Missao Integral - O reino de Deus e a igreja

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C . R e n é Pa d i l l a

missão integral

* o reino de Deus e a igreja Tradução Emil Albert Sobottka Wagner Guimarães


missão integral Categoria: Igreja / Missão / Teologia

Copyright © Ediciones Kairós, 2012 Título original em espanhol: Misión Integral – ensayos sobre el reino de Dios y la iglesia

Primeira edição: Agosto de 2014 Tradução: Emil Albert Sobottka Wagner Guimarães Revisão: Luci Maria da Silva Selma Almeida Rosa Diagramação: Bruno Menezes Capa: Ana Cláudia Nunes

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Padilla, C. René Missão integral: o reino de Deus e a igreja / C. René Padilla; tradução Emil Albert Sobottka, Wagner Guimarães. — Viçosa, MG: Editora Ultimato, 2014. Título original: Misión integral. ISBN 978-85-7779-111-8 1. Congressos 2. Ensaios 3. Missão da Igreja 4. Trabalho evangélico I. Título.

14-06587

CDD-266

Índices para catálogo sistemático: 1. Ensaios: Congressos: Missão da Igreja: Cristianismo

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Publicado no Brasil com autorização e com todos os direitos reservados Editora Ultimato Ltda Caixa Postal 43 36570-000 Viçosa, MG Telefone: 31 3611-8500 Fax: 31 3891-1557 www.ultimato.com.br

A marca FSC é a garantia de que a madeira utilizada na fabricação do papel deste livro provém de florestas que foram gerenciadas de maneira ambientalmente correta, socialmente justa e economicamente viável, além de outras fontes de origem controlada.


Em memória de CATALINA RUTH FESER (1932–2009), minha amada esposa, dileta amiga e eficiente e generosa colaboradora por cerca de cinquenta anos.



* Sumário

Prefácio

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1. De Lausanne 1 a Lausanne 3

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2. O evangelho e a evangelização

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3. Conflito espiritual

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4. O que é o evangelho?

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5. A contextualização do evangelho

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6. Cristo e anticristo na proclamação do evangelho

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7. Missão integral

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8. A unidade da igreja e o princípio das unidades homogêneas

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9. Perspectivas neotestamentárias para um estilo de vida simples

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10. A missão da igreja à luz do reino de Deus Notas

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capítulo 1 deste livro, “De Lausanne 1 a Lausanne 3 – A Fraternidade Teológica Latino-americana e a missão integral”, foi redigido às vésperas do 3º Congresso Internacional de Evangelização Mundial (Lausanne 3). Foi publicado originalmente em inglês, na segunda edição de Mission Between the Times, lançado durante esse congresso, na Cidade do Cabo, África do Sul, em outubro de 2010. Aqui, é incluído pela primeira vez, com pequenas mudanças editoriais que refletem um momento posterior ao congresso. Sua leitura oferece um rico pano de fundo de vários ensaios que o seguiram e que se relacionam de alguma maneira com o Movimento de Lausanne. Quase todos os textos incluídos neste livro, exceto o do capítulo 1, foram escritos ao longo da década de 70 e refletem minha participação em vários encontros, começando com o Congresso Internacional de Evangelização Mundial realizado em Lausanne, Suíça, de 16 a 25 de julho de 1974


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(Lausanne 1). Todos eles apareceram em diferentes publicações em inglês ou espanhol. Toda a coletânea como tal foi publicada originalmente em inglês pela William B. Eerdmans Publishing Company. Três dos capítulos fizeram parte de El Evangelio Hoy: “O evangelho e a evangelização,” “O que é o evangelho?” e “A contextualização do evangelho”. A revista Time descreveu o Congresso de Lausanne de 1974 como “um fórum formidável, possivelmente a reunião mais global jamais realizada pelos cristãos.” O que o jornalista que escreveu estas linhas provavelmente tinha em mente foi que o congresso tinha reunido 2743 “participantes” e cerca de mil observadores de 150 países e 135 denominações protestantes. Mais importante que isso, no entanto, foi o impacto do congresso em todo o mundo. Nas palavras do evangelista Leighton Ford, “se houve um momento da história em que os evangélicos se colocaram em dia com seu tempo, seguramente este momento deve ter sido em julho de 1974. Lausanne explodiu como uma bomba. Foi um despertar para todos os que participaram e para milhares de cristãos em muitos países que leram sobre o acontecimento”. A primeira parte do capítulo 2 deste livro, “O evangelho e a evangelização”, foi uma das palestras que circularam em espanhol, inglês, francês, alemão e indonésio entre os delegados que iriam participar do Congresso. A segunda parte foi uma das principais apresentações no congresso e teve como propósito responder às perguntas e observações que tinham chegado a mim vindo de muitos lugares em diferentes países do mundo. As duas partes apareceram originalmente em inglês no volume oficial do congresso, Let the Earth Hear His Voice, editado por J. D. Douglas (Minneapolis: World Wide Publications, 1975). A primeira parte foi publicada em espanhol, depois do inesquecível encontro, na revista Pensamiento Cristiano (nº 82). Um dos resultados mais valiosos de Lausanne 1 foi o Pacto de Lausanne, um documento de 2.700 palavras, em quinze seções, redigido sob a direção de John Stott. Com este Pacto os evangélicos se posicionaram contra um evangelho mutilado e um conceito limitado da missão cristã. Alinhados com o desejo de fazer do congresso um processo maior que um evento, vários de nós que havíamos participado do encontro


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aceitamos a tarefa de continuar o debate iniciado em Lausanne. Para este propósito organizamos um simpósio sobre as quinze seções do Pacto, cujos resultados foram publicados sob o título The New Face of Evangelicalism (Londres: Hodder & Stoughton; Downers Grove, Illinois: InterVarsity Press, 1976). O capítulo 3 deste livro, “Conflito espiritual”, foi minha contribuição a este simpósio. Parte dele foi publicada na revista Certeza (nº 61), mas a versão completa em espanhol apareceu pela primeira vez na primeira edição deste livro. O capítulo 4, “O que é o evangelho?”, foi apresentado originalmente em agosto de 1975, na 9ª Assembleia Geral da Comunidade Internacional de Estudantes Evangélicos, movimento estudantil no qual por duas décadas fui articulando, pouco a pouco, minha posição a respeito da missão cristã como missão integral. Foi publicado antecipadamente em The Gospel Today (Londres: IFES, 1975). É deste mesmo ano “A contextualização do evangelho” (capítulo 5), originalmente uma palestra apresentada em uma consulta internacional sobre literatura evangélica para a América Latina, realizada em Stroudsburg, Pennsylvania. Foi incluído posteriormente na coleção Reading in Dynamic Indigeneity, editada por Charles H. Kraft y Tom N. Wisley (Pasadena: William Carey Library, 1979). Uma parte deste capítulo faz parte do ensaio “Hacia una hermenéutica contextual”, apresentado na Consulta sobre Evangelho e Cultura (outro resultado do Congresso de Lausanne), em Willowbank, Bermuda, em janeiro de 1978. Esta consulta foi realizada com o apoio do Grupo de Teologia e Educação e do Grupo de Trabalho sobre Estratégia do Comitê de Lausanne para a Evangelização Mundial. Seus resultados foram publicados em Gospel and Culture, editado por John Stott e Robert T. Coote (Pasadena: William Carey Library, 1979). Em novembro de 1979, a Fraternidade Teológica Latino-americana realizou o CLADE 2 (2º Congresso Latino-americano de Evangelização) em Lima, Peru. Em contraste com o CLADE 1, reunido em Bogotá, Colômbia, em novembro de 1969, neste congresso a evangelização foi vista como algo inseparável da responsabilidade social e política. Seu lema foi “Que a América Latina escute a sua voz” (a voz do Senhor). Teve como marco de referência o Pacto de Lausanne e tratou de relacioná-lo com a realidade concreta de pobreza e opressão, corrupção moral e abuso

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de poder nesta parte do mundo. “Cristo e anticristo na proclamação do evangelho” (capítulo 6) é a palestra que apresentei naquela oportunidade. Foi publicada originalmente em espanhol na revista Pastoralia (v. 2, nº 4-5, novembro de 1980) e em América Latina y la evangelización en los años 80 (México: FTL, 1980). A tradução inglesa apareceu em Theological Fraternity Bulletin (janeiro-março de 1981). O capítulo 7, “Missão integral”, circulou na 4ª Conferência da Associação Internacional de Estudos Missionários, realizada em Maryknoll, Nova York, em agosto de 1978. Foi um tipo de cartão de visitas com o qual ingressei como membro nesta associação, que me deu muitas satisfações a partir de então. Foi publicado posteriormente no Occasional Bulletin of Missionary Research (janeiro de 1979). Apareceu pela primeira vez em espanhol neste livro. O Pacto de Lausanne critica a mundanalidade que se detecta na adulteração da mensagem, na manipulação dos ouvintes por meio de técnicas de pressão e na preocupação exagerada por estatísticas na evangelização (seção 12). Essa crítica reflete a objeção feita em minha palestra de Lausanne contra o uso do “princípio das unidades homogêneas” como base para o crescimento da igreja. A fim de debater este assunto abertamente, o Grupo de Teologia e Educação do Comitê de Lausanne para a Evangelização Mundial organizou uma consulta que foi realizada na Fuller School of World Mission, em Pasadena, Califórnia, em junho de 1977. Nessa consulta, apresentei a palestra sobre “A unidade da Igreja e o princípio das unidades homogêneas”. Posteriormente esta foi publicada, em inglês, no International Bulletin of Missionary Research (janeiro de 1982) e em Exploring Church Growth, editado por Wilbert R. Shenk (Grand Rapids: William B. Eerdmans, 1983), e em espanhol, na revista Misión nº 6. É o capítulo 8 deste livro. Outra preocupação expressa no Pacto de Lausanne foi o tema de estudo para outra consulta em nível mundial patrocinada pelo Grupo de Teologia e Educação do Comitê de Lausanne para a Evangelização Mundial e pela Unidade de Ética e Sociedade da Comissão Teológica da Aliança Evangélica Mundial. Os signatários do Pacto que vivem em situações de afluência econômica tinham aceitado “o dever de desenvolver um estilo de vida simples a fim de contribuir mais generosamente tanto para a ajuda material como para a evangelização” (seção 9). Na Consulta sobre


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Estilo de Vida Simples, realizada na Inglaterra, em março de 1980, foi explorado o significado deste compromisso. Nessa consulta apresentei a palestra sobre “Perspectivas neotestamentárias para um estilo de vida simples” (o capítulo 8 deste livro). Foi publicada posteriormente em Lifestyle in the Eighties – an evangelical commitment on simple lifestyle, editado por Ronald J. Sider (Exeter: Paternoster Press, 1981; Filadélfia: Western Press, 1982). Uma parte deste trabalho apareceu na revista Certeza nº 78, mas o ensaio completo foi publicado em espanhol originalmente na primeira edição deste livro. O capítulo 9, “A missão da igreja à luz do reino de Deus”, foi publicado em inglês na revista Transformation, na edição de abril-junho de 1984. Uma versão levemente modificada deste trabalho foi apresentada na consulta sobre a relação entre a Evangelização e a Responsabilidade Social (Grand Rapids, Michigan, junho de 1982), outra conferência a cargo do grupo que tinha apoiado a de estilo de vida simples. O propósito da conferência era um diálogo pessoal entre os defensores de duas afirmações do Pacto de Lausanne: que “a evangelização e a ação social e política são parte de nosso dever cristão” (seção 5) e que “na missão da igreja, que é missão de serviço sacrificado, a evangelização ocupa o primeiro lugar” (seção 6). Minha tarefa era responder a uma das palestras principais, a saber, a de Arthur P. Johnston sobre “O reino em relação à igreja e ao mundo”. Este ensaio foi publicado pela primeira vez em espanhol na primeira edição deste livro. Com base em tudo o que foi dito até aqui, o leitor deve ter percebido que quase todos os ensaios incluídos neste livro refletem o diálogo teológico que vem sendo realizado em círculos evangélicos em nível internacional desde o Congresso de Lausanne de 1974. Com efeito, duvido muito que eles tivessem sido escritos não fossem os responsáveis por promover este diálogo, especialmente John Stott e Ronald Sider, que amavelmente me incluíram no mesmo. Tenho uma dívida de gratidão com eles e com todos os que participaram deste diálogo tão proveitoso. Sou grato igualmente à minha esposa e colega, Catalina Feser de Padilla, a cuja memória dedico este livro, por toda a sua dedicação e ajuda ao longo de muitos anos. Em seu prólogo para The New Face of Evangelicalism, John Stott diz que, na sua opinião, o rosto do movimento evangélico apresentado

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em Lausanne era o mesmo rosto de antes, mas com uma expressão diferente. “O velho rosto – conclui – agora tem uma nova sobriedade, mas está iluminado por uma alegre confiança em Deus e está voltado, de uma maneira renovada, para a agonia e a necessidade do mundo contemporâneo. Desde o Congresso de Lausanne de 1974, tenho me considerado uma testemunha altamente privilegiada do que o Espírito de Deus vem fazendo para dar ao seu povo um senso renovado do que é missão integral. Se Missão Integral – o reino de Deus e a igreja contribuir de uma maneira muito modesta para conseguir que o movimento evangélico volte seu rosto para um mundo sofredor, louvado seja Deus! C. R. P.


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* De Lausanne 1 a Lausanne 3 A Fraternidade Teológica Latino-americana e a missão integral

Lausanne

1, o 1º Congresso Internacional de Evangelização Mundial, que foi realizado em Lausanne, Suíça, de 16 a 24 de julho de 1974, entrará para a história como um dos eventos eclesiásticos mais significativos do século 20. No mundo evangélico, este encontro, que contou com cerca de 2.500 participantes e mil observadores de 250 países e 135 denominações protestantes, conseguiu ser um passo definitivo na afirmação de que a responsabilidade social e política é um aspecto essencial da missão da igreja. A afirmação básica sobre este tema aparece no parágrafo 5 do Pacto de Lausanne, em que se lê: Afirmamos que Deus é tanto o Criador como o juiz de todos os homens. Portanto, devemos compartilhar sua preocupação com a justiça, a reconciliação em toda a sociedade humana e com a libertação dos homens


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de todo o tipo de opressão. A humanidade foi feita à imagem de Deus; consequentemente, toda pessoa, seja qual for sua raça, religião, cor, cultura, classe, sexo ou idade, tem uma dignidade intrínseca pela qual deve ser respeitada e servida, não explorada. Expressamos, além disso, nosso arrependimento tanto por nossa negligência como por ter concebido às vezes a evangelização e a preocupação social como coisas que se excluem mutuamente. Ainda que a reconciliação com o homem não seja o mesmo que a reconciliação com Deus, nem o compromisso social seja o mesmo que a evangelização, nem a libertação política seja o mesmo que a salvação; não obstante, afirmamos que a evangelização e a ação social e política são parte de nosso dever cristão. Uma e outra são expressões necessárias de nossa doutrina de Deus e do homem, de nosso amor ao próximo e nossa obediência a Jesus Cristo. A mensagem da salvação encerra também a mensagem do juízo de toda forma de alienação, opressão e discriminação, e não devemos temer denunciar o mal e a injustiça onde quer que eles estejam. Quando as pessoas recebem a Cristo, nascem de novo em seu reino e devem não apenas manifestar mas também difundir a justiça deste reino em meio a um mundo injusto. Se a salvação que dizemos ter não nos transforma na totalidade de nossas responsabilidades pessoais e sociais, não é a salvação de Deus. A fé sem obras é morta.1

Neste parágrafo foi estabelecido o pensamento que, em torno de uma questão de fundamental importância para a vida e a missão da igreja, vinha sendo forjado em círculos evangélicos desde o início da década de 60. O presente capítulo é uma modesta tentativa de esboçar a contribuição da Fraternidade Teológica Latino-Americana (FTL) para o desenvolvimento desse pensamento. O despertar da consciência social evangélica

Um dos sinais dos tempos que caracterizam as quatro últimas décadas é o despertar da consciência social evangélica em nível mundial. Uma pequena evidência desse despertar é a inclusão deste assunto no temário de congressos, assembleias, seminários e consultas de uma ampla gama de igrejas e denominações evangélicas.2 Pelo menos no mundo das grandes maiorias, hoje quase não se discute se a Igreja tem ou não uma tarefa cultural, social e inclusive política que é chamada a cumprir como parte essencial de sua missão. A pergunta é, na verdade, como deve cumprir essa tarefa para ser fiel ao Senhor que a comissionou como sua testemunha em palavra e em ação.


De Lausanne 1 a Lausanne 3

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Perspectiva histórica

Na verdade, esse tipo de compromisso por parte das igrejas evangélicas não é tão inovador como às vezes pensamos que é.3 Não é este o lugar para fazer uma revisão da contribuição dos evangélicos para a vida sociocultural e política das nações. Basta mencionar um exemplo, o caso da Inglaterra: Segundo vários historiadores, os avivamentos do século 18 por parte de Wesley e Whitefield no país causaram tanto impacto nas estruturas sociais que se pode afirmar que foram o principal fator de mudança que tornou desnecessária uma revolução sangrenta como a que se produziu na França até o final daquele século. Mesmo assim, a marcada influência que o cristianismo evangélico exerceu na vida social dos Estados Unidos durante os séculos 18 e 19 chamou a atenção dos estudiosos. Muitas conquistas sociais, as quais desfrutamos na sociedade moderna sem sequer dar-nos conta de sua origem – como a abolição da escravidão, reformas trabalhistas e obras filantrópicas de todos os tipos – são parte do legado que nos foi deixado por esses grandes avivamentos.4 Lamentavelmente, a maior expansão do evangelho em nível internacional, a mais ampla na história da igreja, se deu justamente em um período marcado pelo que o historiador estadunidense David Moberg denominou “o grande retrocesso da consciência social”,5 que foi o abandono do compromisso social por parte do movimento evangélico, primordialmente nos Estados Unidos, nas primeiras décadas do século 20 e especialmente na década posterior à Segunda Guerra Mundial. Como resultado, muitas das igrejas ao redor do mundo, formadas pelo movimento missionário moderno com base no Ocidente, nasceram com uma visão muito limitada da missão cristã no mundo. A Fraternidade Teológica Latino-Americana

Pela graça de Deus, as últimas décadas têm visto um notável despertar da consciência social evangélica. Esse despertar é testemunhado por várias conferências internacionais e interdenominacionais realizadas em diferentes lugares do mundo desde meados da década de 60. Um sinal significativo deste despertar aconteceu no 1º Congresso Latino-Americano de Evangelização (CLADE 1),6 que foi realizado em Bogotá, Colômbia, em novembro de 1969.

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Quando Samuel Escobar, membro da equipe de obreiros da Comunidade Internacional de Estudantes Evangélicos (CIEE) naquela época, falou sobre “A responsabilidade social da igreja”,7 seu discurso foi recebido com uma ovação de vários minutos. Sua apresentação foi uma magistral síntese do pensamento social evangélico, forjada ao longo da década de 60 no contexto da CIEE no calor das inquietudes estudantis relativas à pertinência do evangelho para a realidade de nossos povos. Tendo em vista o impacto que essa palestra causou no congresso, não é surpresa o fato de que a preocupação com a dimensão social da missão cristã ecoe na Declaração Evangélica de Bogotá nos seguintes termos: Chegou a hora de nós, evangélicos, tomarmos consciência de nossas responsabilidades sociais. Para cumpri-las, o fundamento bíblico é a doutrina evangélica e o exemplo de Jesus Cristo levado até suas últimas consequências. Esse exemplo deve ser encarnado na crítica realidade latino-americana de subdesenvolvimento, injustiça, fome, violência e desespero.8 O CLADE 1 tinha sido planejado pela Associação Billy Graham com o propósito de servir como plataforma de lançamento de uma grande estratégia de evangelização de todo o continente latino-americano. Tal estratégia, no entanto, não foi assumida pelas igrejas e, consequentemente, entrou para a história sem nenhuma relevância. O único resultado concreto do CLADE 1 foi algo que não constava nos planos dos organizadores, mas que tinha estreita relação com várias das preocupações expressas por Escobar nesse conclave: A formação da FTL, apenas um ano depois, em novembro de 1970, em Cochabamba, Bolívia. Desde seu nascimento, a FTL se constituiria em um lugar de encontro de pessoas que reconheciam a importância da reflexão teológica, não como um fim em si, mas em função da missão integral da Igreja.9 Dois anos depois, em dezembro de 1972, foi realizada a segunda consulta da FTL, em Lima, Peru, que teve como tema “O Reino de Deus e a América Latina”.10 A partir desse encontro, grande parte da rica produção teológica da FTL nos anos seguintes seria um apoio à articulação da missiologia que considera o reino de Deus que se fez presente em Jesus Cristo e está ainda por vir em sua plenitude como a base da missão cristã.


De Lausanne 1 a Lausanne 3

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Lausanne 1

Para uma compreensão correta tanto da missão como do lugar das igrejas na sinfonia do propósito universal de Deus, a centralidade do reino de Deus ressoou vigorosamente como uma das notas dominantes no 1º Congresso Internacional de Evangelização Mundial, que foi realizado em Lausanne, Suíça, em 1974, com o lema: “Que a terra escute a sua voz”. E se fez escutar especialmente nas sessões plenárias por meio das palestras de Howard A. Snyder (um orador com experiência missionária no Brasil)11 e de oradores vinculados à FTL que foram convidados para este memorável encontro.12 Graças às suas apresentações e a outros fatores que foram conjugados no congresso, o tema da responsabilidade social foi debatido abertamente em sessões plenárias e teve lugar de destaque no Pacto de Lausanne, junto com temas igualmente importantes para os evangélicos como a autoridade da Bíblia, a singularidade de Jesus Cristo e a evangelização. A mesma nota se fez escutar também por meio do documento intitulado “Uma resposta à Lausanne: Implicações teológicas do discipulado radical”,13 redigido por um grupo ad hoc que foi formado espontaneamente depois da abertura do congresso e assinado por aproximadamente 400 participantes, incluindo John Stott.14 No documento, afirma-se que: O evangelho são as boas novas de Deus em Cristo Jesus. São boas novas do reino que ele proclama e encarna; da missão do amor de Deus que traz saúde ao mundo exclusivamente por meio da cruz de Cristo; de sua vitória sobre os poderes de destruição e morte; de seu senhorio sobre todo o universo. São as boas novas de uma nova criação, uma nova humanidade, um novo nascimento por meio do Espírito que dá vida. São as boas novas dos dons do reino messiânico contidos em Jesus e mediados por seu Espírito; da comunidade carismática que por seu poder encarna seu reino de shalom aqui e agora, antes de toda a criação, e torna visível e expõe suas boas novas. São as boas novas de libertação, de restauração, de saúde e de salvação pessoal, social, global e cósmica. Jesus é o Senhor! Aleluia! Que o mundo inteiro ouça a sua voz!15

A contribuição latino-americana, o documento de discipulado radical, as discussões informais sobre a missão cristã durante o congresso e o papel de John Stott como moderador da comissão de redação tiveram como resultado a inclusão no Pacto de Lausanne de vários temas

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importantes relacionados à responsabilidade social, à radicalidade do discipulado cristão, da renovação e da unidade da igreja.16 Certamente, o pacto afirmava que “na missão da igreja, que é missão de serviço sacrificado, a evangelização ocupa o primeiro lugar” (seção 6). Por outro lado, reconhecia também que os cristãos devem compartilhar a preocupação de Deus “pela justiça e pela reconciliação em toda a sociedade humana e pela liberação dos homens de todo tipo de opressão”; que “a evangelização e a ação social e política são parte de nosso dever cristão”, e que “a mensagem de salvação encerra também a mensagem de juízo de toda forma de alienação, opressão e discriminação” (parágrafo 5). Este reconhecimento foi um golpe certeiro em todas as tentativas de reduzir a missão da igreja à multiplicação de cristãos e de igrejas por meio da evangelização. De Lausanne 1 a Lausanne 3

Para o Movimento de Lausanne, os anos seguintes à Lausanne 1 se caracterizaram por um esforço estabelecido para elaborar definitivamente vários dos temas mais controversos do Pacto de Lausanne. Para este fim, o Comitê de Continuação de Congresso foi dividido em quatro subcomissões: intercessão, teologia, estratégia e comunicação. O Grupo de Teologia e Educação, denominado posteriormente Grupo de Trabalho Teológico, recebeu a tarefa de promover a reflexão teológica sobre temas relacionados à evangelização e, em particular, explorar as implicações do Pacto de Lausanne.17 Coordenado por John Stott, este grupo organizou quatro consultas teológicas18 entre 1977 e 1982. Quem escreve considera que ser convidado para todas estas consultas é um privilégio concedido por Deus, sendo, em três delas, um dos oradores plenários e, na quarta, a pessoa encarregada de responder a uma das palestras principais. As três consultas em que apresentei palestras no plenário foram as seguintes: • A consulta sobre o princípio das unidades homogêneas, em junho de 1977, na Fuller School of World Mission, no Seminário Teológico Fuller, em Pasadena, Califórnia. Palestra: “A unidade da igreja e o princípio das unidades homogêneas” (capítulo 8 deste livro).



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