Teologia Pura e Simples

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teologia pura e simples


A l i s t e r M c G r at h

teologia pura e simples [ O lugar da mente na vida cristã ] TRADUÇÃO MEIRE PORTES SANTOS


teologia pura e simples Categoria: Apologética / Teologia / Vida Cristã

Copyright © 2010, Alister McGrath

Publicado originalmente por Society for Promoting Christian Knowledge, Londres, Inglaterra Título original em inglês: Mere Theology Primeira edição: Outubro de 2012 Coordenação editorial: Bernadete Ribeiro Tradução: Meire Portes Santos Preparação e revisão: Hideide Brito Torres Mariana Furst Raquel Bastos Diagramação: Bruno Menezes Capa: Julio Carvalho

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) McGrath, Alister Teologia pura e simples: o lugar da mente na vida cristã / Alister McGrath; tradução Meire Portes Santos. — Viçosa, MG : Editora Ultimato, 2012. Título original: Mere theology. ISBN 978-85-7779-080-7 1. Teologia dogmática - Obras de divulgação I. Título. CDD-230

12-12349 Índices para catálogo sistemático: 1. Teologia dogmática cristã 230

Publicado no Brasil com autorização e com todos os direitos reservados Editora Ultimato Ltda Caixa Postal 43 36570-000 Viçosa, MG Telefone: 31 3611-8500 Fax: 31 3891-1557 www.ultimato.com.br

A marca FSC é a garantia de que a madeira utilizada na fabricação do papel deste livro provém de florestas que foram gerenciadas de maneira ambientalmente correta, socialmente justa e economicamente viável, além de outras fontes de origem controlada.


sumário

Introdução

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PARTE 1 – O propósito, lugar e relevância da teologia cristã

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1. Teologia pura e simples: o cenário da fé [1]

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2. Teologia pura e simples: o cenário da fé [2]

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3. O evangelho e a transformação da realidade: “O elixir”, de George Herbert

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4. A cruz, sofrimento e confusão teológica: reflexões sobre Martinho Lutero e C. S. Lewis

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5. O teatro da glória de Deus: uma visão cristã da natureza 71 6. A tapeçaria da fé: teologia e apologética

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PARTE 2 – Relacionando-nos com nossa cultura

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7. As ciências naturais: amigas ou adversárias da fé? 101 8. Fé religiosa e científica: o caso de A Origem das Espécies, de Charles Darwin

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9. Criacionismo e evolução segundo Agostinho de Hipona

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10. A religião envenena tudo? O novo ateísmo e a fé religiosa

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11. Ateísmo e iluminismo: reflexões sobre as raízes intelectuais do novo ateísmo

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Notas 187


introdução

A

teologia cristã é um dos mais empolgantes assuntos possíveis de se estudar, sendo estimulador do intelecto e rico em recursos para o ministério da Igreja e a vida de fé. Este livro pode ser visto tanto como uma defesa intelectual do lugar da teologia na vida cristã, quanto como um apelo para que a Igreja Cristã leve o uso da mente a sério, principalmente em vista dos debates públicos contemporâneos. Este livro é sobre “teologia pura e simples”, uma frase que tomei emprestada e adaptei, sem pudor algum, da famosa ideia de C. S. Lewis em seu Cristianismo Puro e Simples.1 Por “teologia pura e simples”, quero dizer os temas básicos que caracterizam,


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desde a antiguidade, a visão cristã da realidade. Não defendo ou protejo aqui qualquer escola ou estilo de teologia. A proposta é explorar como a grande tradição da reflexão teológica cristã enriquece nossa fé e aprofunda nosso entrosamento com os interesses e debates do mundo ao nosso redor. Apesar de ser um representante bem conhecido dela, esta abordagem se expande muito além (e antes) de Lewis. Muitas vezes, a teologia, pura e simples, gera controvérsias e facções na igreja. Meu interesse aqui é focalizar no papel positivo da teologia em moldar, nutrir e defender a visão cristã frente à realidade e aplicá-la aos desafios e oportunidades que os cristãos enfrentam hoje. Creio que pode ser útil contextualizar esta obra. Os últimos anos têm sido muito significativos em minha vida, tanto em termos de acontecimentos quanto no âmbito da academia. Exatamente após 25 anos de serviço prestados ao corpo docente do Curso de Teologia da Universidade de Oxford, eu assumi a cadeira de Teologia, Ministério e Educação no King’s College London. Esta cadeira foi estabelecida em setembro de 2008. O King’s College foi fundado pelo rei George IV e pelo duque de Wellington em 1829, para encorajar uma criativa interação entre academia, igreja e sociedade, e tem uma longa tradição de promover o entrosamento e a reflexão teológicos. Apesar de ser um teólogo acadêmico, sempre acreditei que a teologia apresenta seu melhor aspecto quando gera práticas reflexivas na vida e serviço da Igreja. A nova cadeira de Londres foi estabelecida para incentivar um entrosamento direto entre a teologia e a vida da igreja, e considero-me altamente privilegiado por ser seu primeiro ocupante. No princípio de 2008, fui o palestrante na Conferência Memorial Riddell, na Universidade de Newcastle-upon-Tyne, explorando como a nova maneira de ver as coisas, viabilizada pela fé cristã, leva a uma revitalização do nosso compromisso com a natureza. Na verdade, aquela conferência representou um


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manifesto para um novo estilo de teologia natural, fundada firmemente na tradição cristã. 2 Em 2009, na conferência Gifford, na venerável Universidade de Aberdeen, dei seguimento a essa nova abordagem, enfocando a importância teológica e apologética do fenômeno de “sintonia fina” na natureza.3 Finalmente, em 2009 e 2010, nas conferências Hulsean, na Universidade de Cambridge, coloquei, como tema de minhas palestras, as implicações do darwinismo para uma teologia natural cristã.4 Alguns dos assuntos daquelas conferências são aqui repetidos. Apesar disso, este livro reflete, em sua totalidade, uma experiência cultural mais ampla. Em 2006, explodiu no cenário cultural o movimento agora amplamente conhecido, se não incorretamente, como o “novo ateísmo”. Os livros de Richard Dawkins — Deus, Um Delírio, 2006 —, de Daniel Dennett — Breaking The Spell, 2006 [Quebrando o feitiço] — e de Christopher Hitchens — Deus não é Grande, 2007 — criaram nos meios de comunicação uma fascinação com a religião e seus descontentes. O interesse público sobre Deus aumentou. Vi-me sendo convidado regularmente para falar e escrever sobre estes temas5 e para debater com líderes ateus em público: Richard Dawkins, em Oxford, Daniel Dennett, em Londres, e Christopher Hitchens, em Washington. Apesar de preferir as salas do seminário às câmaras de debate, não há dúvida de que os assuntos contestados eram uma questão de interesse geral, não apenas acadêmico. Para minha surpresa, descobri que me tornara um intelectual público. O debate sempre se centralizou na racionalidade da fé e na coerência da visão cristã sobre a realidade. Para os novos ateus, o cristianismo representa uma maneira antiquada de explicar as coisas, e pode ser aposentada na moderna era científica. Em uma das maravilhosamente infundadas afirmações que ele mais utiliza contra a religião, Christopher Hitchens nos diz que, desde

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a invenção do telescópio e do microscópio, a religião “não oferece mais uma explicação sobre qualquer coisa importante”.6 É uma boa frase de efeito que, colocada ao lado de muitas outras, igualmente infundadas, quase consegue criar uma aparência de um argumento com base em evidências. Entretanto, chega a ser algo mais do que isso? Em sua brilhantemente argumentada crítica ao novo ateísmo, Terry Eagleton ridiculariza aqueles que tratam a religião como uma entidade puramente explicativa: “Em primeiro lugar, o cristianismo nunca quis ser uma explicação de coisa alguma. Afirmar o oposto é o mesmo que dizer que, graças à torradeira elétrica, podemos esquecer Tchekhov”. Acreditar que a religião é “uma tentativa grosseira de explicar o mundo” está no mesmo nível intelectual que “ver o balé como uma tentativa grosseira de correr para um ônibus”.7 Certamente, Eagleton está correto nisso. No cristianismo, existe muito mais coisas do que uma tentativa de fazer com que as coisas façam sentido. O Novo Testamento está interessado, principalmente, na transformação da existência humana por meio da vida, morte e ressurreição de Jesus de Nazaré. Assim, o evangelho não é tanto sobre explicações como sobre salvação — a transformação da situação humana. Porém, embora a ênfase da proclamação cristã possa não estar na explicação do mundo, ela oferece, também, um modo distinto de olhar que, pelo menos em princípio, nos capacita a ver as coisas de uma forma diferente, e, por consequência, nos leva a agir de maneira adequada a essa visão. O cristianismo envolve crer que certas coisas são reais, que podemos nos firmar nelas, e que elas iluminam nossas percepções, decisões e ações. Esses temas são essenciais à “teologia pura e simples” e aparecem com destaque neste manifesto sobre a razoabilidade da fé. O debate público sobre este tema continuou em 2009, ano que marcou o 220º aniversário do nascimento de Charles


introdução

Darwin (1809–1882), o grande naturalista inglês e criador da teoria evolucionária moderna, e o 150º aniversário da publicação de seu inovador A Origem das Espécies. Foi tamanha a importância cultural de Darwin que as celebrações ofuscaram outros aniversários marcados durante aquele ano, inclusive os 500 anos do nascimento de João Calvino (1509–1564).8 Muitos integrantes do novo ateísmo se apoderaram do aniversário de Darwin como forma de defender uma agenda secularista, por associá-la (neste caso, de forma incerta) com esse herói científico. Como um dos relativamente poucos teólogos que conhecia muito sobre Darwin e a teoria da evolução, encontrei-me, mais uma vez, impelido ao debate público sobre as implicações religiosas, morais e culturais das suas ideias. Teologia Pura e Simples reflete esses interesses culturais mais abrangentes, cuja importância deve permanecer por algum tempo. Além de explorar a integridade e vitalidade da teologia cristã, o livro enfatiza sua capacidade de entrosamento intelectual e cultural. Existe um consenso crescente de que o desenvolvimento súbito do novo ateísmo pegou as igrejas de surpresa. Ao que parece, elas estavam intelectualmente despreparadas para esse novo e grande desafio. Agora, já existem indícios muito bem-vindos de que o novo ateísmo está se enfraquecendo em sua atratividade e perfil, principalmente devido a algumas análises profundas e perspicazes, feitas pelas principais autoridades, de suas críticas não confiáveis sobre a religião9 e de suas propostas alternativas deficientes. Apesar disso, a melhor preparação para a próxima crise de confiança, qualquer que seja seu formato, é encorajar o surgimento de um informado e confiante uso da mente dentro das igrejas — algo que este livro pretende estimular. Teologia Pura e Simples consiste em onze capítulos, fundamentados em conferências e discursos não publicados anteriormente, apresentados em um período de mais de dois anos — do final de 2007 ao final de 2009 (para outros detalhes, veja a seção

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“Notas” no final da obra). O livro está organizado tematicamente. Seus seis primeiros capítulos lidam com o propósito, o lugar e a relevância da teologia cristã. Seu tema comum é a amplitude da fé cristã e sua habilidade de evidenciar uma nova e satisfatória visão da realidade. O cristianismo é celebrado como algo que tanto faz sentido em si mesmo como dá sentido a outros aspectos da realidade. Costumo citar as famosas palavras de C. S. Lewis em debates públicos, quando defendo esta ideia: “Creio no cristianismo como creio que o sol nasceu — não apenas porque o vejo, mas porque, por meio dele, vejo todo o resto.”10 Como um “discipulado da mente”, a teologia cristã leva a uma apreciação mais profunda da capacidade do evangelho de se relacionar tanto com as complexidades do mundo natural como com a experiência humana. Ao mesmo tempo, devemos perceber que a teologia tem seus limites, os quais devem ser identificados e respeitados. Os dois capítulos iniciais oferecem uma introdução ao estudo da teologia, que espero serem particularmente úteis para aqueles que almejam algum direcionamento sobre como iniciar suas reflexões. A teologia é apresentada aqui como uma disciplina positiva, crítica e construtiva, interessada em informar e sustentar a visão cristã da realidade — algo que é essencial à pregação e ao ministério cristãos. Esses capítulos se propõem a ajudar quem é novo no estudo da teologia, para que se oriente e tenha uma noção de seus limites ao navegar neste campo. No capítulo 3, eu exploro o poema de George Herbert “O elixir”, que foi publicado, primeiramente, em 1933, e continua sendo um dos mais excelentes registros teológicos da transformação da visão, avaliação e ação que resultam da fé cristã. O poema ilustra um dos principais temas de Teologia Pura e Simples: seu papel positivo em transformar a maneira como vemos as coisas, levando a uma percepção mais rica da realidade e a um sentido mais profundo de nossas próprias possibilidades e responsabilidades no mundo.


introdução

Em seguida, atentamos para um tópico complexo e perturbador, muitas vezes negligenciado. O que acontece quando há tensão entre teoria e experiência? O capítulo 4 considera as distintas abordagens à ambiguidade teológica, encontradas em Martinho Lutero e C. S. Lewis, observando sua importância para a vida de fé. O capítulo 5 considera a diferença que a fé cristã faz para a maneira como vemos o mundo natural e nos comportamos nele. Como ela se porta em comparação com as alternativas ateístas e pagãs? O capítulo 6 lida com a ligação entre a teologia e a apologética. De que forma a teologia pode capacitar a igreja para afirmar a credibilidade e atratividade da fé na cultura contemporânea? Essa pergunta tradicional tem se tornado mais importante à luz de recentes escritos ateístas. Deste modo, torna-se mais essencial assegurar que a igreja construa e sustente suas testemunhas sobre fundamentos teológicos firmes e confiáveis. Havendo estabelecido a base para um envolvimento teologicamente informado com a cultura, o restante do livro explora como a “comunidade interpretativa” cristã fornece uma plataforma para tal envolvimento cultural.11 O evangelho cristão ordena que haja um engajamento vibrante com a nossa cultura e não um retraimento isolacionista. Os cristãos são chamados para ser sal e luz para o mundo (Mt 5.13-16). Um discipulado da mente teologicamente informado sustenta, nutre e protege a visão cristã da realidade, capacitando a igreja a ser sal e luz. Vale dizer que esta é a precondição para o engajamento cultural, não um substituto dele. Essa seção se abre com um capítulo que aborda o envolvimento do cristão com as ciências naturais. Este tópico é muitas vezes indevidamente apresentado, como se estivesse preso a um conflito mortal com a fé cristã. Faz muito tempo que explorar a relação da fé cristã com as ciências naturais me impressiona de modo significativo. Minha própria jornada de fé envolveu

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reflexões prolongadas sobre estas questões, que permanecem importantes para muitos hoje. Aqui eu ofereço o que creio serem respostas teológica e cientificamente informadas para alguns interesses e questões contemporâneos — que são, muitas vezes, de importância particular para os estudantes cristãos das ciências naturais. Os capítulos 8 e 9 exploram alguns aspectos das implicações religiosas do darwinismo. O ano do seu aniversário (2009) levou a mídia a um intenso interesse na relação entre Darwin e fé, várias vezes interligado à repetitiva e altamente questionável afirmação de que as ideias darwinianas desacreditam o cristianismo. Ao refutar tais sugestões, o capítulo 8 olha especificamente para o lugar da fé — tanto científico quanto religioso — nas reflexões de Darwin sobre seleção natural. O capítulo 9 estabelece a relação entre criação e evolução no pensamento de Agostinho de Hipona (354–430), oferecendo algumas reflexões oportunas para debates contemporâneos. É claro que Darwin tem sido adotado como mascote por muitos do novo ateísmo. Os dois últimos capítulos do livro abordam origem, pedigree e integridade intelectual de tal movimento. O capítulo 10 considera se o antagonismo visceral do novo ateísmo à religião pode ser levado a sério, oferecendo algumas reflexões sobre como pode haver uma discussão mais civilizada sobre assuntos controversos. Este capítulo explora a “retórica da dispensa” da religião, que é característica de escritores como Christopher Hitchens. Eu a contrasto com as descobertas muito diferentes da academia tradicional sobre uma variedade de assuntos, tais como a origem do totalitarismo, as motivações de homens-bomba e o problema da violência fanática. Em especial, critico a ideia dos bright,* apresentada em 2003, como uma afirmação nada

* Termo cunhado pelos ateus para se autodenominarem. (N.E.)


introdução

sutil sobre a suposta superioridade intelectual dos ateus sobre os religiosos cristãos. Finalmente, o capítulo 11 trata, cuidadosa e criticamente, de um dos aspectos mais importantes e, apesar disso, menos estudados do novo ateísmo: a observação de que, distante de ser algo “novo”, ele é, na verdade, profundamente fundamentado nas hipóteses do iluminismo do século 18. Sua agressividade e dogmatismo podem ser, realmente, novos; mas as suas principais ideias são recicladas do passado. A apreciação dessa conexão lança luz sobre algumas características mais importantes dessa forma de ateísmo, especialmente sua hostilidade extraordinária em relação ao pós-modernismo. Pode um movimento tão profundamente incrustado nas suposições de uma era passada satisfazer os desafios da nossa era pós-moderna? E o que as igrejas podem aprender disso? Espero que este livro estimule mais o desenvolvimento do discipulado da mente dentro das igrejas e enriqueça nossa visão da fé cristã. Cada capítulo teve sua origem em uma preleção pública, um artigo para seminário ou uma apresentação para um pequeno grupo de pessoas, na maioria das vezes, estudantes. Cada um foi completamente reescrito para registrar as perguntas levantadas por seu público, a quem sou profundamente grato por sua interação. Reesboçar e refazer não são atividades que autores apreciem; no entanto, são essenciais se queremos chegar à posição em que as pessoas realmente estão, em vez de onde nós esperamos que elas estejam. Também reconheço com prazer as habilidades editoriais de Alison Barr e Lauren Chiosso, que foram muito úteis na conclusão desta obra. Alister E. McGrath King’s College London

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parte 1

o prop처sito, lugar e relev창ncia da teologia crist찾



1.

teologia pura e simples o cenário da fé [1]

A

fé, em sua base, é um assunto relacional; é sobre confiar em Deus. Apesar disso, parte da dinâmica mais íntima da vida de fé é o desejo de entender mais a respeito de quem e em que nós confiamos. Anselmo de Cantuária (c. 1033–1109) fez famosa observação de que a teologia é, basicamente, “fé à procura de entendimento”. O grande teólogo cristão Agostinho de Hipona (354–430) também deixou claro que há uma genuína empolgação intelectual em lutar junto com Deus. Teologia é uma paixão da mente, um desejo de entender mais sobre a natureza e os caminhos de Deus e o impacto transformador que isso tem na vida. Nossa


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fé pode ser aprofundada e nossa vida pessoal, enriquecida por meio da reflexão teológica. Assim, como começamos a desenvolver essa paixão da mente?

Não podemos, entretanto, explorar a relevância da teologia sem, primeiramente, observar como tem sido ruim a sua reputação wdentro das igrejas nas últimas décadas. Para alguns líderes cristãos, a teologia é irrelevante para a vida real. É como se retirar para torres de marfim quando existem coisas mais urgentes com o que se preocupar. Mas, entendendo corretamente, a teologia trata de possibilitar ações cristãs instruídas. Ela nos faz querer fazer coisas, e fazê-las de modo cristão. Ela nos ajuda a fazer julgamentos em relação a como agir melhor; ela nos encoraja a interagir com o mundo real. Outros líderes cristãos expressam preocupação quanto à tendência da teologia em criar divisão e conflito na Igreja. J. I. Packer, uma das vozes mais influentes e sábias do meio evangélico, tem escrito sobre o problema dos “intelectualistas defensivos” — “cristãos rígidos, argumentadores e críticos, campeões da verdade de Deus, para os quais a ortodoxia é tudo”. Creio que todos nós conhecemos pessoas que parecem ter uma obsessão com o que Packer chama de “vencer a batalha para a precisão mental” e pouco interesse em qualquer outro aspecto da fé cristã. Eles podem amar a Deus, mas parecem ter problemas em amar outras pessoas — especialmente quando discordam delas. Não é sempre fácil discernir como essa fixação na precisão teológica se conecta com os registros do ministério de Jesus de Nazaré, encontrados no evangelho. Certamente, a melhor maneira é procurar uma ortodoxia generosa, vendo as divergências no contexto das harmonias maiores que nos unem.


teologia pura e simples: o cenário da fé [1]

A vitalidade da fé cristã está na empolgação e no completo prazer intelectual causados pela pessoa de Jesus de Nazaré. Aqui está alguém que a Igreja considera intelectualmente luminoso, espiritualmente persuasivo e infinitamente suficiente, tanto pública quanto individualmente. Os cristãos expressam esse deleite e maravilha em seus credos, e o fazem de forma mais especial em seu culto e adoração. Há séculos, Agostinho de Hipona refletiu sobre como as comunidades eram unidas pelos objetos de seu amor. A forma mais certa de aumentar a identidade, coerência e coesão de uma comunidade é ajudá-la a ver com mais clareza o que ela ama e, então, amá-lo com mais afeto. Essa é a razão pela qual o culto é tão importante para a identidade cristã. Ele focaliza nossa atenção no que realmente importa e proclama que a fé cristã tem poder para capturar a imaginação — não meramente persuadir a mente — por abrir as profundezas da alma humana às realidades do evangelho. Ela sustenta uma grande paixão por Jesus Cristo, a qual nutre o dever teológico, mesmo quando este questiona sua capacidade de viver à altura do esplendor de seu propósito principal. O apelo da visão cristã de Jesus de Nazaré à imaginação e às emoções dos discípulos nunca deve ser negligenciado ou menosprezado; porém, ainda assim, precisamos apreciar que a essência intelectual da fé cristã permanece. Não podemos amar a Deus sem querer entender mais a seu respeito. Nós somos chamados a amar a Deus com nossa mente, bem como com nosso coração e nossa alma (Mt 22.37). Não podemos permitir que Cristo reine em nossos corações se ele não guiar nossos pensamentos também. O discipulado da mente é tão importante quanto qualquer outra parte do processo pelo qual nós crescemos na fé e no compromisso.

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