consultivas (emite pareceres), normativas (estabelece normas) e deliberativas (toma decisões) com o objetivo principal de gerenciar as águas na bacia onde atua. O comitê também é conhecido como “Parlamento das Águas”. Ele é composto por três setores: Poder Público: são representantes da União, do Estado e do Município Sociedade Civil: setor da organização social, sem fins lucrativos e desvinculado das entidades públicas e privadas que representam as pessoas integradas às associações regionais, organizações técnicas e de ensino, organizações não-governamentais, entre outras, com interesse na conservação da bacia hidrográfica. Usuários de Água: toda pessoa física ou jurídica que necessita de outorga para usar a água, captando-a ou lançando resíduos. Necessita de outorga aquele usuário que tem uso “significante”, o qual é definido na legislação local. No caso da Paraíba, por exemplo, necessita de outorga quem consome quantidade de água igual ou superior a 2.000 litros por hora.
O número de representantes de cada segmento varia de estado para estado, todavia a Resolução n° 5 do CNRH (que dispõe sobre comitês de bacia hidrográfica) estabelece o percentual de 40% para usuários de água, o limite máximo de 40% para o poder público e o limite mínimo de 20% para a sociedade civil. A Lei das Águas do Brasil define, entre outras, as seguintes competências para os comitês de bacia hidrográfica: i) promover o debate das questões sobre recursos hídricos e articular a atuação das entidades intervenientes; ii) arbitrar, em primeira instância administrativa, os conflitos relacionados aos recursos hídricos; iii) aprovar e acompanhar a execução do Plano de Recursos Hídricos da bacia; iv) propor ao Conselho Nacional e aos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos as acumulações, derivações, captações e lançamentos de pouca expressão, para efeito de isenção da obrigatoriedade de outorga de direitos de uso de recursos hídricos; v) estabelecer os mecanismos de cobrança pelo uso de recursos hídricos e sugerir os valores a serem cobrados. Devem ser diferenciados os comitês de bacias de rios de domínio da União daqueles de rios de domínio do estado. Um comitê de bacia de rio de domínio da União é aquele em que na sua área de atuação existe rio que “atravessa” mais de um estado da federação. Exemplos de comitês de rios de domínio da União são: o Comitê para Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul (CEIVAP), o Comitê das Bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (CBH-PCJ), o Comitê da Bacia Hidrográfica do rio São Francisco (CBH-SF). Encontra-se em processo de formação o Comitê da Bacia Hidrográfica do rio Piranhas-Açu (que terá atuação na bacia de igual nome, com área nos estados da Paraíba e do Rio Grande do Norte). Um comitê de bacia de rio de domínio do estado é aquele com área de atuação em uma bacia cujo rio se encontra dentro dos limites estaduais. Exemplos na região nordeste são, entre outros: o Comitê da Bacia Hidrográfica do rio Curu (no Ceará), Comitê da Bacia Hidrográfica do rio Pirapama (em Pernambuco) e o Comitê da Bacia Hidrográfica do rio Paraíba (na Paraíba).
2. A gestão de recursos hídricos na Paraíba Assim como o Brasil, a Paraíba também possui a sua “Lei das Águas”. Ela recebeu o número 6.308, tendo sido promulgada em 1996. Apesar de ter surgido no ano anterior ao da Lei das Águas do Brasil, a Lei das Águas da Paraíba adota parte dos fundamentos da Lei Federal n° 9.433/97. A lei paraibana, por exemplo, reconhece que os recursos hídricos são um bem público e de valor econômico e que a bacia hidrográfica é a unidade básica
físico-territorial de planejamento e gerenciamento dos recursos hídricos. Quanto aos instrumentos de gestão de recursos hídricos estão incluídos na lei paraibana, a outorga de direitos de uso dos recursos hídricos e a cobrança pelo uso dos recursos hídricos. O Plano Estadual de Recursos Hídricos é entendido como um instrumento da execução da Política de Recursos Hídricos. A Paraíba já dispõe de um Plano Estadual de Recursos Hídricos (PERH-PB) cujo resumo executivo foi apresentado à sociedade em março de 2006 por ocasião do Dia da Água (AESA, 2006). No conteúdo do PERH-PB estão os programas de intervenção previstos para serem executados em 20 anos (até o ano de 2025). A outorga dos direitos de uso da água já está em implementação por parte da Agência Executiva de Gestão das Águas do Estado da Paraíba (AESA). A cobrança pelo uso da água bruta já foi discutida nos três comitês de bacia existentes no Estado e o Conselho Estadual de Recursos Hídricos (CERH-PB) prepara-se para emitir resolução afeta ao tema. Recentemente, a Lei Estadual n° 6.308/96 sofreu algumas alterações no seu texto a fim de se tomar mais clara e mais próxima dos modernos conceitos constantes na Lei Federal n° 9.433/97. Surgiu, portanto, ao final de dezembro de 2007, a Lei Estadual n° 8.446. Esta Lei define as seguintes entidades como integrantes do Sistema de Gestão de Recursos Hídricos da Paraíba: Secretaria de Estado da Ciência e Tecnologia e do Meio Ambiente (SECTMA); Conselho Estadual de Recursos Hídricos; Agência Executiva de Gestão das Águas do Estado da Paraíba e Comitês de Bacia Hidrográfica (ver Figura 1). O Conselho Estadual de Recursos Hídricos (CERH-PB) é a instância superior do Sistema de Gestão de Recursos Hídricos da Paraíba tendo o papel, entre outros, de analisar, aprovar e acompanhar a execução da Política de Recursos Hídricos, aprovar o plano estadual de recursos hídricos, estabelecer os critérios gerais para a outorga e para a cobrança, arbitrar em segunda instância administrativa os conflitos relacionados aos recursos hídricos. Observa-se, portanto, que a resolução de conflitos deve ser buscada, primeiramente, no âmbito dos comitês de bacia, caso não seja possível essa resolução, só então deverá o CERH-PB interferir na busca de uma solução. O CERH-PB possui câmaras técnicas com a finalidade examinar e relatar ao plenário do Conselho assuntos relacionados a aspectos legais e institucionais, outorga, cobrança, águas subterrâneas, saneamento ambiental e irrigação, sistema de informações sobre recursos hídricos, monitoramento, enquadramento de corpos de água, educação, mobilização social, etc. As câmaras têm o papel se subsidiar o plenário do CERH-PB na suas deliberações.
A Agência Executiva de Gestão das Águas do Estado da Paraíba (AESA), órgão gestor de recursos hídricos e integrante da Secretaria de Estado da Ciência e Tecnologia e do Meio Ambiente (SECTMA), tem importante papel na execução (como seu próprio nome informa) da Política de Gestão de Recursos Hídricos da Paraíba. Neste sentido, entre as suas funções estão: implantar e manter atualizado o cadastro de usuários dos recursos hídricos na Paraíba; emitir a outorga de direito de uso dos recursos hídricos em corpos hídricos de domínio do Estado; fiscalizar, com poder de polícia, a construção e as condições operacionais de poços, barragens e outras obras de aproveitamento hídrico; manter e atualizar a rede hidrometeorológica do Estado; implementar a cobrança pelo uso dos recursos hídricos de domínio do Estado da Paraíba; operar a infra-estrutura hídrica, visando a garantir o uso múltiplo dos recursos hídricos; fomentar e apoiar a criação de entidades de usuários de água e comitês de bacia hidrográfica. Os comitês de bacia hidrográfica da Paraíba são discutidos a seguir.
2.1 Os comitês de bacia hidrográfica na Paraíba O ano de 2007 foi dos mais importantes para a gestão de recursos hídricos da Paraíba. No segundo semestre daquele ano foram instalados três comitês de bacias hidrográficas: o Comitê de Bacia Hidrográfica do rio Paraíba (CBHPB), o Comitê das Bacias Hidrográficas do Litoral Norte (CBH-LN) e o Comitê das Bacias Hidrográficas do Litoral Sul (CBH-LS). O CBH-PB tem atuação na bacia de mesmo nome. O CBH-LS tem atuação nas bacias litorâneas localizadas ao sul da cidade de João Pessoa (Bacia do rio Gramame, Bacia do rio Abiaí). As bacias hidrográficas localizadas no litoral norte compõem o CBH-LN (Bacia do rio Mamanguape, Bacia do rio Miriri, Bacia do rio Camaratuba). A Figura 2 apresenta o mapa do Estado da Paraíba com suas respectivas bacias hidrográficas. O CBH-PB é discutido, a seguir, em maiores detalhes.
2.2 O Comitê da Bacia Hidrográfica do rio Paraíba A Bacia Hidrográfica do rio Paraíba (Figura 2) é a segunda maior do Estado, com área de drenagem de 20.071.83 km2, compreendendo cerca de 38% do território. A população estimada é cerca de 1.892.939 habitantes, correspondendo a 55,00% do total do Estado (AESA, 2006). Subdivide-se na sub-bacia do rio Taperoá e nas regiões do Alto, Médio e Baixo Curso do rio Paraíba. Na bacia estão inseridos, total ou parcialmente, 84 municípios, entre eles os dois maiores centros urbanos do Estado: João Pessoa e Campina
Grande. Apresenta grande parte do seu território inserido na região semi-árida do Nordeste brasileiro, caracterizada por apresentar longos períodos de estiagem e chuvas ocasionais concentradas em poucos meses do ano, além de uma alta taxa de evaporação anual (variando de 2.000 a 2.500 mm). Diferencia-se deste regime hidrológico, a Região do Baixo Curso do rio Paraíba não estando, portanto, inserida na parte semi-árida da bacia. A Bacia do rio Paraíba tem sido palco de intensos conflitos pelo uso da água. Menciona-se, por exemplo, a situação crítica de escassez hídrica vivenciada no período 1998-2000 com reflexos no abastecimento de água de Campina Grande. Estudos apontam como razão para a crise hídrica daquele período, a completa ausência de gestão hídrica, seja na operação do reservatório Epitácio Pessoa (o “Boqueirão de Cabaceiras”), seja na bacia hidrográfica como um todo ou no uso inadequado da água na cidade (Rêgo et al., 2001; Rêgo et al., 2000). A análise feita por Rêgo et al. (2001) indicava como o grande desafio para superar a crise do Açude Boqueirão e do abastecimento d’água de Campina Grande: “... a disseminação dos conceitos e a implementação das ações no campo do gerenciamento dos recursos hídricos. Ações estas que envolvam: ... a elaboração do plano diretor da bacia do rio Paraíba, um sistema de outorga dos direitos de uso da água, ..., a formação do Comitê da Bacia Hidrográfica do rio Paraíba, ...”
Figura 2 - Bacias hidrográficas do Estado da Paraíba (AESA, 2006).
O Comitê da Bacia Hidrográfica do rio Paraíba (CBH-PB) veio a ser instituído em 2006 (seis anos após o final da crise hídrica na Bacia do rio Paraíba) através do Decreto Estadual n° 27.560/06. A chamada “Diretoria Provisória” do CBH-PB ficou responsável pelo processo que culminou com a instalação
do CBH-PB em 2007. Entre as tarefas da Diretoria Provisória estavam realizar as palestras explicativas sobre o novo modelo de gestão de recursos hídricos no Brasil e na Paraíba, nas principais cidades da Bacia do rio Paraíba, e a organização das eleições dos membros do CBH-PB. Essas eleições se deram, no primeiro semestre de 2007, através de quatro plenárias nas quatro regiões hidrográficas da bacia: na sub-bacia do rio Taperoá (na cidade de Taperoá), na Região do Alto Curso do rio Paraíba (na cidade de Monteiro), na Região do Médio Curso do rio Paraíba (na cidade de Campina Grande) e na Região do Médio Curso do rio Paraíba (na cidade de João Pessoa). Foram eleitos 56 membros para o CBH-PB, entre titulares e suplentes; 16 membros representam o poder público (Federal: 02, Estadual: 04 e Municipal: 10); 18 representam a sociedade civil e 22 representam os usuários de água. Esses membros têm mandato de dois anos. Dentre esses membros, três foram eleitos para compor a Diretoria do CBH-PB que é constituída por um presidente (foi eleito um representante da sociedade civil), um vice-presidente (foi eleito um representante dos usuários de água) e uma secretária geral (representante do poder público). A Figura 3 indica os percentuais de cada segmento que compõe o CBH-PB. A Diretoria do CBH-PB tomou posse no Conselho Estadual de Recursos Hídricos no segundo semestre de 2007. O ato de posse da Diretoria
Figura 3 - Composição do CBH-PB.
do CBH-PB implica, também, na posse de todos os membros do Comitê e conclui o processo de instalação do Comitê. A partir desta data, o CBH-PB passa a exercer as suas funções consultivas, normativas e deliberativas, ou seja, passa a contribuir, efetivamente, para uma melhor gestão das águas da Bacia do rio Paraíba.
O CBH-PB já se encontra em funcionamento através de suas reuniões, nas quais os representantes das diversas entidades expressam suas opiniões sobre determinada temática. O CBH-PB pauta as suas ações com base no seu “Regimento” que é um documento que define as normas de funcionamento do Comitê. Havendo necessidade, são criados Grupos de Trabalho que estudam uma determinada temática e apresentam o resultado do estudo para o plenário do Comitê. Para deliberar, isto é, tomar uma decisão sobre um determinado assunto, os membros do CBH-PB votam nas propostas que lhes são apresentadas. Após cada reunião é produzida pela secretaria do CBH-PB uma “ata” na qual se encontram registradas as discussões ocorridas e as decisões tomadas. O primeiro assunto discutido pelo CBH-PB, ainda em 2007, foi a cobrança pelo uso da água bruta. Decidiu-se, em uma das reuniões do CBH- PB, pela criação de um Grupo de Trabalho para estudar o assunto e apresentá- lo ao CBH-PB. Ao final de 2007, o Comitê votou sobre os usuários a serem cobrados assim como os respectivos valores a serem pagos pela água bruta na Bacia do rio Paraíba. Essa foi, portanto, a primeira decisão tomada no âmbito do CBH-PB. Como produto de toda a discussão sobre a cobrança foi elaborada a Deliberação n° 01/08 do CBH-PB que aprova a implementação da cobrança e determina os seus valores para a Bacia do rio Paraíba.
3. Avanços e desafios da gestão É inegável o avanço técnico, legal e institucional que tem vivenciado a gestão de recursos hídricos no Brasil nesses onze anos de existência da Lei n° 9.433/97. O modelo de gestão de recursos hídricos do Brasil é, hoje, referência para outros países. A introdução dos modernos conceitos da Lei das Águas no cotidiano da sociedade já é uma realidade, seja no âmbito das ações em nível federal ou estadual: o país possui o seu Plano Nacional de Recursos Hídricos; há planos estaduais de recursos hídricos e alguns planos para as bacias; encontra- se em desenvolvimento o sistema de informações sobre recursos hídricos; a ANA e os órgãos estaduais gestores de recursos hídricos emitem as outorgas; a cobrança e o enquadramento, aos poucos, estão sendo implementados. Os avanços, entretanto, não eliminam os desafios. Há resistências políticas e culturais que dificultam uma assimilação mais rápida dos conceitos da Lei das Águas. Para muitos, não é tarefa fácil reconhecer a água como um bem público, um recurso natural limitado e dotado de valor econômico, a ser gerenciado no nível de bacia hidrográfica de forma descentralizada e participativa. Para o sucesso do modelo institucional de gestão de recursos
hídricos proposto na Lei n° 9.433/97 é essencial, por exemplo, entender (e aceitar) que os três segmentos que compõem o comitê de bacia têm o mesmo nível de importância. No caso específico da Paraíba, o Sistema Estadual de Gerenciamento de Recursos Hídricos encontra-se em funcionamento e espera-se que seu aperfeiçoamento possa ser construído nos próximos anos. Esse aperfeiçoamento pressupõe o amadurecimento das relações entre os que compõem o Sistema de Recursos Hídricos da Paraíba, o que inclui o entendimento de que as decisões passam a ser tomadas de forma descentralizada e participativa — processo no qual se faz essencial a atuação dos comitês de bacia.
Referências AESA — Agência Executiva de Gestão das Águas do Estado da Paraíba. Plano Estadual de Recursos Hídricos; Resumo Executivo e Atlas. João Pessoa: SECTMA. 2006. ANA — Agência Nacional de Águas. Plano Nacional de Recursos Hídricos: Síntese Executiva. Brasília: MMA/SRH. 2006. BRASIL. Lei n° 9.433. Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos e cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. 1997. BRASIL. Lei n° 9.984. Dispõe sobre a criação da Agência Nacional de Águas — ANA, entidade federal de implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e de coordenação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, e dá outras providências. 2000. CAMPOS, N., STUDART, T. (eds.) Gestão das águas: princípios e práticas. Porto Alegre: Associação Brasileira de Recursos Hídricos. 2001. CBH-PB Comitê da Bacia Hidrográfica do rio Paraíba. Resolução n° 1. Aprova a implementação da cobrança e determina valores da cobrança pelo uso dos Recursos Hídricos na Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba, a partir de 2008 e dá outras providências. 2008. CNRH — Conselho Nacional de Recursos Hídricos. Resolução n° 5. Estabelece diretrizes para a formação e funcionamento dos Comitês de Bacia Hidrográfica Brasília: MMA. 2000. CONAMA — Conselho Nacional do Meio Ambiente. Resolução n° 357. Dispõe sobre a classificação dos corpos de água e diretrizes ambientais para o seu enquadramento, bem como estabelece as condições e padrões de
lançamento de efluentes. Brasília: MMA. 2005. CONAMA — Conselho Nacional do Meio Ambiente. Resolução n°. 369. Dispõe sobre a classificação e diretrizes para o enquadramento das águas subterrâneas. Brasília: MMA. 2008. GRIGG, N. S. Water resources management: principies, regulations and cases. New York: McGraw-Hill. 1996. MMA — Ministério do Meio Ambiente. Sistema Nacional de Recursos Hídricos. Disponível em: <http://www.mma.gov.br>. Acesso em: junho de 2008 PARAÍBA. Lei Estadual n° 6.308. Institui a Política Estadual de Recursos Hídricos e dá outras providências. 1996. PARAÍBA. Lei Estadual n° 8.446. Dá nova redação e acrescenta dispositivos à Lei n°. 6.308, de 02 de julho de 1996, que institui a Política Estadual de Recursos Hídricos. 2007. PARAÍBA. Decreto Estadual n° 27.560. Institui o Comitê da Bacia Hidrográfica do rio Paraíba e dá outras providências. 2006. RÊGO, J. C., ALBUQUERQUE, J. P. T., RIBEIRO, M. M. R. Uma análise da crise de 1998-2000 no abastecimento d’água de Campina Grande Pb. IV Simpósio de Recursos Hídricos do Nordeste. Natal: ABRH. Simpósio de Recursos Hídricos do Nordeste. 2000. RÊGO, J. C., RIBEIRO, M. M. R., ALBUQUERQUE, J. P. T., GALVÃO, C. O. Participação da sociedade na crise 1998-2000 no abastecimento d’água de Campina Grande-Pb, Brasil. IV Diálogo Interamericano de Gerenciamento de Água. Foz do Iguaçu: ABRH/IWRA. 2001.
A Bacia Hidrográfica e o planejamento de recursos hídricos Wilson Fadlo Curi27 Valterlin da Silva Santos28
1. Água — essência da vida A água é importante para a vida de todos os organismos, pois desempenha diversas funções essenciais: transporta substâncias indispensáveis à vida, mantém as células com o tamanho e forma adequados, faz parte de todos os líquidos orgânicos (sangue, urina, suor, etc); regula a temperatura do corpo e intervém em todas as transformações que ocorrem no interior do organismo. É por isto que se diz que a água é indispensável. Os seres vivos, quer sejam aquáticos ou terrestres, precisam de água para sobreviver, pois ela é o constituinte mais abundante do seu corpo. Em média a água representa entre 70 a 90% do peso dos seres vivos, chegando mesmo a ultrapassar os 90% para alguns animais marinhos, como é o caso das medusas (95%). No nosso corpo há, em média, 65% de água. Certos órgãos possuem elevadas percentagens de água. Por exemplo, o cérebro e os músculos contêm 75% de água e o sangue e os rins 83%. As plantas possuem também elevadas percentagens de água. Por exemplo, a batata contém 78% de água e o tomate 95%. Em condições normais, o homem necessita, em média, de 2 a 3 litros de água por dia. No entanto, num clima quente e seco e com um apreciável trabalho físico, o ser humano pode precisar de 5 a 15 litros de água diariamente. Uma pessoa pode sobreviver cerca de 50 dias sem comer, mas pode morrer em poucos dias (em média 4 dias) por falta de água no seu organismo.
2. A Água no nosso planeta 27
Professor da UA de Física do CCT e dos Programas de Pós Graduações em Engenharia Civil e Ambiental e em Recursos Naturais CTRN da UFCG, wfcuri@pq.cnpq.br. Coordena o Grupo de Pesquisa Planejamento e Otimização de Sistemas de Recursos Hídricos e Meio Ambiente, www.rioss.com. 28 Doutorando do Programa de Pós Graduações em Recursos Naturais do CTRN da UFCG
Quase toda a água do planeta está concentrada nos oceanos. Apenas uma pequena fração (menos de 3%) está em terra e a maior parte desta está sob a forma de gelo e neve ou abaixo da superfície (água subterrânea). Só uma fiação muito pequena (cerca de 1%) de toda a água terrestre está diretamente disponível ao homem e aos outros organismos, sob a forma de lagos e rios, ou como umidade presente no solo, na atmosfera e como componente dos mais diversos organismos.
Figura 1 - Distribuição da Água no Planeta
A água esta constante movimento pelo planeta, a esse movimento chamamos de ciclo hidrológico ou ciclo das águas. Nesse ciclo a água passa pelo estado sólido, liquido e gasoso de forma que vai sempre se renovando a cada ciclo completo.
Figura 2 - Ciclo da Água
O ciclo da água inicia-se com a energia solar, incidente no planeta Terra, que é
responsável pela evaporação das águas dos rios, reservatórios e mares, bem como pela transpiração das plantas. O vapor d’água forma as nuvens, cuja movimentação sofre influência do movimento de rotação da Terra e das correntes atmosféricas. A condensação do vapor d’água forma as chuvas. Quando a água das chuvas atinge a terra, ocorrem dois fenômenos: um deles consiste no seu escoamento superficial em direção dos canais de menor declividade, alimentando diretamente os rios e o outro, a infiltração no solo, alimentando os lençóis subterrâneos. A água dos rios tem como destino final os mares e, assim, fechando o ciclo das águas. A distribuição da água no Mundo é muito desigual, uma grande parte do planeta está situada em regiões com carência de água. A América do Sul e a Ásia concentram os maiores potenciais de recursos hídricos do mundo, respectivamente, seguidas pela América do Norte e a Europa. Os menores potenciais encontram-se na África, Oceania e América Central. Contudo, os maiores volumes de recursos hídricos renováveis do mundo estão concentrados em seis países do mundo: Brasil, Rússia, USA, Canadá, China e Indonésia.
Figura 3 - Distribuição de Água no Mundo
O Brasil concentra em torno de 12% da água doce do mundo disponível em rios e abriga o maior rio em extensão e volume do Planeta, o Amazonas. Além disso, mais de 90% do território brasileiro recebe chuvas abundantes durante o ano e as condições climáticas e geológicas propiciam a formação de uma extensa e densa rede de rios, com exceção do Semi-Árido, onde os rios são pobres e temporários. Essa água, no entanto, é distribuída de forma irregular, apesar da abundância em termos gerais. A Amazônia, onde estão as mais baixas concentrações populacionais, possui 78% da água superficial. Enquanto isso, no Sudeste, essa relação se inverte: a maior concentração populacional do País tem disponível 6% do total da água. Mesmo na área de incidência do Semi-Árido (10% do território brasileiro; quase metade dos estados do Nordeste), não existe uma região homogênea. Há diversos pontos onde a água é permanente, indicando que existem opções para solucionar problemas
socioambientais atribuídos à seca. Tabela 1 - Regiões Hidrográficas do Brasil POPULAÇÃO (1000 de habitantes)
(m3/s)
(m3/hab/ano)
Amazônica
7.806
131.947
533.062
Tocantins Araguaia
7.178
13.624
59.856
Atlântico Nordeste Ocidental
5.302
2.683
15.958
Parnaíba
3.729
763
6.453
Atlântico Nordeste Oriental
21.465
779
1.144
São Francisco
12.796
2.850
7.024
Atlântico Leste
13.996
1.492
3.362
Atlântico Sudeste
25.245
3.179
3.971
Atlântico Sul
11.634
4.174
11.314
Uruguai
3.834
4.121
33.897
Paraná
54.670
11.453
6.607
Paraguai
1.887
2.368
39.575
169.542
179.433
33.376
REGIÃO HIDROGRÁFICA
Brasil
VAZÃO MÉDIA
3. Usos da água A utilização da água pelo homem depende da sua d isponibilidade, da realidade
socioeconômica e cultural, das formas de captação, tratamento e distribuição. Os principais usos da água são: Abastecimento público — o uso mais nobre da água — subdividido em uso doméstico (como fonte de vida, bebida, no preparo de alimentos, higiene pessoal, limpeza na habitação, irrigação de jardins e pequenas hortas particulares, criação de animais domésticos, entre outros) e público (moradias, escolas, hospitais e demais estabelecimentos públicos, irrigação de parques e jardins, limpeza de ruas e logradouros, paisagismo, combate a incêndios, navegação, etc). Industrial — como matéria-prima, na produção de alimentos e produtos farmacêuticos, gelo e etc, em atividades industriais onde a água é utilizada para refrigeração, como na metalurgia, para lavagem nas áreas de produção de
papel, tecido, em abatedouros e matadouros, etc e em atividades em que é utilizada para fabricação de vapor, como na caldeiraria, entre outros. Comercial — em escritórios, oficinas, nos centros comerciais e lojas, em bares, restaurantes, sorveterias, etc. Agrícola e pecuário — na irrigação para produção de alimentos, para tratamento de animais, lavagem de instalações, máquinas e utensílios. Piscicultura e carcinocultura — na criação de peixes e camarão em reservatórios ou em tanques e viveiros. Recreacional — em atividades de lazer, turismo e socioeconômicas, nas piscinas, lagos, parques, rios, etc. Geração de energia elétrica — Na produção de energia através da derivação das águas de seu curso natural. Navegação — transporte de pessoas e/ou cargas em navios, praticada em rios que comporte tal prática. Saneamento — na diluição e tratamento de efluentes. Atualmente, cerca de 3600 km3 de água doce são utilizados para uso humano — o equivalente a 580 m3 per capita por ano. O quadro abaixo mostra que, em todas as regiões, exceto Europa e America do Norte, é na agricultura que se usa maior quantidade de água, responsável no mundo todo por aproximadamente 69% de todo o gasto. A utilização para fins domésticos conta com 10% e a indústria consome 21% da toda a água retirada.
Figura 4 - Usos da Água no Mundo
Utilização de água no Brasil
Figura 5 - Utilização da Água no Brasil
É importante fazer uma distinção entre a água que é retirada e a água que é realmente utilizada. Dos 3600 km3 de água retirados anualmente, aproximadamente metade é absorvida através da evaporação e transpiração das plantas. O restante, ao contrário, retoma para os rios ou se infiltra no solo e fica depositada nos aqüíferos. Contudo, essa água é geralmente de qualidade inferior àquela que foi inicialmente retirada.
Figura 6 - Água retirada e água consumida por setor no Mundo
4. O planejamento dos recursos hídricos O crescimento demográfico, a expansão econômica com os impactos que produz através principalmente das indústrias, o aumento das fronteiras agrícolas e o uso irregular de agrotóxicos, a ocupação irregular do solo, tratamento sanitário irregular do lixo e a falta de conscientização do problema, estão tomando a água doce cada vez mais escassa. O II Relatório das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Mundial da Água de 2006 alerta que: o consumo de água sextuplicou no século XX, mas a distribuição per capita hoje está despencando. Nos anos 1950, o consumo era de 16.800 metros
cúbicos por pessoa. No ano 2000, era de 7.300 metros cúbicos. Em 2025, quando a expectativa é de que a população mundial seja de oito bilhões de pessoas, será de 4.800 metros cúbicos por pessoa; o consumo de água em áreas residenciais varia de 10 a 20 litros diários por pessoa na África subsaariana, 200 litros na Europa e 350 litros na América do Norte e no Japão; o crescimento populacional, o desperdício e a contaminação industrial são as maiores causas de escassez da água; em 2025, dois terços da população mundial viverá em países com sérios problemas de abastecimento de água, especialmente no norte da África, no Oriente Médio e no extremo Oriente; a disputa por fontes de água tem um enorme potencial para criar conflitos, à medida que países e até mesmo regiões dentro de um país, brigam pelos direitos de extração de rios e lagos; a mudança climática elevará significativamente a pressão sobre os recursos hídricos, já que mudará os padrões de chuvas e encolherá a cobertura de neve e gelo que alimentam os rios; Na verdade, o problema não é só de escassez de água e sim de distribuição, gerenciamento e aceso. Por exemplo, no Brasil temos água abundante na região amazônica, enquanto que regiões áridas e insulares sofrem com a falta de água, bem como áreas que estão com seus mananciais comprometidos, tanto pelo aumento de consumo, quanto pela poluição. Assim a questão do planejamento e gerenciamento das águas tem-se tomado cada vez mais urgente. O planejamento define as metas de racionalização de uso, de aumento da quantidade e da melhoria da qualidade dos recursos hídricos e aponta as medidas a serem tomadas, os programas a serem desenvolvidos e os projetos a serem implantados, para o atendimento das metas previstas. O planejamento dos recursos hídricos tem objetivos: Manter os recursos hídricos existentes: - Respeitar a capacidade de suporte do meio ambiente - Proteção mananciais, matas ciliares, biodiversidade, etc. - Controle da poluição e degradação. Aumentar a sua forma de utilização:
- Aumentar e manter sistemas de captação, armazenamento e conservação. Reduzir o desperdício: - Reduzir poluição: aumentar tratamento e reuso da água residuária - Sistemas de captação, armazenamento e uso que apresentem maior eficiência/rendimento no uso da água. Melhorar o uso: - Uso da água como transformador social (“socialização da água” = para beber, fator de redistribuição de renda, como fator de subsistência, etc.), - Estabelecer parâmetros e elementos de controle. No Brasil, a Lei federal n° 9.433, de 8/01/97(Lei das Águas), dita a regras para o aproveitamento e gerenciamento dos recursos hídricos. A água passa a ser bem de domínio público, um recurso natural limitado e dotado de valor econômico. Uma grande inovação é a consideração da bacia hidrográfica como unidade de gerenciamento e planejamento dos recursos hídricos, a criação da outorga de direito e a cobrança pelo uso da água.
5. Comentários finais A água é um recurso estratégico para a humanidade, pois mantém a vida no planeta Terra, sustenta a biodiversidade e a produção de alimentos e suporta todos os ciclos naturais. A água tem, portanto, importância ecológica, econômica e social. As grandes civilizações do passado e do presente, assim como as do futuro, dependem e dependerão da água para sua sobrevivência econômica e biológica, e para o desenvolvimento econômico e cultural. Embora dependam da água para sua sobrevivência e para o desenvolvimento econômico e social, as sociedades humanas poluem e degradam este recurso —tanto as águas superficiais como as subterrâneas. A diversificação de usos múltiplos, a deposição de resíduos sólidos e líquidos em rios, lagos e represas, e o desmatamento e ocupação de bacias hidrográficas têm produzido crises de abastecimento e crises na qualidade das águas. Todas as avaliações atuais sobre a distribuição, quantidade e qualidade das águas apontam para mudanças substanciais na direção do planejamento, gerenciamento de águas superficiais e subterrâneas. Para uma adequada gestão dos recursos hídricos é necessária uma integração mais efetiva e consistente das informações sobre o funcionamento de lagos, rios, represas e áreas alagadas e dos processos econômicos e sociais que influenciam os recursos hídricos.
Até pouco tempo atrás, se acreditava que a água era um recurso infinito, assim como a capacidade de autodepuração do sistema. Pensava-se que a tecnologia desenvolvida pelo homem poderia tratar qualquer tipo de água contaminada e recuperá-la. Na verdade, o recurso é finito, pois a quantidade de água líquida depende de demanda, e a capacidade de autodepuração dos sistemas tem limite; é bom ter em mente, também, que os custos para transformar água de qualquer qualidade em água potável estão se tornando proibitivos. As proteções dos mananciais que ainda estão conservados e a recuperação daqueles que já estão prejudicados são modos de conservar a água que ainda temos. Mas isso apenas não basta. É preciso fazer muito mais para alcançarmos esse objetivo de modo que o uso se tome cada vez mais eficaz. Cada um de nós deve usar a água com mais economia. Na agricultura, por exemplo, o desperdício de água é muito grande. Apenas 40% da água desviada é efetivamente utilizada na irrigação. Os outros 60 por cento são desperdiçados, porque se aplica água em excesso, se aplica fora do período de necessidade da planta, em horários de maior evaporação do dia, pelo uso de técnicas de irrigação inadequadas ou, ainda, pela falta de manutenção nesses sistemas de irrigação. Na indústria é possível desenvolver formas mais econômicas de utilização da água através da recirculação ou reuso, que significa usar a água mais do que uma vez. Por exemplo, na refrigeração de equipamentos, na limpeza das instalações etc. Essa água reciclada pode ser usada na produção primária de metal, nos curtumes, nas indústrias têxteis, químicas e de papel. Nos sistemas de abastecimento de água uma quantidade significativa da água tratada — 15 % ou mais — é perdida devido a vazamentos nas canalizações, assim como dentro de nossas casas. É fácil observar como a população colabora na conservação da água em cidades que têm problemas de abastecimento ou onde existe pouca água. Ou, ainda, onde a água é cara. Nessas cidades, as pessoas costumam usar a mesma água para diferentes finalidades. Por exemplo, a água usada para lavar roupa é depois usada para lavar quintal. As pessoas ainda mudam seus hábitos para usar a água na hora em que ela está disponível; evitam vazamentos; só regam jardins e plantas na parte da manhã ou no final da tarde; lavam seus carros apenas eventualmente; não lavam calçadas, apenas varrem; não instalam válvulas de descarga nos vasos sanitários e sim caixas de descarga, que são mais econômicas e produzem o mesmo resultado e conforto. O crescente agravamento da falta de água tem levado as pessoas a estabelecer uma nova forma de pensar e agir, inclusive mudando seus hábitos, usos e costumes. Essa forma de pensar e agir visa o crescimento econômico
respeitando a capacidade dos recursos do meio ambiente, sobretudo a água. A conscientização e a educação do povo, do consumidor, são fundamentais. Racionalizar o uso da água não significa ficar sem ela periodicamente. Significa usá-la sem desperdício, considerá-la uma prioridade social e ambiental, para que a água tratada, saudável, nunca falte em nossas torneiras.
Referências Páginas na internet: Universidade da Água, www.uniagua.org.br/website/default.asp. O Uso da Água e Cenário Atual do Brasil, www.planetaorganico.com.br/ aguabr.htm. O Uso da Água na Agricultura, www.planetaorganico.com.br/aguauso.htm. O Ciclo da Água, http://web.educom.pt/prl305/agua_ciclo.htm. O Ciclo Hidrológico, www.cptec.inpe.br/~ensinop/ciclo_hidrologico.htm. Dicas do Uso da Água, dicas_de_uso_da_agua. Água: Abundância aguas02.htm.
e
www.mananciais.org.br/site/mergulhe_nessa/
Escassez,
www.comciencia.br/reportagens/aguas/
Agencia Nacional das Águas, www.ana.gov.br. ÁguaOnline — Revista da água, do saneamento e do meio ambiente, www.aguaonline.com.br. Infoagua: Noticias sobre contaminação, tratamento e cuidado da água na América Latina, www.infoagua.org. PEDRO, Jacobi. A água na terra está se esgotando? É verdade que no futuro próximo teremos uma guerra pela água? Disponível em: www.geologo.com.br/aguahisteria.asp.
Educação Ambiental: uma proposta para ações educativas em escolas de Ensino Básico Soahd Rached Arruda Farias29 João Tertuliano Nepomuceno Agra30
Introdução Este ensaio oferece subsídios para professores e alunos de escolas de Ensino Básico — Fundamental e Médio — empreender ações educativas focadas nos temas “Água”, “Solo” e “Meio Ambiente”. Com base em trabalhos anteriores de extensão em comunidades rurais e escolas públicas, os autores propõem a condução destas ações em dois momentos, a pesquisa dos espaços nas vizinhanças da escola e a difusão dos resultados na comunidade escolar em mostras pedagógicas. As pesquisas, realizadas por grupos de alunos, objetivam ampliar e aprofundar os conhecimentos dos espaços circunvizinhos à escola a partir de registros fotográficos atuais feitos pelos alunos e de imagens antigas disponíveis em jornais, revistas e arquivos. A organização e a interpretação destes registros serão fontes dos relatos de pesquisa. A difusão do conhecimento adquirido será feita em apresentações eletrônicas e painéis nas mostras pedagógicas anuais. Um dos resultados deste ciclo anual pesquisa — difusão será um acervo atualizado de imagens e textos construído na escola, uma ferramenta pedagógica de grande importância na formação dos alunos. As duas partes iniciais do ensaio apresentam os fundamentos para as ações educativas propostas. Na primeira parte há breve apresentação da abordagem “Ciência, tecnologia e Sociedade”, CTS, para a elaboração dos currículos escolares e da importância da Educação Ambiental para garantir a qualidade de vida no presente e a sustentabilidade do planeta Terra para as gerações futuras. A segunda parte justifica a escolha dos temas “Água”, “Solo” e “Meio Ambiente” para as ações. Na terceira parte são mostradas algumas relações entre os temas escolhidos e os conhecimentos ensinados nas disciplinas escolares. A quarta e última parte do ensaio descreve o início destas ações em duas escolas e imagens de atividades realizadas durante uma gincana em uma 29
Professora da UA - Engenharia Agrícola do CTRN da UFCG, soahd rached@gmail.com 30 Professor da UA — Física do CCT da UFCG
terceira escola. Estas ações despertam o interesse dos alunos e criam oportunidades que eles se venham a se dedicar a carreiras científicas e tecnológicas e de serviços especializados. As ações orientadas por professores das escolas com apoio de professores da UFCG têm favorecido a troca entre conhecimentos de técnicas e tecnologias disponíveis na universidade e conhecimentos da realidade no entorno das escolas.
1. O Ensino de Ciências e a Educação Ambiental As ações educativas aqui propostas para escolas de Ensino Básico — Fundamental e Médio — objetivam a produção e a difusão de conhecimentos, procedimento semelhante às pesquisas científicas empreendidas nas universidades. Focadas nos temas “Água”, “Solo” e “Meio Ambiente” estas ações demandam conhecimentos apresentados nas disciplinas do currículo escolar. Os currículos são elaborados de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) onde se observa que ... O modelo desenvolvimentista mundialmente hegemônico na segunda metade do século [passado] caracterizou-se pelo incentivo à industrialização acelerada, ignorando-se os custos sociais e ambientais desse desenvolvimento. Em conseqüência, problemas sociais e ambientais, associados às novas formas de produção, passaram a ser realidade reconhecida em todos os países, inclusive no Brasil. Os problemas relativos ao meio ambiente e à saúde começaram a ter presença nos currículos de Ciências Naturais, mesmo que abordados em diferentes níveis de profundidade ... a tendência conhecida desde os anos 80 como “Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS), ... e que é importante até os dias de hoje, é uma resposta àquela problemática (MEC/SEF, 1988, p.20) As atividades extra-classe aqui propostas situam-se dentro dos propósitos do Plano Nacional de Meio Ambiente, instituído pela Lei 9.795 de 1999. Esta lei também define a Educação Ambiental não formal no seu Art. 13, caput e inciso II, como um conjunto de ... ações e práticas educativas voltadas à sensibilização da coletividade sobre as questões ambientais e à sua organização e participação na defesa da qualidade do meio ambiente [cabendo] a ampla participação da escola, da universidade e de organizações não-governamentais na formulação e execução de programas e atividades vinculadas à educação ambiental não-formal; ...
(BRASIL, 1999) ações e práticas educativas de divulgação científica, capazes de desperta a curiosidade de alunos e fomentar o interesse deles em aprender de forma prazerosa e consistente. Ações como estas costuma tornar gratificantes os esforços de professores e diretores das escolas para superar as dificuldades com o ensino das ciências da natureza — Física, Química e Biologia —, da Matemática. Uma das contrapartidas destas ações é o crescimento do interesse dos alunos nas atividades escolares e o conseqüente aumento das chances de enfrentar com sucesso as dificuldades com o aprendizado, motivando-os a seguir carreiras técnicas e científicas.
2. O tema Água, Solo e Meio Ambiente e as disciplinas do Ensino Básico A escolha dos temas “Água”, “Solo” e “Meio Ambiente” para estas ações educativas deve-se ao papel central dos recursos naturais finitos “Água” e “Solo” nas discussões sobre meio ambiente e saúde, na qualidade de vida das populações. Discussões com forte presença nas escolas de Ensino Básico. Reforçou esta escolha o fato da UFCG, em Campina Grande, situar-se numa região onde há escassez de água e degradação dos solos, a região o semi-árida do Brasil, delimitada pelo polígono das secas conhecido com “semi-árido nordestino”. As terras do semi-árido nordestino são marcadas pela irregularidade das chuvas e elevada evaporação. Nesta região, em média chove entre 400 e 800 mm ao ano e evaporam-se 2.500 mm. As chuvas costumam ser fortes, concentradas em períodos de algumas horas ao longo de poucos meses do ano, em geral nos meses de verão e outono. Assim, anualmente há um período de estiagem, chamada de seca nos anos mais graves, trazendo conseqüências desastrosas para os 20 milhões de habitantes da região, cuja atividade econômica gira em torno da agricultura familiar de subsistência e escasso excedente para comercialização. O semi-árido nordestino apresenta os piores indicadores sociais do país, aos quais estão associados desafios ambientais, sociais e econômicos, cuja superação depende da produção de conhecimentos científicos e tecnológicos. Hoje há consenso de que a má distribuição dessa chuva no tempo e no espaço é a principal dificuldade, pois não há ano sem chuva. Nos anos mais secos dificilmente chove menos que 200 mm. As perdas de água por evaporação de açudes e transpiração das plantas refletem-se na predominância de rios
temporários. Assim, não há garantia de qualidade nem de quantidade de água para a subsistência da população local e muito menos para a agricultura e a indústria. O Laboratório de Ciências e Tecnologias Agro-ambientais (LICTA) da UFCG empenha-se no desenvolvimento e difusão de técnicas que melhorem o aproveitamento e a qualidade de águas das chuvas e evitem a erosão e a contaminação do solos e do subsolo. Algumas destas técnicas são barragens subterrâneas, açudes pequenos e médios com maior profundidade, cisternas cobertas, entre outros. As características dos solos são em parte determinadas pelos fluxos de água. A água e o solo são recursos essenciais à vida e exercem forte influência no ambientes e na sociedades. Água e solo são fontes de obtenção destes alimentos, matérias primas e energia biológica. O solo exerce grande influência no fluxo e na qualidade das águas, no ciclo hidrológico. A passagem da água pelo interior do solo depende de uma série de fatores que influenciam no tempo necessário para esta travessia e na qualidade final da água dos lençóis freáticos, rios e lagos. O solo é a base para construção pelo ser humano de suas casas, estradas, fábricas, canalizações, etc. As técnicas de manejo agrícola devem minimizar a poluição criada pelo transporte de sais e resíduos de fertilizantes e pesticidas pela água para os terrenos mais baixos, vindo a contaminar pessoas e animais. A seguir, mostramos algumas características geológicas dos solos e as propriedades dos solos enquanto suporte vital para as plantas. Com algumas exceções, os solos em grande parte, são pouco desenvolvidos, rasos, de textura média a arenosa, pouco ácidos a praticamente neutros, com média a alta fertilidade natural, apresentando limitações ao uso como deficiência de água (grande maioria), suscetibilidade à erosão, pedregosidade e rochosidade (Brunos Não Cálcicos e Litólicos), à salinidade e alcalinidade (Solonchaks e Solonetz) e drenagem (Regossolos com fragipan e Planossolos), (AZEVEDO e DALMOLIN, 2004). A Edafologia estuda o solo do ponto de vista de sua utilização pelas plantas. A crise ambiental e o conseqüente depauperamento dos recursos edáficos exigem uma nova ética nas relações com o meio ambiente. O desafio que se apresenta é como conciliar a oferta limitada de recursos com a crescente demanda imposta pela sociedade, cujo padrão de consumo se toma a cada dia mais exigente. Neste contexto, a racionalidade no uso dos recursos edáficos constitui a única alternativa capaz de viabilizar exploração com sustentabilidade. Em síntese, o objetivo é a obtenção de um manejo racional dos recursos edáficos do semi-árido.
A matéria orgânica está em constante processo de decomposição, sendo atacada continuamente pelos microorganismos do solo; conseqüentemente é um constituinte transitório e deve ser constantemente renovado. Embora o conteúdo de matéria orgânica do solo seja, na maior parte dos solos, baixo, seu efeito sobre as propriedades deste e, por tanto, sobre o crescimento das plantas é enorme. A matéria orgânica, além de proporcionar nutrientes as plantas, atua como um condicionador do solo, melhorando suas propriedades físicas. Através da sua ação na condição física do solo, a matéria orgânica aumenta a capacidade de retenção de água do solo e a sua disponibilidade para as plantas. Finalmente, a matéria orgânica é a principal fonte de energia para os microorganismos do solo, e sem ela, a atividade bioquímica do solo é praticamente paralisada. A garantia de solo e água para as futuras gerações, a sustentabilidade ambiental desafia o modelo de desenvolvimento hegemônico adotado pelos países desenvolvidos, em alguma medida imposto ao restante do mundo nos últimos séculos. Hoje, mostrando sinais evidentes de crise: redução da camada de ozônio, poluição nas cidades como no campo, desertificação resultando da monocultura e da irrigação não controlada, etc. A degradação ambiental do campo em parte deve-se à pobreza. A ignorância e necessidade levariam pobres camponeses a queimar árvores para fazer carvão ou abrir espaço para o plantio e criação de animais. Mas é forçoso reconhecer o impacto dos latifúndios é muito maior. As poderosas máquinas e os fartos recursos disponíveis aos grandes proprietários de terras promovem a degradação do solo e da água, desafiam as possibilidades de regeneração da natureza e ameaçam o futuro do planeta. É possível minimizar a degradação ambiental usando racionalmente os recursos água e solo na concepção da “agricultura sustentável”. Esta racionalidade, buscada de modo diversos para atender aos interesses de agricultores e consumidores, objetiva a conservação do meio ambiente, a produção em unidades agrícolas lucrativas e a criação de comunidades agrícolas prósperas, pois sabe-se que ... Quando é feita a colheita, o agricultor está a recolher aquilo que foi permitido à planta produzir com os recursos que tinha à sua disposição. Recursos esses que têm de ser repostos para que o ciclo de produção continue. Caso contrário, existe a sua exaustão e a terra torna-se estéril. ... Resíduos das plantas cultivadas, o azoto fixado por bactérias que vivem em simbiose na raiz de algumas leguminosas. ou o estrume dos animais criados nas unidades agrícolas consideradas são alguns dos meios possíveis para repor
os sais minerais necessários ao desenvolvimento de novas colheitas. ... (WIKIPEDIA, 2008) fatos que mostram a necessidade da conservação do solo, da água, dos recursos genéticos animais e vegetais, cabendo ainda realçar que ... “A aquisição de produtos ou serviços exteriores à unidade agrícola, como fertilizantes para as plantas ou combustível fóssil para máquinas reduz a sustentabilidade, ... (WIKIPEDIA, 2008). Contra-exemplos de agricultura sustentável são os modelos da “revolução verde”, da monocultura, e dos organismos geneticamente modificados dentro das práticas da “agricultura química”. Estes modelos de produção agrícola são fortemente dependentes de insumos químicos não renováveis como o petróleo, fósforo, potássio, entre outros, do uso intensivo de solo, água e da manipulação do patrimônio genético herdado das gerações anteriores. O ritmo de destruição destes recursos naturais e o esgotamento das reservas de insumos essenciais sinalizam uma crise deste modelo para os próximos 20 ou 30 anos. Carece de fundamento a afirmação de que a agricultura sustentável seria menos produtiva que a agricultura química. Ser menos produtiva significa produzir menores quantidades para uma mesma área plantada para um mesmo custo em dinheiro. As pesquisas indicam justamente o contrário, a agricultura sustentável apresenta produtividades médias em área comparáveis às da agricultura predatória e custos menores, atuais e futuros. Além disso, os produtos de lavouras sem agrotóxicos costumam ser vendidos a preços mais elevados. Os pesquisadores responsáveis por esta produção de conhecimento observam que a de início a comparação era desfavorável à agricultura sustentável, isto numa época em que ela se encontrava dando os primeiros passos, engatinhando. Atualmente, fundamentada em pesquisas rigorosas, a produtividade da agricultura sustentável ainda não atingiu seu maior potencial. Por outro lado, é centenária a tradição de pesquisa científica voltada à agricultura química, realizada com grandes aportes de financiamento para a produção de conhecimentos em universidades e centros de pesquisa, e também para difusão paga deste modelo nos meios de comunicação de massa: jornais, rádios e TVs. Por sua vez, a agricultura sustentável é herdeira de princípios milenares da agricultura e só recentemente tem sido objeto de pesquisa científica, fundamentada em exaustivos testes que sugerem melhorias para as práticas empírica de manejo dos produtores. Dispondo de recursos mais modestos, os resultados de pesquisas que fundamentam as potencialidades da agricultura
sustentável encontram-se ainda dispersos. O acesso à bibliografia existente é limitado, são relativamente poucos os pesquisadores a ela dedicados, isolados e sem recursos. Felizmente, esta situação, esta correlação de forças tem mudado ante as sucessivas crises ambientais: aquecimento global, poluição do solo, das águas e dos ares, destruição da camada de ozônio, entre outros. As ações educativas aqui sugeridas objetivam, do ponto de vista metodológico, criar oportunidades para que alunos e professores de escolas de Ensino Básico conduzam uma pesquisa acerca de um tema. Iniciada a pesquisa, vê-se a necessidade de preservar a memória da pesquisa, de organizar resultados que indiquem temas para novas pesquisas. E também da importância de divulgar os resultados destas pesquisas entre os interessados mais próximos. As páginas de internet, de baixíssimo custo, mostram-se valiosos instrumentos de redução de distâncias entre as pessoas. O uso de mensagens como suporte de divulgação amplia as possibilidades de se fazer compreender enquanto se apresenta novidades.
3. Imagens fotográficas como ponto de partida para ações educativas O registro a interpretação de imagens de paisagens comuns cria oportunidades inéditas de reflexão acerca do que é natural e do que é construído. A evolução da ocupação urbana e rural e do impacto desta ocupação para a sociedade e para o meio ambiente é o objetivo das ações educativas aqui propostas em forma de pesquisa conduzidas por grupos de alunos com a coordenação de professores. As tabelas apresentadas nas páginas seguintes sugerem relacionam os temas “Água”, “Solo” e “Meio Ambiente” às disciplinas do currículo de escolas de Ensino Médio: Física, Química, Matemática, Biologia, Expressão Oral e Escrita, História e Geografia. No Ensino Fundamental algumas destas disciplinas são agrupadas numa só, como é o caso das Ciências. Nas tabelas 1, 2 e 3 os autores deste ensaio sugerem alguns processos, fatos, documentos e atividades pertinentes aos temas e às disciplinas. Estes itens podem dar origem às pesquisas conduzidas pelos grupos de alunos interessados. O primeiro passo da pesquisa é o planejamento do registro de imagens das paisagens de bairros ou comunidades rurais pelo grupo de alunos. O planejamento é uma etapa importante do trabalho e será tão mais bem sucedido quanto mais experiente for o grupo. Embora imprevistos sempre ocorram, o planejamento prévio ajuda a distinguir o que é comum do que é
raro, servindo de guia para escolher o que fotografar. Entre outras paisagens, sugerimos algumas possíveis imagens marcantes como lixo espalhado na rua, lixeiras públicas com papéis em volta, ruas de barro erodidas ou impermeabilizadas com pavimentação, calçadas com alturas e larguras distintas, filetes de água e lodo escorrendo em sarjetas, poeira decorrente de ventos, presença confortável de árvores nas ruas e praças. Estas imagens e o conhecimento da realidade local permitem, entre outras ações, avaliar quais ruas são mais arborizadas e oferecem mais conforto aos moradores e transeuntes, estimar o diâmetro de copas e a altura de árvores, determinar comprimentos e distâncias em fotos relacionados a objetos com dimensões conhecidas, comparar árvores tendo
Tabela 1 - A Água e as disciplinas escolares A. ÁGUA A.1 Disponibilidade de água
A.2 Demandas de água
Física
Evaporação, chuvas e águas subterrâneas. Água e energia
Química
Lei das águas: 4.933/1997. Classificação de corpos de água: Res. MMA 357/2005 Lâminas d'água, áreas de captação e volumes armazenados. Ciclo da água e ciclos da vida.
Noções de hidrostática, hidrodinâmica termodinâmica . Potabilidade da água: Portaria MS 518/2004
TEMAS Disciplina
Matemática
A.3 Consumo público de água Umidade temperatura, evaporação e orvalho. Reuso de água: bebedouros, lavanderias
Volumes d'água demandado, suprido, usado e residual. Água e saúde.
Demandas d'água para irrigação e espaços públicos urbanos. Qualidade da água para irrigação
Expressão Oral Água, recurso e Escrita necessário e insubstituível.
A importância da água para a vida e para a saúde.
História Geografia
Evolução de hábitos e da cultura do uso da água.
Lazer, paisagismo e confor-to. A percepção dos períodos chuvoso Água ee seco. qualidade de
Biologia
e Evolução da produção e comercialização agrícola, povoados e cidades.
vida. Estimativa do consumo da cidade em m3.
A.4 Saneamento e reuso da água Partículas em suspensão e o número de Avogadro. Reuso de águas residuárias. Resíduos domésticos, industriais e hospitalares Reciclagens d'águas residuais: taxas e índices característicos. Flora, fauna e micro-organismos nativos e exóticos. Eutrofização O crescimento das cidades e as demandas de água. Fossas, esgotos e dejetos a céu aberto. Destino das águas residuárias.
como critério espécies, idades e tamanhos, a existência e o uso de frutos comestíveis, e os usos de frutos, folhas, cascas e raízes para fins medicinais. Estas tabelas podem ser usadas como pontos de partida para guiar o registro e organização de imagens em arquivos e criar oportunidades de interação entre professores do Ensino Básico e pesquisadores de universidades e centros de pesquisa. A organização dos arquivos é importante para a concepção e
montagem das mostras de imagens e para difusão dos conhecimentos conquistados ao longo dos trabalhos dos grupos na escola. Alunos que moram em um ou outro bairro na cidade e alunos que moram na zona rural certamente darão realces diferenças às nuances apresentadas numa fotografia. Alunos da última série do Ensino Fundamental e do Ensino Médio certamente olham de modo diferente para as mesmas coisas. Alunos do 3o ano do Ensino Médio circulam pela cidade mais livremente, sem acompanhamento de maiores ou responsáveis. Uma sugestão para a organização das imagens é identificar as equipes por nomes e siglas, usando a sigla e números para nomear os arquivos e pastas de imagens. Aos nomes das imagens devem conter a data da fotografia. Um caderno pode ser usado para registro das atividades desde o planejamento, incluindo local da paisagem registrada. Este registro costuma ser útil nas fases de interpretação e debates. Recomenda-se que o trabalho de pesquisa inclua entrevistas com moradores e transeuntes dos espaços e das paisagens. Estas entrevistas, gravadas somente com a autorização do entrevistado pode ter a forma de depoimentos livres em conversas informais ou de entrevistas com roteiro, perguntas ou itens para instar depoimentos. Sugerimos que o registro das paisagens seja feito com imagens registradas a distâncias diferentes. É comum registrar pelo menos três imagens para cada objeto: a primeira situando o na paisagem (panorâmica), uma outra do objeto inteiro (plano médio) e mais algumas mostrando detalhes importantes do objeto. Isto se aplica a praças, ruas, imóveis, propriedades rurais, riachos, plantações, instalações rurais, máquinas, matas, áreas desmatadas, queimadas, e erosões, mas podem haver exceções a esta regra. As fontes documentais também são importantes para a pesquisa. Os arquivos de prefeituras, câmaras legislativas, cartórios e de instituições costumam ser úteis às pesquisas. Algumas instituições oferecem acesso a dados e documentos em páginas de internet, como por exemplo CAGEPA, AESA, ANA, EMBRAPA, UFCG, MMA, IBAMA, INCRA, ANVISA, IDH/ONU, ANTT e ANAC, entre outras. Tabela 2 - O Solo e as disciplinas escolares B. SOLO TEMAS Disciplina
B.1 Vegetação nativa e remanescente
B.2 Manejo agrícola
B.3 Instalações rurais e manejo do solo
B.4 Geologia e Edafologia
Física
Matérias primas e Fontes de água. Porosidade e capila- Densidade e poroenergia. Matas Água e energia. ridade e aeração do sidade de solos e ciliares e de ensolo. rochas. Densidade costas: enxurradas e porosidade de e inundações. solos e rochas.
Química
Nutrientes solo.Petróleo minérios.
do Qualidade da Trocas de íons. Composição e água.Solo e água: Reações em solução, química, cores e argila, silte e areia. precipitação e rejei- textura. tos. Matemática Biomas nativos e Produtividade Tamanhos típicos Nomes, ordens e taxa de renovação. agrícola da terra. das áreas de números. Consumo d’água propriedades rurais e de plantas. residências urbanas. Biologia Nome científico e Demandas de Nome científico e Composição orgâvulgar, proprieda- água, luz, e vulgar de cercas nica: cor e textura. des fitoterápicas nutrientes minerais vivas e plantas das plantas. e orgâni-cos para ornamentais. as plantas. Expressão Oral Renovação da Otimização do uso Entrevistas com mo- Descrição do acere Escrita flora e da fauna. da água na indús- radores e vo de fotos antigas Extração de petró- tria e na irrigação. transeuntes. e atuais. leo e minérios. História e Evolução da flora, Evolução dos Evolução do uso de Evolução do solo Geografia fauna e da paisa- produtos e das cercas e de modelos nos tempos geológem. Extinção de técnicas agríco- de currais e gico e histórico espécies e biodi- las.O uso de defen- porteiras. versidade. sivos.
Tabela 3 - O Meio Ambiente e as disciplinas escolares C. MEIO AMBIENTE TEMAS Disciplina Física
Química
C.1 C.2 Queimadas, Produção, transporte erosão e poeira e comércio
C.3 Paisagismo e conforto
C.4. Lixo doméstico, industrial e hospitalar Intemperismo físi- Transporte de insu- Umidade e tempera- Transformações co: percolação, mos e produtos: tura, ventos, calor e físicas na natureen-xurradas e volume, massa, ve- dispersão de poluen- za. inun-dações. locidade e fluxos. tes. Intemperismo quí- Acondicionamento e Queima de combus- Vida média de mico: reações quí- conservação de pro- tíveis doméstico e de resíduos orgânimicas, fraturas e dutos perecíveis. veículos e qualidade cos, plásticos e pulverização de do ar. metais. Tratarochas. mento do lixo.
Matemática
Proporção entre Consumo de ali- Fração de áreas de Volume de áreas rurais e mentos per capita e praças, ruas e lotes resídu-os e per urbanas. regional. Preço e urbanos. Lote rural e capita e regional. qualidade de produ- áreas agrícolas. tos.
Biologia
Intemperismo bio- Evolução das técni- Qualidade do ar e da Biodigestores. lógico: a ação de cas de produção, ar- água e saúde. Tratamento do microorganismo mazenamento e lixo hospitalar. transportes de produtos.
Expressão Oral Descrição do acer- Evolução da produ- Descrição do acervo Coleta seletiva e Escrita vo de fotos ção industrial local e de fotos antigas e de lixo doméstiantigas e atuais da comercialização atuais. co, industrial, hospitalar e agrícola. História e Geografia
Evolução da ocu- Evolução da legisla- Evolução da urbani- Evolução das pação rural e ção da produção e zação e paisagismo. práticas e técniurba-na. comercialização de cas de coleta e produtos destinação do alimentícios. lixo.
Sempre que possível, recomenda-se incluir na imagem algum objeto de dimensões conhecidas como por exemplo uma pessoa, um carro ou um lápis. As figuras 1 e 2 ilustram algumas destas recomendações para registro das paisagens.
Figura 1 - À esquerda, panorâmica de vegetação nativa de pouca densidade e processo erosivo com sulco profundo devido ao escoamento de água. À direita, o processo erosivo. (Barra de Santa Rosa-PB) Fonte. UFCG/UAEA/LICTA
Figura 2 - À esquerda, manchas escuras de solo (cinzas) e tocos queimados. À direita, detalhe do solo pedregoso com afloramento de rocha e tocos de árvores queimada para formação de pasto nativo. (São João do Rio do Peixe-PB). Fonte: Arquivo da UFCG/UAEA/
4. Resultados preliminares e perspectivas Dentro desta linha de trabalho, realizamos uma jornada com o 3 o Grupo de Escoteiros Oraldo Leite, na cidade de Boa Vista-PB, com jovens de 11 a 14 anos. A jornada começou com uma palestra sobre “sustentabilidade”, abordando as formas de captação de águas de chuva e em seguida houve uma gincana com provas voltadas a reciclagem e plantio de mudas com registro fotográfico. Este registro tinha como objetivo selecionar 5 imagens negativas representando agressões ao meio ambiente e 5 imagens positivas, de trabalhos de conservação do meio ambiente. Foram formados 3 grupos, denominados Pantera, Naja e Onça Pintada. Os dois primeiros grupos apresentaram as imagens solicitadas na gincana, mostrada nas figuras 3 e 4. O grupo Onça Pintada destacou-se no recolhimento de garrafas pet, latinhas de alumínio e papel/jornal e revista. O grupo Pantera, formado por meninas apresentou as melhores imagens, seguido de perto pelo grupo Naja. As meninas do Pantera realçaram a gravidade que das imagens negativas, com a presença de animais mortos próximos ao leito do rio, esgotos adentrando no rio cujo destino é o açude Epitácio Pessoa (Boqueirão-PB), que abastece a cidade. Elas alertaram alguns meninos que se banhavam no rio acerca de perigo de contaminação. A percepção de ambiente agredido, despertada por aquele grupo poderá instar outros colegas a buscar novos olhares, inclusive de adultos, pessoas aptas a solicitar a ampliação das áreas atendidas e a melhoria da qualidade dos serviços de saneamento no município.
Figura 3 - À direita, esgoto a céu aberto despejado no leito do rio, ao fundo o curso de água principal. À esquerda, criação extensiva de porcos ao lado do rio. (Boa Vista-PB) Fonte: Arquivo UFCG/UAEAg/LICTA
Figura 4 - À direita, escoteiros observando imagem de cachorro morto jogado no leito do rio. À direita, Duas crianças tomam banho a jusante de porcos, animais mortos e esgotos. (Boa Vista-PB), Fonte: Arquivo UFCG/UAEAg/LICTA
As ações aqui propostas estão em andamento nas escolas estaduais de Ensino Fundamental e Médio (EEEFM) Francisco Ernesto do Rego, o “Ernestão”, no município de Queimadas e Antonio Oliveira, “Estadual de Santa Rosa”, em Campina Grande, na Paraíba.
Referências
WIKIPEDIA. Agricultura sustentável. Disponível em http://pt.wikipedia.org. acesso em 20 de maio de 2008. MEC/SEF. Parâmetros curriculares nacionais: Ciências Naturais, 1988. Disponível em, http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/ciencias.pdf. acesso em 20 de maio de 2008. BRASIL. LEI No 9.795 — Dispõe sobre a educação ambiental, institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências, 1999. Disponível em www.planalto.gov.br/ccivil 03/Leis/L9795.htm, acesso em 20 de maio de 2008. AZEVEDO, A. C. e DALMOLIN, R. S. D. SOLOS E AMBIENTE: uma introdução, Ed. Pallotti, Santa Maria — RS, 2004.