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Centro Universitário Franciscano

Disciplinarum Scientia SÉRIE: ARTES, LETRAS E COMUNICAÇÃO

Disciplinarum Scientia. Série: Artes, Letras e Comunicação, Santa Maria, v.5, n.1,1-193, 2004


Reitora Iraní Rupolo Comissão Editorial Célia Helena de Pelegrini Della Méa Delmira Beatriz Wolff Edir Lucia Bisognin Elisângela Carlosso Machado Mortari Galileo Adelí Buriol Gilberto Orengo de Oliveira Jorge Luis Pacheco Barcelos Macklaine Miletho Silva Miranda Margarida da Silva Mayer Capa Carlos Eduardo Barichello Revisão Maria de Lourdes Pereira Godinho Rodrigo Jappe Formatação Camila de Ávila Márcia Terezinha Pinto Marinho Disciplinarum Scientia. Série: Artes, Letras e Comunicação / Centro Universitário Franciscano. - v. 5, n. 1, 2004. - Santa Maria: Centro Universitário Franciscano, 2006.

Anual ISSN 1676-5001 1. Artes 2. Letras 3. Comunicação I. Centro Universitário Franciscano II. Título CDU 7 82 316.77 Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária Cibele V. Dziecaniak - CRB 10/1385 Biblioteca do Centro Universitário Franciscano

Centro Universitário Franciscano Rua dos Andradas, 1614 97010-032 - Santa Maria - RS - Brasil Fones: (55)3220-1200 - Fax: (55)3222-6484 Tiragem: 320 exemplares

Solicitamos Permuta


Apresentação Indagações sobre como aprender a redigir com competência sempre permearam o universo acadêmico. Celso Barroso Leite, em Estilo sob Medida, considera: “Pode-se aprender a escrever bem? Sim, afirmam alguns, enquanto que para outros a resposta é um não categórico. Por mais discutível que seja a questão, parece fora de dúvida que existe pelo menos uma técnica de redação. Os que negam a valia de tal técnica, em geral, esquecem-se de que redação e estilo literário não são exatamente a mesma coisa. Este se refere à arte e aquela ao ofício de escrever. E nessa nossa era das comunicações, transmitidas e retransmitidas por tantos meios, ninguém desconhece o magno papel que cabe ao trabalho de redigir” e pesquisar. Com base nessa reflexão, é com grande satisfação que apresento a Disciplinarum Scientia, em seu quinto volume, da Área de Artes, Letras e Comunicação. Hoje, esta revista apresenta uma trajetória de importantes realizações pela publicação da pesquisa discente, fruto de investigações acadêmicas da graduação e pós-graduação lato sensu. Nos últimos tempos, foi possível ampliar e aperfeiçoar sua qualidade, tornando-a um importante meio de publicação das produções científicas de nossos alunos. Julgo também oportuno lembrar que a trajetória de conquistas desta revista considera o empenho e dedicação de profissionais que fazem da pesquisa a fonte e o mérito do aperfeiçoamento acadêmico. Com esse intuito, os temas pesquisados neste número são uma amostra das possibilidades de pesquisa desenvolvidas ao longo do último ano e que, certamente, suscitarão práticas de diferentes significados, cuja interação se fundamenta em uma saudável socialização de propostas compartilhadas. Profª Nilsa Reichert Barin


SUMÁRIO/SUMMARY CONSTRUÇÃO DE UM WEB SITE PARA A ESCOLA VICENTE FARENCENA DESIGNING OF A WEB SITE TO VICENTE FARENCENA SCHOOL

Victório Venturini, Rafael Bald, José Quintana, Viviane Borelli e Gabriel Gorski............................................................................................1-14 NO ENTRECRUZAMENTO DA LÍRICA E DA NARRATIVA IN THE INTERSECTION OF LYRIC AND NARRATIVE

Wiliam de Moura Celestino e Inara de Oliveira Rodrigues.........15-27 PROPAGANDA NA GUERRA: A MANIPULAÇÃO DAS OPINIÕES NA II GUERRA MUNDIAL THE MANIPULATION OF OPINIONS IN WORLD WAR II

Tássia B. Moro, Maiquel Rosauro, Fernanda Marin e Laíse Loy.......29-41 O AGENDAMENTO DAS ELEIÇÕES MUNICIPAIS DE 2004 NOS JORNAIS A RAZÃO E DIÁRIO DE SANTA MARIA THE SCHEADULING OF THE 2004 MUNICIPAL ELECTIONS IN THE NEWSPAPERS A RAZÃO AND DIÁRIO DE SANTA MARIA

Maiquel Rosauro e Viviane Borelli.......................................................43-61 TURISMO SEXUAL INFANTIL - UMA ANÁLISE ESTRUTURAL CHILD SEX TOURISM - A STRUCTURAL ANALISYS

Tatiane Brum de Oliveira Reis e Norma Martini Moecsh.................63-88 TV COM: UM CANAL COMUNITÁRIO? TV COM: A CHANNEL COMUNITYRE?

Denise Noal Beckmann e Daniela Aline Hinerasky............................89-100 GRAMÁTICA GERATIVA: SUBSÍDIOS PARA O ENSINO DE ORAÇÕES SUBORDINADAS COMPLETTIVAS GENERATIVE SINTAX: SUSIDIZE TO THE TEACHING TO INCLUSIVE SUBORDINATIVE SENTENCES

Eliandra Scapin Cargnin Pegoraro e Nilsa Teresinha Reichert Barin....... ...........................................................................................................101-126


A PRAGMÁTICA NO ENSINO DA LÍNGUA INGLESA PELA TEORIA DA RELEVÂNCIA PRAGMATICS IN THE TEACHING OF THE ENGLISH LANGUAGE THROUGH THE RELEVANCE THEORY

Luciana Michel e Rejane Maruá Sampedro Ramos..........................127-143 A PLURALIZAÇÃO PELO DETERMINANTE PLURALISM BY THE DETERMINER

Elisandra Negrini de Oliveira e Valeria Iensen Bortoluzzi...............145-159 AS MÚLTIPLAS FACES DE UM DIALETO POPULAR THE MULTIPLE FACES OF A POPULAR DIALECT

Simone Osmari Lago e Laurindo Dalpian.........................................161-169 INTERTEXTUALIDADE E POLIFONIA: SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS INTERTEXTUALITY AND POLYPHONY: SIMILARITIES AND DIFFERENCES

Silvana Laurini Rossato e Célia Helena Peregrini Della Méa..........171-193 CONSULTORES/REFEREES............................................................ i NORMAS PARA PUBLICAÇÃO NA REVISTA DISCIPLINARUM SCIENTIA............................................................................................. ii




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CONSTRUÇÃO DE UM WEB SITE PARA A ESCOLA VICENTE FARENCENA1 DESIGNING OF A WEB SITE TO VICENTE FARENCENA SCHOOL Victório Venturini2, Rafael Bald2, José Quintana3, Viviane Borelli4 e Gabriel Gorski4 RESUMO O objetivo, neste artigo, é apresentar a experiência resultante do projeto de extensão Página de web na Escola, que consiste na criação de uma página de internet para a Escola Municipal de Ensino Fundamental Vicente Farencena. Alunos de Comunicação Social – Jornalismo e Publicidade e Propaganda da UNIFRA constataram a necessidade de uma maior integração em relação aos mecanismos de comunicação entre os membros da escola e dela com a comunidade. A página de web possibilita uma melhor qualidade de ensino, facilitando trocas democratizadas de informações e recursos. Também proporciona aos alunos uma melhor relação com essa tecnologia em constante evolução, visando a uma melhor formação escolar. A efetiva relação comunitária pela internet ainda é um desafio, pois algumas barreiras existem como a falta de acesso e de interesse em alguns casos. A página de Internet, porém, é um bom meio de comunicação entre os vinculados à Escola Vicente Farencena, sendo uma forma de expressão das atividades e dos problemas desta comunidade. Palavras-chave: comunicação comunitária, internet, educação, escola ABSTRACT This article aims to show the experience resulting from the service project Web Page in School, which consists of the designing of an internet page to the Vicente Farencena Elementary State School. The Social Comunication – Journalism, Publicity and Marketing students of 1 2 3 4

Programa de Bolsa de Extensão - PROBEX. Acadêmicos do curso de Comunicação Social - Publicidade e Propaganda - UNIFRA. Acadêmico do curso de Comunicação Social - Jornalismo - UNIFRA. Orientadores - UNIFRA.


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UNIFRA, realized the necessity of a greater integration among the means of communication, the members of the school and the community. The Web page allows a better teaching quality, facilitating the democratic exchanges of information and resources. It also allows the students a better relation with this technology which is in constant evolution, aiming a better school formation. The real internet interchange in the community is still a challenge, for some barriers exist, like lack of access and of interest in some cases. The internet page, though, is good means of communication among the ones related to the Vicente Farencena School, being a way of expressing the problems and the activities of this community. Keywords: community communication, internet, education, school. INTRODUÇÃO O desenvolvimento do projeto de extensão Página de Web na Escola abrangeu o planejamento, a construção e a efetivação de um web site para a Escola Municipal de Ensino Fundamental Vicente Farencena. O principal objetivo é potencializar as relações pessoais e profissionais dentro da escola e dela com a comunidade. Além de facilitar a troca democrática de informações e recursos, a internet tem o intuito de contribuir com o desenvolvimento da sociedade e possibilitar uma melhor qualidade de ensino, visando a uma maior competência dos alunos em relação aos avanços tecnológicos atuais. Em meio a essa evolução, uma escola formadora de jovens deve proporcionar-lhes um contato efetivo com a rede mundial de computadores. Além disso, a internet pode colaborar com os educadores pelo do uso dos recursos advindos desta tecnologia. A partir de uma conversa com a direção da escola Vicente Farencena e com membros da comunidade, foi decidido que seria interessante a escola possuir um web site próprio, que teria a função de potencializar a integração social entre os envolvidos, direta e indiretamente, com a escola. Com esses contatos preliminares, foi possível formular um diagnóstico das necessidades da escola na área de comunicação. Como a escola não desenvolvia nenhum projeto nessa área, considerou-se que os professores e alunos do Curso de Comunicação Social – Jornalismo e Publicidade e Propaganda pudessem contribuir com a comunidade envolvida por meio da criação de um web site. Por sua capacidade de customização de dados, a internet inaugura uma nova era: da personalização e da velocidade. O ser humano adquire


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um novo jeito de olhar para o mundo. As relações são reconfiguradas e o saber passa a fazer parte de uma outra esfera, ganhando novo significado. Na era da internet, poder é saber obter informações em determinado espaço e tempo e essas ganham outro sentido, porque não há mais fronteiras geográficas, culturais ou sociais (DOTTA, 2000). Nessa perspectiva, a construção da página possibilita que haja troca de informações para além das fronteiras materiais da escola. Esse fato vai ser discutido e mostrado à medida que o trabalho vai sendo exposto. O texto está organizado da seguinte forma: primeiro, apresentase uma caracterização da comunidade e uma breve discussão do papel da comunicação comunitária; após, aborda-se o processo de coleta de informações junto à comunidade para a construção do site e, finalmente, expõe-se como a página foi planejada e efetivada. COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA E A ESCOLA VICENTE FARENCENA

A comunicação comunitária tem comprometimento com a participação e a fidelidade às camadas mais sensíveis, fora da grande mídia. Conforme Rocha (2005), o objetivo da comunicação comunitária é democratizar as necessidades das comunidades, sabendo, assim, respeitar e valorizar suas culturas próprias. Esse espaço, utilizado pela comunicação comunitária, aceita a modernidade, mas revitaliza a bagagem étnica de cada indivíduo inserido em sua comunidade, buscando trabalhar as necessidades e dificuldades destas sociedades. A comunidade leva os impedimentos que a fazem estar numa sociedade alienada e deficiente. Assim, a comunicação comunitária busca resgatar as dificuldades e viabilizar as possíveis soluções de torná-las praticáveis. É uma comunicação com o intuito de romper o monopólio dos meios de comunicação de massa, com a proposta de dar voz a quem não tem espaço na grande mídia. Para tanto, esse tipo de comunicação é pensada e produzida pela própria comunidade. Segundo Peruzzo (1998), algumas das características da mídia comunitária, neste final de século, são os pluralismos, a sintonia com as especificidades de cada realidade, na qual está inserida e a participação ativa de entidades não governamentais e sem fins lucrativos. A comunicação será comunitária quando sua concepção e objetivos respeitarem a formação sociocultural e a geolocalização do público-alvo. O processo de comunicação, dentro de uma estratégia de marketing, visa muito mais à conscientização do que à comunicação por si só. O papel da comunicação comunitária é identificar problemas, sugerir soluções, criar


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vínculos sociais, restaurar laços afetivos e aproximar os seus participantes de uma mesma meta a ser atingida. Baseados nessa ideologia, ao analisar parte da comunidade do Bairro Camobi, na região a que pertence a Escola Municipal Vicente Farencena, foram diagnosticados alguns problemas de comunicação entre as pessoas que necessitavam partilhar suas experiências e opiniões. Parte das deficiências desta escola foi conhecida por meio de conversas com uma professora que relatou uma possível falha na comunicação entre a escola e os pais e/ou responsáveis pelos alunos e também em relação à comunidade em que está inserida. Após o relato da professora, aplicou-se uma entrevista estruturada com um membro da direção da escola, em que se seguiu um roteiro de perguntas preestabelecidas, a fim de provocar um debate e, assim, coletar informações acerca do problema já anteriormente detectado e, também, para ter a possibilidade de apreender outros problemas. Esse processo ofereceu a vantagem da obtenção de dados que não se encontravam em fontes documentais e sim, diretamente na área onde ocorre o problema. Pela observação direta, foram coletados dados relevantes à busca de soluções dos problemas de comunicação da escola, porém, detectou-se como limitação a falta de um amplo conhecimento por parte dos entrevistados sobre os assuntos debatidos. Surge então, a partir desses diagnósticos, a idéia de criar para a escola uma página na web, a fim de construir uma forma diferente de comunicação e integração entre essa comunidade, que avalia como problema a falta de interação com os recursos de informação. A seguir, um detalhamento da comunidade-alvo: a Escola Vicente Farencena. DETALHAMENTO DA COMUNIDADE A Escola Municipal de Ensino Fundamental Vicente Farencena localiza-se na Rua João Fontoura e Souza, s/nº, no Bairro Camobi, zona leste de Santa Maria. Foi fundada em 14 de abril de 1972, reorganizada de acordo com a resolução nº 122/76, pela Portaria nº 55653, de 02 de outubro de 1984. A entidade mantenedora da instituição é a Prefeitura Municipal de Santa Maria, e, nessa, o órgão responsável é a Secretaria de Município da Educação.


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A escola atende a alunos da Educação Infantil e Ensino Fundamental em dois turnos: manhã e tarde. A comunidade envolvida junto à escola é de 32 professores, 450 alunos, 15 funcionários, além de familiares dos alunos. Também há a participação de moradores do Bairro Camobi que residem próximos à escola e, nela, participam de projetos ou reuniões, como o clube de mães, o curso de pintura, artesanato, percussão, etc.. Muitos eventos são realizados durante o ano e reúnem essa comunidade, festas juninas, Dia das Mães, dos Pais e das Crianças, além de risotos beneficentes. Atualmente, a direção da escola está a cargo da professora Ana Maria Buriol Londero, na vice-direção está a professora Mara Verônica Lucchese. Na presidência do Círculo de Pais e Mestres (CPM) da escola, está Avelcir Schirmer, mãe de aluno. A escola possui 18 turmas, desde o pré-escolar até a oitava série do ensino fundamental. Cada série possui duas turmas, sendo que oito delas possuem oito professores únicos. A direção da escola é composta por um diretor, um vice-diretor, dois supervisores, dois orientadores educacionais e um educador especial. Já o conselho escolar possui um diretor, um presidente, membros representantes dos professores, dos pais, dos funcionários e dos alunos. Em cada segmento, o diretor é membro nato. Portanto, o CPM (Círculo de Pais e Mestres) é representado também pelo diretor, por pais e professores, assim como o conselho fiscal que possui pais e professores. A seguir, apresenta-se a metodologia e as técnicas de pesquisa empregadas no desenvolvimento do projeto. COLETA DE DADOS JUNTO À COMUNIDADE

Inicialmente, foi realizado um levantamento com os alunos, chegandose à estatística de que 75% do quadro discente possui algum acesso à internet, mas ainda haveria 25% sem essa disponibilidade. No entanto, soube-se que existe um plano de construção de um laboratório justamente para aqueles que não possuem esse acesso à internet e já estão disponíveis algumas máquinas. Só falta a verba para a construção da estrutura física do laboratório. A observação do membro da direção de que o projeto de extensão poderia servir de incentivo para a mobilização na construção desse laboratório, levou os seus integrantes a estruturarem e viabilizarem o projeto. A informação reforçou o objetivo, passando-se a trabalhar para a construção da página da escola.


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Com o projeto elaborado, voltou-se a contatar a escola para apresentá-lo à direção para conhecimento e aprovação. Tendo sido aprovado o projeto, marcaram-se duas reuniões com o intuito de expor o projeto a todos os membros integrantes do grupo docente da escola. Uma reunião realizou-se pela parte da manhã e outra pela tarde, contando com a participação dos professores responsáveis pelo ensino dos respectivos turnos. Nessas reuniões, além de informar a todos sobre das intenções do projeto e enfatizar os benefícios, estimulou-se um debate, em que os professores puderam dar opiniões para a execução do projeto de construção do site. Uma das idéias sugeridas foi a construção de links por matéria ministrada na escola. Isso exigiu do grupo uma nova pesquisa, pois se tornou necessária uma coleta de dados específica com representantes de cada matéria. Para coletar mais dados, para efetivar o projeto de construção da página, elaborou-se um roteiro de perguntas e aplicou-se uma entrevista semi-estruturada, ou, segundo definição de Gil (1994, p.117), por pautas, na qual, a partir de um roteiro, “o entrevistador faz poucas perguntas diretas e deixa o entrevistado falar livremente à medida que refere às pautas assinaladas”, o que permite certa flexibilidade, pois não há tanta rigidez nas questões abordadas. Entrevistou-se um professor por série, da pré-escola a 4ª série. Entretanto, da 4ª a 8ª, foi entrevistado um professor por disciplina, sendo que esses intercalam-se entre as respectivas séries. A seleção dos entrevistados foi realizada de maneira aleatória pela direção da escola. Essa técnica de coleta de dados proporcionou vantagens, uma delas é que o entrevistado fica a sós com o entrevistador, com isso, ele tem maior liberdade de expressão e não corre o risco de ser julgado pelo restante do grupo. Como desvantagem, observa-se a dificuldade de comunicação por parte de alguns entrevistados que não mantêm um contato efetivo com a internet. Para facilitar a análise dos dados coletados nas entrevistas, todas foram registradas por meio de um gravador e com anotações de tópicos considerados relevantes pelo entrevistador. A aplicação da entrevista semi-estruturada possibilitou a coleta de dados para estruturação do site: além de melhorar a comunicação entre a comunidade, os professores salientaram a importância de trazer curiosidades, textos e outras informações educacionais da internet como complemento ao ensino, sugerindo vários temas e links para a página da escola. Como resultado das entrevistas, foi destacado o interesse dos professores em colaborar com o site. Também foi flagrante o interesse dos


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mestres em publicar os melhores trabalhos dos alunos na página da escola como forma de incentivo para a produção escolar. Dos nove professores entrevistados, cinco revelaram ter hábito de navegar na rede mundial dos computadores, tendo, como principal meta, pesquisas nas áreas de trabalho correspondentes. Os outros quatros professores disseram não ter costume de utilizar a internet, mas acham necessário na conjuntura atual. Os que estão acostumados a utilizarem a rede mundial de computadores salientaram o desejo de colocar curiosidades e textos na forma de reforço para que os alunos pudessem ter mais interesse em pesquisar materiais sobre os diversos temas. Segundo Mercado (2004), com a internet, o professor tem a possibilidade de selecionar, organizar e problematizar os temas e conteúdos, promoverá uma adequada construção do processo de aprendizagem, colaborando para o avanço no processo de desenvolvimento sociocultural do aluno. Lévy coloca o professor como um incentivador. De acordo com o autor, o professor “... tornar-se um animador da inteligência coletiva de seus grupos de alunos em vez de um fornecedor direto de conhecimentos” (LÉVY apud FERRAZ, s/d). Os professores aprovaram a idéia da página alegando que é preciso acompanhar a evolução tecnológica e as suas mutações que não param de aumentar e de se expandir. “A internet é acima de tudo a maior enciclopédia, biblioteca, livraria, universidade, agenda de telefones e seção de referência pela janela de um monitor de computador” (WOLK apud PINHO, 2003). Para que todos possam compreender o conteúdo do site, a linguagem utilizada deve ser mais simples, facilita também a comunicação entre aqueles que não possuem o hábito de acessar à rede mundial dos computadores, fazendo com que possam se integrar com agilidade a esse mecanismo de trocas de informação. Com a criação da página, foi consenso dos professores que é preciso ter assuntos ligados a todas as disciplinas como forma de acréscimo ao ensino para quem tem acesso à rede, sem prejudicar os que ainda não têm essa possibilidade. Por isso, lançada a idéia de assuntos atuais para a instrução dos discentes, de acordo com cada série e idade a fim de ilustrar temas já discutidos em sala de aula, como drogas e violência, entre outros. Além do fato de a divulgação de eventos escolares e também trabalhos dos melhores alunos são outros pontos importantes que podem


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ser usados com o objetivo de incentivo à produção de tarefas e maior participação de toda a comunidade escolar nos acontecimentos da escola. Para saber mais sobre o perfil dos alunos, suas necessidades, dificuldades e interesses; elaborou-se um questionário constituído de perguntas abertas e fechadas, que foi aplicado em uma turma por série da 2ª a 8ª, por representar o público que mais tem interesse e conhecimento sobre o tema. Como algumas crianças não teriam ainda condições de responder ou compreender o questionário, foi feita uma adaptação das perguntas, colocando-as de forma oral, em que se anotaram as respostas e sugestões. As turmas foram definidas pela direção da escola de acordo com sua disponibilidade. Na aplicação desta técnica de pesquisa, obteve-se uma série de vantagens; dentre elas, o fato de atingir um grande número de pessoas em um curto período de tempo e a obtenção de respostas mais rápidas e precisas, pois não sofreram influências do pesquisador. Desvantagens também foram percebidas devido à falta de conhecimento da internet. Algumas questões não foram respondidas e outro fato que atrapalhou um pouco o processo foi a dificuldade de interpretação de alguns contatados. O questionário possibilitou, de uma maneira mais clara, o conhecimento da realidade da comunidade, especialmente, a relação dos alunos com a internet. Conseguiram-se informações que vão desde o número de acessos semanais ao conteúdo que os alunos buscam na rede mundial de computadores e sugestões para a construção da página da escola. Com isso, foram coletadas, junto aos alunos, sugestões para a página e percebida a importância desse meio como forma de integrar a comunidade escolar. A participação dos alunos, na construção da página, também foi positiva. Entre as sugestões, há pedidos de reforços ou curiosidade das mais diversas disciplinas. Em relação ao uso ou contato com a internet, praticamente 80% deles têm acesso, ao menos causal, mas com conhecimento da web. Aqueles que disseram não possuir acesso algum não sabiam da possibilidade de ingressar na internet em alguns setores públicos como na universidade, na Biblioteca Municipal, na Câmara de Vereadores, na Casa de Cultura, entre outros lugares.


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A CONSTRUÇÃO DA PÁGINA

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A elaboração da página de internet da Escola Vicente Farencena baseia-se nos dados coletados até então, seja em entrevistas, questionários seja em reuniões realizadas na comunidade. A construção global da página guia-se por cinco etapas citadas por Pinho (2003): análise e planejamento, design, implementação, suporte, e teste, as quais são utilizadas para desenvolver, de forma sistematizada, a criação da página de web da Escola Vicente Farencena. Com a análise e planejamento, inicia-se uma avaliação de todos os dados obtidos com a finalidade de transformá-los em informações úteis ao planejamento da estrutura da página, assegurando-se de que a mesma funcione como um todo no meio virtual. A estrutura da página é trabalhada a partir da arquitetura da informação. Dividindo-a em seções que reflitam a comunidade e seus interesses, como cita Nielsen (2000). As regras mais importantes para a construção de site são: ter uma estrutura e fazer com que ela reflita a visão dos usuários do site e suas informações. Busca-se, pela objetividade e clareza das informações, facilitar e agilizar a localização dos conteúdos ali presentes. Isso se justifica, por meio de orientação de Dotta (2000), de que a essência da arquitetura da informação é fazer um sistema de navegação da melhor forma possível para que os usuários possam encontrar as informações que desejam. A página de Web foi organizada em seis seções (ou links internos principais) – A ESCOLA, link com a função de expor o histórico da escola e sua atual organização curricular; MURAL ONLINE, com avisos e eventos relacionados à escola; DESTAQUES, para colocar trabalhos dos alunos, projetos organizados na e com a escola e cobertura dos eventos; COMPLEMENTOS, organizar separadamente por matérias conteúdos extracurriculares disponibilizados pelos professores aos alunos; ENTRETENIMENTO, disponibilizar links e curiosidades de interesse dos alunos; CONTATO, para entrar em contato com a escola. Formulou-se um storyboard para melhor visualizar a organização das seções da página, servindo como um roteiro e mapa para o desenvolvimento do site, como define Dotta (2000): ao fazer uma representação visual da estrutura do site pode-se ter uma melhor visualização de como os elementos estão organizados e como mantêm relações entre si. Segundo Dotta (2000, p. 75), “o design deve ser atraente e ao mesmo tempo proporcionar uma navegação intuitiva, sem, entretanto, oferecer páginas poluídas ou com excesso de recursos técnicos. A simplicidade é


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uma boa regra para começar um bom projeto visual”. Na construção do site da escola, projetou-se um visual simples e objetivo para que houvesse uma boa compreensão de seu conteúdo e facilidade de acesso. Nos links do seu menu principal, foi utilizado o efeito roll over5, pois segundo a autora, alterar as cores do menu ajuda a indicar e a localizar o usuário no site. Conforme Nielsen (2000, p.27): “A maioria das páginas da Web funciona bem em um monitor de 17 polegadas com uma resolução de pelo menos 1.054 x 768 pixels. Qualquer monitor inferior deixa muitos layouts apinhados e os usuários precisam rolar a tela para ver todas as partes da página necessárias”. No Brasil, no começo de 1999, a resolução predominante nos monitores de vídeo era de 800 x 600 pixels (PINHO, 2003). A partir disso, optou-se pela elaboração do template6 em tamanho pequeno, ou seja, 800 x 600 pixels, a fim de facilitar a navegação e compreensão do conteúdo publicado no site. As cores exercem influências decisivas não apenas em nossos olhos, mas em todos os outros sentidos. Seus efeitos psicológicos, combinados com o conhecimento do simbolismo ancestral a que estão ligadas, tornam as cores um importante fator em qualquer apelo visual dirigido ao ser humano (WILLS, 1971, p. 46). A preferência pelas cores adotadas foi a partir de dois aspectos relevantes, sendo um deles, baseado na compreensão de Dotta (2000), que afirma que grande parte dos usuários da Internet ainda tem monitores que podem apenas visualizar 256 cores, mas por outro lado a paleta de cores dos browsers7 oferece apenas 216 cores. Sendo assim, com intento de possibilitar uma perfeita visualização das cores aos usuários, o template e o conteúdo textual foi colorido conforme as 216 cores possibilitadas pelos browsers. Outro aspecto levado em consideração foi a necessidade de identificar o projeto do site às características identitárias da escola. Para isso, utilizaram-se as cores da logomarca da escola na construção da página. Para a publicação da página, foi escolhido o domínio G12.BR, que atende às entidades de Ensino Fundamental e Médio. Os custos para aquisição do domínio e hospedagem do site serão cobertos por empresas simpatizantes e apoiadoras da escola. Em troca, 5 6 7

Roll over - Efeitos de animação em que sinais ou imagens surgem na tela, ou se iluminam, acionados pela passagem do movimento do mouse sobre um determinado campo de tela (RABAÇA; BARBOSA, p. 500). Um template é um design de site que foi criado em um formato fácil para personalização, permitindo que qualquer pessoa possa construir um website. (fonte: http://www.gostei.net/prod_ templates.html) Browser - Programa que permite ao usuário da Internet navegar pelo ciberespaço, localizando e acessando as páginas de web. Diz-se também navegador (RABAÇA; BARBOSA, p. 82).


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no lado direito da página, constam banners informando os colaboradores. O nome eleito foi o mesmo da instituição. O endereço digital da Escola Municipal Vicente Farencena é <http://www.emvicentefarencena.g12.br>. A programação do site foi feita em HTML, pois segundo Dotta (2000), é possível sua perfeita exibição em qualquer browser e pelo fato de ser uma linguagem de fácil manutenção (PINHO, 2003). Um teste deve ser feito com a finalidade de encontrar falhas na comunicação, deformações na usabilidade e identificar as possíveis correções a serem feitas para aperfeiçoar a performance do web site. Para o teste ser satisfatório, segundo Nielsen (2000), é necessário obter usuários representativos para participar do teste. A atualização do conteúdo da página será feita por um grupo de estudantes de Comunicação Social do Centro Universitário Franciscano que demonstrou interesse em dar continuidade ao projeto. Após, um representante da própria escola será capacitado a efetuar esta função. CONSIDERAÇÕES FINAIS Após o surgimento da idéia da construção de uma página de web, como forma de melhorar a comunicação entre a comunidade escolar, fomos nos deparando com algumas dificuldades. Uma das maiores foi a informação da não existência de laboratórios para os alunos e professores acessarem à rede com certa freqüência, tornando quem sabe até inviável o projeto. Porém, com a coleta de informações de que mais de 75% dos alunos possuíam alguma possibilidade de acesso à rede mundial de computadores e, principalmente, com a notícia de que o projeto poderia tornar-se um incentivo para a criação de um laboratório para a escola, já que há uma verba pública predestinada à aquisição de computadores, carecendo apenas de um espaço físico, o projeto soou como um desafio e como uma forma de colaborar com a comunidade para a construção do seu próprio laboratório. Incentivar a utilização da internet por parte de uma escola municipal, coloca os participantes de sua comunidade num mesmo nível de possibilidades, de interação, de pesquisa e de acompanhamento aos avanços tecnológicos de outras comunidades que já dispõem desses recursos. Ainda sobre a questão das probabilidades de navegar na web, muitas pessoas desconhecem as possibilidades que existem em locais de livre acesso, em lugares como bibliotecas, universidade pública, Câmara de Vereadores, entre outros. Isso mostra que um dos maiores obstáculos,


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que poderia ser o suficiente para impossibilitar o projeto, foi superado com base na coleta de dados sobre as possibilidades do uso desse meio como comunicação comunitária. Outra dificuldade que não era esperada pelos membros do grupo foi a reação negativa de alguns professores. Logo que foi apresentada a idéia do projeto para o quadro docente, houve indagações se a internet poderia substituir o professor ou seria um incentivo para os alunos não estudarem, apenas fariam cópias ou um estudo superficial. Após uma explicação detalhada do que realmente significava o projeto e qual era o principal intuito, surgiram algumas observações que fizeram com que o projeto evoluísse bastante a partir sua idéia inicial. Com o desenvolvimento de uma página na web, a idéia era aprimorar a comunicação entre a comunidade escolar e também facilitar e ajudar a corrigir as falhas de integração entre os seus membros. Depois das entrevistas e discussões com os professores, alunos e os outros participantes, como familiares de alunos e funcionários, bem como pessoas dos arredores que participam de eventos e projetos da escola, foram sendo concebidas algumas idéias para aprimorar e desenvolver exatamente a página de acordo com as intenções e expectativas da comunidade. Entre algumas sugestões apresentadas, uma foi muito salientada, a da divulgação de projetos da escola, além da exposição de alguns trabalhos dos alunos como forma de incentivo na produção e criação de trabalhos tanto curriculares como extracurriculares, enriquecendo não só o projeto, mas a participação efetiva da comunidade na sua criação. O motivo principal da escolha da internet e não dos outros meios comuns de comunicação são vários, mas destacam-se alguns pontos, como o fato de “qualquer pessoa sem qualquer conhecimento de comunicação, poder usufruir das informações disponíveis” (DOTTA, 2000, p.28), ou então pelo fato “da Internet não vir a substituir os outros meios de comunicação, mas sim intermediar ações de uma maneira muito mais rápida, barata e eficiente do que se fossem efetuadas a partir dos meios tradicionais” (DOTTA, p.52). A questão é que seria inviável para o grupo fazer esse projeto por meio de uma TV ou Rádio Comunitária, pelos custos e também pela burocracia de pedidos de concessão para abrir uma rádio. De acordo com Pinho (2003 p. 49): “A Internet é uma ferramenta de comunicação bastante distinta dos meios de comunicação tradicionais – televisão, rádio, cinema, jornal e revista. As principais características que diferenciam o meio


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Internet dessas mídias são: não-linearidade, fisiologia, instantaneidade, dirigibilidade, pessoalidade, custos de produção e de veiculação, interatividade, pessoalidade, acessibilidade e receptor ativo.”

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Uma vez que escolhemos esse meio, passou-se a estudar a maneira de facilitar a troca de informações da comunidade pela da internet. Com base nas pesquisas, da distância de alguns professores e alunos com a web, precisou-se elaborar o site numa linguagem simples para facilitar o acesso das crianças e daqueles que desconhecem essa forma de mídia. A manutenção da página talvez tenha sido o maior desafio após a sua criação. Como se trata de um projeto de extensão em comunicação comunitária é preciso que a comunidade faça a sua divulgação, manutenção, contando apenas com o nosso apoio na forma de ligação entre a comunidade e o meio Internet. Nesse aspecto, mais um ponto positivo sobre o projeto é a procura de alguns grupos para continuar a idéia e até mesmo auxiliar o projeto de manutenção do site com a comunidade, como a criação de novos projetos, num modelo similar em outras comunidades que não só escolares, mas também de bairros que carecem de um apoio ou intermediários para melhorar e aproximar a sua comunicação. Todo o processo, na realização e construção da página na web, com a comunidade escolar, foi um desafio, mas também uma oportunidade única. Realizar um projeto que envolva a comunicação comunitária e trabalhar com o desejo e as necessidades de uma comunidade, que muitas vezes, não tem espaço na grande mídia, fazem com que a experiência seja única e represente crescimento pessoal e acadêmico. Não é apenas mais um trabalho extracurricular, mas um projeto que colabora com uma comunidade, exigindo concentração, responsabilidade e doação para uma atividade em conjunto, reafirmando o papel importante de projetos e trabalhos de comunicação comunitária. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DOTTA, Sílvia. Construção de Sites. São Paulo: Global, 2000. FERRAZ, Ademir. Uso da Internet como ferramenta de mediação pedagógica no ensino superior de graduação e sua possibilidade de substituir as bibliotecas tradicionais. Revista Iberoamericana de Educación. Disponível em http://www.campus-oei.org/revista/ deloslectores/1026Gomes.PDF. Acessado em 27 de novembro de 2005.


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GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, 1994. MERCADO, Luiz Paulo. Informática educativa: Tecnologias da informação e comunicação na aprendizagem. Maceió: Q Gráfica, 2004. NIELSEN, Jakob. Projetando websites: designing web usability. tradução de Ana Gibson. – Rio de Janeiro: Elsevier, 2000. PERUZZO, Cicília Maria Krohling. Comunicação nos Movimentos Populares - A Participação na Construção da Cidadania. Petrópolis: Vozes, 1998. PINHO, J. B. Jornalismo na Internet : planejamento e produção da informação on-line. São Paulo : Summus, 2003. RABAÇA, Carlos; BARBOSA, Gustavo. Dicionário de Comunicação. Rio de Janeiro: Campus, 2001. ROCHA, Sibila. Aula proferida na disciplina de Projeto de Extensão em Comunicação Comunitária. Dia 30 de agosto de 2005, Sala 605, Prédio 14, UNIFRA, Campus 2. Santa Maria, RS. WILLS, F. H. Fundamentals of layout for newspaper and magazine advertising, for page designe of publications an brochures. New York: Dover, 1971.


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NO ENTRECRUZAMENTO DA LÍRICA E DA NARRATIVA1 IN THE INTERSECTION OF LYRIC AND NARRATIVE Wiliam de Moura Celestino2 e Inara de Oliveira Rodrigues3 RESUMO Nesta proposta investigativa, a partir de um levantamento de questões relativas aos gêneros literários, apresentar-se uma análise crítica da obra Cinco Marias, de Fabrício Carpinejar, procurando-se demonstrar o entrecruzamento da lírica e da narrativa na referida criação desse poeta que, apesar de reconhecido, ainda não é devidamente estudado. Para a consecução do objetivo central proposto neste trabalho, de cunho bibliográfico, são abordados, em primeiro lugar, alguns conceitos e questões teóricas relativas à definição e à problematização dos gêneros literários, enfocando-se, especialmente, as possíveis intersecções entre o lírico e o narrativo. Em um segundo momento, efetiva-se a análise propriamente dita da obra, procurando-se, por fim, concluir sobre a dimensão narrativa que nela se apresenta. Desse percurso investigativo, resultam, assim, alguns sentidos que afirmam a criação poética de Carpinejar como uma significativa expressão da lírica brasileira contemporânea. Palavras-chave: lírica; narrativa; jogo; vida; gêneros literários.

ABSTRACT In this investigative proposition it is aimed, up from a survey of questions related to literary genre, to show a critical analysis of the work Cinco Marias, by Fabrício Carpinejar, trying to show the intersection of lyric and narrative in the referred work of this poet which, in spite of being known, has not been properly studied yet. In order to reach the central aim established in this paper, which has a bibliographic format, firstly 1 2 3

Trabalho Final de Graduação - TFG. Acadêmico do Curso de Letras - UNIFRA. Orientadora - UNIFRA.


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some concepts and theoretical questions are approached, concerning the definition of literary genres, focusing, especially, the possible interconnections between the lyric and the narrative ones. On a second moment the work is analyzed, reaching in the end the conclusion upon the narrative dimension that is present in it. From this investigative path, result some meanings that affirm Carpinejarʼs poetic creation as a significative expression of the contemporary Brazilian lyric. Keywords: lyric, narrative, game, life, literary genres. INTRODUÇÃO Que é poesia, o belo? Não é poesia, e o que não é poesia não tem fala. Nem o mistério em si nem velhos nomes poesia são: coxa, fúria, cabala. [CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE] A poesia tem, ao longo do tempo, exercido papel importante na literatura, principalmente por sua especificidade, enquanto linguagem artística, capaz de externar a criatividade humana e suscitar reflexões sobre os mais variados aspectos da existência do homem. No caso de Fabrício Carpinejar, um desses aspectos é o cotidiano da vida. Nascido em Caxias do Sul, em 1972, Carpinejar é poeta, jornalista e mestre em Literatura Brasileira. Como autor, publicou os livros As Solas do Sol, Um Terno de Pássaros ao Sul, Terceira Sede, Biografia de uma Árvore, Cinco Marias, Como no Céu / Livro de visitas e a antologia Caixa de Sapatos. Apesar de jovem, essa sua profícua produção literária já recebeu vários prêmios, como o Olavo Bilac, da Academia Brasileira de Letras, e o Prêmio Nacional Cecília Meireles, entre outros. Para sua criação, o poeta desenvolveu uma estética elaborada, com recursos formais que geraram a construção de uma obra multifacetada, na qual pode-se, inclusive, encontrar o entrecruzamento da lírica com a narrativa, o que releva a complexidade da prática poética desse autor. Tal entrecruzamento é encontrado e, aqui problematizado, sobretudo, no seu livro Cinco Marias (CARPINEJAR, 2004), que se constitui no corpus desta análise. Em vista das particularidades do modo lírico e do modo narrativo, esta proposta investigativa visa, a partir de um levantamento de questões relativas aos gêneros literários, a apresentar uma análise crítica da referida obra desse importante poeta contemporâneo que, apesar de reconhecido,


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ainda não é devidamente estudado. Para a consecução do objetivo central proposto, neste trabalho, de cunho bibliográfico, são abordados, em primeiro lugar, alguns conceitos e questões teóricas relativas à definição e à problematização dos gêneros literários, enfocando-se, especialmente, as possíveis intersecções entre o lírico e o narrativo. Em um segundo momento, efetiva-se a análise propriamente dita da obra, procurando-se, por fim, concluir sobre a dimensão narrativa que se apresenta nesta construção lírica. Dessa forma, pretende-se indicar alguns sentidos que afirmam a criação poética de Carpinejar como uma significativa expressão da lírica brasileira contemporânea. A LÍRICA E A NARRATIVA: ENTRECRUZAMENTOS PLURAIS

A poesia me pega com sua roda dentada, me força a escutar imóvel o seu discurso esdrúxulo. [ADÉLIA PRADO] A poesia, enquanto poiésis, ou seja, o fazer artístico literário, é considerada uma das mais antigas expressões culturais dos povos, por meio da qual são construídas histórias e identidades. Desde Aristóteles e Platão, tem-se discutido a “utilidade” e a “inutilidade” da arte poética. Para este, o ponto a ser atingido é o mundo das idéias, tendo como caminho a ciência. Para aquele, a arte (imitar, representar) é algo natural do ser humano e eleva essa arte – a poesia – ao grau mais alto de expressão humana. Essa diferença teórica entre os dois estudiosos da Antigüidade tem seguido diferentes rumos até hoje, e, por isso, a poesia continua sendo um polêmico “objeto de especulação” para aqueles que se aventuram a estudá-la. Desse modo, não se encontra um único sentido quando se tenta defini-la, o que dá a essa tentativa de definição um aspecto de tropeço, pois, quem tropeça, dá o próximo passo mais longo. Nesse sentido, pode-se, seguindo-se os passos de Lyra (1986), apresentar alguns exemplos do que entendem por poesia alguns críticos e poetas de épocas distintas: “não é literatura” (Ezra Pound); “palavra-coisa” (Jean-Paul Sartre); “crítica da vida” (Mathew Arnold); “uma alegria eterna” (Keats); “palavras olhando apenas para si mesmas” (Cecília Meireles); “as melhores palavras na melhor ordem” (Coleridge); “um fingimento deveras” (Fernando Pessoa); “design da linguagem” (Décio Pignatari);


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“estrela que leva a Deus” (Victor Hugo); “uma das artes plásticas” (Mário Quintana); “uma viagem ao desconhecido” (Maiakovski); “as palavras postas em música” (Dante); “o que o meu inconsciente me grita” (Mário de Andrade); “a expressão da imaginação” (Shelley); “a religião original da humanidade” (Novallis); “a liberdade da minha linguagem” (Paulo Leminski). Poderiam ser acrescentados, ainda, muitos outros exemplos. Já se pode perceber, no entanto, a importância da poesia como parte da própria existência humana, na medida em que corresponde à expressão subjetiva do homem. A poesia, mais teoricamente, pode ser compreendida como “uma substância imaterial, [tendo o poema como resultado ou] objeto empírico” (LYRA, 1986, p. 7). Para Shelley, A poesia não é, como o raciocínio, uma faculdade que se possa exercer pelo exercício da vontade. Ninguém pode dizer “vou compor poesia”. Mesmo o maior poeta não pode dizê-lo, pois o espírito criador é semelhante a uma brasa dormida que uma força invisível, como um vento inconstante, anima de um brilho efêmero: esse poder emana do interior (...) e as zonas conscientes de nossa natureza não podem anunciar sua chegada, nem sua partida (apud SUHAMY, 1986, p. 9).

Ainda que dependa do homem para que possa ser “concretizada”, contudo, e de um modo geral, não refletirá ela somente a vida pessoal do autor, mas a vida de todos os homens, o que dá à poesia um caráter universal no que se refere à vivência humana4 . Essa vivência, quando manifestada, reforça a importância da poesia como meio de levar o homem a perceber os aspectos negativos e positivos de sua existência. Para Lyra, são os momentos de negatividade os que acabam universalizando a poesia: Antes de tudo, ressalta-se o maior poder de impressão da negatividade do que da positividade sobre o espírito humano: a dor é sempre mais profunda do que o prazer, pelo fato de não ser desejável, de não termos sido capazes de evitá-la e, por isso, nos marca 4

Não há espaço nem é objetivo deste trabalho apresentar e problematizar a poesia nos diferentes períodos e momentos literários, razão pela qual se está vivenciando uma visão alargada do fenômeno poético.


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com a sensação de impotência que nos provoca a superá-la, ao pôr em xeque o nosso próprio ser agente criador e fruidor de vida (LYRA, 1986, p. 79).

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E diz ainda, o autor, que Por tudo isso, a positividade é um momento de vida, não de arte; a negatividade é um momento para a arte, não para a vida (...) Ao celebrar a sua felicidadezinha, o poeta pode estar – sem perceber – reduzindo o mundo ao seu mundo; mas ao falar da sua desgraça, ela está se plantando no coração da humanidade (LYRA, 1986, p. 82-83).

A abrangência da vida humana que a poesia revela, faz dela um importante ponto de encontro da essência do homem5, pois é na poesia que, muitas vezes, mesmo que na negatividade, ele passa a indagar-se e, de certa forma, acaba se encontrando. Esse encontro, na realidade, é a expressão dos sentimentos do poeta. De acordo com Todorov, “a diferença entre poesia e não-poesia reside, em suma, no próprio conteúdo do que é dito: naquela, sentimentos, nesta, idéias” (1982, p. 9), o que remonta às definições iniciais de Platão e Aristóteles, quando privilegiam a poesia mimética. A expressão de sentimentos (pessoais) é o que caracteriza a lírica; no ato de leitura, porém, o leitor se “apropria” do que está sendo dito no próprio texto, pois já não é, exclusivamente, o autor quem fala, mas a própria poesia, ou como já diria Fernando Pessoa: ”Sentir? Sinta quem lê!” 6 Além da expressão do sentimento, o lirismo traz “a musicalidade, que indica a origem da palavra, a lira, instrumento e emblema” (SUHAMY, 1986, p. 81). Entre os gregos, a palavra lírica indica a obra “cantada ou acompanhada por música, e já com a invenção da imprensa, no Renascimento, passou para o campo da palavra escrita para ser lida, abandonando seu antigo acompanhamento musical” (CARA, 1989, p.13). Para Cara (1989), já numa concepção moderna de poesia, o som, tom e metro caracterizam os elementos líricos do poema. Assim, hoje as formas 5 6

Por “essência do homem” entende-se, aqui, o que constitui sua natureza, no sentido de que essa natureza provoca e incita a procura do “eu” e do sentido para a existência. Assim, a poesia é capaz de revelar ao ser a sua procura. “Isto: Dizem que finjo ou minto/ Tudo que escrevo. Não./ Eu simplesmente sinto/ Com a imaginação./ Não uso o coração. // Tudo o que sonho ou passo, / O que me falha ou finda, / é como que um terraço/ Sobre outra coisa ainda./ Essa coisa é que é linda.// Por isso escrevo em meio / Do que não está ao pé, / Livre do meu enleio, / Sério do que não é. / Sentir? Sinta quem lê!” (PESSOA, 1996, p.41).


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consagradas convivem com a estrutura de versos livres e brancos sem que, no entanto, esses elementos (tom, som, metro) possam estar ausentes. Em termos de expressão lírica, cada vez mais se compreende que o poema é o espaço para a liberdade total na análise ou tradução da vida, que permite ao sujeito lírico unir toda a linguagem escolhida para o texto, não se limitando à idealização, nem simplesmente, entregando-se à emoção pura. O resultado do trabalho poético constitui o poema como um artefato da linguagem. Essa construção artística específica, que é a poesia lírica, contudo, principalmente após o Modernismo, não só ganhou variadas formas de expressão, como outras dimensões modais de literatura, como a dimensão narrativa. Seguindo essa linha, tem-se, por exemplo, os chamados poemas em prosa, em que são apresentadas características de ambos os gêneros, permitindo, no entanto, distinguir as particularidades de cada um. Nesse sentido, torna-se relevante retomar que, durante muito tempo, o termo Poesia era usado para designar todas as artes literárias. Para Suassuna (2004), “a poesia seria o espírito criador que se encontra por trás de todas as Artes Literárias, sejam estas realizadas através da prosa ou do verso” (p. 336). As duas formas apresentam relações estreitas, porém apresentam também grande distanciamento nas suas definições, construções e funções. A princípio, a poesia tinha, como particularidade, sua construção por meio do verso, da métrica e da rima, mas com o tempo, outros elementos, por exemplo, o verso branco, surgiram, sendo, em alguns casos, abolida também a métrica. Isso mostra que os referidos elementos não são essenciais à poesia, e, assim, não distinguem a poesia da prosa. O que se pode dizer, sim, é que na poesia o que predomina é o ritmo e a imagem (construída principalmente pela metáfora), e na prosa, a predominância é da exposição e da narração. “A Prosa é, por isso, menos pura e elevada do que a Poesia; em compensação, é mais rica, mais complexa, mais humana e, conseqüentemente, mais dotada de poder de comunicação com a maioria” (SUASSUNA, 2004, p.337). A discussão sobre os gêneros literários é, igualmente, histórica e complexa. Para os fins que interessam a este trabalho, torna-se relevante observar que, dentre as muitas possibilidades de se refletir sobre o assunto, podem-se seguir as proposições do teórico Compagnon (1999). Segundo ele, a literatura, no sentido restrito (a arte poética), era o verso. Mas um deslocamento capital ocorreu ao longo do século XIX: os dois grandes gêneros, a narração e o drama, abandonavam cada vez mais o verso para adotar a prosa (COMPAGNON, 1999, p.32),

e toda a poesia passou a ser conhecida por lírica. A partir de então, os gêneros


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começaram a ser apresentados na forma tradicional dos três tipos (Lírico, Narrativo e Dramático), como formas distintas, com características próprias. Como já se tem dito, as definições dos gêneros literários tornam-se bastante complexas pelas variações que apresentam, não se tendo, assim, uma definição exata de cada um deles. Geralmente, o que se entende por Lírica, por exemplo, é a manifestação artístico-literária que apresenta uma forma (quase sempre) versificada, em que o ritmo, a rima e formulação de imagens são apresentadas e valorizadas. Com o mesmo risco de certo reducionismo em relação a um possível conceito, a narrativa tem sido, na maioria dos casos, apresentada como prosa, com dinâmica e descrição, o que permite uma seqüência mais “clara” dos fatos, enfocando ações humanas, ao contrário das emoções, do que trataria mais propriamente a lírica. Já o texto dramático é, na maioria das vezes, destinado à representação (no palco), e, assim, ao falar-se desse gênero, fala-se também do teatro. A questão da não-existência de gêneros “puros” é, no entanto, muito importante. De acordo com Stalloni, desde que uma forma literária tenha se desenvolvido suficientemente para atingir o estatuto de “gênero”, ela produz variações que acarretam ramificações novas, depois os subgêneros também se fracionam, e assim por diante (STALLONI, 2003, p. 175).

A questão dos gêneros é colocada, desse modo, de forma que o próprio gênero não se torne fechado em si mesmo, mas que possua uma junção de marcas que o faça mais amplo. Assim, ao mesmo tempo em que se consideram as diferenças entre prosa e poesia, principalmente para a temática aqui enfocada, pode-se concluir que possuem certas características que se entrecruzam. Desse modo, Jenny (1982) faz o seguinte questionamento: “Os poemas, por muito líricos que sejam, não nos contam também ʻhistóriasʼ?” (p.95). O “contar histórias” é o que talvez caracterize mais precisamente a narrativa que, por sua vez, pode aparecer no poema, de modo que cada verso pontue o devir de cada acontecimento. Ainda segundo Jenny, mesmo que os dois gêneros estejam estreitamente ligados, um gênero terá domínio sobre o outro em cada texto. A partir desses pressupostos, o passo seguinte consiste em desvelar alguns sentidos de Cinco Marias, de Carpinejar, procurando demonstrar a presença de uma certa moldura narrativa7 que, presente nessa criação poética, só faz ampliar a dimensão lírica da obra. 7

Não se trata da idéia de um “enquadramento” rígido, mas de uma proposta de delimitação de linhas, traços que permitem o reconhecimento de um certo contexto narrativo, sendo essa espacilalidade tão ampla quanto a necessária abertura efetivada pela dominante lírica que caracteriza a obra em estudo.


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CINCO MARIAS, A VIDA EM JOGO Palavras, mulheres e histórias andam juntas, parece. Engraçado é quando acontece delas terem nascido num coração de homem. [ADRIANA FALCÃO] É só jogar os cinco saquinhos no chão e pegar um sem tocar os demais. Jogue-o, então, para o alto, enquanto pega um dos outros quatro e segure-o na volta, com a mesma mão, antes que ele caia no chão. Finalmente, repita tudo com cada um dos saquinhos restantes, sendo que cada movimento subseqüente implica uma maior complexidade de articulação das mãos e dos sentidos. Esse é o jogo no qual Fabrício Carpinejar incorpora cinco mulheres, cinco Marias – mãe e quatro filhas –, seqüenciando as reflexões de cada uma delas, em ordem aleatória, como a da própria brincadeira. Do jogo-brincadeira se faz poesia. Da vida se faz poesia. É assim com Carpinejar, que dá à poesia uma forma de diário – ou ao diário uma forma de poesia – composto pelas vozes de cinco mulheres, convidando o leitor a descobrir quem está falando. Livro formado por 100 poemas e que se encerra com uma (falsa) notícia de jornal, Cinco Marias desencadeia uma série de idéias e reflexões que podem ser lidas separadamente em cada poema ou, ainda, em seqüência, como numa narrativa, já que, como dito anteriormente, é o diário das cinco mulheres da casa. Trata-se de um longo poema de versos curtos, com trama, enredo e diversas vozes que narram os fatos. Na realidade, os poemas servem para mostrar os pensamentos de cada uma das mulheres, enquanto a notícia mostra uma visão de fora sobre elas, ou seja, como a sociedade as vê. Ao retornarmos ao início da obra, vemos que o poema inicial apresenta um eu-lírico feminino (Diante do prado, / ardo imensa) que, no entanto, não possui identificação. No segundo poema, já se pode identificar que quem “fala” é uma das filhas “Éramos quatro irmãs, cinco Marias”, porém o próprio texto justifica o “mistério” de identidade quando diz que (“Não havia um nome composto / que nos diferenciasse”). Esse “mistério”, então, continuará até o fim da obra, podendo-se, no máximo, às vezes, saber se é a mãe ou uma das filhas quem fala. Essa dúvida não coloca em risco a compreensão/reflexão do leitor, pois todas elas, além de partilharem do mesmo nome – Maria –, partilham dos mesmos pensamentos. A presença-ausência masculina se dá já no início desse segundo poema “Ele havia desaparecido”, com o esquecimento da mãe “A mãe


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não se lembrava / do seu esquecimento”. A união dessa figura masculina com o esquecimento nos indica um dos cernes da problematização vivida por aquelas cinco mulheres: o verso (“Os homens nunca vão entender”), do quinto poema, aparecerá em outros pontos do livro, reforçando a idéia de uma certa incapacidade masculina para a compreensão de algumas questões do universo feminino. Esse questionamento feminino, liricamente expresso, é, também, o começo de um enredo que se desenrola poema a poema, numa continuidade ordenada, num composto de reflexão, diálogos e esclarecimentos. O primeiro diálogo do texto é apresentado no sétimo poema “–Mãe, o que estamos fazendo? / –Vamos enterrar a biblioteca” (p. 19). Nesse momento, com a resposta da mãe, a primeira informação mais esclarecedora sobre o que está acontecendo é dada, informação essa que será concretizada no oitavo e nono poemas, servindo cada um deles como um roteiro das ações iniciais das Marias. Já no décimo primeiro poema é declarada a dimensão feminina de Deus, ou seja, o sentido feminino das coisas, reforçado sempre pelo (“Os homens nunca vão entender”) que aparece novamente e terminantemente no oitavo e nono textos. As ações das mulheres, por serem, de certa forma, “Divinas”, só podem fugir mesmo à compreensão masculina. Além disso, (“O homem escreve como quem grita. / A mulher escreve baixo, em prece.”) (12° poema, p. 24), ou seja, é com um certo silêncio que as coisas divinas se manifestam, sem o alarde pelo qual, muitas vezes, é esperado. O décimo terceiro poema dá início, dentro do jogo, a uma série de confidências do que sofreu, sobretudo, a Maria-mãe. Esta deixará transparecer, no vigésimo poema, o peso de todas as perdas e “manchas” sofridas, com versos como “indecisa âncora”, “Os ombros carregam / os parentes e as intrigas.”, “arqueio as costas.” e “Estou presa à curvatura de um porão / a céu aberto” (p.32). O peso da vida e a não-superação dos limites “Não superamos os limites / mudamos as fronteiras de lugar” trazem o sofrimento, o cansaço, o envelhecimento e a mudança das perspectivas diante da vida. As “Noites acumuladas / formam trevas” (p.35) e, fazem com que ”[Atravesse] a dor / com as lembranças.”, justificando, talvez, a ação de enterrar a biblioteca, praticada pelas cinco Marias. A ausência masculina, demonstrada no segundo poema, é retomada e reafirmada no vigésimo sétimo “A mesa oferecia seis lugares, / nenhum encosto a mais.”. A partir daqui, o homem passa a ter uma presença (ausência) mais aguda pelas marcas e imagens deixadas por ele, como vemos no poema 57: “Meu pai carecia / de medida ao vinho. / Segurava o cálice / pelas bordas. / Seu suor comprimia / álcool em minha testa. / Eu


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afastava seu beijo, / aquele beijo. // Não importava a safra, / poderia ser a melhor, / ela azedava em sua veia.” (p. 71). Toda essa negatividade de uma presença (ainda que ausente) avassaladora deixara marcas na família toda. Um pai que “A única vez em que jantou / com as filhas... / Não achava a gaveta dos talheres”, que faz com que “A realidade [sugira] / mais do que [se suporta]” e que “...escondeu a voragem, os indícios, / o delito. Em segredo, / [internou] a mãe em sua clínica.”, é o pai que tanto fragmentou a vida de cinco mulheres (“As peças de minha história / foram compradas a prazo. / Se eu morrer agora, / terei que pagar as três prestações / da saia do velório”) (p. 92), incitando-as, mesmo que não-lucidamente, a matá-lo. Não queriam elas, talvez, matar o corpo, mas, quem sabe, as lembranças, os vestígios e as tristezas deixadas, o que é representado pela biblioteca. Esse matar, de alguma forma, poderia significar dar à imagem do pai, como vingança, o “vexameʼ, pois “Não morremos com nobreza. / Toda morte é um vexame” (p. 82). O poema 67 mostra, por meio da “auto-imagem” da mãe, um triste resultado dos acontecimentos: “Sinto-me hoje / feia demais / para me ter / como esposa.” Essa baixa auto-estima confirma-se no poema 81, pois “Quisera ser mais feminina / para não me omitir diante do espelho. / Experimento tantas roupas / antes de sair porque / meu corpo não me serve.” Não é somente o corpo que não serve, mas, sobretudo, a vida resultada, o passado e a continuidade numa realidade de privações – emocionais e sentimentais, principalmente – e separações: “Separar-se é ter a residência invadida...// Separar-se, uma porta / arrombada por dentro.” (p.101). A desestruturação de uma família, um arrombo transmitido, desestabiliza o sentido exato das coisas, até mesmo do próprio papel de cada um dentro do lar (“Lentamente, / tornei-me pai, / irmã, prima, / uma família inteira, / a escutar o fardo / de conviver / com a filha / que eu era.” (p. 102)). Como se não bastassem as ausências “adquiridas”, a vida se revela uma prisão. Enquanto se procura a proteção do lar, da casa, do corpo, esses elementos tornam-se os mais próximos cativeiros. “Há mães que transformam / seu ventre em túmulo / e não empurram a criança / para fora” (p.103), uma prisão materna; “Em nossa grade, / um epitáfio: / Cuidado com o cão.” (p.113), uma prisão com endereço, na segurança do lar. Disso tudo, o que fica então? Talvez a vida não valha tanto a pena. “O que tanto zelamos / na fileira dos dias, / o que tanto brigamos / para guardar, de repente / não presta mais: jornais, retratos, / poemas, posteridade. / Minha bagagem / é a roupa do corpo.” (p.110). Se o que fica é somente a roupa do corpo, é porque “A semente não escolhe / o lugar da queda / o solo da floração. / Germina erros.” (p.106), e como no próprio jogo de cinco


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marias, somos todos nós os saquinhos caindo fortuitamente no chão, sem a possibilidade, quem sabe, de escolhas certas ou erradas. Germinamos erros, e os erros nos germinam. Além da roupa do corpo e dos erros, nos resta o sangue, o último sinal de vida, porém, “Educado, o sangue / apaga a luz ao sair.” (p.117). Sem dúvida, uma morte que parece a resposta tranqüila quando a vida deixa de ter sentido. O último poema, de certo modo, fecha a vida, a existência, com todas as suas lembranças e vivências: “Coloco pedras no livro. / Ele não sobe com a água.” Será, então, a vida ou o homem um livro? Seria o livro uma memória? Quem sabe, as pedras tenham o papel fundamental de levar o que foi vivido ou o que não permitiu viver, nesse caso, o homem, o pai. Todas as ações e reflexões, encadeadas no decorrer da obra, levamnos a um final que nos revela a trama do poema-narrativa. A crônica (falsa) de jornal serve como uma espécie de resenha dos acontecimentos, localizando, num mundo físico, as personagens, as quais, anteriormente, haviam sido localizadas somente num mundo emocional e reflexivo. Passam elas agora a ter nome – com exceção das filhas –, endereço, profissão e religião, no depoimento de outras vozes sobre elas. Vítimas de uma certa alienação legada pela vida, guardarão dentro de si e para si, somente, uma vitória (questionável, como todas as vitórias parciais) que lhes custou a mais cara das presenças: a presença do pai. “O pai foi embora. Deixou em seu lugar a insensatez.” 8 “Os homens nunca vão entender”, nem a sociedade. O jogo da vida, ou a vida em jogo, porém, talvez possa justificá-las e perdoá-las. CONSIDERAÇÕES FINAIS Não é sempre que somos apresentados a uma obra lírica, um livro de poemas, com concisão e dimensão narrativa. Fabrício Carpinejar, ao usar esse recurso artístico, além de jogar com as personagens e reflexões, coloca todos nós, leitores, dentro do mesmo jogo, o qual, de certa forma, representa a vida, com seus sucessos e fracassos. Nossas memórias passam pelo doce e salgado, levam-nos à inconsciência e nos trazem de volta. As cinco Marias aqui representam cada leitor, num resultado, então, agridoce do que se vive. Elas, cinco mulheres, divinas e solitárias, sem a presença masculina, sobrevivem à casa, aos lençóis, panos, móveis e, principalmente, à biblioteca, a qual se tornará o grande alvo da “vingança” feminina. A biblioteca, memória ou não, leva por completo, ao ser enterrada, a 8

Ana Miranda. Orelhas do livro.


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presença-ausência de um pai e marido sempre desconhecido. Sua herança é a reflexão, o pensamento e a inconsciência. Com uma certa moldura narrativa, as ações dessas cinco mulheres, no texto poético, desencadeiam-se aleatoriamente. Não precisamos saber quem está falando, pois todas elas compartilham dos mesmos pensamentos. Suas vozes gritam o mundo familiar, a construção e desconstrução, as ruínas que herdamos do tempo. Não há vítimas, há resultados. O encanto do lirismo transforma-nos em saquinhos jogados para cima. Quem sabe, assim, a vida, fazendo parte de um jogo – ou sendo o próprio jogo – se torne menos pesada e até mais ardente e ofegante. Numa respiração feminina, o poeta joga com esta vida e com tudo aquilo que, porventura, possa fazer parte dela. Paradoxalmente, descobre-se a ternura da violência que as memórias guardam. Enterrar essas memórias – em forma de homem? Em forma de biblioteca? – é o resultado da sensibilidade feminina. Assim, um poema se entrelaça ao outro, por meio de uma mesma idéia, fazendo com que a força e a síntese da poesia se juntem à constância da narrativa para, juntas, jogarem o mesmo jogo e compartilharem as mesmas situações, proporcionando um final surpreendente para as vivências femininas e familiares. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CARA, Salete de Almeida. A poesia lírica. São Paulo: Ática, 1989. CARPINEJAR, Fabrício. Cinco Marias. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. COMPAGNON, Antonie. O demônio da teoria – Literatura e senso comum. Belo Horizonte: UFMG, 1999. JENNY, Laurent. O poético e o narrativo. In: Poétique - O Discurso da Poesia, n. 28. Coimbra: Almedina, 1982. p. 95-109. LYRA, Pedro. Conceito de poesia. São Paulo: Ática, 1986. STALLONI, Yves. Os gêneros literários. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. SUHAMY, Henry. A poética. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1986. SUASSUNA, Ariano. Iniciação à estética. Rio de Janeiro: José Olympio, 2004.


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TODOROV, Tzvetan. Teorias da poesia. In: Poétique - O Discurso da Poesia, n. 28. Coimbra: Almedina, 1982. p. 7-14.


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PROPAGANDA NA GUERRA: A MANIPULAÇÃO DAS OPINIÕES NA II GUERRA MUNDIAL1 THE MANIPULATION OF OPINIONS IN WORLD WAR II Tássia B. Moro2 , Maiquel Rosauro3, Fernanda Marin3 e Laíse Loy4 RESUMO Neste trabalho analisam-se as técnicas de propagação nazista, por meio dos comícios, do rádio, do cinema e a recepção pelo público. A pesquisa foi bibliográfico-exploratória entre obras que interpretam a eficácia dessa propaganda, objetivando informações sobre os seus métodos persuasivos. Realizaram-se entrevistas informais com alemães que presenciaram o regime e hoje vivem no Brasil, a fim de confrontar os estudos obtidos com a pesquisa bibliográfica. A propaganda, dentro desses meios, regados pela teatralização e técnicas, virou um espetáculo de massa. Assim, Hitler impôs o seu regime e a sensação de esperança que o povo precisava para se reerguer do estado deplorável do pós - I Guerra. Conclui-se que esta situação deixou a nação à mercê do ditador, que se aproveitou desses artefatos para levá-los a uma Guerra em benefício próprio. Palavras-chave: manipulação, massa (população), persuasão, guerra, pobreza. ABSTRACT In this paper it was analyzed the Nazi propagation techniques, by means of speeches, radio and cinema, and the reception by the public. The research took place from an exploratory bibliographical research among works that interpret the efficiency of its propaganda, focusing on information on its persuasive methods. Some informal interviews were made, with Germans who witnessed the regime and today live in Brazil, in order to confront with the studies obtained from the bibliographic research. 1 2 3 4

Trabalho de Iniciação Cienctífica - PIBIC/UNIFRA. Acadêmica do curso de Comunicação Social - Publicidade e Propaganda - UNIFRA. Acadêmicos dos cursos de Comunicação Social - Publicidade e Propaganda e Jornalismo UNIFRA. Orientadora - UNIFRA.


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The propaganda, within these means, permeated by theatricalization and techniques, became a mass spectacle. Thus, Hitler imposed his regime and the feeling of hope the people needed rise from the deplorable state of the post World War I. It is concluded that this situation let the nation vulnerable to the dictator, who took the advantage of these artifacts to take the people to a war in his own benefit. Keywords: manipulation, mass (population), persuasion, war, poverty. INTRODUÇÃO O objetivo, neste trabalho, é verificar os meios de comunicação mais utilizados durante a II Guerra Mundial, as técnicas empregadas para a propagação das mensagens propagandísticas e as maneiras como essas chegavam ao público, influenciando as massas. Conforme Lenharo (1994, p.38-39), o conceito de massa é entendido como a população pobre de linhagem puramente alemã. Para viabilização deste estudo, a pesquisa se restringiu aos meios rádio, cinema e comícios. O estudo da manipulação das opiniões, analisado por meio da propaganda nazista, traz a oportunidade de investigar uma das raízes dessa poderosa ferramenta que é a persuasão, contribuindo para a melhor compreensão do poder manipulador da propaganda. METODOLOGIA O trabalho teve início com uma pesquisa exploratória e bibliográfica para o levantamento de informações de modo a caracterizar, confrontar e responder às idéias e aos argumentos obtidos. Estudou-se a hipótese de que a população, influenciada pelo pós-I Guerra Mundial e pelas crises econômicas, ficou vulnerável à propaganda nazista. Para provar a hipótese, foi utilizada, como técnica de coleta de dados, a entrevista informal com dois alemães que viveram sob o regime nazista e hoje moram no Brasil. Conforme a apuração, Adolf Hitler prometera reerguer a Alemanha e dar-lhe alento; pondo a culpa da decadência estatal em judeus, deficientes, doentes, homossexuais e nos de raças nãopuras. Aproveitando-se disso, Hitler se colocou como um salvador da fé ariana, cujas ações seriam inquestionáveis, inclusive na sua propaganda. “O essencial dessa propaganda era atingir os corações dos germânicos, que compunham a grande massa, de forma a compreender o seu mundo maniqueísta e representar os seus sentimentos”, afirma Lenharo (1994, p.48).


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A propaganda é responsável por mudar idéias, impor doutrinas, transformar o pensamento e atitude de um povo ou nação. Esse fator era importante para convencer os alemães a aderirem ao partido e aos ideais que lhes eram impostos. A propaganda era produzida de forma a não deixar alternativa de expressão contrária a ela. O envolvimento deveria ser completamente emocional. Segundo Hitler (1934, p.486): “a propaganda trata de impor uma doutrina a todo o povo (...) a propaganda estimula a coletividade no sentido de uma idéia, preparando-a para a vitória da mesma”. A propaganda molda-se aos níveis de interpretação de um certo povo ou região, então, com a pobreza dos alemães, abria-se espaço para peças que atingiam a baixa compreensão do povo. Não haveria nazismo se suas idéias, menções, atitudes, desejos e ambições não fossem muito bem difundidas. As reações históricas, no contexto pós I Guerra Mundial, influenciaram e alteraram os ânimos, o que permitiu a entrada do líder messiânico no palco da política. Isso permitiu a Hitler uma entrada triunfal no governo germânico. REVISÃO DE LITERATURA PROPAGANDA

A propaganda é responsável por mudar idéias, impor doutrinas, transformar o pensamento e atitude de um povo ou nação. Esse fator era importante para convencer os alemães a aderirem ao partido e aos ideais que lhes eram impostos. A propaganda era produzida, de forma a não deixar alternativa de expressão contrária a ela. O envolvimento deveria ser completamente emocional. Conforme se sugere: Propaganda política é um esforço de comunicação persuasiva, que visa conquistar militantes, simpatizantes ou adeptos a um determinado partido político [...] e, para isso, utiliza técnicas e espaços que são de outros formatos da informação e da persuasão, tais como reportagens, entrevistas, documentários, editoriais, etc. (DEMARTINI, 2004, p.54). A propaganda molda-se aos níveis de interpretação de um certo povo ou região, então, com a pobreza dos alemães, formava-se uma lacuna que, permitia a utilização de peças que atingiam a baixa compreensão do povo, ou seja, não era necessário o pensar em cima daquilo que era transmitido. As mensagens


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tinham caráter sentimental, emocional, chegando ao ápice da repetição, idolatria, aos exageros da mentira para convencer. Não haveria nazismo se suas idéias, menções, atitudes, desejos e ambições não fossem muito bem difundidas.

As reações históricas, no contexto pós I Guerra Mundial, influenciaram e alteraram os ânimos, o que permitiu a abertura das cortinas do palco político para um novo líder messiânico. E acolheram Hitler com a sua entrada triunfal no governo germânico. Histórico Com o fim da I Guerra, a Alemanha sofre os impactos do pósguerra, o que causa uma ruptura governamental, levando os partidos a lutarem entre si pelo poder: os spartakistas (esquerda) x socialdemocratas (direita). Em 1919, os socialdemocratas tomam as rédeas do governo e montam a Coalizão Weimar, conhecida como Republica de Weimar, que durou de 1919-33. No primeiro ano, os alemães recebem as condições do Tratado de Versalhes, por meio do qual, perdem territórios para França, Polônia, Dinamarca e Bélgica e são obrigados a pagar pesadas indenizações a esses países. Os reflexos de uma Guerra, revoltas, desemprego e a falta de oportunidades são visíveis e preocupantes entre o povo, que está abandonado pelo governo. Esse está desestruturado e ainda é obrigado a seguir as imposições do Tratado de Versalhes. Hitler finalmente aparece, como líder partidário do Partido NacionalSocialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP), em 9 de novembro de 1923, no chamado Putsch5 de Munique. Lançou então a sua imagem e consolidou-se na política, como na afirmação de Diehl (1996, p.32): “O golpe funciona como um spot para Hitler”. O Putsch de Munique não teve êxito e Hitler é preso e acusado de alta traição. Foi condenado, cumprindo apenas oito meses de uma detenção de cinco anos, o que foi suficiente para escrever o seu livro Mein Kampf (A Minha Luta). No ano de 1929, estoura a crise da Bolsa de Nova Iorque, que desestrutura mais a economia e o mercado, fazendo aumentar juros e a retenção de moeda. O cenário apresentava um povo mais pobre e humilhado, o que gerou conflitos e abriu espaço para a manipulação das 5

Tentativa de tomada do poder, para derrubar o atual Chanceler do governo e, a partir daí, começar a comandar o País.


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mentes pela propaganda. Hitler deu um salto em sua carreira política e, dez anos depois do golpe de Munique, chega ao poder, exatamente em 29 de janeiro de 1933, sendo nomeado Chanceler – chefe do governo. Estava formado o III Reich, com suas bases totalitárias e autoritárias. Já no governo, sofre com o incêndio do Parlamento Alemão em meados 1933, embora causado por participantes do NSDAP, o episódio é atribuído aos comunistas e aos socialdemocratas que, conforme o governo, estariam influenciados pelos meios de comunicação a ir contra o Nazismo. Em represália, os meios de comunicação são confiscados, a censura é colocada em prática e os partidos de esquerda são postos na ilegalidade. Com isso, é instituído o Ministério de Conscientização Pública e da Propaganda que, como primeiro ato, obriga a “queima de livros”, em que jovens são manipulados a fazer uma limpeza contra os livros considerados subversivos. Em 1934, Hitler recebe o título de Chefe do Estado Alemão, momento em que toma conta das funções de Chanceler e de Presidente. No ano de 1935, novas leis de proteção ao sangue alemão e dos casamentos foram instituídas, impedindo a união entre as pessoas das chamadas raças inferiores com os alemães. Começam as primeiras restrições aos judeus e outras raças. Em 1936, iniciam-se os jogos olímpicos. Seria um verdadeiro núcleo de distração e de comprovação da afirmação que a raça ariana era superior, uma forma de demonstrar aos germânicos e aos demais povos que o nazismo realmente era o que afirmava ser. Para isso, são lançados os principais filmes propagandísticos de Leni Riefenstahl, O Triunfo de Vontade e Olympia; um traz Hitler como o messias que salvaria a Alemanha do mal. O outro mostra a força, pureza e superioridade do povo alemão. A II Guerra Mundial começa com seus primeiros ataques, punições e caçadas aos judeus - a chamada solução final6 - os campos de concentração foram instituídos. Enfim, a “purificação da raça” e o “domínio do mundo” começam a ser postos em prática. Para transformar isso em realidade, Hitler não trabalhou sozinho, foi auxiliado pelo seu braço direito, Goebbels. Essas duas figuras, munidas do arsenal propagandístico, recorreram ao povo para semear o ideal nazista.

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Estratégia final para o extermínio de Judeus. Nesse instante aumenta a caçada por homens, mulheres e crianças que são levados aos campos de concentração para serem usados como cobaias científicas, trabalhos forçados e, por fim são mortos nas câmaras de gás e depois incinerados.


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FIGURAS: HITLER E GOEBBELS

Hitler e Goebbels foram as principais figuras do nazismo que instituíram o III Reich. O seu objetivo era conquistar, manipular, usar as pessoas para readquirir as terras perdidas na Primeira Guerra, estabelecer um padrão de raça pura e mostrar a superioridade dos alemães. Na verdade, Hitler e Goebbels cultivaram a arte conceituar e divulgar as idéias entre a massa. Dr. Paul Joseph Goebbels nasceu em 29 de outubro de 1897, na região de Rheydt. Em 1928, tomou a responsabilidade da propaganda. Com a chegada de Hitler ao poder em 1933, ele assume o Ministério de Conscientização Pública e da Propaganda. Foi Goebbels que introduziu o “Heil Hitler”7, organizou os autos-de-fé, a retaliação da Noite de Cristal (noite onde foram destruídas todos os vidros de casas, lojas e templos religiosos pertencentes a judeus), além de muitas outras intervenções. Centralizou as áreas e utilizou-se de recursos da imprensa, do rádio e do cinema. De 1943 a 1944, assumiu também o Palácio dos Esportes e o Controle Militar de Berlim. Em 1945, vendo-se coagido no Bunker8 de Hitler, envenenou-se com a esposa e seus filhos em 1º de maio, com a ajuda dos guarda-costas da SS (tropas de proteção do Führer, responsáveis também, pela espionagem) . Adolf Hitler era austríaco, nasceu em 20 de abril de 1889, em Braunau. Em 1922, ficou um mês preso por atacar uma reunião de políticos rivais. Foi preso novamente em 24, pelo Putsch de Munique, acusado de traição, quando escreveu o célebre Minha Luta, expondo as premissas e doutrinas do Nazismo. Em 1924, alistou-se no exército alemão, no regime de Baviera. Ganhou condecorações, o que lhe garantiu a cidadania alemã. Ao final da I Guerra, Hitler instala-se em Munique e na política. Já na liderança NSDAP, começa a formular e expor as crenças nazistas. Utilizava-se de um carisma que sedava quem o ouvia. Em seus momentos de orador nas cervejarias onde falava sobre seus ideais nazistas, exercia sobre os ouvintes um fascínio que os convencia. Na segunda tentativa, Hitler assume o poder no ano de 1933, tornando-se Führer. Em 1935, instaura-se a II Guerra. Por gratidão, casase com Eva Braum no dia 25 de abril, um dia depois se suicida com um tiro na cabeça e Eva envenena-se ao seu lado. Em seu testamento, deixa seu fiel Ministro como Führer. Hitler e Goebbels garantiram seu falso triunfo baseados nas 7 8

“Salve Hitler - uma menção que lembra o Ave César, saudação feita ao grande conquistador territorial romano. Esconderijo e Quartel General.


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propagandas de rádio, comícios inflamados e no cinema. A cativação do povo era essencial para manter Hitler no comando e por isso, usaram essas ferramentas para impulsionar e manter o seu governo. MEIOS: RÁDIO, CINEMA E COMÍCIOS

Despertar emoções era a prioridade de Goebbels, pois era muito mais fácil absorver uma mensagem, quando esta não passa pelo crivo da razão. O domínio político foi baseado na pasteurização ideológica, expurgando tudo aquilo que fosse contrário aos interesses do governo. O rádio transformou-se na voz que chega quando o pensamento procura respostas para o que aconteceu e acontece. Foi uma de suas principais funções. Os comícios eram momentos de encontro, o devido local e ação que une o povo que busca uma ajuda, um guia, uma solução. Esses foram utilizados como levante de incitação, quando o cara-a-cara permite uma linguagem além das palavras, que tem nas reações e nos olhares a resposta para o desafio e para a solução. O cinema serviu para mostrar a bela obra nazista, figurando-se como a vitrina dos atos e deveres a serem repetidos, executados e seguidos pela população. Era o simulador do que os líderes desejavam. Assim o fizeram, trazendo ao rádio, ao cinema e aos comícios formas de como expor, emotivamente, sua doutrina e impô-la, mesmo que subconscientemente, nos ideais de cada pessoa da nação que estavam a governar. Rádio O rádio foi instituído como meio de controle. Todos os locais públicos deveriam ter um aparelho sempre ligado. Logicamente, os rádios apenas sintonizavam emissoras locais. Esse meio foi utilizado por ser simples e flexível e, em geral, funcionava melhor em uma situação imediata e trabalhava de forma a gerar retornos rápidos, sendo isso, o que o Nacional Socialismo precisava para se consolidar e doutrinar rapidamente o povo. Para tanto, os jornalistas e radialistas precisavam pedir autorização para divulgar as suas matérias, embora fossem registrados no ministério. As matérias passavam por uma aprovação prévia do governo, para só então serem veiculadas. No rádio, como afirma McLeish (2001, p.15-16), “quem produz os textos e comentários escolhe as palavras de modo a criar as devidas imagens na mente do ouvinte e, assim fazendo, torna o assunto inteligível e a ocasião memorável”. Foi assim que Goebbels criou os seus textos e


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propagandas, voltadas para o imaginário, para o ponto fraco, para o que faltava na vida do ouvinte, levando-o a crer e a se sentir completo com as proposições e atitudes de seu líder, o governante era o espelho e fonte de pureza, a superioridade e a vitória. Foram utilizados recursos como fazer com que os temas estivessem de acordo com as expectativas da população, adequados ao momento histórico e ao inconsciente para que o enfoque dos dados nas notícias fosse positivo; teriam que cultuar a figura do líder; mostrar acusações repetidas e sem fundamentos aos comunistas e repetições de determinados estereótipos. Tudo visando à fixação dos temas principais, além de o governo poder articular as informações da maneira que lhe interessasse mais. Eram também usados estratagemas como simplificação de informações; ampliação e desfiguração no tratamento das informações; a repetição dos temas fundamentais e o silêncio quando havia erros por parte da comunicação estatal. Essas técnicas foram muito utilizadas para tornar reais as afirmações e credos que o governo queria impor aos germânicos. As relações que complementaram os meios foram fundamentais, como usar o rádio (imediatismo) que passava credibilidade e esta somada ao cinema (forma de comprovação), que traduzia a veracidade dos bons atos produzidos pelos nazistas. Cinema Desde 1933, a indústria cinematográfica passou a estar inteiramente subordinada aos interesses do Estado, mas, em 1934, a nova legislação baniu, proibiu e confiscou tudo o que era avesso ao nazismo. No entanto, somente em 1938, estabeleceu-se o controle oficial do meio, tornandoo mais utilizado na manipulação popular e, completamente integrado ao aparelho de propaganda do III Reich. A Alemanha nazista criou um sistema de controle total em nível de temas, roteiros, filmagens, filme pronto, entre outros. A produção, diretamente Estatal, limitou-se a filmes que divulgavam a ideologia oficial e concentrou-se no documentário e no cine-jornal que apresentava com exclusividade a versão oficial da atualidade sociopolítica. “Durante a II Grande Guerra Mundial, a Alemanha Nazista fechou-se ao cinema internacional [...] tentaram impedir a invasão cinematográfica através da nacionalização da produção, distribuição e exibição”, segundo Bernardet (1980, p.26). Os cineastas, com isso, tiveram que se enquadrar na propaganda


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oficial e fazer de seus filmes obras que condissessem com os ideais doutrinários nazistas, para não sofrerem censuras e até mesmo punições severas por querem expor a impureza de idéias liberais, ou antidoutrinárias. O cinema foi utilizado como veículo de propaganda tanto para exaltar a Pátria, quanto demonstrar as atrocidades dos inimigos e as condições de sobrevivência da população. A causada pelo cinema visava à aceitação por parte do povo das informações como verdades absolutas, porque, ter visto na tela tornou-se para a população uma prova da verdade. O ponto mais interessante desses filmes superdoutrinários reside no fato de o projetarem, sobre os inimigos externos, práticas obscuras que estavam sendo alimentadas pela própria Alemanha. Campos de concentração, perseguições, torturas, genocídios civis (LENHARO, 1994, p.56).

O impacto do cinema não é racional, segundo Bernardet (1980, p.27), “ele seduz as pessoas, sendo completamente emocional”. Nos filmes, é mostrada a unidade, a superioridade e o carisma do seu líder. Os símbolos do nazismo, misturados a sons e luzes, que formam uma aura mística ao redor do Nacional Socialismo, interagem como público, levando-o a tomar como verdades o que lhes é mostrado. O culto à virilidade, à saúde e à pureza, ao corpo humano e à arquitetura nazista criavam um sentimento nacionalista eufórico. Goebbels entendia que, pela imagem, podiam-se mobilizar multidões, sendo essa uma engrenagem da sensibilidade que faz com que o povo se movimente emotivamente a seu favor, tornando mais fácil guiar e potencializar a multidão a acreditar e a aceitar o Nazismo como obra divina e salvadora. Na construção da imagem, tanto nos cinemas como nos comícios, eram trabalhadas a euforia e a crença do povo no que lhes era mostrado. Comícios No governo da comunicação verbal, a oratória foi a grande arma para seu estabelecimento no poder. A palavra-chave era: diversão, usada no sentido de distrair as massas, ainda que para isso fosse preciso fazê-la chorar. Tudo isso para cercar o povo de propaganda e fazer das informações do oficiais as únicas disponíveis. Para cativar as massas, o nacional-socialismo lançou mão de um conjunto simbólico composto de emblemas - águia, suástica, bandeiras, tochas, cores, sons e luzes – e cerimônias. Fortemente marcado por um


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conteúdo místico, o imaginário nacional-socialista procura suscitar emoções intensas que prendiam os indivíduos à sociedade totalitária. A teatralização agressiva dos grandes encontros apanhava Hitler como ponto central do cenário feito de luz, de multidão e de ordem. Cercado da maior solidão em meio à massa, a liturgia teatral realça sua condição de Führer, postos acima de todos, inatingível (LENHARO, 1994, p.46).

Mesmo com a difusão radiofônica dos comícios de Hitler, a sua presença física ainda continuava sendo fundamental, por isso, houve a necessidade, cada vez mais, de eventos em lugares diferentes e em menos espaço de tempo. Os comícios eram precedidos de campanhas propagandísticas pelo rádio, para convocar a população a participar do evento. O Nazismo reúne e organiza seu público nos eventos e cerimônias, permitindo, desta forma, a presença física da população na cerimônia política. No entanto, essa presença é apenas decorativa. O que se forma no Nacional-socialismo é a ilusão de que a população faz parte da política. Porém a participação da massa só objetiva alimentar o imaginário Nacional-socialista onde ela se refugia e da qual acredita ser co-autora (DIEHL, 1996, p.116-117).

Na verdade, tudo não passava de uma cena operesca e teatral na qual o público também era ator. Tudo era preparado com o uso de luzes e a distribuição espacial dos participantes seguia uma estética arquitetônica. Hitler encenava para o povo que, a cada estímulo, respondia com gritos e gestos, compondo o imaginário proposto. Nos discursos, eram usadas palavras como: povo, esmagar, cruel, força, ódio, inimigos, pureza, camaradas e Alemanha. A lúgubre e insana proposta de um líder-deus era aceita inconscientemente por meio de palavras e formações que ludibriavam o povo que estava indefeso e sem credo para lutar contra. Sua situação financeira e emocional do momento permitiu que o novo estado do social nacionalismo se instalasse em suas entranhas como a areia que toma conta do deserto.


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Esses fatos foram extremamente fortes e aconteceram de forma exaurida, o que é confirmado com as entrevistas. Nos depoimentos de pessoas que vivenciaram aquela realidade, vê-se a forma como tudo foi estruturado. ENTREVISTAS

Depois de feito o estudo bibliográfico, foram realizadas duas entrevistas informais; nas quais as conversas foram gravadas, para não haver perdas de dados; com pessoas que presenciaram os fatos ocorridos desde a tomada do poder, em 1933, por Hitler, até o final da II Guerra. Essas entrevistas foram realizadas para se verificar, analisar e confrontar o que foi estudado na teoria. Os entrevistados foram à senhora Irmã Jacoba Baum, 82 anos, que foi apresentada pela Irmã Aline, que é orientadora regional da Juventude Feminina de Schoenstatt. E o senhor Franz Xaver Brucker, 79 anos que foi indicado pelo Pe. Deonílson Nogueira que também pertence a Schoenstatt, e segundo este, o Senhor Franz prestou serviços de artesão para Igreja. Este era ex-combatente que esteve na batalha da Normandia – Dia D9. Essas entrevistas foram realizadas informalmente, buscando, assim, a diminuição da retenção de dados, pois este tema mexe com as lembranças que também são ruins pelo ofício da guerra. A hipótese que norteou esta pesquisa foi que a propaganda nazista teve o acerto e a grandiosidade que alcançou pelo fato de que a condição socioeconômica dessas pessoas estava afetada pela Pós-Guerra, pela Crise de Nova Iorque e conflitos internos; que geraram um alto índice de desemprego, dívidas, queda do valor do marco e falta de estrutura básica. “Por causa da I Guerra a inflação era muito grande, desvalorização do Marco e pagamentos de repartição, e as pessoas não tinham emprego, não tinham de onde tirar o sustento. Uma das metas do Nazismo era desenvolver a Alemanha, e todos teriam, então, emprego”.Sr. Franz. “Durante o Nazismo não havia pobres no País. Entre a década de 20 a 1933 sim, havia pobreza”. Irmã Jacoba.

Segundo Sr. Franz, “eram tipo lavagem cerebral, e mais de uma maneira eles usavam isso: Alemanha sobre tudo, inclusive o hino alemão fala isso.” Ou seja, as propagandas realmente eram voltadas para o convencimento 9

Primeira derrota do exercito Nazista


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eufórico dos alemães que eram bombardeados por um patriotismo vitorioso e exaurido, sendo pregado para deixar as pessoas ainda mais crentes no poder do Regime. “Tudo era controlado pelo Governo e havia muita propaganda. Tudo era censurado e em primeiro plano vinham sempre as vitórias e os pontos positivos do governo”, argumenta Irmã Jacoba. Logicamente, tudo era conferido pelo Ministério de Propaganda e todas as peças voltadas para o ideal nazista, para isso, foi tirada a liberdade de expressão dos cidadãos germânicos. “A propaganda fazia parte do diaa-dia, praticamente. A propaganda ela sempre falava sobre a Alemanha, que se tinha que ter amor, patriotismo” afirma Sr. Franz. Sendo que, além de as pessoas serem obrigadas a escutar ou a ler as propagandas, a população era forçada a repartir o pouco que tinha com o governo para prover as propagandas. Conforme Sr. Franz, “tinha inclusive uma coleta na Alemanha para ajudar nessas propagandas, coleta em dinheiro”. Hitler deu o emprego, mas em troca todos pagavam o imposto para a propaganda. O povo sofrido, que via em Hitler um salvador, não tinha mais a sua liberdade de expressão. A essas pessoas cabia apenas a euforia de serem levadas a crer que o mundo seria melhor com o nazismo. A adequação, a credibilidade, a modernidade, da propaganda nazista permitiu que uma nação fosse coagida e levada ao delírio com os prós de um regime que usou a sua própria técnica propagandística de alta persuasão. RESULTADOS E DISCUSSÃO No material pesquisado, observou-se que a pobreza, aliada ao desespero humano, deixou uma nação inteira à mercê de um ser que se aproveitando de artefatos e técnicas de propaganda e de persuasão, levoua a uma Guerra Mundial para conquistar ideais de um único homem e não de um povo. A propaganda é um veículo de convencimento por meios que, arraigados a uma especulação, levou uma única pessoa a governar e a manipular todo o sentimento germânico, que estava ludibriado por seus falsos atributos. A propaganda, dentro do rádio, cinema e dos comícios, regada por uma verdadeira teatralização e cuidados técnicos virou um espetáculo para a massa, que se encontrava sem esperanças de sair da situação pobre e miserável, sem perspectivas de emprego e sem condições mínimas de sobrevivência. E esse salvador foi seguido, principalmente, por repor os sentimentos de esperança, de solidariedade e de compaixão que o povo precisava para se reerguer de seu estado deplorável.


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CONSIDERAÇÕES FINAIS

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O povo abatido e fragilizado, realmente, deixou-se impressionar pela beleza e o encanto da propaganda, como se viu nas entrevistas que, sendo bem trabalhada e estimulada, arraigou um espírito consensual de idolatria ao seu progenitor, Adolf Hitler, permitindo-se governar. As variantes econômicas e o pós-guerra, que deixaram a população faminta, desempregada e em condições sub-humanas, foram cruciais para que Hitler conseguisse se sobressair e tomar o poder, pois com a situação, o povo ficou susceptível aos artefatos da persuasão da propaganda. Hitler e Goebbles conseguiram, então, levar uma nação eufórica para uma Guerra Mundial. “O essencial dessa propaganda era atingir os corações dos germânicos, que compunham a grande massa, de forma a compreender o seu mundo maniqueísta e representar os seus sentimentos”, segundo Lenharo (1994, p.48). Simplesmente, era dado ao povo o que lhe era valoroso, que incentivava e inspirava a esperança de ter novamente a dignidade que doravante já havia usufruído. Nesse ponto, a figura do Salvador surgiu, mas para lutar em benefício próprio e não do povo que, simplesmente, foi um fantoche para recriminar os diferentes e lutar numa Grande Guerra, a guerra que só um homem queria. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BERNARDET, Jean-Claude. O que é cinema. 2ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1980. DEMARTINI Gomes, Neusa. Formas persuasivas de comunicação política – Propaganda política e publicidade eleitoral. 3ª ed. Porto Alegre: Edipucrs, 2004. DIEHL, Paula. Propaganda e persuasão na Alemanha Nazista. São Paulo: AnnaBlume, 1996. HITLER, Adolf. Minha luta. Porto Alegre: Globo, 1934. LENHARO, Alcir. Nazismo, o triunfo da vontade. 4ª ed. São Paulo: Ática, 1994. McLEISH, Robert. Produção de rádio – Um guia abrangente de produção radiofônica. 2ª ed. São Paulo: Summus Editorial, 2001.


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O AGENDAMENTO DAS ELEIÇÕES MUNICIPAIS DE 2004 NOS JORNAIS A RAZÃO E DIÁRIO DE SANTA MARIA1 THE SCHEADULING OF THE 2004 MUNICIPAL ELECTIONS IN THE NEWSPAPERS A RAZÃO AND DIÁRIO DE SANTA MARIA Maiquel Rosauro2 e Viviane Borelli3 RESUMO Neste trabalho analisa-se a maneira como os jornais A Razão e Diário de Santa Maria construíram a cobertura das eleições municipais 2004, um mês antes e um mês após o pleito. Na análise, observa-se que o processo de agendamento é marcado por estratégias discursivas preestabelecidas diante de determinado tema. Trabalhou-se com o processo de titulação, em que os enunciados dos jornais foram divididos em categorias, comparados e interpretados. Conclui-se que cada jornal cobre as eleições de maneira distinta, segundo valores-notícia predeterminados e seguindo-se regras muito singulares, em que há aquele que informa sem se envolver e aquele que informa e dita ações para o leitor. Palavras-chave: diário, pleito eleitoral, informação. ABSTRACT This paper analyses the way in which two newspapers, A Razão and Diário de Santa Maria constructed the covering of the 2004 municipal elections, one month before and one month after the dispute. In the analysis, it is observed that the scheduling process is marked by pre-established discursive strategies before a specific theme. It was worked with the process of titling in which the newspapers headlines were divided in categories, compared and interpreted. It was concluded that each newspaper covers the elections in a distinct way, following pre1 2 3

Trabalho de Iniciação Científica - PROBIC / UNIFRA. Acadêmico do Curso de Comunicação Social - Jornalismo - UNIFRA. Orientadora - UNIFRA.


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determined news-worth and following very singular rules, in which there is the one who informs without getting involved and the one who informs and dictates actions to the reader. Keywords: daily, electoral dispute, information. INTRODUÇÃO Este artigo analisa a cobertura das eleições municipais 2004, nos jornais A Razão (AR) e Diário de Santa Maria (DSM), no período de 3 de setembro a 3 de novembro daquele ano. O objetivo é interpretar como os periódicos agendaram o tema um mês antes e um mês após o pleito, por meio da leitura das estratégias discursivas utilizadas nos títulos das capas e dos editoriais de política. O estudo se concentra apenas nos títulos informativos. O conhecimento da Teoria do Agendamento4, que gerou a investigação, examina a relação entre temas destacados na mídia e que ganham o interesse do público. Pela divulgação de determinados assuntos, as pessoas percebem a importância dada a um referido tema, podendo estabelecer a agenda da campanha. Para Alsina (1989), o motivo de se publicar uma notícia está em fazer saber que determinado fato aconteceu, acontece ou acontecerá. Assim, a realidade é construída pela mídia e passa a existir no momento em que é posta na agenda pública. O jornalista deve dominar a produção informativa, relacionando acontecimento e fonte para produção de notícias que, segundo Guareschi (1997, p. 107), “vão direto à mente das pessoas e vão construindo a realidade, a verdade, os fatos e os acontecimentos”. Logo, mitos como os da imparcialidade e da objetividade são postos em xeque5, sendo que uma matéria jornalística nada mais é do que um relato redigido, conforme a cultura e/ou interesse do profissional e da empresa a qual trabalha6. Conforme Traquina (2005), a seleção é a escolha que o jornalista 4

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O agendamento é um processo discursivo, no qual um certo tema é alimentado por seqüentes publicizações midiáticas capazes de estabelecer como as pessoas devem pensar. O ponto crucial da teoria é a construção de notícias, transformadas num processo industrial relacionado, diretamente à opinião pública. “Enquanto o acontecimento cria a notícia, a notícia cria o acontecimento” (TRAQUINA, 2000, p.26). A afirmação é baseada nos estudos de MacCombs e Shaw, criadores da teoria, reproduzido em Traquina (2000, 2001). O conceito pode ser aprofundado em Hohfeldt (1997), Bregman (1998), Colling (2001) e Sousa (2002). Estudos sobre a objetividade jornalística são encontrados em Tuchman (1993), Hackett (1993), Amaral (1996), Souza (2000) e Vizeu (2004). A construção jornalística é discutida por Alsina (1989), Tuchman in Traquina (1993), Guareschi (1997), e Tranquina (2005).


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faz a fim de transformar ou não um fato em assunto jornalístico. Já a construção é a forma como este montou, destacou, omitiu e elegeu as como prioridade da sua matéria. Desse modo, se dois jornais relatam um mesmo acontecimento de maneiras diferentes e conflitantes é provável que ambos não estejam equivocados, mas apenas tratando o tema sob pontos de vistas distintos. Muitos fatos envolvem um acontecimento e cada mídia determina o que vai ser divulgado e como cada assunto será construído. Cada jornal constrói sua agenda a partir de estratégias discursivas singulares, em que alguns temas ganham mais destaque que outros, os modos de construção refletem diferentes pontos de vista e também a avaliação do que é ou não notícia. Traquina (2005, p. 63) determina isso como sendo valores-notícia, entendidos como sendo os critérios de noticiabilidade “que determinam se um acontecimento, ou assunto, é susceptível de se tornar notícia”. A seguir, é apresentado um breve histórico dos periódicos e dos candidatos à prefeitura. Após isso, o objeto e a metodologia de pesquisa são definidos para introduzir a análise nos jornais, divididas em temas preestabelecidos. Ao fim de cada categoria é feito um pequeno resumo interpretativo da cobertura dos periódicos. Assim, chega-se ao último capítulo que reúne os principais apontamentos da investigação e se interpreta, de uma forma geral, a cobertura de AR e DSM. BREVE HISTÓRICO DOS JORNAIS E CANDIDATOS Santa Maria possuía 243.611 habitantes7, em 2004, abastecidos por uma tiragem diária de quase 30 mil exemplares dos jornais AR e DSM. O primeiro foi fundado em 1934, por um grupo de políticos com objetivo de divulgar as idéias de Oswaldo Aranha8 . Hoje, pertence à Empresa Jornalística De Grandi Ltda. A circulação média, no período eleitoral, era de 14.000 exemplares (16.000 nos finais de semana), contando com, aproximadamente, 85 mil leitores habituais9. Convictos que a região comportaria mais um jornal, em junho de 2002, o Grupo RBS lançou o DSM. Durante as eleições, 15.500 exemplares diários percorriam a região (20.000 nos finais de semana). O periódico conquistara, na época, 117.220 leitores habituais10. Durante a semana, os dois jornais traziam 16 páginas acrescidas 7 8

Segundo dados do IBGE/2000. Conforme VIEIRO, Lia Margot Dornelles. Atlas municipal geográfico escolar. Santa Maria: Diário de Santa Maria, 2003. 9 Segundo dados do IBGE/2000. 10 Segundo o IBOPE, região de Santa Maria, dados de novembro de 2003.


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de um caderno cultural. Até hoje, ambos têm, praticamente as mesmas editorias (Política, Economia, Geral, Esportes...). A diferença é que no DSM há um editor específico para cada editoria. Já em AR o editor-chefe é o único responsável por todos os segmentos. Os pretendentes à prefeitura eram todos veteranos, pois já haviam concorrido ao cargo nas eleições de 2000. Na época Alda Olivier, candidata do PSTU, foi a última colocada no pleito municipal. Ela nunca concorreu ao legislativo ou à Assembléia. Cezar Schirmer era o candidato da coligação “Mudar de Verdade”, (PMDB, PDT, PTB, PFL, PSB, PAN, PHS e PMN). Foi eleito deputado federal, em 2002, pelo PMDB. Disputou a prefeitura em 2000, terminando na terceira colocação. José Farret venceu as eleições para prefeito em 1983 e 1992, tentou o cargo novamente em 2000, mas acabou na segunda colocação. Em 2002, foi eleito deputado estadual pelo PP. Sua coligação, “Gente Segura, Cidade Feliz”, era formada por PP, PSDB, PL, PSL, PTN e Prona. Valdeci Oliveira era candidato e prefeito, ao mesmo tempo, buscava o segundo mandato, após ter vencido a única eleição que disputou à prefeitura. Os partidos que faziam parte da coligação “A Mudança Continua” eram PT, PC do B, PPS e PCB. DEFININDO A METODOLOGIA E O OBJETO DE PESQUISA O período de análise, 3 de setembro a 3 de novembro de 2004, foi escolhido por representar a evolução e o apagamento das notícias sobre o tema na mídia, uma vez que as eleições ocorreram em 3 de outubro. Foi a um mês do pleito que os jornais começaram a construir temas ligados as eleições de forma mais ampla. O tempo é um fator determinante na produção jornalística, pois a cobertura política é agendada para acontecer em um ciclo temporal predeterminado já que o pleito e o início oficial da campanha têm data definida para acontecer. A análise foi realizada nos veículos de forma conjunta. Os títulos de AR e DSM foram comparados entre si e interpretados segundo estudos da Análise do Discurso (AD)11, procurando interpretar e entender o sentido 11 PINTO, Milton José. Comunicação e discurso: introdução à análise de discursos. São Paulo: Hacker Editores, 2002, considera que “a análise de discursos não se interessa tanto pelo que o texto diz ou mostra, pois não é uma interpretação semântica de conteúdos, mas sim em como e por que o diz e mostra”, (p.27). Na seqüência, o autor também argumenta que a AD pode ser explicada como os modos de dizer exibidos pelos textos. Logo, compreende-se que o objetivo da AD é interpretar o significado de uma mensagem inserida num contexto. Para melhor compreensão ver Maingueneau (2002).


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que os textos transmitiam. O discurso é construído com um objetivo, pois ele pode transmitir os interesses de um veículo. Porto (2002) afirma que um jornal tem sua própria voz, o que tende a torná-lo poderoso, pois, como comprova a Teoria do Agendamento, a mídia é a principal fonte de informações dos eleitores. Para avaliar como AR e DSM construíram os temas vinculados à cobertura das eleições, a titulação foi trabalhada como categoria de análise tanto nas capas quanto nas matérias informativas. Isso porque os títulos são peças fundamentais para atrair a atenção do leitor, mostrando suas estratégias de produção de sentidos. Fausto Neto (2002), argumenta que a maioria dos títulos são construídos pelo espaço editorial, não trazendo marcas referentes a pronunciamentos de atores do contexto. O sistema de titulação é analisado, segundo interpretação discursiva dos títulos compreendidos nas capas e nas editorias de política dos jornais. Além da AD, as interpretações são baseadas nos valores-notícia que ditam os critérios para um fato ser noticiado. Também se utilizam como referência pesquisas científicas que verificam coberturas midiáticas. Os títulos analisados foram convencionados da seguinte maneira: Manchete (M); Título na Capa (TC) e Título da Matéria (TM), sendo que “E.1” significa Enunciado 1 e assim por diante. Os títulos dos jornais foram convencionados “enunciados”, Maingueneuau (2002, p.19). Isso significa que um enunciado transporta um sentido com a finalidade de ser consumido por seu destinatário, nesse caso, os leitores de AR e DSM. Após diversas leituras, perceberam-se fatos recorrentes que definiram as categorias de análise: confrontos, soluções, personagens e pesquisas. Após mapeamento geral, optou-se pela seleção dos títulos mais relevantes que foram então escolhidos para análise pela representatividade do tema que abrange a categoria e também pela sua recorrência dentro do contexto geral da cobertura. AR E DSM: ANÁLISE DA COBERTURA A seguir, inicia-se a análise das estratégias discursivas de cada jornal na cobertura das eleições 2004 a partir da leitura dos títulos. Como foi dito, o estudo se concentra em quatro categorias. Iniciaremos pela cobertura dos debates entre candidatos à majoritária.


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CONFRONTOS: A COBERTURA DA GUERRA NOS DEBATES A categoria abrange a repercussão em torno dos debates, em que se examina a forma, por meio da qual, os jornais agendaram os confrontos e os construíram em suas páginas, repercutindo a avaliação dos próprios envolvidos na discussão. “Debate - Cacism reúne os “prefeituráveis”” TC, 14/set, AR, E. 1 “Debate acirrado na Cacism – Prefeituráveis protagonizaram debate acalourado, ontem” TM, 14/set, AR, E. 2 “Eles soltaram o verbo” TC, 14/set, DSM, E. 3 “Candidatos partem forte para o ataque – Empresários sabatinaram ontem os prefeituráveis Farret, Schirmer e Valdeci e tiveram um debate quente de idéias” TM, 14/set, DSM, E. 4 “Disputa maior foi entre dois nomes”, ambos como STM, 14/set, DSM, E. 5 “Candidatos – Debate cheio de tensão no rádio” TC, 27/set, AR, E. 6 “Debate marcado por acusações fortes – Quatro candidatos à Prefeitura travaram um duelo verbal na manhã deste domingo” TM, 27/ set, AR. E. 7 “O último confronto – Farret, Schirmer e Valdeci fazem, na noite de hoje, o último debate na TV antes das eleições” M, 30/set, DSM, E. 8 “O ato final da campanha – Candidatos a prefeito Farret, Schirmer e Valdeci fazem último debate hoje à noite na RBS TV” TM, 30/set, DSM, E. 9 “No debate final, ʻchutesʼ e gentilezas” TC, 31/set, DSM, E. 10 “O último confronto na TV – Debate de ontem mostrou a luta de Schirmer, Farret e Valdeci para conquistar a comunidade às vésperas da eleição à prefeitura” TM, 31/set, DSM, E. 11 “Embate final será na urna” TC, 31/set, AR, E. 12 “Confronto agora é nas urnas, último debate ocorreu ontem” TM, 31/set, AR, E. 13 “ʻGanhei a eleição no debateʼ – Valdeci admite que atuação no último debate na TV foi decisiva para a vitória” M, 5/out, DSM, E. 14 “Ganhei a eleição no debate” TM, 5/out, DSM, E. 15 Nos enunciados 1 e 2, AR opta por informar que ocorreu um debate “acirrado” em determinado local. Há uma tendência pela notabilidade, ou seja, mostrar que algo aconteceu sem se aprofundar ou se comprometer12. 12 Traquina (2005, p.82), argumenta que a “notabilidade para a forma como o campo jornalístico está mais virado para a cobertura de acontecimentos e não problemáticas”. Esta construção pode ser interpretada como uma forma de o jornal não se comprometer no tratamento de determinado assunto.


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Essa interpretação para os enunciados de AR é justificada comparandoos com os enunciados 3, 4 e 5 do DSM. O E. 4 expõe que o debate teve ataques verbais dos candidatos por causa da sabatina dos empresários. Já no E. 5 o jornal aponta que as principais farpas saíram da disputa entre dois prefeituráveis. Assim, o DSM dá mais valor ao “conflito ou a controvérsia, isto é, à violência física ou simbólica, como uma disputa entre dois líderes políticos” (TRAQUINA, 2005, p. 84). Isso não significa que o conflito, como valor-notícia de seleção, seja restrito ao DSM. Nos enunciados 6 e 7, AR dá maior destaque à luta verbal travada no debate, do que ao fato dele ter acontecido em certo local. “Debate cheio de tensão” (E. 6) e “marcado por acusações fortes” (E. 7) indicam postura mais voltada ao conteúdo do que ao fato. O DSM usa esta técnica com mais naturalidade. “Eles soltaram o verbo” (E. 3) e “No debate final, ʻchutesʼ e gentilezas” (E. 10) mostram uma linguagem com tendência ao escândalo13 . Nesse caso, a construção se apresenta como sendo uma forma de ressaltar momentos ʻescandalososʼ da campanha, especialmente, em relação aos momentos de debate público, referências da matéria. Os debates ganharam ar decisivo para o pleito, quando o DSM construiu os seguintes enunciados: “O último confronto” (E. 8); “O ato final da campanha” (E. 9); “O último confronto na TV” (E. 11) e “ʻGanhei a eleição no debateʼ” (E. 15) criam a idéia de última oportunidade de avaliação dos candidatos e como o próprio jornal diz, o ato final da campanha. Para confirmar essa idéia, menos de uma semana depois da publicação desses enunciados, o DSM publica “ʻGanhei a eleição no debateʼ” (E. 14) como manchete. Aliás, uma das três únicas manchetes do periódico pós-eleição. O fato de o veículo ter posto a fala do prefeito eleito, neste enunciado, serve como título referencial para “Valdeci admite que atuação no último debate na TV foi decisiva para a vitória”14 (E. 14) que argumenta o porquê da citação em discurso direto (DD). “O DD15 caracteriza-se com efeito pelo fato de, supostamente, indicar as próprias palavras do enunciador citado: diz-se que ele faz menção de tais palavras”16 (MAINGUENEAU, 2002, p. 141). O discurso 13 O escândalo é um valor-notícia próximo à inflação (associado, sobretudo, ao crime) de acordo com Traquina (2005). Nesse artigo, ele é interpretado como uma maneira de espetacularizar as matérias referentes aos debates entre candidatos. 14 Sendo assim, se não houvesse debate na TV, Valdeci não seria reeleito. Ou seja, uma produção midiática de cunho jornalístico foi responsável pela vitória petista, segundo o candidato vitorioso: “ganhei a eleição no debate” (E.14) 15 Discurso direto. 16 Grifos do autor.


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direto, em sua origem, é uma peça da construção jornalística e não uma fala única que represente contexto mais amplo. AR, por sua vez, não fez grandes referências a este último debate (E. 11 e 12), o que pode ser explicado pelo fato de o confronto ter acontecido na RBS TV, grupo a qual faz parte o DSM. AR limitou-se a publicar, “último debate ocorreu ontem” (E. 13), com foco novamente restrito ao acontecimento ʻdebateʼ e não no conteúdo deste. Nessa categoria, o DSM construiu temas paralelos aos debates, destacando detalhes pitorescos que aconteceram durante os confrontos, além de mostrar aspectos relativos ao inusitado, o conflito e o embate entre atores. Já AR abordou os temas relativos aos debates, de forma mais tradicional, informativa, limitando-se ao fato geral. As construções discursivas enfatizam o confronto como um evento que fez parte da campanha. SOLUÇÕES: AS DOENÇAS E OS REMÉDIOS INDICADOS PELO JORNAL A categoria refere-se às inúmeras promessas feitas pelos candidatos e o DSM, além de divulgá-las, muitas vezes, diz ao político o que deve dizer e fazer. De um lado, os candidatos querem apresentar suas propostas e, do outro, está o jornal cobrando problemas atuais, questionando ações futuras e até se colocando no lugar do povo. A categoria não encontrou em AR enunciados que pudessem se encaixar nesse tema específico das “soluções”, o que ocorreu com ênfase no DSM. Por esse motivo, a análise foi realizada em apenas um jornal. “Arte se faz com dinheiro e espaço – Cultura precisa de apoio e locais adequados na cidade. Os candidatos têm a solução?” M, 4-5/set, DSM, E.1 “A gente não quer só comida! – Prefeituráveis mostram suas propostas para que Santa Maria seja uma Cidade Cultura de fato” TM, 4-5/set, DSM, E. 2 “Eles prometem. Poderão cumprir? – As promessas que candidatos a vereador fazem e que dificilmente concretizarão” M, 8/set, DSM, E. 3 “Cumprir é que é o problema – Candidatos a vereador fazem ʻchoverʼ promessas na TV” TM, 8/set, DSM, E. 4 “Idéias dos candidatos para a cidade crescer – Como eles pretendem gerar emprego, atrair empresas e fortalecer a economia local” M, 11-12/set, DSM, E. 5 “É disso que a cidade precisa para diversificar e expandir sua economia,


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gerando empregos e qualidade de vida” TM, 11-12/set, DSM, E. 6 “O que o seu candidato receita para a saúde – As principais doenças de Santa Maria são a falta de UTIs e de leitos públicos” M, 18-19/set, DSM, E.7 “O que é que eu tenho, prefeito? – Santa Maria tem muitas doenças. Veja quais são as receitas de cura dos quatro prefeituráveis” TM, 18-19/ set, DSM, E. 8 “13 pontos na agenda do prefeito 13 – Uma lista de assuntos decisivos para a cidade espera por solução no segundo mandato de Valdeci Oliveira” M, 9-10/out, DSM, E. 9 “Os 13 trabalhos de Valdeci – Prefeito reeleito tem de executar uma série de ações dignas de Hércules no segundo mandato” TM, 9-10/out, DSM, E. 10 Alguns desses títulos partem de questões que o jornal propõe e, ao mesmo tempo, responde, como os enunciados 1, 3 e 8. No E. 1, o periódico indaga se os candidatos têm a solução para que a cultura seja desenvolvida na cidade. Antes, porém, o jornal explica o que é necessário para resolver esse problema. Portanto, o candidato que tiver resposta igual ou semelhante à afirmação imposta pelo DSM tem a solução para a área. O jornal não apenas afirma que há problemas no campo cultural, mas também aponta as soluções, dizendo o que deve ser feito para resolvê-las e ganhar as eleições. Há, nesse caso, uma construção baseada na simplificação. O veículo resume a problemática em dinheiro e espaço, cobrando isso dos candidatos. “Uma notícia compreensível é preferível a outra cheia de ambigüidade” (TRAQUINA, 2005, p. 91). Ainda na base da simplificação, no E. 3, o DSM faz a pergunta e a responde na seqüência. Dessa vez, o jornal mostra-se próximo aos candidatos a vereador, começando a manchete nomeando-os de “eles”. O “eles”, normalmente, é um termo usado para retomar um termo anterior: no caso os candidatos a vereador, fazendo um processo anafórico17. Contudo o jornal fez o contrário, tendo assim um processo catafórico 18 “o termo que retoma precede19 o termo retomado” (MAINGUENEAU, 2002, p. 196). Rebelo (2000, p. 53) sustenta que é “claro que estes processos anafóricos podem servir de estratégias de manipulação relegando para o plano do conhecimento anterior, portanto indesmentível e inquestionável, 17 Para Maingueneau (2002, p. 195), “anáfora designa qualquer tipo de retomada de uma unidade de um texto por uma outra do mesmo texto”. Assim, no processo anafórico, um termo retoma outro que é o conhecido pelo leitor. 18 Maingueneau (2002) explica que, atualmente, procura se dar à catáfora um sentido oposto ao da anáfora. Logo, no processo catafórico o termo que retoma surge antes do termo a qual ele se refere. 19 Grifo do autor.


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aquilo que, afinal, não o é”. Portanto, quando o leitor for procurar na seqüência quem são os “eles” já saberá de antemão que “eles prometem” e que “dificilmente concretizarão” essas promessas. No E. 8, o jornal mistura seu discurso ao da cidade, interrogando o prefeito como se ele fosse um médico. Esse tipo de construção é polifônica, pois o enunciado é construído a partir de várias “vozes” percebidas simultaneamente (MAINGUENEAU, 2002). Logo após, o jornal responde à pergunta e prepara-se para expor as “receitas de cura” dos candidatos. O DSM continua trabalhando na base da simplificação, sem argumentar em seus títulos quais seriam essas “várias doenças” que exigem cura. Outra vez, o jornal aponta o que deve ser feito para vencer as eleições. A polifonia também permanece presente nesta categoria nos enunciados E. 2 e E. 6. A primeira, além de declarar que Santa Maria não é uma cidade cultura, mistura letra de música com a “voz” do povo. O jornal diz o que quer, não se limitando a informar as propostas dos candidatos à prefeitura20 . Já a segunda traz uma afirmação sobre o que seria bom para a cidade, misturando os discursos do jornal e dos candidatos, já que a manchete referencial destacava: “Idéias dos candidatos para a cidade crescer” (E. 5). Novamente no E. 6, o jornal não só aponta os problemas no campo econômico, mas também dita os procedimentos, os pontos a serem contemplados pelos candidatos. Outra construção marcante dessa categoria é a ironia, presente nos enunciados 4, 7, 9 e 10. Para Mainguenau (2002), a ironia trata de subverter o enunciado do próprio enunciador, como o E. 10 que, de forma literal, não corresponde à realidade. Em alguns casos, esse processo fica mais evidente com a presença de aspas, como no E. 4. Ou seja, ʻchoverʼ é uma forma irônica de dizer que os candidatos à vereança prometem demais. O E. 7 trata os candidatos como médicos porque eles apresentam receitas para a área da saúde, além de apontar quais são as principais doenças da cidade. O jornal não só informa quais são os problemas, mas os elege, ditando as ações que devem ser feitas para resolvê-los. Tais abordagens são construídas como sendo “ações que a esfera pública deve exercer ou ter sobre o campo da política”, avalia Fausto Neto (1994, p. 184). Ou seja, o enunciador não só fornece os temas para serem pensados, mas estrutura procedimentos que devem ser tomados. Já nos enunciados 9 e 10 há um trocadilho com o número 13, que identifica o partido do 20 Fausto Neto (1994), em uma análise do espaço editorial das revistas “Veja” e “Isto é”, durante o processo do Impeachment de Collor, observou que esse tipo e construção é formulado com um operador lingüístico no tempo presente “Prefeituráveis mostram” (E.2), além de descrever situações. Dessa maneira, as idéias, evitam se tornar evidentes, remetendo-se , supostamente, `as propostas que os prefeituráveis apresentam.


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prefeito eleito e a quantidade de obstáculos fundamentais de seu novo mandato. A ironia, a simplificação e a polifonia se mostraram como sendo as construções básicas do DSM para a cobertura dos temas relacionados às promessas dos candidatos, que resultaram em críticas e afirmações sob o que é melhor para a cidade sob a ótica do jornal. O DSM não se limita a informar, pois aponta e diz que ações devem ser realizadas na campanha. PERSONAGENS: A CONSTRUÇÃO DE MITOS E EVENTOS PARALELOS

O foco da categoria está na construção da imagem dos personagens que fizeram parte da campanha antes e após o pleito, em que o sujeito ganha maior destaque que o ato político. Investigar a função dessa figura e a importância dela para a cobertura são as metas a serem atingidas a seguir. “Falta um mês para você escolher o prefeito – Saiba o que os quatro candidatos farão até 3 de outubro para você votar neles” M, 3/set, DSM, E. 1 “Falta só um mês! – Candidatos a prefeito montam estratégias para dias decisivos da campanha e afinam discurso em busca do voto” TM, 3/set, DSM, E. 2 “Campanha – Estrela pop no comício petista”, TC, AR, 7/set, AR, E. 3 “Wanessa, a estrela do comício petista – Cantora pop roubou a cena no ato político da campanha pela reeleição” TM, 7/set, AR, E. 4 “Wanessa e Valdeci” TC, 7/set, DSM, E. 5 “Valdeci pede 67 mil votos – Em showmício com a cantora Wanessa Camargo, ontem, no Parque da Medianeira, candidato da Frente Popular convocou militância para eleição” TM, 7/set, DSM, E. 6 “322 candidatos serão eleitos com seu voto – Essa é a soma dos concorrentes e futuros assessores” M, 11-12/set, AR, E. 7 “Candidatos ocultos querem o seu voto – Eleitor votará em um prefeito e em um vereador, mas por trás deles há futuros assessores” TM, 11-12/set, AR, E. 8 “Contagem regressiva - Caminhadas, minicomícios, carreatas: vale tudo pelo voto” M, 13/set, AR, E. 9 “Corrida desenfreada atrás de votos – Faltando 20 dias para o pleito, partidos movimentam final de semana com carreatas e minicomícios” TM, 13/set, AR, E. 10


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“Atenção, eleitor, não esqueça do vereador – Muitas pessoas não lembram que nome escolheram para a Câmara na última eleição” M, 17/ set, DSM, E. 11 “A eleição esquecida – Limitações da função e descrédito de parte da população fazem com que poucos acompanhem o trabalho dos vereadores” TM, 17/set, DSM, E. 12 “O coração da campanha - Calçadão foi tomado, sábado, pelos partidos políticos” M, 20/set, AR, E. 13 “Centro é caldeirão político em S. Maria – Bandeiraços, comícios e muita campanha tomaram conta do calçadão no sábado pela manhã” TM, 20/set, AR, E. 14 “Quem é o candidato mais gaúcho – Concorrentes na peleia pela prefeitura dizem quais hábitos tradicionalistas eles preservam” M, 20/set, DSM, E. 15 “Candidatos gaudérios!” TM, 20/set, DSM, E. 16 “Os eternos candidatos – Boa parte dos que querem ser vereadores já tentou o cargo” M, 25-26/set, AR, E. 17 “Eles não abrem mão da disputa – Eleição local conta com candidatos persistentes a uma vaga na Câmara de Vereadores” TM, 2526/set, AR, E. 18 “Valdeci é Bicampeão” M, 4/out, DSM, E. 19 “Deu tudo certo para o PT – Valdeci Oliveira consegue a reeleição com uma diferença de 869 votos sobre Cezar Schirmer. José Farret fica em terceiro e Alda Olivier em último” TM, 4/out, DSM, E. 20 “Valdeci continua – Prefeito conquistou segundo mandato com diferença apertada” M, 4/out, AR, E. 21 “A “Estrela” continua a brilhar – Depois de uma disputa voto a voto, Valdeci e Werner venceram a eleição com 51.932 votos” TM, 4/out, AR, E. 22 “O choro dos não-eleitos – Vereadores reprovados nas urnas não escondem a decepção” M, 6/out, AR, E. 23 “Lamentações e agradecimentos – Em sessão da Câmara de ontem, vereadores fizeram avaliação de desempenhos no pleito” TM, 6/out, AR, E. 24 “Schirmer diz que não concorre mais a prefeito” TC, 15/out, DSM, E. 25 “ʻTentei duas vezes e não deu - Cezar Schirmer, deputado federal e candidato derrotado a prefeitura”, TM, 15/out, DSM, E. 26 No E. 1 e E. 2, o DSM dá prazo de um mês para seus leitores escolherem o prefeito e colocam as eleições na agenda do jornal e do público.


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Para “inscrever o leitor no texto” (MAINGUENEAU, 2002, p. 125), o jornal usa no E. 1 a marca discursiva “você”, assim a responsabilidade da escolha do prefeito se remete a quem está lendo a manchete. AR usa uma técnica diferenciada para lembrar os dias que antecedem a votação: avisa que faltam “20 dias para o pleito” (E. 10) e menciona a “contagem regressiva”, na qual, “vale tudo pelo voto” (E. 9). O jornal não arrisca uma aproximação com os leitores como faz o DSM, mas valoriza a informação, buscando mostrar o porquê do “vale tudo” e da “corrida desenfreada” (E. 10). A lógica do DSM é usar a personalização. Traquina (2005, p. 92) explica que o sentido de personalizar é “valorizar as pessoas envolvidas no acontecimento: acentuar o fator pessoa”. Isso serve para o jornal “vender” a notícia em cima da imagem de determinada pessoa, cujo objetivo é fazer com que o leitor se identifique com a história e se interesse em ler a matéria. Como no E. 11, onde o DSM alerta: “Atenção, eleitor, não esqueça do vereador”, fazendo o jogo da personalização de candidato sustentada pelo subtítulo: “Muitas pessoas não lembram que nome escolheram para a Câmara na última eleição” e pelo E. 12 (TM) que busca justificar a manchete. No E. 7, AR expõe que “322 candidatos serão eleitos com seu voto” para, no TM, explicar que esses são “candidatos ocultos”, sendo, na verdade, “futuros assessores” (E. 8). Ou seja, o jornal lembra o leitor que ele vota também no assessor a partir do candidato eleito diretamente. Essa postura séria, comprometida com o fato, sem chamar atenção de leitores ou eleitores aproxima AR da relevância como valor-notícia. Traquina (2005, p. 91) menciona que “compete ao jornalista tornar o acontecimento relevante para as pessoas, demonstrar que tem significado para elas”. Nos enunciados 3 e 4, ambos de AR, a presença da cantora Wanessa Camargo é destacada junto ao evento político. No E. 3, o nome da cantora nem foi citado, o adjetivo “estrela pop” serviu de referência e relevância junto a “comício petista” para midiatizar o evento. O contrário ocorreu no DSM, onde o TC foi justamente “Wanessa e Valdeci” (E. 5). A importância dessa constatação está na “personalização como estratégia para agarrar o leitor porque as pessoas se interessam por outras pessoas”, argumenta Traquina (2005, p. 92). Apenas, no TM, o DSM lembra que houve um ato eleitoral no showmício (E. 6). Até quando o foco era um lugar físico ao invés de um candidato, AR também optou por torná-lo relevante: “O coração da campanha – Calçadão foi tomado (...) pelos partidos políticos” (E. 13) e “Centro é caldeirão político (...)” (E. 14). Logo, AR tende a tornar relevante qualquer assunto.


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Quando a pauta era sobre preferências pessoais dos candidatos, o DSM, além de usar da personalização, usou termos regionais que ainda não haviam aparecido: “peleia” (E. 15) e “gaudérios!” (E. 16). Como ocorreu em outras categorias, o DSM, algumas vezes, torna-se bairrista ou constrói informações a partir de detalhes, não se detendo ao aspecto geral do fato. O que não significa que AR nunca abra mão das construções tradicionais, como fez nos enunciados 17 e 18. Nesse caso, nota-se que AR criou uma categoria para os aspirantes à Câmara: “os eternos candidatos” (E. 17). O mesmo fez o jornal em “candidatos ocultos” (E. 8), quando personalizou os assessores dos políticos à posição de candidatos. Porém, em um ponto, AR é única: na necessidade da relevância. Enquanto que, no E. 16, o DSM usa simplesmente “Candidatos gaudérios!” como TM, AR sempre opta por dar sentido a seus enunciados: “Valdeci continua – Prefeito conquistou segundo mandato com diferença apertada” (E. 21). Em contrapartida, no DSM: “Valdeci é Bicampeão” (E. 19) que remete à linguagem do campo esportivo. Esses dois enunciados continuam com a mesma abrangência: O DSM valoriza a pessoa Valdeci, com uma certa amplificação por ter sido reeleito e AR se preocupa em dar sentidos ao fato de Valdeci continuar na prefeitura. Na seqüência dessas manchetes, os TM trazem uma construção que Traquina (2005, p. 93) chama de consonância: “a notícia deve ser interpretada num contexto já conhecido, pois corresponde às expectativas do receptor”. Isso ocorre nos enunciados: “Deu tudo certo para o PT” (E. 20), no DSM e “A “Estrela” continua a brilhar” (E. 22), no AR, fazem parte do contexto dos leitores. Todos conhecem o significado da “estrela” que AR se refere e entendem porque “deu tudo certo para o PT”. Assim como os enunciados 23 e 24 de AR estão inseridos nesse mesmo grupo, a relevância continua presente nas seqüências desses títulos. A personalização, constantemente usada pelo DSM também está no pós-eleição: “Schirmer diz que não concorre mais a prefeito” (E. 25) e “Tentei duas vezes e não deu” (E. 26), encerram os destaques do jornal sobre o tema eleições municipais. Observa-se, sobretudo, a personalização constante nas matérias do DSM, em que o jornal busca a notícia na “pessoa candidato”, apostando em detalhes, e não necessariamente, nos dados gerais. Enquanto isso, AR aposta na relevância, destacando o fato, o evento como um todo.


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PESQUISAS: A REPERCUSSÃO DAS PREFERÊNCIAS DOS ELEITORES

A categoria enquadra títulos que repercutiram pesquisas eleitorais no período pré-eleição. No decorrer da investigação, quatro pesquisas foram divulgadas pelos jornais: três no DSM e uma em AR. Será analisada a forma como elas foram construídas e divulgadas. “A segunda pesquisa a prefeitura” TC, 11-12/set, DSM, E.1 “Valdeci e Schirmer sobem – Pesquisa mostra candidatos encostados em Farret, que caiu” TM, 11-12/set, DSM, E. 2 “Pesquisa eleitoral – Saiba quem está na preferência do eleitorado para a Prefeitura de Santa Maria” M, 21/set, AR, E.3 “Disputa acirrada para a Prefeitura – Pesquisa encomendada por A Razão aponta a preferência dos eleitores de Santa Maria” TM, 21/set, AR, E.4 “Pesquisa – Mais números da corrida eleitoral” TC, 22/set, AR, E. 5 “Avaliação dos prefeituráveis” TC, 22/set, AR, E. 6 “Valdeci lidera expectativa de vitória no pleito de 2004 – Ontem, A Razão divulgou pesquisa para a Prefeitura” e “Prefeituráveis avaliam os dados” TM, 22/set, AR, E. 7 “Pesquisa – Decididos, mas nem tanto assim” TC, 23/set, AR, E. 8 “O perfil de quem foi entrevistado” TC, 23/set, AR, E. 9 “Voto confirmado, mas que pode mudar – Pesquisas mostra que 19,5% dos eleitores admitem que podem trocar de candidatos até o pleito” TM, 23/set, AR, E. 10 “A terceira pesquisa para a prefeitura” TC, 25-26/set, DSM, E. 11 “Empate técnico permanece – Pesquisa mostra Farret, Schirmer e Valdeci colados” TM, 25-26/set, DSM, E. 12 “A última pesquisa para prefeito” TC, 2-3/out, DSM, E. 13 “A última pesquisa à prefeitura” TM, 2-3/out, DSM, E. 14 Uma pesquisa é sempre importante em uma campanha eleitoral, tanto para os leitores, que percebem se seu candidato também é o mesmo da maioria, quanto para os candidatos, pois avalia os frutos parciais de seus esforços. Muitas vezes, as pesquisas feitas por vários institutos, para diferentes jornais, apresentam resultados parecidos. No entanto, isso não significa que as coberturas sejam semelhantes. Nos enunciados, “A segunda pesquisa” (E. 1), “A terceira pesquisa” (E. 11) e “A última pesquisa” (E. 13), o DSM utiliza chamadas referenciais e opta pela simplificação. Enquanto AR usa da relevância e do detalhamento para divulgar pesquisa “encomendada” pela empresa que administra o jornal, nos enunciados 5, 8 e 9.


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Ao utilizar títulos referenciais junto à simplificação, o DSM faz uma cobertura mais enxuta que AR, usando a fórmula da relevância. Rebelo (2000, p. 91) explica que esses títulos são aqueles que “no plano da informação, não significam mas designam”, isto é, fazem uma menção que precisa de um complemento. Nas duas primeiras ocasiões, o DSM usou como explicação “Valdeci e Schirmer sobem” (E. 2) e “Empate técnico permanece” (E. 12). A idéia de simplificação indica que “uma notícia facilmente compreensível é preferível a uma cheia de ambigüidade” (Traquina, 2005, p. 91), como fez o DSM nos enunciados 1, 12 e 13. AR, ao contrário, optou por títulos mais abrangentes: enunciados 4, 7 e 10. A relevância, segundo Traquina (2005, p. 91), indica que “quanto mais “sentido” a notícia dá ao acontecimento, mais hipóteses a notícia tem de ser notada”. Contudo, no contexto da campanha, o que, invariavelmente, ganhou maior relevância é a simplificação “A última pesquisa” (E. 13) que não necessita de maiores detalhes para ser entendida, ganhou complemento quase idêntico no E. 14. O fato de ser a pesquisa final e estar sendo publicada na edição que antecede a eleição já a destaca, mas é a maneira descomprometida e pouco detalhada que mais a realça. Esse foi o único título referencial que não foi explicado e a única pesquisa que não informou, em seus títulos, a situação dos candidatos ou chamou a atenção dos leitores para saber quem estava na liderança. Tuchmam, apud Traquina (1993, p.78) explica que os jornalistas “defendem que, se todos os repórteres reunirem e estruturarem os ʻfatosʼ de um modo descomprometido, imparcial e impessoal, os prazos serão respeitados e os processos de difamação evitados”. Por isso, é mais cômodo para o jornalista se manter na objetividade, não correndo o risco de interpretações equivocadas ou que viessem a elevar a candidatura de algum candidato. Assim, é mais cômodo dizer “Última pesquisa” (E. 14) do que apontar quem está na liderança. Como ocorreu no último debate, a pesquisa divulgada um dia antes do pleito ganhou caráter decisivo no DSM, sendo , jornalisticamente, ignorada por AR. É provável que isso se deva ao fato de o Grupo RBS ter encomendado a análise de intenção de votos e ter realizado na TV o debate final. Essa categoria mostrou uma diferença fundamental em relação às anteriores. As posturas dos jornais se inverteram. O DSM que, até então possuía uma linguagem mais próxima de seu leitor nas construções sobre o tema ʻpesquisaʼ, foi mais simplista que AR, não realizando seus discursos com os tradicionais detalhamentos. Já AR que, em análises anteriores fora mais informativo, tradicional e sem grandes destaques sucessivos a um tema, desta vez foi mais ousado:


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“Valdeci lidera expectativa de vitória no pleito de 2004” (E. 7) e até irônico: “Pesquisa – Decididos, mas nem tanto assim” (E. 8). O jornal utilizou como estratégia o detalhamento nas construções ao tematizar a consulta eleitoral que encomendara. Logo, a pesquisa em si mereceu destaque.

CONCLUSÃO: O MESMO FATO + VALORES - NOTÍCIA PREDETERMINADOS = COBERTURAS DISTINTAS Cada jornal agendou, de forma singular, os temas predeterminados das eleições. A investigação verificou que as notícias referentes à campanha foram midiatizadas conforme valores-notícia predefinidos que refletiam a postura de DSM e AR. Sustentado pela personalização, ironia, bairrismo e pelos detalhes dos acontecimentos, o DSM criticou candidatos e apontou problemas e soluções para a cidade. Para parecer mais subjetivo mudou, suas estratégias discursivas ao divulgar as pesquisas de intenção de votos. Contudo, a análise em outras categorias comprovou que o jornal buscou se aproximar do leitor para dizer o que ele deve fazer. Nesse sentido, destacou-se a categoria Soluções, exclusiva do DSM. O jornal, utilizava, sobretudo, a simplificação e a polifonia, colocava-se no lugar do povo seja ao cobrar, criticar ou indicar ações de candidatos. A cobertura mostrava aos leitores quais eram os melhores rumos para Santa Maria. Em geral, AR fez uma cobertura voltada para o dia-a-dia dos candidatos, sem trazer para discussão assuntos polêmicos que comprometessem o jornal. Fez uma grande repercussão em torno da única pesquisa que publicou, justificando que a relevância é o pilar das matérias do periódico. A tendência de justificar o motivo da publicação de suas notícias e de fazer uma cobertura pacífica sem abordagem de temas polêmicos da campanha, revelam que ao jornal não interessavam questões controversas, já que se limitou a divulgar notícias que não trouxessem problemas para o periódico. A grande quantidade de enunciados, nos dois jornais, em torno do tema Personagens mostrou que a campanha se centraliza na imagem dos candidatos. Isso ocorre porque os eleitores interessam-se por histórias de outras pessoas. Observou-se que os jornais abordavam os detalhes ao diaa-dia dos políticos, onde a partir deles tematizaram-se os comícios e as matérias referentes à contagem regressiva para o pleito. Já a inversão de estratégias de abordagens pelos jornais, quanto às pesquisas eleitorais, é entendida comparando as categorias. Nos outros


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temas, o DSM foi critico, detalhista e, em alguns enunciados, indicou ações aos leitores. Se fizesse parecido em relação ao tema Pesquisas, poderia ser acusado de beneficiar certo candidato. Como AR encomendou uma pesquisa, deu a ela o máximo de destaque possível, tornando-se seu único tema aprofundado na cobertura da campanha. Dessa forma, os jornais não apenas mostram os temas relacionados, mas os constroem, segundo características muito particulares que se alteram à medida que o assunto eleições também sofre mudanças do período pré-eleitoral às repercussões. O jornalista é um construtor de versões da realidade. Essa afirmação se sustenta quando se compara AR e DSM. Analisaram-se as tênues diferenças de construção entre o jornal que informa sem se envolver e aquele que informa e dita ações para o leitor. A investigação amplia os estudos de coberturas jornalísticas, contribuindo para a compreensão de como as mídias constroem os temas relacionados à política. O desenvolvimento deste trabalho inspirou a construção de um projeto monográfico a ser produzido em 2006, assim como pretende incentivar pesquisas futuras em jornais do interior. Em particular, a pesquisa abriu as portas da investigação, da curiosidade, do científico e da interpretação discursiva. Verificar a cobertura da mídia local diante da corrida eleitoral é entender que a função da mídia não está apenas em informar, mas também em formar, rotular e justificar conceitos sobre os assuntos mais pertinentes da campanha, de acordo com a visão de seus enunciadores. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALSINA, Miquel Rodrigo. La construcción de la noticia. Barcelona: Paidós, 1989. AMARAL, Luiz. A objetividade jornalística. Porto Alegre: Sagra-DC Luzzatto, 1996. BREGMAN, Dorine. La función de agenda: una problemática en transformácion. In: FERRY, Jean-Marc; WOLTON, Dominique y otros. El nuevo espaço público. Barcelona: Gedisa, 1998. COLLING, Leandro. Agenda-setting e framing: reafirmando os efeitos limitados. Revista FAMECOS, Porto Alegre, n. 14, abril 2001. FAUSTO NETO, Antônio. Vozes do Impeachment. In: MATOS, Heloíza (org) Mídia, eleições e democracia. São Paulo: Scritta, 1994, p. 159 189.


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ISSN 16765001

TURISMO SEXUAL INFANTIL – UMA ANÁLISE ESTRUTURAL1 CHILD SEX TOURISM – A STRUCTURAL ANALISYS Tatiane Brum de Oliveira Reis2 e Norma Martini Moecsh3 RESUMO Neste trabalho, apresenta-se uma análise do turismo sexual infantil no Brasil, mediante uma abordagem diferenciada do tema considerado. Propõese, dessa forma, uma reflexão com novos vieses os quais embasam, de forma concisa, o tema abordado. A posição da mulher brasileira no período colonial bem como a configuração histórica do turismo nacional serviram de arcabouço para o desenvolvimento deste. Essa patologia que se dissemina pelo território nacional, exteriorizando um problema socialmente constituído ao longo da história, não pode ser considerada um novo segmento da atividade turística, mas uma de suas deformações. Pretende-se, assim, despertar o senso crítico e humanístico diante da exploração sexual de menores. Palavras-chave: turismo, exploração sexual infantil, reflexão, senso crítico. ABSTRACT The following work presents an analysis of the problem of child sex tourism in Brazil, offering a different outlook on the theme. It provides a reflection through new aspects that form a concise base for the theme. The position of brazilian women in the colonial period, as well as the historical configuration of national tourism, provides the foundation for the development of this work. This pathology that spreads itself throughout the nation, bringing to the forefront a social problem that has existed throughout history, cannot be considered a new area of tourism, but one of its deformities. The intention behind this study is to arouse critical and humane awareness of the sexual exploitation of minors. Keywords: tourism, child sexual exploitation, reflection, critical sense. 1 2 3

Trabalho Final de Graduação - TFG. Acadêmica do curso de Turismo - UNIFRA. Orientadora - UNIFRA.


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INTRODUÇÃO

Com o propósito contraditório de um conceito já alicerçado no que tange à exploração sexual de mulheres e crianças brasileiras, no presente trabalho, o objetivo é o despertar de um senso crítico e de um olhar mais meticuloso a respeito de tal problemática. Apesar de muitas vezes entendida, tão somente como má administração pública, exteriorizada por meio da comercialização internacional de corpos nus e insinuantes, a exploração sexual de menores, nesta análise, adjetiva-se. O turismo, no presente trabalho, será tratado não apenas sob uma perspectiva reducionista, em que aspectos econômicos e financeiros insinuam-se como únicos objetivos do fenômeno, mas também por meio de uma ótica humanístico-social. A Organização Mundial do Turismo (OMT) define turismo sexual como sendo: “viagens organizadas internamente no setor turístico ou fora dele, mas que usa das estruturas e redes do setor com o objetivo primário para a efetivação da relação comercial sexual de turistas com os residentes nos destinos”4 . Atividade essa que desencadeia conseqüências sociais e culturais, distanciando-a do seu objetivo primordial: a sustentabilidade. Nesse sentido, a partir de uma retomada histórica do papel da mulher brasileira, sua submissão e exploração sexual em diferentes níveis e cenários, bem como a configuração do turismo nacional, far-se-á uma análise diferenciada, abordando também a exploração sexual de menores independente do turismo, e as respectivas ações governamentais, objetivando, assim, uma compreensão holística da temática considerada. Estimulada por essa visão diferenciada, vale citar: O exercício da curiosidade a faz mais criticamente curiosa, mais metodicamente “pesquisadora” do seu objeto. Quanto mais a curiosidade espontânea se intensifica, mas, sobretudo, se “rigoriza”, tanto mais epistemológica ela vai se tornando (FREIRE, 1996, p. 87).

4

Disponível em http://www.world-tourism.org/protect_children_es/wto_statement.htm


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SOCIEDADE E CENÁRIOS

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PAPEL DA MULHER NA SOCIEDADE BRASILEIRA: ASPECTOS HISTÓRICOS Sob a égide dos princípios do período colonial, quando Portugal alicerçou-se em uma colonização fundamentada em um modelo “patrimonial-patriarcal” (SAFFIOT, 1979, p. 161), o Brasil passa a desencadear seu processo histórico. Esta estrutura, inicialmente escravocrata com intuito meramente lucrativo, enraíza-se na cultura brasileira, deixando profundas marcas que se manifestam, ainda que de forma menos expressiva, nos dias atuais. Sob a gênese extrativista moldamo-nos aos padrões impostos, facilitando assim, o poderio dominador português. Assim, nesse período, a mulher brasileira, de modo geral, foi induzida a tais preceitos, tomou-os como corretos e únicos, ou sofreu a oposição da igreja e de uma sociedade extremamente conservadora naquilo que lhe convinha. Entretanto, mesmo tomando como objeto de estudo a história da mulher brasileira, essa não se desenvolveu de forma igualitária. Pode-se destacar, no universo feminino, diversas figuras representativas, que juntas configurariam a classe feminina da época; dentre elas, pode-se elencar: a branca rica, a negra escrava, a mestiça e a negra forra. No princípio da colonização, as primeiras expedições advindas de Portugal com destino à “terra prometida”5 eram constituídas quase que totalmente de homens. Dessa forma, para satisfazerem seus desejos sexuais, “os homens serviam-se das nativas e depois, das negras” (AGOSTINI, 1997, p. 85), mas esse ato resumia-se apenas em deleite, pois, se a intenção fosse contrair casamento, eram as poucas e disputadas brancas a quem recorriam. Como na sociedade colonial o acúmulo de terras, conseqüentemente de bens, configurava-se como de primeira instância, os dotes oferecidos pelos pais das donzelas eram bastante generosos. Dessa forma, esses escolhiam aquele que melhor convinha a seus interesses, pois, pelo matrimônio de sua filha, seus bens somar-se-iam aos da família do futuro genro. Via de regra, os pretendentes eram de idade mais avançada, ou algum primo financeiramente abastado, restringindo, dessa forma, a riqueza a uma seleta camada da população. Nesse contexto, Saffioti (1979, p. 162) se expressa: 5

Expressão resultante da tradução da palavra Brasil, segundo uma lenda céltico-irlandesa, uma ilha que, de acordo com mapas do século XIV e XV, estaria localizada a ocidente (LOPEZ, 2001: 11-12).


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A maneira meramente formal, através da qual a camada dominante resguardava seu domínio, impedindo casamentos inter-raciais, mas não impedindo a miscigenação, deixava transparecer que o econômico, e não o racial era o verdadeiro fundamento da divisão da população em casta.

Para complementar, Agostini (1997: 85) afirma: “não é à toa que as camadas mais ricas e tradicionais do Brasil sejam todas ligadas por laços de parentescos”. Assim, ao pai e à mãe, estava destinada a tarefa de lapidarem a filha de acordo com os padrões comportamentais vigentes na época. A pouca idade das donzelas que contraíam casamento no período escravocrata6 configurava um quadro que, segundo Saffioti (1979: 168), agravava a situação da submissão feminina, pois “apresentavam requisitos fundamentais para submeter-se, sem contestação o poder do patriarca, aliado à ignorância de uma imensa imaturidade”. Essas meninas, além da vigilância familiar, contavam com a mão bastante severa da igreja na formação de seu caráter. Essa, com seus dogmas advindos do pecado original, fazia, segundo Agostini (1997), que os homens acreditassem que a primeira mulher, Eva, fez com que o primeiro homem, Adão, desobedecesse a Deus, comendo o fruto proibido. Mediante tais aspectos, “achava-se justo que o homem, que foi induzido ao pecado pela mulher, fosse recebido como soberano e todo-poderoso da casa” (AGOSTINI, 1997, p. 86). Dessa forma, a igreja, sobretudo a partir do século XVII, beneficiase com a disseminação do seu discurso moralizador “sobre o uso dos corpos femininos e seus prazeres” (PRIORE, 1994: 16) para impor, através da família, seus princípios cristãos. Tais princípios, seguidos pelas elites, não se adaptavam com facilidade ao estilo de vida das camadas menos favorecidas da população. Como bem contextualiza Priore (1994. p. 16), “certas noções como virgindade, casamento e monogamia eram situações de oportunidade e ocasião”, sobretudo, mediante as condições de vida a que era submetido grande contingente populacional. Tragadas pela insegurança e condições materiais precárias, a sobrevivência de grande parte da população feminina brasileira resumia-se na capacidade de adaptação de cada uma perante as situações cotidianas, que, do seu próprio modo, regiam uma cartilha de regras comportamentais paralelas. Entretanto, o pulso forte da igreja não se fez menos presente e, 6

Por volta de 1530 a 1888, segundo Lopez (2001).


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apesar das adversidades, após a Reforma Protestante7 e a Contra-Reforma8 , suas ações intensificaram-se, “louvando aquela mulher recatada, obediente e de carnes tristes” (PRIORE, 1994, p. 16). Assim sendo: Que mulher nenhuma vá as igrejas de saia tão alta que lhe apareçam os artelhos dos pés e com saias à maneira de degraus de sepultura aparecendo a mais inferior, nova moda que com escândalo de toda modéstia e honestidade tem introduzido o demônio (PRIORE, 1994, p. 16).

Ainda segundo um manual de confissão, de 1794, sobre o comportamento das que “estão sujeitas e muito apegadas a seus sentimentos...” (Frei Antônio de Pádua, 1783 in PRIORE, 1994: 16): “o vão, o supérfluo, o desavergonhado adorno... seus enfeites enganosos, seus ungüentos olorosos e outros mil embelecos e embutes que usam para chamar atenção dos homens” (PRIORE, 1994, p. 16). Dessa forma, “se alguma mulher se fardar com alvaiade ou outro enfeite para agradar a outros que não seu marido, imponha-lhe três anos de penitência” (Manuel de Arceniga in PRIORE, 1994, p. 16). A mulher, nesse processo, caracteriza-se por submeter-se, quando não ao pai, ao marido, os únicos que lhe têm sob seu poder e dispõem de sua vida, mais do que ela própria. A igreja católica, irradiadora de um discurso para beneficiar a figura masculina, com o processo colonizador a que o Brasil foi submetido, cunha uma estrutura comportamental vigente ainda em dias recentes. Enaltecendo a figura patriarcal, membros eclesiásticos ditavam regras até mesmo mediante publicações de manuais referentes a comportamentos femininos aceitáveis e louváveis. Dentre essas publicações, pode-se citar: Instrumentação às senhoras casadas para viverem em paz e quietação com seus maridos, obra de 1782 que recomendava, segundo Priore (1994), que a mulher deveria mostrar-se 7

8

“A Reforma Religiosa do século XVI foi resultado das mudanças econômicas, sociais e políticas vividas pela Europa na passagem do feudalismo para o capitalismo. A Reforma criou na Idade Moderna uma nova religião: o protestantismo. Ao contrário dos ensinamentos da Igreja, a religião protestante estimulava a acumulação de capital pelo indivíduo, além de expressar o anseio de uma parte considerável de cristãos, insatisfeitos com o envolvimento da Igreja com questões políticas e econômicas e interessados em abraçar uma fé mais consciente, mais espiritual” (ARRUDA; 1997: 118). “O rápido avanço do protestantismo levou a Igreja Católica a uma situação desesperadora: ou se mobilizava para combatê-lo ou os cristãos virariam protestantes. Assim, em 1545, teve início em Trento – cidade na época situada em território germânico, próxima da Itália – a reunião de representantes da Igreja católica de toda a Europa. Essa reunião, que se estendeu de 1545 a 1563, ficou conhecida pelo nome de Concílio de Trento. A partir desse conselho, foram estabelecidas novas bases para a atuação da Igreja Católica” (ARRUDA; 1997: 122-123).


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agradecida e aceitar a correção proposta pelo marido, com humildade. Assim se configurava o comportamento da mulher branca no período colonial9 , de forma submissa e alheia aos aspectos político-econômicos do país e regendo o lar para o bem-estar do marido. Nesse contexto, segundo Saffioti (1979), suas atividades não se limitavam apenas à supervisão da escravaria na cozinha, mas também à tecelagem, à costura, à confecção de rendas e bordados, à feitura da comida dos escravos, aos serviços do pomar, à jardinagem, à criação dos animais domésticos e por fim, à educação de seus filhos. Sendo “a condição social da mulher que determinava o tipo de tratamento que recebia” (AGOSTINI, 1997, p. 85), a mulher branca de família abastada apesar, de passar por muitas dificuldades, não se compara ao martírio da mulher pobre, em especial, a negra. Essas sentiram o vigor do machismo e as precárias condições a que eram submetidas. Ao trabalho que executavam na lavoura e na casa grande, somavam-se os serviços sexuais, “numa exploração econômica típica” (SAFFIOTI, 1979). Quando não estavam prestando serviços sexuais a seus donos, eram alugadas para satisfazerem outros homens brancos, os “homens de bem” (AGOSTINI, 1997, p. 91). Enquanto das mulheres esperava-se uma atitude recatada, contida sexualmente, aos homens era permitido, pela sociedade da época, o excesso. Dessa forma, segundo Agostini (1997), esses não escondiam seu interesse sexual pelas escravas, mesmo diante de suas esposas. Tal comportamento acabava por desenvolver um campo de tensão entre as mulheres negras e brancas, na qual, estas exteriorizavam, segundo Agostini (1997), sua revolta com mutilações impostas àquelas. O mesmo ocorria com os homens, em que o patrão, com torturas, punia os negros que, segundo Saffioti (1979), disputavam, no campo amoroso, as negras de sua propriedade. Tais senhoras, apesar de indignadas com a infidelidade explícita de seus maridos, acabavam por criar os filhos mestiços, a mando deles. Como conseqüência da falta de atenção prestada pelos homens as suas mulheres, essas, burlando as regras que regiam o comportamento feminino da camada branca, dada a raridade dos casos, entregavam-se a aventuras amorosas com negros escravos. Nesse sentido, Safiotti (1979: 166) esclarece: Como o que definia a condição social da prole era o status jurídico da mãe, seria de esperar-se que (...) os 9

De acordo com Lopez (2001), o Brasil ficou por três séculos na condição de colônia portuguesa, a partir de 1530, ano que foi colocada em prática a colonização regular. Posteriormente, manteve, em muitos aspectos, tal situação, embora tivesse conquistado, oficialmente, a independência e se tornado um Estado Nação.


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progênitos de mãe branca e pai negro fossem, como pessoas livres que eram, plenamente aceitos pela camada senhoril.

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No que tange à exploração sexual da mulher escrava da época, vale elucidar, ainda, que seu valor econômico era “consideravelmente mais elevado que o do escravo, por ser a negra utilizada como trabalhadora, mulher e reprodutora [...]” (1979, p. 165). Mediante tão pouca consideração, a mulher negra, muitas vezes, não desfrutava do prazer da maternidade, por se proceder, no seu caso, de forma diferenciada. Além de, muitas vezes, não poderem criar seus próprios filhos, pois esses seriam responsabilidade das senhoras, freqüentemente eram estimuladas a engravidar, “principalmente na época em que o preço do escravo estava em alta ou quando o senhor de engenho tinha dificuldades para comprar novos” (AGOSTINI, 1997: 91). Dessa forma, segundo Gilberto Freire (in PRIORE, 1994, p. 15), “corpos femininos de cores e situações sociais diversas fariam o prazer ou a prole dos homens do Brasil”. Nesse contexto, vale ressaltar que, além do alto grau de mortalidade infantil da época que, segundo Priore (1994: 47), era resultado da “falta de trato do cordão umbilical, do desconhecimento e do desprezo pelas moléstias da primeira infância”; era grande o número de abortos e infanticídios praticados por escravas que, conforme Agostini (1997), serviam para impedir que seus filhos já nascessem escravos. Com o fim da escravidão, o convívio entre senhores e escravos “reduziria as tensões geradas, na família patriarcal, pelo acesso fácil que aquele convívio permitia à negra enquanto mulher” (SAFFIOTI, 1979, p. 176). Entretanto, segundo a autora, muitos foram os negros e negras que permaneceram trabalhando para os mesmos senhores. Assim, pode-se inferir que a prostituição da mulher negra continuaria, “não mais, porém, em virtude de sua condição de escrava e sim por motivos em grande parte econômicos [...], que constituem, até hoje, um dos elementos mais significativos do comércio do sexo” (SAFFIOTI, 1979, p. 176). A árdua rotina à que estavam submetidas essas mulheres pobres, em especial as mestiças e negras forras, obrigavam-nas, normalmente, a doarem seus filhos. Essas crianças, geralmente, eram distribuídas “entre parentes, amigas ou comadres para criar” (PRIORE; 1994: 48) e tinham suas vidas, na maioria das vezes, destinadas aos trabalhos domésticos nas casas destas famílias. Nesse contexto, a autora complementa:


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O “amor da criação”, ou o simples interesse de ter mão-de-obra boa e barata, justificavam o incremento do rodízio de pequenos. Para as mães pobres que os “entregavam para criar” era uma boca a menos para alimentar (SAFFIOTI, 1979, p. 48).

Com o aumento populacional e, por conseqüência, o grande número de crianças, cria-se, de acordo com a autora citada, a Roda dos Expostos10, nas Santas Casas de Misericórdia de Salvador, em 1726, e do Rio de Janeiro, em 1738. De acordo com Priore (1994: 48), “tal atitude vem por legitimar o hábito já instaurado pela pobreza”. Esse incremento populacional que, de acordo com Priore (1994), foi tão aspirado pelo sistema mercantil e apoiado pela igreja com intuito de disseminar os dogmas católicos, tomou proporções drásticas, fazendo com que, segundo a autora, as mulheres do período colonial vivessem a maternidade “na luta pela vida e adaptavam os destinos de seus filhos às suas condições materiais” (PRIORE, 1994, p. 50). Sendo essas condições de extrema precariedade, em que a miséria dava forma e significado à vida da grande maioria da população, mulheres tomavam a prostituição como fonte de renda, sustentando sua família, pois, “muito comum no quadro de pobreza da colônia eram mães, pais e maridos, consentirem na prostituição de suas filhas e esposas” (PRIORE, 1994, p. 28). Assim, “mães exploravam filhas, sem qualquer constrangimento senão aquele dado pela miséria e pela fome” (PRIORE, 1994, p. 22). Não se entende, porém, que a opção feita por grande contingente do universo feminino do período colonial fosse unicamente voluntária. Nesse aspecto, valemo-nos do aspecto econômico, acrescido do quadro de submissão feminino da época, que impulsionava essas mulheres para esse ofício. Compreende-se, como Priore (1994, p. 26), “as prostitutas sob o pano de fundo da pobreza, onde o meretrício era um ofício ou uma forma de trabalho, ligada a mais imediata sobrevivência”. Com o consentimento tímido da igreja, pois esta considerava as prostitutas “a salvaguarda do casamento moderno” (PRIORE, 1994, p. 22), essa atividade perdura até os dias atuais. Nesse contexto histórico, a condição social vigente da época fez com que a exteriorização comportamental dos cidadãos se configurasse de acordo com suas dificuldades financeiras. A falta de oportunidades, socialmente alicerçadas, tomava as rédeas de vidas miseráveis, conduzindoas ao crepúsculo da esperança. 10 “Nos asílos e orfanatos, espécie de caixa giratória em que se colocavam as crianças enjeitadas” (FERREIRA 1986).


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CONFIGURAÇÃO DO TURISMO NACIONAL: ASPECTOS HISTÓRICOS

Quando uma análise acerca das inúmeras facetas do turismo é proposta, torna-se imperioso, remeter às raízes históricas de tal atividade. O turismo, que se transformou em um dos mais importantes setores da economia mundial, teve seu desenvolvimento acelerado a partir da segunda metade do século XX, quando se configurou internacionalmente mediante as transformações ocorridas no período pós-guerra (DO BEM, 2005). Com o término da Segunda Grande Guerra, inúmeras foram as mudanças ocorridas no cenário mundial. Dentre elas, destacam-se o aumento do poder aquisitivo nos países industrializados, o desenvolvimento tecnológico e o aumento do período de férias que, segundo Do Bem (2005), foram fatores que, da perspectiva dos países emissores, favoreceram o incremento do setor turístico. Os Estados Unidos, em função da sua condição pós-segunda guerra, puderam desfrutar de um melhor padrão de vida, o que propiciou uma maior procura por destinos internacionais, em especial por “países, culturas e paisagens distantes, estimulada pelo imaginário colonialista, que contribuiu para construir a imagem de tais lugares (paisagens e pessoas) como exóticos e “consumíveis” ”(DO BEM, 2005: 21). Assim, os países de economia periférica, segundo Molina (2001), percebendo o grande fluxo de estrangeiros, passaram a investir na prestação de serviços. Para esses países, o desenvolvimento da atividade estaria “ligada à necessidade de dar início ou continuidade ao processo de modernização” (DO BEM, 2005:22). Assim, surge o turismo “numa concepção exclusivamente financeira” (MOLINA; RODRIGUEZ, 2001: 49). Segundo o autor, os Estados Unidos: [...] promoveu este modelo, justificando-o com a possibilidade por ele oferecida aos países dependentes (latino americanos, por exemplo) de obter os seguintes objetivos: captação de divisas [...], geração de empregos [...] e redistribuição de renda. (2001: 49-50).

Entretanto, tais benefícios não se concretizaram na sua plenitude por razões diversas, dentre elas, o autor cita o benefício da isenção de impostos das empresas estrangeiras, devido às políticas de incentivo,


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estabelecidas pelos próprios países anfitriões. Dessa forma, o turismo desenvolvido por nações de economia periférica, em que se inclui o Brasil, configura-se historicamente de maneira servil, ou seja, sanando os anseios e expectativas dos estrangeiros em detrimento da população nacional. Segundo Burns (2002: 54), “o turismo tem uma história de submissão e desenraizamento de destinos “receptivos” “submetendo-se” às elites locais e empresas multinacionais”. A transposição das peculiaridades do surgimento do turismo nacional para os dias atuais é inevitável. Seu processo evolutivo carrega características bastante palpáveis de um modelo dualista que se exterioriza ainda em tempos atuais. Nesse sentido, pode-se citar uma das facetas do turismo nacional, o turismo sexual infantil. Entende-se que essa deformação da atividade, que vem ao encontro das aspirações sustentáveis do setor, tem suas raízes historicamente alicerçadas, tanto na evolução do turismo no Brasil como na história da mulher brasileira. Assim, através de uma reflexão teoricamente sustentada, uma abordagem diferenciada do tema faz-se necessária, o qual, devido à vulgarização dos fatos perdeu sua real dimensão. Dessa forma, questiona-se se os motivos que impulsionam milhares de crianças a tal atividade podem ser meramente entendidas como uma opção de escolha, ou se tais escolhas são condicionadas pelas situações vividas particularmente por cada uma delas, acrescidas de um quadro historicamente tempestuoso. Assim, percebe-se que, até mesmo a atividade turística, pôde sentir os reflexos dos modelos impostos pelos países desenvolvidos; seja no aspecto humano, minimizando-os ao bem servir, seja no aspecto estrutural. Entretanto, uma atitude reflexiva imbuída de atributos modificadores se torna válida, pois a costumização dos fatos não pode impedir de agir contra o que se entende por errado, pois “o maior inimigo do progresso é o hábito”. PARÂMETRO NACIONAL EXPLORAÇÃO TURISMO

SEXUAL

INFANTIL

INDEPENDENTE

DO

A prostituição de mulheres e crianças não pode ser apontada somente como fruto do desenvolvimento desacelerado do turismo, muito menos por sua divulgação errônea, através da mídia11 com a divulgação 11 Designação dada aos meios de comunicação social, tais como: jornais, revistas, cinema, rádio, televisão, etc. (FERREIRA:1986).


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de pacotes “exóticos” para o país. Essa patologia social possui suas raízes muito mais profundas, fortalecidas historicamente pela desigualdade social e de um sistema excludente que não oportuniza a realização dos sonhos e aspirações pessoais de sua população. A prostituição “é o rosto da sociedade em crise” (PIRES, 1983: 67). Conforme o autor, a existência das atuais Madalenas12 revela a violência de todo o sistema que explora as mulheres, especialmente, as mais pobres e marginalizadas. As causas sociais, sobretudo o fator econômico, podem explicitar uma das mais importantes causas do desenvolvimento da atividade. A miséria passa a ser a mola propulsora de uma série de conseqüências de extrema relevância. Ela, por sua vez, desencadeia o desenvolvimento dos cinturões populacionais, nos quais um grande número de pessoas busca, por meio da migração campo-cidade, um melhor padrão de vida. A cidade, no entanto, não consegue absorver a mão de obra excedente, aumentando ainda mais a pobreza. Assim, a prostituição parece ser “uma atividade típica de economia submersa” (1983: 66) e esperança de muitas mulheres que, por ela pretendem resolver seus problemas financeiros. Não obstante, essa evasão muitas vezes tem por conseqüência o desfacelamento das famílias, outro fator contundente. O primeiro agente socializador da criança, passa a desintegrar-se por motivos financeiros. Enquanto os pais saem à procura de emprego, as crianças ganham as ruas, mesmo porque a oferta de creches públicas é infinitamente menor que o necessário. Assim, jovens entram em contato com a marginalidade e passam a integrar uma fatia ainda mais excluída da população. Outra faceta da desconstituição familiar se apresenta quando as próprias crianças passam a procurar nas ruas meios que possam lhes render um retorno financeiro. Muitas, extremamente jovens, sem nenhum preparo para o mercado de trabalho, começam a vender o único bem que lhes resta, o seu próprio corpo. Essas meninas, ao retornarem para casa, deparam-se com a figura do pai, que as condenam e as expulsam de casa, pois agora, passam a não ter mais honra. Sem alternativa, perambulam pelas ruas à procura de conforto em clientes que, na sua concepção, possam um dia substituir os cuidados do pai agora ausente. Outro aspecto de fundamental importância para o crescimento da exploração sexual infantil retrata-se mediante a conivência de autoridades policiais. A esse respeito Pires (1983: 68) afirma: Existe um envolvimento da polícia no campo da prostituição, no tráfico de mulheres e na 12 Referência à Maria Madalena, considerada prostituta, segundo narrativas bíblicas.


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distribuição de drogas. É sabido que a “caixinha da prostituição” é fonte de importante renda para os policiais e investigadores. Em quase todas as áreas da prostituição “os homens” usam de brutalidade e exploram as mulheres. Se elas não se submeterem as suas fantasias, são perseguidas, encarceradas e torturadas.

Essas autoridades, policiais, investigadores, advogados, deputados, militares e governadores, corrompidas pelo sistema, tornam-se facilitadores mediante atos ilícitos, como: elaboração de certidões de nascimento falsas, exames médicos deturpados, conivência pela omissão de ajuda, acertos com intuito de proteger os clientes de tal atividade, perseguições e maus tratos. “Assim como nas senzalas dos escravos negros não havia acesso a pessoas estranhas, também aqui as senzalas prostitucionais são pudicamente protegidas” (1983: 83). Nesse mesmo sentido, Antônio Maria de Souza relata: Eu vi com meus próprios olhos como uma mocinha chamada Larita (índia), de 18 anos de idade, foi agarrada por 11 recrutas brancos do exército. Eu os vi trepando em cima dela e se satisfazendo no corpo da moça durante a noite: desde às 20h até às 3h da madrugada (Médico e antropólogo Antonio Maria de Souza, In DIMENSTEIN, 1997: 87).

Afirmações como essa, maximizam as fronteiras do abuso sexual infantil, não se limitando apenas a crianças que se submetem a tal atividade, como também as que estão a esmo de proteção, assim como milhares de meninas indígenas do Norte do Brasil. Verifica-se assim que, apesar do turismo sexual ser uma realidade latente, a exploração de menores retrata-se de forma corpulenta e concisa no país. Além das crianças marginalizadas das grandes cidades, vale denunciar o tráfico de meninas, principalmente, no Norte e Nordeste. Por meio de falsas promessas, aliciadores persuadem meninas a abandonarem suas casas em busca de empregos com ótimos salários. Ao chegarem nos locais designados, percebem-se submetidas à exploração sexual desenfreada, sem limites ou regras. Para tornarem-se livres novamente, devem pagar a dívida já adquirida (passagem, alimentação e hospedagem). Obviamente, desprovidas de qualquer valor, vêem-se obrigadas a fazer “salão”. Crianças de 13, 12 e, até mesmo 11 anos, são as preferidas. “Na rota do tráfico, a virgem vale mais e é disputada até


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mesmo em leilões” (DIMENSEIN, 1997: 20). Essas localidades, como se costuma ouvir, vivem quase que totalmente, em função de exploração sexual infantil: “Passou dos 15 quilos, está bom”. (1997: 21). Dessa forma, as drogas constituem uma fuga da realidade, recorrendo a elas, as meninas se desligam da vida medíocre e desumana que passam a viver, chegando a afirmar que já foram gente, mas que, nas circunstâncias que se encontram, não são mais ninguém (1997: 94). Favorecendo-se dessa dependência, os “cafetões” usam as meninas para fazerem as entregas de drogas, para dessa forma, manterem seus vícios. A droga é um mecanismo de escravidão administrado pelo cafetão. Ele garante o vício da menina. Para sustentá-lo, ela serve de “formiguinha” e prostituta, tentando saldar sua eterna dívida (DIMENSTEIN, 1997: 78).

Os policiais também encontram, nesse processo, uma forma de satisfazerem seus desejos sexuais. Cientes desse ciclo vicioso negociam a possível prisão das menores em institutos, em troca de programas gratuitos, por isso, “praticamente toda menina já sofreu abusos de policiais” (1997: 71). Ainda mais chocante se torna o quadro, quando nos deparamos com relatos de fatos, que são considerados corriqueiros: São submetidas a todo tipo de tortura e exploração, aceitando qualquer tipo de peão. Quando rejeitam, são maltratadas com surras violentas, cortes de cabelos com facão e até mesmo a morte. Uma menina cobrou dinheiro do peão que tinha acabado de transar. Foi morta com dois tiros na vagina (DIMENSTEIN, 1997: 115).

Ou ainda:

A ex-escrava Kelen de Lima informou que [...]

o garçom e vigia da boate onde trabalhava, queria fazer amor com ela. Diante da recusa, deu-lhe uma coronhada de revolver na cabeça. Desmaiou, o sangue jorrava e, mesmo assim, foi possuída (1997: 156).

Referindo-se às tentativas de fuga, o autor relata: “Um dia mais furioso do que o normal amarrou-a na traseira do seu carro e a arrastou pelas ruas. Não estava satisfeito e depois ainda espremeu limão na carne que sangrava”.


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Essa deprimente atividade insiste em consolidar-se sob os olhos atentos e gananciosos de uma sociedade insensível aos aspectos socioculturais de seu povo. A parte ativa desse processo, os aliciadores e exploradores, está adormecida a partir de uma situação desfavorável que lhes parece irreversível: a miséria - tanto financeira quanto moral. A banalização faz com que se proceda à vulgarização dos fatos, que passam a causar menor impacto. Até mesmo o bem mais precioso, a vida, decresce diante dos costumeiros assassinatos, estupros e seqüestros. Do mesmo modo, o resgate da família, alicerce de um bom convívio em sociedade e formadora de caráter, é de imensurável importância. A retomada de antigos valores vem se fazendo necessária mediante uma instituição quase falida que se vê sufocada diante de tantas mudanças. Muitos desses valores já caíram em desuso e os que sobraram, tornaramse obtusos. Nesse sentido, vale lembrar que: Quem observa o faz de um certo ponto de vista, o que não situa o observador em erro. O erro na verdade não é ter um certo ponto de vista, mas absolutizá-lo e desconhecer que, mesmo do acerto de seu ponto de vista é possível que a razão ética nem sempre esteja com ele (FREIRE, 1996: 14).

PROSTITUIÇÃO INFANTIL E O TURISMO: MOTIVAÇÃO, PUBLICIDADE, IMAGINÁRIO E TURISMO SEXUAL INFANTIL NO BRASIL Atualmente, o turismo se apresenta de uma forma mais abrangente, não plenamente consciente do seu valor, mas desperta os mais íntimos desejos dos que usufruem a sua liberdade nessa atividade em constante evolução e aperfeiçoamento. Sendo a liberdade a “construção da própria identidade do ser humano através da sua autonomia” (MOESCH, 2000: 41), ou seja, “ser livre é no fundo poder dispor de si mesmo” (KRIPPENDORF, 1989:53), o fenômeno turístico, que tem como seu principal elemento o homem, depara-se com a complexibilidade de seu estudo e a dificuldade de se encontrarem termos que o definam. Tais buscas, pertinentes para o entendimento holístico do processo, podem ser observadas em diferentes abordagens, cada qual em defesa de interesses próprias e absortas em distintas realidades. Muitas são as tentativas para que se chegue a um denominador comum. “Os antropólogos, por exemplo, tentam categorizar os turistas de acordo com suas diferentes motivações” (BURNS, 2002:57),


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o que reabre uma outra brochura de estudo. Inúmeros são os aspectos que levam o homem atual a deslocarse por meio do turismo. Inevitavelmente, a busca está onipresente em quaisquer das razões. Burns (2002:59) afirma que existem dois tipos de fatores que direcionam suas ações: o fator de impulsão e o de atração. O primeiro restringe-se aos motivos que levam o turista a determinado destino, ou seja, a motivação. Desse modo, percebe-se que se trata de uma atitude de cunho pessoal, conseqüentemente, com inúmeros fundamentos. Já o segundo, refere-se aos fatores que levam os turistas ao destino, ou seja, a própria atração e a publicidade, que estão suscetíveis a s externas e, por isso, de igual complexibilidade. Primeiramente, analisando os fatores de impulsão, pode-se afirmar que, como “o ser humano se vê entre campos de tensões contraditórias, como: trabalho-descanso, vigília-sono, esforço-repouso, liberdadeobrigações, etc”. (KRIPPENDORF, 1989:38), é de sua natureza tentar manter o equilíbrio. Segundo Da Silva (2000:73): “A motivação é conseqüência de algum tipo de necessidade que, satisfeita, promove o equilíbrio do organismo”. Desse modo, o cotidiano (nesse aspecto usado com conotação negativa) recai sobre os ombros acolhedores do turismo, que, a partir deste momento passa a desempenhar quase todas as funções que possam ser úteis para o equilíbrio dos anseios humanos. Nesse contexto, Krippendorf (1989: 60) acrescenta: “As pessoas viajam para recarregar as baterias, para consumir a tranqüilidade, o clima, a paisagem e as civilizações estrangeiras; a seguir, voltam para enfrentar o cotidiano durante um certo período”. Percebe-se, que inúmeros podem ser os fatores que influenciam, particularmente, cada turista a visitar determinada localidade, sejam eles: a busca pelo prazer, o descanso, o intercâmbio cultural, ou talvez a descoberta do seu próprio eu, por meio de um encontro consigo mesmo. Portanto, acreditase que o turismo; pela realização das motivações pessoais cabíveis a cada ser humano; passa a desempenhar um papel social de fundamental importância, em que, pelo seu efeito anestésico, ameniza temporariamente as insatisfações pessoais do homem, mantendo seu equilíbrio; de grande relevância para um convívio amistoso em sociedade. Oportunamente, Krippendorf se expressa: “O lazer é uma droga aprovada pela sociedade, um analgésico que dá a ilusão de uma melhora passageira, mas que não pode curar a doença em si”. Nesse contexto, a busca pelo “reino imaginário da liberdade” (KRIPPENDORF, 1989:51), também pode ser apontada como uma das mais corriqueiras razões para a realização atual das viagens. Já que o “turismo não


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é o destino, mas as experiências vividas” (RYAN in BURNS, 2000:52) e as expectativas a elas atribuídas, o mito da liberdade se faz presente mediante a impressão de autonomia total e a oportunidade vivida através da “livre” escolha. Entretanto, é sabido que, muitas vezes, “a decisão pessoal é de certa forma condicionada pela sociedade” (KRIPPENDORF, 1989:41). Essa liberdade, por muitos aspirada, atualmente se comporta de acordo com as normas vigentes na sociedade, onde não há mais a preocupação com o que se vai fazer nas férias, mas para onde se vai nas férias (1989:42). Essa atitude tem suas raízes fortalecidas no século XIX com o desencadeamento da Revolução Industrial na Europa. Com a produção em larga escala de produtos, proporcionada pela industrialização, passouse a dispor de um excedente considerável de mercadorias que com a falta de compradores, passaram a constituir grandes estoques. Dessa forma, “a publicidade13 foi o caminho viável para reduzir o estoque e ao mesmo tempo incrementar o consumo” (BARBOSA, 2001:20). Tal artifício que, até o final do século XVIII, era usado tão somente para divulgar as características de determinado produto, a partir do século XIX passa a fazer o uso da retórica14 (2001:22). Essa, devido ao avanço tecnológico e as novas necessidades que surgiram com o desenvolvimento do capitalismo, passa a ser utilizada como “a arma” da publicidade, influenciando a decisão de seus clientes, a ponto de prometer o próprio “paraíso na terra” (BURNS, 2002:137). Portanto, a reflexão é inerente: a publicidade está ligada à economia industrial e, conseqüentemente, ao desenvolvimento econômico e, dessa forma desperta, e até mesmo provoca, o consumo (BARBOSA, 2001:20). Segundo Barbosa (2001: 26) “O consumo oferece uma compensação psicológica das necessidades insatisfeitas, sonho e projeção simbólica num universo de desejos reprimidos”. Todavia, vale ressaltar que, com o desenvolvimento das telecomunicações, a publicidade passou a ter um maior alcance e as conseqüências de sua utilização passaram a acarretar impactos mais significativos. Nesse contexto, podemos destacar seus reflexos na atividade turística, dentre elas, a insatisfação do turista ao deparar-se com um produto que não condiz com sua respectiva propaganda; e sua na construção da imagem de determinado destino. Isso se deve ao fato de que “a publicidade sempre tem um aspecto lúdico, de encantamento, é a 13 Entendida neste contexto como “a arte de exercer uma ação psicológica sobre o público com fins comerciais ou políticos” (FERREIRA: 1986). 14 “Entende-se a retórica como a arte de persuadir, de convencer e de levar à ação por meio da palavra [...]” (BARBOSA: 2001).


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operação do espetáculo, do jogo e da encenação” (2001:23). É mediante a publicidade vinculada pela mídia que o homem desenvolve suas motivações específicas e, assim, constrói seu imaginário, vale um adendo de que as mudanças ocorridas na atividade turística perante tal processo, fizeram com que os motivos impulsionadores das viagens sofressem alterações. Isso fez com que a mais insaciável das criaturas, o homem, continuasse sua busca, mesmo que, muitas vezes, de forma bastante peculiar. Referindo-se a essas mudanças comportamentais sofridas pela sociedade, Gastal se expressa: Os tempos pós-modernos contemporâneos nos defrontam com novas necessidades e novos desejos: vivemos na era do consumo, quando compramos não mais para atender às nossas necessidades, mas também para atender aos nossos desejos transformados em necessidade (GASTAL; 2005: 69).

Assim, mediante as mudanças da vida societal e os avanços tecnológicos, uma nova perspectiva surge acerca do turismo e a sociedade passa a usufruir um diferente conceito de felicidade. Dessa forma, o turismo surge como fonte de libertação, como já contextualizado, transformandose em “uma válvula de escape que permite o relaxamento das tensões [...]” (KRIPPENDORF, 1989:51), tornando possível à vivência de um mundo perfeito, mesmo que em um curto espaço de tempo. Dentre os inúmeros motivos que impulsionam o homem atual a desbravar novos lugares, pode-se ainda mencionar a busca pelo “paraíso perdido”. Sendo o turismo a “materialização dos sonhos” (BURNS, 2002: 55), o desejo de encontrar esses lugares utópicos, distantes da realidade muitas vezes insatisfatória, passa a se perpetuar no imaginário deste homem pós-moderno. À procura por um cenário paradisíaco de paisagens exóticas e de clima propício, características do Éden, acrescenta-se um atenuante particularmente masculino: o prazer sexual. O turismo sexual configurase, dessa forma, erroneamente como um segmento da atividade turística, quando deveria ser considerada uma de suas deformações (DO BEM, 2005). Sua exteriorização explícita e desregrada, reflexo de problemas sociais profundamente ancorados em uma realidade histórica, destoa dos fundamentos de um turismo sustentável. A seguir, fazendo uso das pesquisas de Swarbrooke (2000), apresentam-se as diferentes estratégias dos turistas que, equivocadamente, configuram-se como um segmento da atividade turística:


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Homens que fazem uso dos serviços de prostitutas quando estão a negócios em uma localidade onde as prostitutas estão envolvidas com prostituição por escolha própria. Homens que realizam viagens com a única intenção de procurar serviços de prostitutas que estejam envolvidas com a prostituição por escolha própria. Homens que realizam viagens de negócios com a única intenção de fazer sexo com prostitutas que não estejam envolvidas com a prostituição por escolha própria, mas estejam sendo forçadas a serem prostitutas. Homens que realizam viagens com a única intenção de pagar para fazerem sexo com homens da comunidade local. Homens que realizam viagens com a única intenção de fazerem sexo com crianças do mesmo sexo. Mulheres que viajam com a única intenção de pagar para terem sexo com homens locais. Mulheres e homens que viajam na esperança de encontrarem um parceiro sexual do local a quem pagarão com presentes ao invés de dinheiro. As assim chamadas “Shirley Valentines”, mulheres casadas que viajam a localidades específicas na esperança de sexo e de um romance de curta duração com homens locais. O jovem turista hedonista cujos planos de férias são motivados pelo desejo de fazer sexo com novos parceiros. Fonte: Swarbrooke (2000: 121. fig. 7.3)


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Essa prática, tão sumariamente entendida como “homens comprando sexo de prostitutas”, segundo Swarbrooke (2000: 119), maximizou suas fronteiras, muniu-se de novos e preocupantes aspectos e tornou-se mais complexa, como se pode constatar no esquema anterior. Apesar de a prostituição ser uma atividade presente na maioria dos países – legalmente ou não – sua prática aliada ao turismo torna-se ainda mais preocupante. Nesse aspecto, concorda-se com a prefeita de Fortaleza Luiziane Lins15 (PT), eleita no ano passado, quando afirma que o direito ao prazer sexual é inerente ao ser humano, mas quando esse cruza o Atlântico apenas com essa intenção, algo está errado. Ao se observarem as variantes do turismo sexual, propostas por Swarbrooke anteriormente, a que nos causa maior preocupação é a que se procede no âmbito infantil. Esse comércio do sexo, “que não se limita mais à exploração de mulheres adultas [...] para saciar a fome dos turistas sexuais, [...] tem nas crianças e nos adolescentes um objeto sexual cada vez mais valorizado no mercado internacional”16 . Segundo a Unicef, pelo menos 2 milhões de crianças são exploradas sexualmente no mundo (SOALHEIRO, 2004: 72). Esse número tão expressivo certamente não condiz com o real alcance dessa patologia, pois devido ao seu caráter ilegal, a obtenção de dados precisos se torna uma tarefa árdua. No Brasil, a impunidade dos aliciadores, o não cumprimento das medidas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a ausência de políticas sociais mais eficazes são alguns dos aspectos facilitadores que o incluem, segundo Boiteux (2003), na lista dos dez países no mundo procurados unicamente para o prazer. Segundo Richter In Theobald (2001: 407), dentre esses, podemos destacar ainda: Tailândia, Filipinas e Sri Lanka. A autora alerta que a prostituição, em alguns desses países, não é considerada uma opção de emprego, pois “milhões dessas mulheres e crianças são coagidas, raptadas ou vendidas para prostituição” (RICHTER, 2001: 407), fazendo parte, involuntariamente, da chamada “indústria do entretenimento”. Segundo relatório da missão especial da Organização das Nações Unidas17 , divulgado no dia 18 de fevereiro de 2004, Juan Miguel Petit, seu relator, aponta o envolvimento de 100 a 500 mil crianças brasileiras na exploração sexual, vitimando, em sua grande maioria, meninas carentes de 12 a 18 anos. No relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), publicado 15 Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u76386.shtml 16 Disponível em Http://www.crpsp.org.br/a_servi/set-busca.htm 17 Disponível em Http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u85002.shtml


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em 1995, foi possível identificar o perfil18 desses turistas. Em sua grande maioria, homens com idade entre 30 e 50 anos e pertencentes à classe média-baixa da Alemanha e Estados Unidos. Agências turísticas emissivas comercializam pacotes turísticos a partir de 10 mil dólares que incluem uma passagem de vinda, duas de volta em vôos charters19 , no mínimo, uma acompanhante e hospedagem em hotel. Os destinos mais procurados, segundo a CPI, são o Rio de Janeiro- RJ, Recife- PE e Fortaleza- CE. Outro aspecto relevante no que tange à exploração sexual de mulheres e crianças é sua relação com o tráfico de humanos. Essa atividade movimenta, segundo o CHAME20 , anualmente, cerca de 12 milhões de dólares, atrás, de acordo com Mendonça (2005), apenas da indústria de armas e do narcotráfico e, vê, nas mulheres brasileiras, um mercado rentável. De acordo com o mapeamento realizado neste ano pelo setor de inteligência da Polícia Rodoviária Federal (PRF), existem no Brasil, segundo Peixoto (2005), cerca de 844 trechos de rodovias federais consideradas de risco para a exploração sexual de crianças e adolescentes. Estatisticamente, houve um incremento de 30% referente ao mesmo período do ano anterior. Tais trechos compreendem 937 municípios, 17% do total nacional. Aqueles, por estarem situados muitas vezes em zonas fronteiriças, acabam por facilitar tal atividade. O Escritório das Nações Unidas Contra Drogas e Crimes divulgou no dia 19 de maio de 2004 o perfil brasileiro em relação ao tráfico de mulheres e crianças para fins sexuais21. Segundo o relatório, entre 800 e 900 mil mulheres são levadas para fora do país por aliciadores a cada ano. Dentre essas, as que são vendidas, são comercializadas, de acordo com o CHAME, por 15 mil dólares. Seus principais destinos são: Alemanha, Estados Unidos, Itália, Holanda, Japão, Grécia, Índia, Tailândia, Bélgica e Turquia. Devido à dificuldade de retornarem ao Brasil, ficam prisioneiras de seus aliciadores e escravas da esperança. Destino turístico nenhum que aspire a um desenvolvimento sustentável da atividade, pode conviver e sobreviver com sua imagem vinculada à exploração sexual de seu próprio povo. Neles, turistas se valem da miséria de uma sociedade para sanarem seus desejos, em uma exploração tipicamente colonial. Entretanto, tal atividade exterioriza um quadro nacional delicado, na qual as condições precárias a que está submetida grande parte da população acabam por impulsionarem-na a 18 Disponível em Http://www.crpsp.org.br/a_servi/set-busca.htm 19 Vôos fretados (CATUREGLI, Maria Genny. Dicionário inglês - português. Turismo, hotelaria e comércio exterior. 2ª ed. São Paulo: Aleph, 2000 In BARBOSA:2001: 33) 20 Organização não governamental, Centro Humanitário de Apoio à Mulher - CHAME, em http:// www.chame.org.br 21 Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u94491.shtml


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uma atividade degradante. O turismo, por meio de suas peculiares, acaba por assumir uma característica de permissividade. Sua prática, ao admitir um comportamento diferenciado do seu praticante, quando erroneamente compreendida, induzlhe ao uso de uma postura inadequada. De acordo com Burns, “o turismo oferece a libertação da vida corriqueira e rotineira e às vezes [...] esta inclui a libertação das normas sociais [...]” (BURNS, 2002:121). Entretanto, quando um destino tolera tal comportamento, acaba banindo o direito à dignidade de seu povo. Por isso, cabe ao destino assumir uma postura que reprima e condene os turistas que adotem tal postura, preservando, assim, seu povo, seu bem mais precioso. CONDIÇÕES AMBIENTAIS PARA PROMOVER MUDANÇAS: INTERVENÇÕES GOVERNAMENTAIS As discussões acerca da problemática do turismo sexual vêm ganhando, lentamente, novas dimensões. De forma tímida, as primeiras ações governamentais emergem à superfície na tentativa de resolver mais um problema. Em 1993, o tema mereceu a primeira discussão na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), criada no Congresso Nacional para apurar responsabilidades na exploração e prostituição infanto-juvenil22. Seu relatório final, publicado em 1995, surtiu efeito imediato, no entanto paliativo. Ao final desse mesmo ano, o Brasil passou a agir com intuito de mudar a imagem do país no exterior. Assim, foram retirados de circulação prospectos e cartazes publicitários nacionais que fizessem qualquer menção à oferta de sexo. Após um período, em 2004, durante a Conferência Mundial Contra a Exploração Sexual de Menores realizada em Estocolmo (Suécia), foi lançado um selo alertando os turistas a respeito da proibição do sexo com menores de idade. A ação maximizou suas fronteiras e, em fevereiro de 2005, o Instituto Brasileiro de Turismo – Embratur, lançou uma campanha publicitária abrangendo restaurantes, hotéis, aeroportos e agências de viagem de todo o país. O slogan da campanha é, “Cuidado! O Brasil está de olho. Exploração Sexual Infantil... Denuncie!” Elaborado em parceria com o Ministério da Justiça. Nesse sentido, as embaixadas brasileiras foram incumbidas de identificar e impedir a operação de agências de viagem que comercializem pacotes de turismo sexual para o Brasil. Somando-se a tal iniciativa, foi 22 Disponível em Http://www.crpsp.org.br/a_serv/set_busca.htm.


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vetado, pela Embratur, o repasse de verbas para unidades federativas nacionais que fizessem uso do marketing sexual em suas promoções. O Instituto, o Ministério da Justiça e a Associação Brasileira de Hotéis elaboraram uma cartilha, alertando os estados da pouca rentabilidade do turismo sexual. Enquanto um turista convencional gasta 80 dólares por dia, o turista sexual gasta 40 dólares. No entanto, a ação de maior repercussão é o Projeto Sentinela23, que auxilia crianças e adolescentes vítimas de violência e exploração sexual. Com o orçamento de 35 milhões neste ano, superior, portanto, aos 28 milhões de 2004, o programa, que deverá ser expandido para cem novas cidades de acordo com o Ministério do Desenvolvimento Social, atende, hoje, segundo Fernandes (2005), a 315 municípios e conta com o total de 30 mil inscritos. Entretanto, a problemática do turismo sexual infantil, transcende a superficialidade. Tais ações, de cunho paliativo, encontram-se aquém do necessário para a erradicação dessa patologia. Atitudes mais enérgicas, em parceria com demais ministérios e juntamente com organizações não governais – ONGs – fazem-se necessárias devido ao alcance de tal atividade. As ações individuais, pequenas em relação ao todo, “[...] se colocadas juntas, são maiores do que as grandes” (Henri Barbusse). METODOLOGIA Com intuito esclarecedor a pesquisa permite, em diversos meandros da investigação e da utilização de um conjunto de subsídios, a construção do conhecimento. Mediante uma análise crítica, esta pesquisa visou a uma investigação no âmbito do turismo e sua ligação com a exploração sexual de menores, em uma abordagem metodológica qualitativa. Essa, “compreendida como um movimento reflexivo, sistemático e crítico” (MOESCH, 2000: 62), em que se trabalha “com um universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes” (MINAYO, 1994: 21-22) remeteu este estudo ao cerne das relações, o que o tornou ainda mais complexo e dinâmico. Esta abordagem foi realizada por meio de uma concepção materialista, que entende a realidade histórico-social em dinâmica permanente, e como “uma totalidade: um todo integrado, no qual as partes [...] não podem ser entendidas separadamente, senão numa relação de conjunto” (MOESCH, 23 Sentinela, programa de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Maiores informações através dos sites: www.desenvolvimentosocial.gov.br e www.fomezero. gov.br.


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2000: 49). Dessa forma, não se objetivou a construção de resultados definitivos e sim, uma reflexão embasada em aspectos relevantes, os quais não explicaram a totalidade, deveras complexa, da problemática em questão. Mas isso é compreensível, pois “por mais bem elaborada que seja, nenhuma teoria dá conta de explicar todos os fenômenos e processos” (MINAYO, 1994: 18). CONSIDERAÇÕES FINAIS Mediante suas escolhas e percalços, a sociedade configurou-se. Sua evolução pode ser constatada por meio das páginas de sua história que, mediante conquistas e derrotas revelam, de forma explícita, suas peculiaridades. A inexorável relevância de uma abordagem que abrangesse o resgate da configuração sócioeconômica nacional tornou-se imperiosa no decorrer da presente análise. Nesse sentido, percebe-se o Brasil sob uma ótica extrativista, de um modelo que pouco oportunizou a sua população e que, mesmo de forma menos expressiva, manifesta-se em dias atuais. Até mesmo a configuração do turismo nacional pode ser vislumbrada pelo viés de um sistema dualista, na qual sua implementação seguiu os interesses internacionais. Nesse aspecto, o Brasil presencia um quadro deprimente, crianças que se violentam ao servirem de opção de lazer a turistas que aqui aportam. Este turismo, que continua a despertar o imaginário dos visitantes internacionais, desenvolvendo uma nova forma de exploração ao estilo colonial, transcende o aspecto publicitário. Um quadro socioeconômico tempestuoso; em que a desigualdade social se manifesta de forma contundente, exteriorizada pela miséria da população; intitula-se como um dos principais aspectos que sustentam esta atividade. A carência de oportunidades de grande parte da população brasileira acaba por impulsioná-la a procurar formas diversas de sobrevivência. Assim, não há constrangimento, se não aquele ditado pela miséria e pela fome. A um quadro histórico contundente, soma-se o desespero de milhares de mulheres e crianças que vêem na exploração sexual de seus corpos um meio de sobrevivência. Mais preocupante torna-se tal fato, quando há coação na sua prática. Por isso, o tráfico de mulheres e crianças no Brasil, agrava tal situação. Raptos, estupros, torturas e encarceramentos são facilitados mediante a conivência de autoridades corrompidas pelo sistema o que explicita o alto grau de complexibilidade desta atividade. Quando delatada, os casos que chegam à justiça deparam-se com sua


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lentidão, proporcionando aos infratores oportunidade de reincidência. A sociedade, responsável pela construção de valores, vê-se perdida perante sua própria obra. A customização tem na banalização dos fatos sua ação reflexiva. Então, é necessária uma reestruturação social, ética e moral em prol do principal elemento, o humano. Tal mudança, almejada por muitos, deve ser alicerçada em uma inversão dos princípios dominantes, por meio de uma massificação educacional - meio de intervenção construtiva no mundo – e cultural, criando-se vetores que a conduzam ao favorecimento holístico da humanidade. Tal reflexão tornase imprescindível, pois, “é pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática” (FREIRE, 1996: 36). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGOSTINI, João Carlos. Brasileiro, sim senhor. São Paulo: Moderna, 1997. ARRUDA, José Jobson. História integrada: da idade média ao nascimento do mundo moderno. São Paulo: Átila, 1997. BARBOSA, Ycarim Melgaço. O Despertar do turismo: um olhar crítico sobre os não lugares. São Paulo: Aleph, 2001. BOITEUX, Bayard Do Coutto. Turismo sexual. Disponível em http://www. estudosturisticos.com.br/conteudocompleto.asp?idconteudo=1187>. Acesso em: 22 de ago. de 2003. BURNS, Peter M. Turismo e antropologia: uma introdução. São Paulo: Chromos, 2002. (Coleção Tours) DA SILVA, Fernando Brasil. A Psicologia aplicada ao turismo e hotelaria. 2a. ed. São Paulo: CenaUn, 2000. DIMENSTEIN, Gilberto. Meninas da noite: a prostituição de meninasescravas no Brasil. 13a. ed. São Paulo: Ática, 1997. DO BEM, Arim Soares. A dialética do turismo sexual. Campinas, SP: Papirus, 2005. FERNANDES, Kamila. Polícia mapeia rotas da exploração sexual de menores. Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ ult95u109089.shtml>. Acesso em: 03 de ago. de 2005. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 1986.


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TV COM: UM CANAL COMUNITÁRIO?¹ TV COM: A CHANNEL COMMUNITYRE? Denise Noal Beckmann² e Daniela Aline Hinerasky³ RESUMO Na pesquisa, analisa-se a TV COM no Rio Grande do Sul para verificar se a proposta de programação e as estratégias do canal estão relacionadas ao conceito de um veículo de comunicação comunitário. A partir da descrição do histórico, estrutura e programas, buscou-se compreender as mudanças do canal desde o lançamento, em 1995 – considerando o objetivo inicial de ser informativo. Verificou-se que, mesmo que se autodenomine um “canal da comunidade”, trata-se de uma emissora comunitária por concessão, mas não em conformidade com as especificações da lei da TV a Cabo, pois atua com bases empresariais e segue as diretrizes do grupo RBS, do qual faz parte. Através da cobertura jornalística e alguns programas, observouse que o conceito de comunidade foi ampliado – aspecto que acabou descaracterizando sua atuação na região metropolitana de Porto Alegre. Além disso, o acesso da população é limitado, reduzido a sugestões e opiniões no conteúdo dos programas, sem formas efetivas de participação – outra exigência dos veículos comunitários. Palavras-chave: TV COM, TV comunitária, TV a Cabo, programação. ABSTRACT The research analyzes the TV COM in the Rio Grande Do Sul verifying if the proposal of programming and the strategies of the canal are related to the concept of a communitarian vehicle of communication. From the description of the description, structure and programs, searched to understand the changes of the canal since the launching, in 1995 - considering the initial objective of being informative. It was verified that, exactly that if autodenomine a “canal of the community”, is about a 1 2 3

Trabalho de Iniciação Científica - PROBIC/UNIFRA. Acadêmica do curso de Comunicação Social - Jornalismo - UNIFRA. Orientadora – UNIFRA.


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communitarian sender for concession, but not as specifications of the law of the TV the Handle, therefore acts with enterprise bases and follows the lines of direction of group RBS, which is part. Through the journalistic covering and some programs it was observed that the community concept was extended - aspect that finished depriving of characteristics its performance in the region metropolitan of Porto Alegre. Moreover, the access of the population is limited, reduced the suggestions and opinions in the content of the programs, without forms participation effective another requirement of the communitarian vehicles. Keywords: TV COM, communitarian TV, TV the Handle, programming. INTRODUÇÃO Acredita-se que os estudos sobre os veículos de comunicação devem discutir não só os aspectos econômicos, mercadológicos e políticos, mas também a vinculação da programação e das suas diretrizes com a comunidade para a qual se dirigem, isto é, os telespectadores. Fundada em 1995, a TV COM, voltada à Região Metropolitana, RS e integrante da RBS - Rede Brasil Sul de Comunicações foi considerada a primeira TV comunitária do Brasil. Pode ser sintonizada (em UHF) no Estado do Rio Grande do Sul e em algumas cidades catarinenses (como Joinville e Florianópolis) e via cabo para todo o país. Em mais de uma década, o canal passou por diferentes fases e reformulações. Nessa direção, a pesquisa procurou discutir se a proposta da programação do canal está relacionada ao conceito e à legislação de um veículo de comunicação comunitário. Buscou-se, a partir da descrição do histórico do canal, sua estrutura e programação, compreender as mudanças – considerando que tinha o objetivo inicial de ser uma emissora essencialmente informativa. TV A CABO E TV COMUNITÁRIA Radiodifusão é a palavra portuguesa equivalente à inglesa broadcasting, que significa algo como semear aos quatro ventos, conforme Ferraretto (2001). Mas não pode ser ligada somente ao rádio, deve ser considerada a emissão de sinais por meio de ondas eletromagnéticas. Como definem Barbosa e Rabaça (2001, p. 617): “Serviço de radiocomunicação cujas transmissões se destinam diretamente ao público em geral, podendo compreender rádio, televisão, telefacsímile, telex ou outros tipos de transmissão”.


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Dessa forma, ainda que se utilize a expressão radiodifusão sonora no sentido de rádio, a televisão constitui-se em radiodifusão de som e imagem, conforme os autores, o que permite aplicar as leis de comunicação comunitária também para a TV. As discussões e tentativas para regulamentação dos serviços de cabodifusão começaram já na década de 70. Em 1988, um decreto fez avançar a legislação da TV a cabo no Brasil que, no restante da América Latina¹ já estava adiantada - ao regulamentar o Serviço Especial de Televisão por Assinatura (TVA) e permitir concessões para o funcionamento de canais em UHF, cuja operação possibilitou a transmissão de conteúdos locais, como foi o caso da TV COM, mais tarde. Basso (2002, p. 07) destaca que, de 1989 a 1995, ou seja, até o surgimento da Lei da TV a Cabo, “as operações existiam amparadas numa portaria de DisTV, Sistema de Distribuição de Sinais de TV por meio físico”. Após diversos debates entre organizações interessadas, foi elaborada a Lei nº 8.977, de 6 de janeiro de 1995, regulamentada pelo Decreto-Lei 2.206 de 14 de abril de 1997, que estabeleceu a obrigatoriedade das operadoras de TV a cabo (beneficiárias da concessão de canais) a disponibilizar 6 (seis)4 canais de acesso público, sendo um canal para utilização livre por entidades não governamentais sem fins lucrativos. No que diz respeito à democratização da comunicação na TV a cabo, mesmo considerando as limitações da lei de cabodifusão, a disponibilização de um canal comunitário se constitui um avanço nacional. Isso porque, em torno do mesmo, há a possibilidade de reunir a comunidade, levantar suas necessidades, discutir e analisar os problemas, buscar soluções, além de resgatar a identidade local. É claro que as programações devem ter qualidade e ser de interesse comunitário; daí a exigência de que a sociedade civil tome frente como porta-voz. Por sua vez, questões legislativas e conceituais são, até hoje, complexas quanto às atribuições, papéis, propostas e deveres de um veículo cuja concessão seja um canal comunitário, como a TV COM, que por concessão, conseguiu a autorização, segundo Sozo (1995, p.06) para “instalar uma emissora de abrangência local, sintonizável pelo 4

Na Argentina, além das cerca de 120 TVs comunitárias, na região de Buenos Aires, existem em torno de 2.800 emissoras de rádio FM alternativas.² Conforme consta na lei da TV a cabo, disponível no site www.anatel.com.br, os canais de acesso público e gratuito são: 3 canais legislativos (Senado, Câmara Federal e um terceiro compartilhado pela Assembléia Legislativa - Câmara Municipal), um canal educativo-cultural, reservado à utilização pelos órgãos dos governos federal, estadual ou municipal que tratam de educação e cultura, um canal universitário, um canal comunitário, aberto para utilização livre por entidades não governamentais e sem fins lucrativos. A lei também determina que as operadoras devem manter dois canais para uso eventual, mediante aluguel.


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sistema UHF ou através da TV por assinatura”. Nessa via, preocupações a respeito do cumprimento e efetiva participação comunitária abrangem este estudo. Três estados destacam-se como os pioneiros da TV a cabo comunitária: Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo. Segundo Peruzzo (1996), “os gaúchos foram os pioneiros com o Canal Comunitário realizando sua primeira transmissão no dia 15 de agosto de 1996, pelo canal 14 da NET Sul”. Entretanto, o canal TV COM (autorizado pelo decreto nº. 95744 de 23 de fevereiro de 1988 e com transmissões com data limite em maio de 1995), que entra no ar em 15 de maio de 1995, é um canal contratualmente comunitário. O grupo RBS, a partir da fundação da TV COM, lançou um forte apelo comunitário, intitulando-a, inclusive, de primeiro canal comunitário do Brasil, apesar das fortes bases empresariais. Configura-se um paradoxo, tanto em termos legais, quanto em termos de produção. O modelo de canais comunitários com participação popular efetiva, estruturados por entidades não-governamentais5 foram implantados um ano depois, em 1996. Para caracterizar-se como comunitário, conforme Peruzzo (1996), os participantes devem organizar a gestão e a operacionalização do canal, sendo que este deve ser bem estruturado com estatuto e regimento próprio. Em relação aos canais comunitários existentes, centralizam-se nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste e somente agora estão sendo formados nas regiões Norte e Nordeste. Talvez, isso se deva ao grau do conhecimento e de “estratificação” da luta por canais de acesso público. É fato que por mais que exista a Associação Brasileira de Canais Comunitários, a autora diz que há muitas dissensões políticas entre os membros, pois, como poucas comunidades têm informações sobre a importância e o direito de veicular sua programação na TV a cabo comunitária, falsas impressões são passadas e o oportunismo acaba tentando prevalecer num espaço aberto que deve ser da comunidade. A TV comunitária a cabo é um espaço em que se oferece programação eclética, tem planejamento e gestão abertos, segundo Schimdt (1996). A legislação prevê, portanto, que a grade seja feita pelas entidades, sem intervenção do governo e dos grandes empresários da mídia. Seus gestores devem ter mandato temporário e a sustentação financeira deve ser feita 5

É necessária a criação de uma entidade mantenedora para administrar o canal. “A dificuldade vai ser proporcional ao grau de articulação daquela sociedade onde o canal é implantado”, enfatizou Cabral (2004). Em todo o país, a estruturação dos canais comunitários deu-se graças ao apoio dos membros do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), além de amplo apoio de entidades não governamentais e sem fins lucrativos. Criou-se de imediato a Comissão Provisória, Estatuto, Regimento e a Associação de Usuários do Canal Comunitário, estabelecendo plano de ação, com critérios técnicos, estratégicos e políticos.


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através de contribuições das associadas, apoio cultural e, eventualmente, prestação de serviços - não podendo ter interesses comerciais. Peruzzo (1995) considera que o país tem muito que avançar em termos de democratização da televisão e está muito atrasado em matéria de rádio e TV comunitária. Por sua vez, Kunsh (2003) explica que já é uma conquista ter canais disponíveis para os diversos poderes conforme a Constituição de 1988, com seu capítulo 5 da Comunicação Social e a existência, no papel, da obrigatoriedade do funcionamento do Conselho de Comunicação Social para as concessões de rádio e televisão, além das conquistas sociais da legislação de 1995 e da televisão por assinatura. TV COM A TV COM (TV comunidade), canal 36 UHF e que é uma concessão no cabo, faz parte do grupo RBS e, conforme Sozo (1995), surgiu para preencher uma lacuna que o grupo verificou após pesquisas realizadas em meados dos anos 90 que revelavam que os telespectadores porto-alegrenses e nas cidades da região metropolitana6 consideravam insuficientes as informações e notícias locais dentro dos telejornais da RBS TV. O canal surgiu com a proposta de ser um modelo novo de canal local de informação baseado nas experiências de TVs comunitárias de sucesso como a City TV (Canadá), cujo objetivo era cobrir exclusivamente o noticiário. A receita da TV COM7 tem origem em duas vertentes: no contrato de comercialização e com o sistema de TV paga. O canal trabalha com dois tipos de anunciantes: o pequeno que busca uma mídia mais acessível e empresas de grande porte que buscam regionalizar sua marca. Através de outros veículos do grupo RBS, que são aproveitados cada vez mais integrando a produção de notícias e o parque técnico da área de rádio, jornal, TV e Internet otimizando assim, custos e produção, a TV COM sistematizou o trabalho cuja característica principal era a de 6

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São elas: Alvorada, Cachoeirinha, Canoas, Eldorado do Sul, Esteio, Gravataí, Guaíba, São Leopoldo, Sapucaia, Viamão. Atingindo 3.220 mil pessoas. As transmissões da TV COM via cabo, pela operadora NET, acontecem nas cidades de Atlântida, Bagé, Bento Gonçalves, Capão da Canoa, Capão Novo, Caxias do Sul, Cruz Alta, Erechim, Farroupilha, Lajeado, Passo Fundo, Pelotas, Rio Grande, Santa Cruz, Santa Maria, Xangri-lá. Abrangendo uma área com cerca de 160 mil assinantes. A idéia de colocar no ar algo inédito no país fez com que diversos profissionais da RBS TV viajassem para os principais países com desenvolvimento avançado em televisões comunitárias. Esses locais eram com programação voltada para notícias, para saber o que estava sendo feito no mundo, nessa área.


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uma programação jornalística ao vivo, por oito horas diárias, inicialmente produzidas em Porto Alegre. A emissora foi projetada para ter a programação segmentada e jornalística voltada para os acontecimentos de Porto Alegre. Fazem parte de sua equipe jornalistas, técnicos, apresentadores e personalidades conhecidas no Rio Grande do Sul. Em termos de estrutura, o canal compartilha o parque técnico da RBS, o que permite apresentar a finalização de programas e exibição com qualidade. Com a RBS TV, a TVCOM divide ilhas de edição e links para entradas ao vivo. A TV COM possui um estúdio principal para apresentação da maioria dos programas e um para os programas de notícias. Este funciona no último andar do prédio da RBS TV, com fundo de vidro, o qual mostra uma panorâmica da capital. Além desses, existe um terceiro na redação do Jornal Zero Hora, nos mesmos moldes de quando o canal foi inaugurado. A TV COM é um canal de informação que apresenta a programação em diferentes formatos os quais já sofreram diversas mudanças desde a estréia. É o que se descreve a seguir. A GRADE DE PROGRAMAÇÃO

A legislação permite a utilização em sinal aberto de apenas 35% do tempo de programação. O restante é codificado. Dessa forma, das 24 horas de operação, apenas oito horas podem ser disponibilizadas no sistema aberto de televisão em UHF (canal 36). A grade da programação apresenta três tipos de formatação desde a estréia do canal: a) programas inéditos (17h à 01h – período em que o sinal está aberto); b) jornal eletrônico (01h às 8h – com mudanças na estruturação) e c) reprises de programas (8h às 17h). A programação atual inclui notícias e programas de jornalismo para todo o tipo de público, explorando temas como política, economia, mercado imobiliário, consumidor, esportes, turismo, veículos etc., procurando atender a um público heterogêneo. Os programas estão distribuídos na grade diária, ao vivo, com duração variável e em exibição aos sábados ou domingos, sendo a maior parte gravados com antecedência ou reprisados. Logo após a inauguração, a programação foi sendo experimentada e moldada pelo retorno da comunidade e do mercado publicitário. A TV COM passou por três grandes fases, como explica Basso (2002) em sua pesquisa: 1- implantação, 2- renovação, 3- consolidação. A programação inicial procurava o foco nas problemáticas locais, com uma formatação


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“popular” tentando mostrar os problemas dos bairros (linhas de ônibus, saneamento básico, poluição, buracos nas ruas, escola, creche, lixo, iluminação etc.), mas foi aos poucos sendo deixada de lado, pela proposta de público alvo a que o canal começou a se destinar, focado nas classes A/B. Em 1997, chega ao fim a primeira fase da TV COM. Foi um período de implantação, experimentação e adaptação da nova forma de fazer televisão. Nesse período, mudou-se o enfoque e o canal passou a ser visto como um negócio que precisava ser auto-sustentável. A mudança de fase marcou, também, uma renovação estética e de programação, segundo a pesquisadora. Basso (2002) explica que a TV COM do início da segunda etapa começa muito parecida com o modelo de TV tradicional, mas muda rapidamente para tornar-se um diferencial na comunidade, além de buscar ser mais rentável. A emissora levou quase quatro anos para conseguir o equilíbrio financeiro. A consolidação culminou com dois fatores importantes. O primeiro foi a mudança de enfoque com a forte abordagem dada à cobertura de eventos e coberturas ao vivo; o segundo com a distribuição do sinal para o interior do Rio Grande do Sul, aumentando com isso o número de telespectadores e, ainda, melhorando a comercialização dos programas. A programação atual é bastante diversificada, com produções próprias, além das reprises da RBS TV em sua grade sendo que, durante a manhã, a programação é somente para assinantes de TV a cabo. A partir das 16 horas, o sinal passa a ser transmitido também para o canal 36 UHF até às 2 horas da manhã. Pela manhã, até as 15h30min, a programação da TV COM é voltada para vendas de produtos e reprises dos programas e telejornais da RBS TV. A reprise do Bom Dia Rio Grande inicia às 8h15min. O espaço das 9 horas às 9h05min é destinado a dois programas curtos e de formatos diferentes. Às 9 horas tem Meu Mundo em 60 Segundos, que mostra algum personagem e sua rotina em um minuto, e, em seguida, é reprisado o Drops - Programa de Cinema, que aborda os filmes em cartaz, curiosidades, bastidores e promoções do Programa de Cinema exibido originalmente terça, às 22 horas. O programa Conversas Cruzadas e Falando Abertamente são os que tomam mais tempo nas manhãs da TV COM e às 13h15min trará reprise do Jornal do Almoço. Das 14 às 15h30min, as segundas, passam as reprises de Projetos especiais (séries de curtas-metragens ou documentários) produzidos pela RBS TV, (Ordem e Progresso, Histórias Curtas, Histórias


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Extraordinárias, etc...). Já às 16 horas, quando se inicia a programação em canal UHF, a grade de programação leva ao ar programas inéditos. Começa com o Papo Clip, voltado para música e vídeo-clips, que mostra o cenário da música brasileira e, principalmente, a gaúcha, produzido para o público jovem. A única reprise da tarde é às 17 horas com o programa Gente da Noite (duração de 30 minutos). O Falando Abertamente - programa de entrevistas e debates de temas atuais - vem em seguida e se estende até as 18h40min. Ao anoitecer, começa a parte jornalística com o Manchetes do Dia (18h40min), que mostra os principais fatos da região metropolitana, da capital e do Estado, com todos os veículos da RBS integrados, ressaltando também a meteorologia. Às 19 horas é exibido o programa TV COM Esportes que aborda o futebol e outras modalidades esportivas, quer amadoras ou profissionais, ocorridas no Rio Grande do Sul. À noite, o programa de culinária Anounymous Gourmet inicia às 20 horas, exibindo alguns programas que mostram pratos típicos e outros especiais de diversas regiões e até outros países. O horário das 20h30min é destinado ao Jornal TV COM 1a edição, que aborda os principais assuntos do Estado. O Estúdio 36, com início às 21horas, é um programa cultural, com espaço para música e entrevistas diversas. Em seguida, no horário das 22 horas, a grade apresenta programas de gêneros diferentes e para públicos específicos, como Carros e Motos, Multimídia, área de marketing e publicidade e propaganda. O Jornal TV COM 2a edição aprofunda os assuntos da primeira edição e relata os fatos ocorridos na noite. Já o Conversas Cruzadas (22h45min) é um programa diário de debates e discussões de temas polêmicos. A madrugada começa com o Gente da Noite (às 00h10min), um programa de entretenimento que mostra aspectos pitorescos, como eventos e personalidades, da noite de Porto Alegre e da Região Metropolitana. Um dos blocos é destinado às séries especiais apresentadas também na RBS TV. Após, (00h45min) é reprisado o Jornal TV COM 1a edição. No término da programação, inicia o Mídia Express, programa de vendas de produtos até às 2 horas. Às 2h10min, cai o sinal da transmissão UHF e fica somente o sinal a cabo, reprisando os programas até as 3 horas. Em seguida, começa o Jornal Eletrônico, programa que se destina a anunciar empresas e produtos à venda, até as 8h15min. Aos Sábados, há programas de variedades (entretenimento), mas a maioria da programação são reprises, sendo que o programa Comportamento


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(9h45min) que mostra aspectos psicológicos e psicanalistas das pessoas é inédito. O Jornal do Almoço também é reprisado (só que logo após sua veiculação normal na RBS, às 13 horas). Sábado à tarde, quando há jogos de futebol, a TV COM transmite a partida. Às 18 horas inicia o Café TV COM – programa voltado à cultura, entretenimento e debates, sempre em algum café ou restaurante da capital gaúcha. À noite, os programas TV COM Esportes, Anounymous Gourmet, Jornal TV COM e Shows TV COM encerram a grade inédita dos sábados. Das 23 horas até a madrugada, são reprisados, novamente, os programas diários da TV COM. Aos domingos, existem somente dois programas inéditos. Pela manhã, às 6 horas, é exibido a Santa Missa, com o padre Marcelo. À noite, séries especiais que estejam sendo apresentadas na RBS TV. O Bate Bola, às 21 horas, é um programa de futebol, em que são mostrados os destaques e os principais acontecimentos do esporte. No domingo pela manhã, os programas produzidos para a RBS TV também são exibidos na TV COM. Às 8 horas, começa o Campo e Lavoura (programa que aborda técnicas agrícolas e pecuárias), em seguida, o Vida e Saúde e, às 9h45min, o musical nativista Galpão Crioulo. Próximo ao meio dia, vai ao ar o programa Patrola, exibido aos sábados na RBS TV. Em seguida, novamente são reprisadas as séries especiais da RBS TV e os programas da grade da TV COM. As produções revelam uma preocupação direcionada à valorização da cultura e história local e à cobertura dos principais eventos que acontecem no Estado, além de um jornalismo com teor opinativo. As pautas focam-se em temas locais e da região metropolitana, havendo uma ampliação disso conforme as necessidades de cobertura da emissora. Se equipes ou atletas esportivos do Rio Grande do Sul, por exemplo, estiverem participando de campeonatos ou apresentações fora do Estado, a grade de programação da TV COM pode sofrer alteração, fazendo a cobertura total do evento. CONSIDERAÇÕES FINAIS Nesses mais de dez anos de emissora, em que a TV COM se estabeleceu, deixou de lado o projeto de um canal comunitário informativo e consolidou-se como um canal cujo foco empresarial–comercial prevalece, o que se revela diariamente na programação. Com o slogan “Tá acontecendo, tá na TV COM”, a emissora mudou o foco de apenas informativo, passando a exibir shows, campeonatos e


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acontecimentos em tempo real. Sendo assim, a “comunidade”, criou uma identificação na procura de um canal que faz a cobertura das últimas notícias e/ou eventos em tempo real. Especialmente se o projeto e/ou o evento estiver relacionado a um dos veículos do grupo RBS. Conforme Boffetti (1999), o principal fator de sustentabilidade da TV COM é a integração de mídias os quais dividem o parque técnico e profissional com os demais veículos do grupo RBS, minimizando os custos de operação. Mas seu modelo de funcionamento também se deve a um conjunto de circunstâncias, algumas histórias culturais e outras de mercado que foram sendo criadas. Embora sendo o contrato de um canal comunitário e apresente proposta nesse sentido, sempre buscou a auto-sustentação como emissora. Como empresa busca lucro, por sua vez, na TV COM, o lucro advém da comunicação na prestação de serviços no seu nicho de atuação. A emissora que se autodenomina comunitária é um canal dessa especificidade por concessão, mas não por abranger as características essenciais da lei de TV a cabo. O que se verifica, através da programação e, na primeira década do canal TV COM, é que o conceito de comunidade para os empresários se ampliou, descaracterizando um canal comunitário voltado prioritariamente à região metropolitana. Evidentemente, diversos são os fatores dessa expansão, quer sejam de ordem comercial quer de produção – aproveitamento do material de interesse estadual produzido pelas emissoras da RBS TV no interior (considerando a transmissão via cabo, que possibilitou um maior alcance e transmissão da população gaúcha e seus interesses e participação na emissora). Por sua vez, a forma de transmissão do canal não atinge a totalidade da população do Estado. Há cidades em que não existem conexões de TV a cabo, e a TV COM não é transmitida por televisão via satélite. Mesmo em cidades que possuem TV a cabo, as populações de baixa renda não podem pagar pelo preço da assinatura. Assim, os moradores das cidades da região metropolitana de Porto Alegre levam vantagem, pois além de poderem assistir ao canal em UHF, a programação do canal é mais voltada para a capital do Estado, como era a pretensão inicial. A TV COM não é, portanto, comunitária no cabo ou MMDS. O conceito (ainda em discussão) prioriza o aspecto da participação em termos de gestão e, conforme constatamos, a proposta deste canal é definida por objetivos empresariais. Nesse aspecto, a TV COM é um exemplo de uma série de televisões, com concessão pública em poder de grupos privados,


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que fazem parte da esteira da exploração comercial da tendência de regionalização, como alerta Ribeiro (1996): “Auto-intitulando-se como comunitárias, essas televisões ou outros veículos massivos, só estarão tirando proveito de um conceito que requer muito mais que parcialidades. Requer uma total transformação da concepção de comunicação, colocando-a num cenário político que implique em democracia nos aspectos relativos ao acesso, participação e gestão, em sintonia com o caráter de bem público que os meios exigem”.

De acordo com a nova lei da TV a Cabo, a TV COM está longe de ser uma televisão comunitária, como esclarece Murilo César Ramos, em entrevista concedida em maio de 1996 à Schimidt: “Pela lei a TV COM não é um canal comunitário. (...) Ele pressupõe uma gestão que não é da RBS TV. O operador de TV à Cabo nunca vai gerir, por que ele nunca vai ter nenhuma autoridade sobre o conteúdo do canal” (Schimidt, 1996).

Nesse caso, possibilidades de acesso e participação da comunidade são restritas pela própria estrutura de empresa da RBS. Os telespectadores podem opinar sobre o que está indo ao ar, mas o seu papel na determinação da programação como um todo é limitado, reduzido a sugestões. Mesmo assim, não se pode negar os méritos da TV COM. A regionalização da comunicação potencializa a democratização dos meios de comunicação. Nesse sentido, a participação num nível mais elementar, como no caso da TV COM, com a interferência eventual do telespectador nos conteúdos dos programas, é uma preparação para processos mais avançados, nos quais a participação pode se realizar também na produção e quem sabe, no planejamento da emissora. Cabe à sociedade organizada promover a conquista desse espaço, sobretudo em veículos locais. A grande promessa para a efetiva implementação do canal comunitário está contida na lei da TV a Cabo. Então, seria uma grande conquista se todos os gaúchos tivessem acesso à TV COM para saberem o que acontece em nossa região, pois, é sempre vantajoso assistirmos a uma diferente visão de nosso povo e nossa terra.


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GRAMÁTICA GERATIVA: SUBSÍDIOS PARA O ENSINO DE ORAÇÕES SUBORDINADAS COMPLETIVAS1 GENERATIVE SINTAX: SUSIDIZE TO THE TEACHING TO INCLUSIVE SUBORDINATIVE SENTENCES Eliandra Scapin Cargnin Pegoraro2 e Nilsa Teresinha Reichert Barin3 RESUMO Considerando que os estudos da linguagem sofreram transformações ao longo da história, o surgimento das diferentes gramáticas pôs em evidência preconceitos claros quanto à concepção e análise de estruturas da língua, sem mencionar o aspecto de que não há variantes inferiores. O intuito, neste estudo, é o de avaliar como a Gramática Gerativa pode subsidiar a norma no ensino das orações completivas em livros didáticos para alunos de oitava série do Ensino Fundamental. Em sua grande maioria, os autores seguem fielmente a Gramática Normativa no ensino das orações subordinadas, especialmente as completivas. A proposta é apontar um paralelo didático de como uma análise gerativa pode auxiliar a compreensão e facilitar o ensino das orações completivas em um universo de diferentes possibilidades de encaixamento. Palavras-chave: sintaxe gerativa, ensino. ABSTRACT Considering that the scientific studies of language have suffered several changes along the history, the appearance of different grammars put in evidence clear prejudices regarding the conception and analysis of the language structures, without mentioning the aspect that there are not inferior variants. This study aims to evaluate how the Generative Grammar can subsidize the norm/ rules in the teaching of the inclusive sentences in 1 Trabalho Final de Graduação - TFG. 2 Acadêmica do Curso de Letras - UNIFRA. 3 Orientadora - UNIFRA.


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text books for students in the eighth grade of Junior High School. In their great majority, the authors follow the Normative Grammar faithfully in the teaching of the subordinate sentences, especially the inclusive ones. The proposal is to point a didactic parallel expressing how the Generative analysis can aid understanding and facilitate teaching of the inclus ive sentences in the big and complex universe of different possibilities for fitting. Keywords: generative sintax, teaching. INTRODUÇÃO Há muito tempo, teóricos, professores e estudantes vêm avaliando como a Gramática Normativa pode ser melhor aceita pelos alunos. Porém, muitas das tentativas acabam não tendo resultado positivo e, o que é pior, a Gramática Normativa passa a ter um conceito negativo não só para a escola, como para a sociedade. Com o intuito de avaliar como a Teoria Gerativa pode subsidiar a norma, e com base em estudos feitos por outros autores, como Lobato (1986), Silva e Koch (2001), é que essa pesquisa se realizou. Também Steffen e Lago (1987) têm suas contribuições neste estudo, afirmando que as primeiras evidências de análise Chomskyana foram com o componente sintático, o que torna relevante a teoria de Chomsky para a realização desta pesquisa. Assim, tendo como propósito o estudo da Gramática Gerativa como suporte à Gramática Normativa, objetivou-se a ênfase no estudo das orações subordinadas completivas da Língua Portuguesa, com novas perspectivas para o ensino da norma, quanto ao encaixamento desse tipo de orações. Com o estudo realizado, foi possível evidenciar que a análise gerativa facilita o ensino das orações subordinadas, tornando mais clara a sua compreensão. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS O INÍCIO DOS ESTUDOS LINGÜÍSTICOS: MEMÓRIA Começamos este capítulo definindo, segundo Lobato (1986), o que é lingüística. Em geral, é o estudo científico da linguagem e implica dois esclarecimentos: o real objeto de estudo e o contexto em que a lingüística se insere. Depois de muitos estudos acerca do caráter científico da lingüística, Lobato (1986), em suas observações, destaca que os estudos científicos sofreram várias transformações com a colaboração também de vários filósofos, com teorias que foram do racionalismo cartesiano, do


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empirismo inglês, do idealismo alemão, do positivismo de uma corrente filosófica moderna tributária do empirismo, até que esse positivismo chegasse a adotar a tese do reducionismo absoluto, ou seja, em que todas as generalizações são redutíveis a termos primitivos empiricamente observáveis. Lobato (1986) questiona: “Que características fundamentais atribuem cientificidade ao estudo lingüístico?”. Chegou à conclusão de que a língua é a principal característica do estudo lingüístico e, acerca disso, muito se pensou; surgiram então as gramáticas, cujo objetivo era explicar o universo como um todo, porém essa gramática foi preconceituosa ao comparar línguas primitivas, isto é, pouco desenvolvidas como línguas literárias. A lingüística moderna se caracteriza por se abster de quaisquer julgamentos de valor [...] Quanto ao preconceito sobre as variantes de uma língua, considera o lingüista que não existem variantes inferiores: toda variação no uso de uma língua é lógica, complexa e regida por regras gramaticais. [...] uma dada variedade da língua não é superior às demais; ela só é considerada superior e isso por razões de ordem não- lingüísticas. Exemplos sintáticos [...] são os enunciados “vende-se ovos”, “ ele falou pra mim fazer isso”. A gramática tradicional os condena, classificando-os como erros, mas o lingüista não os rejeita e nem lhes atribui caráter certo ou errado; apenas considera-os como fatos existentes na língua e que como tal devem ser explicados (Lobato, 1986, p. 26).

Para Lobato, essa atribuição de caráter explicativo à lingüística se deu após o gerativismo. A autora mostra, em sua pesquisa, que os estudos lingüísticos iniciaram por volta do século V a. C. , desenvolvidos pelos romanos e pelos trabalhos especulativos da Idade Média e pelo estudo normativo dos gramáticos. Na Grécia antiga, os estudos gramaticais se deram de três formas. Com os filósofos, entre eles Sócrates, não há informações diretas. Na obra de Platão, foi discutida a questão da origem da língua, a composição fonética das palavras e também a referência à língua. A segunda forma de estudo foi da escola Estóica, em que a língua passou a ser trabalhada em obras independentes e defendia que os estudos lingüísticos faziam parte da Filosofia, e que a língua era exatamente a expressão do pensamento e do sentimento. Já, no período alexandrino, a preocupação com a língua era literária e tinha a intenção de tornar as obras


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de Homero acessíveis aos contemporâneos. Também tinham preocupação com o “uso correto” da língua. Foi por volta do século III e II a. C. que surgiu a gramática tradicional do Grego, que consistia em uma análise lingüística quanto à descrição fonética, em específico a língua escrita, e o estudo etimológico para se chegar às formas anteriores de uma determinada palavra. As classes de palavras foram definidas pela antigüidade grega. Assim como Platão dividiu a oração grega em um elemento nominal e um elemento verbal, para ele os nomes funcionam como sujeito numa oração e os verbos denotam ação ou qualidade expressa pelo predicado. Os verbos eram o que hoje é verbo e adjetivo. Aristóteles acrescentou mais outra classe, a das conjunções. Já os Estóicos subdividiram as palavras em quatro classes; nome, verbo, conjunção e artigo. Também os Estóicos contribuíram com a categoria de casos: o caso reto (nominativo) e os casos oblíquos (acusativo, genitivo e dativo). O termo caso era aplicado aos substantivos, adjetivos e particípios, e já estendido aos verbos, passado, futuro e o presente do indicativo; mais tarde os verbos foram classificados em passivos e ativos, transitivos e neutros. No século II a.C., segundo Lobato (1986), Dionísio da Trácia escreveu sua gramática que apresentava oito partes do discurso: substantivo, adjetivo, verbo, artigo, pronome, preposição, advérbio e conjunção. Para esse gramático, substantivo significa pessoa ou coisa, o artigo precede o substantivo, e o que mais aparece em sua gramática é a flexão paradigmática e a sintaxe está totalmente ausente. O gramático Apolônio Discolo foi o primeiro a tentar uma teoria sintática abrangente no século II a. C. e, aplicada à língua Grega, seguiu as oito classes ditadas por Dionísio da Trácia, porém redefiniu alguns termos filosóficos, como, por exemplo, os pronomes e acrescentou a característica de serem portadoras de “substâncias sem qualidade”. Sobre a descrição sintática, instituiu que os verbos são classificados como ativos (transitivos), passivos e neutros (intransitivos). Para ele, a sintaxe diz respeito à combinação de elementos; trata também da noção de concordância e sua análise em constituintes imediatos. Os romanos herdaram dos Gregos o modelo gramatical que, seguido pelos gramáticos latinos, distinguia-se em três aspectos diferentes no estudo da língua: a etimologia, a variação vocabular e a sintaxe. Na Idade Média, seguiu-se a tradição gramatical romana, com base em Donato e Priciano, que eram adotados no estudo do Latim Clássico, considerada uma língua estrangeira aprendida na escola. No século XVI, no início da Renascença, os estudos gramaticais


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estavam voltados para a literatura. Nesse período, surgiu um grande número de gramáticos com base nas gramáticas greco-romanas. A primeira gramática portuguesa, de Fernão de Oliveira, surgiu em 1536 e também a de João de Barros, em 1540. É no século XVII que questões filosóficas apareceram no âmbito dos estudos lingüísticos e, no século XVII e XVIII, discute-se a relação entre língua e pensamento, que vem do tempo de Aristóteles, em que a grande tentativa era a de criar um sistema lógico e racional preexistente a todas as línguas, sendo elas um produto da razão, um reflexo do pensamento. No século seguinte, seguiram-se os estudos lingüísticos, porém com uma sintaxe baseada na ordem das palavras e a língua como expressão do pensamento. No século XIX, dá-se início às gramáticas comparadas, também chamadas de lingüística histórica, a partir da descoberta do sânscrito, em fins do século XVIII. Esses estudos passam a ter o objetivo de identificar as famílias de línguas e trabalhar com a mudança lingüística que pode ser regular, universal (todas as línguas evoluem) e constante (qualquer língua está em evolução contínua). Conforme Lobato (1986), é no século XX que surge uma nova corrente lingüística, o estruturalismo de Saussure, que é contra o atomismo da filologia comparada e contra o princípio comparativista. Saussure foi influenciado pelas idéias da época e, na sua interpretação, a língua é um fato social, isto é, um fenômeno semiológico. O psicologismo de Saussure manifestou-se como mentalista, pois explica que o “signo lingüístico une não uma coisa a um nome, mas um conceito a uma imagem acústica”. Afirma, ainda, que “um dado conceito faz emergir no cérebro uma imagem acústica correspondente, enfim, no fundo tudo é psicológico na língua e o signo lingüístico é então uma entidade psicológica”. Após o estruturalismo de Saussure, surgiu uma nova escola, a do descritivismo americano, de Leonard Blomfield. Na seqüência, surgiu, em meados do século XX, uma nova corrente lingüística contemporânea, o gerativismo, com as publicações de Chomsky, principalmente em 1957 e 1965. Essa corrente ganhou esse nome por apresentar um conjunto de regras e princípios formalizados ou explícitos. SINTAXE DA GRAMÁTICA GERATIVA, SEGUNDO CHOMSKY Para Chomsky (1998), a Gramática Gerativa surgiu junto à revolução cognitiva, um fator importante para o seu desenvolvimento e que ocasionou importante mudança de perspectiva quanto a mecanismos internos (mentais) e ação dos seres humanos.


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A partir dos primórdios gerativistas, muitos outros estudiosos passaram a pesquisar e a analisar a teoria. Assim, idéias e análises teóricas sobre sua origem foram resgatadas. Segundo estudos de Steffen e Lago (1987), a Gramática Gerativa não surgiu de repente, foi através de autores consagrados como Descartes, com a teoria racional, também Port-Royal, com a Gramática Universal, e Humboldt, que defendeu a diversidade das línguas humanas. Mas foi Noam Chomsky, com a obra Estruturas Sintáticas, quem iniciou o estudo da Gramática Gerativa. Mais tarde, essa nova gramática recebeu outros nomes como Gerativa, Transformacional e Gerativa-Transformacional, abrindo um vasto caminho para o estudo da Língua. Como eles citam, todos os dias, falantes nativos ouvem, lêem e criam novas sentenças da língua. Essas são o corpo de estudo da Gramática Gerativa, isto é, estudar a língua em desenvolvimento constante, permitindo que falantes criem novas sentenças nunca antes pronunciadas. A Gramática Gerativa propõe a existência de sentenças dadas a partir de um número limitado de regras para a formulação ilimitada de sentenças numa língua. Também Lobato (1986), com base nos estudos de Noam Chomsky, fez uma análise geral sobre o que norteia essa nova corrente lingüística que formaliza os fatos lingüísticos via regras, aplicadas a uma potencialidade infinita de sentenças de uma língua natural, considerando suas propriedades fonéticas, sintáticas e semânticas. O Gerativismo também está ligado à noção de criatividade no que diz respeito à linguagem, porque Lobato fala sobre os três modelos de estrutura da língua: dois modelos estruturais foram considerados inadequados, e o terceiro trabalhou a questão da ambigüidade de certas frases, nomeando suas estruturas sintáticas de constituintes, como podemos notar nos exemplos a seguir, analisados por Lobato: (1) João é fácil de agradar. Nota-se que nessa frase há duas interpretações: É fácil de João agradar a alguém e É fácil de alguém agradar a João, aqui há duas estruturas sintagmáticas e as regras transformacionais se encarregam de explicar as ocorrências de João e alguém, alguém e João. Já, nos exemplos seguintes, haverá uma só estrutura sintagmática: (2) Eu o mandei chamar. (3) Eu mandei chamá-lo.


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O que ocorre é uma transformação de deslocamento, mudando o pronome clítico de lugar. Chomsky também afirmou que as transformações não podiam modificar o significado das seqüências e defendia também que transformações são regras que relacionam uma estrutura subjacente a uma estrutura superficial, sem alterar o sentido semântico. A autora afirma, com base em Chomsky, que a Gramática Gerativa está composta em duas partes (fonologia, sintaxe), abandonando a posição entre morfologia e sintaxe, para incluir os fatos morfológicos de criação de palavras no âmbito da sintaxe, conforme especificado a seguir: A gramática era vista então como sendo composta pela fonologia e pela sintaxe: a fonologia abarcaria a fonêmica e a morfofonologia (que estabeleceria a estrutura fonológica dos morfemas a partir das informações recebidas da sintaxe), e a sintaxe se ocuparia dos demais fatos lingüísticos, inclusive os morfológicos, tendo por objetivo gerar ʻtodas as seqüências gramaticais de morfemas de uma língua (Lobato, 1986, p. 75).

Segue-se o estudo, em 1965, com outro modelo, que continuou a tratar de fatos morfológicos no âmbito da sintaxe, em que pretendiam passar o gerúndio e o particípio para depois da raiz verbal. Porém, em meados de 1970, surge a versão da teoria em que a morfologia flexional continua a ser tratada na sintaxe. Após essa etapa, houve a publicação de Aspects em que a semântica foi integrada à teoria gramatical chomskiana e, desde então, fazem parte da investigação a sintaxe, a semântica e a fonologia. A primeira trata da construção de frases a partir dos itens lexicais, a segunda explica o significado das seqüências geradas pela sintaxe e a última indica a forma falada dessas mesmas seqüências. Assim, as três são independentes uma da outra, porque cada uma dá conta de seu objeto de estudo e análise. Lobato (1986) mostrou em sua pesquisa que o gerativismo tem tendências quanto às noções de criatividade, mesmo que isso não influencie o aspecto criativo da linguagem na aplicação automática de regras. A Gramática Gerativa teve sua primeira publicação acerca deste assunto com a publicação do livro Syntatic Strutures, com uma teoria de análise de estrutura em constituintes. Nesse livro, são analisados três modelos de estudo da língua, dois são estruturais e o outro é de análise de estrutura em constituintes, ou seja, o modelo transformacional em que Chomsky propôs que a teoria lingüística contivesse regras e que derivasse a estrutura


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em constituintes para, assim, explicar a ambigüidade das frases. Chomsky também aplicou as regras transformacionais a sentenças declarativas e interrogativas correspondentes, conforme especificado abaixo: (4)João comeu uma maçã. (5) João comeu uma maçã? (6) O que João comeu? (7) Quem comeu uma maçã?

Chomsky, apud Lobato (1986), pretendia aplicar as regras transformacionais a esses exemplos que apresentam interpretações semelhantes e diferentes estruturas em constituintes e, para isso, ele propôs derivar as quatro sentenças de uma só estrutura subjacente (como uma seqüência nuclear). O exemplo (4) seria derivado só com aplicações de derivações obrigatórias; o (5), com transformações obrigatórias e facultativas de formação interrogativa, o (6) e (7) seriam derivadas pelas aplicações de regras transformacionais obrigatórias e pela aplicação de uma regra de formação com o pronome interrogativo. Mas esse modelo foi abandonado, pois, com o modelo de 1965, as transformações não podiam alterar o significado das seqüências, em que não é mais viável a noção nuclear. Esse modelo mudou um pouco, em 1967, quando Chomsky evidenciou que as transformações não podiam alterar o significado da seqüência. Lobato (1986) afirma que o modelo de 1957 foi herdado por Chomsky de seu professor Zellig Harris, observando, dessa forma, que há uma marca de continuidade entre o descritivismo americano e o gerativismo, conforme a citação: A noção de transformação gramatical, na versão de 1957 da teoria Transformacional, foi herdada por Chomsky de seu professor Zellig Harris. Eis aí então um traço que marca a continuidade entre descritivismo americano e gerativismo. Harris defendia que uma transformação era uma relação direta entre uma classe e outra de sentenças: por exemplo, entre ativas e passiva, sem nenhuma anterioridade de uma em relação a outra. Para Chomsky (1957) [...] transformação é uma regra que se aplica a seqüências nucleares [...] para produzir seqüências da língua, podendo alterar o significado da seqüência nuclear à qual se aplica (Lobato, 1986. p. 95).


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Essas duas tendências se aproximam e se opõem em relação às transformações que são as regras formais. A oposição dá-se à medida que há distinção no objeto de estudo da lingüística. No modelo de 1965, Chomsky contribui para formalizar a noção de transformação, aplicando uma regra que relaciona uma estrutura subjacente a uma estrutura superficial, sem alterar o conteúdo semântico. Também o modelo de 1965 alterou o de 1957 em relação à tradição descritivista americana, que é a ausência de inclusão da semântica. Porém, o gerativismo se distancia de qualquer outra corrente lingüística dos falantes/ouvintes. Lobato afirma também que, no Gerativismo de Chomsky, as propriedades lingüísticas universais são parte da faculdade de linguagem que pertence à mente humana e que essa teoria lingüística, por ser científica, sai do estágio de observações para a construção de exemplificar fatos realizados e prever novos. A aquisição da língua, segundo Chomsky, não se faz por imitação e hábitos, pois senão não poderíamos entender por que uma criança de 4 a 6 anos de idade produz enunciados sem nunca tê-los ouvido antes e, sim, explica que, a partir dos enunciados, é que a criança ouve, infere regras de princípios gramaticais e, a partir dessas, produz novos enunciados. Por esse motivo, muitas crianças flexionam verbos como: cozi, vesti, dirigi; criam outros novos como: “fazi”, “trazi”, “chegui”, pois elas têm mentalmente uma regra internalizada na aquisição da linguagem. Esse posicionamento que Chomsky adota é racionalista, também defendido por Platão e Descartes, que pregam a importância da mente humana. As línguas naturais são definidas por regras, esse motivo leva-nos a entender por que falantes ouvintes compreendem frases nunca ouvidas antes, e que são internalizadas em sua memória cognitiva. Segundo Lobato (1986), a teoria chomskiana atribui à sintaxe o poder gerativo da língua, deixando à fonologia e à semântica a função de interpretar seqüências produzidas pela sintaxe. Essas são estruturas que, sintaticamente, formam estruturas maiores denominadas constituintes. PERÍODOS COMPOSTOS SEGUNDO A SINTAXE GERATIVA

Para Silva e Koch (2001), os períodos compostos são formados pela combinação de duas ou mais orações e essas se formam através de procedimentos sintáticos de coordenação (ou combinação) e subordinação (ou encaixamento). Esses dois grupos, sob a ótica da Sintaxe Gerativa, opõem-se entre si pelo tipo de regras transformacionais aplicadas. As autoras informam que, na subordinação, as regras são de substituição e que, na coordenação, as regras são de adição. Porém, esses assuntos


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ainda são debatidos por estudiosos, pois não se chegou a uma conclusão quanto aos conceitos sintáticos de coordenação e subordinação ligados à perspectiva semântica e pragmática. A Gramática Gerativa trata do estudo de frases complexas a partir de transformações. Conforme Silva e Koch (2001), a subordinação dá-se mediante o encaixamento de uma oração dentro de outra, mas para isso a oração encaixada (matriz ou principal) tem que exercer a mesma função sintática do constituinte no qual se opera a inserção. Há três tipos de frases encaixadas: as completivas, que se encaixam em um Sintagma Nominal; as circunstanciais, que se encaixam em um Sintagma Preposicionado Adverbial e as relativas que se encaixam em modificadores adjetivais do nome. Enquanto [...] a coordenação constitui um mecanismo gerador recursivo, por meio do qual se combinam constituintes ou partes de constituintes que possuem a mesma estrutura interna, ou ainda, orações estruturalmente independentes (SILVA; KOCH 2001. p.120).

ORAÇÕES SUBORDINADAS COMPLETIVAS, CIRCUNSTANCIAIS E RELATIVAS As orações completivas, assim nomeadas por completarem a oração matriz, e designadas pela norma como substantivas, funcionam como Sintagmas Nominais e podem ser representadas por sujeito; objeto direto; objeto indireto; complemento nominal; predicativo ou aposto. O Sintagma Nominal pode ser representado por expressões designadas pró-formas como: algo, alguma coisa; uma coisa e isto. Essas são formas vazias de significado que servem para marcar a posição estrutural, ou seja, o lugar em que a segunda oração será encaixada. Desse modo a pró-forma pode ser substituída por um só item lexical, por um sintagma ou por uma oração. Entre o período simples e o composto, é possível identificarmos equivalência, visto que o período composto transformou-se em período simples, possibilitando que qualquer símbolo seja reintroduzido à direita do Sintagma Nominal, não importando se antes ele estava à esquerda. Vejamos os exemplos de Silva e Koch (2001): (8) i- ALGO é importante. ii- Todos os membros do Conselho apresentar sugestões. iii- É importante a apresentação de sugestões por todos os membros do Conselho.


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iv- É importante que todos os membros do Conselho apresentem sugestões.

(9) i- Ele desejava ALGO. ii- Os companheiros colaborar na pesquisa. iii- Ele desejava a colaboração dos companheiros na pesquisa. iv- Ele desejava que os companheiros colaborassem na pesquisa. Segundo as autoras, a regra completa do Sintagma Nominal é: SN (Det) (Mod) N ou Pro ou O² (Mod): em que SN = Sintagma Nominal; Det = determinante; Mod = modificador; O¹ = oração principal; O² = oração encaixada. Ainda, as autoras afirmam que as completivas são classificadas conforme a posição ocupada na frase pelo SN, na qual ela for encaixada. Por exemplo, a oração completiva nominal vem encaixada em um nódulo “sintagma nominal” que, juntamente com a preposição, passa a pertencer a um sintagma preposicionado. Esse sintagma preposicionado funciona como complemento do nome dentro de outro sintagma nominal, o qual pode ser tanto um SN sujeito ou SN interior ao Sintagma verbal (objeto, predicativo, etc.). É esta a razão pela qual a completiva pode aparecer em posições diferentes. Silva e Koch (2001) afirmam que o encaixamento das completivas pode dar-se por meio de dois tipos, ou seja, por meio de complementizadores: - que introduz orações substantivas desenvolvidas, e–r introduz orações reduzidas. Quanto ao complementizador “que”, a transformação de encaixamento obedece às seguintes etapas: encaixamento de uma oração O² no lugar da pró-forma “algo” e através do acréscimo do complementizador que. As autoras exemplificam da seguinte forma: (10) Eduardo sabe que Cristina viajou. Estrutura profunda: i- Eduardo sabe algo (O¹) ii- Cristina Viajar (O ²) iii- Eduardo sabe que Cristina viajou. Às vezes, no encaixamento da completiva, é necessário ajuste quanto ao modo verbal, ao tempo, ao uso da preposição, ao apagamento do sintagma nominal idêntico e à extraposição. Dessa forma, o modo verbal varia dependendo de vários traços semânticos do verbo, pois o verbo da encaixada ora estará no indicativo, ora sofrerá transformação para o subjuntivo. Isso implica apresentar, na estrutura profunda, o verbo


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da matriz mais os morfemas flexionais, já o verbo da encaixada apresentase no infinitivo. Também há verbos que exigem sempre o emprego do indicativo, ou sempre o do subjuntivo e verbos que admitem ambas as possibilidades. Silva e Koch (2001) dão os exemplos: (11) Eu soube que Lucila está (ou estava) doente. em:

As três formas verbais dessa oração estão no modo indicativo, já (12) Eu temia que Lucila estivesse doente. Está no subjuntivo e: (13) Eu imagino que (Lucila está ou esteja) doente.

Temos aqui uma oração com duas formas verbais aceitáveis: “imagino” está no modo indicativo e concorda com o verbo “está”, também no indicativo, ou com o verbo “esteja” no subjuntivo. Segundo as autoras, verbos de volição (querer, desejar), verbos de sentimentos (temer, lamentar), de ordem ou solicitação (mandar, pedir) exigem o subjuntivo na encaixada, sendo que os verbos de constatação (notar, perceber, verificar) e de declaração (afirmar, dizer) determinam normalmente o uso do indicativo. Há, portanto, a hipótese de os verbos de declaração virem acompanhados do subtipo negativo e, assim, ocorrer o subjuntivo na completiva. Essa negação pode ser marcada por advérbio de negação “não”, “nunca”, “jamais” ou interiorizada no próprio verbo, como é o caso de negar. Veja o exemplo que Silva e Koch (2001) usam para ilustrar esse caso: (14) Eu não afirmo ou nego que ele está ou esteja tentando fugir ao compromisso assumido. Quanto aos verbos de julgamento, o emprego do Indicativo ou do Subjuntivo na completiva depende de os verbos apresentarem o traço (+factivo), ou seja, ter uma pressuposição verdadeira, ou (-factivo), que é a inexistência dessa pressuposição verdadeira. Assim sendo, sempre que o verbo de julgamento apresentar uma pressuposição verdadeira ocorrerá a presença do indicativo na oração encaixada, ou seja, na O², ao contrário disso, a falta da pressuposição determinará o emprego do subjuntivo na oração que completa a matriz. Silva e Koch (2001) mostram esses verbos da seguinte forma:


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(15) Acredito que nossa equipe realizou uma excelente partida.

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Pela presença do verbo no indicativo e no tempo passado, podemos pressupor que a equipe realizou uma excelente partida, pois o verbo no indicativo indica certeza do que aconteceu, acontece ou irá acontecer. Já em (16) Acredito que o novo presidente da empresa seja uma pessoa capaz, pressupomos aqui que o verbo no subjuntivo indica incerteza, pois entendemos que o presidente pode ou não ser capaz de gerenciar a empresa. Segundo as autoras, os ajustes das completivas, quanto ao tempo da oração encaixada, dependem, muitas vezes, do tempo verbal da oração matriz; então, quando a oração apresentar verbos no indicativo e subjuntivo, a conjugação quanto ao tempo deverá ser a mesma para os dois modos. No exemplo (17) Desejamos que vocês façam boa viagem, notamos que os dois verbos estão conjugados no presente e, respectivamente, no indicativo e subjuntivo. Quando tratarmos de discurso indireto, o verbo terá modificações entre os tempos verbais, como, por exemplo, do presente a imperfeito, de perfeito ao pretérito mais que perfeito, de futuro do presente a futuro do pretérito. Nas sentenças (18) A jovem disse: - Sou uma criatura infeliz, o verbo está no tempo presente. Em (19) A jovem disse que era uma criatura infeliz o verbo está no tempo pretérito. Em relação ao uso da preposição, em verbos seguidos de sintagma preposicionado, no processo de encaixamento, ocorre o apagamento da preposição. Esses casos são encontrados em níveis de linguagem menos formais, como o exemplo: (20) i- Preciso de algo. ii- Você me ajudar. iii- Preciso (de) que me ajude.


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A preposição “de” não aparecerá. Por conseguinte, quanto ao apagamento do SN idêntico e correferencial a outro SN da matriz, o primeiro será apagado. Nos exemplos dados por Silva e Koch (2001), isso fica claro: (21) i- A candidata acredita em algo ii- A candidata vencer as eleições iii- A candidata acredita que (ela) vencerá as eleições. E, por último, quanto à extraposição, ela ocorre quando a completiva estiver encaixada na posição de um sujeito da matriz e é transferido para o final da frase. Veja: (22) i- Algo é certo. ii- Márcio chegar hoje. iii- É certo que Márcio chegará hoje. Assim como o complementizador “que”, o complementizador -r também tem suas contribuições, obtendo-se, assim, uma oração reduzida de infinitivo. Vejamos o exemplo: (23) i- Luís espera algo. O¹ ii- Luís vencer as dificuldades. O² iii- Luís espera vencer as dificuldade. O³ Nesse exemplo, notamos que houve o encaixamento de O² na próforma algo e o acréscimo do complementizador -r, fazendo com que o verbo tome a forma de infinitivo e ocorra apagamento do SN idêntico da completiva. Na estrutura superficial, percebemos que a completiva infinitiva exerce, dentro da matriz, a função de objeto direto. Isso explica que, do mesmo modo que a desenvolvida, ela pode exercer as funções de sujeito, objeto direto, complemento nominal, predicativo e aposto. Para essa introdução do complementizador -r na completiva, são necessários alguns ajustes semelhantes à introdução do complementizador -que, como o apagamento da preposição que pode permanecer ou ser suprimida da oração matriz. (24) i- Eu penso em algo. ii- Eu estudar medicina.


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iii- Eu penso em estudar medicina.

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A partir da estrutura profunda, a extraposição ocorre quando a completiva infinitiva exercer a função de sujeito da matriz, sendo transposta geralmente para o final da frase. A concordância dá-se de duas formas: mantém o infinitivo com ou sem flexão. Isso ocorre quando os sujeitos são idênticos. O apagamento do SN idêntico na completiva ocorre naturalmente, podendo ser o SN sujeito ou SN complemento da matriz, porém pode ocorrer ambigüidade nas completivas, como no exemplo a seguir. A teoria gerativa mostra que a frase, abaixo indicada, pode provir de duas estruturas profundas diversas: (25) i - Proponho-lhe ir ver o diretor. ii - Eu proponho algo a você. iii - Você ir ver o diretor. iv - Eu proponho você ir ver o diretor. v - Eu proponho algo a você. vi - Eu ir ver o diretor. vii - Eu proponho eu ir ver o diretor. Ou, ainda, a frase pode ser desambigüizada, na superfície, pelo uso do infinitivo flexionado. viii- Proponho-lhe irmos ver o diretor. Outra subdivisão das orações subordinadas são as circunstanciais, que, pela gramática tradicional, são chamadas de adverbiais. São orações que se encaixam na posição de um sintagma preposicionado adverbial, ou seja, de um SPA modificador da matriz, que também é representado por pró-formas que podem ser substituídas por um item lexical, um sintagma ou uma oração. O SPA assume então uma regra: SPA (prep + SN ou adv ou O²). Com Base ainda no estudo de Silva e Koch (2001), passamos a observar as relações que as circunstanciais podem representar: circunstanciais de tempo, como no exemplo: (26) i- O público deixou o recinto em certo momento. ii- O espetáculo terminar. Para unir essas duas frases, é necessária a transformação de circunstancialização que, nesse caso, é marcada por uma conjunção


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temporal. Veja como o processo se dá na oração: iii- O público deixou o recinto quando o espetáculo terminou. Na oração subordinada circunstancial de causa, o encaixe se dá da mesma forma como em todas as demais circunstâncias.

jogo.

(27) i- O torcedor ficou sem voz, por uma razão (causa). ii- O torcedor gritar demais durante o jogo. iii- O torcedor ficou sem voz, porque gritou demais durante o

Assim, cada oração tem sua circunstância. Por exemplo, a consecutiva pode ser substituída pela pró-forma com uma conseqüência; a de condicionalidade, com uma condição; a comparação, em comparação com algo; a de proporcionalidade, à proporção de algo; a de conformidade, de conformidade com algo; a de finalidade, para certo fim; a de concessão, apesar de algo, e as modais, de certa maneira. Essas pró-formas não são regras estáticas, pois elas podem variar conforme a oração em que se encontram. Todas essas orações passam pela transformação de circunstancialização como já foi dito e, por vezes, é necessário ajuste relativo ao apagamento do SN idêntico ao tempo e ao modo. Ainda é importante ressaltar que o modo nas orações concessivas e finais apresentam sempre o verbo no subjuntivo, fora este caso, o Subjuntivo ocorrerá somente quando for futuro. Silva e Koch (2001) ressaltam que devemos cuidar a ambigüidade, pois um mesmo circunstancializador pode ser empregado para exprimir diferentes relações e que a mesma relação pode ser veiculada por circunstancializadores diversos. Vejamos os exemplos: (28) Morreu como um bravo. (comparação) (29) Fez tudo como o médico havia determinado. (conformidade) (30) Como estivéssemos exaustos, paramos para acampar. (causa) É importante ressaltar que, à semelhança das completivas, as orações circunstanciais podem também ser encaixadas por transformação infinitiva, desde que antecedidas de preposição ou locução prepositiva, como, por exemplo: por (causa), para (fim), apesar de (concessão), a+o (tempo), a (condição), a ponto de (conseqüência). Existem também as circunstanciais reduzidas de gerúndio e particípio, que geralmente se apresentam antepostas


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às orações matrizes, mas algumas das orações circunstanciais não aceitam a forma de redução: as comparativas, as proporcionais e as conformativas. E, por fim, Silva e Koch (2001) avaliam as orações relativas que, segundo a Gramática Tradicional, são chamadas de adjetivas em apenas dois tipos: as restritivas e as apositivas, aquelas funcionam como sintagmas adjetivais e apresentam-se encaixadas na posição de modificador do nome, veja a regra: SA-O², e estas, por seu valor de aposto, originam-se de orações coordenadas e se encaixam ao lado do SN que contém o elemento idêntico. São denominadas explicativas pela Gramática Normativa. As relativas restritivas apresentam algumas semelhanças com as completivas como, por exemplo, quando são encaixadas na posição de um SA, representado por uma pró-forma que pode ser substituída por um item lexical, um sintagma ou uma oração. Vejamos os exemplos: (31) Falei com a menina inteligente. (32) Falei com a menina de Júlio. (33) Falei com a menina que estuda medicina. Dessa forma, a regra de reescritura do SA é: (intens) e (SPA) e Adj ou O² e (SPc). Para o encaixamento de uma oração em outra, nas relativas, é necessário que os nomes sejam idênticos e correferenciais em que um deles acompanhe a pró-forma, representada por x pelas autoras Silva e Koch, determinando, assim, o lugar na oração matriz onde deve ocorrer o encaixe. Nos exemplos: (34) i- Eu comi o peixe x. ii- O peixe estava estragado. iii- Eu comi o peixe que estava estragado. Notamos que o SN antecedente ocupa a posição pós-verbal. Por esse motivo, o encaixe se deu à direita. (35) i- O peixe x estava estragado. ii- Eu comi o peixe. iii- O peixe que eu comi estava estragado. Nesse caso, o SN antecedente encontra-se em posição pré-verbal, sendo assim o encaixe central. Segundo Silva e Koch (2001), no processo de relativação, a posição pré-verbal ou pós-verbal é importante tanto para indicar o tipo


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de encaixamento, quanto para apontar a necessidade de reordenação das palavras na oração relativa (p. 118). Nas relativas, pode ocorrer ainda de o SN idêntico vir antecedido de preposição ou locução adjetiva, ou seja, pertencer a um sintagma preposicionado, assim os pronomes relativos deverão vir preposicionados. As relativas ainda podem assumir as formas reduzidas de infinitivo, gerúndio e particípio. METODOLOGIA Nesta pesquisa bibliográfica, os pressupostos teóricos possibilitaram importantes subsídios para a análise realizada. No corpus, formado por livros didáticos de oitava série do Ensino Fundamental, procedemos à análise de orações subordinadas completivas em que foi observado se a aplicação seguia apenas orientações da gramática normativa ou se utilizava conhecimentos acerca da teoria gerativa, com a finalidade de possibilitar um melhor entendimento quanto à classificação de orações consideradas complexas. DISCUSSÃO DOS DADOS A partir do embasamento teórico dado, fundamentamos a discussão dos dados, em que consideramos como são avaliadas as orações complexas subordinadas completivas em livros didáticos de oitava série do Ensino Fundamental. Segundo Terra (1993), as orações subordinadas substantivas exercem funções próprias de um substantivo, ou seja, sujeito, objeto direto, objeto indireto, predicativo, complemento nominal ou aposto. Para a norma, as subordinadas substantivas são introduzidas, em geral, pelas conjunções integrantes que e se, as quais não têm funções sintáticas. (36) Que você case é urgente.

No exemplo dado por Terra (1993), para a gramática normativa a oração em estudo é marcada pelo verbo da oração principal que apresenta função de sujeito, e esse verbo está na terceira pessoa do singular, enquanto a oração subordinada exerce a função sintática de substantivo, ou seja, é subordinada porque toda oração que exerce função sintática em relação à outra chama-se subordinada, é substantiva porque exerce uma função própria de um substantivo e é subjetiva porque exerce a função sintática de sujeito da oração principal.


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A mesma frase Que você case é urgente, para a Gramática Gerativa, é analisada como completiva, ou seja, é a oração que completa a oração matriz. Essa oração é dada pelo sintagma nominal no qual se opera o encaixe que, na teoria Gerativa, é representado por expressões como algo, alguma coisa, etc., pró-formas que servem para marcar a posição estrutural, o lugar onde a segunda oração deve ser inserida. Vejamos: algo é urgente, em que algo é a pró-forma representando o sujeito, e é urgente é a oração principal. Que você case é urgente., temos que você case como a oração encaixada na oração matriz e classificada como oração subordinada completiva subjetiva, porque o lugar estrutural que a pró-forma ocupa na estrutura profunda da frase é a de sujeito. Para Bisognin (1994), as orações subordinadas substantivas ou completivas dependem de outra, e normalmente têm conjunção. A oração principal é quem acompanha a oração dependente (subordinada) que ela completa ou a quem amplia o sentido. Depois ele denomina como função os termos: sujeito, objeto direto, objeto indireto, complemento nominal, predicativo ou aposto e, por classificação, os termos: subjetiva, objetiva direta, objetiva indireta, completiva nominal, predicativa ou apositiva. Vejamos um exemplo dado por Bisognin (1994): (37) Descobri que não havia dinheiro no cofre.

O autor solicita que o aluno destaque a oração subordinada e escreva qual função exerce em relação à oração principal, ou seja, o aluno destacará que não havia dinheiro no cofre e escreverá que é um objeto direto. O aluno deveria se basear pela classificação dada, fiel à Gramática Normativa, ou seja, estabelecendo algumas regras para ensinar o conteúdo de classificação de orações compostas. Com base nos pressupostos teóricos, vejamos como essa oração pode ser analisada segundo a Gramática Gerativa. No exemplo 38, é importante analisarmos o sentido da frase ao aplicarmos a pró-forma algo, descobri algo, em que algo representa a oração subordinada e a sua função é completar o sentido da oração matriz descobri, no momento em que se dá o encaixe. Observamos que as orações se completam pelo sentido e, por isso, uma está subordinada à outra, sendo que o encaixe sempre ocorrerá em um sintagma nominal e, nesse caso, é completada por uma oração subordinada completiva objetiva direta. Com base no recurso das pró-formas, podemos auxiliar o ensino da norma, uma vez que, utilizando-as, torna-se mais clara a compreensão das orações subordinadas. Se aplicarmos a regra da norma: toda oração subordinada substantiva é introduzida por conjunção integrante e, no lugar


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desta, aplicamos a pró-forma “algo” da Gramática Gerativa, será para o aluno uma maneira mais simples de identificar as orações subordinadas substantivas ou completivas e, conseqüentemente, as orações se completam via substantiva, porque algo é pronome substantivo e poderá adotar uma das seis identidades sintáticas dadas. Portanto, é importante a construção dos sentidos entre termos integrantes das orações. Ainda, segundo Cereja (1998), as orações subordinadas substantivas e reduzidas estão consideradas assim: o autor elege as orações subordinadas substantivas como tendo valor de substantivo e estabelece funções em relação à oração principal: sujeito, objeto direto, etc. Segundo ele, as subordinadas, além de serem introduzidas pelas conjunções integrantes, também são por pronomes, pronomes indefinidos, advérbios interrogativos ou exclamativos. No exemplo a seguir, a subordinada substantiva exerce a função do objeto indireto do verbo da oração principal. (38) Lembrou-se de que ainda não entregara a pesquisa ao professor. Ele classifica lembrou-se como oração principal e o restante da oração de que ainda não entregara a pesquisa ao professor como oração subordinada substantiva objetiva indireta. Esta classificação está se referindo à classificação determinada anteriormente no livro. A maneira como o autor explica, leva os alunos a decorar as classificações. Para a Gramática Gerativa, a análise desta mesma frase ajuda a entender a construção que se dá na subordinada, como podemos observar a seguir. Usando a pró-forma da sintaxe Gerativa, o aluno conseguirá identificar qual é a oração principal e a subordinada; sendo assim, identificará a função da subordinada. O mesmo autor aborda as orações subordinadas substantivas reduzidas. Apresenta formas diferentes para a mesma oração, vejamos: (39) É bom você usar um Kildare. (40) É bom que você use um Kildare. Kildare é marca de sapato. Ressalta que as duas orações subordinadas são substantivas, no entanto, a primeira apresenta o verbo no infinitivo. É, portanto, uma oração reduzida. Essas são assim denominadas, por apresentarem verbos nas formas nominais; infinitivo, particípio e gerúndio. No segundo exemplo, a oração subordinada substantiva apresenta o verbo no modo Subjuntivo e é introduzida por


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uma conjunção. São assim chamadas de desenvolvidas por apresentarem verbos no modo Indicativo, Subjuntivo e no Imperativo, as quais são introduzidas por conetivos. Cereja (1998) faz suas colocações de forma bem clara, mostrando ao aluno como a reduzida se dá. No entanto, podemos ainda analisar a mesma frase com preceitos na Gramática Gerativa. É bom você usar um Kildare. As reduzidas na teoria Gerativa são introduzidas pelo complementizador -r e, nessa marca, podemos aplicar a pró-forma algo, tornando-se mais fácil descobrir qual das orações é a subordinada e, conseqüentemente, qual a classificação que essa oração receberá, dando sentido à oração matriz. ii- É bom algo. iii- Algo é bom. Partimos da pergunta o que é bom? Algo. Então saberemos que a pró-forma algo está representando uma oração subjetiva, pois, para a norma, o sujeito está sempre na segunda oração e, com o auxílio das duas teorias, é fácil comprovar isso. Assim temos: É bom você usar um Kildare. A oração destacada é a subordinada completiva subjetiva reduzida de infinitivo. No outro exemplo: É bom que você use um Kildare, temos que a subordinada é introduzida por um conetivo e, ao aplicarmos a pró-forma algo, somos capazes de identificar a subordinada. O livro de Faraco e Moura (1996) traz bem desenvolvida a explicação dos períodos compostos por subordinação. Os autores classificam como subordinada a oração que depende de outra, ou seja, subordina-se à outra oração ou ainda que exerce função sintática em relação à outra oração. Mas fazem isso com perspectiva somente da Gramática Normativa, vejamos como eles adotam a oração subordinada substantiva predicativa: (41) A verdade é que ninguém estudou.

Eles dizem que predicativa é a oração substantiva que funciona como predicativo da oração principal e, a partir disso, afirmam que o verbo da oração principal será necessariamente de ligação. Esta mesma oração, analisada sob a ótica da Gramática Gerativa, ganha outra compreensão, pois, ao aplicarmos a pró-forma algo, temos: i- A verdade é algo. ii- Ninguém estudou. iii- A verdade é que ninguém estudou.


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A construção de i- e ii- mostra que são duas orações, cada uma com seu verbo e, se aplicarmos ii- à pró-forma algo, veremos que as orações irão se completar e saberemos que é predicativa, porque verbos de ligação exigem predicativos como complemento. Os mesmos autores abordam a completiva nominal e classificam-na como oração subordinada que funciona como complemento nominal de um termo da oração principal. (42) Estou certo de que ela se sairá bem. Os autores da Gramática Normativa dizem ser necessária a presença de um nome que exija complemento nominal, no caso desse exemplo é a palavra certo. A Gramática Gerativa desmembra essa oração em duas frases na estrutura profunda para, depois, proceder ao encaixamento. i- Estou certo de algo. ii- Ela se sairá bem. iii- Estou certo de que ela se sairá bem. Fazendo a construção com a pró-forma, fica fácil evidenciar a oração subordinada, lembrando sempre que o complementizador introduz uma oração subordinada. Sabemos ainda que podemos fazer a pergunta estou certo de quê? Pois o nome “certo” precisa de um complemento e a resposta a essa pergunta completa o lugar da pró-forma “algo”. As explicações de Faraco e Moura (1996) são feitas de maneira clara, mas sempre, com o olhar da Gramática Gerativa, é mais fácil mostrar ao aluno como se dá a construção das subordinadas completivas. Sarmento (1995), em seu livro da oitava série, explica a oração subordinada substantiva apositiva a partir do exemplo: (43) Hoje só penso numa coisa: que ele me perdoe. Mostra a oração principal, que tem a presença do verbo penso e também a construção da subordinada com a presença da conjunção integrante que marca o verbo perdoe. Afirma que a apositiva funciona como aposto, isto é, explica uma palavra da oração principal e aparece depois de uma pausa marcada por dois pontos, travessão ou ponto e vírgula. A autora faz uma boa explicação para a apositiva, mas é possível melhorarmos ainda mais com o estudo da Gramática Gerativa. Vejamos ao


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aplicarmos a pró-forma algo:

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i- Hoje só penso numa coisa: algo ii- Que ele me perdoe. iii- Hoje só penso numa coisa: que ele me perdoe. A Teoria Gerativa mostra que a subordinada é introduzida por uma conjunção integrante e faz a substituição pela pró-forma algo, isso nos dá a certeza de que o encaixe ocorrerá. A apositiva tem uma marca que é a entonação, e vem separada entre vírgulas ou por dois pontos. Então, analisar as orações subordinadas completivas apositivas sob a ótica da Gramática Gerativa e com os conhecimentos da norma torna-se uma tarefa fácil. Vejamos agora o estudo que Luft e Correa (1998) fazem em seu livro didático de oitava série. A cada capítulo dividem o estudo de gramática em morfologia e sintaxe separadamente. No capítulo quatro, no estudo de sintaxe, abordam as orações subordinadas substantivas, classificando-as como orações que exercem função própria de substantivo e essas orações têm funções como de sujeito que resulta em uma oração subordinada substantiva subjetiva; função de objeto direto que resulta em uma oração subordinada substantiva objetiva direta e, assim, segue a classificação como já vimos anteriormente. Observemos, agora, um exemplo de oração subordinada substantiva subjetiva dada por Luft e Correa (1998): (44) Seria bom que vocês se mudassem para uma comuna. Eles classificam Seria bom como oração principal e que vocês se mudassem para uma comuna como oração subordinada substantiva subjetiva. Então os autores sugerem transportar a oração subordinada (sujeito) para o início do período e resumi-la em uma palavra - isto, que ficará assim: Isto seria bom, em que “isto” toma o lugar de sujeito e, conseqüentemente, representando a oração subordinada substantiva subjetiva. Ainda sugerem fazer a pergunta: O que seria bom? resultando como resposta a oração subordinada. Os autores indicam formas de como identificar as orações subordinadas: o verbo da oração principal está sempre na terceira pessoa do singular; não há sujeito na oração principal; e o sujeito da oração principal é toda a oração subordinada e, por esse motivo, recebe o nome de subordinada substantiva subjetiva. Percebemos que o estudo feito nesse livro didático apresenta conhecimentos prévios com base na teoria Gerativa, os autores não


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falam em pró-forma, mas utilizam-na como forma vazia de significado, serve para marcar a posição estrutural, ou seja, o lugar em que a segunda oração será encaixada. Também fazem a pergunta à oração principal o quê? identificando que função a oração subordinada apresenta. Vemos, então, que esses autores têm uma boa perspectiva para o ensino dessa oração. Ainda poderíamos aplicar a essa oração a estrutura profunda: i- Algo seria bom. ii- Que vocês se mudassem para uma comuna. iii- Que vocês se mudassem para uma comuna seria bom. iv- Seria bom que vocês se mudassem para uma comuna. Notamos que a pró-forma “algo” está substituindo a oração subordinada e também que essa oração vem introduzida pelo complementizador que, ficando evidente a construção do período. Contudo, no mesmo livro didático, a abordagem da oração subordinada substantiva completiva nominal é proposta exclusivamente sob o olhar da Gramática Normativa. (46) Fiquei à espera de que o Grande Manuel repetisse suas mágicas.

Os autores dizem que a oração de que o Grande Manuel repetisse suas mágicas desempenha a função de complemento nominal em relação a um nome da oração principal Fiquei à espera. Dizem também que, para identificar a oração completiva nominal, liga-se a um nome (na oração principal) através de uma preposição, ou seja, os autores dispuseram regras para o estudo desses períodos. Agora, vejamos o mesmo exemplo sob a perspectiva da Gerativa. Ao dispor a frase nas formas da estrutura profunda, podemos perceber algumas considerações importantes como: i- Fiquei à espera de algo. ii- Que o Grande Manuel repetisse suas mágicas. iii- Fiquei à espera de que o Grande Manuel repetisse suas mágicas. Sabemos que, ao aplicarmos a pró-forma algo, estaremos identificando a posição da oração subordinada completiva nominal, sabemos também que essa oração pode ser introduzida pelo complementizador que. Então, se aplicarmos as duas teorias, vamos ter uma maior compreensão do estudo da oração.


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CONSIDERAÇÕES FINAIS

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A partir do estudo realizado, pudemos fazer várias considerações acerca dessa proposta de pesquisa, cujo objetivo era auxiliar a norma com os conhecimentos da Gramática Gerativa no ensino de orações subordinadas completivas para alunos de oitava série. Com o embasamento teórico, fizemos as análises em frases de livros didáticos de oitava série e evidenciamos que muitos autores utilizam-se apenas da Gramática Normativa para o ensino dessas orações. Por outro aspecto, foi possível identificar autores que fazem uso da Teoria Gerativa como auxílio para o ensino da norma, como Luft e Correa, que fizeram o estudo com as pró-formas. Esse estudo aponta uma proposta de ensino renovada para ser aplicada nas escolas, pois é mais prático o estudo das orações com a Teoria Gerativa, para uma melhor compreensão das orações e de como elas são estruturadas na superfície, a partir da estrutura profunda. Assim, podemos assinalar, a seguir, algumas idéias conclusivas para fins de fechamento desse estudo, embora saibamos que outras análises serão bem-vindas, considerando que novas abordagens poderão se somar a esta: a) o auxílio da teoria Gerativa é subsídio na compreensão da norma culta; b) a análise gerativa facilita o ensino das subordinadas completivas; c) o encaixe dá-se em SN (sujeito, predicativo,objeto direto, objeto indireto, complemento nominal aposto), isso facilita o aprendizado pela pró-forma; d) para a teoria gerativa as orações se completam pelo sentido; e) via Gramática Gerativa, a identificação da oração principal e subordinada (devido a pró-forma)é clara. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BISOGNIN, Tadeu Rossato. Descoberta & construção: português 8ª série. São Paulo: FTD, 1994. CEREJA, William Roberto e MAGALHÃES, Thereza Cochar. Português: linguagens. 8ª série. 1 ed. São Paulo: Atual, 1998. CHOMSKY, Noan. Linguagem e mente: pensamentos atuais sobre antigos problemas. Brasília: UnB, 1998. FARACO, & MOURA. Linguagem nova, 8ª série. 5a ed. São Paulo: Ática, 1996.


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LOBATO, Lúcia Maria Pinheiro. Sintaxe gerativa do português: da teoria padrão à teoria da regência e ligação. Belo Horizonte: Vigília, 1986. LUFT, Celso Pedro; CORREA, Maria Helena. A palavra é sua língua portuguesa. 2a ed. São Paulo: Scipione, 1998. SARMENTO, Leila Lauar. Português na escola, 8. FTD, 1995. SILVA, Maria Cecília Pérez de Souza ; KOCH, Igedore Grunfeld Villaça. Lingüística aplicada ao português: sintaxe. 10 ed. São Paulo: Cortes, 2001. STEFFEN, Elemar Augusto; LAGO, Osvaldo Dal. A gramática gerativa-transformacional e o ensino da Língua Portuguesa. Santa Maria: UFSM, 1987. TERRA, Ernani. Curso prático de gramática. 8ª ed. São Paulo: Scipione, 1993.


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ISSN 16765001

A PRAGMÁTICA NO ENSINO DA LÍNGUA INGLESA PELA TEORIA DA RELEVÂNCIA1 PRAGMATICS IN THE TEACHING OF THE ENGLISH LANGUAGE THROUGH THE RELEVANCE THEORY Luciana Michel2 e Rejane Maruá Sampedro Ramos3 RESUMO A partir da observação da falta de interesse atual na aquisição da língua estrangeira, por alunos do Ensino Fundamental e Médio, registramse dificuldades, tanto em atividades de compreensão quanto de produção, na língua inglesa. Portanto, considerando a necessidade de mudar esse quadro, docentes da área buscam motivar o aluno usando novos métodos e técnicas de ensino. Assim, a partir da Teoria da Relevância, são preparados, para aplicação em sala de aula, testes de interpretação de textos que contêm ilustrações com o objetivo de mostrar que, através de efeitos contextuais, a linguagem não-verbal pode auxiliar a compreensão da língua em estudo. Com base nesses efeitos contextuais e esforço de processamento, focalizados pela Teoria da Relevância, a proposta é para se atingirem mais rapidamente a compreensão do texto, e diminuir a dificuldade de aquisição do léxico da língua alvo. Para que isso ocorra, é necessário ativar o conhecimento enciclopédico do aluno fazendo com que ele reconheça o ambiente cognitivo em que o texto está inserido e, então, possa fazer as inferências indispensáveis à compreensão do mesmo. Os resultados deste trabalho comprovam os efeitos positivos de observar a linguagem não-verbal de um texto em língua inglesa, mesmo no caso de alunos que demonstram pouco conhecimento de vocabulário e dificuldade na aquisição de algumas estruturas gramaticais. Palavras-chave: ensino da língua inglesa, teoria da relevância, linguagem não-verbal.

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Trabalho Final de Graduação - TFG. Acadêmica do Curso de Letras - UNIFRA. Orientadora - UNIFRA.


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ABSTRACT Up from the observation of the current lack of interest in the acquisition of a foreign language by junior high and high school students, some difficulties are registered, as much in comprehension activities as in production ones, in the English language. Therefore, considering the necessity of changing this reality, teachers of this area seek to motivate the students by using new methods and teaching techniques. Thus, taking the Relevance Theory, text interpretation tests with illustrations are prepared to be applied in the classroom, aiming to show that through the contextual effects, the non-verbal language may help comprehension of the target language. Based upon these contextual effects and processing effort, focused by the Relevance Theory, it is proposed to reach faster text comprehension, as well lower the difficulty in acquiring lexicon in the target language. For that to occur, it is necessary to activate the studentsʼ encyclopedic knowledge, making them to recognize the cognitive environment in which the text is inserted and, then they may make inferences indispensable to their understanding. The results from this work prove the positive effects of observing the non-verbal language of a text in English, even in the case of students who demonstrated little lexical knowledge and difficulties in learning some grammar structures. Keywords: english language teaching, relevance theory, non-verbal language. INTRODUÇÃO A pragmática vai além do estudo da linguagem em ação; ela busca relacionar o contexto dos seus enunciados e, o que ainda é mais importante para este trabalho, estuda as significações indiretas, ou seja, aquilo que está implícito no enunciado, as inferências do leitor, seu conhecimento cognitivo. É a partir da pragmática que Sperber e Wilson, citados por Silveira e Feltes (1986), desenvolvem a Teoria da Relevância, que se caracteriza pelo enfoque na cognição humana. Para desvendar as intenções do comunicador/autor, parte-se, então, do conhecimento empírico que busca interpretar a linguagem verbal e a não-verbal. Assim, utilizando textos que apresentam um número reduzido de palavras, como charges ou tiras humorísticas, espera-se que o leitor de uma língua estrangeira dispenda menos tempo na compreensão do que está sendo transmitido. Na presente pesquisa, os três textos selecionados para o levantamento de dados contêm ilustrações e as atividades elaboradas


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visam a testar a compreensão da língua inglesa utilizando tanto o input visual quanto o lingüístico. Pela análise das respostas, procurará-se identificar que aspectos da linguagem não-verbal são significativos para a decodificação da língua alvo, permitindo que, através de efeitos contextuais e mínimo esforço de processamento, sejam feitas as inferências necessárias para a compreensão de cada texto. REFERENCIAL TEÓRICO O ENSINO DE INGLÊS COMO SEGUNDA LÍNGUA

A aprendizagem da Língua Estrangeira (LE) está voltada para uma perspectiva de ampliar a comunicabilidade e aceitação do indivíduo no mercado de trabalho e nas relações sociais, levando, através do ensino de uma segunda língua (L2), a capacidade de um indivíduo aumentar seu círculo de relações e ainda mostrar sua habilidade em discutir a situação econômica, social e cultural em que está inserido sem a postura de um povo colonizado, mas sim de alguém que conhece os motivos de estar inserido, nesse quadro social, de um país de Terceiro Mundo. Deve-se atentar para a questão do ensino da LE em conformidade com a situação socioeconômica do país, sem menosprezar os países de Terceiro-Mundo, mas sim expondo, de forma clara e objetiva, a posição que cada país tem no quadro econômico internacional, para que a LE não seja ensinada para domínio dos povos desenvolvidos sobre os subdesenvolvidos, mas sim para sair desse estado de colonização. Algumas pesquisas realizadas por psicólogos classificam os alunos em aqueles que são mais aptos e os menos aptos para a aquisição de uma LE. Essas diferenças, assim caracterizadas, foram observadas em diferentes níveis da sociedade. No entanto, a diferença destacada é que para a classe oprimida o código lingüístico é restrito, diferenciando-se do código da escola, sendo que os alunos da classe média possuem em sua fala o conhecimento dos dois códigos, o restrito e o elaborado. Por outro lado, verifica-se que essa diferença não implica em deficiência para a aprendizagem de uma LE; não traz implicações à estrutura cognitiva do aluno (MOITA LOPES, 1986). As dificuldades de aprendizagem em Escolas Públicas, muitas vezes, são atribuídas a fatores lingüísticos, levando o indivíduo a crer que devido à falta de habilidade não possui competência lingüística para adquirir uma nova língua.


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Assim, o fator socioeconômico é ignorado, eliminando a culpa de uma estrutura político-social deficitária, ineficaz e despreocupada com o indivíduo, levando toda a responsabilidade à escola pública, que detém a idéia de igualdade de direitos à educação. Caracterizam-se, com isso, as diferenças individuais como determinantes de aptidão, burlando a real situação socioeconômica do país. Pela dificuldade de os lingüistas apontarem um conceito para a aptidão, ela foi colocada lado a lado com a habilidade de aprendizagem em sala de aula, mostrando que depende da situação ensino/aprendizagem, e que essa situação pode ser melhorada e elevada a condições mais favoráveis, motivando o aluno a aprender uma LE. Portanto, a situação dos alunos da Escola Pública está voltada para uma questão de oportunidades, interesse e motivação, desvinculando a aprendizagem do fator de aptidão, pois não há nada que comprove essa teoria, apesar de haver em sala de aula diferentes níveis de aprendizagem, o que pode ser justificado pelo grau de interesse de cada aluno. Para que ocorra a aprendizagem em sala de aula, é importante que haja interação. Essa interação acontece entre os participantes envolvidos no contexto da sala de aula, ou seja, professor e aluno. Ambos precisam atuar para que possam cumprir o seu papel. Ao aluno cabe observar, questionar, sanar as dúvidas; ao professor cabe fazer o aluno entender, responder e mostrar o caminho para que esse chegue as suas próprias conclusões. O conhecimento é obtido a partir dessa interação, ocorrendo uma cumplicidade entre professor e aluno, pois ambos buscam aperfeiçoar o processo de ensino-aprendizagem. É importante que cada um saiba desempenhar seu papel de acordo com as expectativas, pois não basta que o aluno fique em aula calado, apenas recebendo informações, que podem estar incompletas, deixando que dúvidas se acumulem, e o professor siga em uma explicação superficial pois, tendo conhecimento suficiente para si, nem sempre se preocupa em observar se o aluno entendeu o que foi apresentado. Ao professor cabe uma responsabilidade muito significativa, pois sendo o “detentor” do saber deve preocupar-se com o ensino-aprendizagem, com a interação, observando se todas as dúvidas estão sendo esclarecidas e as dificuldades sanadas. Assim, em vez de se ter um ensino-aprendizagem baseado num processo ritualístico de mera exposição dos assuntos, chega-se a uma metodologia mais eficaz que dá lugar ao conhecimento de princípio. Esse conhecimento tem como objetivo verificar se o aluno realmente conseguiu assimilar o conteúdo proposto pelo professor, procurando identificar e


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esclarecer possíveis falhas de comunicação durante sua atuação (MOITA LOPES, 1986). A TEORIA DA RELEVÊNCIA NO ENSINO DA LÍNGUA INGLESA Com base na Teoria da Relevância de Sperber e Wilson, citados por Silveira e Feltes (2002), pode-se inferir que cada aluno possui uma particularidade na aprendizagem, por isso Se os efeitos contextuais adequados foram alcançados com o mínimo de esforço justificável então a informação terá sido otimamente processada. [...] é preciso destacar que uma suposição não é relevante em si mesma. Ela é considerada com relação à situação de comunicação específica, em que estão envolvidos indivíduos com suas especificidades, podendo diferir de pessoa para pessoa em diferentes circunstâncias (2002, p. 47).

Acrescenta-se ainda que se é possível tornar a aprendizagem mais prazerosa, ao usar a de criatividade e ao fazer com que o aluno adquira melhor os conhecimentos, aumenta-se então a relevância. Não se pode ignorar o contexto pragmático do indivíduo, pois cada um possui uma visão diferente de uma mesma situação, em função de que cada um possui uma experiência individual e única. Voltando-se para a questão da linguagem, esta está para a comunicação assim como o sistema simbólico está para a matemática, isso justifica a concepção do raciocínio lógico-formal do ser. A Teoria da Relevância tenta mostrar aspectos mais interessantes no tratamento da significação comunicacional, de acordo com o desenvolvimento da Lingüística como ciência cognitiva e formal. A partir da dinâmica cognitiva do indivíduo e sua fundamentação empírica é que se poderá chegar a uma análise descritiva e explicativamente adequada dos fenômenos textuais em geral; colocação essa sugerida nos estudos de Silveira e Feltes (2002). As autoras buscam fundamentar e aplicar a Teoria da Relevância de Sperber e Wilson na textualidade. A proposta dessa teoria está basicamente no caráter inferencial não-demonstrativo da compreensão, é uma inferência natural do indivíduo, podendo ou não ser bem sucedida. O processo comunicativo pode apresentar suposições manifestas em graus distintos, o que Sperber e Wilson (2002) chamam de ambiente


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cognitivo. Quando é possível observar suposições mutuamente manifestas, então temos o ambiente cognitivo mútuo. Isso ocorre quando em uma comunicação os interlocutores chegam à mesma suposição sobre o objeto em análise. Ana e Elena caminham por uma rua, quando Ana, apontando para uma construção, diz:”_Como é incrível aquela igreja!” Elena, que até então não havia reconhecido a construção como sendo uma igreja acrescenta:”_ Realmente, é uma igreja muito bonita (SILVEIRA; FELTES, 2002, p. 28).

A Teoria da Relevância de Sperber e Wilson apresenta uma diferença relevante da proposta de Grice. Enquanto este parte do dito no texto para chegar às implicaturas, aqueles vão além do que está dito. Grice tem como proposta o Princípio da Cooperação, que trata do modo comunicativo usado pelas pessoas para se fazerem entender num processo mútuo de cooperação. Partindo desse princípio, Grice instituiu quatro máximas conversacionais, para que a comunicação seja bem-sucedida: a Máxima da Quantidade, Máxima da Qualidade, a Máxima da Relevância e a Máxima de Modo. Primeiramente, o Princípio da Cooperação foi elaborado observando o uso da linguagem oral, no entanto pode ser aplicado também na comunicação escrita, pois o texto é visto como um local onde o autor e um leitor se encontram, dialogam e interagem (SANTOS, 1997). A proposta da presente pesquisa está em evidenciar o estudo da Teoria da Relevância, buscando comprovar que a leitura de um texto que apresenta linguagem não-verbal pode facilitar a compreensão e aquisição da Segunda Língua (L2); sendo ainda significativo para esta análise o conhecimento empírico do aluno, cabe a ele fazer as inferências necessárias para chegar a compreensão do texto. Para Sperber e Wilson (2002), cada indivíduo possui entradas diferentes para cada tipo de informação, que são: • Entrada lógica – basicamente constituída de informações de caráter computacional; • Entrada enciclopédica – são os conhecimentos e conceitos adquiridos ao longo do tempo; • Entrada lexical – são informações adquiridas no processo de estudo lingüístico fonológico e sintático. Para se construir um enunciado, é importante identificar os vocábulos que o constituem, recuperar os conceitos a eles inferidos e ainda aplicar as


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regras dedutivas às suas entradas lógicas (SILVEIRA; FELTES, 2002). O modelo dedutivo não é demonstrativo, portanto não pode ser provado, apenas confirmado, pois sua base é hipotética. A confirmação se estabelece de acordo com o conhecimento de mundo do indivíduo e as evidências colocadas a sua disposição. Sperber e Wilson (2002) partem do modelo inferencial de Grice para desenvolverem uma teoria da comunicação que se destina à compreensão de enunciados. O indivíduo mostra seu interesse de acordo com o que considera relevante, observando estímulos que vêm ao encontro do seu interesse ou que se ajustem às circunstâncias do momento. O termo “relevância” é utilizado para elucidar a relação de equilíbrio entre efeitos cognitivos e esforço de processamento, objetivando explicar como o indivíduo interpreta informações dentro do contexto comunicativo. A partir disso, Sperber e Wilson (2002) formulam o Princípio da Relevância. No momento em que um enunciado atinge a atenção do ouvinte, esse passa à interpretação e à criação de representações conceituais, via ostensão do estímulo-enunciado, podendo surgir suposições e inferências em nível conceitual. A comunicação ocorre exatamente quando a intenção informativa eleva-se à intenção comunicativa, ocorrendo a manifestabilidade mútua. Sperber e Wilson diferem o grau de relevância de acordo com os efeitos cognitivos inferidos pelo indivíduo, relacionados com os efeitos contextuais e o esforço de processamento: Quanto mais efeitos contextuais e menos esforço de processamento, maior a Relevância; quanto menos efeitos contextuais e mais esforço de processamento, menor a Relevância; entretanto, um maior esforço de processamento, compensado por mais efeitos contextuais, aumenta a Relevância (SILVEIRA; FELTES, 2002, p. 40).

Para uma informação ser relevante, é preciso que o ouvinte possua algum conhecimento de mundo, para que isso resulte em novas suposições ou mesmo dê condições de melhor justificar alguma suposição já inferida anteriormente. Conforme Silveira e Feltes (2002), os efeitos contextuais que permeiam o processo comunicativo podem ocorrer de três modos diferentes: por implicação textual, pelo fortalecimento ou enfraquecimento de suposições e pela eliminação de suposições contraditórias. As implicações


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contextuais referem-se às suposições que o indivíduo faz associando a informações já conhecidas às novas, resultando uma nova suposição. O ambiente cognitivo é um fator determinante para o indivíduo chegar a uma implicação correta. Observando o fortalecimento ou enfraquecimento das suposições, chamadas de força de suposição, chega-se a uma informação nova, que pode ser analisada em diferentes graus: a) por input perceptual – ou seja, o visual, auditivo, olfativo, tátil entre outros; b) por input lingüístico – decodificação lingüística; c) pela ativação de suposições estocadas na memória – conhecimento enciclopédico; d) por deduções que derivam suposições adicionais. No terceiro efeito contextual são observadas as suposições contraditórias, identifica-se a hipótese menos provável, eliminando-a; isso é possível se for evidenciado outro fato mais relevante. Por exemplo: quando alguém oferece um café e a outra pessoa não é clara em sua resposta; mas se o café oferecido já é servido num copo, então ela o aceita. A dúvida se desfaz em função da constatação feita através do input visual. A Relevância é explicada não apenas pelos efeitos contextuais, mas também pelo esforço de processamento, o qual volta-se para os benefícios alcançados com o mínimo de esforço, chegando-se ao máximo de efeitos. Deve-se levar em conta a complexidade lingüística e a acessibilidade do contexto, pois “quanto mais acessível o contexto de uma informação e quanto menor a complexidade lingüística, menor o esforço de processamento” (SILVEIRA; FELTES, 2002, p. 46). Na linguagem não-verbal não é possível fazer análise de coesão e coerência pela forma tradicional de textualidade. No entanto, através da Relevância, é possível analisar o contexto cognitivo perceptual (visual) que são os norteadores para a compreensão do texto. A charge, por exemplo, faz uso de um código lingüístico reduzido, sendo suas informações marcadas pelo visual “com pinceladas de humor ou ironia e forte dependência de informações, inseridas num contexto marcado preferencialmente pela atualidade”. É o visual que torna a charge atrativa, pois permite uma leitura mais rápida, é um estímulo ostensivo. Assim, a Teoria da Relevância explica fenômenos verbais ou não-verbais, explícitos ou não, bem como os de conteúdo implícito. (SILVEIRA; FELTES, 2002, p.90)


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Dessa forma, a Teoria da Relevância facilita a aquisição e compreensão da língua estrangeira (LE), pois permite que o aluno primeiramente busque subsídios na imagem para chegar a interpretação da linguagem verbal, sendo que se faz necessário observar o ambiente cognitivo a que o indivíduo foi submetido, se é capaz de fazer as inferências necessárias a partir do conhecimento empírico. A partir do conhecimento prévio do indivíduo e associando o texto e os elementos que nele se encontram é que se constrói o contexto, sendo esse, portanto, desenvolvido no curso da comunicação através do processamento das informações. A comunicação para ser otimamente relevante e justificar o Princípio de Relevância deve ocorrer de forma que se consiga a atenção de alguém, através de estímulos, e que esses justifiquem a resposta do ouvinte garantindo a presunção de Relevância ótima. A teoria de Relevância faz uma analogia ao Princípio de Grice, ao usar o termo explicatura em vez de implicatura. Ambos buscam decodificar a língua, sendo que, no nível de explicação, ocorrem várias operações pragmáticas, tais como desambiguidade, resolução de indeterminâncias, interpretação de linguagem metafórica, entre outros. Para que se possa fazer qualquer decodificação lingüística em nível de explicatura, é preciso que o conhecimento enciclopédico seja ativado e, assim, se faça a interpretação pragmática relevante. A textualidade pode ser melhor explicada através da relevância do que pela própria estrutura morfo-sintático-semântica, pois segundo Regina Blass, citada por Silveira e Feltes (2002), o importante está nos fatores mentais necessários à análise do discurso, sendo que a comunicação ocorre num contexto social e cultural. Nesse contexto, é predeterminado o conhecimento empírico do indivíduo, observando a influência sofrida na língua. Para a autora, a interpretação da linguagem é universal, supondo que pessoas de todas as culturas operem com a mesma lógica; mesmo possuindo backgrounds distintos, elas inferem suas suposições do mesmo modo. A interpretação do discurso tem uma relação de dependência com o contexto e é através das inferências que se chega à intenção do autor. METODOLOGIA Fundamentada na Teoria da Relevância de Sperber e Wilson, esta pesquisa busca comprovar a importância da linguagem não- verbal presente num texto, a qual pode facilita a compreensão e aquisição de inglês como língua-alvo.


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Os instrumentos utilizados para realizar a análise proposta consistiram de uma tira da coletânea de Jim Daves em que o personagem principal é o gato Garfield, um texto ilustrado retirado do livro “English 1” de Amadeu Marques e uma charge retirada do site www.humortadela. com.br, traduzida para o inglês. Na tira humorística, solicitou-se aos alunos criarem falas para os personagens ilustrados, objetivando analisar a linguagem não-verbal. No segundo texto, foram elaboradas perguntas para serem respondidas em dois momentos: primeiro, testou-se a compreensão dos alunos observando apenas a gravura; depois, através das mesmas perguntas, testou-se a compreensão da leitura do texto. No último teste aplicado, buscou-se, mais uma vez, verificar de que forma os detalhes visuais, claramente retratados na charge, ajudariam os alunos nas respostas às questões de interpretação do texto traduzido para a língua inglesa. Os três testes foram aplicados em diferentes dias de aula da disciplina de língua inglesa, como atividade normal de sala de aula. Os quinze alunos selecionados como sujeitos da pesquisa freqüentavam o segundo ano do Ensino Médio na Escola Estadual de Ensino Médio Profª Maria Rocha, em Santa Maria, no segundo semestre de 2003. RESULTADOS E DISCUSSÃO Texto I Na tira humorística, o texto apresentava a seguinte situação: o dono de Garfield, Jon, tentando agradá-lo, mostra que quer escová-lo. Garfield, no entanto, não quer ser escovado e coloca a escova no ouvido do seu dono e “grita” que quer comida. Essa inferência pode ser feita a partir dos gestos do gato. Note-se a ilustração:

http://www.garfield.com/comics/bday/1978.html


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Com base no Princípio da Relevância, o aluno deveria fazer uma análise a partir do input perceptual visual para que, depois, surgissem as suposições relacionadas ao conhecimento enciclopédico do aluno. Neste caso, ele deveria lembrar que o personagem em questão, Garfield, é guloso e está quase sempre pedindo comida. Na seqüência, o aluno faria as deduções necessárias até chegar a situação final. Ao analisar os resultados da tarefa proposta, observou-se que 70% dos alunos conseguiram fazer inferências corretas. Apesar de os alunos terem um conhecimento limitado do vocabulário de língua inglesa (input lingüístico), a maior parte deles foi capaz de produzir falas relevantes à situação, como mostram os dois exemplos a seguir: (1) “Jon : Letʼs comb your hair? Garfield: Iʼm a cat, you know! Jon: Come on Garfield _ Oh, Why do you do that? Garfield: Because Iʼm very hungry.” (2) “Jon: Finally I go to brush you Garfield: This is what you think. Jon: Look! Itʼs beautiful. _ Why you make this? Garfield: Because I prefer eat something.” Houve casos em que os alunos não conseguiram criar seqüências gramaticalmente corretas na língua, mas suas inferências estavam corretas, obtendo a relevância “ótima”, conforme exemplos: (3)

“Jon: Hi cat! Garfield: Whatʼs does he want? Jon: Itʼs times shower my friend. _Donʼt you? Brush, Garfield. Garfield _ I want food, horse!”

(4)

“Jon _ I go to supermarket. Garfield _ Iʼm humgry! Bring food. Jon _ I brought a brush for you. _ Donʼt like? Garfield _ Donʼt listen! Food!

Outro caso que foi observado é de alunos que não conseguiram inferir


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na ilustração a situação correta, suas deduções não levaram à relevância ótima, devido à falta de conhecimento prévio sobre o personagem, um dos itens importantes na Teoria da Relevância. (5)

“Jon: Hallo! Garfield. _ I broughth his brush. Garfield: Give to me a brush in tooth Jon: This here is brush, Garfield. _ Ah! That hurt. Garfield: I talk brush in tooth! Idiot!”

Acredita-se que 30% dos alunos não chegaram à inferência correta da situação apresentada pela ilustração porque desconheciam o contexto do personagem, ou não se preocuparam em fazer uma análise da seqüência mostrada de forma lógica, pela eliminação de hipóteses ou suposições inadequadas, ou ainda, devido ao fato de isso não ser normalmente feito na leitura/compreensão de textos em língua materna (LM). No texto ilustrado de Marques (1986), verificou-se que a maioria das questões, três entre cinco, foram corretamente respondidas no primeiro momento da atividade que tinha apenas o input visual como referência, mostrando que a linguagem não-verbal realmente auxilia no processamento das informações atingindo a relevância ótima. Texto II I. Observando a gravura, responda as questões que seguem:

1. Em que local se encontram as pessoas envolvidas na situação apresentada no texto?


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2. Quem são as pessoas da gravura? 3. Em que horas você imagina estar acontecendo o que é mostrado? 4. Que idade você daria às pessoas da gravura. 5. Ao analisar, mais uma vez, a ilustração do texto, escolha o melhor título. a) Morning Classes b) Going to School c) Getting up early d) Late for School e) Going to bed late Text

Fredʼs mother: “Do you hear me, Fred? Do you know itʼs 9 oʼclock already? Get up and go to school!” Fred: “I donʼt want to go to school.ʼ Fredʼs mother: “But you have to go.” Fred: “The teachers donʼt understand me, and I donʼt understand them either. The children, too. They donʼt like me, and I donʼt like them either. That school hates me, and I hate it too.” Fredʼs mother: “But you have to go!” Fred (almost crying): “Why? Why do I have to go to school?” Fredʼs mother: “Well, because you are fifty-five years old and you are the headmaster.” III. Leia o texto e responda as mesmas questões observando o diálogo apresentado: IV. Em sua opinião, as ilustrações foram significativas para a compreensão do texto? Sim ou não ? V. Que pergunta foi mais fácil deduzir a resposta? Por quê? VI. Que pergunta foi mais difícil deduzir a resposta? Por quê? VII. Que parte do texto você não compreendeu após a leitura? As questões 1 e 3 que solicitavam informação do local e hora dos acontecimentos, respectivamente, tiveram 100% de acertos. A questão 2, perguntando sobre as pessoas envolvidas na gravura, teve 80% de acertos, enquanto que, na questão 5, relacionada à sugestão de título para o texto, 1/3 dos alunos fizeram a inferência correta, observando a gravura. Apenas a questão 4, que se referia a provável idade dos personagens envolvidos, não registrou nenhuma resposta correta. Acredita-se que a falta de melhor definição da própria gravura não tenha possibilitado aos alunos uma análise adequada do contexto


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para inferir essa questão. Quanto à interpretação da leitura do texto, o gráfico comparativo das respostas (Figura 1) mostra diferença significativa apenas na questão 4. Mesmo assim, o índice de acertos dessa questão foi baixo, pois apenas 4 de 15 alunos responderam adequadamente. Os índices de acertos das questões 2 e 5, em relação ao input lingüístico, não foram significativamente diferentes dos obtidos pelo input visual. É relevante assinalar ainda que, embora o texto completasse as lacunas do contexto retratado pela gravura, alguns alunos não conseguiram identificar o grau de parentesco (questão 2) e a idade (questão 4) das pessoas. Isso pode ser justificado por pouco conhecimento do vocabulário da língua ou, até mesmo, por falta de atenção ao ler o texto, sendo que esses problemas já devem ser recorrentes na LM.

Figura 1: Respostas certas por questão, comparando gravura e texto. Texto III O terceiro e último teste aplicado foi uma charge, retirada do site www.humortadela.com.br. Nessa charge, os alunos deveriam observar todos os efeitos contextuais presentes, linguagem verbal e não-verbal, e tentar contextualizar a situação apresentada e ainda responder a algumas questões. Note-se a charge analisada: 1. Quem são as pessoas envolvidas no diálogo? Caracterize-as: 2. Que detalhes visuais serviram de referência à identificação dos indivíduos e para a compreensão do texto em língua inglesa? 3. Você precisou consultar o dicionário para verificar o significado de algumas palavras? Que palavras são essas? 4. Escreva o que você compreendeu da mensagem transmitida pela “charge”:


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http://humortadela.uol.com.br/h/toon/chag/chag.php

Mais uma vez, os resultados obtidos no teste foram satisfatórios quanto às inferências realizadas. A maior parte dos alunos mostrou total compreensão da situação apresentada e ainda foi capaz de inferir o significado dos vocábulos desconhecidos a partir do input visual e da eliminação de suposições falsa, atingindo a relevância ótima. Na questão 1, 80% dos alunos caracterizaram as pessoas envolvidas no diálogo como sendo “um operário” recentemente demitido e “um golpista” tentando tirar proveito da má situação do desempregado, oferecendo-lhe um caixote para abrir um pequeno negócio em via-pública, com as vantagens do local. Apenas 20% visualizaram os envolvidos de forma diferente. Um dos alunos disse ser o primeiro “um engenheiro demitido” e o outro indivíduo, “um corretor de imóveis”. Outro aluno caracterizou os dois como sendo “operários” falando sobre as vantagens de morar na rua. Apenas um afastou-se mais do quadro apresentado, sugerindo as pessoas como “um executivo” e “um vendedor”, que falavam sobre as vantagens de abrir negócios do tipo “telefonia” ou “empresa de ônibus”. Respondendo à questão 2, os alunos destacaram como elementos visuais significativos à compreensão, “o capacete”, “a mala”, “o caixote”, “o telefone público” e “o ponto de ônibus”. Quanto à questão 3, registrou-se a necessidade de consulta ao dicionário, mesmo uma única vez, em 80% dos alunos. No entanto, foram poucas as palavras citadas por eles como desconhecidas, tais como rent, still, beggar e bargain. As inferências realizadas a partir do input visual comprovam que 100% dos alunos utilizaram efeitos contextuais para interpretar o texto da


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charge. Isso pode ser verificado, principalmente, pela análise da questão 4 em que 14 dos 15 alunos chegaram à idéia central ao descrever a situação de um “desempregado” e “um golpista”, ou mesmo “um corretor de imóveis”, querendo tirar proveito do operário, oferecendo vantagens encontradas em via-pública. CONCLUSÕES Observando as dificuldades no ensino/aprendizagem da língua inglesa, pode-se dizer que a falta de motivação em sala de aula contribui para o desinteresse do aprendiz, em especial, o aluno do ensino médio de escolas públicas, pois os textos abordados em aula são, predominantemente, informativos e pouco estimulam a curiosidade e a percepção do aluno. Com base na Teoria da Relevância, tem-se que um texto pode ser mais prazeroso de estudar que outro, na medida em que ele apresente algum estímulo perceptual ou lingüístico significativo. Trata-se dos efeitos contextuais que associam o input visual com o conhecimento enciclopédico do aluno, fazendo-o interagir com o texto, contribuindo com sua experiência de mundo e, ainda, despertando nele a vontade de compreender vocábulos desconhecidos para, assim, aumentar seu léxico. Os resultados do presente trabalho mostram que os efeitos contextuais evidenciados nos textos interpretados pelos alunos contribuíram significativamente para a compreensão da língua inglesa, permitindo que se chegasse à relevância ótima com esforço mínimo de processamento. Isso foi possível porque, estimulados pela linguagem não-verbal dos textos, os alunos conseguiram inferir suposições corretas de forma mais rápida, comprovando que o uso de input visual pode ser tão atrativo ao aprendiz de uma segunda língua quanto o uso de atividades lúdicas, pois além de diminuir a constante e cansativa consulta ao dicionário, acaba tornando a interpretação de textos uma tarefa divertida e prazerosa. A preferência em interpretar textos ilustrados se observa também na língua materna, onde ocorre dificuldade na compreensão de textos por muitos dos alunos de ensino médio. Conclui-se então que, seguindo princípios da teoria de Sperber e Wilson, a comunicação é facilitada devido à ativação da entrada lógica e conhecimento prévio do indivíduo, associando-se, ainda, o input perceptual. Estímulo e facilidade à compreensão de um texto, esses elementos fazem com que a interação ocorra de forma eficaz e motivam o aprendiz de língua estrangeira a desenvolver a habilidade de leitura e aprimorar suas estratégias de aquisição lexical.


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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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A PLURALIZAÇÃO PELO DETERMINANTE1 PLURALISM BY THE DETERMINER Elisandra Negrini de Oliveira2 e Valeria Iensen Bortoluzzi3 RESUMO No projeto, “A Pluralização pelo Determinante” analisaram-se as relações da pluralização pelo determinante na oralidade e na escrita, tendo como principal interesse dessa análise a compreensão da transposição da linguagem oral para a escrita na aprendizagem de língua materna. O projeto justificou-se pela necessidade de que o professor em formação tem de entender que a linguagem é um processo social e, como tal, ela está exposta às mudanças decorrentes do seu uso em sociedade. Tem-se por objetivo principal analisar a pluralização pelo determinante na língua falada e suas na língua escrita, em crianças da 7ª série do Ensino Fundamental. A pluralização pelo determinante é um fenômeno lingüístico presente na língua portuguesa em que apenas o determinante de um substantivo recebe a marca de plural e os demais elementos da oração (ou sintagma nominal) permanecem na forma singular. O principal resultado desta pesquisa foi perceber que não encontramos apenas a pluralização pelo determinante na escrita dos alunos, mas também outras variantes linguisticas, ou não, tais como as regionais, étnicas e a redução de infinitivo nos verbos, marcando a produção textual dos alunos analisados. ABSTRACT The project “Pluralism by the Determiner” analyzed the relations of the pluralism by the determiner in oral language and in writing, having as main analysis interest the comprehension of the oral language transposition to the written one in the learning of the mother language. The project is justified by the necessity the teaching-in-formation has in getting to know that language is a social process and, as such, it is exposed to changes originated from its usage in the community. The main aim is to analyze the pluralism by the determiner in the spoken language and 1 2 3

Trabalho de Iniciação Científica - PROBIC/UNIFRA. Acadêmica do curso de Letras - UNIFRA. Orientadora - UNIFRA.


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its influence upon the written language, with children of the 7th grade. The pluralism by the determiner is a linguistic phenomenon present in the Portuguese language in which only the determiner of a noun gets the plural form, and the other phrase elements (or noun syntagma), remain in the singular form. The main result of this research was to realize that there was not only pluralism by the determiner in the studentsʼ writing, but also to notice other linguistic variants such as, regional, ethnic, and the reduction of verbs to their infinitive form, marking the textual production of the analyzed students. INTRODUÇÃO No projeto intitulado “A Pluralização pelo Determinante” analisaram-se as relações da pluralização pelo determinante na oralidade e na escrita, tendo como principal foco de interesse a contribuição dessa análise para a compreensão do problema da transposição da linguagem oral para a escrita na aprendizagem da língua materna, na escola de Ensino Fundamental Vicente Farencena, em uma turma de 7ª série, para tentar processar, analisar e sistematizar a língua falada, comparando-a com a escrita padrão. O projeto justificou-se pela necessidade que o professor em formação tem de entender que a linguagem é um processo social e, como tal, ela está exposta às mudanças decorrentes do seu uso em sociedade. Tais mudanças refletem-se, principalmente, na face oral da linguagem verbal e acabam influenciando a face escrita, que, teoricamente, estaria sujeita às normas da língua padrão. Esse fenômeno é perceptível quando, em sala de aula, o professor nota que o seu aluno tem uma dificuldade enorme de reproduzir no texto escrito regras de concordância e de ortografia, por exemplo. A atitude do professor de língua materna é, geralmente, a de corrigir os “erros” e “gastar” mais algumas horas de trabalho revisando as regras gramaticais com seus alunos, sem notar que o aluno está apenas reproduzindo seu “modo de falar” (BAGNO, 1997, 2002; MARCUSCHI, 2000; TARALLO, 2002). Tal atitude gera o que Bagno (2002) denomina de “preconceito lingüístico”. Para que o professor em formação não seja mais um agente do preconceito lingüístico, torna-se necessário que ele entenda o processo de uso/constituição/transformação da linguagem. Como um projeto visando a estudar os vários aspectos da problemática descrita seria inexeqüível no prazo de nove meses, optouse por restringir o presente estudo à observação e análise da pluralização


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pelo determinante, visto que esse é um dos aspectos da linguagem oral que mais se modifica na linguagem escrita. Como fundamentação teórica para tal estudo, utilizamos autores como Bagno (1997, 2002), Fernando Tarallo (2002), além dos citados ao longo deste texto. Tem-se, neste trabalho, por objetivo principal analisar a pluralização pelo determinante na língua falada e suas influências na língua escrita, em crianças da 7ª série do Ensino Fundamental na Escola de Ensino Fundamental Vicente Farencena. Por objetivos específicos, 1) identificar a pluralização pelo determinante na fala espontânea de alunos de 7ª série do Ensino Fundamental; 2) verificar se a pluralização pelo determinante também se manifesta na produção escrita em situação formal de sala de aula; 3) analisar como o processo de pluralização pelo determinante ocorre nas línguas falada e escrita; e 4) discutir qual a importância desse fenômeno lingüístico para os estudos da linguagem. REVISÃO DA LITERATURA

O estudo que proponho está inscrito na sociolinguistica. Sociolingüística é o ramo da Lingüística que estuda a relação entre a língua e a sociedade. Podemos defini-la como sendo uma maneira científica de entender a língua como um veículo de comunicação, de informação e de expressão das pessoas dentro de sua comunidade. O principal objetivo de estudo da sociolingüística é a variação da língua, principalmente em situações orais de uso, em uma tentativa de agregar valor às formas de uso da linguagem geralmente marginalizadas por um corpo social mais elitizado (BAGNO, 1997:127). Foi William Labov, nos anos 1960, que começou uma série de investigações sobre a variação lingüística, investigações que revolucionaram nossa compreensão de como os falantes utilizam sua língua e que acabaram por resolver o paradoxo apresentado por Saussuare, no “Curso de Lingüística Geral”. Saussure, considerado o pai da Lingüística como ciência, já nos apresentava a dicotomia entre a língua e a fala, sendo a língua amplamente associada à forma escrita e a fala, à forma oral. Podemos perceber que existe uma grande diferença entre a língua falada e a língua escrita. A língua falada é o veículo lingüístico de comunicação usado em situações naturais de interação social, de comunicação face-a-face. É a língua que usamos em nossas casas, com nossos amigos, no dia a dia, que constitui o material básico para a análise sociolingüística.


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A sociolingüística é, então, o ramo da Lingüística que muitos autores adotaram para estudar a língua falada em diversas localidades de nosso país. Através da sociolingüística, podemos fazer diferentes pesquisas sobre a fala e a escrita, e verificamos como a língua varia conforme diferentes situações de uso. Estamos pesquisando, assim, a variação lingüística. A variação lingüística é o nome dado a um conjunto de variantes dentro de uma comunidade. Uma variante é uma forma de uso da língua em um contexto específico de comunicação. Por exemplo, uma criança de 10 anos, negra, pobre, estudante de uma escola pública da periferia de uma grande cidade, certamente usa a língua de forma diferente de uma criança também de 10 anos, só que branca, rica, estudante de uma escola particular, com metodologias inovadoras, situada no centro da mesma cidade grande. Outro exemplo é a diferença de uso da língua de uma mulher quando fala com diferentes pessoas, como seus pais, seu marido, seus filhos, seus amigos, seus colegas de trabalho, seu chefe. Cada situação de comunicação determina uma forma de uso da língua, e isso é chamado de variante. Existem dois grandes grupos de variantes: as variantes lingüísticas e as variantes sociais, sendo que as primeiras geralmente são determinadas pelas segundas. As variantes lingüísticas são aquelas que se apresentam na língua, como fonéticas, morfológicas, sintáticas, semânticas. Já as variantes sociais dizem respeito ao contexto de uso, como idade, sexo, origem étnica, hierarquia, formalidade, entre outras. Portanto, podemos dizer que as variantes são diversas maneiras de se dizer a mesma coisa num mesmo contexto, e com o mesmo valor de verdade (TARALLO, 2002). PLURALIZAÇÃO PELO DETERMINANTE A pluralização pelo determinante é um fenômeno lingüístico, presente na língua portuguesa, que determina que apenas o determinante de um substantivo receba a marca de plural e os demais elementos da oração (ou sintagma nominal) permanecem na forma de singular. A pluralização pelo determinante em português é uma questão lingüística que não se acaba nos estudos da sociolingüística, pois ela se insere entre o ensino da norma culta e o respeito à variedade. Os professores em sala de aula consideram o que os alunos escrevem como um erro, mas, na maioria dos casos, o que ocorre com os alunos é apenas a reprodução da sua fala na escrita.


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No exemplo apresentado por Mello (1985), podemos perceber como ocorre a pluralização pelo determinante e ao lado entre parênteses, é colocada a norma culta. Os home ta i (Os homens estão aqui).

Segundo Tarallo (2002), as pessoas têm a tendência de pluralizar apenas o determinante, produzindo uma nova forma chamada de pluralização pelo determinante. Isso acontece através de fenômenos de deglutição (processo de formação de palavras no qual se separam os finais a ou o iniciais por serem confundidos com o artigo) e aglutinação (processo de formação de palavras compostas, em que os elementos ficam tão ligados que só podem ser percebidos por análise) de fonemas. Como podemos perceber, isso acontece também com o “OS” do determinante que se incorpora à vogal de uma palavra, produzindo uma nova forma autônoma, exemplificada nos primeiros vocábulos abaixo, no meio, entre parênteses a pluralização apenas no determinante, assim pluralizando apenas o artigo e não o substantivo; e por último, entre colchetes, está colocada a maneira usada pela norma culta. Zarreio, (os arreio), [os arreios]; Zóio, (os óio), [os olhos]; Zome, (os home), [os homens]. Percebemos que esse tipo de pluralização acontece em todo o Brasil, mas na região Nordeste acontece a flexão numérica, encontrada entre pessoas com menos escolarização, e que desaparece no substantivo. Nesse processo, a flexão passa para a contração da conjunção com o determinante, como podemos ver no exemplo que segue, e, ao lado, entre colchetes, como é usada na norma culta (MELLO, 1985). Ele tava cus pé inchado, (Ele tava com os pés inchados). No Nordeste, a flexão de número é indicada apenas pelo determinante, já o substantivo e o adjetivo qualificativo que estejam no singular ou plural, conservam a forma invariável, sendo a do singular. Os substantivos recebem no plural a flexão respectiva, conferindo-se aos determinativos - um numeral, o adjetivo articular ou outro – o papel de estabelecer a distinção de número. Ao lado, entre colchetes, como é usada na norma culta (MELLO, 1985).


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Cuitadinho dos marido, (Coitadinhos dos maridos); Que se vê nas amarela, (Que se vê nas amarelas). Tarallo (2002) concorda com Mello (1985) no que diz respeito aos processos de pluralização. Tarallo (2002) demonstra que o plural na língua portuguesa é normativamente marcado pela redundância ao longo do sintagma nominal. Pela norma, a pluralização deve ocorrer no determinante, no nome núcleo e nos modificadores adjetivos. Essa pluralização pode, no entanto, assumir as seguintes formas na língua falada: As meninas bonitas; As meninas bonita; As menina bonita. Tarallo (2002) explica os exemplos, dizendo que o primeiro é ditado pela norma-padrão, revelando, assim, um bom desempenho lingüístico. No segundo exemplo, a pluralização dá-se apenas no determinante e no núcleo, e no terceiro exemplo apenas o determinante é pluralizado, num processo de “economia” lingüística. Isso apenas acontece com as pessoas menos escolarizadas e com pouco acesso à informação. À medida que o tempo médio de permanência na escola vai aumentando, vão diminuindo as formas simplificadoras de pluralização (MELLO, 1985). Diante do que foi exposto por Mello (1985), notamos que cada região do Brasil apresenta a questão da pluralização pelo determinante de maneira diferente, variando de estado para estado. Bagno (1997) apresenta as variantes lingüísticas não-padrão que sofrem preconceitos por parte de falantes urbanos e escolarizados. Esse falar considerado “errado” pela maioria das pessoas – e até pelos professores de língua materna – é apenas mais uma variedade da língua. Em sua obra, Bagno (1997) discute a questão da pluralização mostrando que as marcas de plural, em todos os elementos da sentença, são uma redundância que não acontece em línguas como o Inglês, por exemplo. Bagno (2002) também expressa que a gramática tradicional despreza totalmente os fenômenos da língua oral e quer impor a língua padrão como a única forma legítima de falar e escrever, como a única manifestação


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lingüística que merece ser estudada.

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METODOLOGIA A pesquisa sociolingüística é aquela realizada no meio social, com o objetivo de verificar como o corpo social usa a língua em diferentes contextos. Para tanto, é adequado que o pesquisador esteja familiarizado com a comunidade pesquisada, para que seu trânsito entre os membros seja pouco perceptível e os resultados mais espontâneos. Por isso, minha pesquisa foi realizada na Escola Vicente Farencena, onde estudei o 1º grau, atual Ensino Fundamental, e conheço os professores e alguns alunos dessa escola. Na pesquisa “A Pluralização pelo Determinante”, foram escolhidos os alunos de um mesmo bairro, com idade entre doze e treze anos e de sexos diferentes, misturados meninos e meninas, para analisar se a língua oral e a escrita deles apresenta diferenças ou não de utilização. Antes de começar a pesquisa com os alunos, assisti a algumas aulas, com a professora Tânea, nas quais acabei percebendo que os alunos eram bem descontraídos, conversavam bastante e não se importaram muito com minha presença em sala de aula, pois alguns já me conheciam. Para realizar a entrevista com os alunos, foi escolhido o turno diferente da aula, para que tivéssemos um maior tempo de assistir ao filme e elaborar o texto. A entrevista foi realizada pelo turno da tarde, e os alunos foram convidados a participar da pesquisa. Compareceram sete alunos, sendo cinco meninas e dois meninos. O filme “Como se fosse a primeira vez” foi escolhido a partir de alguns critérios. O primeiro, o filme não será muito longo para não se perder a atenção dos alunos. O filme tinha 109 minutos de duração. O segundo critério foi o tema do filme, a ser estabelecido para que os alunos ficassem interessados. Foi escolhido um filme de comédia que era dublado, fazendo assim com que os alunos se interessassem um pouco mais pela história, já que eles não teriam que ter o trabalho de ler legendas. Para o alcance dos objetivos e para que a gravação ocorresse, foi preciso uma situação de interação entre eu e os alunos. Nesse caso, como já conheço a escola e os alunos, o processo tornou-se mais fácil, fazendo com que as gravações fossem feitas em situação que estimulasse os alunos a falarem espontaneamente, usando sua linguagem cotidiana. Os alunos foram convidados a falarem suas impressões sobre o filme e essa fala foi gravada. Em seguida, quando todos já tinham exposto suas opiniões, pedi para que eles elaborassem um texto sobre o filme, para ser feita a comparação entre a oralidade e a escrita dos alunos. A gravação dos falares foi transcrita


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com base em Marcuschi (2000:09), sendo feita a comparação com os textos que os alunos elaboraram. RESULTADOS E DISCUSSÕES A pesquisa foi realizada na Escola Municipal de Ensino Fundamental Vicente Farencena, localizada no Bairro de Camobi, na cidade de Santa Maria, com uma turma de 7ª série, com alunos que eram descontraídos e colaboraram bastante. As gravações orais mostram que o que foi pretendido com a pesquisa PROBIC não foi totalmente alcançado, pois os alunos não pluralizam tanto o determinante como era o esperado no início do projeto. Na fala, por exemplo, tivemos apenas três ocorrências da pluralização pelo determinante, nos falantes A, B e E. Na escrita, encontramos seis registros, sendo que apenas o falante B reproduziu na escrita. Outros quatro registros estão presentes no texto do falante D. Os exemplos abaixo, retirados dos textos orais e escritos reproduzidos em anexo, mostram a ocorrência da pluralização pelo determinante na fala e na escrita do aluno B. Exemplo 1, falante B “... todos os dia...”; Exemplo 2, texto B “... todos os dias as mesma coisa...”; No entanto, foi possível perceber a presença de outras variantes lingüísticas, tanto na fala quanto na escrita dos alunos pesquisados. Podemos notar que a maioria dos falantes evita o uso de pronomes de outra natureza que não o pessoal e caso reto, tanto na fala quanto na escrita, como podemos perceber nos exemplos abaixo. Exemplo 3, texto A “... a paciência do homem em fazer ela se apaixonar por ela todos os dias...”; Exemplo 4, falante B “... para que ela não se esqueça dele porque ele amava ela...”; Exemplo 5, texto B “... por ele e fazer sempre lembrar quem era, e que ele amava ela...”; Exemplo 6, texto C “... que o homem demonstra a ela todos os dias fazendo ela se lembrar...”.


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Nos exemplos acima, os alunos A, B e C preferem o pronome pessoal de caso reto “ela” ao invés do pronome oblíquo “a” (fazê-la, fazendo-a, ele a amava). Também ocorre a redução das desinências de infinitivo nos verbos, como podemos perceber nos exemplos abaixo. ...”;

Exemplo 7, falante B “... dele sempre pensá que é o mesmo dia

Exemplo 8, falante E “... queria conquistá de tudo quanto era jeito...”; Exemplo 9, falante F “... teve atitude de ficá com ela era mesmo sem memória...”. Notamos que em todas as falas dos alunos acontece a redução de infinitivo, já nos textos escritos não acontece essa mesma redundância, mostrando que os alunos já internalizaram a norma para uso do infinitivo. Além das variantes lingüísticas apresentadas, notamos, também, a presença de variantes sociais, como a variante etária, em que os alunos utilizam o vocabulário próprio dos adolescentes, nos exemplos abaixo. Exemplo 10, texto A “... bom assim tipo o filme eu gostei...”; Exemplo 11, falante A “... o filme é muito, legal mesmo...”; Exemplo 12, falante D “... porque o carinha reconquista Luci...”; Exemplo 13, falante E “... o homem era muito vagal queria...”. Todos os falantes usam expressões da faixa etária em que estão demarcando socialmente seu espaço enquanto adolescentes. Outra variante social que podemos perceber, e que é marcada apenas pelos gaúchos, é a variante regional, como notamos nos exemplos abaixo. Exemplo 14, falante A “... pela guria assim ia ter coragem de enfrentar o pai...”; Exemplo 15, falante B “... mesmo com a guria que não tem memória...”.


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O termo “guria” é bastante comum no Estado do Rio Grande do Sul e substitui termos como “menina”, “garota”, uma pessoa jovem, do sexo feminino, podendo compreender um período entre a primeira infância e o final da adolescência. Interessante perceber, no entanto, que a variante regional, marcada pelo termo “guria”, só ocorreu na fala, não na escrita, mostrando que os alunos pesquisados possuem, de certa forma, a consciência de que o uso de termos próprios de nossa região poderiam não ser bem compreendidos por leitores de outros estados, já que o significado da palavra pode não ser compartilhado. O mesmo não acontece com a variante etária que foi amplamente reproduzida na escrita, já que os alunos supunham não haver grande diferença de idade entre quem escreveu o texto e quem poderia lê-lo. CONSIDERAÇÕES FINAIS O principal resultado da pesquisa é que pude perceber que a pluralização pelo determinante é marcada, mas não com tanta ênfase, como era esperado no início do projeto. Isso se deve ao fato de que à medida que o tempo de permanência na escola vai aumentando, vão diminuindo as formas simplificadoras de pluralização, conforme já havia sido apontado por Mello (1985). Encontrei outros fatores que marcam tanto a fala quanto a escrita dos alunos pesquisados, além das apontadas até aqui, e que podem ser observadas em uma simples lida nos textos e falas reproduzidos no anexo. Uma sugestão de trabalho para ser realizada em sala de aula, para que não ocorra a pluralização pelo determinante, é fazer com que o aluno saiba, ao entrar na escola, que a linguagem é de uma maneira e a escrita de outra seguindo regras e normas. As professoras deveriam mostrar essa diferença que ocorre através de textos em diferentes suportes, explicando a diferença que ocorre, e assim, para os alunos, ficaria mais fácil de entender a diferença que eles não conseguem identificar. A escola prioriza para o aluno o ensino da língua culta, da gramática normativa, que apresenta os mesmos exercícios, as mesmas maneiras de interpretação, não deixando o aluno expor da sua maneira o que ele compreendeu. Assim, dentro da sala de aula, tornam-se mais importantes esses fatores do que ensinar o aluno a desenvolver o seu intelectual, a sua capacidade. Os professores poderiam usar novos textos na modalidade oral para trabalhar com os alunos e, ao mesmo tempo, mostrar a diferença que acontece na língua oral e na escrita. As expressões de linguagem não são consideradas erradas, mas que na língua oral se expressa de uma maneira e, na língua escrita, de outra, sendo usada a norma culta.


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Isso acaba mostrando para o aluno que falar de uma maneira e escrever de outra pode ser considerado correto e não errado, como os professores geralmente consideram, mas que em situações formais de uso da língua, geralmente próprias da escrita, a norma deve prevalecer. A tarefa da escola é essa. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAGNO, Marcos. A língua de Eulália: novela sociolingüística. São Paulo: Contexto, 1997. ______________. Preconceito lingüístico: o que é, como se faz. São Paulo: Loyola, 2002. MARCUSCHI, Luiz Antonio. Análise da conversação. São Paulo: Ática, 2000. 1985.

MELLO, Gladstone Chaves de. A língua do Brasil. São Paulo,

TARALLO, Fernando. A pesquisa sociolingüística. 7ª. Ed, São Paulo: Ática, 2002. ANEXOS Falante A Bom assim tipo o filme eu gostei do filme porque ele demonstra tipo o amor pelo cara carinha pela guria assim ia ter coragem de enfrentar o pai dela e tudo as coisa demonstrar também persistência e esperança i é o que não tem nos dias de hoje é i que tipo sei lá ele o filme faz a gente pensar tipo ã tudo é necessário fazer assim para ti ser feliz assim ai porque tipo assim sei lá. Texto A Gostei muito do filme, pois, mostra a paciência do homem em fazer ela se apaixonar por ela todos os dias e a perseverança dela se recordar dele todos os dias tentarem ter uma vida normal. Afinal tem que se gostar muito da pessoa a ponto de passar um dia inteiro com ela e no outro ela não se recordar de nada. Na minha opinião todos queriam que a vida arruaceira que ele tinha


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antes de conhece-la e derepente se põe a disposição de viver com alguém que provavelmente não se lembrar dele. O sofrimento mesmo o pai e o irmão tentando impedir do cara para mudar isso, resume que o filme é muito, muito legal mesmo. Falante B Foi legal a atitude do pai da Luci de fazer todos os dias sempre as mesma coisa pra filha dele sempre pensa que é o mesmo dia também a paciência do cara que ele fez se apaixonar por ele todos os dias ã para que ela não se esqueça dele porque ele amava ela né i também ficou todo tempo do lado dela se esforçando também pra que ele não se esquecesse ele né i pra que ela entendesse que todo mundo tava do lado dela que mesmo com a guria que não tem memória i é isso. Texto B Foi legal a atitude do pai da Luci de fazer todos os dia sempre a mesma coisa pra filha dele pensa que era sempre o mesmo dia. A paciência do cara que fez ela se apaixonar por ele todos os dia, por ele e fazer sempre lembrar quem era, e que ele amava ela.e provou todo o amor que ele sente por ela, pois ele ficou todo tempo do seu lado, se esforçando pra que ela não esquecesse que ele a amara, e fizeram também que ela entendesse que estavam fazendo isso para o bem dela. Falante C Na minha opinião eu gostei do filme porque ele demonstra o amor de um homem que se apaixona assim por uma mulher i que ela tinha sofrido um acidente então acha que tipo demonstra esse amor que ele tem por ela a coragem a persistência e a esperança que ele tem de enfrentar os paias dela pra pra começo assim ele conquista os pais dela que era a primeira coisa que que ele tinha que fazer i acho que tipo é mais importante que primeiro ele conquistou os pais dela e depois assim e conquista ela eu acho que também demonstra a esperança e a persistência no caso também se é preciso ter nos dias de hoje porque tipo se ele não tivesse todo esse amor por ela acho que nada ele conseguia faze acho daí ele conseguia lembra com ela todos os momentos felizes e ela conforme o tempo foi passando ã foi ã foi mostrando pra ela que ele gosta dela e ela gosta dele e daí acho que fim assim o filme nos leva pensa e fazer uma reflexão de tudo que é necessário para ser feliz.


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Texto C

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Na minha opinião,gostei do filme pois demonstra o amor de um homem que se apaixonou por uma mulher que havia perdido a memória em um acidente,mostrando a coragem de enfrentar seu pai seu irmão que no fim o apoiaram fazendo feliz sua filha Demonstra também a persistência e esperança que se é preciso ter nos dias de hoje, pois sem o amor que o homem demonstrava a ela todos os dias fazendo ela se lembrar de todas as maneiras dos momentos felizes que passaram um do outro nada seria possível acontecer, porém ela sabendo disso, não gostaria de ver seu namorado sofrendo por ela sem o futuro que ele gostaria de ter. Em fim, o filme nos leva a um pensamento em reflexão de tudo que e necessário fazer para ser feliz. Falante D Gostei do filme porque o carinha reconquista Luci todos os dias quando ela dormia ela perdia a memória e assim viveram felizes e seguiram a viagem e viveram felizes para sempre com a filha que tiveram e foram morar no barco que ele tinha e foram todos com o pai e o irmão fazer a viagem que ele queria fazer no inicio do filme. Texto D Eu gostei do filme porque o carinha lá tinha bastante passiencia com Luci e que o pai dela mentia bastante para ela e que ela acordava e ela fazia as mesmas coisas todos dia como o pai dela fizece aniverçario todos os dias que o pai dela pintava todo dia para que não passase todo os dias as mesmas coisas e ela nunca desconfiou de nada e ai um dia um pulicial dizendo que o não sei o que la do carro esta vencido e ja fazia um ano e ai ela viu um jornal que tava nada a ver com as coisa do jornal dela e ai ela descobrio que não era aquele dia e que quando ela dormia não lembrava de nada que tinha acontecido no dia passado. Falante E Bom não gostei do filme porque a mulher tinha uma amiésia que não acabava nunca e acho uma palhaçada isso ã que o homem era muito vagal queria conquista de tudo quanto era jeito e ela esquecia de um dia


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pra outro as coisa e no final pra sempre e foram viajar num barquinho casa teve um filho e era isso. Texto E Eu não gostei do filme porque a mulher tinha um amnésia irreverssivel porisso não gostei do filme achei que por isso ela poderia melhorar ter um final mais feliz no filme mas não foi isso que aconteceu.eu não gostei muito do filme pq ele deixou de viajar por causa de uma mulher que não iria render para ele,também deixou de pegar outras muheres por causa dela Falante F Eu acho que foi legal porque mostra a paciência que o cara teve com ela porque i ela perdeu a memória ela ter sofrido teve uma atitude de fica com ela era mesmo sem memória e ela conquistando ela todos os dias. Texto F Eu acho que foi legal, gostei pois, mostra paciência que o cara teve, que a paciência dele se tornou uma paixão entre os dois e por ela ter sofrido; que cada dia quando ela acordava ela não se lembrava das coisas que tinha acontecido, e pela atitude que ele tomou de falar com os pais a luci. Falante G O filme foi legal fala da Luci que sofre um acidente com ela e o pai dela i tem um cara que fica correndo atrás dela qui que conquista ela e daí o pai dela não dexa e depois dexa e acaba se casando com ele i ele i ela tenham uma filha que todo dia tem que conhece a filha e viajando pra onde ele ia antes. Texto G O filme fala de um cara que pegava varias mulheres mas teve uma que ele pegou e se apaixonou por ela so que ela esquecia tudo que acontecia no dia ela so se lembra do dia assidente que o pai e ela timam sofrido por uma vaca e o maluco se apaixona por a loca e todo dia ele


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tenque conquistar ela pq ela so se lembra o domingo do assidente por fim ela começa a se lembrar dele comessa se lembrar dele e se casa com ele e vão para a Alaska so que todo dia que ela acorda tenque olhar uma fita para saber onde ela ta.


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ISSN 16765001

AS MÚLTIPLAS FACES DE UM DIALETO POPULAR1 THE MULTIPLE FACES OF A POPULAR DIALECT Simone Osmari Lago2 e Laurindo Dalpian3 RESUMO O artigo é resultado de uma pesquisa sobre a fala de descendentes de imigrantes italianos. A base teórica apóia-se em autores da sociolingüística e da dialetologia. O corpus resultou de entrevistas, cuja transcrição, descrição e análise permitiram verificar as semelhanças e diferenças entre os falares dos informantes entrevistados. Foram constatadas grandes semelhanças de ordem fonética. A diferença mais marcante está na perda quase total das características dialetais de origem nas gerações mais novas. Isso vem demonstrar que a fala popular está em constante evolução. Palavras–chave: fonética, dialeto, sincronia, diacronia. ABSTRACT This article is the result of a research on the speech of descendants of Italian immigrants. The theoretical basis is structured upon authors on sociolinguistics and dialectology. The corpus resulted from interviews, whose transcription, description and analysis allowed the checking of similarities and differences among the speeches of the interviewees. Great similarities were noted, specially in the phonetic fashion. The most outstanding difference in on the almost total lost of the dialectical characteristics of origin in the most recent generations. This shows that the peopleʼs speech is in constant evolution. Keywords: phonetics, dialect, synchronic, diachronic.

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Trabalho Final de Graduação - TFG. Acadêmica do curso de Letras - UNIFRA. Orientador - UNIFRA.


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INTRODUÇÃO Este artigo é uma adaptação do trabalho final de graduação da autora e caracteriza-se como uma pesquisa de campo, cujo objetivo foi descrever e analisar a fala popular entre descendentes de imigrantes italianos. Partiu-se do pressuposto de que a fala é um elemento essencial para a vida social de qualquer pessoa. Nesse sentido, a linguagem se constitui em um instrumento extraordinário. Para dinamizar a comunicação, a linguagem serve-se de uma língua, através da qual o contato com diferentes culturas e classes sociais se concretiza de forma mais ampla. Cada povo tem peculiaridades, na comunicação, que lhe são próprias e cada indivíduo difere um do outro. O modo de falar “diferente” de cada pessoa ou de cada comunidade é posto em evidência quando os estudos lingüísticos se voltam para a variação de uma língua em seus mais distintos contextos. A maioria da população não é conhecedora dos diferentes níveis lingüísticos. Conseqüentemente, não reconhece como varia a sua própria maneira de falar, o idioleto, e nem a maneira de falar da coletividade, da comunidade em que está inserido, o dialeto. Com relação aos mais diversos modos de falar, não é difícil encontrar exemplos. É só prestar atenção à fala dos mais idosos, das pessoas mais instruídas e das menos instruídas. Vêse, assim, que os diferentes modos de falar não se restringem somente às características de uma pessoa em particular, mas envolvem toda uma coletividade. Por fim, o conhecimento das múltiplas faces de uma língua poderá contribuir para que nossos professores de língua materna não discriminem ou estigmatizem os alunos que apresentarem características lingüísticas diferentes. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Diz Auroux: “Que o homem fale é um enigma; que seja o único a falar é igualmente misterioso” (1998, p. 29). Essa breve citação induz a uma reflexão sobre uma das tantas capacidades cognitivas que são atribuídas ao ser humano: a linguagem. Ao falar, o ser humano expressa os seus mais diversos estados de espírito, suas opiniões e todo um mundo que brota de sua subjetividade. Ao interagir, cada falante o faz de uma maneira toda particular. Muitas vezes, essa maneira peculiar de comunicação causa estranheza em algumas pessoas e até mesmo algum preconceito. Assim, é importante buscar explicações para certos tipos de fenômenos (variações) que a linguagem apresenta. Conseqüentemente, o que se tem pela frente é um estudo de uma determinada língua em particular, atrelada


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a determinados segmentos sociais, psíquicos, étnicos e etários. Dessa forma, esses segmentos justificam o mundo das variedades lingüísticas, que são derivadas das características de cada falante ou de uma coletividade de falantes. Elas não se apresentam, porém, em apenas um dado estágio de evolução, elas estão sempre num contínuo processo de evolução. Com isso, é a fala que vai dando à língua suas múltiplas faces. De acordo com Faraco (1987, p. 9), “as línguas humanas não constituem realidades estáticas; ao contrário, sua configuração estrutural se altera continuamente no tempo”. Tal evolução lingüística vai depender do falante e do contexto, apresentando características e formas diferenciadas. Essa evolução pode ser percebida se forem confrontados documentos do português arcaico com documentos do português atual. Ao lado da mudança existe também toda uma variação lingüística, facilmente detectada se for comparado o falar de pessoas idosas com o falar dos mais jovens, mesmo entre pessoas da mesma etnia. Tais particularidades vão constituir um universo único, característico da cultura de um determinado povo. No entanto, esse povo passou por fases diversas e, como é comum à maioria dos seres humanos, a linguagem o acompanhou nessa evolução. A partir daí, infere-se também “que as mudanças lingüísticas, embora ocorrendo continuamente, se dão de forma lenta” (FARACO, 1987, p. 9). Na verdade, elas vão-se configurando em uma determinada fala popular. É o que tem ocorrido também nas colônias de imigrantes italianos, que se instalaram em diversas partes do estado sulino. Originários de várias regiões da Itália, os imigrantes vieram pressionados pela necessidade de melhorar suas condições de vida. Por outro lado, trouxeram também consigo um legado cultural muito rico, conservado zelosamente durante muito tempo. Um dos traços culturais que marcou as origens da colonização foi o dialeto, responsável pela identificação étnica e pela transmissão, de geração a geração, de inúmeros conhecimentos e vivências. Diz Bunse (1978, p. 45) que eles trouxeram consigo, como lastro cultural, a tradição dos dialetos falados em seu lugar de origem. Acrescenta que hoje, passados cem anos desde o início da colonização italiana em terras do Rio Grande do Sul, netos e bisnetos daqueles pioneiros ainda conservam o dialeto como herança cultural. No entanto, esse precioso legado foi-se apagando com o passar do tempo, quase se extinguindo. Ao lado do progresso econômico, que distinguiu as zonas de colonização, os imigrantes zelaram também por tantos valores trazidos da região de origem, tanto no que se refere à religião quanto à política e costumes.


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A cultura dos imigrantes italianos foi muito forte e, passados mais de cem anos, continua viva em muitas das famílias de descendentes. Alguns traços dialetais ainda estão presentes no falar de determinadas famílias, não mais com a força de outrora, mas, sim, como uma herança cultural. Frosi (1975, p. 62) destaca ser necessário sublinhar que as pequenas comunidades não viviam isoladas umas das outras e que, dentro de uma perspectiva histórica, os dialetos italianos foram sofrendo modificações ao longo do tempo. Percebe-se então que a língua falada por aqueles primeiros imigrantes que chegaram ao Rio Grande Sul de imediato começou a apresentar características diferentes. Vários são os motivos que impulsionaram essa mudança: o sistema lingüístico transformou-se, obedecendo às necessidades de uma língua de mercado, ou seja, conforme a economia ia evoluindo, a língua também ia se alterando. Ainda de acordo com Frosi (1975, p. 77), um dos grandes responsáveis pela evolução lingüística italiana, entre outros, foi o comércio, ou seja, as comunidades que viviam no interior tinham que ir até centros mais estruturados para comercializarem seus produtos e, assim, garantirem sua subsistência. Ao interagirem com outras pessoas acabaram interagindo com outra língua, a portuguesa, ou outro dialeto. Conseqüentemente, acabaram adotando alguns caracteres da língua portuguesa no seu dialeto, ocasionando uma mescla lingüística. Os anos se passaram, novas gerações surgiram, a “velha geração” cumpriu a sua missão de desbravar a nova terra e colonizá-la. Os primeiros imigrantes tentaram manter viva a sua cultura e o seu dialeto, porém a inadiável e tão necessária aculturação lingüística foi-se acelerando com as novas gerações que já não eram de imigrantes, mas, conscientes de sua condição de brasileiros, sentiam-se cada vez mais integrados na vida nacional (BUNSE, 1978, p. 53). Fica evidenciado, então, que não era mais possível para os primeiros imigrantes, que aqui chegaram, tentarem manter-se isolados das outras culturas. O que aconteceu, em resumo, foi uma perda da cultura italiana em favor da brasileira. O tempo foi inexoravelmente apagando muitas características originais, de tal forma que a população passou a fazer uso de dois códigos lingüísticos: o dialeto de origem e o português. O bilingüismo foi e, em certas regiões, continua sendo uma realidade. Bunse confirma que o grupo, em situação de contato, serve-se do dialeto quando o domínio particular está aberto ou apropriado para seu uso. Nos outros casos, o português é a língua de comunicação (1978, p. 54). Assim, tem-se a possibilidade de verificar como a língua portuguesa


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é falada por descendentes de italianos e evidenciar, em um determinado período, quais processos evolutivos ocorreram. Mas o que pode mudar em uma língua? Segundo Faraco (1987, p. 20), são vários os aspectos que podem sofrer mudanças numa língua; qualquer parte pode mudar, desde a pronúncia até a organização semântica e pragmática. Por exemplo: a morfologia (estrutura interna das palavras), a sintaxe (organização das orações), a semântica (significação) e a pragmática (uso) estão em constante modificação. Com relação às mudanças fonéticas, destacam-se os fenômenos de subtração, de acréscimo, de permuta e de transposição de fonemas em uma palavra. Os metaplasmos de subtração, quando se dão no início do vocábulo, levam o nome de aférese; quando no interior, denominam-se síncope e, ao final, apócope. Os metaplasmos de adição, quando se dão no início de palavra, denominam-se prótese; quando no meio, epêntese e, ao final, paragoge. Há também os fenômenos fonéticos de troca: elevação, monotongação, ditongação, nasalização, desnasalização, rotacismo, lambdacismo, entre outros. Em constante evolução, o ser humano não percebe a mudança, mas utiliza-a em diferentes situações e também de formas diferentes. Nesse sentido, tornam-se compreensíveis todas as modificações que podem acontecer em uma determinada língua. Por outro lado, fica o questionamento de qual o motivo que leva uma língua a se tornar tão flexível a mudanças, tão vulnerável e a ter faces tão diferentes. O ser humano, por estar sempre interagindo com as mais variadas situações, torna-se um camaleão lingüístico, o que, de acordo com Faraco (1987, p. 248), é questão de o indivíduo humano estar sempre envolvido em situações diferenciadas e, portanto, o uso lingüístico não será o mesmo de um local para outro. No entanto, essa multiplicidade não surge instantaneamente. Uma língua não se altera de um dia para outro, existe uma série de fatores que podem contribuir para uma mudança lingüística. Nesse contexto, torna-se viável explorar os fatores de ordem externa que influenciam na variação da língua; esses, por sua vez, são aspectos socioculturais que circundam o falante. Segundo Preti (1997), são a idade, o sexo, a raça (ou cultura), a profissão, a posição social, o grau de escolaridade, o local em que reside na comunidade, a classe econômica, direcionando o falar para os dialetos sociais (culto/popular), isto é, não é somente um fator que vai determinar a maneira de falar do indivíduo, mas sim, uma série de fatores, decisivos no falar de um indivíduo ou da comunidade em que ele se insere. Ainda, segundo o mesmo autor, existem também os fatores ligados à situação, ao ambiente, ao tema, ao estado emocional do falante, ao grau de intimidade entre os falantes, gerando assim níveis de fala


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ou registros (formal/coloquial), ou seja, esses fatores irão influenciar a maneira como cada indivíduo vai falar, adequando-se a uma fala mais ou menos prestigiada. Ao avaliar essas variações lingüísticas, percebem-se também os diversos modos de falar de cada pessoa, de cada povo, de cada região. Quando se toma por referência o falar de um determinado grupo étnico, entra-se em contato com o mundo do dialeto, que, segundo Dubois et al. (1995), “é uma forma de língua, usada num local restrito, que possui um sistema léxico, sintático e fonético próprio” (p. 148). Na verdade, o falar diferente está presente em qualquer contexto social. Dessa forma, qualquer pessoa jamais poderá ser estigmatizada ou excluída do meio por causa de sua linguagem. Gnerre (1998, p.10) diz, nesse sentido, que cidadãos, apesar de declarados iguais perante a lei, são, na realidade, discriminados já na base do código em que a lei é regida. Acrescenta que a maioria dos cidadãos não tem acesso ao código ou, às vezes, tem uma possibilidade reduzida de acesso, constituída pela “norma pedagógica” ali ensinada. Finaliza afirmando que, apesar de fazer parte da experiência de cada um, o fato de as pessoas serem discriminadas pela maneira como falam, fenômeno que se pode verificar em todo mundo, no caso do Brasil não é difícil encontrar afirmações de que aqui não existem diferenças dialetais. Ao se verificar a questão dessas variações e diferentes linguagens, pode-se também ressaltar a necessidade de o professor de língua materna estar apto a saber instruir os seus alunos de que, à medida em que a língua evolui, os “primeiros falantes”, os mais velhos, vão ficando com uma língua com um tipo de características fortemente marcadas, enquanto a nova geração surge com uma “língua nova”, com outras características. Esses novos falantes acabam, alguns, estigmatizando os mais velhos por causa do seu modo de falar. No entanto, não percebem que a linguagem é única, de cada um, do interior de cada pessoa e deve ser respeitada em cada faixa etária, em cada classe social e em cada origem cultural. METODOLOGIA A pesquisa seguiu as etapas a seguir descritas. Para a coleta do corpus foram elaborados questionários, com perguntas adequadas ao contexto de vida e idade dos informantes entrevistados. Foram selecionados dois grupos de informantes: o primeiro grupo com idade superior a sessenta e cinco anos e o outro, com idades entre dez e doze anos. A seleção dos informantes teve como critérios a


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ascendência italiana e uma diferença de, aproximadamente, cinqüenta anos entre os grupos, sem levar em conta a diferença de sexo. Esse distanciamento etário teve como objetivo conferir a evolução da língua portuguesa. Para o grupo de mais idade foram feitas perguntas sobre fatos marcantes da própria vida. Para o outro grupo, as perguntas versaram sobre escola, aulas, esportes, profissão. No decorrer das entrevistas, o questionário sofreu alterações, com o acréscimo de perguntas que favorecessem melhor interação entre investigador e informante. As entrevistas, com a aquiescência dos informantes e das próprias escolas, foram todas gravadas, o que se constituiu no corpus da pesquisa. A seguir, foi feita a transcrição das entrevistas para o registro escrito. Com os dados devidamente transcritos, procedeu-se a descrição e a análise dos fenômenos de variação lingüística verificados, o que resultou em algumas conclusões. Foi dada preferência aos fenômenos lingüísticos de ordem fonética. A íntegra das entrevistas, questionários, anexos, transcrições, descrições e análises constam no trabalho final de curso (TFG), arquivado na biblioteca da UNIFRA. ANÁLISE DO CORPUS Dando seqüência à pesquisa, após a coleta do corpus e descrição dos fatos fonéticos nele evidenciados, a análise permitiu uma radiografia da fala, em língua portuguesa, dos informantes pesquisados. Numa perspectiva sincrônica, foram observadas as variações existentes no momento e numa perspectiva diacrônica, no decurso de meio século, a verificação da mudança foi possível através da comparação das falas dos dois grupos. Na seqüência do trabalho, passam a ser analisados os principais fatos fonéticos identificados na pesquisa. Primeiramente, com relação ao falar dos idosos, ficou evidenciado um grande número de variações fonéticas, dentre as quais as mais recorrentes referem-se à queda de fonemas nas palavras, independentemente do ponto de incidência. São bastante comuns as aféreses (tá, tava, té). Muitos são os casos de apócopes, principalmente do fonema “r” em final de palavra (sustentá, istudá, formá, crescê, comprá, colhê, dizê, trabaiá, botá, qué, qualqué, usá, jogá, explicá, metê, lidá, brincá, inventá, tê, sobrá, praticá, pegá, sê, fazê, dá, vamo, temo). Com relação à troca de fonemas, verificaram-se monotongações (mudô, vô, dexaram, virô, aceito, dexo, incomodô, sô, fico, baxo, poco), ditongações (vocêis, nóis, mais, treis), rotacismos (Cráudio, compreto), suarabácti (adivogada), nasalizações


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(inducados, Intália, ansim), desnasalizações (nom, educaçom, intom, jove), despalatalizações (óia, trabaiá, meiorasse), e elevações (im, i, iducam, mãi, puera, istudam, intom, querim, istrada, filmi, incomodá). Foram muito freqüentes as monotongações, ou seja, a redução de ditongo, e as apócopes. Não resta dúvida de que o falar desses descendentes de italianos espelha perfeitamente as tendências da língua portuguesa popular do Brasil. É interessante observar também que esse grupo apresentou pouquíssimas palavras e expressões do dialeto vêneto (ma = mas; ghiné de boni = há gente boa; tirarse do del corpo = tirar do corpo; guimo criá cussita = fomos criados assim; mese = mês). Com relação ao grupo dos mais jovens, de imediato foi possível detectar que não há mais a presença de palavras e expressões do dialeto vêneto. Características semelhantes puderam ser constatadas nos processos de queda, acréscimo ou troca de fonemas, mais ou menos como no grupo anterior, só que em número bem inferior. CONSIDERAÇÕES FINAIS Através da análise foi possível evidenciar que a linguagem utilizada por cada um dos grupos, apesar da diferença de meio século em termos de idade, apresenta características bastante semelhantes. Foi observado que os falantes mais idosos, de certa forma, perderam quase que completamente as palavras que eram próprias do dialeto vêneto, dado que eles acabaram adotando a língua portuguesa como sua, embora ainda conservem alguns resquícios do seu dialeto. O grupo dos jovens já está perfeitamente integrado ao linguajar comum do Brasil, sem qualquer resquício dos dialetos de origem. Ao longo da pesquisa foi possível constatar as múltiplas faces da linguagem popular. Foi através desse estudo, com dois grupos de informantes, que se chegou a essa conclusão, visto que as falas de todos apresentam queda de fonemas, monotongações, ditongações, nasalizações, desnasalizações, entre outros fatos fonéticos. Diferem, porém, pelo fato de o grupo mais jovem não apresentar expressões típicas do seu dialeto de origem. Nesse sentido, outra observação que pode ser feita, a partir da pesquisa, é que as expressões típicas de um dialeto, no caso o vêneto, praticamente desapareceram, mesmo na zona rural. Com o passar de mais alguns anos, os descendentes dos imigrantes italianos não mais identificarão a linguagem que era falada por seus ancestrais, acarretando assim, em nível cultural, uma perda de identidade e de valores referentes à etnia de origem. Essa perda, de uma certa forma, até pode ser


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compreendida, pois à medida em que a sociedade evolui o ser humano também vai evoluindo e, conseqüentemente, para uma melhor interação no mundo em que as pessoas estão inseridas. Assim a língua também tem que se adaptar e sofrer modificações. Torna-se relevante ainda salientar que a escola e os meios de comunicação, especialmente a televisão, são os grandes responsáveis pela unidade lingüística, exercendo maior sobre a geração nova e bem menos sobre a geração mais velha. Em função disso pode-se entender um uso maior das formas populares por parte do grupo dos idosos e bem menor por parte dos mais jovens. Aproveitando essa conclusão, gostaríamos de dizer aos professores de língua materna que tenham sempre presentes as múltiplas faces da língua popular e levem em consideração o fato de a língua estar em constante evolução e que, em toda e qualquer forma em que ela se manifeste, é importante instruir os alunos a aceitá-la sem nenhum tipo de preconceito, dado que as variedades lingüísticas fazem parte de qualquer língua falada. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AUROUX, Sylvain. A filosofia da linguagem. Campinas: Ed Unicamp, 1998. BUNSE, Heinrich A. W. O vinhateiro: estudo etnográfico-lingüístico sobre o colono italiano no RS. Porto Alegre: UFRGS/IEL, 1978. DUBOIS, Jean et al. Dicionário de lingüística. São Paulo: Ática,1995. FARACO, C. A. Lingüística histórica. São Paulo: Ática, 1987. FROSI, Vitalina Maria; MIORANZA, Ciro. Imigração italiana no nordeste do Rio Grande do Sul: processos de formação e evolução de uma comunidade Ítalo-Brasileira. Porto Alegre: Movimento, 1975. GNERRE, Maurizio. Linguagem, escrita e poder. 4ª. ed. São Paulo, 1998. PRETI, Dino. Sociolingüística: os níveis de fala. 8ª. ed. São Paulo: Edusp, 1997.


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INTERTEXTUALIDADE E POLIFONIA: SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS1 INTERTEXTUALITY AND POLYPHONY: SIMILARITIES AND DIFFERENCES Silvana Laurini Rossato2 e Célia Helena Peregrini Della Méa3 RESUMO Em sua trajetória, os estudos realizados pela Lingüística Textual e pela Análise do Discurso enfocaram temas como a intertextualidade e a polifonia. O objetivo, no presente trabalho, é discutir intertextualidade e polifonia, buscando encontrar pontos em que as duas concepções se aproximam ou diferenciam. Para tanto, foram analisados trechos de textos retirados de jornais, nos quais se encontraram casos de intertextualidade e de polifonia, sendo que esses serviram para exemplificar e apresentar pontos de convergência ou divergência entre ambas, já que as reflexões acerca do assunto incluem argumentos sobre suas possíveis semelhanças. Palavras-chave: texto, intertextualidade, polifonia. ABSTRACT In their way, the studies performed by the Textual Linguistics and by the Discourse Analysis have focused themes like intertextuality and polyphony. The aim of this study is to discuss intertextuality and polyphony, searching to find points in which two conceptions come close together or part away. Therefore, some fragments of texts taken from newspapers were analyzed, in which cases of intertextuality and polyphony were found, and those were used to exemplify and present the converging and diverging points between both theories, since the considerations upon the fields include statements about their possible similarities. Keywords: text, intertextuality, polyphony.

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Monografia de Especialização em Língua Portuguesa - UNIFRA. Aluna do Curso de Especialização em Língua Portuguesa - UNIFRA. Orientadora - UNIFRA.


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INTRODUÇÃO Desde seu surgimento, as pesquisas que versam sobre Lingüística Textual e Análise do Discurso vêm aprofundando os conceitos sobre intertextualidade e polifonia (KOCH, 2000, 2002; MAINGUENEAU, 1997; BRANDÃO, 1996). Para Koch (2004), um dos principais temas, a que se tem dedicado a Lingüística Textual, é justamente a intertextualidade. Uma das afirmações apresentadas pela autora é que o conceito de intertextualidade é mais restrito que o de polifonia, já que aquela é uma das principais manifestações desta. A proposta, neste artigo, é analisar trechos de textos retirados de jornais (em anexo), buscando encontrar pontos convergentes ou divergentes entre intertextualidade e polifonia. Os textos foram escolhidos pela autora deste estudo, a qual, por meio de seu conhecimento de mundo, procurou encontrar casos que pudessem ser analisados à luz das teorias postas. Ressalta-se que não se buscou, em nenhum momento, esgotar todas as possíveis ocorrências de intertextualidade ou de polifonia presentes nos textos, já que, para tanto, o leitor depende de seu conhecimento prévio, motivo pelo qual a análise de trechos parece ser mais pertinente ao objetivo aqui proposto. LINGÜÍSTICA TEXTUAL: BREVE HISTÓRICO Na segunda metade da década de 60, época do surgimento da Lingüística Textual, o objeto privilegiado de estudo era a coesão, muitas vezes equiparada à coerência, já que ambas eram vistas como qualidades ou propriedades do texto. A ampliação do conceito de coerência, que ocorreu na década de 80, deu-se por meio da adoção de uma perspectiva pragmático-enunciativa, quando, então, passou-se a postular que a coerência não constitui simplesmente propriedade ou qualidade do texto em si, já que ela se constrói, em situação de interação, entre o texto e seus usuários, em função da atuação de uma gama de fatores de ordem lingüística, cognitiva, sociocultural e interacional. Nessa época, despontam com maior vigor os estudos pelo processamento cognitivo do texto (KOCH, 2004). A década de 90, entretanto, é tomada por forte tendência sociocognitivista. Desde então, desenvolveram-se as investigações na área de cognição, as questões relativas ao processamento do texto (produção e compreensão), a representação do conhecimento na memória, a ativação de tais sistemas de conhecimento (processamento), as estratégias sociocognitivas e interacionais nele envolvidas, entre muitas


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outras, passaram a ocupar o centro dos interesses de estudiosos do campo (KOCH, 2004). Assim, a partir da década de 90, além do destaque dado aos processos de organização dos textos, assumem grande importância as questões de ordem sociocognitiva, que englobam temas como referenciação, inferenciação, acessamento ao conhecimento prévio, etc.. A par dessas questões, o tratamento da oralidade e da relação oralidade/ escrita e o estudo dos gêneros textuais, conduzido a partir da perspectiva bakhtiniana, ocupam lugar de destaque nas pesquisas sobre o texto (KOCH, 2004). O Texto: definições

Segundo Koch (2000, p. 7), “o processo de produção textual, no quadro das teorias sociointeracionais da linguagem, é concebido como atividade interacional de sujeitos sociais, tendo em vista a realização de determinados fins.” Ou seja, todo texto produzido tem uma finalidade que só será alcançada a partir do momento em que os sujeitos interagem e cooperam um com o outro, ao menos no que se refere à comunicação. De acordo com a Koch (2000, p. 21), desde as origens da Lingüística Textual, até nossos dias, o texto foi visto de várias formas, como: a) unidade lingüística (do sistema) superior à frase; b) sucessão ou combinação de frases; c) cadeia de pronominalizações ininterruptas; d) cadeia de isotopias; e) complexo de proposições semânticas. Já no interior de orientações de natureza pragmática, o texto passou a ser encarado: a) pelas teorias acionais, como uma seqüência de atos de fala; b) pelas vertentes cognitivistas, como fenômeno primariamente psíquico, resultado, portanto, de processos mentais; e c) pelas orientações que adotam por pressuposto a teoria da atividade verbal, como parte de atividades mais globais de comunicação, que vão muito além do texto em si, já que este constitui apenas uma fase deste processo global. Dessa forma, o texto deixa de ser considerado uma estrutura acabada (produto), sendo, então, abordado em seus processos de planejamento, verbalização e construção, conforme as considerações da autora: (...) o texto pode ser concebido como resultado parcial de nossa atividade comunicativa, que compreende


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processos, operações e estratégias que têm lugar na mente humana, e que são postos em ação em situações concretas de interação social. Trata-se de uma atividade consciente, criativa, que compreende o desenvolvimento de estratégias concretas de ação e a escolha de meios adequados à realização dos objetivos; isto é, trata-se de uma atividade intencional que o falante, de conformidade com as condições sob as quais o texto é produzido, empreende, tentando dar a entender seus propósitos ao destinatário através da manifestação verbal (KOCH, 2000, p. 22).

A partir disso, entendemos que textos resultam de ações coordenadas de indivíduos atuantes socialmente. Textos são atividades verbais produzidas por um indivíduo que deseja alcançar um fim, fim esse que esteja em conformidade com as condições sob as quais a atividade verbal se realiza e com as condições sociais que imperam. Conforme Marcuschi (1983, p. 12-13), a Lingüística do Texto deve ser vista, genericamente, como o estudo das operações lingüísticas e cognitivas que regulam e controlam a produção, a construção, o funcionamento e a recepção de textos escritos ou orais. “Seu tema abrange a coesão superficial ao nível dos constituintes lingüísticos, a coerência conceitual ao nível semântico e cognitivo e o sistema de pressuposições e implicações a nível pragmático da produção do sentido no plano das ações e intenções”. A Lingüística Textual trata o texto como um ato de comunicação no universo de ações humanas. “Por um lado deve preservar a organização linear que é o tratamento estritamente lingüístico abordado no aspecto da coesão e, por outro, deve considerar a organização reticulada ou tentacular, não linear, portanto, dos níveis de sentido e intenções que realizam a coerência no aspecto semântico e funções pragmáticas.” Como propriedade definidora do texto, respaldamo-nos em Koch (2000, p. 25), que afirma: “Um texto se constitui enquanto tal no momento em que os parceiros de uma atividade comunicativa global, diante de uma manifestação lingüística, pela atuação conjunta de uma complexa rede de fatores de ordem situacional, cognitiva, sociocultural e interacional, são capazes de construir, para ela, determinado sentido. Uma vez construído um ¬– e não o – sentido, adequado ao contexto, às imagens recíprocas dos parceiros da comunicação, ao tipo de atividade em curso, a manifestação verbal será considerada coerente pelos interactantes. E é a coerência assim estabelecida que, em uma situação concreta de atividade verbal – ou, se assim quisermos, em um “jogo de linguagem” – vai levar os parceiros da


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comunicação a identificar um texto como texto.” Para a autora, o processamento textual como atividade interindividual, quer em termos de produção, quer de compreensão, também deve ser visto como uma atividade não só de caráter lingüístico, como também de caráter sociocognitivo. “Nessa atividade de produção textual, os parceiros mobilizam diversos sistemas de conhecimentos que têm representados na memória, a par de um conjunto de estratégias de processamento de caráter sociocognitivo e textual” (2000, p. 26). ANÁLISE DO DISCURSO: BREVE HISTÓRICO Maingueneau (1976), apud Brandão (1996), afirma que foram os formalistas russos que abriram espaço para o surgimento, nos estudos lingüísticos, do que se chamaria mais tarde “discurso”. “Operando com o texto e nele buscando uma lógica de encadeamentos ʻtransfrásticos`, superam a abordagem filológica ou impressionista que até então dominava os estudos da língua” (p. 15). Foi na década de 50 que se deu a constituição de uma análise do discurso enquanto disciplina, o que ocorreu, de um lado, com o surgimento do trabalho de Harris (Discurse Analisys, 1952), o qual “mostra a possibilidade de ultrapassar as análises confinadas meramente à frase, ao estender procedimentos da lingüística distribucional americana aos enunciados (chamados discursos), e, de outro lado, os trabalhos de R. Jakobson e E. Benveniste sobre a enunciação” (BRANDÃO, 1996, p. 15). Para Brandão (1996, p. 15): Embora a obra de Harris possa ser considerada o marco inicial da análise do discurso, ela se coloca ainda como simples extensão da lingüística imanente na medida em que transfere e aplica procedimentos de análise de unidades da língua aos enunciados e situa-se fora de qualquer reflexão sobre a significação e as considerações sócio-históricas de produção que vão distinguir e marcar posteriormente a Análise do Discurso.

Por outro lado, Benveniste, ao afirmar que “o locutor se apropria do aparelho formal da língua e enuncia sua posição de locutor por índices específicos” (BRANDÃO, 1996, p. 15), dá importância ao sujeito falante no processo da enunciação. Ao falar em locutor, ele questiona a relação que se estabelece entre o locutor, seu enunciado e o mundo. Essa relação será


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o cerne das reflexões da análise do discurso em que o enfoque da posição socioistórica dos enunciadores ocupa um lugar de grande destaque. Segundo Orlandi (1986), essas duas direções vão determinar maneiras diferentes de pensar a teoria do discurso: a que corresponde à perspectiva americana, entendendo-a como uma extensão da Lingüística e outra que considera o “enveredar para a vertente do discurso o sintoma de uma crise interna da Lingüística, principalmente na área da Semântica (que corresponderia à perspectiva européia)”. Essas afirmações são confirmadas na passagem a seguir: Essa visão nos diz que o conceito de teoria do discurso, como extensão da Lingüística, aplicado à perspectiva técnica americana, pode ser justificado por nela se considerarem frase e texto como elementos isomórficos com análises diferenciando apenas em graus de complexidade. Vê-se o texto de uma forma redutora, não se preocupando com as formas de instituição do sentido, mas com as formas de organização dos elementos que o constituem (BRANDÃO, 1996, p. 16).

Existe, ainda, uma concepção européia que se opõe a essa da Análise do Discurso como extensão da Lingüística, que, para Orlandi, parte de “uma relação necessária entre o dizer e as condições de produção desse dizer, colocando a exterioridade como marca fundamental” (BRANDÃO, 1996, p. 16). Sobre isso, Maingueneuau (2000) nos propõe que a análise do discurso como uma disciplina que, “em vez de proceder a uma análise lingüística do texto em si ou a uma análise sociológica ou psicológica de seu “contexto”, visa a articular sua enunciação sobre um certo lugar social” (p. 13). Ela relaciona-se, portanto, com os gêneros do discurso existentes no espaço social, como por exemplo, um café, uma escola, uma loja, ou com campos discursivos, como o político, o científico, entre outros. Além disso, a análise do discurso é constituída de várias ciências humanas. “Há analistas do discurso mais sociólogos, outros mais lingüistas, outros mais psicólogos” (p. 14). Nos Estados Unidos, é na antropologia que se baseia a análise do discurso, enquanto que, na França, desenvolveu-se, nos anos de 1960, uma análise do discurso de tendência lingüística marcada pelo marxismo e pela psicanálise. O que interessa à Análise do Discurso, ou seja, seus objetos, são, conseqüentemente, correspondentes ao que se chama, com freqüência, de formações discursivas, referindo de modo mais ou menos direto


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Foucault (1995) que, através deste conceito, entende “um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço que definiram em uma época dada, e para uma área social, econômica, geográfica ou lingüística dada, as condições de exercício da função enunciativa”. (MAINGUENEAU, 1997, p.14) Sucintamente, Maingueneau (1997, p.18-21) nos diz que a Análise do Discurso não é uma parte da lingüística que estudaria os textos, da mesma forma que a fonética estuda os sons, mas ela atravessa o conjunto de ramos da lingüística. Poder-se-ia dizer que a AD de “primeira geração” (p. 21), aquela dos fins dos anos 60 e início da década de 70, procurava evidenciar as particularidades de formações discursivas (o discurso comunista, socialista, etc.) considerados como espaços quase auto-suficientes, apreendidos a partir de seu vocabulário. “A AD de segunda geração, ligada às teorias enunciativas, pode ser lida como uma reação sistemática contra aquela que a precedeu” (p. 21). A Perspectiva teórico-francesa

Em Maingueneau (2000), encontramos que, na metade dos anos 60, surge um conjunto de pesquisas que foram consagradas, em 1969, com publicação do número 13 da revista Langages, intitulado a “A Análise do discurso”, e de Analyse Automatique du Discours, de Pêcheux (1938–1983). O núcleo dessas pesquisas, que formou grupos no exterior, sobretudo nos países francofônicos e nos de línguas românicas, “foi um estudo do discurso político, efetuado por lingüistas e historiadores, com uma metodologia que associava a lingüística estrutural e uma “teoria da ideologia”, inspirada, ao mesmo tempo, na releitura da obra de Marx por Althusser e na psicanálise de Lacan” (p. 70). Buscavam-se relações entre o ideológico e a lingüística, evitando reduzir o discurso à análise da língua ou, ao contrário, de dissolver o discursivo no ideológico. Desfazendo a ilusão que o sujeito do discurso tem de estar “na origem do sentido” (p. 70), a Escola francesa privilegiava os procedimentos de análise dos textos: “tratava-se de fazer aparecer o discurso como uma plenitude enganosa, cuja análise devia revelar a “inconsistência” fundamental, relacionando-o ao trabalho de forças inconscientes” (p. 70). Para Maingueneau (1987), apud Brandão (1996, p. 17), a chamada “escola francesa de análise do discurso filia-se a uma tradição intelectual européia (e sobretudo da França) que une reflexão sobre texto e sobre história. Nos anos 60, sob do estruturalismo, a intelectualidade francesa propiciou, em torno de uma reflexão sobre a “escritura”, uma articulação


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entre a lingüística, o marxismo e a psicanálise. A Análise do Discurso nasceu tendo como base a interdisciplinaridade, pois ela era preocupação não só de lingüistas, como também de historiadores e de alguns psicólogos; e a uma determinada prática escolar, de “explicação de texto”, muito em voga na França, do colégio à Universidade, nos anos anteriores a 1960. Num quadro teórico que alia o lingüístico ao socioistórico, na Análise do Discurso, temos duas palavras-chave: ideologia e discurso. Segundo Chauí (1980), o termo “ideologia” foi criado pelo filósofo Destutt de Tracy, em 1818, na obra Elements de idéologie. Sendo sinônimo de atividade científica, preocupava-se com análises da capacidade de pensar, tratando as idéias como fenômenos naturais que exprimem a relação do corpo humano, enquanto organismo vivo, com o meio ambiente” (p. 23). Para Althusser (1974), a ideologia representa a relação imaginária de indivíduos com suas reais condições de existência, existe em função de aparelhos ideológicos, assumindo um caráter moldador de ações. No que se refere a discurso, Foucault (1995) diz ser um conjunto, uma família de enunciados que se remetem a uma mesma formação discursiva, na qual diversas posições de subjetividade podem manifestar-se, eliminando o sujeito do enunciado como fonte geradora de significações. As principais correntes que influenciam a Análise do Discurso francesa são, primeiro, a ideologia com os conceitos de Althusser e, segundo, do lado do discurso, as idéias de Foucault. Pêcheux, um dos estudiosos de maior destaque na Análise do Discurso, elabora seus conceitos sob a dos trabalhos desses dois teóricos. “De Althusser, a mais direta se faz a partir do seu trabalho sobre os Aparelhos Ideológicos de Estado na conceituação do termo “formação ideológica”. E será da Arqueologia do saber que Pêcheux extrairá a expressão “formação discursiva” da qual a AD se apropriará, submetendo-a a um trabalho específico” (BRANDÃO, 1996, p. 18). No início dos anos de 1980, segundo Maingueneau (2000, p. 71), “a corrente que privilegiava os procedimentos analíticos que desestruturavam os textos” teve suas bases teóricas progressivamente marginalizadas. Apesar disso, podemos falar da Escola francesa como um conjunto de pesquisas em análise do discurso que, sem pertencer a uma mesma escola, compartilham de algumas características: - Estudam, a priori, corpus “escritos”, discursos que apresentam um interesse histórico; - refletem sobre a inscrição e a participação do Sujeito no seu discurso; - fazem uso das teorias da enunciação lingüística


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(principalmente através de autores como Benveniste ou Culioli); - privilegiam o papel do interdiscurso.

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INTERTEXTUALIDADE E POLIFONIA Intertextualidade: definições Em Koch (2004, p. 145), temos que “a intertextualidade constitui um dos grandes temas a que se tem dedicado a Lingüística Textual”. A autora nos diz que a intertextualidade strictu sensu ocorre quando um texto (intertexto) está inserido em outro produzido anteriormente, o qual faz parte da memória social ou dos interlocutores. Para Koch (2004), “ ʻa descobertaʼ do intertexto torna-se crucial para a construção do sentido” (p. 147). Os intertextos, geralmente, são trechos de obras literárias, de músicas populares conhecidas ou textos bastante divulgados na mídia, chamadas de programas humorísticos de rádio ou TV, provérbios, frases feitas, ditados populares, etc.. Tais textos fazem parte da memória coletiva (social) da comunidade, o que faz com que sejam acessados, geralmente, com facilidade quando se dá o processamento textual – embora, é evidente que não há nenhuma garantia de que isso realmente acontecerá. Genette (1982, p. 8), apud Maingueneau (2000, p. 87), “prefere chamar de transtextualidade a intertextualidade à qual ele confere um valor mais restrito”. Ele estabelece uma tipologia dessas relações transtextuais: - intertextualidade: suposição da presença de um texto em um outro (por citação, alusão...); - paratextualidade: refere-se às adjacências do texto propriamente dito, sua periferia (títulos, prefácio, ilustrações, encartes, etc.); - metatextualidade: são os comentários de um de um texto por um outro texto; - arquitextualidade: mais abstrata, põe um texto em relação com as diversas classes às quais ele pertence (por exemplo, um poema encontrase em relação de arquitextualidade com a classe dos sonetos, dos poemas, das obras líricas etc.); - hipertextualidade: é a operação pela qual um texto (dito hipotexto) insere-se sobre um texto anterior (dito hipertexto), não se tratando de um comentário. “Isso recobre os fenômenos de transformação (paródia, transformação, transposições) ou de imitação (pastiche, falsificação...)” (MAINGUENEAU, 2000, p. 88). “Assim como o interdiscurso, o termo intertexto é freqüentemente


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empregado para designar um conjunto de textos ligados por relações intertextuais: diremos, por exemplo, que a literatura da Pléiade e a literatura antiga formam um intertexto” (MAINGUENEUAU, 2000, p. 88). Em Maingueneau (1984, p. 83, apud MAINGUENEUAU, 2000, p. 88), é feita uma distinção entre intertextualidade e intertexto: o intertexto é o conjunto dos fragmentos citados num determinado corpus, enquanto que a intertextualidade é o sistema de regras implícitas que submetem esse intertexto, o modo de citação que é julgado legítimo na formação discursiva da qual depende esse corpus. Assim a intertextualidade do discurso científico não é a mesma do discurso teológico, uma e outra variam de uma época a uma outra. Podemos distinguir uma intertextualidade interna (entre um discurso e aqueles do mesmo campo discursivo) e uma intertextualidade externa (com os discursos de campos discursivos distintos, por exemplo entre um discurso teológico e um discurso científico).

“O texto redistribui a língua. Uma das vias dessa reconstrução é a de permutar textos, fragmentos de textos, que existiram ou existem ao redor do texto considerado e, por fim, dentro dele mesmo; todo texto é um intertexto; outros textos estão presentes nele, em níveis variáveis, sob formas mais ou menos reconhecíveis” (BARTHES, 1974, apud KOCH, 2000, p. 46). Isso significa que todo texto é um objeto heterogêneo, que revela as relações profundas de seu interior com seu exterior; evidentemente, fazem parte desse exterior outros textos que lhe dão origem, que o condicionam, com os quais dialoga, aos quais alude, ou se opõe. Conforme postula Koch (2000, p. 46): Foi esta a razão que levou BEAUGRANDE & DRESSLER (1981) a apontarem, como um dos padrões ou critérios de textualidade, a intertextualidade, que, segundo eles, diz respeito aos modos como a produção e recepção de um texto dependem do conhecimento que se tenha de outros textos com os quais ele, de alguma forma, se relaciona. Essas formas de relacionamento entre textos são (...) bastante variadas (KOCH, 2000, p. 46).

Maingueneau (1976, p.39), apud Koch (2000, p.47), afirma ser o intertexto um componente decisivo das condições de produção: “um


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discurso não vem ao mundo numa inocente solitude, mas constrói-se através de um já-dito em relação ao qual toma posição”. Também a comparação de textos produzidos em determinada cultura pode permitir encontrar propriedades de forma e estrutura, comuns a determinados gêneros ou tipos – “intertextualidade de caráter tipológico” (KOCH, 2000, p. 48). Tipos de Intertextualidade

Segundo Koch (2000, p. 48-49), temos vários tipos de intertextualidade, sendo que os mais comuns são: a) De conteúdo X de forma/conteúdo: ocorre intertextualidade de conteúdo, por exemplo, entre textos científicos de uma mesma área ou corrente do conhecimento, que se servem de conceitos e expressões comuns, já definidos em outros textos daquela área ou corrente; entre matérias de jornais (e da mídia em geral), no mesmo dia ou período de tempo em que dado assunto é focal; entre diversas matérias de um mesmo jornal sobre tal assunto; entre textos literários de uma mesma escola ou de um mesmo gênero (por exemplo, as epopéias). Tem-se intertextualidade de forma/conteúdo, por exemplo, quando o autor de um texto imita ou parodia, tendo em vista efeitos específicos, estilos, registros ou variedades de língua, como é o caso de textos que reproduzem a linguagem bíblica, a de determinado escritor ou de um dado segmento da sociedade. b) Explícita X Implícita: A intertextualidade é explícita, quando há citação da fonte do intertexto, como acontece no discurso relatado, nas citações e referências; nos resumos, resenhas e traduções; nas retomadas do texto do parceiro para encadear sobre ele ou questioná-lo, na conversação. A intertextualidade implícita ocorre sem citação expressa da fonte, cabendo ao interlocutor recuperá-la na memória para construir o sentido do texto, como nas alusões, na paródia, em certos tipos de paráfrase e de ironia. c) Das semelhanças X das diferenças: Na intertextualidade das semelhanças, o texto incorpora o intertexto para seguir-lhe a orientação argumentativa e, freqüentemente, para apoiar nele a argumentação (por exemplo, na argumentação por autoridade). Maingueneau (1987), apud Koch (2000, p.49), fala aqui de valor de captação. Em se tratando de intertextualidade das diferenças, o texto incorpora o intertexto para ridicularizá-lo, mostrar sua improcedência ou, pelo menos, colocá-lo em questão (paródia, ironia, estratégia argumentativa da concessão ou concordância parcial). É o que Maingueneau (1987), apud Koch (2000, p. 49), denomina valor de subversão.


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d) Com intertexto alheio, com intertexto próprio ou com intertexto atribuído a um enunciador genérico: Alguns autores reservam a denominação de intertextualidade apenas para o primeiro caso, utilizando para o segundo o rótulo de intra – ou autotextualidade. Por seu turno, atribuem-se a um enunciador genérico, enunciações que têm por origem um enunciador indeterminado, as quais fazem parte do repertório de uma comunidade, como é o caso dos provérbios e ditos populares. Ao usar-se um provérbio, produz-se uma “enunciação-eco” de um número ilimitado de enunciações anteriores do mesmo provérbio, cuja verdade é garantida pelo enunciador genérico, representante da opinião geral, da “vox populi”, do saber comum da coletividade (2000, p. 49). Polifonia O conceito de polifonia foi introduzido nas ciências da linguagem por Bahktin, em 1929, para caracterizar o romance de Dostoiévski. Para Bahktin, é o dialogismo que constitui a linguagem, pois a palavra o produto da relação entre falante e ouvinte, emissor e receptor. Cada palavra expressa o ʻumʼ em relação com o outro. A forma verbal de cada um acontece a partir do ponto de vista da comunidade a qual pertence. O Eu se constrói constituindo o Eu do Outro, sendo por este constituído (BAKHTIN, 1981). Para Maingueneau, a polifonia é “(...) várias ʻvozesʼ se exprimem sem que nenhuma seja dominante” (2000, p. 109). Mais amplamente, o autor diz que a problemática polifônica pode ser integrada a fenômenos de ordem textual, como o pastiche, a paródia, o provérbio... “Quando enunciamos um provérbio, damos, na verdade, seu enunciado como assegurado por uma outra instância, a “Sabedoria das nações”, que trazemos à cena na palavra e da qual participamos indiretamente, enquanto membros da comunidade lingüística” (MAINGUENEAU, 2000, p. 110). Koch (2000, p. 50) nos afirma que Ducrot (1980, 1984) trouxe o termo para a pragmática lingüística, designando, dentro de uma visão enunciativa do sentido, as diversas perspectivas, pontos de vista ou posições que podem ser representadas nos enunciados. Para ele, o sentido de um enunciado pode ser definido como uma representação (teatral) de sua enunciação. Nesse âmbito, movem-se as personagens – que seriam as figuras do discurso – podendo ser representadas em diversos níveis: a) locutor – “responsável” pelo enunciado. (Ducrot distingue ainda entre locutor enquanto tal – L – e locutor enquanto pessoa –––); b) enunciadores – encenações de pontos de vista, de perspectivas


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diferentes no interior do enunciado. Maingueneau (2000, p. 109-110) baseia-se em Ducrot (1984) para fazer uma distinção entre sujeito falante, locutor e enunciador. O sujeito falante é um ser empírico, o indivíduo que enuncia fisicamente o enunciado; o locutor é um ser de discurso, a instância a quem é imputada a responsabilidade do enunciado. Assim, no discurso direto, o sujeito falante não se encarrega do discurso citado, mas se responsabiliza pela asserção segundo a qual alguém emitiu as proposições relatadas. Assim também, nos enunciados-eco, em que retomamos as proposições do interlocutor (A: “Você não tem cérebro”, B: Ah! Não tenho cérebro!”...) o sujeito falante não é apresentado como responsável pelo enunciado-eco. No caso dos enunciados não embreados, há igualmente ausência de responsabilização, mas por um apagamento de qualquer locutor. A diferença que faz Ducrot entre locutor e enunciador é menos nítida. Ela é destinada a tratar dos fenômenos de não-responsabilização mais sutis, como a ironia ou a negação polêmica. Na ironia, por exemplo, o locutor se responsabilizará pelas “palavras”, mas não pelo “ponto de vista” que o enunciado defende: esse “ponto de vista” seria atribuído a uma personagem, o enunciador, encenado na enunciação irônica.

Mais amplamente, Maingueneau (1997) traz que “o falante é único, isto é, que cada enunciado só pode ser relacionado a um único autor, identificado como o locutor (oral ou escrito), aquele que diz eu, que é responsável pelo que enuncia” (p.76). Esse pressuposto é questionado por Ducrot no que se refere a certos fatos enunciativos. Para ele (apud MAINGUENEAU, 1997, p. 76), “há polifonia quando é possível distinguir em uma enunciação dois tipos de personagens, os enunciadores e os locutores”: - O locutor é o ser responsável pelo enunciado, não coincidindo, necessariamente, com o produtor físico do enunciado: “se assino um formulário preparado pela Administração, do tipo “Eu, abaixo-assinado, declaro...”, o eu do locutor deste texto sou eu mesmo e, no entanto, não sou seu autor efetivo” (MAINGUENEAU, 1997, p. 76). Da mesma forma, na narrativa, existe um autor, mas o texto não indica o locutor que se responsabiliza por sua enunciação. - O enunciador representa, por vezes, diante do locutor, a


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representatividade do personagem diante do autor em uma ficção. “Os “enunciadores” são seres cujas vozes estão presentes na enunciação sem que se lhes possa, entretanto, atribuir palavras precisas; efetivamente, eles não falam, mas a enunciação permite expressar seu ponto de vista” (MAINGUENEAU, 1997, p. 77). Ou seja, o locutor pode pôr, em seu próprio enunciado, posições diferenciadas da sua. Ainda sobre isso, Roulet et al (1985), apud Maingueneau (2000, p. 110), “faz uma distinção útil entre a diafania (retomada, nos discurso do locutor, de proposições efetivas ou virtuais de seu co-enunciador) e a polifonia propriamente dita (citação de proposições de outros enunciadores, de terceiros)”. Tipos de polifonia para Ducrot Koch (2000, p. 50-51) nos traz os vários tipos de polifonia propostos por Ducrot, sendo mais facilmente encontrados: a) quando, no mesmo enunciado, se tem mais de um locutor – correspondendo à intertextualidade explícita (citações, referências, argumentação por autoridade, etc.); b) quando, no mesmo enunciado, há mais de um enunciador, recobrindo, em parte, a intertextualidade implícita, sendo, porém, mais ampla: basta que se representem, no mesmo enunciado, enunciadores que representam perspectivas diferentes, sem necessidade de se servirem de textos efetivamente existentes. Por isso é que Ducrot se refere à encenação (teatral) de enunciadores – reais ou virtuais – a quem é atribuída a responsabilidade da posição expressa no enunciado ou segmento dele. c) O discurso indireto livre constitui também um caso interessante de polifonia. Nele, mesclam-se as vozes de dois enunciadores (na narrativa, personagem (E1) e narrador (E2)). Daí deriva a ambigüidade desse tipo de discurso, isto é, a dificuldade de distinguir o ponto de vista (perspectiva) de onde se fala. Pode-se concluir com Koch (2000) que há coincidência, mas não total, entre os conceitos de intertextualidade e polifonia. Na intertextualidade, ou a fonte é claramente mencionada no texto que o traz ou o produtor do texto está presente; em situações de comunicação oral, temos provérbios, frases feitas e expressões estereotipadas, entre outros exemplos, de autoria anônima, mas que fazem parte de um repertório partilhado por uma comunidade de fala. No caso da polifonia, há presença de encenação, isto é, no texto aparecem vozes de enunciadores reais ou virtuais, que representam perspectivas, tipos e pontos de vista diversos,


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com os quais o locutor se identifica ou não. Assim, o conceito de polifonia abrange o de intertextualidade, sendo todo o caso de intertextualidade um caso de polifonia, não sendo verdadeira o contrário. Para a autora, o conceito de polifonia é mais amplo que o de intertextualidade. Enquanto nesta faz-se necessária a presença de um intertexto, cuja fonte pode ou não vir mencionada (o que se chama intertextualidade explícita ou intertextualidade implícita, respectivamente), aquela, tal como nos diz Ducrot (1980, 1984), exige, no texto, apenas representação e encenação teatral de perspectivas ou pontos de vista de enunciadores diferentes – “daí a metáfora do ʻcoro de vozesʼ, ligada, de certa forma, ao sentido primeiro que o termo tem na música, de onde se origina” (2004, p. 154). Assim, confirma-se que, do ponto de vista da construção de sentidos, todo texto é perpassado por vozes de enunciadores diferentes, que podem ou não ser concordantes, “o que faz com que se caracterize o fenômeno da linguagem humana, como bem mostrou Bahktin (1929), como essencialmente dialógico e, portanto, polifônico” (KOCH, 2000, p. 57). ASPECTOS METODOLÓGICOS

Para a realização do objetivo proposto por este trabalho, a análise de textos em que foram encontrados casos de polifonia e intertextualidade deu-se à luz da teoria proposta por Koch (2000), que trata, simultaneamente, das duas concepções. Os trechos analisados foram retirados de publicações dos seguintes veículos: Jornal Zero Hora, de Porto Alegre, textos publicados no mês de outubro de 2004 (ABECHE, 2004; TAVARES, 2004; VERISSIMO, 2004a, 2004b) e Jornal Diário de Santa Maria (MAYER, 2005), da cidade de mesmo nome, textos publicados em janeiro do ano de 2005. Não se buscou, entretanto, a análise integral dos textos escolhidos (em anexo), mas apenas das partes em que, por meio de conhecimento prévio, pode-se identificar a ocorrência da polifonia, da intertextualidade, ou de ambas ao mesmo tempo. Assim, na análise, alocaram-se primeiro os casos em que se encontrou apenas intertextualidade, após os casos em que se encontrou apenas polifonia e, por último, os casos em que as concepções aparecem simultaneamente, ou seja, na mesma passagem do texto. Todos os casos apresentados vêm acompanhados das respectivas explicações e justificativas, ou seja, onde está a intertextualidade ou a polifonia e por que se encaixa em uma e não em outra.


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INTERTEXTUALIDADE E POLIFONIA NOS TEXTOS

Neste capítulo, após toda a referenciação teórica já apresentada, farse-á uma análise de trechos de textos retirados de jornais, nos quais se pode encontrar ocorrências de intertextualidade e de polifonia. Ressalta-se que as análises foram feitas utilizando-se apenas de Koch (2000) como referência, já que esta autora propõe uma tipologia bastante didática que não é proposta pelos outros teóricos referenciados no decorrer desta monografia e, em virtude também de que o autor do trabalho não tem autoridade suficiente para determinar tipologias sem basear-se em algum teórico proeminente no assunto. Onde há intertextualidade No texto A vida de nossos mortos (anexo C), encontramos a seguinte passagem: (1) A frase na fachada do antigo templo positivista da Avenida João Pessoa, em Porto Alegre, talvez dê a resposta: “Os vivos são cada vez vais governados pelos mortos!”. Conforme Koch (2000, p. 49), temos aqui um caso de intertextualidade explícita, pois há citação da fonte do intertexto, ou seja, uma referência que indica de onde o texto citado foi retirado. No caso, a referência, isto é, a indicação, é o templo positivista da Avenida João Pessoa de Porto Alegre, e o intertexto é a citação entre aspas. Em Maragatos e Chimangos (anexo D), temos de intertextualidade já no título: (2) Maragatos e Chimangos É um caso claro de intertextualidade, já que ao lermos este título nos remetemos diretamente à Revolução Farroupilha, ocorrida no Rio Grande do Sul no século XIX. Para Koch (2000, p. 49), teríamos, neste título, um caso de intertextualidade implícita, já que não há citação expressa da fonte, cabendo ao leitor, ou interlocutor, recuperar em sua memória o texto posto e o seu sentido. Ainda em Maragatos e Chimangos, temos: (3) Portugueses contra espanhóis, farroupilhas contra imperiais,


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republicanos contra federalistas, borgistas contra libertadores. De onde virá a vocação do Rio Grande para esses históricos confrontos?

Mais uma vez, temos um caso de intertextualidade implícita, já que não há citação da fonte, sendo necessário, por isso, que o interlocutor recupere em sua memória o texto posto. Também há intertextualidade das semelhanças (KOCH, 2000, p. 49), pois o texto incorporou o intertexto para seguir seu curso, sua argumentatividade, a qual está amparada, necessita do intertexto. O texto em questão trata dos confrontos pelos quais passou o Rio Grande do Sul no curso de sua história, do espírito aventureiro e desbravador e combativo do povo gaúcho e das constantes “lutas” que continua empreendendo em busca da “luz” e do “progresso”. Assim, foram apresentadas, como argumento inicial, todas as guerras já vividas pelos gaúchos com o objetivo de respaldar o tema do texto. No texto Outras ondas (anexo E), temos o seguinte caso de intertextualidade: (4) Existem credos religiosos pegando carona na catástrofe para, dessa forma, melhor controlar o seu rebanho. A passagem “controlar o seu rebanho” nos remete a pastores que controlam suas ovelhas e, ainda, ao credo católico, numa alusão a Jesus Cristo, que seria o pastor, e aos fiéis, que seriam seu rebanho. Aqui, novamente seguindo Koch (2000, p. 49), podemos encontrar dois tipos de intertextualidade: o primeiro seria a intertextualidade implícita, já que não há citação de fonte alguma. Por conseguinte, cabe ao leitor estabelecer o sentido do texto por meio de seu conhecimento prévio; o segundo tipo seria a intertextualidade das diferenças, já que o texto incorpora essa passagem para ironizar o assunto em questão, ou seja, o fato de alguns religiosos ou pregadores tentarem subverter o significado da catástrofe (o maremoto), buscando, assim, que mais pessoas passem a crer em suas teorias e pregações. Onde há polifonia No texto Crânio e Ossos (anexo A), temos a seguinte passagem: (5) Apesar do nome, Crânio e Ossos, e dos seus rituais secretos, a sociedade não é uma sinistra irmandade satânica que se reúne para tramar maldades – pelo menos que se saiba.


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Notamos, aqui, dois casos de polifonia. O primeiro aparece logo no início, “apesar de”, o qual serve para introduzir uma perspectiva diferente da que tem o locutor quanto ao assunto, mesmo que em sua continuação, o enunciado tende a refutar a visão do locutor. Seria o que encontramos em Koch (2000, p. 55) denominado como enunciador E1, genérico ou representante de um grupo, ao qual se opõe o locutor. O mesmo acontece com o segundo caso de polifonia, “pelo menos que se saiba”, quando, novamente, aparece uma outra visão, como se fosse um outro locutor falando. Ainda em Crânio e Ossos, podemos ver: (6) Bush e Kerry têm passado e antecedentes familiares parecidos, mas, dos dois, foi Bush quem descumpriu as expectativas. Em Koch (2000, p. 55), encontramos que o mas é um “operador argumentativo por excelência”, já que os enunciados que contêm mas e seus similares, bem como os que contêm operadores como embora, permitem introduzir a visão que não é – ou não é apenas – a do locutor, para, em seguida, contrapor-lhe, perspectiva para a qual o enunciado tende. É o que ocorre no exemplo (6), quando, ao utilizar, mas o locutor contrapõe a idéia precedente, fazendo com que o enunciado tome a tendência que lhe interessa destacar. Crânio e Ossos nos traz mais um caso de polifonia. Vejamos o exemplo (7): (7) Seja como for, teóricos de conspirações têm que trabalhar nas coincidências de os dois candidatos serem da mesma sociedade misteriosa. Ao iniciar a construção com “seja como for”, o locutor expressa a sua perspectiva, para após, introduzir a informação como se outro enunciador, o E1, fosse o responsável pelo dito. Ou seja, há mais de uma voz que se expressa neste enunciado. Em outro texto, E na bateria... (anexo B), encontramos: (8) Agitação na platéia. O que teria havido? Qual era o problema? Koch (2000, p. 52) traz que, “em enunciados nos quais ocorre o uso ʻmetafóricoʼ do futuro do pretérito, (...) cuja responsabilidade não se assume”, temos um caso de polifonia com argumentação por autoridade,


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quando a voz de um enunciador é encenada e, a partir dela, o locutor se identifica. Em “o que teria havido?”, temos uma outra voz, ou seja, o locutor encena, por meio da pergunta, a voz de um outro enunciador, que no caso seria a platéia, com a qual se identifica. Em A vida de nossos mortos (anexo C), encontramos os seguintes casos de polifonia. São os exemplos (9), (10) e (11): (9) Após 21 anos de ditadura militar, ele seria o primeiro civil a governar o Brasil e romper o autoritarismo, (...).

Como no exemplo (8), o uso do futuro do pretérito, usado com freqüência na linguagem jornalística, introduz uma voz para argumentar um ponto de vista, voz com a qual o locutor se identifica, sem assumir, contudo, o que ela sugere. (10) A sua morte pôs abaixo tudo o que fora pensado para a transição democrática, mas aceitamos a fantasia que dizia o oposto. O operador argumentativo, mas, neste caso, permite uma perspectiva que não é a do locutor, ou apenas do locutor, o que pode também ser comprovado pela segunda pessoa do plural em “aceitamos”, ou seja, há vários locutores-enunciadores, com os quais o primeiro locutor se identifica, várias vozes proferindo o mesmo enunciado. (11) Brizola foi o único político brasileiro com um referencial para a ação – o “trabalhismo” de Vargas, transformando-se em “socialismomoreno”. Aqui, a polifonia pode ser identificada através das aspas que, em Koch (2000, p. 53), são chamadas “aspas de distanciamento”. Um primeiro enunciador é encenado (E1), sendo responsável pelo enunciado; o segundo enunciador (E2=L) usa aspas para mencionar o que diz o primeiro, preservando-se, assim, da responsabilidade que o sentido da expressão aspeada traz ao todo do enunciado. Nesse caso, as aspas foram usadas em “trabalhismo” e “socialismo-moreno” para deixar explícito que os termos, e o que eles implicam, não são de responsabilidade do autor do texto, mas de um outro enunciador. Temos mais dois casos de polifonia no enunciado de Outras ondas (anexo E).


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(12) Parece que já se falou de tudo, mas a atenção da mídia ainda dará muito espaço para o maremoto que tirou a vida de mais de 150 mil pessoas na Ásia, nesse final de ano. Em “parece que já se falou de tudo”, encontramos um caso de polifonia, já que em “enunciados introduzidos pelas expressões parece que, segundo X, etc.,” (KOCH, 2000, p. 52) o locutor encadeia um posicionamento pessoal, ou de um outro locutor, que aqui ocorre quando é introduzido o “mas”. Esse outro locutor, que aparece com o “mas” veio não para reforçar a posição do primeiro locutor, mas para refutá-la, tendência dos enunciados introduzidos por conetivos adversativos. Onde há polifonia e intertextualidade No texto E na bateria... (anexo B), lemos o seguinte: (13) De certa forma, ele inaugurou o que a Jornada de Passo Fundo viria a ser depois, um show de literatura. Foi sua primeira estrela. Nesta passagem do texto, o trecho “de certa forma” funciona como polifonia ao trazer, segundo Koch (2000, p. 51) a argumentação por autoridade, que acontece “quando se encena a voz de um enunciador a partir da qual o locutor, identificando-se com ele, argumenta”. Trata-se de um enunciado conclusivo, no qual o locutor utiliza a perspectiva da comunidade e dos valores nela estabelecidos para, então, prosseguir com sua conclusão. A intertextualidade, por sua vez, ocorre em “show de literatura” e “primeira estrela”, termos muito utilizados no que se refere a acontecimentos de muita repercussão junto a um grande público, dos quais participam pessoas renomadas, celebridades. Em A vida de nossos mortos (anexo C), temos o exemplo: (14) De súbito nos tornamos órfãos de um pai que não chegamos a conhecer. Ao que parece, neste caso, a intertextualidade e a polifonia acontecem pelo mesmo motivo, ou seja, pela presença de uma enunciação proveniente do repertório de uma comunidade, “cuja verdade é garantida pelo enunciador genérico representante da opinião geral, (...), do saber comum da coletividade” (KOCH, 2000, p. 50). Quanto à voz do enunciador


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genérico, ou indeterminado, que é usada como representante da sabedoria popular, Koch (2000, p. 54) nos diz que o locutor pode aderir ou oporse a ela. As pessoas, em determinados casos, utilizam-se com freqüência do que nos traz o exemplo (14), que somos, ou em dadas circunstâncias, passamos a ser, “órfãos de um pai que não chegamos a conhecer”. Maragatos e Chimangos (anexo D) nos traz duas passagens em que podemos ler intertextualidade e polifonia. Veja os exemplos (15) e (16): (15) O confronto entre idéias e concepções nos enriqueceu sobremaneira. Neste enunciado, a intertextualidade e a polifonia acontecem da mesma forma como aconteceu no exemplo (14), isto é, há uma enunciação, garantida por um enunciador genérico, que provém do repertório de uma comunidade, do saber comum da coletividade, neste caso, sendo aderida pelo locutor. Ouvimos, com freqüência, as pessoas defenderem e enaltecerem as diferenças, “viva as diferenças”, “nem todo mundo é igual”, “são as diferenças das pessoas que nos fazem progredir, avançar, mudar nossas opiniões”, etc., e é nisso que reside a polifonia e a intertextualidade do exemplo (15). (16) Que vencedor e vencido sejam respeitados, pois a experiência nos ensina que o mundo dá muitas voltas e mudam rapidamente os papéis que desempenhamos em nossas vidas.

Aqui, mais uma vez, temos a presença do enunciador genérico, ou indeterminado, que representa, em sua enunciação, a sabedoria de um povo, a crença de uma comunidade. Comumente falando, o que o exemplo (16) significa em nosso cotidiano é que “o mundo dá voltas”, “hoje você está no topo, amanhã pode estar no fundo do poço”, “aqui se faz, aqui se paga”, etc., sabedoria popular na qual residem, simultaneamente, polifonia e intertextualidade. O próximo trecho foi retirado de Outras ondas (anexo E): (17) (...) “do jeito que as coisas estão, só pode ser castigo de Deus!”. Novamente, a coincidência entre intertextualidade e polifonia se dá pela presença de um enunciador genérico que profere um enunciado proveniente do repertório de uma comunidade, algo parecido com “Deus não mata, mas castiga”.


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CONSIDERAÇÕES FINAIS Em alguns casos, há clara divisão entre o que é a intertextualidade e o que é a polifonia, em outros não. Ao que parece, nesses casos em que não temos certeza entre uma e outra, a teoria nos diz que pode ser tanto uma ou outra, ou, melhor ainda, as duas. Neste estudo, foi o que ocorreu no item em que foram avaliados os casos nos quais há, ao mesmo tempo, polifonia e intertextualidade, ou seja, aqueles que são construídos com base na sabedoria de uma coletividade. Koch (2004, p. 154) nos diz que “o conceito de polifonia é mais amplo que o de intertextualidade”. Na análise feita neste trabalho, o que ficou claro é que a polifonia, além de ser mais ampla, pois como se viu, incorpora a intertextualidade no momento em que traz o texto de um outro enunciador, é mais recorrente, talvez, pela maior liberdade que dá ao locutor de expressar tudo o que pensa, sem, no entanto, responsabilizar-se claramente pelo que diz ou escreve, se necessário. Talvez em estudos futuros, algo venha a esclarecer e delimitar melhor as fronteiras entre as duas teorias, mas, neste estudo, após a análise feita, pudemos perceber que, se existem fronteiras, não são bem delimitadas, pelo contrário, muito tênues, para o que corrobora Koch (2004) quando diz que a intertextualidade é uma das manifestações mais importantes da polifonia. De qualquer forma, em se tratando de uma ou de outra, teremos a inevitável presença do outro (outro enunciador, outro texto, outro locutor) no ato comunicacional. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABECHE, Alberto Mantovani. Maragatos e Chimangos. Zero Hora, Porto Alegre, 25 out. 2004. ALTHUSSER, L. Ideologia e aparelhos ideológicos do estado. Lisboa: Presença-Martins Fontes, 1974. BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. 2.ªed. Trad. Bras. São Paulo: Hucitec, 1981 (original russo: 1929). BRANDÃO, Helena H. Nagamine. Introdução à análise do discurso. 5ª.ed. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1996. CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. São Paulo: Brasiliense, 1980. DUCROT, Oswald. O dizer e o dito. Campinas, SP: Pontes, 1987.


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FOUCAULT, Michel. Arqueologia do saber. 4ª.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995.

KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. O texto e a construção de sentidos. 3ª.ed. São Paulo: Contexto, 2000. ______. Desvendando os segredos do texto. 2ª.ed. São Paulo: Cortez, 2002. ______. Introdução à lingüística textual. São Paulo: Martins Fontes, 2004. MAINGUENEAU, Dominique. Novas tendências em análise do discurso. 3ª.ed. Campinas, SP: Pontes, 1997. ______. Dominique. Termos-chave da análise do discurso. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2000. MARCUSCHI, Luiz Antônio. Lingüística do texto: o que é e como se faz. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 1983. MAYER, Celina Fleig. Outras ondas. Diário de Santa Maria, Santa Maria, 18 jan. 2005. ORLANDI, Eni. A análise do discurso: algumas observações. In. Delta, Vol. 2, no 1, 1986. TAVARES, Flávio. A vida de nossos mortos. Zero Hora, Porto Alegre, 31 out. 2004. VERISSIMO, Luiz Fernando. E na bateria... . Zero Hora, Porto Alegre, 21 out. 2004a. ______. Crânio e ossos. Zero Hora, Porto Alegre, 25 out. 2004b.



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CONSULTORES / REFEREES

Caryl Eduarte Sovgnovich Lopes Diógenes Buenos Aires Edson Fernando Dalmonte Gabriela Quatrin Marzari Magali Endruweit Mirian Denise Kelm Najara Ferrari Pinheiro Norma Martini Moesch Paulo Roberto Alves dos Santos Salette Mafalda Oliveira Marchi Vera Santos

UFSM PUC/RS FSBA UFSM UFRGS PUC/RS UCS UNIFRA URCAMP UNIFRA UFSM

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NORMAS PARA PUBLICAÇÃO NA REVISTA DISCIPLINARUM SCIENTIA APRESENTAÇÃO A Revista Disciplinarum Scientia destina-se a publicar trabalhos de discentes do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA) e de outras Instituições de Ensino Superior do País, sob orientação de um professor. Com periodicidade semestral, a revista visa a divulgar produções científicas relacionadas a resultados de iniciação científica, trabalho de Finais de graduação-TFG, trabalhos de extensão ligados a grupos de pesquisa e resultados de monografias de especialização (Lato Sensu). As publicações da Disciplinarum Scientia contemplam, separadamente, cada uma das cinco áreas de conhecimento da UNIFRA, que são: Área de Ciências Naturais e Tecnológicas;Área de Ciências da Saúde; Área das Ciências Humanas; Área das Ciências Sociais Aplicadas;Área das Artes, Letras e Comunicação. SUBMISSÃO DE TRABALHOS A submissão do trabalho à Revista Disciplinarum Scientia será por intermédio do professor orientador, que preencherá uma ficha de encaminhamento. O professor terá responsabilidade por todo o trâmite necessário (por exemplo, sugestões e correções) até a sua publicação. Os trabalhos de iniciação científica, necessariamente, devem ser comprovados, ou seja, devem ter algum tipo de auxílio, como bolsas da UNIFRA, FAPERGS, CNPq ou outras. Os trabalhos oriundos de TFG serão encaminhados com o termo de aprovação dos comitês julgadores, do respectivo curso de graduação. Os trabalhos oriundos de monografias de especialização podem ser encaminhados em qualquer momento, com o consentimento do orientador. Os professores externos apresentarão no encaminhamento, um documento comprovando o consentimento da IES de origem, com a comprovação que o trabalho ou é de iniciação científica ou de graduação ou especialização. Um formulário-padrão está disponível no endereço http://www.unifra.br, que será preenchido e assinado pelo responsável institucional, que poderá ser o diretor de área/departamento/instituto ou coordenador de curso, ou ainda outro que não esteja vinculado ao trabalho que gerou o artigo. TIPOS DE TRABALHO Revisão de Literatura – revisões críticas (da literatura) sobre temas da respectiva área, com no máximo 10.000 palavras ou no limite de 20 páginas, incluídas as referências bibliográficas; Artigos – resultados de trabalhos de pesquisa desenvolvidos em iniciação científica, trabalho de final de graduação (TFG), extensão vinculada a um Grupo de Pesquisa, especialização ou mestrado com, no máximo, 6.000 palavras ou no limite de 10 páginas, incluídas as referências bibliográficas; Cartas – comunicações ou críticas de artigos publicados em edições


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anteriores, não excedendo um período de 2 anos, a contar da data de publicação e com, no máximo, 1.200 palavras ou no limite de 2 páginas, incluídas as referências bibliográficas. A seção Artigos foi dividida em subseções para acomodar os trabalhos por categorias. O objetivo é tornar claro aos pareceristas os critéros para cada categoria, pois trabalhos de TFG são de profundidade acadêmica (científica) diferente de um de Especialização ou de Iniciação Científica. Assim, criaram-se três categorias, a saber: TFG – subseção para os Trabalhos de Final de Graduação (TFG); Iniciação Científica – subseção para trabalhos oriundos de programas de Iniciação Científica ou de extensão, que tenham um cunho científico; Especialização – subseção que receberá trabalhos que foram desenvolvidos em Cursos de Especialização – Lato Sensu. Os trabalhos recebidos serão submetidos aos consultores da Comissão Editorial da Revista, obedecendo a critérios por seções, subseções e publicados após suas aprovações. Os não aprovados para publicação serão devolvidos, com o devido parecer dos consultores. NORMAS PARA REDAÇÃO DO TRABALHO Serão respeitadas as seguintes instruções (normas) para redação do texto: 1. Os trabalhos serão escritos nas seguintes línguas: portuguesa, espanhola ou inglesa. Sugere-se que a redação seja feita no impessoal; 2. Pede-se que o texto seja digitado em MSWord, versão 6.0 ou superior e, obrigatoriamente, salvo em extensão .DOC ou .RTF. O tipo de fonte Times New Roman, tamanho 10, espaçamento simples e margens todas iguais a 2,0 cm. 3. As dimensões finais da revista, portanto a largura e a altura do papel, serão: 15,5 cm x 23 cm. Assim, antes de iniciar a digitação, personalize no MSWord um papel com estas dimensões e com 2 cm em todas as margens. 4. O trabalho é identificado pelo seu título, que será claro e pertinente com o assunto que tratar o texto. O tamanho da fonte é 12, em maiúsculas e em negrito . A identificação do(s) autor(es) será feita no início do trabalho, logo após, o título do trabalho e no tamanho de fonte igual a 11 e em negrito; incluindo os créditos acadêmicos, conforme modelo disponível na página da revista. Nos trabalhos em português ou espanhol, um título em inglês deve vir após os autores, com tamanho da fonte igual a 10 e em itálico e negrito. No caso dos em inglês, um título será em português ou espanhol, conforme a língua escolhida para o texto do trabalho. 5. Todos os trabalhos submetidos em português ou espanhol deverão incluir um resumo em inglês (abstract). Os submetidos em inglês incluirão um resumo em português ou espanhol. Todos os resumos não excederão 160 palavras e incluirão de 3 a 5 palavras-chave. Os resumos constarão de um parágrafo e terão a seqüência adotada no texto, ou seja, haverá introdução, desenvolvimento, resultados e conclusões. Obrigatoriamente, não poderá conter fórmulas matemáticas, citações, ilustrações e tabelas. O formato dos resumos será conforme modelo.


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Tabela 4. Seções de choque para o problema 2.

Um exemplo de figuras lado a lado.

(a) Esquema Step

Figura 3. Resultado numérico para os esquemas de derivação Step.

(b) Esquema Linear

Figura 4. Resultados numéricos para os esquemas de derivação Step e Linear. No texto, as tabelas e as figuras, serão citadas como segue: “... na figura 5 e na tabela 5, encontra-se que... Na figura 6(a), tem-se ... “. 1. As ilustrações, como figuras, gráficos, tabelas, quadros e fotografias serão incluídas no texto e, uma cópia eletrônica do original será encaminhada, separadamente, em disquete ou CD e, terão no mínimo, 300 DPI de resolução e formato JPG. 2. A citação direta de até três linhas será inserida no parágrafo entre aspas. Se o texto original já contiver aspas, essas serão substituídas pelo apóstrofo ou aspas simples. Por exemplo: “Outro interesse é o problema ʻinversoʼ, ou seja, dada uma resposta dosimétrica qualquer obter a distribuição de partículas responsável por essa resposta, tratado como um problema adjunto neste trabalho ”(LEWIS; MILLER, 1984,p. 131).


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A citação direta, com mais de três linhas, aparecerá em parágrafo distinto, a mais ou menos 3,0 cm da margem esquerda e alinhado com a margem direita. Será apresentado sem aspas e com tamanho de fonte menor que a do texto, no caso, sugere-se 9pt, já que o texto é escrito em 10pt. Como exemplo seja: Uma importante contribuição foi incorporada ao estudo de fenômenos de transporte no início dos anos 90: o surgimento do método, que resolve de forma analítica a aproximação do problema de transporte, aplicando a transformada de Laplace na variável espacial em um domínio finito. do problema de transporte, aplicando a transformada de Laplace na variável espacial em um domínio finito (BELL; GLASSTONE, 1985, p. 97).

abaixo,

1. As equações matemáticas deverão ser numeradas, conforme modelo (5)

e, no texto, devem ser citadas como segue: “... na eq. (5), tem-se ...”. Os vetores serão representados com a simbologia usual, isto é, com uma pequena seta na parte superior da letra, que representa a grandeza vetorial. Pode ser usado, adicionalmente, negrito para a letra. 1. As nomenclaturas e símbolos serão explicitados ao longo do texto, podendo ser utilizado notas de rodapé para tal. 2. Os artigos que divulgarem pesquisa envolvendo seres humanos devem ser encaminhados com uma cópia da aprovação por um Comitê de Ética em Pesquisa _ CEP, identificando a qual comitê foi submetido. 3. A responsabilidade por erros gramaticais é exclusivamente do(s) autor(es), sendo um critério determinante para a publicação do trabalho. 4. Texto parcial em itálico e entre “dupla aspas”, para expressões em língua distinta da utilizada no trabalho. 5. A bibliografia deve se restringir às obras citadas no texto do trabalho e seguirá as normas da UNIFRA, disponíveis no sítio http://www.unifra.br/ unifranet. A citação no texto será identificada pelo autor-ano, entre parênteses. 6. Os casos omissos serão resolvidos pela Comissão Editorial.


ÁREA DE ARTES, LETRAS E COMUNICAÇÃO CURSOS DE GRADUAÇÃO ARQUITETURA E URBANISMO

Modalidade: Bacharelado Data de início de funcionamento: 10/03/2003 Condição legal: Autorizado pela Resolução nº 15/02 - CONSUN, de 26/09/2002

COMUNICAÇÃO SOCIAL: Jornalismo

Modalidade: Bacharelado Data de início de funcionamento: 10/03/2003 Condição legal: Autorizado pela Resolução nº 03/02 - CONSUN, de 24/04/2002

COMUNICAÇÃO SOCIAL: Publicidade e Propaganda

Modalidade: Bacharelado Data de início de funcionamento: 10/03/2003 Condição legal: Autorizado pela Resolução nº 03/02 - CONSUN, de 24/04/2002

DESIGN: Produto

Modalidade: Bacharelado Data de início de funcionamento: 1º/03/1999 Condição legal: Reconhecido pela Portaria nº 719 - MEC, de 22/04/2003, publicada no Diário Oficial da União em 23/04/2003

LETRAS: Língua Portuguesa e Literaturas de Língua Portuguesa

Modalidade: Licenciatura Plena Data de início de funcionamento: 1º/04/1957 Condição legal: Reconhecido pelo Decreto nº 47.437/59 - MEC, publicado no Diário Oficial da União em 24/12/1959 - Renovação de Reconhecimento pela Portaria nº 260 - MEC, de 26/01/2006, publicada no Diário Oficial da União em 27/01/2006

LETRAS: Línguas Portuguesa e Inglesa e respectivas Literaturas

Modalidade: Licenciatura Plena Data de início de funcionamento: 27/04/1955 Condição legal: Reconhecido pelo Decreto nº 42.801/57 - MEC, publicado no Diário Oficial da União em 12/12/1957 - Renovação de Reconhecimento pela Portaria nº 260 - MEC, de 26/01/2006, publicada no Diário Oficial da União em 27/01/2006

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