HUBERTO ROHDEN
テ好OLOS OU IDEAL? PENSAMENTO AVULSO SOBRE DEUS, O HOMEM E O UNIVERSO
UNIVERSALISMO
ADVERTÊNCIA
A substituição da tradicional palavra latina crear pelo neologismo moderno criar é aceitável em nível de cultura primária, porque favorece a alfabetização e dispensa esforço mental – mas não é aceitável em nível de cultura superior, porque deturpa o pensamento. Crear é a manifestação da Essência em forma de existência – criar é a transição de uma existência para outra existência. O Poder Infinito é o creador do Universo – um fazendeiro é criador de gado. Há entre os homens gênios creadores, embora não sejam talvez criadores. A conhecida lei de Lavoisier diz que “na natureza nada se crea e nada se aniquila, tudo se transforma”, se grafarmos “nada se crea”, esta lei está certa mas se escrevermos “nada se cria”, ela resulta totalmente falsa. Por isto, preferimos a verdade e clareza do pensamento a quaisquer convenções acadêmicas.
ÍDOLOS OU IDEAL?
O título e o conteúdo deste livro nos colocam diante de um impasse existencial. Iremos adorar ídolos ou iremos viver um Ideal? Cada um de nós, num determinado momento de nossas vidas, chega a essa filosófica pergunta. E a resposta e vivência dessa pergunta determinará a qualidade e a finalidade de nossa existência. Devemos aprender com a sabedoria milenar dos tempos: Somos livres para semear, mas somos obrigados a colher aquilo que semeamos. A escolha é da responsabilidade de cada um. Essa é a inexorável lei cósmica que rege a harmonia do Universo. A mensagem deste livro nos ajuda a fazer a escolha melhor. Gradativa e didaticamente, Rohden vai nos mostrando, através de pensamentos sobre Deus, o homem, o universo, a vida, o verdadeiro caminho existencial que todo o ser humano pode e deve percorrer na sua evolução. O livro oferece a vantagem de não exigir uma leitura contínua e concentrada. Num minuto podemos “pegar” um fragmento, uma metáfora, um aforismo e lêlo isoladamente até à assimilação inconsciente, para que fique fermentando e programando nosso agir cotidiano. Esses fragmentos condicionadores de atos e atitudes positivas e de “correto agir” são de grande valia para atingirmos nossa grandeza humana e espiritual. Intuitivamente Rohden começa nos ensinando a importância de “Fechar o Circuito”. Diz ele: “Se o circuito elétrico não for completo, da usina e para a usina, a lâmpada não acende, não importa o ponto onde a corrente esteja interrompida. Para haver luz, força ou calor, a lei cósmica exige que o misterioso fluido tenha circuito completo, ida e volta. Assim, se alguém só quer receber e não quer dar, devolvendo à usina divina o que dela recebeu, interrompe o fluxo contínuo – e sua vida fica sem luz, força e calor. Feche, pois, o circuito dos dons divinos, distribuindo aos homens o que de Deus recebeu. „De graça dai o que de graça recebestes‟. Onde não há efluxo de bens na horizontal, não pode haver influxo na vertical: homem que não dá a seus irmãos não pode receber do Pai celeste. A falta de fluxo contínuo é suicídio lento por asfixia moral.” O supremo ideal do homem deve ser sua própria auto-realização.
PRELIMINARES
Sou carpinteiro, nas horas vagas. Depois de terminado algum trabalho maior, fica o soalho da carpintaria cheio de pedaços e pedacinhos de madeira, tábuas e sarrafos de diversos tamanhos e feitios. Em vez de jogar fora ou usar como lenha essas sobras, reúno as melhores e delas faço algum objeto útil ou de simples enfeite: uma casinha para as corruíras fazerem ninho, uma cadeirinha ou mesinha para crianças, uma casinha de bonecas, ou algum vaso para flores. Durante quase meio século escrevi e publiquei umas dezenas de livros, sobre filosofia universal, filosofia do Evangelho, assuntos de religião, biografias e divulgação científica; mas os meus livros não-publicados são mais numerosos que os que andam nas mãos dos leitores: e mais numerosos ainda são os cadernos de pensamentos vários, impressões de fora e experiências de dentro – um mundo de coisas heterogêneas, fragmentos de todas as espécies. Ora, em vez de deixar às traças, ou à arbitrariedade dos pósteros, esses fragmentos da minha carpintaria literária, resolvi reunir algumas dessas idéias avulsas e dispersas, na esperança de que, talvez, algum leitor se encontre a si mesmo nesses ecos multiformes e multicores da minha alma. Não procure, portanto, o leitor unidade ou sequência lógica entre os capítulos de um livro que não tem pretensão alguma de ser um todo homogêneo ou logicamente concatenado. Abra este volume em qualquer página e leia o que lhe cair sob os olhos. Verá que, não raro, necessita precisamente daquilo, para seu alimento interior, o que casualmente encontra. De resto, nessa febricitante lufa-lufa da civilização moderna, sobretudo nas grandes metrópoles, poucos leitores têm paciência e lazer para estudar um volume que desenvolva coerentemente uma determinada idéia; muitos preferem um bric-a-brac de assuntos que possam ler em cinco ou dez minutos. Pois bem, neste volume de “fragmentos” – e, se Deus quiser, em mais alguns volumes futuros – encontrará o leitor o desejado alimento em bocados de fácil e rápida ingestão. *** Não me é possível precisar até onde vai a minha paternidade literária no tocante a muitos dos pensamentos deste volume. Quem passa pelo mundo de olhos abertos e espírito alerta; quem passou longos anos fora da terra natal;
quem entrou em contato mental e espiritual com numerosos pensadores e leu grande número de livros, em diversas línguas – não está em condições de discriminar, no fim, qual a porcentagem de idéias próprias e quais as de origem alheia. Em certo sentido, todos os nossos pensamentos são alheios, embora, em outro sentido, sejam nossos, uma vez que cada pensamento pensado por outrem, e repensado por nós, assume o colorido do nosso ego personal – e, assim, o filho adotivo passa a ser filho próprio. Servindo-nos da terminologia aristotélica, diríamos que, embora a matéria das nossas idéias seja de todos, a forma é nossa, e, sendo aquela o elemento determinável, e esta o fator determinante, todos os pensamentos que mergulharam nas profundezas da experiência pessoal são mais daquele que lhes deu forma determinante do que daqueles que forneceram apenas a matéria determinável. Apagam-se cada vez mais as fronteiras materiais dos povos, nessa idade dos aviões a jato – e diluem-se cada vez mais as fronteiras mentais, nesse avanço da cultura universal. O leitor que possua suficiente fidelidade a si mesmo não se deixará influenciar por pensamentos alheios ao ponto de perder essa auto-fidelidade, deixando de ser o que é para se tornar o que não é; assimilará o que for assimilável e rejeitará o inassimilável. Diariamente, ingerimos determinados alimentos e até hoje ninguém virou batata, arroz, feijão, pão, manteiga, ou outro manjar que tenha ingerido milhares de vezes, porque o organismo, quando normal e vigoroso, é fiel a si mesmo, transformando em si o objeto, sem se deixar transformar pelo objeto. Faça o leitor o mesmo com estes “fragmentos” – assimile o que corresponder ao estado da sua evolução interna – e deixe de parte o resto.
FECHAR O CIRCUITO! Se o circuito elétrico não for completo, da usina e para a usina, a lâmpada não acende, não importa o ponto onde a corrente esteja interrompida. Para haver luz, força ou calor, a lei cósmica exige que o misterioso fluido tenha circuito completo, ida e volta. Assim, se alguém só quer receber, e não quer dar, devolvendo à usina divina o que dela recebeu, interrompe o fluxo contínuo – e sua vida fica sem luz, força e calor. Feche, pois, o circuito dos dons divinos, distribuindo aos homens o que de Deus recebeu; porquanto, “o que fizerdes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim é que o fazeis”.
O SEGURO MORREU DE VELHO Todo homem “seguro” – que muito segura o que tem e não o partilha com ninguém – morre de “velho”, dia a dia, embora pareça moço; porque egoísmo é velhice moral, decrepitude senil. “De graça dai o que de graça recebestes!” (Jesus.) “Temos em nossas mãos bens demasiados.” (Emerson.) Onde não há efluxo de bens na horizontal, lá não pode haver influxo na vertical: o homem que não dá a seus irmãos não pode receber do Pai celeste. E falta de fluxo contínuo é suicídio lento por asfixia, arteriosclerose moral.
SEGURO DE VIDA Sim – mas da vida dos outros. Eu não posso fazer um seguro de vida pessoal sem fazer um seguro de vida universal. Quem quiser salvar-se individualmente, talvez que entre no céu – mas esse céu é povoado de refinados egoístas como ele, que quiseram salvar-se sem os outros, ou à custa dos outros. Todos eles estão num céu infernal. Prefiro estar num inferno celestial... Não posso ser feliz no meu céu enquanto um único ser humano for infeliz no seu inferno e não tenha a possibilidade de entrar no céu da felicidade. Detesto esse céu! Quero sair dele! Prefiro sofrer no inferno com o grosso da humanidade a gozar nesse céu com uma elite de refinados egoístas.
Onde eu possa fazer bem a meus semelhantes, mesmo entre sofrimentos, ali é o meu céu.
DEUS EM TI “Despoja-te de toda e qualquer cobiça! O que, depois disto, sobrar de ti, isto é Deus” (Meister Eckhardt). A soma total das tuas cobiças, físicas e mentais, não são o teu verdadeiro Eu – são apenas a tua máscara ou a tua “persona”*. Esse pseudo-Eu da personalidade humana revela-se, precipuamente, de dois modos: pelo instinto de conservação e pelo instinto de propagação, ou seja, pelo egoísmo individual e pelo egoísmo sexual. Deus no homem chama-se a alma, o Emanuel, o Cristo interno, o Espírito santo que habita no templo do corpo. * A palavra latina “persona” (pessoa) quer dizer “máscara”. “Persona”, composto de “per” (através) e “sonare” (soar, falar), era, entre os romanos aquela máscara de boca aberta através da qual os atores do palco falavam. Desempenhar a “persona” ou máscara do rei, do vilão, do mendigo, equivalia à nossa expressão hodierna “desempenhar o papel” de... A pessoa ou personalidade do homem não é, pois, o seu verdadeiro Eu, senão apenas um invólucro, uma máscara fictícia e temporária da sua verdadeira individualidade humana. O seu verdadeiro Ego é sua alma.
ESPELHO OU JANELA? O profano egoísta acha-se no meio duma sala cujas paredes são espelhos, como no célebre museu de Grevin, de Paris; para onde quer que ele se volte, só vê o seu Eu, sempre seu próprio Eu – isto é, o seu pseudo-Eu físico-mental que ele erroneamente identifica com o seu verdadeiro Eu espiritual. Que admira que esse homem fique egocêntrico? De repente, enojado desse Eu, quebra um dos espelhos-parede e abre caminho para o mundo objetivo! E fica livre da obsessão do seu estreito egocentrismo. Abriu uma janela!
INTROSPECÇÃO NÃO É EGOCENTRISMO Há quem pense que a meditação ou introspecção favoreça o egocentrismo, obrigando o homem a girar em torno de si mesmo. É engano! A introspecção ensina ao homem a ultrapassar o seu ego físico-mental, estreito e unilateral, e encontrar o seu grande Ego espiritual, vasto e onilateral como o próprio Deus
de infinita amplitude. Quanto mais o homem se concentra no seu Eu espiritual, na sua alma divina, tanto mais ele se universaliza e diviniza. A consciência universal, porém, é o amor universal e absoluto.
CRISTO E CRISTIANISMO Ambos nasceram no Oriente próximo, em sua forma humana – mas o cristianismo eclesiástico é criação típica do Ocidente, que o Oriente jamais aceitará. Se o nosso cristianismo teológico se converter no cristianismo evangélico, também o Oriente se tornará cristão.
ASSIM FALOU MAHATMA GANDHI Stanley Jones, o grande missionário norte-americano da Índia, pediu a Gandhi o orientasse sobre o melhor modo de fazer com que os hindus vissem no cristianismo algo seu, e não um elemento alheio ao espírito da Índia. Ao que o Mahatma respondeu: 1) “Antes de tudo, aconselharia aos cristãos que vivessem assim como o Cristo viveu. 2) Que transformassem a religião em atos, sem lhe fazer violência nem a degradar. 3) Que pusessem ênfase especial na prática do amor, porque o amor é o centro e a alma do Cristianismo. Entendo por amor não algum sentimento emocional, mas uma força creadora, a força do universo moral. 4) Que os cristãos estudassem com mais simpatia as religiões e culturas nãocristãs, para descobrir o que nelas-há de bom e adquirir a faculdade de se aproximar do oriental com maior compreensão.”
FALA UM GRANDE INDIÓLOGO Escreve o dr. Erwin Baktay, exímio conhecedor da Índia: “O dr. Stanley Jones ousou dar o passo decisivo; concede, aberta e corajosamente, que mais aprendeu da Índia do que pôde ensinar à Índia. Aprendeu a verdade essencial de que a essência do cristianismo é unicamente o próprio Cristo – todo o resto é aditamento humano, são pontos de vista e sistematizações eruditamente excogitados, e que só em determinadas circunstâncias peculiares têm um direito relativo à existência. A Índia nada pode ter de comum com as guerras de
religião do Ocidente, com as controvérsias teológicas e com todo o curso do desenvolvimento do cristianismo segundo o gênio do Oeste; nada pode ter de comum com os problemas locais relacionados com a cultura ocidental – tanto mais, porém, tem a Índia que ver com o Cristo e seu Evangelho. Se o mundo ocidental tinha o direito de desenvolver as correspondentes formas religiosas segundo a sua própria concepção, consoante as circunstâncias da sua evolução – compete à Índia pelo menos o mesmo direito de desenvolver o cristianismo a seu modo, tanto mais que o seu profundo entusiasmo com que, há milênios, vai em busca de Deus, e sua insaciável sede da verdade transformaram o subsolo espiritual do indiano num humus fecundo, muito mais propício à recepção da pureza do Evangelho do que a Europa de outrora, em parte dominada pela cultura heleno-romana, isto é, pagã; em parte dominada pelo barbarismo; mais propício também do que o Ocidente de hoje, obsessionado pelo materialismo, pela ânsia do poder, e que por isto vai definhando num caos de sistemas eruditamente excogitados.”
ESPÍRITO DO ORIENTE E DO OCIDENTE O Oriente trilha, por via de regra, o caminho individual do saber, isto é, da experiência religiosa pessoal; mas isto é privilégio de uma pequena elite; as massas são incapazes de realizar esse encontro pessoal com Deus, contentando-se com os invólucros vazios de yoga, que para elas são meras fórmulas sem conteúdo. O Ocidente desenvolveu o caminho coletivo do amor, inteligível às massas, a qualquer creatura, por mais destituída de inteligência e preparo – crianças e analfabetos, doentes no fundo do leito ou operários nas fábricas – para todos eles é inteligível a linguagem do amor, e, de fato, só aceitam o cristianismo quando lhes vem na forma internacional e interconfessional do amor. Infelizmente, o Ocidente, em geral, não deu importância ao encontro pessoal com Deus, sem o qual todo amor social e coletivo é superficial, meramente emocional, acabando naquilo que temos visto e estamos vendo: guerras, ódio de classes, extermínio de raças, conflitos religiosos. O Oriente não pode aceitar o cristianismo teológico do Ocidente, mas abraçará com entusiasmo o cristianismo do Evangelho, porque vê no Cristo o divino Logos, o eterno Super-Eu, a alma do homem e do universo. Assim, a Índia jamais aceitará um Deus vingativo, como aparece na teologia ocidental; nem a idéia de castigos eternos e a absoluta impossibilidade da conversão; nem tampouco a doutrina do pecado original, de um pecado cometido por outra pessoa e pelo qual eu seria responsável; nem a teologia
horripilante da redenção pelo sangue de um homem inocente injustamente trucidado pelos pecadores.
CICLOS CÓSMICOS Um ano mundial (aion) abrange cerca de 25.920 anos terrestres. Um mês mundial corresponde a cerca de 2.160 anos terrestres. Cada mês mundial inaugura na terra uma nova era, cujo fim é sempre acompanhado de grandes tribulações e tempestades de todo gênero – expira um inverno tormentoso para dar lugar a uma nova primavera de evolução. O Antigo Testamento decorre sob o signo de Capricórnio, símbolo de violência. Estamos no signo de Peixes, que começou com o nascimento de Jesus; e vamos em breve entrar no signo de Aquário. A era de Peixes é assinalada pela onda cósmica do amor, pelo Cristo, o misterioso “ichthys” (peixe) das catacumbas. A era de Aquário virá a ser o domínio da universalidade, assim como a água é o elemento mais universal na terra, sem a qual nenhuma vida orgânica é possível. Os maus espíritos, que são soltos no fim de cada ciclo cósmico, não são maus em absoluto, mas sim relativamente maus – assim como são más as tempestades que preludiam o advento da primavera e quebram os galhos podres e arrancam as folhas secas, a fim de preparar a grande ressurreição da natureza. Era da serpente rastejante – Lúcifer. Era da serpente exaltada – Cristo individualizado em Jesus. Era do espírito universal – Cristo cosmificado no espírito santo.
INDIVIDUAL – COLETIVO O coletivismo só pode ser perfeito pela união de homens individualmente perfeitos, irradiando amor desinteressado. O indivíduo só pode ter possibilidade de ulterior evolução das suas faculdades, através de uma vida fundada num coletivismo perfeito desse gênero. A missão da sociedade está em garantir ao indivíduo, não só a maior segurança, mas também todos os meios necessários para o seu aperfeiçoamento.
O maior perigo do coletivismo mal orientado está na tendência de querer suprimir o indivíduo e coibir a livre expansão das suas faculdades e talentos. Valores reais se perderiam deste modo, o que, cedo ou tarde, redundaria em detrimento do Todo Social. O Oriente possui o segredo da evolução individual, mas não conseguiu desenvolver uma vida coletiva para as massas que lhes assegurasse um bemestar dignamente humano; e por isto milhões de seres humanos vegetam e sofrem em condições indizivelmente tristes. No Ocidente houve mais coletivismo, mas, devido à falta de cultura individual, o próprio coletivismo degenerou em maldição. Quando surgirá o homem completo, integral, o homem cósmico? Já apareceu, mas são poucos que conseguiram trilhar o mesmo caminho. “Eu vim para que os homens tenham a vida – e a tenham em maior abundância.”
A RELIGIÃO DE EINSTEIN “A minha religião – diz ele – consiste numa humilde admiração do espírito supremo, ilimitado, que se revela nos pequenos detalhes que somos capazes de perceber com a nossa mente débil e fraca: – a presença de um Poder Racional superior, revelado no universo incompreensível – é o que é a minha idéia de Deus.”
O COSMOS É INDIVISÍVEL Escreve o grande cientista contemporâneo, Dr. Gustavo Stromberg: “Temos razões para crer que todos os atributos do cosmos sejam interrelacionados e formem um Todo unificado. O cosmos em si mesmo é um e indivisível; e é devido a uma peculiaridade da nossa mente e do nosso sistema nervoso que o apreendemos na forma de categorias (quer dizer: fenômenos concretos). Matéria, vida e consciência têm as suas raízes num mundo além de tempo e espaço.”
CONTINUA O MISTÉRIO DO UNIVERSO Escreve Lincoln Barrett, na obra The Universe of Dr. Einstein: “Permanece o mistério fundamental. Toda essa marcha da ciência rumo à unificação dos
conceitos – a redução da matéria a elementos, a uns poucos tipos de partículas, a redução das forças ao simples conceito de energia – tudo isto continua ainda a locar-nos ao Desconhecido.”
HARMONIA CÓSMICA DOS GRANDES GÊNIOS RELIGIOSOS Escreve o filósofo Erich Fromm, em seu livro Psychoanalysis and Religion: “Quando tentamos dar um quadro da atitude humana que serve de substrutura ao pensamento de Lao-Tse, de Buda, dos Profetas, de Sócrates, de Jesus, de Spinoza e dos filósofos do Esclarecimento, fere-nos a atenção o fato de que, não obstante notáveis diferenças, existe um centro de idéias e normas comuns em todos esses ensinamentos. Sem pretendermos apresentar uma formulação completa e precisa, passaremos a descrever, aproximadamente, esse centro comum: 1) deve o homem esforçar-se para atingir a verdade, e o homem só pode ser plenamente humano na proporção que realizar essa sua missão; 2) deve o homem ser independente e livre, um fim em si mesmo, e não um meio para os propósitos de quem quer que seja; 3) deve estabelecer entre si e seus semelhantes uma relação de amor; se lhe faltar o amor, não passará de um invólucro vaio (empty shell), mesmo que possuísse todo o poder, todas as riquezas e toda a inteligência; 4) deve conhecer a diferença entre o bem e o mal, e deve aprender a ouvir a voz da consciência e tornar-se capaz de segui-Ia.”
O PERIGO DE NÃO FAZER NADA “Entre as grandes coisas que não podemos fazer, e as pequenas coisas que não queremos fazer, existe o perigo de não fazermos coisa alguma.” (Adolphe Monod.)
PALAVRAS FORTES – CAUSA FRACA “Palavras fortes e amargas indicam, geralmente, uma causa fraca.” (Victor Hugo.)
O MESMO NEM SEMPRE É O MESMO “Quando duas pessoas fazem a mesma coisa, a coisa não é a mesma.” (Publius Syrus.)
ALTO – MAS NÃO DEMAIS “Ascende acima das restrições e das convenções do mundo – mas não tão alto que as percas de vista!” (Richard Garnett.)
CRIMES E VÍCIOS “Crimes, quase sempre nos chocam demais – vícios, quase sempre, nos chocam de menos.” (C. Hare.)
EXCESSIVAMENTE CLARO Dizem uns: O homem de hoje paga os seus débitos de ontem. Opinam outros: O homem de hoje paga os débitos do pai comum da humanidade. Acham outros: O homem de hoje não paga débito algum, mas nasceu simplesmente nesse estado inferior. Essas três teorias, sobretudo a primeira e a segunda, são demasiadamente simples e claras, para serem aceitáveis. Coisa que a inteligência possa facilmente compreender e que não deixe margem para dúvidas e obscuridades, é suspeita de estar aquém da verdade integral. As grandes verdades são certas, intuitivamente, mas não analisáveis, intelectualmente. Podemos intuíIas com a razão espiritual, mas não inteligi-Ias com a mente. Felizmente, nem é necessária essa análise intelectual. Muito mais importante do que esquadrinhar o donde e o porquê do sofrimento é saber o para quê do mesmo e o como da atitude a assumir em face dele, para que promova a nossa evolução rumo às alturas.
A VOZ DA INTUIÇÃO Um senso íntimo e indefinível me diz:
1) que não fui o que sou, e que posso vir a ser mais do que sou; 2) que aquilo que posso vir a ser depende de uma integração no Todo, de um serviço prestado ao Universo, ao Todo, a Deus; 3) que todo isolamento ou separatismo é pernicioso, mau, pecador, infeliz; 4) que a integração no grande Todo é feito pelo Amor, por um amor racional, espontâneo, radiante, jubiloso; 5) que esse grande Todo me é acessível, diariamente, na forma da humanidade, de cada um dos meus semelhantes, e da própria natureza infrahumana; 6) que, à luz desse Amor Universal, o passado do homem se torna compreensível, não no plano intelectivo, mas sim o plano intuitivo, que é o verdadeiro saber. Tudo isto que estou dizendo a meus leitores, digo-o em primeiro lugar a mim mesmo. Eu sou o meu leitor e ouvinte número um – o meu pequeno Eu físicomental está sentado como dócil discípulo aos pés do Mestre, que é o meu Eu espiritual, o meu Cristo interno, o meu Emanuel.
QUEM PROVA A EXISTÊNCIA DE DEUS É ATEU Deus é aquela Realidade Universal, Absoluta, Infinita, Eterna, Única, que ultrapassa todas as fronteiras das nossas análises intelectuais. Para além dos extremos horizontes de todos os nossos mais arrojados silogismos começa Deus, que não é isto nem aquilo, nem a soma total de todos os fenômenos do universo. Só sei de Deus pela experiência íntima do meu próprio Eu divino. Quem julga ter provado a Deus pelo intelecto é ateu. E quem adora esse Deus demonstrado é idólatra.
A VIDA NÃO É UMA TEORIA Há quem se diga agnóstico, há quem se chame ateu. Ambos ignoram a Deus; mas o agnóstico ignora-o sem quebra da lógica, ao passo que o ateu o ignora assassinando a lógica, porquanto afirma conhecer algo que, segundo ele, não existe – como se o inexistente, o puro nada, pudesse ser objeto de conhecimento! Na prática, porém, não há nem agnósticos nem ateus. Em teoria é possível manter-se alguém numa atitude de suspensão ou neutralidade, porque a teoria
é um esqueleto inerte; na prática, porém, todo homem assume atitude ou positiva ou negativa – a neutralidade é uma simples ficção mental, inexistente no plano da realidade concreta da vida humana.
CRER OU DESCRER NADA RESOLVE Crer em Deus não resolve os problemas da vida – descrer dele, ainda menos. Mas o crer torna suportáveis os sofrimentos da existência, ao passo que o descrer os torna insuportáveis. A única coisa que realmente resolve os problemas é o saber, isto é, a experiência íntima da realidade de Deus. Em face do saber desmaiam a noite do descrer e o crepúsculo matutino do crer, assim como as trevas e penumbras fogem diante do sol nascente. Entretanto, o crer é de suma importância, porque é o prelúdio do saber. Ninguém pode saber sem primeiro crer.
HARMONIZAR O AGIR COM O SER No meu íntimo SER sou Deus; por isto, no meu externo AGIR também devo ser como Deus. Devo combinar a horizontal da minha ética com a vertical da minha mística, a fim de ser redimido por essa cruz, de ser positivo, mais, infinito, como esse sinal simbólico. Todo o mal da minha vida vem da discrepância entre o meu AGIR e o meu SER.
UNO E MÚLTIPLO Deus é um ou uno em sua essência, no seu eterno SER – porém múltiplo na sua existência, no seu AGIR temporário. Os mundos múltiplos são a expressão do Deus uno e único.
“CARREGO COMIGO A MINHA CAVERNA” Um brâmane, cultor da mística estática das cavernas solitárias, insistia com Mahatma Gandhi que se retirasse do bulício do mundo e da política para o silêncio duma caverna, a fim de se salvar; ao que Gandhi replicou: “Trago essa caverna dentro de mim.”
BUDISMO, BRAMANISMO, ROMANISMO – RELIGIÕES PARA ELITE Essas religiões são para pequenas elites, seitas, irmandades piedosas, não para a humanidade como tal. No catolicismo romano, só uma pequena elite, os sacerdotes, frades e freiras, com os seus votos separatistas, é que são considerados cristãos de primeira classe; os leigos e casados são tolerados, como seres de segunda classe. De modo análogo, no budismo e bramanismo. O cristianismo, porém, é universal; exige de todo e qualquer homem uma santidade e perfeição completa, uma religião da vida inteira, e não apenas de certas horas devocionais. A única consolação que as religiões ascéticas orientais, e o romanismo clerical do Ocidente, podem dar ao homem no meio do mundo é ter pena dele e augurar-lhe melhor sorte numa futura reencarnação, ou então recomendar-lhe que se resigne com um lugarzinho secundário no céu, deixando os lugares de honra, na imediata vizinhança de Deus, aos heróis da renúncia do mundo de Deus. Para todos eles, a perfeição não está em usar corretamente as coisas que Deus nos deu, mas em recusá-Ias com soberano desdém.
PAZ INTERNACIONAL – SÓ NO CEMITÉRIO Depois da primeira guerra mundial, alguém, visitando a Europa devastada, viu por toda a parte cemitérios e mais cemitérios de soldados mortos – americanos, ingleses, alemães, franceses, italianos, russos, israelitas – todos eles pacificamente sepultos uns ao lado dos outros – e não havia guerra entre eles... Será que só quando morto pode o homem estar em paz com seus semelhantes? Sim, só depois de morto – ou morto para a vida do corpo, ou então morto para a vida do seu egoísmo. Se não quiser morrer para o egoísmo, terá de morrer para a vida corpórea, se é que quer ter paz com seus irmãos humanos. Só a pleni-vida do espírito, em vez dessa semi ou pseudo-vida do corpo e da mente é que lhe poderiam garantir perfeita paz no meio duma vida abundante. “Eu vim para que os homens tenham a vida, e a tenham em maior abundância.” “Dou-vos a minha paz”...
“Isto vos disse para que minha alegria esteja em vós, e seja perfeita a vossa alegria”...
PEIXINHOS EM POÇAS D’ÁGUA DA PRAIA Cada grupo de peixinhos nessas poças que a maré deixara na arenosa praia discutia com os inquilinos de outras poças, afirmando ser a sua poça o mar e serem eles os únicos habitantes legítimos do oceano. De repente, enorme vagalhão levou de roldão todas as pocinhas d‟água juntamente com seus orgulhosos íncolas, abismando-os nas profundezas do mar. E os peixinhos viram que eram todos irmãos e habitantes do mesmo oceano.
BUROCRATIZANDO OU VOLATILIZANDO O CRISTIANISMO São estes os dois grandes perigos da atualidade. O sectário estreito burocratiza o espírito de Cristo, procurando encerrá-lo em fórmulas doutrinárias. O liberal superficial volatiza a alma do cristianismo, difundindo-a pelos vastos areais da sua indiferença religiosa, até não sobrar nada da divina essência do Evangelho. Respeitar a infinita verticalidade do Evangelho, e ao mesmo tempo horizontalizá-lo até aos últimos confins do universo – isto é tremendamente difícil, porquanto o vertical da profundidade e sublimidade parece negar o horizontal da amplitude e universalidade. Assim parece aos profanos liberais e aos estreitos sectaristas – mas o verdadeiro iniciado sabe por experiência íntima que não há antagonismo real entre o vertical da experiência individual e o horizontal da organização social. Mas, para unir permanentemente a barra horizontal com o tronco vertical, requer-se tamanha força espiritual que poucos conseguem essa suprema realização, filha do encontro pessoal com Deus.
ADULTERAÇÃO DA BÍBLIA A Bíblia, sobretudo no mundo protestante, foi transformada numa simples coletânea de preceitos éticos ou numa teologia escolástica, em uma espécie de dose de ópio destinada a manter pacientemente submissas as bestas de carga humanas; dos misteriosos surtos de experiência mística que produziram a Bíblia, desse vastíssimo incêndio do espírito divino de que as palavras
humanas são apenas cinzas frias – disto nada sabem nem suspeitam os cultores da “letra morta”. A “bibliolatria”, como lhe chama Harry Émerson Fosdick, é a pior inimiga da Bíblia.
REALISMO – IDEALISMO O Cristianismo é um vasto realismo horizontal, animado por um profundo idealismo vertical.
O MUNDO EM DEUS OU O MUNDO SEM DEUS Ou o homem tem experiência de Deus – e neste caso vê a Deus no mundo e o mundo em Deus; ou não tem experiência de Deus – e neste caso vê o mundo sem Deus. No meio desses dois extremos estão os que, embora não tenham experiência de Deus, têm contudo a boa vontade de a possuir, e isto é crer. O crente não vê a Deus no mundo, nem o mundo sem Deus – mas adivinha Deus para além do mundo. Para o descrente e o insciente, Deus é inexistente. Para o crente, mas ainda insciente, Deus é existente, porém ausente. Para o experiente ou sapiente, Deus é ao mesmo tempo imanente no mundo e transcendente ao mundo. Este é o homem integral, cósmico, crístico.
TOTALITARISMOS – CATÓLICO E PROTESTANTE “O catolicismo tem sustentado o nazismo, o fascismo, o integralismo, e todas as outras formas de totalitarismo político, porque ele mesmo é o totalitarismo por excelência, e numa esfera mil vezes pior que a esfera política, na espera espiritual da consciência. Os países de preponderância católica são invariavelmente aqueles em que o comunismo medra mais espantosamente. O protestantismo tem sustentado o capitalismo e todas as formas de totalitarismo econômico, embora, em teoria, invoque os direitos do indivíduo humano. Só uma profunda e completa remodelação da mentalidade individual, católica e protestante, é que poderá salvar a civilização cristã do Ocidente” (adaptado).
MARIA – PRIMEIRA REVOLUCIONÁRIA MÍSTICA-SOCIAL Maria, tocada pelo Espírito Santo, tornou-se a primeira revolucionária em prol do reino de Deus, na era cristã, quando exclamou: “Serviu-se do poder do seu braço para dispersar os soberbos na mente do seu coração e exaltar os humildes... Depôs dos seus tronos os orgulhosos e sublimou os pequeninos... Encheu de bens os famintos e mandou embora vazios os ricos.” (Lc. 1,51-53.)
TODA REVOLUÇÃO EFICIENTE É MÍSTICA Toda e qualquer revolução que venha apenas como um belo movimento ético ou social está derrotada mesmo antes de começar, porquanto toda a ética é, em si mesma, difícil, cruciante, sacrificial – e estas coisas não têm garantia de solidez e perpetuidade. Só as coisas experimentadas como fáceis, espontâneas e deliciosas é que possuem essa solidez e perpetuidade. Toda revolução construtiva tem de ser baseada, portanto, numa compreensão profunda da realidade do homem e do mundo, numa luminosa visão da essência central das coisas, numa veemente revelação de dentro, porque só esse contacto direto e imediato com a Realidade Eterna do homem e do mundo, essa visão mística do Todo, é que torna a ética fácil e a virtude deliciosa, ateando no homem um incêndio cósmico de amor e de entusiasmo pela verdade e pelo bem. Só se eu conseguir transformar o meu deserto em um oásis, é que estarei disposto a habitar nesse deserto, transformado, pela intuição da verdade oculta, num paraíso de vida e beleza. Felizmente, essa transformação não é filha da ilusão, mas é uma realidade infinitamente mais real do que todas as pseudo-realidades da superfície, uma vez que a onipresença de Deus e sua imanência em todas as coisas, também no deserto, é um fato, e não uma fantasia. Não experimentar essa imanência de Deus em tudo é ver no deserto um deserto de fastidiosa monotonia e vacuidade – mas, desde o momento que o homem experimenta o Deus onipresente e oni-imanente, deixou o deserto de ser uma vacuidade inerte e se transformou numa exuberante plenitude vital. O que mudou não foi o deserto – que nunca esteve “deserto”, mas sim o homem, que de cego se tornou vidente, de ignorante se tornou sapiente, de profano se tornou iniciado, de morto se tornou vivo.
INTERPRETAÇÕES HISTÓRICAS DO CRISTIANISMO ETERNO Nos três primeiros séculos não existe, propriamente, interpretação do Cristianismo, porque todo cristão experimentava e vivia diretamente essa estupenda realidade. O fato da invasão do mundo espiritual no mundo material era para eles uma realidade objetiva; subjetivamente vivia em toda a sua plenitude, profundidade e amplitude. No início do quarto século, porém, tinha essa experiência de Deus arrefecido a tal ponto que se tornou necessária uma teoria escolástico-teológica sobre essa grande realidade – fogo bem pintado em vez de fogo real. E esse fogo artificial da teologia teve de substituir o fogo natural do Evangelho, e o cristão foi obrigado a crer na realidade desse fogo irreal na tela teológica, sob pena de ser excomungado da igreja de Cristo. A fim de dar maior realce à ilusão do fogo artificial como sendo fogo real, foram invocados todos os recursos da política, do militarismo, da sociologia, da psicologia, do ritualismo externo, e da força bruta – cruzadas, inquisições, excomunhões, etc. Mas o fogo artificial da teologia não se transformou no fogo real do Evangelho. Os “hereges”, excomungados, passaram a excomungar os seus excomungadores – e seguiuse o caos eclesiástico ao cosmos evangélico. Com Constantino Magno, esse imperador pseudo-converso, surgiu, no setor romano do Cristianismo, o ideal da ditadura dos corpos e das almas, que até hoje continua, pelo menos como ditadura das almas, já que os governos modernos negaram aos teólogos eclesiásticos a ditadura dos corpos. Aparece, no século 16, a tentativa de uma interpretação democrática do Cristianismo: cada indivíduo tem o direito de saber por si mesmo, graças a seus inalienáveis direitos humanos, o que é Deus, o Cristo, a vida eterna, sem a necessidade de interrogar o infalível pontífice de uma igreja hierarquizada. Mas a democracia eclesiástica do protestantismo acabou em anarquia religiosa – por quê? porque eram pouquíssimos os homens espiritualmente maduros e adultos para encontrarem a Deus por si mesmos e em si mesmos. O que encontraram foi o Lúcifer do ego em vez do Espírito de DEUS, porque não cavaram bastante fundo, não atingiram até ao centro da revelação divina, mas pararam na periferia da interpretação intelectual da Bíblia. Prevaleceu a exegese teológica sobre a experiência mística. E assim a tentativa da interpretação democrática do Cristianismo falhou, como falhara a interpretação ditatorial. Aparecem então os ascetas escatológicos – que aliás sempre tinham existido – e tentaram interpretar o Cristianismo como negação radical da vida e do mundo; quanto mais longe do mundo, tanto mais perto de Deus, e vice-versa.
Tentaram transformar o mundo de Deus num mundo sem Deus, ou num Deus sem mundo, numa longínqua e solitária e desnuda Tebaida, onde o homem desiludido do mundo se pudesse enamorar e inebriar de Deus, em mística solitude e perpétuo êxtase. Outros, cansados de fracassos, resolveram abrir mão de todas as lucubrações teológicas e contentar-se com um Cristianismo puramente ético-social, horizontalista, superficial. Para que investigar a origem das nascentes, quando se pode beber das suas águas em qualquer ponto do percurso da torrente? Basta que o homem seja bom, justo, correto, honesto, caridoso, afável, amigo de todos, para ser um cristão perfeito e integral. Triunfou então a propínqua superficialidade da ética humanitária sobre a longínqua profundidade da mística divina. Entretanto, as almas mais profundas não valeram sopitar dentro de si as saudades do abismo, a nostalgia do Infinito, o silencioso clamor da sua anima naturaliter christiana; insatisfeitas com as águas derivadas da ética cotidiana, subiram às montanhas eternas para saber onde nasciam essas águas, de que rochedos brotavam, puras, incontaminadas, inderivadas – e muitos desses pioneiros do Infinito nunca mais voltaram às planícies do finito; inebriados da nascente divina, esqueceram-se de todos os rios humanos. Outros, porém, continuaram a beber das águas, mais ou menos turvas, dos rios da ética, inexperientes da linfa puríssima da sua nascente. Quando aparecerá sobre a face da terra o homem cósmico? O homem integral, o homem crístico, que dispense interpretação do Cristianismo, pelo fato de o experimentar e viver em toda a sua plenitude, profundidade, sublimidade e amplitude? Já apareceu, esse homem cósmico, o filho do homem; nasceu no ano 1 da nossa era, e foi crucificado no ano 33... Entretanto, ele está conosco todos os dias até à consumação dos séculos, cheio de graça e de verdade...
NÃO HÁ CRISTIANISMO TEÓRICO Não, há cristianismo-teoria. Só há cristianismo-fato. O cristianismo é uma realidade eterna, é realismo a 100%. Por falta de realismo e excesso de irrealismo é que o homem deixa de ser cristão. Antes da Encarnação, o Cristo, o eterno Logos, era Theoria (palavra grega que quer dizer “visão”); depois da Encarnação, essa eterna Theoria ou “Visão” se
tornou Praxis, isto é, “Ação”, atualizou-se, tornou-se realidade palpável, visível; o espírito divino do Cristo materializou-se na carne humana de Jesus. O cristianismo é uma permanente Encarnação: o Verbo, ou Logos, se faz carne sem cessar e habita entre nós. Também a vida de cada cristão é uma incessante Encarnação do Verbo, do divino Logos da Alma eterna que se individualiza ou materializa na pessoa de Pedro, Paulo, Maria, Isabel, etc. A visão mística encarna-se diariamente na ação ética – e nasce o homem cósmico, o homem integral.
DO CRISTIANISMO AO CRISTO Não é o cristianismo que pode salvar o mundo, mas só o Cristo. O cristianismo é, hoje em dia, teoria e teologia humana, o Cristo é realidade divina. Qualquer reforma religiosa eficiente consiste no abandono das teorias e teologias humanas e no retorno real e total ao Cristo. O mundo de hoje nada tem que esperar do cristianismo, tudo tem que esperar do Cristo. O nosso cristianismo é ficção – o Cristo é fato. O nosso cristianismo é um fogo pintado – o Cristo é um fogo real.
DA CARIDADE AO AMOR Se houvesse entre nós mais amor, não haveria necessidade da caridade, porque a caridade é filha da miséria, mas a miséria é filha da nossa falta de amor. O egoísmo humano, que é falta de amor, cria a miséria, a indigência, a pobreza, a fome, a desnudez; e, em face dessa numerosa prole gerada por nosso desamor, faz-se mister a caridade. A caridade não remedia os males da sociedade, apenas os atenua temporária ou parcialmente; é uma espécie de injeção, de anestésico, de soporífero, de pomada ou cataplasma que o homem egoísta que desejaria ser altruísta aplica às dolorosas chagas abertas pelo egoísmo e desamor dos homens. Se não houvesse exploradores, não haveria explorados, e, se não houvesse exploradores nem explorados, não haveria miséria – e não haveria ambiente propício para exercer a caridade. O triunfo do amor tornaria impossível o exercício da caridade – a não ser em casos excepcionais, catástrofes inesperadas, terremotos, incêndios, enchentes, e outros fenômenos não dependentes da maldade dos homens; nessas ocasiões
excepcionais seria necessária a caridade, mesmo entre homens cristificados pelo amor; mas a caridade não seria uma necessidade normal, permanente, da nossa sociedade. “Pobres, sempre os tereis convosco; a mim, porém, nem sempre me tereis.” Será que não deveríamos traduzir: “Pobres, sempre os tereis convosco, se não me tiverdes a mim”? A miséria sempre estará presente onde o Cristo está ausente, e, por haver miséria gerada pela ausência do Cristo, faz-se mister a caridade como lenitivo dessa miséria. A abolição radical e definitiva da miséria está na proclamação e vivência do amor. Entre os primeiros discípulos do Cristo, referem os Atos dos Apóstolos, não haveria um só indigente – porque havia o espírito do Cristo, que é amor.
CARIDADE, NÃO – JUSTIÇA, SIM Numa das minhas viagens pelo Nordeste brasileiro, fui convidado a falar num centro operário; ao entrar no recinto, verifiquei sobre a porta a legenda: “Não queremos caridade – queremos a justiça do trabalho!” Onde há amor, lá existe a justiça do trabalho, o trabalho devidamente remunerado, de maneira que a pobreza não encontre terreno para prosperar, e torne a caridade desnecessária. O cristianismo doentio dos nossos dias canta apoteoses à filantropia, filha da pobreza e neta do egoísmo – essa filantropia humanitária, talvez a mais perversa heresia dentro do cristianismo ocidental. Tão grande é a sagacidade do nosso inextirpável egoísmo que chega a camuflar em virtude os seus vícios, cantando entusiásticos hinos à caridade e filantropia a fim de poder continuar impunemente, por detrás dessa cortina de fumaça, as suas torpes manobras de descaridosa exploração e aumentar cada vez mais a miséria – sob o rótulo hipócrita de caridade! E destarte, barrado por essa satânica filantropia, não pode o amor do Cristo entrar no coração do homem... “caritativo”... E a miséria continua...
JESUS DEU ESMOLA? Não consta. O que consta é que preparou um grupo de homens, como fermento da massa profana, que tornasse desnecessária a esmola, porque aboliria a pobreza pelo amor. Mas os cristãos, abolindo o amor, criaram a pobreza, e, como consequência, a necessidade da esmola. E neste círculo
vicioso se debate a humanidade até hoje – até que triunfe o espírito do Cristo, que é amor e justiça.
DEUS NÃO ENTRA NA ALMA Encontramos em todas as grandes filosofias e religiões a doutrina sobre a imanência de Deus no homem. Essa imanência divina é chamada o Emanuel (Deus em nós), o Cristo interno, a centelha divina no homem, o alicerce da alma, a voz interior, a luz interna, o espírito santo que habita no templo do corpo, o Eu central, a faculdade intuitiva, o Logos, a Razão, a Consciência Cósmica, o chamamento interno, etc. O certo é que Deus não entra nem necessita de entrar na alma; porquanto ele está na alma desde o início, ou melhor, ele mesmo é essa alma. O que importa é que esse Deus objetivamente presente na alma pela realidade ontológica se torne também subjetivamente presente pela percepção lógica; isto é, que o homem se torne consciente dessa imanência de Deus. Enquanto o homem ignorar essa presença íntima de Deus, ele é mau, pecador, egoísta, porque não renasceu ainda pelo espírito, não se despojou ainda do homem velho, nem se revestiu do homem novo; mas no dia e na hora em que ele se tornar consciente da realidade interna da imanência de Deus nele, esse homem passará das trevas à luz, da morte à vida, do egoísmo ao amor, do pecado à santidade. Não é possível que um homem que tenha conhecido o seu verdadeiro Ser divino viva, por muito tempo, em desarmonia com essa realidade por ele conhecida; cedo ou tarde, o seu Agir se conformará com o seu Ser; a sua Ética se revestirá das cores da sua Mística; a sua Vida será sintonizada pela sua Fé, se é que essa Fé é uma experiência íntima, e não apenas a encampação externa de opiniões alheias.
APREENDER E COMPREENDER – DESCOBRIR FATOS, REALIZAR VALORES Aprende-se e apreende-se mentalmente – compreende-se espiritualmente. Aprender e apreender é um processo analítico, silogístico, sensitivo-intelectual. “Não há nada no intelecto que não tenha estado no senso”, diz o velho adágio filosófico. O que os sentidos percebem fisicamente, o intelecto o concebe e elabora metafisicamente; mas essa elaboração metafísica do intelecto não despoja a percepção física do seu caráter visceralmente individual e unilateral.
Só quando o homem compreende – isto é, “prende totalmente” – é que ele sabe de fato o que a coisa é em si mesma: Mas esse compreender não é um processo analítico-silogístico, um ato sensitivo-intelectivo; o compreender é um fato simultâneo, repentino, um lampejo de dentro, uma revelação ou iluminação interna, e não uma aquisição externa. A compreensão não é derivada dos objetos externos, mas do sujeito interno, do grande, eterno e infinito SUJEITO, que é Deus, e que, em sua forma humana, se chama alma. Aprende-se de fora, compreende-se de dentro. O aprender é feito pelo ego físico-mental – o compreender é feito pelo ego racional-espiritual, pelo Emanuel, pelo Cristo interno, por Deus em nós. Para aprender necessita o homem de uma vasta expansão em sentido centrífugo – para compreender requer-se uma profunda concentração em sentido centrípeto. A quantidade dos fatos externos apreendidos torna o homem erudito, inteligente – a qualidade do valor interno compreendido torna o homem bom e santo. Nenhuma religião promete o céu aos homens inteligentes – todas prometem o céu aos homens bons; porquanto, descobrir fatos fora de mim me faz apenas erudito, mas não me faz bom; ao passo que realizar valores dentro de mim me faz realmente bom. Eu sou o descobridor de fatos alheios, e isto não atinge a essência do meu ser – mas eu sou também o criador de valores próprios, e isto atinge a íntima essência do meu Eu humano. Ainda que eu descobrisse todos os fatos objetivos do mundo externo, e fosse assim um cientista a 100%, seria feliz? Não! Por que não? Porque não teria criado nenhum valor humano dentro de mim, e, como a minha felicidade é essencialmente idêntica a essa criação de valores internos, nenhum descobrimento de fatos externos afetará o íntimo quê do meu ser; são fatos periféricos, na superfície longínqua do meu Eu; é uma luz fria fora de mim, mas não uma força cálida dentro de mim. O céu da minha felicidade não é fabricado com a matéria-prima impessoal de fatos objetivos, que minha inteligência descobre, mas sim com a força pessoal de valores subjetivos que minha alma cria e realiza. Satanás é o rei da inteligência – mas é infeliz, porque o seu mundo é feito de fatos descobertos por sua poderosa inteligência, mas não de valores realizados por seu espírito. E, por isto mesmo, o seu céu intelectual é o seu inferno espiritual – um céu infernal. Nenhum fato externo me pode fazer feliz ou infeliz – só uma realização interna é que me abre as portas do céu ou do inferno. Eu sou o criador do meu céu – eu sou o autor do meu inferno!
É nisto que está o meu maior privilégio – e o meu maior perigo... Quão estupenda era a filosofia cósmica daquele que disse: “Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se chegar a sofrer prejuízo em sua própria alma?” Que aproveita ao homem descobrir e possuir todos os fatos externos, pela luz da inteligência – se com isto perder um único grau do seu valor interno, que só a alma pode realizar? A ciência descobre os objetos – a consciência realiza o sujeito! Eu sei do conteúdo da minha ciência – mas eu sou o conteúdo da minha consciência! O que me faz feliz não é aquilo que eu sei, mas aquilo que eu sou... Quando se fundirem numa grandiosa unidade cósmica aquilo que eu sou e aquilo que eu sei – então serei perfeita e perenemente feliz...
“O DESERTO VIVENTE” É este o título de uma das mais maravilhosas películas naturistas de Walt Disney, The living desert (em vernáculo: “O drama do deserto”). A vida de todo homem que atingiu certa altura de evolução interior é um “deserto vivente”. A sua solidão externa cresce na razão direta da sua vitalização interna. Os ruídos profanos da sociedade o atraem cada vez menos; as deslumbrantes vacuidades do mundo profano deixam-no indiferente. Todas as antigas bonecas de celulóide, soldadinhos de chumbo, aviõezinhos de mola, pistolinhas de ar comprimido e outras maravilhas do jardim de infância com que muitos se divertem a vida inteira, embora com nomes mais pomposos, deixaram de lhe atrair a atenção e o interesse, desde que, no campo visual da sua experiência interna, despontou um novo mundo de grandezas e formosuras. Instintivamente, esse homem busca a solidão, não por algum espírito de misantropia ou acerbo pessimismo, mas pelo irresistível fascínio que esse novo mundo de estupendas maravilhas exerce sobre ele. É que ele fez a experiência de que esse mundo imaterial é tanto mais visível, audível e sensível quanto mais se calarem os ruídos profanos do mundo material. E ele escuta, embevecido, a misteriosa sinfonia desse mundo e percebe a inefável sacralidade da sua vida transbordante de beatitude... Vai-se atrofiando, não raro, a vida material e social desse feliz vidente de universos supra-sensíveis e ultra-intelectivos; a sua vida econômica declina... Feliz dele se uma pessoa de posses materiais e de compreensão espiritual entrar na vida desse homem!... Do contrário, acabará o seu contenedor material por sucumbir sob a veemência do seu conteúdo espiritual... Entretanto, mesmo assim, continuará ele a ser feliz, porque possui o principal da felicidade,
a realização dos valores internos, mesmo com o sacrifício dos fatores externos... O seu deserto é vivo, transbordante de vida...
ACEITAR A DIVINDADE DE CRISTO – O QUE É? Acabo de escutar, numa estação emissora de Washington, um diálogo entre um teólogo romano e um juiz sobre a divindade de Cristo. Afirmava o teólogo que a maior desgraça era a negação da divindade de Cristo da parte de milhares de cristãos do presente século. Respondeu o juiz que ele considerava uma calamidade fazer depender a salvação ou condenação da aceitação ou rejeição de um dogma como este. Que quer dizer, afinal de contas, aceitar ou não-aceitar a divindade de Cristo? Não consiste num ato de inteligência e vontade? E não depende esse ato da maior ou menor clareza com que fulano ou sicrano percebe as razões pró ou contra esse dogma? E não depende essa maior ou menor clareza de uma instrução eclesiástica e certo grau de interesse neste ou naquele sistema teológico? E que tem isto a ver com Deus, com salvação ou condenação? Sou eu mais crístico e mais amigo de Deus depois de dizer “sim”, e menos espiritual depois de dizer “não” a uma pergunta sobre a divindade de Cristo? Na realidade, o meu “sim” ou o meu “não” nada tem que ver com o meu verdadeiro cristianismo, se por cristianismo se entende a união com o espírito de Deus, e não este ou aquele grupo eclesiástico a que pertenço por força de nascimento ou de outras circunstâncias externas fortuitas. O que decide sobre o fato de eu ser crístico ou não-crístico é a minha vida, a profunda e permanente atitude do meu interno ser e do meu externo agir em perfeita sintonia com o espírito de Cristo. Esse espírito, porém, nada tem que ver com a forma deste ou daquele credo, mas resume-se nos dois grandes mandamentos do amor de Deus e do próximo, nos quais “consistem toda a lei e os profetas”. O “sim” ou “não”, verbal ou mental, em nada modifica a minha atitude de ser e de agir, e é profundamente deplorável que uma grande parte do cristianismo eclesiástico do Ocidente dê maior importância a essa profissão de fé teológica imposta por seu grupo do que à realidade da sua vida emanada do espírito de Cristo. E, para salvar esse credo eclesiástico, os seus adeptos, através de séculos, têm cometido, e continuam a cometer os maiores atentados ao espírito de Cristo, matando infiéis e hereges, excomungando dissidentes, inculcando a seus filhos o desprezo para com os que não professam o mesmo credo
teológico – matam o espírito de Cristo para salvar uma teologia pseudocristã!... Enquanto eu não puder dizer, com absoluta verdade “Já não sou eu que vivo – o Cristo é que vive em mim”, não aceitei o espírito de Cristo, embora professe a mais ortodoxa das fórmulas sobre a divindade de Cristo. Mahatma Gandhi nunca aceitou nenhum credo eclesiástico; Albert Schweitzer é conhecido como herege pelas igrejas cristãs protocolares – mas dificilmente encontraremos dois homens que vivam com maior pureza e fidelidade o espírito de Cristo, em profundo amor de Deus e vasta caridade dos homens. É de urgente necessidade que o mundo cristão se torne crístico, vivendo realmente o espírito de Cristo, em vez de apenas professar teoricamente este ou aquele dogma sobre a divindade de Cristo.
O HOMEM ESPIRITUAL É ATRAENTE? Talvez não. Possivelmente, é mais repelente do que atraente. Nem é necessário que o homem espiritual seja atraente. Geralmente, ele não atrai outros a si – antes os “transtrai” para além de si. É como um desses marcos quilométricos à beira da estrada ou setas nas encruzilhadas, cuja finalidade não é fazerem-se adorados pelos viandantes, mas sim abandonados, depois que o transeunte tomou direção certa. O homem espiritual não deve ser como um espelho, que prende em si a pessoa que nele se mira – deve ser como uma janela aberta através da qual a gente enxerga as belezas da paisagem e vastos horizontes além. O nosso egoísmo, naturalmente, insinua-nos a sermos espelhos atraentes – ao passo que a verdadeira espiritualidade nos ensina a sermos janelas transcendentes. Alguns dos discípulos de João Batista se escandalizaram com o fato de ser o mestre abandonado por seus antigos seguidores, que foram em seguimento do Nazareno, ao que o precursor respondeu: “Eu sou apenas o paraninfo, mas ele é o esposo, convém que ele cresça e que eu desapareça” – isto era ser janela aberta para o Cristo, e não espelho atraente para si mesmo. O homem espiritual não faz com que outros tenham satisfação nele, mas contribui para que os homens sintam insatisfação de si mesmos, vejam a sua imperfeição e tenham desejo de maior perfeição. O homem espiritual é um veículo, uma ponte, um canal, um dedo estendido rumo ao Infinito. O homem espiritual é uma passagem, e não uma parada; é uma entrada e uma saída para Deus. A sua simples presença é um chamariz, um desafio, por vezes um ultimatum e um doloroso exame de consciência.
O homem espiritual não é, em geral, uma fascinante personalidade, como certos cavalheiros dos nossos salões elegantes. Possivelmente, é ele mais repelente do que atraente, porque a sua retilínea lealdade aos princípios eternos é inquietante para muitos. Sentem-se perturbados em sua presença, como o Evangelista diz de Herodes em face do Precursor encarcerado. Em presença do homem espiritual, muitos começam a pensar em coisa séria, alguns até aprendem a orar. O campo magnético que circunda o homem espiritual faz oscilar todas as agulhas que não estejam devidamente polarizadas pelo norte divino – e ninguém sabe o que vai acontecer depois, nas almas receptivas... Pode haver terremotos, tempestades, incêndios de Pentecostes... Pode ser que muitos ídolos e fetiches, tidos por intangíveis e sagrados, caiam dos seus pedestais... “Segue-me!”... “Deixa que os mortos sepultem os seus mortos – tu, porém, vai e proclama o reino de Deus!”... “Vai, dá todos os teus haveres aos pobres – e segue-me!” Pode ser que alguém ouça, no silêncio de sua alma, coisas terríficas como esses trovões, quando sai da presença de um homem espiritual. Cuidado! Alta-tensão!... Perigo de vida!... Mantenha distância!... Aí está um homem espiritual!...
DOIS TIPOS DE PREGADORES Do sermão de um deles, diz Vieira, retiravam-se os ouvintes, ruidosamente satisfeitos com o brilhantismo do orador – da presença do outro retiravam-se todos em silêncio, insatisfeitos consigo mesmos e esquecidos do pregador. Um deles era pregoeiro de si mesmo – o outro era arauto do reino de Deus.
TRANSCENDENTE, ENCARNADO, IMANENTE O século 18 foi o século do “deísmo”, sistema filosófico-teológico que considerava a Deus como o “grande Arquiteto do Universo”, transcendente a seu mundo, como o artífice existente fora do seu artefato.
O século 19 foi o século do “Logos”, do Deus encarnado em Jesus, na forma do Cristo, o Deus universal individualizado em homem. O século 20 parece ser o século do Deus “imanente”, isto é, o Deus Universal que, individualizado em Jesus, se universalizou no Espírito Santo (“santo” quer dizer “universal”). Em sua íntima essência, todas as coisas são Deus, porque não há nada real fora de Deus, a única Realidade; existencialmente, todas as coisas são inferiores a Deus, porque nenhuma delas, individualmente, é Deus. (Os ingênuos, incapazes de pensar logicamente, afirmam que isto é “panteísmo”, porque não sabem distinguir entre “monismo e panteísmo”; todos os grandes mestres espirituais da humanidade pensavam em termos de monismo absoluto.) Deus criou o mundo? Certamente! De quê? Do nada? Sim, do nada do mundo – mas do Todo de si mesmo. Do nada da existência – mas do Todo da Essência. O mundo foi criado não só por Deus, mas também de Deus. Então, o mundo é idêntico a Deus? Não! É separado de Deus? Nem tampouco. O mundo não é idêntico nem separado de Deus – mas é distinto dele, um com Deus pela eterna essência, diverso de Deus pela existência temporal.
CREIO NA COMUNHÃO DOS SANTOS Comunhão não pode ser criada artificialmente, ad hoc; ela é o resultado espontâneo e natural de uma união que vai além dessa com-união (comunhão). Onde não há união com um centro comum não pode haver comunião entre os raios divergentes. Quando dois ou mais homens se unem em Deus pela mística nasce entre eles com-união pela ética. Os raios de um círculo aproximam-se uns dos outros na razão direta que se aproximam do centro comum do círculo, e distanciam-se uns dos outros na razão que se distanciam do centro. Não pode haver comunhão (com-união) sem união. A paternidade única de Deus crea a fraternidade universal dos homens. Querer estabelecer a fraternidade humana
sem a paternidade divina é tão absurdo como querer fazer um círculo sem centro ou um edifício sem alicerce. A união é o atributo dos santos – a desunião é o característico dos pecadores. Não há comunhão entre os maus – só pode haver comunhão entre os bons, porque o mal é dispersivo por natureza, como os raios divergentes de um círculo. Vigora secreta afinidade entre todos os santos, da terra e do universo, embora os componentes dessa invisível Irmandade Branca não sejam individualmente conhecidos uns aos outros. Eles atuam em silêncio, porque têm onipresença cósmica. Quem faz parte dessa Irmandade Branca dos Irmãos Anônimos sabe-a nas profundezas de sua alma e comunica-se com seus semelhantes, a despeito de tempo e espaço, porque ele é um grande “liberto” – a Verdade o libertou... Quem puder compreendê-lo compreenda-o!...
QUE É PERSONALIDADE? A personalidade principia com o ego – e culmina no Eu. Satã é o ego petrificado – Cristo é o mais vigoroso Eu. Um cão, uma vaca não têm ego nem Eu. O homem profano desenvolveu o seu ego, mas não cultivou o seu Eu. Quando o ego personal culmina no Eu individual, então desaparece a ilusão do separatismo entre o homem e Deus e surge o grande unismo, o senso nítido “Eu e o Pai somos um”, o grande “Eu sou”, o fascinante “Tat twam asi” (isto és tu). Toda a redenção está na transição do ego para o Eu – e toda a perdição está na estagnação do ego no plano do ego. Um só é o Eu do homem – muitos podem ser os seus egos. Eternamente idêntico a si mesmo é o nosso divino Eu – variáveis são os nossos humanos egos. Eu sou o divino Eu – eu tenho humanos egos. O ego é “persona”, isto é, “máscara” – mas o Eu é “indivíduo”, isto é, “indiviso”, não-dividido, inseparável da Realidade eterna. Quando o nosso ego personal nos sugere separação da Infinita Realidade “Deus”, então começa a tendência centrífuga: o homem procura criar um reino à parte, dele, só dele – e isto é “pecado”*.
* “Pecado” e “separado”, em diversas línguas, têm o mesmo radical. Em alemão o vocábulo sondern (separar) é filologicamente idêntico a suenden (pecar). Também em inglês assunder (separado) e sin (pecado) têm o mesmo radical. Pecar é considerar-se separado do grande Centro Cósmico, Deus. A redenção consiste no movimento contrário, “Eu e o Pai somos um.”
DESCOBRIMENTO – OU REVELAÇÃO? O homem inteligente descobre pequenas coisas – grandes coisas são reveladas ao homem espiritual, suposto que ele seja receptivo, que possua espaços internos assaz amplos em que possa jorrar a plenitude do Além. Será que eu conheço a Deus e o mundo espiritual assim como alguém que, depois de muito pesquisar e varrer o céu com o telescópio, descobre, finalmente, um astro? – ou será como quem levanta o fone do aparelho telefônico e escuta o que alguém está dizendo do outro lado? Será que eu descubro a Deus – ou que Deus se revela a mim? O homem inteligente, escreveu Einstein, descobre aquilo que é (das was ist) – o homem espiritual realiza aquilo que deve ser (das was sein soll). Descobrir se refere aos fatos objetivos da natureza externa – realizar tem que ver com os valores internos dentro do próprio sujeito. Quem sabe o que é Deus, não descobriu um objeto de fora – teve uma revelação do seu sujeito de dentro, uma vez que “o reino de Deus está dentro de vós”. Revelação, inspiração, vem a mim, subitamente, espontaneamente, é verdade – mas (e aqui começa o grande mistério) não vem sem mais nem menos, automaticamente, sem nenhuma cooperação da minha parte. Eu, é verdade, não sou o autor e a causa desse subitâneo relâmpago em plena noite, mas tenho de contribuir algo do meu para que esse relâmpago venha. Não há descarga elétrica se não houver pólo negativo que, com a sua veemente vacuidade, chame a plenitude complementar. Não sou causa da revelação, mas sou condição indispensável. Se eu nada faço, Deus nada faz. Daí conclui o ignorante que é ele mesmo o autor e a causa do efeito espiritual. Confunde causa com condição. O abrimento duma janela condiciona a iluminação da sala – mas não causa essa iluminação. O abrimento duma torneira condiciona o jorrar da água – mas a torneira aberta não é causa dessa água. Tenho de agir intelectualmente como quem usa telescópio – e depois tenho de portar-me espiritualmente como quem escuta um telefonema. Tenho de ser intelectualmente ativo e espiritualmente passivo – essa atividade passiva, ou passividade dinâmica, é que é o segredo das grandes inspirações. O espírito de Deus atua espontaneamente – mas não arbitrariamente.
Tudo acontece segundo leis eternas. A graça, embora seja de graça, não é um fenômeno arbitrário. Deus não é capricho – Deus é a Lei. Devo trabalhar intensamente, como se tudo dependesse de mim – e ao mesmo tempo devo orar intensamente, como se tudo dependesse de Deus. Sintetizar esses dois pólos, aparentemente antitéticos, é tarefa trágica na vida humana. É tão fácil ser extremista, para a direita ou para a esquerda – mas é tremendamente difícil ser centralista. Há milhares e milhões de homens que esperam tudo só de Deus ou só de si mesmos – mas há pouquíssimos que esperam tudo de Deus através de si mesmos, que saibam unir a causa divina com a condição humana. Da união desses dois pólos, divino e humano, positivo e negativo, é que nasce toda a luz e toda a força da vida humana.
CERTEZA TEOLÓGICA NÃO É NECESSÁRIA NEM SUFICIENTE Se não tenho certeza infalível de certas verdades básicas, como a existência de Deus e a imortalidade, é impossível a salvação, porque estou sujeito a erros e aberrações. Assim diz certa teologia eclesiástica. E conclui: “Por isto, é necessário que haja, através dos séculos, um homem infalível neste mundo, que possa decidir com clareza e precisão o que é verdade e o que é erro.” Muitos adotam essa espécie de “lógica”. Entretanto, essa “lógica” é um grande ilogismo. Antes de tudo, que quer dizer “certeza”? E donde vem ela? É verdade que determinada pessoa me pode dar certeza de uma realidade espiritual, pelo fato de afirmar simplesmente “isto é assim”, “isto não é assim”? Será que, depois de ouvir essa afirmação ou negação, eu tenho uma certeza que antes não tinha? Se eu não tinha certeza da existência de Deus, e uma pessoa infalível afirma “Deus existe” – é verdade que agora tenho certeza desse fato? Neste ponto, Buda era bem mais lógico do que certos teólogos. Quando alguém perguntava ao grande iluminado o que era Deus, Buda não respondia. Por que não? Porque, se o consulente não sabia por experiência própria o que
era Deus, nem o saberia depois de ouvir uma definição da parte de alguém que o sabia; mas, se o consulente sabia o que era Deus, a afirmação de um terceiro não lhe daria certeza, nem a sua negação lhe tiraria a certeza que ele possuísse. Quem sabe por experiência interna que há Deus pode tranquilamente escutar todas as negações desta verdade – nada modifica a sua experiência interna, que lhe dá certeza. A grande e gloriosa verdade é esta: Ninguém me pode dar experiência que não tenho – e ninguém me pode tirar a experiência que tenho. A certeza, porém, vem da experiência interna, e não de argumentos externos. Quem tem experiência é invulnerável em sua certeza. A experiência não é transferível nem auferível. Ela não vem de fora da alma – ela brota das divinas profundezas da alma. Por isto, é profundamente ilusório querer dar certeza a alguém por intermédio de um homem infalível. Suposto mesmo que esse homem infalível tivesse, ou tenha, essa certeza experiencial, nem por isto poderia ele dar aos filhos da sua igreja essa certeza, que é absolutamente intransferível. Transferíveis são as coisas externas, de corpo e da mente, os argumentos, as provas científicas, as demonstrações analíticas – mas nada disto me dá certeza real de Deus e da vida eterna. Quem não tem experiência interna não tem certeza de uma realidade espiritual. O único auxílio que fatores externos nos podem prestar, nesse plano, é o fato de aplainarem o caminho que leva a essa certeza definitiva. Mestres, educadores, escritores, oradores, diretores espirituais podem apontar-nos o caminho certo onde nós possamos ter certeza espiritual – mas nenhum deles nos pode dar essa certeza. Todos eles são como setas na encruzilhada, marcos à beira da estrada, que indicam o rumo certo, mas não obrigam o viandante a seguir caminho certo. O rumo indicado pelo maior dos mestres da humanidade, nas páginas áureas do Evangelho, sobretudo no Sermão da Montanha, possui o máximo de certeza que se possa imaginar, e a sua linguagem é absolutamente clara e precisa; querer criar uma instância de certeza acima da certeza dada por Jesus Cristo é procedimento absurdo, e até arrogante. Não há nada mais infalível que as palavras de Jesus, no Evangelho. Daí, porém, não se segue que todo homem que leia o Evangelho da certeza tenha certeza daquilo que Jesus afirma. Enquanto o leitor for apenas leitor, não terá certeza alguma; só se passar a viver, por experiência íntima, o espírito do Evangelho, é que ele terá certeza. A certeza não vem da inteligência – vem da vivência. Quem não vive a alma do Evangelho não tem certeza das verdades por ele proclamadas. Saber não quer dizer ter ouvido dizer, ter lido, ter
decorado; saber quer dizer literalmente saborear. Saborear, porém, não é um processo mental, mas uma experiência vital. Quem não saboreia a realidade espiritual não sabe como é que ela sabe, que sabor tem, porque lhe falta a experiência vital da realidade espiritual. A certeza teológica não é necessária – nem é suficiente.
PENSAMENTO SINTETIZADO “Escrevi um livro tão grande – disse alguém – porque não tive tempo para escrever um livro pequeno.” De fato, para condensar devidamente em 100 páginas o que está derramado em 1.000, requer-se mais tempo e, sobretudo, maior intensidade de pensamento do que para ser difuso e prolixo.
ORAÇÃO – ESSÊNCIA DE TODAS AS RELIGIÕES Não há hereges em matéria de oração. Todos os homens espirituais de todas as religiões do mundo concordam em que a oração é a quintessência nas relações do homem com Deus. Duas coisas são absolutamente certas: 1) que a oração, quando genuína, é sempre um elemento positivo e benéfico na vida do homem; 2) que ignoramos totalmente como a oração atua sobre a vida humana; a sua técnica peculiar nos é de todo desconhecida. Sabemos apenas o “quê” – ignoramos o “como” da oração. Ninguém sabe se a sua oração vai ser eficiente na direção em que ele deseja ou espera; ignora se aquilo que ele tem em mente vai acontecer ou não. A oração parece algo como um jogo de azar, totalmente arbitrária. Na realidade, é certo, a oração obedece a leis invariáveis – mas o homem não conhece essas leis.
O MISTÉRIO DA ORAÇÃO SUPERIOR A verdadeira oração, inteiramente pura e autêntica, não é peticionária, é simplesmente afirmativa; não pede nada, afirma apenas uma grande realidade. Todas as grandes religiões conhecem a oração afirmativa – o Budismo, o Brahmanismo, o Judaísmo, o Cristianismo, o Islamismo, o Taoísmo, o Zoroastrianismo.
A oração inferior ou peticionária é, fundamentalmente, egocêntrica – ao passo que a oração superior, afirmativa, é essencialmente teocêntrica. Nesse estágio superior de experiência, o homem ultrapassa o próprio Eu e se perde em Deus; emigra do pequeno indivíduo e imigra no grande Universal. A oração superior tem algo de nirvânico, porque nela o homem perde a consciência objetiva do ego e se dilui totalmente na consciência subjetiva do Todo. Nessa total ego-evacuação e nessa intensa teo-plenificação, que o místico experimenta como divina embriaguez, o homem se identifica com a suprema Realidade e diz silenciosamente: Santificado seja o teu nome... Venha o teu reino... Seja feita a tua vontade... Essa oração afirmativa supõe uma constante e inalterável experiência da Suprema Realidade, onipresente e onipenetrante. Nessa zona, qualquer pedido, por mais altruístico, seria impossível e absurdo. Quem pediria? O que pediria? Falta tanto a consciência do “quem” ou sujeito, como também a noção do “quê” ou objeto, porque essa polaridade é criação da pequena consciência físico-mental, que, nesse plano, não funciona. Uma vez que a minha consciência individual submergiu irrevogavelmente no oceano da grande Consciência Universal – como poderia eu sofrer tamanha decadência ao ponto de pedir algo? Mesmo o algo mais perto de mim, o meu ego, deixou de existir – quanto mais os algos mais distantes de mim, os objetos do mundo externo. É, pois, evidente que o homem imerso na oração superior é incapaz de pedir algo a Deus, e isto não por virtuosidade, mas sim por grande compreensão e sabedoria. O seu único desejo é a crescente identificação com a Realidade Infinita. “Venha o teu reino...” “Seja feita a tua vontade...” *** Entretanto, cada um deve orar no nível em que vive, sem orgulho nem presunção. A total realização do nível em que vive de momento é a melhor preparação para a ascensão a um nível superior. Conformidade e não-conformidade – é esta a grande lei da evolução. Deve o homem conformar-se plenamente com o nível da sua evolução atual – e ao mesmo tempo não-conformar-se de modo que nele encontre definitiva satisfação. Se não se conformar com o que tem, vai ser tragado impiedosamente pelo ambiente em permanente luta – se, depois de se conformar, não se inconformar, entrará em estagnação e morte.
*** A razão por que não podemos entender como a oração atua é o fato de que “entender” representa um “menos”, algo individual, unilateral – ao passo que a oração em si mesma tem que ver com um “mais”, com a ordem cósmica, universal, onilateral, com o grande TODO. O “menos” não pode jamais “compreender” (prender, abranger, totalmente), mas tão-somente “entender”, e assim a maior parte do “compreender” fica fora da sua zona e jurisdição. Por isto, o benefício da oração é certo, mas o modo como ela atua é incerto, e nunca será certo, à luz do intelecto analítico. A oração nunca será objeto de uma investigação ou técnica científica. O mundo fenomenal jamais poderá compreender o mundo numenal, embora este domine aquele. Pela oração, o homem, primeiramente, entra para seu interior, para dentro da Realidade; daí ele toma rumo ao mundo exterior, levando consigo a luz de dentro e transfigurando com esta luz todas as coisas do mundo externo. Graças a essa completa identificação com a Última Realidade, a oração superior adquire, ou antes recebe, uma compreensão total da Realidade, que é Sabedoria Cósmica, Sabedoria que, até essa data, lhe era oculta. O requisito preliminar e a condição sine qua non desse estágio superior de experiência é não somente uma caridade geral, no sentido ético, mas também uma irrestrita reverência e lealdade para com todas as formas de vida. Essa constante e espontânea afirmação de todas as formas de vida, irradiações da Vida Universal, cria na alma um clima de profunda paz, uma completa ausência de ansiedade, e, por isto, uma alegria e uma beatitude que ninguém conhece que não tenha submergido nesse luminoso oceano da Suprema Realidade. Para o homem identificado com a Suprema Realidade já não existe, nem pode existir, medo, porque medo supõe inferioridade, que nasce da ignorância – ele, porém, é um sapiente, Essa experiência divina, que é o fruto maduro da oração, faz o homem totalmente livre, e, portanto, onipotente. Por meio da oração volta o homem, perifericamente disperso, a um TODO central; e esse sentir-se-um com o grande TODO lhe dá indizível segurança e felicidade. Todo o dualismo causa insegurança-e infelicidade. Pela oração, eu me afasto do pluralismo do mundo objetivo e incerto e me aproximo do monismo do mundo subjetivo e certo. O resultado desse afastamento do caos não é monotonia, mas sim harmonia.
Mas só o verdadeiro iniciado sabe o que é harmonia; para os outros é apenas uma bela palavra ou um lindo ideal. A oração me faz saborear o grande Além-de-dentro – que é o grande Além-defora; depois de cruzar a fronteira da minha consciência. “Eu e o Pai somos um”...
A FASCINANTE AVENTURA DA ORAÇÃO SUPERIOR A prece, nos seus estágios superiores, aparece sempre aureolada de um tal ou qual espírito aventureiro – a tendência de abandonar o que é familiar, confortável, facilmente compreensível e atingível, e o anseio de explorar mundos ignotos e dificilmente conquistáveis. Velhas garantias e seguros tradicionais são ultrapassados, e, em lugar deles, surge o espírito pioneiro de uma grande mobilidade através de zonas de estranha incerteza inicial. Desaparecem os estreitos trilhos do instinto rotineiro e aparecem as tateantes interrogações do vasto mundo da fé... Desperta na alma outonal a tendência migratória da sua íntima natureza... Sem saber exatamente para onde vai, sente a necessidade de abandonar as conhecidas querências de antanho... Não há largas avenidas em perspectiva – há tão-somente ínvias florestas a desbravar, desertos anônimos a cruzar, onde, de longe em longe, aparecem rastos incertos de algum solitário viajor que por aí tenha passado em tempos idos... Mas a alma migratória confia em sua intuição divina... A oração, humilde e intensa, lhe é um fio de Ariadne através de todos os labirintos... Com efeito, a íntima essência da oração superior é suprema libertação. É a voluntária renúncia a velhos hábitos rijamente solidificados através de séculos e milênios... Assim, em tempos pré-históricos, deve o homem dos sentidos ter lutado, no processo da sua intelectualização, para se emancipar de hábitos subconscientes em prol da sua entrada no mundo consciente... A transição da estreiteza e passividade da consciência gregária, própria de todos os rebanhos humanos, para a consciência individual, e desta para a consciência universal – é um drama multimilenar de estupenda grandeza e tragicidade, desde os abismos do homem meramente sensitivo, através dos planos do homem mental rumo às alturas do homem espiritual – e não há nada que lhe possa garantir êxito nessa jornada ascensional senão a verdadeira oração. Há, nessa silenciosa epopéia, uma sucessão de trevas e de luzes. Da noite total dos sentidos para a penumbra do intelecto.
Da semi-luz matutina do intelecto, através do misterioso eclipse da fé, para o sol meridiano da experiência direta de Deus. É esta a fascinante aventura da oração superior...
OS SANTOS PROVAM A VERDADE DUMA IGREJA? O argumento de que uma igreja que produz santos seja santa em si mesma, como igreja organizada, é insustentável à luz da lógica imparcial. Os verdadeiros santos pouco ou nada têm que ver com os arranjos artificiais duma organização, que, em qualquer hipótese, é uma criação da inteligência. Os dirigentes duma organização eclesiástica são, não raro, extremamente maus. Francisco de Assis e Tomás de Aquino viveram, ambos, no século 13, ambos dentro do mesmo organismo eclesiástico – mas são de gênio tão diverso como o dia e a noite, e os dirigentes da igreja desse tempo pertencem aos piores que a história conhece. O teólogo napolitano, de acordo com a mentalidade da época, aprova e defende, em sua “Summa Theologiae” e “Summa contra Gentiles”, a liceidade da pena de morte e do extermínio violento de hereges – ao passo que o poverello da Umbria, na sua vasta intuição mística, é amigo de todos os seres vivos do mundo. Há santos em todas as religiões – o que não prova que essas religiões sejam boas como um todo. Santidade é atributo do indivíduo, e não duma coletividade.
VERDADEIRA CATOLICIDADE Todo o verdadeiro monoteísta, ou melhor, monista, que realize pela ética a sua mística, é genuinamente “católico”, quer dizer, “universalista”. Católico nãouniversalista é pseudo-católico. Nenhum dos grandes místicos da chamada igreja católica concorda com a cosmologia e teologia dessa igreja – ao passo que todos concordam admiravelmente com a orientação espiritual de seus irmãos de outras religiões, mesmo fora do Cristianismo organizado. Há uma grande afinidade entre os maharishis da Índia e os sufis da Arábia, por um lado, e os verdadeiros místicos cristãos, quer católico-romanos, quer evangélico-protestantes. Todos pertencem à “comunhão dos santos”, à “irmandade branca dos irmãos anônimos”. São João da Cruz, por um triz foi condenado como herege, e o texto dos seus livros espirituais, por muito tempo, apareceu mutilado pela
autoridade eclesiástica. Luiz de Granada esteve quatro anos nas cadeias da Inquisição por causa da sua explicação do “Cântico dos Cânticos”. Meister Eckhart, o maior dos místicos medievais, sempre foi suspeito de heresia e seus livros foram proibidos após a morte dele. Aceitar um santo ou místico deste ou daquele grupo espiritual não equivale a aceitar o grupo como tal, porque a santidade, sendo atributo do indivíduo, nada tem que ver com o grupo organizado. Todos os místicos do mundo, dentro e fora do Cristianismo organizado, formam uma espécie de super-ecclesia, porque representam a legítima ekklesia, palavra grega composta de ek e kaléo (chamar para fora, selecionar) e cujo sentido exato é “elite” ou “seleção”. O sentido de “igreja” não é massa, mas elite; é aquele pusillus grex ou pequeno rebanho, de que fala Jesus. A igreja é universal cósmica. Uma igreja sectária é uma pseudo-igreja. A verdadeira catolicidade cósmica abrange judeus, hindus, árabes, taoístas, budistas, cristãos, etc., suposto que eles tenham verdadeira experiência de Deus e manifestam essa sua mística divina na ética humana. O primeiro mandamento, que é a mística, e o segundo, que é a ética, sintetizam toda a religião, como diz o Nazareno.
PROCESSO DE INCUBAÇÃO A vida humana é, a bem-dizer, um processo de incubação, transição de um estado de consciência a outro. A nossa consciência espiritual, ainda hoje em estado de latência, tem de passar da sua potencialidade para a atualidade. E o calor necessário para promover essa longa incubação se chama “oração”.
A LEI DA EVOLUÇÃO O íntimo quê da evolução, sobretudo no mundo espiritual, não é segurança, estabilidade, calma, mas sim o desejo de ultrapassar todas as fronteiras da vida já vivida e conhecida – e isto significa aventura, perigo, incerteza; é o abandono de todos os Iitorais familiares e o salto mortal para dentro de um mundo totalmente ignoto. É também este o íntimo quê do amor, que deseja arriscar algo e ultrapassar o seu próprio Eu conhecido. O amor é essencialmente cósmico.
INSTINTO – FILTRO SELETIVO O instinto é uma espécie de filtro seletivo; o animal sabe com infalível certeza o que lhe convém e o que não convém. Com o advento do intelecto humano
perdeu-se esse filtro, e não pode ser reavido. Uma vez consciente, o homem não consegue voltar a ser subconsciente. Mas o seu intelecto consciente não funciona com a mecânica infalibilidade do instinto; é extremamente móvel e variável, como a corda de um violino, que pode produzir ilimitada variedade de tons e semitons, ao passo que um disco de gramofone produz unicamente os sons que estão gravados nele; o disco tem infalibilidade sem variabilidade; o violino tem variabilidade sem infalibilidade. Quando, um dia, o homem atingir a consciência cósmica, possuirá infalibilidade máxima com variabilidade máxima. Não existe instrumento no mundo material que simbolize esse estado de suprema segurança e suprema mobilidade. É o estado da harmonia cósmica, feita de unidade e diversidade.
TRÊS ESTÁGIOS DE ORAÇÃO No princípio, oramos em prol de nós mesmos, com o desejo de alcançar algum objeto que, em nossa ignorância, julgamos necessário para a nossa felicidade. Mais tarde, oramos pelo bem de outras pessoas, para as libertar de algum mal e conseguir-lhes algum bem. Finalmente, não oramos por objeto algum, mas tão somente pela progressiva identificação do sujeito individual Eu com a Realidade Universal, Deus. E todo o nosso desejo se resume no anseio de estarmos muito tempo na luminosa presença de Deus, assim como a planta deseja estar envolta e penetrada pela luz solar. Todo o nosso impuro desejo de “ter” acabou no puro desejo de “ser”. E então só conhecemos esta grande melodia: Deus, santificado seja o teu nome... venha a nós o teu reino... seja feita a tua vontade...
EMBRIÃO MATERIAL – EMBRIÃO ESPIRITUAL O embrião material do homem leva 9 meses para seu desenvolvimento no seio materno – o embrião espiritual leva cerca de 900 meses, ou 70 anos, para atingir suficientemente evolução, independente do seio materno da natureza físico-mental; mas a sua evolução continua indefinidamente.
A NATUREZA: É DEMOCRÁTICA – OU ARISTOCRÁTICA? A natureza não faz caso de massa, mas sim de elite. Produz milhões e bilhões de seres inferiores, para, finalmente, produzir um único ser superior. A massa
serve apenas de pedestal para a elite. A vasta horizontal tem de servir à alta vertical. A natureza visa qualidade, e para isto ela se serve de quantidades. Isto é aristocracia? Ou, quem sabe, antes hierarquia...
PODE VOCÊ SOLVER O MISTÉRIO DA VIDA? Pode dizer-me por que está aqui? Donde veio? Para onde vai?... Pode dizerme a última razão de todo esse sofrimento?... Pode uma lagarta solver o problema da sua vida? Pode dizer-nos por que vive a comer sem cessar? Por que morre? Porque repousa no interior do casulo? Não! A lagarta não pode dar resposta a essas perguntas, porque não sabe o porquê dos seus atos; só depois de virar borboleta, e olhando para trás, é que pode solver os enigmas da sua vida de lagarta. E você julga poder saber agora por que vive, sofre e morre? Você, que ainda é muito “lagarta”? Solver de verdade só se pode de cima para baixo, não de baixo para cima, só do superior para o inferior, e não vice-versa. Agora, meu amigo, você pode apenas crer numa solução definitiva – saber só pode depois de passar para um plano superior de experiência e vivência.
DEUS MANDA DOENÇAS? Jesus admite a relativa imperfeição do Antigo Testamento: “Foi dito aos antigos – eu, porém, vos digo”... “Eu não vim para abolir a lei e os profetas – mas para levá-los à perfeição.” Uma das maiores imperfeições da Lei Antiga é a idéia de que Deus mande aos homens doenças para os “castigar”. Jesus ensina que as doenças são “obras de, Satanás”, isto é, da inteligência não devidamente iluminada pelo espírito. “Não tornes a pecar, para que não te aconteça coisa pior.” “Tem confiança (disse ao paralitico) os teus pecados te são perdoados”. No caso da mulher encurvada havia 18 anos, afirma o texto sacro: “Satanás a mantinha presa, havia 18 anos” – Deus, – ou Satanás?... O nosso Lúcifer intelectual, mal orientado, transgride as leis da natureza, que são as leis de Deus; e provoca doenças – o Cristo divino em nós derrota o nosso Lúcifer e promove a cura. Se doenças fossem provas do amor divino, por que não consta de uma única doença de Jesus?
Verdade é que, uma vez doentes por causa da nossa inteligência unilateral, o melhor, que podemos fazer é aceitar o sofrimento como castigo e remédio, a fim de alcançarmos redenção.
O “PAI NOSSO” EM ARAMAICO Aparece em afirmações positivas, e não em pedidos. Pai nosso, que estás nos céus! Santificado é o teu nome. O teu reino vem. A tua vontade é cumprida na terra como nos céus. Tu nos dás hoje o nosso pão de cada dia. Tu nos perdoas as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores. Tu não nos induzes em tentação. Tu nos livras do mal.
ANÁLISE PSICOLÓGICA E SÍNTESE METAFÍSICA Estas duas ciências, aquela do Ocidente, esta do Oriente, abrem o caminho para um conhecimento melhor de Deus e do homem. Dão, pelo menos, a linha reta que o homem deve manter para chegar ao destino, preservando-o dos inúteis ziguezagues. No princípio, o homem está numa união inconsciente com o Grande Todo, como toda a natureza inferior (o homem do Éden). Depois, entra na zona de uma desunião consciente com grande Todo (o homem nos domínios de Lúcifer). E, finalmente; sobe às alturas duma união consciente com o Grande Todo (o homem no reino do Cristo).
CURA PELO PODER ESPIRITUAL Por que é tão rara, hoje em dia, a cura espiritual? Quando é evidente que Jesus legou esse carisma a todos os seus discípulos? É porque o mundo cristão de hoje não é realmente crístico, salvo raras exceções. Uns professam um Cristianismo puramente externo, liberal, de simples conveniências sociais, sem nenhuma convenção pessoal; outros pertencem a um Cristianismo estreitamente sectário. Estes são verticais sem horizontalidade, aqueles são horizontais sem verticalidade; nenhum deles é vertical-horizontal, isto é, crístico ou cósmico. O verdadeiro discípulo de Cristo deve possuir profunda experiência de Deus e vasta benevolência para com todos os filhos de Deus – então terá ele nas mãos o poder de Deus e curará qualquer doença física e mental. Profundidade e amplitude são o segredo do poder.
POR QUE SEGUIMOS GUIAS ESPIRITUAIS? Em última análise, quem se entusiasma por um guia espiritual, entusiasma-se por seu próprio Eu divino ou Cristo interno, porque, potencialmente, todo homem é o que alguns já são atualmente. Dentro de cada um de nós dorme um gênio metafísico e místico; quando então aparece, no plano objetivo, um gênio espiritual, nós sentimos, nas incônscias profundezas da nossa natureza humana; que aquilo somos nós em germe; percebemos o eco de uma voz longínqua, as vibrações de uma luz, o calor de um fogo que também está em nós, mas ainda implicitamente, quando naquele gênio espiritual esse fogo já arde explicitamente. Todo combustível – lenha, carvão, gasolina, etc. – é fogo potencial, assim como o fogo é combustível em estado atualizado. “Se o olho não fosse solar – diz Goethe – jamais poderia contemplar o sol.” Da mesma forma, se a alma não fosse divina ou crística, jamais poderia responder à voz de Deus ou do Cristo. Por isto, o cristianismo – ou “cristismo” – da alma humana entra em vibração quando outra alma, já em adiantado estado de cristificação, aparece no cenário – assim como a semente, no fundo da terra, começa a vibrar quando percebe, em plena escuridão, as misteriosas vibrações do calor solar. Em última análise, o nosso guru ou guia espiritual externo é o nosso Eu divino ou Cristo interno, personificado casualmente no mestre A, B ou C.
COMO PODERIA EU GOZAR NO CÉU – QUANDO OUTROS SOFREM NO INFERNO? O homem comum, de visão curta e sentimento obtuso, pode achar compatível a idéia de um céu eterno para ele e seus amigos com a consciência de um inferno para outros seres humanos – ao passo que o verdadeiro místico, ou homem cósmico, não se sente plenamente remido e bem-aventurado enquanto sobrar um único ser humano ainda irredento e em sofrimento. Para ele, não pode haver céu e inferno, mas tão-somente céu ou inferno. A tese teológica de que os bem-aventurados mereceram o seu céu, e os condenados mereceram o seu inferno é tranquilamente aceita pelos profanos, exotéricos e analfabetos da experiência cósmica – mas atua como horripilante monstruosidade sobre a apurada consciência de qualquer homem que tenha chegado à experiência da paternidade única de eus e da fraternidade universal da humanidade. Como poderia eu sentir-me integralmente salvo – enquanto um só dos meus irmãos humanos continua ainda necessitado de salvação? Um bem-aventurado capaz de gozar o seu céu, sabendo que milhares de seus irmãos estão sofrendo o seu inferno, deve ser mesmo um requintado egoísta. Se assim fosse, eu, por mim, simpatizaria mais com os egoístas no sofrimento infernal do que com os egoístas no gozo celestial. Quando deixará a nossa teologia de ser tão unilateralmente teórica e se tornará onilateralmente cósmica?...
AMOR FRUSTRADO “Se amor fosse simplesmente atração sexual, um superficial sex-appeal, não poderia haver verdadeira frustração, nesse plano, porquanto o mundo está cheio de seres masculinos e femininos, de maneira que, falhando um, o frustrado ou frustrada poderia escolher outro – e acabaria a frustração. Mas o verdadeiro amor é algo muito mais além do simples macho e da simples fêmea. No mundo animal não há frustração, porque não existe verdadeiro amor. Quanto mais humano é o homem ou a mulher, maior possibilidade existe para uma frustração amorosa trágica, mortífera. O verdadeiro amor é algo cósmico, místico, único e irrepetível, do qual não se pode fazer, sem mais nem menos, uma segunda ou terceira edição; ele está para além do nosso alcance; é algo que nos “acontece”, e não está em nosso poder fazer com que “aconteça” pela segunda ou terceira vez. Algo se partiu nesse delicado cristal da alma que amava, e não há conserto... Se os nossos romances e películas
cinematográficas substituem, em cinco ou dez minutos, um amor por outro amor, provam apenas a sua horripilante superficialidade, e, para cúmulo do nosso barbarismo civilizado, essa banalidade é considerada como um progresso...
EXPERIÊNCIA CÓSMICA É algo para além da mística, ou então uma mística universal. O místico foge do mundo para se encontrar com Deus, mas o homem da experiência cósmica penetra tão profundamente na alma do universo, que atinge o Deus do mundo no mundo de Deus. Naturalmente, não é o homem que realiza essa experiência – ela lhe “acontece” com um contato vital com a própria Vida do Universo. Daí por diante, todo o seu antigo “dever” ético se transforma num novo “querer” místico, numa fome e sede, num flamejante entusiasmo, numa irresistível paixão por essa estupenda Realidade que está para além de todos os nomes, como a Vida, o Espírito, o Amor, a Beatitude... Para o mundo profano em derredor, esse homem deve necessariamente parecer um louco ou alucinado, um anormal – e, de fato, anormal ele é, se por normal se entende essa cegueira habitual dos inexperientes e essa insensibilidade paquidérmica dos profanos. Esse homem é normal “para cima”, supra-normal, e não anormal “para baixo”, infra-normal, como certos doentes. Mas, como o homem comum nada sabe do supra-normal, ao passo que tem algum conhecimento do infra-normal – que admira que coloque o supra-normal no plano dos infra-normais? Cada um pensa e fala segundo a medida do seu conhecimento – ou da sua ignorância, porquanto “o conhecido está no cognoscente segundo a capacidade do cognoscente”. O homem normal pode conhecer o infra-normal, que para ele é um “menos”, mas não pode saber o que seja supra-normal, porque é para ele um “mais”. Ninguém pode conceber coisa maior do que ele mesmo é; o nosso “ser” é a bitola do nosso “conhecer” – agere sequitur esse (o agir segue o ser). Entretanto, são esses homens de experiência cósmica os únicos que garantem a continuidade do fogo da espiritualidade sobre a face da terra. São como impetuosos incêndios de fogo autônomo, de cuja alma os outros recebem luz e calor, alguma centelha ou algum clarão emitidos pelo vasto incêndio da experiência cósmica desses poucos que alimentam os muitos.
TRANSUBSTANCIAÇÃO NA ERA ATÔMICA Com a afirmação de que, na hóstia consagrada, não exista mais a substância do pão, mas existe a substância do corpo de Jesus, aventurou-se a teologia eclesiástica na perigosa vizinhança da física nuclear. Nos outros dogmas, puramente espirituais e transcendentes, não existe esse perigo; estão a salvo de qualquer experiência de laboratório ou reator atômico. A física nuclear dos nossos dias não admite substâncias, no plural; conhece uma única substância, que, segundo a matemática de Einstein, é a luz universal. Substâncias, no plural, seriam as diversas formas da luz, como, por exemplo, os 92 elementos naturais da química, desde o hidrogênio (H) até ao urânio (U). Entretanto, é possível provar experimentalmente que, após a consagração, a substância do pão continua presente na hóstia, inalterada, e não foi substituída por nenhuma outra substância. Logo, no plano objetivo, ontológico, não houve nenhuma “transubstanciação”, como o dogma afirma. Objetam os fiéis que a verdadeira substância do pão não é acessível às experiências de laboratório, que atinge apenas os acidentes, como a cor, o sabor e o cheiro do pão. É absurda essa evasiva. Ninguém se pode alimentar de acidentes dessa natureza – mas quem comesse suficiente número de hóstias consagradas poderia viver desse alimento; idem, quem bebesse bastante vinho consagrado ficaria bêbado. Logo, ainda persiste a substância do pão e do vinho, como aliás, é fácil verificar por uma análise química. Entretanto, não negamos a presença real do Cristo sob essas espécies; mas essa presença é criada pela fé do crente, é uma presença subjetiva, e não objetiva. Portanto, uma presença fictícia, ilusória? De forma alguma! As criações da nossa fé não são irreais; são até mais reais que as coisas objetivas. O sujeito consciente é muito mais poderoso do que os objetos inconscientes, ou apenas subconscientes.
MATEMÁTICA FÍSICO-MENTAL VERSUS MATEMÁTICA ESPIRITUAL No plano físico-mental, o efeito é diretamente proporcional à sua causa; se bato um prego com 10 graus de força ele entrará na madeira numa profundidade correspondente exatamente a esses 10 graus. Coisa análoga também acontece no terreno mental. O resultado é diretamente proporcional à atividade do agente.
No plano espiritual, porém, não acontece o mesmo; aqui, o resultado é diretamente proporcional à passividade, e inversamente proporcional à atividade do agente. Por quê? Porque, no mundo físico-mental, o homem é a verdadeira causa eficiente do resultado; há um rigoroso paralelismo entre causa e efeito – ao passo que, no mundo espiritual, o homem é apenas condição preliminar do resultado. Aqui se requer receptividade, e quanto maior for esta receptividade tanto maior será o efeito, cuja verdadeira causa está alhures, no Infinito, no Universal, no grande Todo, em Deus. Receptividade – que é isto? É uma passividade dinâmica (e não simplesmente estática); é, por assim dizer, uma “vacuidade faminta”. O homem tem de criar dentro de si esse “vácuo de sucção”, que atrai a plenitude. Essa “vacuidade faminta” é a “fé” – a plenitude é a “graça”. Não basta esvaziar-se dá consciência do ego, é necessário também clamar pela plenitude de algo além do ego. Esse “algo” e, geralmente, chamado “Deus”; mas, como é tanto transcendente como imanente, esse Deus é idêntico ao meu eterno Eu, ao meu Cristo interno, ao “espírito de Deus que habita em mim”, no dizer de São Paulo. Quanto mais o homem se esvaziar do seu pequeno ego, tanto mais será plenificado pelo grande Eu; já não viverá ele (o ego) humano, mas o Cristo (o divino Eu) viverá nele. Esta receptividade dinâmica é, aliás, o último segredo de todas as coisas grandes – também nos gênios da ciência e da arte. O homem é talento na proporção da sua dinâmica atividade – e é gênio na razão da sua dinâmica passividade. Aquela é o clamor do pequeno ego – esta, a voz do grande Eu. “Sê quieto – e sabe que eu sou Deus!” “Em quietude e confiança está a tua força.” Em muda súplica, ergue a planta ao sol as verdes mãozinhas de suas folhas heliotrópicas, orando, a fim de receber vitalidade e beleza; a medida da sua vitalidade depende do grau da sua receptividade solar. A matemática físico-mental é meramente “transitiva, atuando “linearmente” – a matemática espiritual é “transitiva-reflexiva”, e atua “esfericamente”, isto é, cosmicamente.
PENSAMENTO E SENTIMENTO Tudo na vida opera sob o signo do pensar e sentir. Aquele é luz, este é força. A luz mostra o caminho – a força põe em movimento. Pensar sem sentir é fraqueza – cria teoristas. Sentir sem pensar é cego – cria fanáticos. Pensar e sentir é um poder luminoso, uma luz poderosa – cria o homem cósmico.
CONHECE-TE – E CONHECERÁS OS OUTROS! Quem conhece intuitivamente o seu próprio Eu divino conhece, dentro desse reflexo de Deus, também os outros reflexos divinos, seus semelhantes – e conhece até os reflexos divinos do mundo infra-humano. Neste sentido, tinham razão os antigos filósofos da Grécia, quando diziam “ánthropos métron pânton” (o homem é a medida de todas as coisas); porquanto a íntima essência de todas as coisas é Deus; uma vez conhecido em mim, esse reflexo divino se me torna conhecido em todos os seus recipientes, humanos ou infra-humanos; o meu próprio conteúdo divino é a chave que me revela Deus em todos os outros contenedores divinos. Esta verdade é equidistante do dualismo separatista e do panteísmo identificador.
A VERDADEIRA CATOLICIDADE – ESSA DESCONHECIDA Por ocasião da comemoração do “dia do papa”, disse o arcebispo de Porto Alegre, V. S., com muita oratória e pouca verdade: “Suspiramos pela hora em que o mesmo Evangelho que se anuncia na catedral de São Pedro em Roma, seja proclamado na igreja do Castelo de Wittenberg, na Hagia-Sophia de Constantinopla e na Igreja Alta de Westminster.” Resumiu, num engenhoso paralelismo, os quatro setores históricos do Cristianismo: o setor romano, protestante, ortodoxo e anglicano. Mas esse “suspiro” não se realizará, enquanto não se operar uma mudança radical no setor a que o sr. arcebispo pertence. Se na basílica de São Pedro,
em Roma, fosse proclamado o Evangelho de Jesus Cristo, sem adições nem deduções, estaria removido um dos grandes obstáculos que dificultam a verdadeira Catolicidade, isto é, a Universalidade do Cristianismo. Mas, onde quer que prevaleçam interesses de classe sobre a causa sagrada da Verdade, é impossível essa Catolicidade. A Verdade não tem partido nem credo, não conhece classes nem interesses; ela é universal como a luz, a vida, o espírito. Qualquer aditamento restritivo à gloriosa palavra “católico” ou “universal” adultera o sentido dela; não pode haver “catolicidade romana”, assim como não pode haver “universalidade parcial”. Só pode haver catolicidade sem aditamento algum, universal, ilimitada, irrestrita. Enquanto o sacerdócio continuar a ser uma profissão, em vez dum puro ideal, não é possível o triunfo do Evangelho, nessa sociedade eclesiástica. Toda a sociedade tem por base o direito; mas direito é sinônimo de egoísmo. Se Jesus tivesse fundado uma sociedade eclesiástica baseada na idéia do direito, não seria a sua igreja o reino de Deus, mas sim uma criação do egoísmo humano. Suspiramos pela hora feliz em que todos os parcialismos eclesiásticos se fundam no universalismo do Cristo!... Na verdadeira Catolicidade do reino de Deus...
O SEGREDO DA CURA PELA FÉ É fato histórico universalmente reconhecido que as forças espirituais do homem curam doenças corporais e mentais. Jesus recomenda a seus discípulos essa terapia como normal e única, e todos os grandes mestres espirituais da humanidade afinam pelo mesmo diapasão. Em que consiste essa cura pela fé? Consiste simplesmente na firme convicção e profunda experiência de que o homem – tanto o curador como o curado – é, no seu íntimo ser, perfeita saúde e sanidade; que o seu verdadeiro Eu é o “espírito de Deus que nele habita”, no dizer de São Paulo; que a íntima essência humana é idêntica à essência do próprio Universo, que é o próprio Deus. Ora, é evidente e lógico que a essência de Deus e a alma do Universo não possam estar doentes; Deus e o Cosmos são perfeita saúde e sanidade. Quem é que está doente? Doente está algo que eu tenho, e não aquilo que eu sou; algo nas minhas periferias, no meu ego ou na minha persona, é que está desarmonizado – mas
eu sou perfeita saúde e sanidade, porque eu, na minha essência, sou a essência de Deus e do Universo, que não estão nem podem jamais estar doentes. A cura consiste, pois, em re-harmonizar o meu ego externo com a harmonia do meu Eu interno; fazer o meu ego humano (persona) à imagem e semelhança do meu Eu divino (indivíduo). Se eu conseguir essa re-harmonização, estarei curado. Mas como realizar esse processo? Aqui é que bate o ponto! Antes de tudo, não basta pensar, nem simplesmente querer essa reharmonização, porque tanto o pensar como o querer são do ego, que é fraco e está doente – doente não cura doente. É necessário que eu viva integralmente esse processo de re-harmonização – e essa profunda vivência é do meu verdadeiro e divino Eu, que não está doente, e pode, portanto, curar o ego doente. Mas é precisamente aqui que terminam todas as teorias e técnicas. Aqui não há mestre nem discípulo – aqui deve atuar uma profunda e misteriosa vivência ou experiência da última realidade do próprio homem. Por que é tão rara e tão difícil essa profunda vivência da verdade sobre o nosso verdadeiro Eu? É porque o regime do nosso ego é multimilenar, da parte dos nossos antepassados, e conta com alguns decênios, da parte da nossa própria vida individual – e esse ego personal é visceralmente separatista: sente-se como algo separado do grande Todo divino-cósmico, e isto precisamente por ser “persona”, palavra latina para “máscara”. Assim como a máscara que o ator usa no palco para desempenhar o papel do rei, do ladrão, do assassino, etc., não é o seu verdadeiro indivíduo ou Eu, mas tão-somente o seu pseudo-Eu ou ego – da mesma forma o nosso ego representa um papel separatista, falso, quando a verdadeira natureza do homem é in-separatista ou indivídua, isto é, indivisa, não-dividida, não-separada do grande Todo. O separatismo permite doença – o in-separatismo exclui doença. A transição da ilusão do separatismo, criado pelo ego, para a verdade do inseparatismo, criada pelo Eu – é nisto que consiste o último segredo da cura pela fé. A cura pela fé é, na realidade, uma cura pela Verdade – assim como a doença vem da in-verdade, ou do erro.
Enquanto o ego separatista se mantiver nessa ilusão e nessa prepotência, e enquanto o Eu for vítima da sua impotência, nada via acontecer; a doença continua, porque continua o erro. Só quando o Eu conquistar plena vitória sobre o ego, derrotando as trevas do erro com a luz da Verdade – então terminará a doença, porque a Verdade é essencialmente libertadora. O exercício diário da meditação abismal, isto é, a intensa e diuturna focalização do verdadeiro EU SOU, ajudará grandemente a aplainar o caminho, enfraquecendo a ilusão do ego e fortalecendo a verdade do Eu. Além disto, o que, não raro, é decisivo nesse processo é um grande sofrimento, porque o sofrimento, devidamente compreendido e espontaneamente aceito, possui uma extraordinária força purificadora e redentora; purifica-nos do erro e redime-nos para a verdade. No dia e na hora em que eu aceitar plenamente a verdade sobre mim mesmo, serei curado de todas as minhas enfermidades, filhas da ignorância e do erro. “Conhecereis a Verdade – e a Verdade vos libertará.”
O MAIS PROFUNDO DESEJO DO HOMEM Qual é? O sexo – diz Freud. O poder – exclama Nietzsche. Riquezas – opinam muitos. Nada disto representa o supremo e mais veemente desejo do homem. É o anseio de se ultrapassar a si mesmo, o grau de evolução em que ele se acha agora e atingir um plano possível, porém ainda distante. O que o homem de hoje atualizou não representa ainda 10% das suas potencialidades latentes. Todo homem sente, de algum modo, obscura e longinquamente, que ele não é plenamente o que poderia ser, que as suas potências implícitas são muito maiores do que as suas realizações explícitas. Sente também, ou adivinha com seguro instinto, que nessa direção está a sua felicidade, a consecução do seu grande destino. Esse cosmotropismo da sua ignota e abismal natureza não deixa o homem descansar. De fato, o homem é muito mais aquilo que pode vir a ser do que aquilo que ele é, no plano das suas realidades objetivas e históricas. A sua verdadeira
“natura” é aquela coisa “na(sci)tura”, aquilo que vai nascer, porque foi concebido e anda em gestação no seio misterioso do seu ser. O homem é muito mais as suas idéias e os seus ideais do que as suas realidades conhecidas. Se a Madalena do Evangelho tivesse sido realmente aquela “pecadora pública possessa de sete demônios”, como diz mestre Lucas e como afirmava a opinião pública, nunca teria vindo a ser aquela ardente discípula do Nazareno; da era, certamente, aquela pecadora, no foro externo, no “átrio dos pagãos” e dos profanos, isto é, no plano histórico das suas realidades objetivas acessíveis ao público – mas no foro interno, no sancta sanctorum do seu verdadeiro ser, ela era pura e virgem. E quem sabe se ela, tão pouco virgem de corpo, não era muito mais virgem de alma do que as mais castas virgens do seu tempo? Com muitos homens se havia ela acasalado – mas não casa com nenhum deles; as suas verdadeiras núpcias foram celebradas unicamente com o “Filho do homem”, e não com os filhos dos homens... O Nazareno enxergava para além de todas as realidades objetivas do corpo da Madalena e contemplava a atitude subjetiva de sua alma. Sabia o que ela era atualmente, impura – mas sabia melhor ainda o que ela era potencialmente, pura. Mas... o que aí vai escrito é perigoso para os profanos – só deve ser lido pelos iniciados... Para aqueles é veneno – para estes é alimento.
AGONIA DAS PRIMAVERAS Com este título encontrará o leitor um capítulo no meu livro Problemas do espírito, que trata por extenso do assunto deste parágrafo. Por que é que todos os grandes movimentos espirituais desmerecem e decaem da sua pureza e poesia inicial, na razão direta em que se distanciam da sua origem? É porque os epígonos dos gênios cósmicos que iniciam essas torrentes de espiritualidade, não possuindo a mesma inspiração divina, substituem essa falta por organizações humanas, que exigem mentalização e verbalização, em forma de estudos jurídicos e burocráticos. Ora, toda e qualquer mentalização analítica e toda a verbalização material é necessariamente uma deturpação de degradação. A verdade do contato direto com Deus, 100% genuína e virgem na sua origem intuitiva e envolta em profundo silêncio e anonimato, não, pode ser manifestada sem que perca grande parte da sua pureza e autenticidade. Essa sacralidade inicial, vivida por algum profeta, místico ou vidente, quando exteriorizada, perde o mais belo dos seus encantos. Também, como seria
possível apanhar uma borboleta e espetá-Ia num museu sem que ela perdesse o mais delicado da sua etérea beleza? Como seria possível dizer com palavras humanas aos homens aquilo que o santo nem soube dizer em místicos arroubos a Deus?... Todo pensar é profanação. Todo falar é prostituição. Somente a intuição espiritual, impensada e indita, é que é pura e virgem. Quando uma revelação de Deus chega a ouvidos humanos, já foi duplamente adulterada – e terceira deturpação lhe acontecerá, provavelmente, ao transpor o limiar da consciência alheia. Deixou de ser fogo real, para se converter num fogo pintado. Pior ainda quando essa revelação divina é passada de boca em boca, escrita, traduzida, interpretada repetidas vezes, em diversas línguas. No fim, é ela tão impura e adulterada com as águas dum rio, quando, após um percurso de milhares de quilômetros, atingem o seu estuário final. E quem poderá discriminar das impurezas humanas a pureza divina? Somente alguém que possua experiência divina igual à do gênio espiritual que, de início, recebeu essa mensagem da Divindade. Quando então essa revelação divina é, juridicada e burocraticamente, elaborada e organizada e posta a serviço dos interesses humanos – então atinge a estupração dessa vestal celeste o ínfimo grau da sua degradação. E é, em geral, nessa forma que as grandes religiões chegam ao conhecimento das massas. Que admira que muitos, e dos melhores, não queiram saber de “religião”? Que a considerem “ópio para o povo” e ridícula “superstição”?... É bem de admirar que ainda haja, sobre a face da terra, quem se entusiasme pela religião, depois de tão horripilantes deturpações. Se a alma humana não fosse inextinguivelmente crística em sua íntima natureza, como poderia ela descobrir ainda o Cristo dentro do nosso cristianismo? Através de todas as agonias causadas pelos erros humanos, vislumbra a alma os fulgores da Verdade divina...
AUTO-REALIZAÇÃO – OU ALO-REALIZAÇÕES? Disse alguém ao grande apóstolo japonês, Toyohiko Kagawa, durante uma longa enfermidade do mesmo: “Deve ser aborrecido ficar inativo por tanto tempo.” Ao que Kagawa respondeu: “De forma alguma! A minha principal atividade consiste em me realizar a mim mesmo, e isto me é perfeitamente possível durante a doença.” Realizar-se a si mesmo – ou realizar coisas fora de si!... Aqui é que a humanidade se divide em dois campos. São milhões e milhões os homens que consideram a sua principal, talvez única, tarefa, aqui na terra, realizarem alguma coisa no mundo externo – um edifício, uma fábrica, uma máquina, uma invenção, um grande capital, ou então uma família ou o seu próprio corpo. Pouquíssimo são os homens que se convenceram definitivamente de que a sua principal missão é realizarem-se a si mesmos, isto é, levarem à mais alta evolução e perfeição o seu divino Eu, a sua alma. Quanto às coisas externas, Deus as pode realizar sem nós, e até muito melhor; não necessita de nenhum de nós para realizar as mais estupendas maravilhas da ciência e técnica das organizações sociais e prodígios de arte. A única coisa que Deus não pode realizar sem nós é o nosso próprio Eu. Este, em virtude da nossa consciência e liberdade, está, por assim dizer, fora da jurisdição divina. Na zona onde eu sou livre Deus não manda – sou eu que mando. Nessa zona isenta eu sou Deus, autônomo, onipotente; o que eu fizer de bom ou de mau, nessa zona livre, sou eu, e só eu, quem o faz; aqui, sou eu o único responsável, porque o dom da liberdade que Deus me concedeu me isentou do alcance da sua jurisdição. Se eu não me realizar devidamente, nessa zona de isenção, ninguém me pode realizar. Fico devendo à justiça cósmica o que ninguém pode pagar por mim;
OS CARACTERÍSTICOS DO HOMEM CÓSMICO O homem que atingiu consciência cósmica: 1) é iluminado por uma luz de dentro; 2) vive numa permanente elevação moral, espontânea e fácil; 3) sentese mentalmente iluminado, porque a luz intensa da consciência cósmica lança os seus benéficos reflexos sobre a sua vida intelectual; 4) perde todo e qualquer temor da morte, porque sabe experiencialmente da sua imortalidade; 5) ultrapassa a noção do pecado e condenação, que são da zona do ego, que ele transcendeu; 6) irradia estranha fascinação pessoal, que atrai as creaturas receptivas e que se sentem bem na presença do homem cósmico.
OS DONS DA CONSCIÊNCIA CÓSMICA Com o despontar da consciência cósmica: 1) adquire o homem plena certeza de que o Universo não é um bloco de matéria morta, mas sim uma presença viva; 2) que, no seu íntimo ser e no seu externo agir, o Universo é essencialmente bom e benéfico; 3) que a existência individual do homem pode ser prolongada para além de todas as mortes. Esses conhecimentos não são o produto de estudos científicos, mas sim o resultado imediato e espontâneo de uma luz que nele está e sempre estava, embora oculta até esse momento, e agora manifesta. Graças ao despertar da consciência cósmica, sente-se o homem em qualquer ponto do Universo como no seu lar e na sua natural querência, e está sempre no coração de todas as coisas; a sua própria essência divina, uma vez plenamente vivida, vive essa mesma essência em todos, os seres, seus irmãos e amigos. Esse homem sente em si as pulsações de todas as creaturas do mundo, e por isto as pode afirmar e amar espontaneamente, sem nenhum ato de volição heróica ou senso de virtuosidade ética. Ama todos os seres com a mesma sapiência e benevolência com que Deus os ama, porque esse homem, sentindo-se um com o Deus do mundo, sente-se um também com todos os mundos de Deus.
AMOR UNIVERSAL – SEGREDO DA CONSCIÊNCIA CÓSMICA Ninguém pode atingir consciência cósmica sem que primeiro atinja amor universal, ou, pelo menos, o desejo dinâmico desse amor: A ordem ética precede à ordem metafísica e mística. Por quê? Para que o Universo possa subsistir como um Cosmos. Como assim? Se alguém adquirisse consciência cósmica antes de ter adquirido amor universal, poria em perigo a estabilidade do Universo, porque a consciência cósmica é, praticamente, idêntica ao poder universal, e este, sem o amor, seria um poder universalmente destruidor. A magia mental – que é poder sem amor – tenta destruir o Universo, mas acaba sempre destruído o próprio mago mental, uma vez que a magia é do Intelecto, e todo o Intelectualismo sem o amor é auto-destruidor.
Por isto, a sapiência da Constituição Cósmica não permite que alguém adquira consciência universal sem que possua amor universal. A chave para aquela é este. Só quem ama cosmicamente é que é maduro para saber e poder cosmicamente. O amor é o postulado fundamental da unidade e segurança do Universo. Por isto, só o Cristo, e não Satã, possui a plenitude da consciência cósmica, porque ele é amor supremo. Deus só entrega o sinete do seu poder a uma creatura de absoluta confiança e fidelidade.
QUEM COMPREENDE A DEUS IGNORA TODAS AS COISAS É esta uma das mais estranhas e paradoxais afirmações do grande místico espanhol, São João da Cruz. E, no entanto, quando bem compreendida, é uma grande verdade. “Arrebatado em êxtase – escreve ele – estava eu fora de mim, e todos os meus sentidos ficaram sem sentido. Meu espírito estava repleto de compreensão – mas eu estava para além de toda a ciência... Quanto mais eu subia às alturas, tanto menos entendia as coisas cá de baixo. É a nuvem escura que ilumina a noite. Por isto, aquele que compreende não entende nada – está para além da ciência... Quem atinge as grandes alturas aniquila-se a si mesmo, e todos os seus conhecimentos antigos lhe parecem cada vez menos e menos; a tal ponto aumenta a sua compreensão que ele não entende mais nada – porque está além de toda a ciência... E essa compreensão, que nada entende, é tão poderosa em sua veemência que nenhum dos eruditos a pode derrotar com a sua erudição, porque os conhecimentos destes nunca atingem a compreensão daqueles que nada entendem – porque estão para além da ciência... Tão transcendente e soberana é essa sabedoria que nenhuma faculdade ou ciência podem alcançar aquele que supera a si mesmo, sabendo que nada sabe – para além de toda a ciência...
E, se escutares a voz dessa soberana sabedoria, saberás que ela consiste num senso profundo da essência de Deus; é um ato da divina comiseração que nos deixa sem nada entender – para além de toda a ciência...
PARAFRASEANDO OS INICIADOS Há uma consciência local – mas há também uma consciência ultra-Iocal. “Gosto” significa para o homem comum uma coisa localizada na ponta da língua – mas para o artista significa uma experiência universal, resultado de uma certa atitude e receptividade intensa do Eu total do homem. Ninguém o pode receber de outrem, nem o pode dar a alguém. O senso artístico não é uma faculdade individual localizada num determinado órgão – é o Eu total enquanto acessível a um certo aspecto da Realidade Total; é o próprio Eu secundum quid, permanentemente orientado rumo ao Todo Cósmico. Recebemos ondas de experiência de todas as coisas ao redor de nós – do nosso povo, da nossa nação, da nossa igreja, da “comunhão dos santos” – de todos os seres para cujas vibrações se acharem afinadas as nossas antenas. Esse recebimento nada tem que ver com algum sentido físico; é algo como uma “luz interna”, uma iluminação (in-lumine, dentro da luz). Esta visão atinge as coisas pelo lado de dentro, assim como elas são, de fato, na sua realidade, e não como parecem ser segundo as suas aparências. Vêem as coisas no seu verdadeiro ser, e na sua verdadeira ordem. Essa experiência provém da completa união entre o sujeito vidente e o objeto visto. Essa união (unio, de uno), ou identificação, é possível, porque a Realidade é uma só; não há realidades. Se estou unido ao Grande Todo, e se esse Grande Todo é a essência de todas as coisas, então, pelo fato de ser um com o Todo, sou também um com cada uma das suas partes; porquanto a essência de cada uma das partes é idêntica à essência do Todo – são todos “concêntricos”. A nossa experiência sensorial não passa dum jardim de infância em face daquela outra experiência, ultra-sensorial e ultra-mental – que é a experiência do Eu central e universal. Essa experiência cósmica e panorâmica do meu Eu universal me faz, realmente, “são” e “santo”; whole e holy, heil e heilig), porque “sanidade” e “santidade” são universalidade, ao passo que “insanidade” e “insantidade” (doença e pecado) resultam duma falta de universalidade, por serem aspectos de parcialidade.
A intuição cósmica confere ao homem um senso de tranquilo poder, de profunda paz de espírito, de inefável felicidade, e, não raro, influencia outros como que pela irradiação de um misterioso magnetismo.
NO CÉU E NO PURGATÓRIO O homem de consciência cósmica, no mundo presente, está no céu – mas continua a viver no purgatório. Os sofrimentos do ego continuam, mas são permeados pela leveza e serenidade da luz interna da experiência celeste. O quê, ou fato, do seu sofrer é o mesmo que o dos outros – mas o como desse sofrer é muito diferente. Esse homem pode sofrer gozosamente, pode ser feliz no meio do sofrimento – assim como o profano pode ser infeliz no meio dos seus gozos. Por isto, o homem de consciência cósmica não pede a Deus que o liberte do sofrimento, mas que lhe intensifique cada vez mais a luz da visão interna, que, graças à sua misteriosa alquimia, transforma tudo e permeia todas as coisas externas, de maneira que estas, de opacas que eram, se tornam transparentes como límpidos cristais.
MÍSTICA E ÉTICA Nem sempre a ética do homem corresponde ao grau da sua mística, enquanto ele se acha ainda em vias de evolução. Por vezes, os seus altos vôos místicos têm de arrastar consigo o peso morto de uma ética ainda sacrificial e precária. Tão densa é a opacidade multimilenar do velho ego que a luz do novo Eu não consegue, logo de início, lucificar plenamente as paredes espessas desse invólucro egoísta – e essa incapacidade é o maior tormento para o Eu divino no homem em vias de cristificação. Por vezes, o seu humano ego geme em cruel agonia: “Pai, se possível, passe de mim este cálice sem que eu o beba!”... Mas logo o seu divino Eu ressalva: “Contudo, não se faça a minha, e sim a tua vontade”...
CONSCIÊNCIA CÓSMICA É MAIS QUE MORALIDADE Quando um homem altamente ético ou moral consegue um amor que abrange todos os seres, é isto, para ela, uma espécie de talento, ou uma virtude heróica, da qual tem plena consciência, porque é o resultado de tremendos
esforços e dolorosos sacrifícios; é o termo final de processo de auto-disciplina de longos anos. Essa suprema conquista do homem eticamente virtuoso pode gerar nele um senso de orgulho e auto-complacência. Bem diferente é a atitude do homem de consciência cósmica; não é um talento, mas um gênio, embora nem ele seja, em geral, dispensado do tirocínio preliminar da ética sacrificial. A sua consciência cósmica é algo como uma perfeição biológica, como um divino carisma. Por isto, nunca lhe vem a tentação de se orgulhar dessa grandeza, porque ela é a sua própria natureza, a regra geral do seu ser, e não apenas uma exceção dessa regra, em forma de um agir. O amor universal com que ele abrange todos os seres – o Real e os realizados – não é, para ele, uma virtude, um heroísmo ético, um talento moral, mas sim uma profunda e vasta natureza. Como ele se sente integrado no Grande Todo do Cosmos, nenhum merecimento há nesse fato de integração, porque é o seu clima, a sua atmosfera vital, a sua beatitude. Esse homem não é talentosamente virtuoso – ele é genialmente sábio.
ENTRE SCHOPENHAUER E NIETZSCHE Disse o primeiro que o desejo fundamental do homem é a “vontade de viver” (der Wille zum Leben); proclamou o segundo que o mais profundo anseio do homem é a “vontade de dominar” (der Wille zur Macht). Schopenhauer disse meia verdade – Nietzsche enunciou uma verdade total, embora talvez num sentido unilateral. O certo é que nenhum ser, menos de todos o homem, se satisfaz com o simples fato de viver, todos o homem, se satisfaz, no plano horizontal, e continuar a viver onde está. Quanto mais consciente de si é um ser, tanto mais se transforma o seu simples desejo horizontal de viver numa linha ascensional de viver poderosamente, porque poder é felicidade, e a plenitude do poder é a plenitude da felicidade. Em última análise, toda a felicidade consiste fundamentalmente num senso de poder, que dê segurança e liberdade, sem as quais nenhuma felicidade verdadeira é possível. Quem vive poderosamente é feliz. Felicidade é vida abundante. E essa vida abundante é impossível na fraqueza; exige poder. Entre a linha horizontal do simples viver e a linha vertical do viver poderosamente são possíveis inúmeras linhas ascensionais, de maior ou menor grau de distanciação da horizontal e aproximação da vertical. Uma minhoca no fundo da terra, comendo humus a vida inteira, deve viver bastante satisfeita, porque as suas potencialidades rumo à vertical são mínimas, uma
vez que a sua consciência se acha no ínfimo grau de autonomia. Não sabemos até onde vai a “vontade de dominar”, der Wille zur Macht, de uma minhoca. Mas, uma águia no espaço ou um leão na floresta revelam uma “vontade de dominar” notavelmente superior, porque vivem mais abundantemente, e seu grau de felicidade deve ser muito maior que o de um verme da terra. Está na íntima natureza do homem viver abundantemente. “Eu vim para que os homens tenham a vida – disse o maior dos mestres da humanidade – e que a tenham na maior abundância.” Todo homem tem o veemente desejo de se realizar plenamente, isto é, de atualizar as suas potencialidades, como dizemos em terminologia filosófica; o anseio de ser explicitamente aquilo que ele já é implicitamente, de ultrapassar o plano evolutivo em que hoje se acha e subir a um plano superior, mais sentido e intuído do que propriamente sabido e inteligido. Quanto mais consciente de si se torna o homem, tanto mais ele adivinha que sua existência compreende numerosas etapas evolutivas, que ele tem de passar por muitas metamorfoses, nascimentos, vidas e mortes – assim como uma lagarta, depois de nascer do ovo sabe biologicamente que terá de morrer como lagarta, nascer como crisálida, e depois morrer como crisálida e nascer como borboleta; sabe que a sua epopéia vital é uma sucessão de luzes e treva, de expansão e contração, de atividade e passividade, de vigílias e dormências – rumo a uma meta que a consciência individual do inseto ignora, mas que a consciência universal do cosmos conhece desde o princípio dessa cadeia evolutiva. O inseto, como aliás todos os seres infra-humanos, não vivem propriamente mas são vividos pela grande vida cósmica; têm vida, mas falta-lhes a vivência; não possuem autocracia vital, toda a sua vida é alo-crática; não se governam, mas são governados pelo impacto da grande Vida Universal do Cosmos. E por isto também não são responsáveis por seus atos – o responsável é o próprio Cosmos. Esses seres alo-cráticos, ou exo-cráticos, não conhecem ética, nem para a direita nem para a esquerda, nem para o bem nem para o mal, porque ética supõe auto-cracia, auto-nomia, endo-cracia. Só com o advento do homem começou, neste planeta Terra, o fenômeno da autonomia do ego, e, portanto, a consciência ética, a possibilidade do bem e do mal. Mas o homem eticamente consciente dos nossos dias sabe que ele é um viajor de regiões longínquas, um peregrino do Infinito; sabe que, por mais que ele se tenha distanciado do mundo infra-humano – do mineral, do vegetal e do animal – muito distante se acha da meta final, da plena realização de todas as suas potencialidades latentes. E talvez que haja dois seres humanos que se acham no mesmo ponto de evolução ascensional; uns realizaram 10 graus, outros 20, outros talvez 50 graus de despertamento das suas potências dormentes.
Parece que, até hoje, um único homem atingiu a plenitude da sua perfeição, e por isto se chamava ele o “filho do homem”, quer dizer o pleni-homem, o homem integral. Se a lagarta pudesse raciocinar, quem sabe se não teria medo de se enclausurar no misterioso invólucro da crisálida – que é o ataúde da lagarta e vai ser o berço da borboleta? Felizmente, a grande Inteligência cósmica pensa pela lagarta, e assim a pequena inteligência do inseto não teme a morte, porque uma voz de dentro lhe diz que este ocaso de hoje é o prelúdio da alvorada de amanhã.
SOLUÇÃO ÚLTIMA DE TODOS OS PROBLEMAS Resume-se essa solução suprema, mais ou menos, nos seguintes termos: Homem, renuncia ao eu pessoal e submerge no nós universal – esse nós que, em seu primeiro estágio, se chama humanidade, e, no último, Deus. São os dois mandamentos, o primeiro do amor de Deus, e o segundo do amor do próximo. Mas, na execução prática, temos de começar pelo segundo, que é o mandamento da ética, a fim de atingirmos o primeiro, que é o mandamento da mística. Uma vez passado pela mística, a ética difícil e compulsória se transforma na ética fácil e espontânea – e então está solucionado o último problema da vida humana. Para atingir essa meta, ó homem, observa o seguinte: Não exijas nada – sempre pronto para tudo! Não reclames direitos – cumpre somente obrigações! Não te arvores em credor de alguém – considera-te devedor de todos! Não te delicies em perdoar ofensas – esquece-as! Não procures receber e ser servido – dá e serve onde puderes! Mantém dentro de ti um clima de serena tranquilidade que se revele em suave benevolência para com todas as creaturas de Deus! Realiza com a maior perfeição e com jubiloso amor todos os teus trabalhos, sem jamais esperar reconhecimento, aplausos, gratidão, nem aguardares resultados visíveis! Se assim fizeres, o teu velho ego protestará, indignado, afirmando que a tua vida é um absurdo e tu és um tolo; pois, como poderias renunciar ao maior
triunfo de milhares e milhões de anos de evolução, que é o teu ego? Que valor teria ainda a tua vida sem os encantos do ego, que se nutre de elogios, aplausos e resultados palpáveis dos seus trabalhos? Esse protesto, não te esqueças, é o protesto de um cego ou dum míope. O teu ego é incapaz de perceber que, na realidade, essa “renúncia” não é uma perda, mas sim um lucro, não um menos, sim um mais; entregas um 10 para receberes um 100. O pequeno ego, porém, devido à sua pequenez, não percebe que o 10 está contido no 100, e que este é um gloriosa ambição daquele. O grande Eu divino em ti sabe dessa matemática cósmica, que o pequeno ego humano ignora. Por isto, o grande Eu divino tem de se manter firme e inabalável, no meio de todos os protestos, porque é pelo bem do próprio ego que seja dirigido pelo Eu, pois assim ganha em vez de perder. É o maravilhoso “Stirb und werde!” de Goethe. É o glorioso “Se o grão de trigo não morrer...”, do divino Mestre.
A NOITE TENEBROSA DO MÍSTICO É este, talvez, o mais inexplicável fenômeno que todo místico conhece, na sua jornada ascensional rumo a Deus: depois de alcançar total purificação, depois de atingir elevado grau de iluminação, pouco antes de cruzar a misteriosa fronteira para a definitiva união com Deus – passa ele pela chamada “noite tenebrosa da alma”. São João da Cruz e sua grande discípula, Santa Tereza de Jesus, são mestres na descrição desse fenômeno. Dizem os psicólogos que essa treva é uma reação do cansaço causado pela passagem através dos dois primeiros estágios evolutivos, da purificação e da iluminação, que, necessariamente, precedem a União. Entretanto, a mais profunda razão não é apenas psíquica, e sim mística ou cósmica. Em transição para a definitiva união com o Infinito, ocorre um egocídio, a morte irrevogável do “homem velho”, e esse morrer é experimentado como uma escuridão, como um eclipse total da personalidade separatista e luciférica. De resto, não pode haver experiência genuína do mundo espiritual sem o “batismo de sangue”, sem a passagem pelo “mar vermelho” de um grande sofrimento – e a morte definitiva do ego é, sem dúvida, o maior dos sofrimentos. O sofrimento é o último e supremo fator de iniciação. Depois que o homem compreendeu tudo que era compreensível, tem de ser aniquilado, reduzido a zero, antes de poder ver o Todo. Se entre a vida consciente do ego
e a vida superconsciente do Eu não medeasse o abismo do nada, do absoluto niilismo, que se revela como sofrimento, poderia a subsequente união com Deus parecer o produto de alguma engenhosa ou genial atividade do ego; mas, depois que este foi reduzido a zero, crucificado, morto e sepultado, nenhuma tentativa pode haver de o homem considerar as núpcias místicas da alma com o divino Esposo como algo merecido ou produzido pela personalidade do ego. Para que essa união mística apareça em todo o esplendor da verdade daquilo que ela é na realidade, isto é, uma puríssima graça de Deus – deve a grande escuridão acampar no limiar do santuário. “Para que nenhum homem se glorie...” Depois de passar por essa treva espessa, está a alma definitivamente adulta e madura para ingressar no reino de Deus. Aqui está a linha divisória entre a espiritualidade meramente devocional de certos místicos poéticos e líricos – e a experiência criadora de uma alma que, de fato, foi empolgada pelas veementes tempestades de Deus. Há, na genuína experiência mística, algo profundamente trágico, quase mortífero; a alma, chegada a essa fronteira última entre dois mundos, sabe e sente que se trata de vida ou morte, que é chegado o momento da grande crise, de uma decisão suprema, da qual não há regresso... Escusado é dizer que uma experiência dessas causa profundas modificações também na vida externa do homem. Quando alguém, após esse encontro com Deus, volta ao meio da sociedade, no princípio não enxerga nada, não compreende mais a linguagem dos outros, embora veja e ouça tudo materialmente. A sua alma continua distante, muito distante... Depois, obrigado a retomar o fio da sua vida profissional, tem a impressão de estar num jardim de infância, ou num teatro de fantoches... Por que toda essa correria em derredor? Por que essa desenfreada lufa-lufa, a pé, de carro, de avião a jato? Que querem esses bonecos humanos? Será que têm de realizar algo de importante? Evidentemente, são vítimas de uma alucinação coletiva, que eles tomam muito a sério... Ninguém sabe, propriamente, por que corre, grita, ri, chora, gesticula, acumula dinheiro e mais dinheiro... Será que eles não percebem que estão montando museus de zeros?... Esses homens importantes parecem-se com formigas que tiveram desmanchado o seu formigueiro e põem-se a correr estonteadamente em todas as direções, sem saber por que e para quê... “O meu reino não é deste mundo”... É esta a voz que ecoa, sem cessar, na alma do místico que teve o seu encontro com Deus. E, se alguém lhe oferecesse “todos os reinos do mundo e sua glória”, não se daria ele ao trabalho de estender a mão para se apoderar
dessas sombras e dessas bonecas de celulóide, que formam o cobiçado alvo da desenfreada lufa-lufa e das guerras dos profanos... Deslocou-se o seu centro de gravitação... A sua órbita deixou de ser geocêntrica, egocêntrica – tornou-se heliocêntrica, teocêntrica, cosmocêntrica... Perdeu de vista as praias e os litorais de outrora e deixou-se arrebatar pelas exultantes ondas dos mares de Deus... Para onde? Não interessa saber... Deus o sabe – e isto basta...
PARTURIÇÃO MÍSTICA Entre a iluminação da alma e sua definitiva unificação com Deus, jaz o tremendo mistério da parturição do homem cósmico. No meio dessas dores de parto agoniza a alma, sofrida de Deus e sofrida de si mesma... Outrora, sabia o homem algo sobre Deus – e isto era delicioso; agora sabe ele a Deus – e isto é terrífico, porque esse saber é um viver e um ser – e isto é algo mortífero – e vivificante... Essa alvorada de Deus é o ocaso do ego – a “noite tenebrosa” da desegoficação, a queda no vácuo, o naufrágio no vasto oceano da divindade, o regresso à eterna origem... Tenho de des-nascer do ego, para o qual outros me fizeram nascer, decênios atrás – a fim de poder re-nascer para Deus ... Tenho de me tornar conscientemente a Realidade que sou inconscientemente. O meu semi-eu tem de se tornar um pleni-Eu – e isto é agonia, que submerge na morte, para emergir na vida...
REGRESSANDO DE DEUS PARA O MUNDO Ah! como me tornei flexível e plasmável, depois que passei pelas mãos de Deus! Como me sinto leve e luminoso e desprendido de tudo!... Parece que vou roçando apenas, mui de leve, com asas de andorinha, as coisas da vida material... E que halo estranho envolve tudo que me rodeia!... Os objetos, antes tão opacos, parecem todos transparentes, como se dentro deles ardesse uma luz...
Estou de amores divinos com o mundo inteiro... Tudo que vejo, ouço e sinto me parece uma discreta mensagem d‟Ele, meu divino Amor, um murmúrio dos seus lábios, um aceno dos seus olhos, um eco da sua voz, uma pulsação do seu coração, um presente das suas mãos... Este mundo é tão belo, depois que vi a eterna Beleza... E eu me sinto imensamente livre... E Verdade me libertou... Foi abolido o inferno, desde que o paraíso tomou conta de mim. Também, como poderia haver inferno lá onde Deus está?... A onipresença do céu eclipsou a presença do inferno... Foi também abolida a morte, pois como poderia haver morte, lá onde impera a vida? Abolida foi a presença do pecado pela onipresença do amor. Pecado, morte, inferno – em parte alguma! Amor, vida, paraíso – por toda a parte!
NÃO SOU ALTRUÍSTA! “Altruísmo” é uma palavra equívoca e perigosa. “Alter” quer dizer “outro”. Será que eu devo amar os outros em vez de me amar a mim? Fazer uma permuta de amores? Absolutamente não! Devo amar a todos assim como me amo a mim. Se eu não amasse a mim, não teria norma para o amor aos outros. Devo ser absolutamente solidário no meu amor. Devo amar-me em tudo e tudo em mim. Eu e o Universo somos um. Sinto em mim as pulsações da vida universal, e faço pulsar no universo a minha própria vida. Eu vivo a vida cósmica, e a vida cósmica me vive e vitaliza. A palavra “altruísmo” sugere algo como hipocrisia, virtuosidade, orgulho espiritual, farisaísmo auto-complacente. Se eu amasse algo ou alguém em vez de mim, deixaria de amar a mim mesmo – o que seria profundamente inético e anti-cósmico. Eu devo afirmar tudo o que Deus afirma – mas Deus me afirma com o mesmo amor com que afirma a todas as outras creaturas. Com que direito, pois, poderia eu des-afirmar, e até negar, algo que Deus afirma? Será que eu sou mais santo que Deus? Devo eu desamar o que Deus ama?
CURRUÍRAS E MARIPOSAS AMIGAS Ontem à tarde, 3-9-1950, entre 4 e 5 horas, quando eu estava sentado no bosque lendo Yogananda, Auto-biography of a Yogi, justamente no capítulo onde o autor fala do maravilhoso cientista místico Luther Burbank, vieram de repente três curruíras, no meio de extraordinária festa de risadinhas e bater-deasas, ao redor de mim, quando não havia passarinho algum pela vizinhança; e uma delas veio pousar tranquilamente sobre o meu joelho esquerdo, olhando para mim meio minuto, com olhares interrogativos, enquanto as outras duas me olhavam lá da cerca próxima. Por que essa amizade e confidência? Será porque eu, engolfado naquele capítulo sobre um místico que conversava com a natureza como Francisco de Assis, me achava envolto em auras de simpatia cósmica?... Quando o homem vive em Deus, todas as creaturas, que também vivem em Deus, confraternizam com o homem. Desaparece a hostilidade criada pelo intelecto luciférico e aparece a amizade que nasce da razão crística; todas as longínquas transcendências se fundem numa propínqua imanência... Eu e o universo somos um... Muitas vezes, à noite, quando leio, vêm dançar sobre as páginas do livro umas pequenas mariposas vestidas de seda branca, que eu chamo “noivinhas”; pousam sobre o papel e se quedam, estáticas, vibrando apenas as minúsculas antenas. A luz as põe numa espécie de samadhi, e elas, misticamente inebriadas de luz, se sentem no “terceiro céu”. Falo com as delicadas “noivinhas” de alvíssimo enxoval, e lhes entrego a minha mensagem para o Pai de toda luz, vida e amor... Foi o que fiz também com as três curruíras.
EU ESTOU EM TUDO – E TUDO ESTÁ EM MIM Vamos substituir a palavra “Deus”, tão abusada, pela palavra “Vida”, tão querida. A Vida é a essência de todas as coisas. Eu, pelo fato de estar vivo, participo da Vida Universal, que está em todos os seres vivos. Por isto, eu vivo em todos os seres vivos, em virtude da Vida, e sou amigo de todos os meus irmãos viventes.
Fazer “milagre” é um simples corolário desta minha união com a Vida Universal. Nada é impossível a quem se torna consciente dessa universal “simbiose”, dessa grande “convivência cósmica”.
PROPINQUIDADE E LONGINQUIDADE Quando uma pessoa de consciência individual está comigo, eu sinto deleitosamente a sua tépida propinquidade – mas, quando uma pessoa de consciência cósmica está comigo, sinto-lhe, para além da grata proximidade individual, a solene longinquidade universal, sinto-a como que envolta numa aura de indefinível sacralidade... E essa bi-polaridade formada pelo perto e pelo longe dessa pessoa, de imanente amizade e transcendente majestade, me enche dum paraíso de anônima beatitude... Gozo a presença e sofro a ausência dessa pessoa – e esse gozo sofrido é algo de indescritível fascinação...
ALMA EM DIVINA GESTAÇÃO Skyland, 20-9-1950. Mais uma vez estou nestas maravilhosas alturas, em plena natureza, como no ano passado, quando minha alma gemia em dores de parto por ti, meu Deus, sempre presente e sempre ausente, sempre nascituro e jamais nascido – e minha alma sempre em dolorosa gestação... Nunca sei se, de fato, nasceste ou não, se és uma prole nata ou inata... Tenho a impressão de que és um eterno nascituro... Ontem à noite, das solitárias alturas do “Stony Man”, ponto culminante de Skyland, fui invadido por uma onda de consciência cósmica... Sentia-me inefavelmente um com o Grande Todo, fundido em compreensão e amor – e, ao mesmo tempo, sangrando dolorosamente das chagas da minha insuficiência... Estou em ti... tu estás em todos os seres... logo, eu também estou em todos os seres... Nós estamos todos em ti, nós, a tua grande família cósmica, ó Pai do Universo!... Embora todos distintos de ti, não estamos separados de ti, Espírito Divino, que unificas todas as diversidades, sem as identificares... Meu ignoto Amigo e Senhor! Ando sempre à tua procura, porque te achei, e nunca te acho plenamente. Quanto mais te acho mais te procuro, porque o meu pequeno finito anda sempre faminto do teu grande Infinito, e quanto mais me alimento de ti, tanto mais fome tenho de ti... Deus do céu! Será que esta fome progressiva que tua progressiva posse me dá não acabará por me aniquilar e dissolver em ti totalmente? Será que não acabarei em dulcíssima
eutanásia mística, diluindo-me todo em ti, ó divino Oceano sem praias nem fundo? Se assim for – adeus, pequenina onda do meu Eu! Volta em paz para donde vieste!... Deixa de existir – e volta a ser... Desprende-te das praias da efêmera existência e afoga-te nos abismos da eterna Essência... Adeus!... Que o meu pequeno Eu, limitado de nome e forma, se dilua no infinito Pélago, sem nome nem forma!... Nirvaniza-te, pequeno Algo, abisma-te no Nada, no seio do grande Todo!... Des-nasce para o teu existir individual e nasce para o Ser Universal!... ............................................................................................................................... E minha alma continua em gestação, sofrida de Deus – e sofrida de si mesma...
AÇÃO – ADORAÇÃO Duas asas que me levam às alturas. Que vale ação sem adoração? Que vale adoração sem ação? Que vale atividade? Que vale passividade? Só vale passividade dinâmica – imensa vacuidade invocando intensa plenitude. Adoração é a mais alta forma do amor, o “primeiro e maior de todos os mandamentos”, é a grande vertical da mística divina, sem a qual todas as horizontais da ética humana são estéreis. Todo o meu externo agir poderia ser feito por Deus, e muito melhor – mas o seu interno adorar e amar não pode ser feito por Deus em meu lugar. Tanto vale a minha ação quanto vale a minha adoração. As minhas ações são outros tantos zeros sem o algarismo positivo “1” da minha adoração, que valoriza com a sua plenitude todas as vacuidades dos zeros: 1 000 000. Na própria palavra “adoração” está contida a palavra “ação”, como parte integrante dela; e no meio, entre “adoração” e “ação”, está “oração”, elo mediador que une a mística e a ética. Adoração, oração, ação...
EM PERSPECTIVA – OU EM PANORAMA? Toda verdade espiritual é falsa, quando analisada intelectualmente, porque é vista em perspectiva, e não em panorama. Quando contemplo um círculo obliquamente, o círculo me aparece como elipse, tanto mais alongada quanto mais oblíqua for a minha posição; quando contemplo em perspectiva duas linhas paralelas, como os trilhos duma estrada de ferro, essas paralelas aparecem como convergentes. Todos os nossos conhecimentos, físicos e mentais, nos aparecem em perspectiva linear, unilateral, devido à imperfeição das nossas faculdades cognoscitivas. Mas uma verdade conhecida espiritualmente aparece em visão panorâmica, assim como ela é de fato, parecida com uma visão esférica, onilateral; é uma “intuição”, ou visão de dentro, porque é a visão da própria essência. A visão mental não pode ser corrigida por si mesma, senão apenas por uma visão superior, intuitiva, panorâmica.
O ILOGISMO DA CONSCIÊNCIA MÍSTICA Exigir que a mística seja lógica é absurdo, porque parte duma falsa premissa – suposto que entendamos a lógica no sentido tradicional, intelectual. Nenhuma experiência mística pode ser intelectualmente lógica, sob pena de deixar de ser mística. Toda mística é necessariamente ilógica. “Credo quia absurdum” – estas palavras do grande Tertuliano contêm uma grande verdade. O objeto da fé é necessariamente absurdo, ou ilógico, isto é, ultra-intelectual. Não pode haver fé na zona da inteligência. Do ponto de vista científico, o estado místico é flagrantemente ilógico, acientífico, porque não concorda com a lógica científica do intelecto. Tudo que é cientificamente lógico não é real, mas aparente, porque a ciência trata apenas dos fatos, mas não da realidade. Os fatos estão para a realidade assim como um objeto refletido no espelho está para esse reflexo.
ESTUPRO ESPIRITUAL Querer impor a outros uma crença ou experiência espiritual é crime de violência ou estupro, e isto em dois sentidos. Primeiro, porque nenhuma experiência espiritual coincide com a Realidade.
Segundo, porque a Realidade experimentada por A não pode ser experimentada por B ou C do mesmo modo, uma vez que cada indivíduo experimenta segundo a sua capacidade individual a Realidade Universal. Esse estupro espiritual é, talvez, o maior crime que certas igrejas dogmáticas cometem contra a humanidade, consoante a norma “Crê ou morre!”
QUIETUDE É PUREZA Como tornar clara uma água turva? Deixando-a quieta – e ela se clarificará por si mesma. Todo o ruído, tanto físico como mental, é impureza e profanidade – ao passo que o silêncio e a quietude são pureza e sacralidade. Depois de dois ou três dias de contínuo silêncio e meditação, entra a alma numa grande receptividade espiritual, de maneira que qualquer sementinha de verdade brota com espontânea facilidade. O terreno à beira da estrada, entre pedras ou no meio dos espinheiros, se transforma em terra fértil, arada, adubada, chovida, como aquela da parábola do semeador que produziu 30, 60, 100 por um. Deus é eternamente inativo – e, no entanto, não deixa nada por fazer. Homem! Pratica inação – e não haverá nada que não possa ser feito! Deixa que cada coisa siga seu curso natural e não interfiras com coisa alguma – e tudo sairá certo! Todas as coisas da natureza operam silenciosamente – e Deus é o rei do silêncio...
COMPREENDER É SER Não fales de oceano a uma poça d‟água! Não fales de gelo a uma cigarra de estio! Não fales de astros a um tatu! Não sabes que ninguém pode compreender coisa maior do que ele mesmo é?
VERDADES PARADOXAIS Se quiseres ser grande – humilha-te! Se quiseres ser sábio – aceita parecer tolo! Se quiseres ser livre – serve voluntariamente! Se quiseres viver – morre antes de ser morto! Se quiseres ser feliz – renuncia à tua felicidade!
MINHA CONSCIÊNCIA É O MEU MUNDO Nada sei do mundo objetivo, lá fora – só sei do meu mundo subjetivo, dentro de mim. O meu mundo começa e termina lá onde começa e termina o meu consciente. Embora existam milhares de mundos, objetivamente – para mim só existe o mundo da minha experiência subjetiva; os outros são inexistentes para mim. Se a minha consciência grau 10 se alargasse para grau 20 ou 50, tão diferente seria a minha filosofia sobre o universo!
EXPERIÊNCIA E MÍSTICA DA NATUREZA O verdadeiro místico se torna um com o grande Todo e com cada parte desse Todo – um com Deus e um com qualquer creatura de Deus. O profano, quanto mais goza tanto mais incapaz se torna de gozar, e, por fim, expira o último resquício da sua capacidade de gozar – e então só lhe resta um inferno de tédio, o manicômio ou o suicídio. O próprio gozo impossibilita o gozo – é esta a maldição de todo o gozo profano. O místico, porém, graças à bendita disciplina da renúncia, abre infinitas portas para um gozo intenso e puro e sem fim. Deus é um, como a luz incolor, mas as revelações de Deus são sem conta nem medida, como as cores criadas pela luz, e cada novo aspecto de Deus causa nova alegria ao homem espiritual. O verdadeiro místico exulta ao contemplar uma pedrinha, um inseto, uma ave, um peixe, uma planta, uma gota de orvalho, porque vê a Realidade eterna através dessas roupagens efêmeras. Celebra a sua liturgia cósmica em milhares de catedrais, sobre inúmeros altares.
Ó folhinha de capim! como te agradeço porque existes!... Ó besourinho verde-claro! como sou feliz porque tu vives!... Ó nuvens do céu! como alegrais a minha existência!... Ó florzinha à beira da estrada! bendita sejas pelo bem que me fazes!... Ó ventos e chuvas, relâmpagos e pirilampos, montanhas e mares! que seria a minha vida sem vós?... Recebei, todos vós, o preito da minha gratidão, porque existis na minha existência!...
O HOMEM INFINITO O homem não é um ser finitus, findo, acabado – ele é infinitus, não-findo, nãoacabado, porque ele é uma sinfonia inacabada. Os problemas duma lagarta não acabam com a lagarta, mas sim com a borboleta, porque a lagarta é uma sinfonia inacabada. A lagarta é a borboleta “infinita”, não finda, por acabar... Quanto mais me aproximo do Infinito, menos finito me sinto e mais desperta em mim a consciência do meu ser “infinito”, inacabado... Quanto mais me aproximo da Luz, mais largas e espessas são as sombras que projeto após mim, porque mais nítida se torna a consciência da minha finitude... O teu Infinito, Senhor, intensifica em mim a consciência da minha finitude – quanto mais te gozo mais te sofro... Quanto mais te possuo, mais te procuro... Quanto mais me delicio em ti, mais fome tenho de ti, Senhor...
EU E O UNIVERSO SOMOS UM Hoje, pelas 10 horas da noite, ao voltar do meu solitário Shangri-la, no bosque de Washington, após intensa meditação, parei uns momentos, no meio do trilho que conduz ao campo da Universidade onde leciono – e sobreveio-me intensa luz, que me envolvia e permeava, uma luz imaterial de dentro... E fui inundado pela grande Verdade, que é suprema Felicidade, de que eu e o Universo somos um... Vivia a minha íntima união com Deus, que parecia total identidade... E, como Deus é a essência de todas as coisas, também eu estava essencialmente em todas as coisas, vivia em cada uma das creaturas de Deus
ao redor de mim, que estavam em mim – pedras, plantas, insetos, aves, ar, terra, música de grilos e cigarras – meus irmãos, minhas irmãs dormentes, semi-dormentes... E eu, o único irmão maior vígil, acordado, no meio desse misterioso dormitório de Deus... Boa noite, irmãozinhos, irmãzinhas!... Eu vos faço participantes da minha consciência maior... Ponho-vos todos sobre o altar do meu Eu consciente, em grato odor ao meu Deus e vosso Deus, nosso Pai e nosso Senhor. E celebramos a nossa inefável liturgia cósmica, no meio de grande silêncio e solenidade... Eu e o Universo somos um...
QUANDO MORRE O “DEVER”... Uns nunca chegaram a conhecer o imperativo do “dever”. Outros conhecem-no e procuram agir de acordo com ele. Outros ainda agem em perfeita harmonia com o seu “dever”, mas nada sabem desse senso compulsório, porque toda a sua consciência está empolgada por um delicioso e espontâneo “querer”. Estes resolveram o problema central da vida: querer o dever. Eles sabem o que Gandhi quis dizer com as estranhas palavras: “A Verdade é dura como diamante – e delicada como flor de pessegueiro.” A objetiva dureza do dever se lhes converteu na subjetiva delicadeza do querer... Esses estão definitivamente remidos de todas as irredenções... Deles é o reino dos céus...
RELIGIÃO E MORALIDADE Não há nenhum nexo direto entre religião e moralidade, contanto que como religião se entenda a mística, a experiência cósmica da Infinita Realidade. Indiretamente, é verdade, a moralidade é beneficiada pela religião, como também esta se desenvolve melhor no ambiente daquela. A religião, o “primeiro e maior de todos os mandamentos”, se refere diretamente a Deus; a moralidade, o “segundo mandamento”, semelhante, mas não igual àquele, tem que ver com os nossos semelhantes.
O homem religioso se abisma em Deus, goza a Deus, sente-se um com Deus, dilui-se num oceano de amor e beatitude, com toda a alma, com todo o coração, com toda a mente e com todas as suas forças. A moralidade prática pode ser estabelecida independente de qualquer religiosidade, embora, nesse estado a-religioso, a ética nunca deixe de ser difícil e sacrificial: por isto, muitos homens procuram ser éticos por vaidade e ostentação, ou pela inconsciente necessidade de encontrarem um substituto e lenitivo para sua falta de religião; não raro, o ateísmo vem enflorado de filantropia; a caridade procura encher os vácuos do Amor, reprimindo com perfumosos anódinos os sintomas de um mal cujas raízes profundas continuam a viver... Depois de passar pela experiência mística, o homem continua a ser ético, mas a sua ética perdeu o colorido moral do “dever”; esse homem já não é ético por virtude, por um imperativo categórico de consciência, “tu deves”, mas sim como um suave e espontâneo transbordamento da sua experiência com Deus, “eu quero”... Não ama a seu semelhante como a si mesmo porque veja nisto uma obrigação moral, um preceito ético, mas simplesmente porque o mar do seu amor divino lança suas ondas impetuosas sobre todas as praias e ilhas humanas e infra-humanas dos arredores... Esse homem faz o bem por ser bom, nem pode deixar de fazer o bem, porque o seu ser-bom é a sua íntima natureza, que ele, finalmente, descobriu. A sua alteridade ética no meio dos homens não é incompatível com a sua identidade mística com o grande Todo da Divindade, porque ele vê todas as partes nesse Todo. Solitário em Deus, não pode deixar de ser solidário com todas as creaturas de Deus, porque vê o Deus do mundo no mundo de Deus. A ética meramente horizontal e humana enquadra o homem na sociedade – mas a experiência mística vertical torna o homem indizivelmente feliz, e a sua benevolência e beneficência humana não é senão o impetuoso transbordamento dessa sua profunda e anônima felicidade. Na simples ética humana, o homem apenas dá, e isto é doloroso, porque é sinônimo de perder e empobrecer. Na mística divina, o homem recebe, e por isto pode dar jubilosamente e sem limites, porque esse dar humano nascido do receber divino é lucro que faz enriquecer. No recebimento místico, a alma concebe como esposa do Infinito. Na distribuição ética, a alma dá à luz como mãe no meio de muitos finitos. Na concepção mística, o homem recebe muito das profundezas do tesouro cósmico.
Na distribuição ética, o homem dá um pouco do seu pequeno ego humano.
GUARDA O QUE TENS – E PASSA ALÉM! É esta a grande lei do processo evolutivo! Conforma-te com os elementos positivos da tradição – e depois desconformate e procura conformar-te com os elementos positivos da evolução! Conformidade e desconformidade! Satisfação e insatisfação
CREDO DINÂMICO Não pode haver credo estático, passivo. O meu crer depende do meu poder, e o meu poder depende do meu ser individual. Ora, o meu ser está em contínuo crescimento; logo, também o meu poder e meu crer são processos dinâmicos, em contínuo crescimento. Quem crê hoje apenas aquilo que creu ontem, quem aos 50 anos crê apenas o que cria aos 5, e nada mais, sofre de paralisia infantil – ou então virou múmia! Quem hoje crê mais o que cria ontem, goza de vigorosa saúde espiritual e moral.
O TODO É SIMULTÂNEO – AS PARTES SÃO SUCESSIVAS Os estágios sucessivos da nossa consciência são aspectos parciais do grande Todo total e simultâneo. Um viajante da Arábia, montado num elefante, encontrou-se com quatro cegos. Cada um deles quis saber o que era um elefante. O primeiro apalpou a tromba do animal, e concluiu que elefante era um tubo roliço e flexível. O segundo tocou-lhe nas enormes orelhas, e achou que elefante era uma espécie de chapa. O terceiro puxou-lhe o rabinho, e disse que elefante era algo parecido com uma corda.
O quarto tentou abraçar-lhe a volumosa barriga, e opinou que elefante era uma espécie de barril. Por fim, falou o viajante montado no paquiderme e declarou que elefante não era nada disto, embora tudo aquilo fizesse parte do animal. Faltava aos cegos a intuição do Todo orgânico e vivo. Também como poderia uma análise sucessiva e parcial compreender o Todo simultâneo e total? Como poderia um homem armado de ferramentas puramente intelectuais saber o que é o Espírito divino?
MECANIZAÇÃO DA NOSSA CULTURA A humanidade democrática do Ocidente está vivendo um dos seus períodos mais perigosos: procura manufaturar uma cultura padronizada, pré-fabricada, feita sob medida, cultura niveladora de personalidades, que se possa servir automaticamente em pastilhas, comprimidos e injeções. “Todos são iguais perante a lei” – está certo, na ordem social. Mas, na ordem individual, não há duas pessoas iguais. A natureza não é uma democracia, mas sim uma hierarquia cósmica. À luz da nossa ele mesmo – deslumbrantes compreenderia (Seleções), do divindades.
pseudo-cultura mecanizada, ninguém mais tem o direito de ser tem de tornar-se o que os outros são. A idolatria das vacuidades atingiu o seu clímax. Do contrário, não se a popularidade de certos Best-sellers, do Reader’s Digest Rock’n Roll, da Bienal, de Pelé, Brigitte Bardot e outras
O homem moderno abdicou da sua personalidade e se amorfizou na massa. Depois de falsificar todos os objetos – inclusive frutas, ovos e medicamentos – o homem falsifica o seu próprio sujeito, substituindo o seu critério pessoal pelo clichê da opinião pública. Certos dissidentes se revoltam contra a infalibilidade do Papa ou da Bíblia – mas o homem moderno, que se diz descrente, crê cegamente na infalibilidade do seu jornal, da Rádio, da Televisão, e o seu credo é pautado pela gritaria e cartazes luminosos da propaganda comercial. Compra o que os agentes de publicidade mandam comprar, porque não é ele que pensa, ele é pensado pelos outros... É proibido pensar! É proibido ser alguém!
É proibido dizer o que os outros não dizem! É proibido fazer o que o vizinho não faz! É proibido andar por caminhos novos! É proibido abrir portas fechadas! Eis aí o retrato do homem moderno, que canta hinos à liberdade – à sombra das suas prisões... Personalidade é tabu!... Outros, desejosos de ser eles mesmos, caem em exotismos não menos ridículos. Julgam-se livres, mas não conseguem dar à sua liberdade um conteúdo criador. São livres de alguma coisa – e não sabem para que é que são livres. Para eles, liberdade é um fim em si mesmo, e não um meio para algo maior – e sua liberdade acaba em licença... Oxalá, os nossos sofrimentos, criados por nós mesmos, possam ser o prelúdio da nossa redenção! Essa redenção, porém, não vem de fora, de terceiros, nem vem das periferias do nosso ego humano, nosso carcereiro – a redenção vem do centro do nosso Eu divino, porque “o reino dos céus está dentro de nós”...
AMOR – O RETORNO AO UNIVERSAL Em qualquer espécie de amor há um misterioso elemento de “retorno ao Universal”, e, como o Universal, ou Inconsciente, é o oceano creador da vida, o amor é, por sua própria natureza, creador – é Eros, e não apenas libido. Nesse “amor creador” é que reside o segredo da alegria que sempre acompanha a vida. A vida, quando plena, é exuberante alegria. O que acontece no plano da erótica, que visa a imortalidade da espécie, dá-se também, e com muito maior intensidade, no plano da mística, que produz a imortalidade do indivíduo. A mística é a erótica do espírito – assim como a erótica é a mística da carne. O Universal é o Inconsciente, é o grande Todo Cósmico, é Brahman. Por isto, o retorno ao Universal – seja na erótica, seja na mística – é algo como embriaguez, êxtase, samadhi, arroubo, morte do pequeno ego consciente, nascimento do grande Eu oniconsciente.
O que a erótica tenta e consegue por momentos, a mística o realiza em caráter permanente. As núpcias místicas da alma com Deus são um retorno do indivíduo ao Universal, do pequeno conscientemente parcial ao grande Inconsciente total – e isto é inefável beatitude... A idéia de que esse retorno seja uma extinção (nirvana) é muito óbvia. Vigora íntima afinidade entre egoísmo e separação, por um lado, e amor e identificação, por outro. O amante, quando atinge o clímax do amor, não deseja mais existir como vida individual, quer ser como Vida Universal. Quem não quer morrer não ama. O suicídio dos amantes é perfeitamente lógico. Não há amor sem morte. O erro dos amantes suicidas está no fato de confundirem a morte física com a morte metafísica. Sentem vagamente que a desejada fusão dos dois é vedada pela barreira dos corpos, e que, se essa barreira caísse, estaria aberto o caminho para a completa fusão dos amantes um no outro. A fusão, é certo, deve realizar-se, mas não desse modo. No terreno da mística, essa morte também ocorre, não em forma de suicídio físico, mas em forma de uma eutanásia metafísica ou mística. O verdadeiro místico sabe e sente que a máscara separatista do seu ego personal o impede de realizar essa fusão da alma amante com o Deus amado, como tão maravilhosamente descreve o romance erótico-místico do Cântico dos Cânticos. Por isso, o místico é o mais radical anti-egoísta, anti-separatista, antipersonalista. Procura, de todos os modos, acabar com o velho ego – e encontra no Sermão da Montanha o mais violento veneno para o planejado egocídio; sorve com avidez essa peçonha mortífera das “Oito Beatitudes” e o resto desse documento máximo de desegoficação mística, e entra na inefável embriaguez da sua união com Deus... Quando então um místico regressa ao meio dos homens, os ecos da sua experiência com Deus jamais morrerão em sua alma; essa experiência cingelhe a vida profissional com um halo de sacralidade e permeia de poesia todas as prosaicidades da existência terrestre... A experiência mística é a suprema alquimia que transvaloriza todos os valores. O homem que, pela experiência do amor de adoração, retornou ao Universal, torna-se intensamente individual pela caridade do serviço espontâneo a seus semelhantes. E compreende o que o Nazareno quis dizer com as palavras: “Só a Deus adorarás e só a ele servirás”... O serviço que esse homem presta a seus semelhantes é um irresistível transbordamento da adoração que presta a Deus. Adorar e servir não são, para ele, duas coisas diferentes – é a mesma coisa vista por dois lados diferentes...
Adoração, oração, ação – o terceiro está contido no segundo, e este no primeiro. O homem de experiência mística é um homem de ação, porque é homem de oração e homem de adoração. Mas essas três atividades não são três, nem são coisas justapostas – são uma e a mesma coisa vista por faces várias. É o nascimento do homem cósmico...
REAL, REALIZADO, IRREAL Nestas três palavras se consubstancia todo o segredo da filosofia e da religião. Real é só o Infinito, o Universal, o Absoluto, o Todo, aquilo que é sem princípio e sem fim. Irreal é o contrário, o Nada, o Zero, a Vacuidade. Realizado é intermediário entre o Real e o Irreal. É uma manifestação do Real, um eco, um reflexo, um aspecto parcial e incompleto do Todo. O Real se relativiza e finitiza no Realizado. Brahman exterioriza-se em Maya; produz e casa-se com essa esposa cósmica, fecunda-a com sua permanente imanência, e faz do Irreal o Realizado, do Nada o Algo. E, uma vez que o Todo de Brahman está presente no Nada de Maya, essa Maya deixa de ser o Nada e se torna Algo, depois de fecundada pelo Todo. E assim o homem clarividente, vendo Maya, intui Brahman em seu seio e pode adorá-lo nessa sua inabitação. Nessa imanência de Brahman em Maya, de Deus no Mundo, está toda a fascinação na poesia do Universo. O verdadeiro iniciado não tem necessidade de sair do “deserto” desta terra para entrar na “Canaan” do céu, porque ele, graças à sua clarividência mística, transformou em oásis de vida e beleza o próprio deserto da morte e monotonia. A ignorância o fizera escravo – a sapiência o libertou...
POR QUE SOU INFELIZ? Por que fulano disse isto? Por que sicrano fez aquilo?
Por que beltrano me abandonou? É o que o meu ego afirma – mas não é verdade. Eu não sou infeliz por causa de algo que me aconteceu, por obra e mercê de terceiros – eu sou infeliz por causa de algo que está em mim mesmo e que foi despertado por acontecimentos externos. Esses acontecimentos são apenas os detonadores de um explosivo que estava acumulado dentro de mim; o veneno da minha infelicidade já pré-existia a esse envenenamento, sempre em vésperas de romper em tragédia. O pior de tudo não é essa eclosão da tragédia latente, mas é o fato de estar latente em mim essa tragédia, embora ainda em estado potencial, dormente, embrionário. E quem criou esse germe de infelicidade não foram as perversidades dos homens nem as adversidades da natureza – fui eu mesmo.
MEA CULPA, MEA CULPA, MEA MAXIMA CULPA... A minha verdadeira infelicidade é o meu egocentrismo, a minha egocracia, o fato de eu gravitar em torno do meu ego, e não em torno do meu Eu, do Deus em mim. O meu ego é muito vulnerável – o meu Eu é invulnerável. Aquele não está sob o meu controle, pode ser ofendido, vulnerado, por fora – somente o meu divino Eu é que é invulnerável de fora, totalmente imune de ataques externos; a única vulnerabilidade vem de dentro, de mim mesmo. Ninguém me pode fazer feliz nem infeliz, exceto eu mesmo, embora outros me possam dar gozo ou felicidade, que são coisas do ego, e não do Eu. Meu Eu não foi ofendido, magoado. Ninguém me pode fazer mau, exceto eu mesmo – todos os outros apenas me podem fazer mal. Receber o mal é algo que me acontece – ser mau é algo que eu sou, como também o seu contrário, ser bom. Daquilo eu sou o objeto inerme – disto eu sou o sujeito poderoso. Sermau é o único mal verdadeiro – mas isto não me pode acontecer de fora, sem culpa minha. Outros me podem fazer mal ou bem – só eu me posso fazer mau ou bom. Enquanto eu, na minha velha ignorância, continuar a identificar-me com o meu ego personal, a minha máscara, não serei solidamente feliz, porque a minha felicidade depende de algo que não depende de mim. Se qualquer fator fora de mim me pode fazer feliz ou infeliz, não sou realmente feliz...
TODOS OS MUNDOS ESTÃO AQUI O homem comum fala do “outro mundo”, e entende por esse “outro” algum lugar distante e um tempo ainda não presente. Na realidade, porém, esse “outro mundo” nada tem que ver com tempo e espaço, mas sim com o maior ou menor grau da nossa percepção. Quando sintonizo o meu aparelho de rádio por ondas longas, só percebo mensagens eletrônicas emitidas nessa onda, enquanto as outras mensagens emitidas em ondas curtas, igualmente presentes no ar, passam despercebidas, como se não existissem. O mesmo acontece com a minha percepção mental e espiritual. Se eu consigo levantar a minha frequência grau 10 a grau 11, estou em “outros mundos”, porque o meu “mundo” é aquilo que eu percebo e de que sou consciente; os outros mundos são, para mim, inexistentes. Um mundo na frequência 100, quando percebido por um recipiente igual a 10 não é 100, mas 10, os restantes 90 graus são inexistentes. Se o meu receptor captar 200, 300, 400, eu estarei num desses mundos, que sempre estavam presentes a mim, objetivamente, mas dos quais eu estava ausente, subjetivamente, por falta de sintonização. Nada sei do mundo em si – só sei do mundo em mim. Eu sou a medida subjetiva de todos os mundos objetivos. “Das Ding an sich” (a coisa em si), como diz mestre Kant, é para mim um eterno X, uma inatingível incógnita. A única coisa que sei e posso saber de qualquer realidade objetiva é o modo como ela afeta o meu sujeito. O grau da minha consciência é a bitola da minha realidade. Por isto, a grande tarefa do homem está em intensificar o poder da sua percepção, ampliar e aprofundar a capacidade da sua consciência, melhorar a receptividade da sua antena - e saberá de outros mundos. Nessa progressiva expansão está todo o meu poder, a minha grandeza, a minha felicidade.
OS TRÊS CRIVOS EM MIM O crivo dos meus sentidos tem malhas muito grandes, e por isto deixa passar muito, despercebido, retendo apenas as coisas mais grosseiras do mundo material. E são estas materialidades retidas pelos sentidos que formam o conteúdo da minha consciência sensorial. O crivo da minha inteligência apresenta interstícios bem menores, e por isto retém coisas mais sutis, que se me tornam conscientes; sei, por exemplo, da
existência de leis invisíveis que regem o universo, leis de que os meus sentidos nada percebem. O crivo da minha razão, porém, é de todos o mais fino, com interstícios tão pequeninos que quase nada lhes escapa, a não ser as realidades indizivelmente sutis. Pela razão espiritual percebo, até certo ponto, até o Infinito, o Absoluto, o Eterno, o Universal, que o intelecto não registra. Se os meus três crivos não deixassem passar nada, mas retivessem tudo, então teria eu consciência de tudo, e seria onisciente e oniconsciente como Deus. E, neste caso, os meus crivos deixariam de ser crivos, porque estariam totalmente fechados, sem interstício de espécie alguma. Eu não perceberia pelos sentidos, nem conceberia pelo intelecto, nem intuiria pela razão, mas eu seria essa própria Realidade Integral. Isto, naturalmente, não é possível, porque eu nunca poderei ser Deus. Possível é tão-somente que eu intensifique a minha experiência de Deus, que me divinize, sem me deificar, diminuindo cada vez mais os interstícios dos meus crivos e retendo cada vez mais a realidade consciente. É este o caminho da minha auto-realização.
INDIMENSIONALIDADE Os meus sentidos percebem o que é tridimensional, como os corpos materiais. O meu intelecto concebe o que é indimensional, como verdade, justiça, lei; mas essa indimensionalidade é relativa, porque ainda obedece à lei de causa e efeito. A minha razão intui o que é absolutamente indimensional, como o Infinito, o Eterno, o Absoluto, porque ultrapassou a zona da causalidade e entrou no reino da perfeita liberdade. Esse processo evolutivo – sensório-intelectual-racional – corre paralelo à diminuição da quantidade e intensificação da qualidade. Pluralidade é realidade imperfeita. Unidade é realidade perfeita. A Realidade Cósmica é qualidade una, que se revela em quantidade múltipla; a unidade de Brahman se pluraliza em Maya; a Essência divina se existencializa em seus mundos; a luz incolor do Ser aparece como luzes multicores no Existir.
EKKLESÍA Esta palavra grega (em latim ecclesia, em português igreja) é composta do prefixo ek (fora) e kalein (chamar) – chamar para fora, evocar. Ekklesía é, pois, algo que foi chamado fora, evocado, selecionado do meio duma grande massa. Ekklesia é elite, escol. Do meio duma grande massa profana são alguns homens chamados, evocados, para fazerem parte duma pequena elite: e esses homens são os “evocados”, os “escolhidos”. “Muitos são os chamados (massa), poucos os escolhidos” (escolhidos, ekklesía). O conceito de ekklesis, como se vê, não é democrático, mas sim aristocrático, ou hierárquico. O homem que pertence à ekklesía deve ser um homem-elite, deve pertencer ao escol, à nata da humanidade, não em virtude de alguma cerimônia ritual, mas sim em consequência de uma iniciação espiritual. A verdadeira ekklesía (igreja) de Deus é um circulo esotérico, hermético, místico – é a communio sanctorum, a Fraternidade Branca dos Irmãos Anônimos. Quem a ela pertence não tem distintivo nem bandeira nem credo – mas o seu modo de ser e de agir o distingue de todos os profanos.
INQUIETUDE METAFÍSICA DO HOMEM MODERNO O homem que passou por duas guerras mundiais não pode mais crer na força redentora da nossa cultura e civilização, como o podiam os otimistas do século19. Ciência, técnica, política, diplomacia, progresso, civilização, instrução, humanismo, ritualismo, nacionalismo – todas essas panacéias sofreram tremendo colapso; está provado que nenhuma delas pode salvar o homem de si mesmo, porque todas falharam e afogaram a humanidade num mar de sangue e de ódios. Nunca se sentiu o homem tão frustrado e tão cético como em nossos dias. E a perspectiva de uma nova guerra, com armas nucleares, apaga na alma do homem moderno a derradeira centelha de otimismo e esperança na sua cultura e civilização. O homem anseia por uma grande redenção...
Donde virá o seu redentor? De fora? Através de dogmas, ritos, teologias? Mas, se as próprias igrejas cristãs favorecem a guerra e invocam o seu Deus contra o Deus de seus inimigos? De dentro? Através da inteligência humana? Mas, se foi precisamente esse ego mental do homem que desgraçou a humanidade com seus egoísmos? Como poderia Satanás expulsar Satanás?... Não nos resta senão ultrapassarmos tanto os ritualismos como também os cientifismos intelectuais e descobrirmos o Cristo-redentor em outra parte. “O reino de Deus não vem com observâncias (rituais), mas o reino de Deus está dentro de vós”... “Não sabeis que o espírito de Deus habita em vos?”... Se não descobrirmos o redentor dentro de nós mesmos, em nosso elemento divino, não o encontraremos em parte alguma. A teo-redenção, a cristo-redenção surge das profundezas da alma – se é que o homem descobre esse “tesouro oculto”, essa “pérola preciosa”...
NÃO NECESSITAMOS DE NOVAS TEOLOGIAS Anos atrás, quando grande parte do clero se revoltou contra mim e meus livros, porque proclamavam Cristo-redenção em vez de clero-redenção, alguém me disse que esperava de mim que me tornasse um “novo Lutero”. É incrível a cegueira de certos sectários!... Como se o mundo tivesse necessidade de um novo reformador teológico!... A humanidade não necessita de um novo Lutero, nem de um novo Tomás de Aquino, nem de um novo Inácio de Loyola – necessita sim de homens como Francisco de Assis, como Mahatma Gandhi, como Albert Schweitzer, como Ramana Maharishi, e outros homens que tenham tido contato pessoal com Deus. A elite espiritual da humanidade já se convenceu de que a redenção não vem de fora do homem – assim como o pecado também não lhe veio de fora, embora as nossas teologias medievais, em plena Era Atômica, ainda repitam essa velha ilusão de que o homem tenha sido feito pecador por terceiro, e deva ser remido por um terceiro. Nós, porém, sabemos que de dentro do homem vem o pecado – e de dentro do homem vem a sua redenção.
Esse “de dentro”, naturalmente, tem dois sentidos. A inteligência luciférica é algo dentro do homem, é o seu ego, mas não é o seu verdadeiro centro, a sua íntima natureza. O verdadeiro centro do homem é o seu Cristo interno, o “espírito de Deus que habita no homem”, como diz São Paulo; “o reino de Deus no homem”, segundo as palavras do Nazareno, a sua “alma cristã por natureza”, como escreve Tertuliano. O homem não pode ser alo-remido, nem ego-remido, mas sim auto-remido, porque esta auto-redenção é cristo-redenção, teo-redenção. Assim, como, pela desobediência do ego intelectual, o homem se torna pecador, semelhantemente, pela obediência do Eu espiritual se torna o homem remido. O Sermão da Montanha é a Carta-Magna da auto-redenção do homem, através do seu Cristo interno. Papa, Bíblia, Reencarnação – a humanidade-massa, é verdade, ainda espera redenção desses fatores externos, heterônomos; mas a humanidade-elite só espera redenção pelo despertar do espírito de Deus no próprio homem, redenção autônoma. Quem vê “orgulho e presunção” nessa auto-redenção mostra que nada compreendeu da verdade e que continua a identificar o ego humano e pecador do homem com o seu divino e redentor. Orgulho e presunção só existem no ego – mas não no Eu crístico do homem, uma vez que esse Eu é o “espírito de Deus que habita no homem”.
ENCONTRO COM DEUS O homem está cada vez mais convencido de que todo o seu poder interno, toda a sua consciência de segurança, tranquilidade e paz de espírito, toda a felicidade da sua vida, dependem, em última análise, de uma única coisa – da sua experiência com Deus. Com esse encontro divino, ou sua falta, vive ou morre a felicidade do homem. É esta a “única coisa necessária”. Quem se encontrou com Deus é feliz, mesmo no meio dos sofrimentos – quem não se encontrou com Deus é infeliz, mesmo no meio dos gozos. “Fizeste-nos para ti, Senhor, e inquieto está o nosso coração até que encontre quietação em ti” – estas palavras proferidas, há quase 15 séculos, por um homem infeliz que encontrou felicidade em Deus, continuam a ser integralmente verdadeiras em nossos dias. É tempo perdido querer contornar o problema central da felicidade por meio de toda a espécie de escapismos e camuflagens. É melhor enfrentar corajosamente a dolorosa realidade desse inevitável encontro com Deus. É
uma operação cirúrgica sem anestesia, uma tremenda sangria do velho ego, mas o resultado é convalescença e vida... Entretanto, são pouquíssimos os homens que possuam suficiente honestidade consigo mesmos para enfrentar lealmente esse doloroso encontro com Deus. O preço da felicidade é o egocídio, o total esvaziamento do ego profano e sua definitiva integração no Eu sagrado. Despossuir-se de todas as coisas a fim de possuir um “tesouro nos céus”... “O reino dos céus é alvo de violência, e os que usam de violência o tomam de assalto.” Quem não fizer violência a si mesmo, não pode tomar de assalto o reino da felicidade. A felicidade é o preço da auto-violência, da disciplina de si mesmo. Retirai-vos, todos vós que sois indisciplinados, fracos, covardes! Vinde, todos os que sois disciplinados, fortes, corajosos! Destes é o céu da felicidade. Daqueles é o inferno da infelicidade.
MATEMÁTICA E MÍSTICA Tudo que é perceptível pelos sentidos é material. O material, porém, é tridimensional. Todos os corpos materiais têm três dimensões: linha, plano, cubo – comprimento, largura, espessura. O ponto não é corpo material, porque não tem dimensão alguma, nem existe como tal. O ponto é o início da linha, antes de ela se mover numa direção. A linha não existe senão como limitação de um plano. O plano também não existe senão como limitação de um cubo. E o cubo existirá em si mesmo? Sem inerir em alguma outra dimensão, para além da conhecida tridimensionalidade? Não será o tri-dimensional a limitação de algo ultradimensional, indimensional?... Os nossos sentidos fazem alto na extrema fronteira do mundo tri-dimensional, mas seria absurdo supor que o mundo real comece com a tridimensionalidade – seria o mesmo que dizer que o conhecimento humano termina no jardim de infância ou na escola primária.
Quer dizer que o inferior só é perceptível como um atributo do superior imperceptível; a parte só é conhecida como um aspecto de um Todo desconhecido. Coisa análoga acontece no mundo metafísico. Ninguém pode, realmente, conhecer a parte sem ter noção do Todo. E é precisamente aqui que começa o tenebroso mistério: como posso ter noção do Todo antes de conhecer as suas partes? Não é o Todo a soma total das partes? Se assim fosse, é claro que eu não poderia ter experiência do Todo senão pela soma das partes. Na verdade, porém, o Todo não é a soma das partes, não é uma síntese de antíteses, mas é a grande TESE anterior a qualquer anti-TESE e sin-TESE, não é um Composto de componentes, mas é anterior a componentes e composto, porque é Todo simples, absoluto, que se revela e manifesta em partes várias, mas não se parte. Aliás essa palavra “partes” é inexata, porque o Todo não tem partes. Os mundos não são partes ou centelhas de Deus, como dizem os poetas. Melhor seria dizer, os mundos são como os pensamentos do grande PENSADOR (Deus). O pensamento não é uma parte do pensador, mas uma manifestação parcial do mesmo. O Todo da Essência divina se revela, sem cessar, nas suas Existências, os mundos, ou efeitos, mas esses mundos existenciais não são Deus, mas apenas uns reflexos ou manifestações finitas da grande Realidade Infinita. A Transcendência divina está infinitamente além de todas as suas Imanências finitas, da mesma forma que a Vida Universal está em cada uma das vidas individuais que dela emanam e nela permanecem, mas a soma total dos indivíduos vivos não é a Vida Universal; esta é anterior às suas manifestações individuais, e será depois de todas elas. A célebre questão sobre a “origem da vida” é, filosoficamente, uma questão absurda, baseada numa falsa premissa, uma vez que não há nenhuma origem da Vida, a Vida como tal não tem origem nenhuma, ela é essencialmente eterna, auto-existente, autônoma, porque ela é a própria Realidade Cósmica, o grande Todo, Deus. Para que o homem possa ter a intuição do Todo antes de conhecer as partes, deve ele ultrapassar a zona dos processos analíticos da inteligência, que só conhece partes; deve abismar-se no oceano da visão espiritual, que entra em contato direto com a Essência, o Real, o Todo. O conhecimento analítico intelectual falha necessariamente se não estiver baseado na intuição cósmica; só a visão simultânea do Todo explica a análise sucessiva das partes.
As partes só são compreensíveis através do seu fundamento, o Todo. A mística é uma matemática cósmica.
CREDO QUIA ABSURDUM Estas palavras do grande Tertuliano de Cartago têm sido muito mal interpretadas – e só encontram o seu paralelo no tópico “bem-aventurados os pobres de espírito”, como os traidores que se julgam tradutores reproduzem uma das palavras mais sublimes do Nazareno. Que é absurdo? Absurdo é aquilo que ultrapassa o alcance da inteligência, em grego paradoxo. Absurdo, paradoxal é algo tão grande que não cabe no estreito recipiente do intelecto. Todas as coisas geralmente grandes são absurdas; do contrário, não seriam grandes. Diz Tertuliano que só crê nas coisas que são absurdas, porque estas são grandes, ao passo que as coisas pequenas podem ser inteligidas e mentalmente analisadas, precisamente por serem pequenas. Todos os objetos da fé, isto é, da experiência espiritual, são absurdas, paradoxais. Esse absurdo não é produto do ego, mas é uma dádiva do Infinito, e o ego só pode receber esse carisma divino no caso que se desegofique e ultrapasse a sua própria estreiteza. O absurdo do Infinito é dado ao homem em momentos de grande silêncio e contemplação mística, quando a pequenez dos sentidos e do intelecto for totalmente eclipsada pela grandeza da alma divina no homem. A pequenez se compraz em ruídos – a grandeza se revela no meio de grande silêncio.
ÉDISON – E SEUS 700 FRACASSOS Antes de conseguir construir a sua lâmpada elétrica de filamentos incandescentes, o grande inventor Thomas Édison realizara nada menos de 700 experiências, que falharam. Um dos seus colaboradores, desanimado com tantos insucessos, sugeriu-lhe que desistisse de ulteriores tentativas, porque, depois de 700 experimentos, nada conseguira.
Como? Nada conseguimos? – exclamou o inventor – Conseguimos ultrapassar 700 coisas erradas, estamos bem perto da verdade. E Édison descobriu uma grande verdade, para além de centenas de erros.
SEXISMO E EGOÍSMO A igreja romana assume atitude hostil em face do sexo e sexismo – ao mesmo tempo que é laxa em matéria de egoísmo. Pode um católico ser tão egoísta como quiser, contanto que seja anti-sexualista, é considerado bom católico. A igreja romana considera a castidade, sobretudo a virgindade, como a mais alta das virtudes – no que não encontra base no Evangelho de Cristo. Jesus é muito mais anti-egoísta do que anti-sexista. Muitas das suas parábolas e dos seus ensinamentos em geral são veementes invectivas contra o egoísmo e a ganância – nenhuma invectiva contra o sexo, embora recomende a seus discípulos a abstenção sexual – “quem puder compreendê-lo compreenda-o!” Madalena, que muito pecara no plano do sexo, se torna a sua mais ardente discípula; a adúltera é absolvida; a samaritana, com seus cinco maridos e mais um amante, merece do Nazareno uma longa e profunda instrução sobre “as águas vivas que jorram para a vida eterna” e se torna uma espécie de missionária cristã na Samária. A insistência do anti-sexismo por parte da igreja romana está baseada no celibato sacerdotal. Sendo que o sacerdote é apresentado ao povo como modelo de perfeição cristã, e com ele, desde o século 11, tem de ser oficialmente celibatário, é lógico que a virgindade seja exaltada por essa teologia como sendo a culminância da santidade. Todo o anti-sexismo dessa igreja está a serviço da classe sacerdotal e do seu prestígio hierárquico perante o público. De resto, é evidente que um padre casado não é um instrumento tão manejável e dócil nas da autoridade eclesiástica como o solteiro. E – Iast not least – o sacerdote que, legalmente, não tenha família (muitos a têm clandestinamente), quando morre, não tem herdeiros necessários, e sua fortuna passa facilmente para o patrimônio da igreja. Por isto, o Código de Direito Canônico considera delito muito mais grave o padre casar pelo cartório do que simplesmente viver com mulher e ter filhos com ela, porque, no segundo caso, continua ele legalmente solteiro.
CIDADÃO DO UNIVERSO Disseram a Sócrates: “Já que és cidadão de Atenas, vive como bom ateniense.” Ao que o filósofo respondeu: “Eu sou cidadão do Universo, e procuro viver como bom cidadão cósmico.” E assim viver – na vida e na morte.
NO TERCEIRO CÉU Entre 9 e 10 da noite... No solene silêncio do meu Shangri-la... Momentos de completa libertação e indizível delícia... O meu eterno EU, liberto do peso do meu pseudo-eu, contemplava esta massa dormente, inerte, e EU pairava sobre ela, tão leve, tão luminoso, tão divino... Delicioso estado de vigília divina por cima da dormência humana... Como é possível alguém se identificar com o seu ego mortal?! Esse homem deve ser vítima de completo analfabetismo... Aleluia... Hosana...
A MORTE DE JESUS Falei com uns teólogos luteranos. Dão imensa importância ao fato histórico da morte física de Jesus no Calvário; acham que esse evento foi o clímax de toda a história da humanidade. Na verdade, porém, não merece essa morte corporal tamanha estupefação. O que havia de maior no Cristo era o fato de ele ter ultrapassado a necessidade compulsória de morrer e aceitar a morte com espontânea liberdade, porque sabia que há uma vida maior que a morte. “Ninguém me tira a vida – eu é que deponho a minha vida quando quero e a retomo quando quero.” Esse triunfo da vida sobre a morte, nascido da sua experiência divina – “eu e o Pai somos um” – é fato único na história da humanidade. A existência humana de Jesus se acha tão intimamente vinculada com a essência divina do Cristo que ele pode, tranquilamente, permitir, e até provocar a morte física. Quem vive 100% a sua imortalidade pode descer ao marco zero da sua mortalidade. Todos os seres vivos temem a morte e a evitam quanto possível,
porque nenhum deles tem plena consciência da sua imortalidade. Os seres inconscientes da natureza inferior aceitam, com relativa calma, a morte do indivíduo, porque têm o instinto biológico da sua sobrevivência na espécie, porque neles predomina a “consciência do grupo”, e não a “consciência do indivíduo”, e, como o grupo ou a espécie sobrevive, pouco importa que o indivíduo morra. O homem ego-consciente, mas ainda não cristo-consciente, tem um medo horrível da morte, porque percebe a longínqua possibilidade de uma imortalidade individual que ele ainda não realizou devidamente, e já não está satisfeito com a simples sobrevivência racial em seus filhos ou sua espécie, como as criaturas inferiores. Jesus atingira a culminância da consciência crística, e podia brincar com a vida e a morte, como um jogador de xadrez que põe as figuras ora no quadrinho branco ora no quadrinho negro do tabuleiro. A grandeza da sua morte está na grandeza da sua consciência de que não há morte para quem vive a cada momento a vida eterna. “Vem o príncipe deste mundo, mas sobre mim não tem poder – porque eu venci o mundo.” “O último inimigo a ser derrotado é a morte.”
TALENTO – E GÊNIO O homem ético, que faz o bem, é um talento – mas o homem místico, que é bom, é um gênio. Talento é técnica. Gênio é inspiração. Homem! aprende todas as técnicas da tua ética consciente – e depois esquece-as todas e cede à inspiração da tua mística inconsciente!... A Natureza é inspiração sem técnica consciente. O homem ético é técnica sem inspiração. O homem místico é inspiração que se revela em éticas; ele é bom e por isto faz bem. Talento, ética, técnicas – produtos do ego humano.
Gênio, mística, inspiração – carismas do Eu divino no homem e no cosmos; são forças de Deus canalizadas pelo eu humano...
TOLERÂNCIA – OU COMPREENSÃO? Dizer que alguém é tolerante em face de outras religiões ou filosofias, não é louvor, é censura. O homem pode ser tolerante: 1) ou por ser de absoluta indiferença em face do mundo superior, como qualquer animal ou pedra; 2) ou por desdenhar sobranceiramente as idéias dos outros. Mas, quando o homem compreende a Verdade Universal, deixa ele de ser simplesmente tolerante; sabe que a Verdade é uma só, mas que muitos são os caminhos que conduzem a essa meta final – assim como muitos são os afluentes, de águas límpidas ou turvas, que se lançam à magna torrente do Amazonas, a qual se afunda na imensidade do oceano; compreende que cada homem tem de seguir o caminho adaptado a seu gênio peculiar. Sabe que alguns dos seus companheiros de jornada estão no marco 10, outros no 20, outros no 50 da estrada – mas que importa? E eu mesmo, em que ponto estou? No marco 20, 70, 90? Esteja onde estiver, o certo é que há muitos viajores abaixo e muitos acima de mim. Por isto, eu não apenas “tolero” os meus companheiros rumo ao Infinito, eu os compreendo e aprovo; sei que estão comigo na mesma direção. Mesmo que alguns deles estejam ainda ziguezagueando, incertos, para a direita e para a esquerda, que importa? O erro também é aliado da verdade; um dia, também eles entrarão na linha reta e iniciarão a sua ascensão. O que eu posso fazer por eles é prosseguir em linha reta e ser tão bom e feliz que também eles tenham o desejo de seguir o mesmo caminho.
HOMEM, SÊ: CONFORMISTA – E INCONFORMISTA! Aceita, ó homem, tudo que há de bom nas tradições do passado e do presente – é este o teu conformismo. Mas, sê também inconformista, procurando descobrir o que há de bom e positivo no futuro. Não permitas que o teu tradicionalismo mate o teu evolucionismo, nem vice-versa! Guarda o que tens – e passa além!
GRAUS DE CONSCIÊNCIA Os seres infra-humanos possuem baixo grau de consciência. O homem adquiriu ego-consciência, isto é, ele se distingue nitidamente dos objetos, das coisas que não são o seu sujeito; cria uma atitude adversativa entre o eu e o não-eu. Acima do ego-consciente da personalidade ego-consciente existe o cosmoconsciente; o ser cosmo-consciente ultrapassa a atitude adversativa “sujeito versus objeto”; e cria uma atitude complementar, “eu e os objetos; o disjuntivo eu e o não-eu passa a ser conjuntivo eu e eles, nós. E com o despontar da consciência do nós, substituindo a consciência do eu, também tudo que era meu passa a ser nosso – e com isto se resolve o problema social da humanidade solvendo o problema individual do homem. Quando o homem passa do eu para o nós, a humanidade passa do meu para o nosso – a chave da ética social é a mística individual! Os pretensos reformadores do mundo costumam começar pelo segundo para chegarem ao primeiro, põem os efeitos diante da causa, ou, em linguagem popular, o carro diante dos bois; elaboram magníficos programas sociais e jurídicos – mas esquecem-se de que falta o homem para executar esses programas. Aprovamos em cheio a idéia de um governo mundial, de uma Corte Internacional de Justiça – mas perguntamos: onde estão os tijolos e o cimento para tão gigantesco edifício?... Nós estamos ainda labutando nas olarias, a ver se conseguimos fabricar uns tijolinhos individuais assaz resistentes para suportarem tamanho peso... Estamos alimentando a fornalha da mística, donde sairão os indivíduos depurados do último resto de egoísmo, para garantirem a ética da humanidade... Somente o homem pode resolver a problema da humanidade... Um único Francisco de Assis ou Mahatma Gandhi que tenha tido o seu encontro pessoal com Deus, vale mais que uma legião de eruditos profanos com todos os seus programas e estatutos sociais... Quem não aprendeu a ser solitário com Deus não pode ser solidário com os homens...
A vasta horizontal da ética é sustentada pela profunda vertical da mística – fora desta geometria não há salvação!...
TU ÉS O QUE PENSAS O homem é o resultado dos seus pensamentos habituais. A atitude mental cria os atos externos. Quem vive, habitualmente, em pensamentos largos e benévolos não pode praticar atos estreitos e malévolos. Por isto, cuidado com os pensamentos! Alimento para muitos – veneno para muitíssimos... A educação dos pensamentos é a base para toda a educação – e quem dá importância a esse fator primordial da pedagogia? Como pode alguém ser bom se os seus pensamentos são maus?... A “guerra-fria” dos jornais prepara a “guerra quente” nos campos de batalha; cria o combustível para ser ignificado, oportunamente. Os poderes públicos deviam proibir categoricamente qualquer hostilização mental e verbal a fim de poderem evitar hostilidade real. Mas a heresia da “liberdade de pensamento” e “liberdade de imprensa” não permite semelhante serviço de profilaxia mental e social. “Quem ventos semeia, tempestades colherá”... Nações Unidas é, sem dúvida, um belo ideal – mas nunca será sólida realidade enquanto não tivermos Mentes Unidas – o MU terá de preceder o NU. Gandhi não permitia a seus companheiros de ahimsa e satyagraha que alimentassem pensamentos hostis aos ingleses, para evitar que chegassem a praticar atos hostis. Pensar mal é prelúdio para fazer mal.
PLATÃO E ARISTÓTELES O homem realmente genial não cria padrões de conhecimento, como o talento; mas acende faróis em praias longínquas para orientar os nautas da humanidade. Platão é um gênio creador. Aristóteles é um talento sistematizador.
E, como a teologia escolástica é essencialmente sistematizadora, e não creadora, é lógico que Tomás de Aquino e toda a sua igreja tenham proclamado o Estagirita como o “príncipe da filosofia”, título que bem compete ao grande ateniense. Os cursos de filosofia aristotélico-tomista primam por uma fastidiosa aridez; esterilizam a faculdade creadora e lançam o descrédito a toda a filosofia. Todo o ateísmo tem base no escolasticismo aristotélico-tomista, que pretende provar com ferramentas intelectuais uma realidade espiritual. Nos três primeiros séculos do Cristianismo era a filosofia neo-platônica a filosofia clássica da igreja cristã. A partir do 4.° século, após o consórcio entre o Cristianismo e a política do Império Romano, predominou o aristotelismo, porque os chefes eclesiásticos compreenderam que sobre o alicerce platônico e neo-platônico, que admite a imanência de Deus no homem, não se pode erguer um edifício de hierarquia autoritária, que supõe a essencial maldade do homem, o “pecado original” e todos os negativos a serem transformados em positivos pelo poder dos chefes eclesiásticos e os sacramentos por eles ministrados. Hoje em dia, a elite espiritual da humanidade está voltando para as grandes verdades da filosofia platônica, profética, mística. A hierarquia eclesiástica tem maior pavor desse movimento de espiritualidade não-dogmática do que de qualquer ateísmo e materialismo; pois, sendo a alma humana cristã por sua própria natureza, volta-se ela instintivamente para o sol da verdade divina, ultrapassando todas as lâmpadas humanas.
IMPERSONALISMO PLATÔNICO VERSUS PERSONALISMO ARISTOTÉLICO Para Platão, o Universal é que é o Real, ao passo que os Individuais são apenas aparências, reflexos do Real. Para Aristóteles, o Individual é que é o Real, ao passo que o Universal é considerado irreal, fictício, simples abstração da nossa mente. Realismo e Nominalismo – Através de séculos se digladiaram esses dois adversários invisíveis, e a luta ainda não terminou. Da ideologia aristotélica se segue, logicamente, que, se Deus é real, não pode deixar de ser individual, como admitem todos os teólogos escolásticos do Ocidente. E esse personalismo de Deus favorece grandemente os interesses
da hierarquia eclesiástica, como emissária e representante oficial de um Deus pessoal, espécie de imperador ou ditador cósmico. Se, porém, o Universal é o Real, então está ele imanente em cada indivíduo, onipresente, e, neste caso, religião é o despertamento e a evolução desse germe divino na alma, e a hierarquia não é de necessidade absoluta, embora possa ser relativamente útil, suposto que seus membros já tenham despertado em si o Deus dormente. Neste último caso, a hierarquia humana perde muito do seu prestígio, porque, em última instância, cada homem tem dentro da sua alma a hierarquia divina, embora apenas em estado latente, e a salvação é possível sem sacerdotes, bispos, papa, sacramentos, Bíblia, etc. Os quakers (Society of Friends), frisando a “luz interna” (inner light) como supremo tribunal do homem, foram excomungados pela Igreja Anglicana, incapaz de compreender tão grande verdade. Mas essa “luz interna” só se acende na alma no seio de um grande silêncio e de prolongadas meditações. Se a humanidade ocidental tivesse sido espiritualmente madura ao advento do Cristianismo, teria o grandioso Monismo Universal dos neo-platônicos prevalecido contra o confuso Pluralismo Individual dos aristotélicos. Mas, devido à imaturidade filosófico-espiritual da humanidade do Ocidente, predominou o primitivismo aristotélico-escolástico, que foi oficializado, no século 16, pelo Concílio de Trento. O setor protestante do Cristianismo também construiu a sua teologia sobre o mesmo individualismo, embora os Reformadores tivessem tido, de início, a boa vontade de voltarem ao universalismo espiritual; a interpretação analítica da letra da Bíblia matou a compreensão cósmica do espírito da mesma. Os países do Oriente, profundamente profético-platônico-místicos, nunca aceitaram, nem jamais aceitarão, o Cristianismo nessa forma teológica em que ele é conhecido entre nós. A Índia e a China estão realizando a alma do Cristianismo à revelia do corpo do mesmo. A Rússia, país tradicionalmente cristão, hostiliza abertamente o nosso Cristianismo, e, como ela não conhece outro mais verdadeiro, proclama que toda a religião “é ópio para o povo”. É tempo para compreendermos e vivermos gloriosamente a alma do Evangelho do Cristo, que não é ocidental nem oriental, mas universal.
O IDEAL É O REAL Devido à nossa estreiteza, chamamos o Irreal o Ideal, quando o Ideal é que é o Real por excelência, porque o Ideal é o Universal, o Abstrato, ao passo que o concreto (isto é, o “condensado”) é apenas um estado de passivilização ou
deteriorização, uma objetivação secundária. Os fatos não são a Realidade, mas apenas uma projeção ou objetivação, um reflexo no espelho da Realidade. Pela meditação que culmina no samadhi, ultrapassamos o sansara dos efeitos transitórios e atingimos o nirvana da Causa permanente. Jesus, o Cristo, é o maior realista que a história conhece.
NOMES VÁRIOS PARA O ANÔNIMO O Eidos (idéia), de Platão. A Morphé (forma), de Aristóteles. O Logos (razão), de Heráclito e de João Evangelista. O Brahman, dos hindus. O Espírito, a Verdade, o Pai, de Jesus Cristo. A Substância, a Natura Naturans, de Spinoza. O Absoluto, o Eterno, o Infinito, o Universal, o Um e o Todo, dos metafísicos. A Consciência Cósmica, dos místicos. A Luz, a Vida, o Amor, o Yahveh, da Bíblia. O Tao, dos chineses. A Alma do Universo, dos iniciados. O Ens-a-se, dos escolásticos. O Super-ser, de Plotino. A Lei da Harmonia, de Einstein. Tudo isto e mil outros nomes são tentativas de dizer o indizível, de dar nome ao Anônimo e Inominável.
O MISTÉRIO DA ESFINGE Meio leão, meio mulher – poder e beleza – deitada, com a cabeça erguida, fitando com os grandes olhos cheios de vacuidade – vácuos de Maya e plenos de Brahman – o deserto do Infinito, para além de todos os horizontes finitos, envolta numa aura de eternidade – que símbolo mais eloquente poderia haver
para o homem imerso em Deus, cheio de poderosa beleza e de belo poder, tão longínquo no seu ser e tão propínquo no seu agir?... Esfinge, tu és eu... Esfinge, eu sou tu...
GUERRA MUNDIAL, I, II – III? Se a terceira guerra mundial vier, como afirmam os videntes e querem os fabricantes de armas nucleares, será a destruição de todos os anti-cristos que hoje guerreiam o Cristo – o Catolicismo Romano, o Protestantismo americano e o Ateísmo soviético. Nenhum desses três setores da igreja cristã tomou a sério a mensagem central do Nazareno, os dois grandes mandamentos, dos quais dependem “toda a lei e os profetas”: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração – e amarás o teu próximo como a ti mesmo.” O Ideal do Cristo foi substituído pelo Ídolo do anti-cristo, multiforme, multicor – egoísmo eclesiástico, egoísmo nacionalista – sempre sob a bandeira do Cristo. Só nos últimos decênios, resolveu a Rússia arriar a bandeira do Cristianismo, que os outros dois conservam ainda na fachada dos seus edifícios; a Rússia hostiliza abertamente o que o Catolicismo e o Protestantismo hostilizam disfarçadamente... O espírito do Cristo continua a ser crucificado, através dos séculos e milênios... A sinagoga mancomunada com Iscariotes continuam a bradar: “Nós temos uma lei – e segundo a lei ele deve morrer”... Segundo todos os indícios, o Vaticano, a mais antiga potência anti-cristã, será derrotado, em primeiro lugar, pelo Comunismo Soviético, o anti-cristo mais recente. Depois disto, sucumbirá a potência anti-cristã da democracia angloamericana, juntamente com seus reboques latino-americanos; por fim, a Rússia, dona única do planeta Terra, apodrecerá no seu próprio poderio e luxo, como aconteceu com o Império Romano, no auge do seu absolutismo, porque “todo o poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente”... Depois disto, removidas as três potências anti-cristãs que navegam sob a bandeira do Cristo, estará aberto o caminho para o triunfo do Evangelho e a definitiva vitória do Sermão da Montanha, que até hoje apenas serviu para sermões, filosofia e poesia. Até esse tempo, terá a humanidade sofrido tais horrores, com guerras nucleares e seu sucedâneo, os aparelhos bélicos de matéria astral menteguiados, que os homens estarão maduros para compreender o espírito do Cristo-redentor. E então haverá “um novo céu e uma nova terra”...
SOMOS AINDA CRISTÃOS? Ou melhor: Será que já somos cristãos? Poucos, sim – uns poucos “escolhidos”. Muitos, não – os muitos “chamados”. Alguns estão a caminho do Cristo, ultrapassando o Cristianismo.
VERDADE E BELEZA Verdade sem Beleza fere. Beleza sem Verdade falha. Verdade com Beleza fascina.
RAZÃO, INTELIGÊNCIA, VONTADE A Razão, o divino Logos, é vida divina. A Inteligência, o lúcifer, é luz mental que indica a direção. A Vontade, o eros, é a força que trilha esse caminho lúcido rumo à vida. A Razão é infinito reservatório de energias. A Inteligência é um canal. A Vontade é o movimento dinâmico das energias através desse canal. Quando o homem canaliza somente o conteúdo do seu lúcifer mental impelido pelo eros volitivo, pratica magia mental, que é a mais alta forma de egoísmo. E todo o luciferismo é, em última instância, auto-destruidor. Exemplo: guerra dos gigantes, torre de Babel, Atlântida.
NEO-PLATONISMO Ver a grande unidade do Real para além de todas as diversidades que esse Real projeta no mundo dos fenômenos; enxergar o mar eterno por debaixo das ondas efêmeras; descobrir a luz incolor para além da dispersão multicor; intuir Brahman em plena Maya – isto é neo-platonismo, que enche a alma de uma grande segurança, serenidade e beatitude. Não torna o homem indiferente e
apático em face do mundo e da vida, mas afirma todas as pequenas vidas individuais por amor à grande Vida Universal, ama as cores por causa do Incolor, as ondas por causa do Mar, os ruídos por causa do Silêncio, Maya por causa de Brahman. É o amor-livre substituindo o amor-escravo dos profanos e o amor-nulo dos indiferentes.
O CLERO VIVE DO PECADO ORIGINAL Se não há pecado original vindo de fora do homem, herança de Adão, também não há redenção do pecado vindo de fora, dos merecimentos do Cristo. E, neste caso, todo homem é potencialmente bom, e sua redenção consiste em se tornar atualmente bom. Se assim é, a ação do clero, embora possa ser útil, não é absolutamente necessária. No caso, porém, de ser o homem essencialmente mau, concebido e nascido em pecado original, o clero é absolutamente necessário, porque tem de aplicar ao homem as forças da redenção, através de sacramentos, monopólio dele. Com a aceitação ou rejeição do pecado original, vive ou morre o clero. Se o clero faz questão de existir, é necessário que o pecado original exista.
VALOR INFINITO NEUTRALIZA DÉBITO FINITO? Afirmam os teólogos que uma única Missa tem valor infinito, por ser a repetição da morte de Jesus no Calvário. Afirmam ainda que todos os débitos das almas do purgatório são finitos. Pela lógica e matemática que conhecemos, devia uma única Missa, de valor infinito, cancelar todos os débitos finitos e esvaziar totalmente o purgatório? Em vez disto, porém, manda o clero rezar Missas em número indeterminado para qualquer alma individual, e, depois de centenas de Missas, todas de valor infinito, ainda não há certeza de que os débitos da alma, todos finitos, tenham sido cancelados. Não faz isto suspeitar de que a Verdade foi sacrificada ao Dinheiro? “Não podeis servir a dois senhores: a Deus e a Mammon”... Se isto é religião, não tem a Rússia razão em bradar que “religião é ópio (mistificação) para o povo”? E, em vez de gritar contra o ateísmo e anticristianismo dos soviéticos, não seria melhor que o clero começasse a ser integralmente sincero com o povo e consigo mesmo, não sacrificando a Verdade do Evangelho aos seus interesses financeiros e ao seu prestígio social?
As mais terríveis armas de que o comunismo dispõe foram forjadas pelas igrejas cristãs, e o berço de todo o ateísmo é a teologia clerical.
DE JESUS ATÉ NÓS Agostinho e Tomás de Aquino representam o catolicismo romano. Paulo e Lutero deram origem ao protestantismo, porque os reformadores do século 16 remontaram até à teologia das epístolas paulinas, sobretudo aos Romanos, mas não foram até ao Evangelho do Cristo; e até hoje, juntamente com o catolicismo romano, continua a marcar passo no dualismo da sinagoga decadente, de que Paulo foi o porta-voz parcial. Este grande pioneiro do primeiro século é genuinamente crístico-evangélico em muitos pontos, mas não se libertou totalmente de certas taras da sinagoga, de que fora rabino, e, infelizmente, a igreja cristã, assombrada pela autoridade do grande Tarsense, não soube depurar o ouro do Cristo que há nas epístolas paulinas, das escórias da sinagoga decadente, que nelas se encontram também. A igreja romana propende fortemente para a magia sacramental de Agostinho, o africano, onde sempre prevaleceu o elemento mágico (Egito antigo, macumba moderna), o protestantismo, por sua vez, simpatiza mais com Paulo, seguindo a linha do legalismo automático da sinagoga, substituindo o sangue do antigo bode expiatório pelo sangue de Jesus. O caráter de Jesus não é nem paulino nem agostiniano, nem asiático nem africano, mas nitidamente universal, cósmico. Desligado de tempo e espaço, de rito e raça, de credo e classe, é a mensagem do Nazareno algo totalmente inédito e original. Neste universalismo independente, é o Nazareno muito mais ário (ariano) do que semita, e não é de admirar que Alfred Rosenberg, no seu Mito do século vinte, tenha impugnado a ascendência semita de Jesus, fazendo-o passar por um legítimo ário. Jesus ignora completamente um reino de Deus que venha de fora do homem, por meio de quaisquer ritos externos. Ele é todo profético-platônico-místico, e nada sacerdotal-aristotélico-escolástico; nascido na linha divisória entre Oriente e Ocidente, fundiu numa grandiosa unidade orgânica tudo que há de contemplativo no Leste e de dinâmico no Oeste. Infelizmente, a teologia eclesiástica construída sobre esse grande Universalismo monista do Nazareno é toda dualista unilateral. Por isto, no Oriente não existem até hoje sequer 5% de cristãos eclesiásticos.
Hoje em dia, boa parte do mundo espiritual está fazendo um esforço honesto para remontar até ao próprio Cristo, ultrapassando todas as teologias cristãs. Paradoxalmente, para chegar ao Cristo, temos de ultrapassar o Cristianismo. Naturalmente, quem não tiver suficiente autonomia espiritual, fará bem em não buscar o Cristo fora do Cristianismo, mas continue a professar o Cristianismo tradicional, como caminho para o Cristo. Nem todos têm a experiência cósmica de Mahatma Gandhi que possam dizer: “Aceito o Cristo e o seu Evangelho, mas não aceito o vosso Cristianismo.”
SALVAR O TODO É SALVAR A PARTE Quem quiser salvar a parte à custa do Todo – o ego sacrificando o Eu – esse perderá tanto o Todo como a parte, tanto o Eu como o ego. É esta a matemática cósmica do Evangelho de Cristo. “Quem quiser salvar a sua vida (ego), perdê-la-á, mas quem perder a sua vida por causa de mim e do Evangelho (Eu), este a salvará”, porque, salvando a alma, o Eu divino, salva também o seu ego humano, revelado pelo corpo – e estará salvo o homem total. “O ego é o pior inimigo do Eu, Mas o Eu é o melhor amigo do ego.”
O GRANDE ENIGMA DA FÉ É deveras estranho que o homem não queira sacrificar o seu ego para realizar o seu Eu. A razão dessa renitência é a falta de experiência que ele tem do seu verdadeiro Eu, a alma; o homem profano, quando muito, crê vagamente na realidade da alma, que lhe é como fogo pintado, mas não fogo real. Tudo que é simples objeto de crença é vago e ineficiente. E por isto não tem ele a coragem de enfrentar alguma dificuldade para realizar o seu Eu central, a alma. Crê na alma, mas não tem fé, no sentido de experiência direta e vital dessa realidade. E é precisamente aqui que está a dificuldade: o homem simplesmente crente e ainda não experiente deve agir como se fosse um experiente; deve agir eticamente como se tivesse experiência mística. Ora, é sabido que toda a ética pré-mística é uma ética sacrificial, dolorosa – e tudo que é difícil não tem garantia de perpetuidade; só o que o homem faz com espontânea alegria e jubilos a facilidade é que tem garantia real de continuidade e perpetuação. Esse como se é que é a grande dificuldade...
Deve o homem pré-místico ser sacrificialmente bom, andar pelo “caminho estreito” e passar pela “porta apertada”, carregando a sua “cruz”. Mas esse sacrifício de agir como se já tivesse experiência divina antes de a ter é o melhor preparativo para essa experiência. É um sofrimento metafísico – e sem sofrimento não há redenção. O sofrimento é, talvez, o fator mais misterioso e menos compreendido em todo esse processo de redenção e auto-realização. A sua função é precípua e decisiva. Em última análise, o homem só possui, firme e irrevogavelmente, aquilo que ele sofreu nas íntimas profundezas do seu ser. Querer possuir algo que não se tenha sofrido, é pretender o impossível. Toda a vida nova está condicionada ao sofrimento e à morte de algo. Só se entra legitimamente no reino dos céus pela porta estreita do sofrimento. Se alguém me prometesse um céu cujo prelúdio não seja o sofrimento, desconfiaria desse céu, suspeitaria nesse oferecimento uma cilada, um estratagema qualquer. E se eu – por impossível – entrasse nesse céu sem passar pelo sofrimento, não estaria realmente no céu, porque uma beatitude apenas gozada, e não sofrida, não seria senão uma pseudobeatitude. Prefiro um céu sofrido a um céu gozado. Semelhante atitude, naturalmente, é absurda e ridícula perante o tribunal da inteligência do ego, não o nego, mas não deixa de ser profundamente verdadeira à luz do Eu espiritual. Há uma lógica da alma que a inteligência ignora e sempre ignorará. E é, precisamente, em virtude dessa lógica da alma que eu prefiro um céu sofrido a um céu gozado. Essa lógica da alma, que a inteligência desconhece, é que é a verdadeira fé.
GLÓRIA E TORMENTO DOS GÊNIOS Sete cidades da Grécia disputam entre si o privilégio de ter sido o berço do incomparável Homero – e através dessas sete cidades peregrinou o grande poeta épico, em vida, mendigando o seu sustento... Dizem que o gênio antecipa o seu tempo, o que não é bem exato; segundo as eternas leis cósmicas, aparece o gênio precisamente quando o mundo necessita dele. Isto, porém, não quer dizer que ele não sobrepuje as massas por séculos e milênios – mas isto faz parte do seu tempo e da sua missão. Se o gênio fosse apenas um passivo refletor, um espelho acomodatício à opinião pública dominante, aos caprichos da turbamulta, não seria gênio; ele é gênio por seu inconformismo, por ser pioneiro e diretor de milhares e de milhões.
Esta sua missão, naturalmente, não pode deixar de ser o seu martírio – um martírio glorioso. Um bandeirante de mundos ignotos não deve esperar outra coisa. O seu destino é, geralmente, trágico, no presente. Se fosse um pacífico conformista, viveria em paz com todos os medíocres; mas, por ser um transformista, muitos o temem, muitíssimos o odeiam – e uns poucos o amam e admiram. Só um grande homem pode ser intensamente odiado e intensamente amado. Mediocridades não são odiadas nem amadas – são esquecidas. O gênio é amado com mística veemência por todos aqueles que nele vêem o seu próprio Eu melhor e mais puro – e é odiado com metafísica violência por aqueles que se sentem eclipsados em sua pequenez pela grandeza do gênio. Ninguém pode professar neutralidade em face dum verdadeiro gênio, porque ele é terremoto e tempestade, terrivelmente perturbador... Amigos e inimigos adivinham nele algo fora do comum... O gênio nunca é amado com afetiva familiaridade, mas amado e adorado como um misto de assombro e admiração... Gênios, salvadores, avatares, profetas, videntes, pioneiros, mahatmas e maharishis – são eles os verdadeiros veículos do progresso da humanidade, porque não se conformam com a cômoda rotina dos muitos, mas, transformados como são, querem transformar os outros – o que gera seráfico amor ou ódio satânico. Quem não sente em si a coragem de ser mártir, não se arvore em pioneiro das massas!
VIDENTES SÓ CONHECEM O PRESENTE Quando dizemos que um vidente “previu” acontecimentos futuros, cometemos dois erros: pré indica futuro, viu diz passado; mas o vidente ignora passado e futuro, só conhece o presente. Passado e futuro são tempo; o presente é a eternidade, o sem-tempo. O tempo é uma criação dos nossos sentidos; mas o vidente não opera através dos sentidos, ele está intuindo a realidade diretamente em si mesmo, independente de qualquer sentido, com o poder da alma, que nada sabe de tempo nem de espaço. Por isto, para o verdadeiro vidente, tudo acontece agora e aqui, sem duração nem dimensão, fora de tempo e espaço. O vidente não previu, mas vê, assim como Deus vê todas as coisas, agora e aqui. Sendo que o homem comum só conhece através dos sentidos, é-lhe praticamente impossível imaginar como se possa conhecer de outro modo.
CRISTIANISMO ESOTÉRICO – OU EXOTÉRICO? Desde o século 4, o Cristianismo abandonou o seu aspecto esotérico, profético, místico, platônico, que é do Evangelho, e aparece em roupagens exotéricas, aristotélicas, escolásticas, teológicas, para atender às necessidades da imensa maioria dos seus filhos, que eram espiritualmente analfabetos – escravos e libertos do Império Romano, e as hordas selvagens vindas do Norte e do Leste. A creatio ex nihilo, céu e inferno como lugares, os sacramentos como automatismos rituais, inferno eterno creado por Deus, a infalibilidade do papa e da Bíblia – tudo isto é visceralmente exotérico. Por isto, o Oriente, de elevada cultura esotérica, já nesse tempo, não aceitou o nosso Cristianismo teológico; até hoje não há no Oriente 5% de cristãos eclesiásticos. Os cristãos gnósticos e neo-platônicos dos primeiros séculos, que professavam um Cristianismo esotérico-místico, foram perseguidos pelos representantes do cristianismo hierárquico-exotérico. Até aos nossos dias, qualquer tendência esotéricomística dentro da igreja organizada é considerada como heresia.
ALMA Este conceito ocidental não existe no Oriente como entidade permanente. Em vez disto há o “princípio de consciência” (consciousness, Bewusstsein), que é como que um foco variável, capaz de se condensar e descondensar, conforme as experiências que adquire; um vortex do Eu em evolução.
“SE NÃO VOS TORNARDES COMO CRIANÇAS”... Não devemos ficar crianças, mas sim tornar-nos como crianças, depois de sermos adultos. Esta segunda fase da infância, criada livremente pelo homem plenamente adulto, é o definitivo teste da sua plena adultez. Quem, depois de adulto, não for capaz de se tornar como se fosse criança, não está plenamente maduro na sua evolução. É uma infância pleni-consciente, e não uma infância inconsciente, e muito menos um infantilismo pseudo-consciente. Ser como criança, não por ignorância natural, mas por sapiência de experiência. É ultrapassar não só o subconsciente infantil, mas também o consciente juvenil e entrar no superconsciente cósmico.
VIDA – OU OS MEIOS DA VIDA? É deveras estranho! O homem comum passa a existência toda correndo atrás dos meios de vida – e se esquece da vida! Vítima duma espécie de alucinação coletiva, pensa que deva acumular mais e mais matéria-morta para poder viver, e quanto mais possui, mais deseja possuir – e no fim de 60, 80 anos morre sem ter vivido realmente... Agoniza meio século à margem da vida... Se o homem descobrisse quanto necessita para uma vida normal, adquirisse esses meios, e depois vivesse para ideais superiores, levaria vida plena... A fim de poder viver mais calmamente, sem preocupações financeiras, devia o homem plantar um pomar de frutas variadas, que lhe rendesse o alimento necessário durante meio século, sem a necessidade de refazer cada ano essa fonte de subsistência, e teria tempo de sobra para coisas melhores. O costume de plantar hortas anuais é um erro; as hortas deviam ser apenas como que um “enchimento” da dieta humana; o principal devia consistir em frutas de árvores longevas, e, se necessário, leite e ovos. Será que nas frutas de árvores longevas ou seculares não está o princípio da longevidade para o homem? As hortaliças vivem apenas um ano, ou menos; uma nogueira ou castanheira vive séculos. Nozes, abacate, banana e mamão contêm todos os elementos necessários para a manutenção do corpo humano.
INCONSCIENTE, UNIVERSAL, INFINITO, DEUS O Universal de Platão é o único Real, assim como o Inconsciente de Jung, o grande X, a misteriosa Incógnita, donde deriva todo o resto. Tudo que é cógnito, consciente, finito, deixa de ser Real, passando a um simples Realizado. O nosso Consciente é uma diminuição do Inconsciente, porque este é o Oniconsciente em si, o grande e único Real. Ninguém pode ser consciente do Todo, a consciência exige algo finito, algo parcial. Para além de todos os finitos cognoscíveis está o Infinito Incognoscível. O Inconsciente em mim é o meu Creador e Salvador, porque é o Oniconsciente. O ocidental procura a Deus no Infinito do Além, de fora, rumo a todas as periferias do Universo, até atingir a última fronteira; mas não há nada “último” nesse terreno das quantidades finitas, do mundo existencial; se assim não
fosse, seria Deus a soma total dos finitos, e estaríamos em puro panteísmo ou dualismo. O oriental, por sua vez, foge de todas as periferias existenciais e vai cavando rumo ao centro essencial. Para ele, Deus não ex-siste, mas in-siste, ou melhor, simplesmente siste, ou é; Deus é o grande SISTENTE, o ENTE, o YAHVEH, o puro SER. Mas esse É, ou EU SOU O QUE SOU, está para além de todas as existências, e, por isto mesmo, para além do nosso Consciente. Para além do ocaso do Consciente dos sentidos e da mente desponta a alvorada do Inconsciente da razão espiritual. Deus é a morte do Consciente e a vida do Inconsciente, ele, sem forma, nem cor, nem nome, fora de tempo, espaço e causalidade...
AUTO-REDENÇÃO – OU ALO-REDENÇÃO? Se a nossa teologia ocidental é a última palavra sobre o Cristianismo, então, é evidente que o Ocidente cristão é eternamente incompatível com o Oriente pagão, e todos os esforços dos missionários são, praticamente, inúteis; só será aceito pelos ignorantes, mas nunca pelos sapientes. Nenhum cristão teológico aceitará a possibilidade de ele se auto-redimir – assim como nenhum budista autêntico adora um Deus pessoal fora dele. Mas, se nas profundezas do Cristianismo evangélico jaz um princípio de autoredenção, como o Sermão da Montanha faz ver, redenção pela graça do Cristo interno – então podemos lançar uma ponte sobre o abismo. É ridículo e pueril apoderarmo-nos de certas técnicas orientais, decorá-Ias, grudá-Ias em nossa periferia ocidental, e pensarmos que tenhamos lançado uma ponte de compreensão entre os dois hemisférios da humanidade. A nossa inextirpável extroversão e a profunda introversão do oriental não podem ser congraçados em pouco tempo. A ponte existe, mas não está nas técnicas de uma apropriação externa, horizontal, mas sim numa profunda experiência vertical da alma humana de cá e de lá. A vacuidade central do oriental e a plenitude periférica do ocidental são idênticas. O Infinito de Dentro é o Infinito de fora. Deus é o Todo, e o Nada, o Sim e o Não, a Luz e as Trevas – não na horizontal das polaridades, mas na vertical da impolaridade.
QUAL É A GRAÇA? Literatura imensa tem sido escrita sobre o mistério da “graça”.
Charis e Gratia significam, propriamente, beleza. Também em vernáculo, usamos esse vocábulo para dom gratuito e beleza. O kosmos dos gregos é a beleza do universo. A graça, a bem dizer, é o Infinito, o Todo, o Inconsciente. É algo longínquo, obscuro, não controlado pelo pequeno Consciente do ego, não merecido, não causado. O Consciente representa sempre um menos, uma parte, ao passo que o Inconsciente é o mais, o Todo. Quando o Inconsciente invade o Consciente, sem que este o tenha causado, então falamos em “graça”, em “carisma”, em “dom gratuito”. Quando o Inconsciente não coopera devidamente com o Consciente, entramos em apuros; a máquina funciona sem volante, aos trancos... Por isto, diz a sabedoria do povo: “Mais vale a quem Deus ajuda do que quem cedo madruga.” O Consciente sem a larga substrutura do Inconsciente é como a luz intermitente daquelas cinco “virgens tolas” da parábola; falta o azeite do Inconsciente capaz de transformar em luz permanente e tranquila a luz intermitente e inquieta. “Os deuses estão irados”, diziam os antigos, num caso desses; tudo vai mal sem a ajuda dos “deuses”. Ou na linguagem do Evangelho, deve o homem “buscar em primeiro lugar o reino de Deus e sua justiça”, para que “todas as outras coisas” lhe sejam acrescentadas – as coisas do Consciente funcionam bem quando o Inconsciente está presente como invisível substrato; então o homem “anda na presença de Deus e é perfeito”, então ele “para sempre, e nunca deixa de orar”... Para além das luzes da ribalta, do cenário visível do nosso Consciente, por entre a invisível penumbra dos bastidores do Inconsciente, converge toda a sabedoria dos séculos e milênios da humanidade... O oriental tem contato mais direto com o nirvana do Inconsciente do que com o sansara do Consciente. Geralmente, o chinês, o japonês, o hindu não conhecem nervosidade. O ocidental vive mais no Consciente e menos no Inconsciente, e procura então substituir a falta de segurança interna com toda a espécie de seguranças ou pseudo-seguranças externas, dominando violentamente o ambiente pelas conquistas da ciência e da técnica.
ABSOLUTA OBJETIVIDADE O ídolo do homem ocidental, sobretudo do cultor das ciências exatas, se gaba da sua “absoluta objetividade” – e não percebe o ridículo dessa sua atitude... Gaba-se de uma bonequinha de celulóide ou dum aviãozinho de elástico, como as crianças do jardim de infância.
O homem oriental tem horror a essa objetividade, porque já compreendeu que o objetivo é derivado, ilusório, reflexo no espelho, eco longínquo da Realidade. Prefere o nirvana do Inconsciente ao sansara do Consciente, e encontra paz nessa estratosfera, onde não há tempestades nem conflitos, por falta de suficiente diferenciação e polaridade. O ocidental objetiva-se na ciência e técnica das suas invenções – o oriental subjetiva-se na sabedoria espiritual da sua mística. Ambos perdem metade do mundo da Realidade Integral, que não é objetivo nem subjetivo, nem material nem espiritual, mas Universal. O ocidental sofre o seu ruidoso sansara objetivo – o oriental goza o seu silencioso nirvana subjetivo – mas a vida real não é gozo nem sofrimento, é uma síntese dessas duas coisas, é um doloroso gozar e um gozos o sofrer – por mais paradoxal que isto pareça aos profanos da direita ou da esquerda... Só o Homem Cósmico é que vive integralmente. Tanto o unilateralismo extroverso do ocidental como o unilateralismo introverso do oriental são necessários para criar a universalidade onilateral do homem completo, que exige diferenciação máxima de elementos antitéticos a fim de construir a verdadeira síntese final da grandeza. Mas o homem, tanto de cá como de lá, deve ultrapassar as duas metades justapostas das antíteses para realizar o Todo orgânico da grande síntese.
ANALISAR E PROFANAR Cuidado com a análise de textos sacros! Toda a análise profana! Pode um texto sacro ser, intelectualmente, absurdo e ilógico, e, não obstante, ter grande valor espiritual ou emocional. Há uma lógica ultra-intelectual, e até anti-intelectual, como a do Sermão da Montanha, que é, certamente, o mais absurdo dos documentos – quando analisado à luz da inteligência luciférica. Tudo que se pode pensar e dizer é degradado; não é a Realidade integral nem a Sacralidade pura. Real e puro é somente o impensável e o indizível. Só o que se pode sentir e viver misticamente, na silenciosa solidão da alma com Deus, isto é que é plenamente verdadeiro, belo e puro – e muitos textos sacros refletem essa pureza sacral, que de modo algum deve ser prostituído com análises mentais nem com ruídos verbais. “A letra mata – mas o espírito dá vida”... Quem já saboreou esse imponderável conteúdo espiritual de certos textos sente-se traumatizado quando vê o seu sacrário brutalmente invadido por mão ou mente profana. O invólucro que o erudito analisa não é, para o homem
espiritual, a verdadeira realidade; era apenas uma roupagem externa, fortuita, que a suprema Verdade e Beleza vestira de passagem para se tornar visível. Toda a análise mental de uma realidade espiritual é um estupro sacrílego, que só um profano pode cometer. Não é necessário que a revelação divina seja intelectualmente verdadeira. Não faz mal que uma experiência mística seja intelectualmente absurda e paradoxal... A Verdade habita para além de todas as nossas torres de Babel... Credo – quia absurdum...
UNIDADE INCONSCIENTE – PLURALIDADE CONSCIENTE O homem oriental nunca se distanciou notavelmente da grande Unidade do Inconsciente; continua 90% imerso nesse oceano inconsciente; nunca nasceu plenamente para o nosso mundo consciente. E por isto diz ingenuamente: “Eu SOU DEUS”, o que soa tão blasfemo aos ouvidos do ocidental, porque este realizou uma grande distanciação da Unidade do Inconsciente, caindo 90% na Pluralidade do Consciente, e por isto, se ele diz “EU SOU DEUS”, refere esse “Eu” a seus 90% de Consciente (ego), e não aos 10% do seu Inconsciente (Eu) – quando o oriental fala em nome dos seus 90% de Inconsciente, que é realmente Deus, o Deus nele ou seu Eu divino. O Eu do oriental é o seu Indivíduo indiviso do grande Inconsciente, ao passo que o Eu do ocidental é a sua Persona separada do grande Inconsciente e identificado com o pequeno Consciente da sua máscara periférica. Cada um dos dois, como se vê, entende com a palavra “Eu” algo grandemente diverso. “Vós sois deuses” – estas palavras de Jesus são tipicamente orientais, que o ocidental tenta em vão justificar. Idem “Vós sois a luz do mundo” – que teólogo dualista pode aprovar tais palavras, quando a sua igreja lhe manda crer que todo homem é treva e pecado por sua íntima natureza, “escravo de Satanás”, “filho da ira divina”, como se lê em todos os nossos catecismos e tratados teológicos? É deveras estranho que a igreja, através de quase dois milênios, tenha podido manter uma teologia diametralmente oposta ao espírito do Cristo. Só mesmo a força de uma acintosa e sistemática ignorância de seus filhos e graças a uma casuística exegética que consegue injetar aos textos sacros um sentido que eles não têm. Devido a essa diversidade do conceito do Eu, é perigoso para o ocidental apropriar-se, sem mais nem menos, das técnicas yoga do Oriente e repetir
servilmente frases que, no seu país de origem, têm sentido totalmente diferente do que nós entendemos. Não, não basta que copiemos técnicas, é necessário que procuremos adquirir experiência interna e despertemos em nós a mesma consciência unitária que caracteriza toda a filosofia mística do Oriente. Do contrário, produziremos um mostrengo híbrido intolerável e blasfemo. Dentro da zona da nossa teologia dualista, é absurdo querermos compreender a filosofia monista. Felizmente, o Evangelho oferece base para esse profundo e vasto monismo filosófico-místico. “Eu e o Pai somos um”, é tipicamente monista-oriental. O que falta é cristificarmos a teologia eclesiástica.
OSMOSE CÓSMICA Quando o nosso Consciente se expõe demoradamente à atuação direta do Inconsciente, experimentamos uma sensação de progressiva libertação; uma força estranha nos invade, que nos enche de alegria anônima. É que o nosso Consciente equivale a uma prisão, uma fraqueza, uma angústia – ao passo que o Inconsciente é liberdade, força, largueza. Em consequência dessa infiltração osmótica do Inconsciente, o Consciente se vai expandindo e libertando, tornando-se leve, luminoso, feliz; a pequena bateria recebe forças da grande bateria. Mas, como esse processo de imponderável infiltração não é controlável na zona vígil do nosso ego, é natural que falemos em “graça” ou “carisma” que é a ação benéfica do divino Inconsciente sobre o humano Consciente. Esse Inconsciente é, em si, o Oniconsciente, o Infinito, o Todo; mas, para o nosso pequeno Consciente, funciona como um Inconsciente. Ninguém pode ser um bom cristão eclesiástico praticar yoga, de boa consciência – mas é possível ser um perfeito cristão evangélico e praticar yoga. Nenhum cristão ocidental que não queira trocar a sua teologia pelo Evangelho pode ser um bom yogui; não consegue cancelar esses quase 2.000 anos de Cristianismo dualista que a hierarquia eclesiástica engendrou, desde o quarto século; por mais que o nosso cristão se diga monista oriental ou evangélico, no seu subconsciente continua a prevalecer a Idade Média; sobre essa inconsciente substrutura escolástica não é possível erguer uma superestrutura mística. Para abraçar em cheio a mística, devia o homem tomar a sério o Sermão da Montanha; não devia ter casa nem família nem profissão lucrativa; devia reduzir ao mínimo o seu conforto, abolir rádio, televisão, telefone, não ter dinheiro algum em casa nem apólices nos bancos – porque tudo isto são
fortalezas e trincheiras do velho ego. Quem pratica yoga numa das nossas cidades modernas, cercado de todo o conforto e amparado por “seguros de vida”, pratica fraude espiritual e criminosa mistificação, em vez de mística.
ADORAÇÃO TRANSBORDANDO EM AÇÃO À entrada de um centro espiritualista em construção encontrei vistosa faixa com esses dizeres: “Jesus não quer adoração, mas ação.” É assaz comum esse erro, que Cristianismo seja apenas ação, realização externa, e, no melhor dos casos, ética, caridade, filantropia. Na verdade, porém, o Cristianismo do Cristo é a mais alta mística transbordando em ética, adoração manifestando-se em ação. Todo o problema do homem está em criar dentro de si uma mística de adoração – o “primeiro mandamento” – tão intensa que extravase espontaneamente em ética de ação – o “segundo mandamento”. Fazer profissão de ética sem possuir a mística leva, quase sempre, à consciência de vaidade e auto-complacência, que já é uma derrota, mesmo no caso que as obras externas prosperem, graças ao dinheiro e à política. A ética não deve, em hipótese alguma, ser uma profissão, mas um simples fenômeno concomitante e como que fortuito da experiência mística; assim, se conserva sadia, bela e leve.
ÍNDICE
PRELIMINARES FECHAR O CIRCUITO! O SEGURO MORREU DE VELHO SEGURO DE VIDA DEUS EM TI ESPELHO OU JANELA? INTROSPECÇÃO NÃO E EGOCENTRISMO CRISTO E CRISTIANISMO ASSIM FALOU MAHATMA GANDHI FALA UM GRANDE INDIÓLOGO ESPÍRITO DO ORIENTE E DO OCIDENTE CICLOS CÓSMICOS INDIVIDUAL - COLETIVO A RELIGIÃO DE EINSTEIN O COSMOS E INDIVISÍVEL CONTINUA O MISTÉRIO DO UNIVERSO HARMONIA CÓSMICA DOS GRANDES GÊNIOS RELIGIOSOS O PERIGO DE NÃO FAZER NADA PALAVRAS FORTES - CAUSA FRACA O MESMO NEM SEMPRE É O MESMO ALTO - MAS NÃO DEMAIS CRIMES E VÍCIOS EXCESSIVAMENTE CLARO
A VOZ DA INTUIÇÃO QUEM PROVA A EXISTÊNCIA DE DEUS É ATEU A VIDA NÃO É UMA TEORIA CRER OU DESCRER NADA RESOLVE HARMONIZAR O AGIR COM O SER UNO E MÚLTIPLO “CARREGO COMIGO A MINHA CAVERNA” BUDISMO, BRAMANISMO, ROMANISMO - RELIGIÕES PARA ELITE PAZ INTERNACIONAL - SÓ NO CEMITÉRIO PEIXINHOS EM POÇA D‟ÁGUA DA PRAIA BUROCRATIZANDO E VOLATILIZANDO O CRISTIANISMO ADULTERAÇÃO DA BÍBLIA REALISMO - IDEALISMO O MUNDO EM DEUS OU O MUNDO SEM DEUS TOTALITARISMOS - CATÓLICO E PROTESTANTE MARIA - PRIMEIRA REVOLUCIONÁRIA MÍSTICA-SOCIAL TODA REVOLUÇÃO EFICIENTE É MÍSTICA INTERPRETAÇÕES HISTÓRICAS DO CRISTIANISMO ETERNO NÃO HÁ CRISTIANISMO TEÓRICO DO CRISTIANISMO AO CRISTO DA CARIDADE AO AMOR CARIDADE, NÃO - JUSTIÇA, SIM JESUS DEU ESMOLA? DEUS NÃO ENTRA NA ALMA APREENDER E COMPREENDER - DESCOBRIR FATOS, REALIZAR VALORES “O DESERTO VIVENTE”
ACEITAR A DIVINDADE DE CRISTO - O QUE É? O HOMEM ESPIRITUAL É ATRAENTE? DOIS TIPOS DE PREGADORES TRANSCENDENTE, ENCARNADO, IMANENTE CREIO NA COMUNHÃO DOS SANTOS QUE É PERSONALIDADE? DESCOBRIMENTO - OU REVELAÇÃO? CERTEZA TEOLÓGICA NÃO É NECESSÁRIA NEM SUFICIENTE PENSAMENTO SINTETIZADO ORAÇÃO - ESSÊNCIA DE TODAS AS RELIGIÕES O MISTÉRIO DA ORAÇÃO SUPERIOR A FASCINANTE AVENTURA DA ORAÇÃO SUPERIOR OS SANTOS PROVAM A VERDADE DUMA IGREJA? VERDADEIRA CATOLICIDADE PROCESSO DE INCUBAÇÃO A LEI DA EVOLUÇÃO INSTINTO - FILTRO SELETIVO TRÊS ESTÁGIOS DE ORAÇÃO EMBRIÃO MATERIAL - EMBRIÃO ESPIRITUAL A NATUREZA E DEMOCRÁTICA - OU ARISTOCRÁTICA? PODE VOCÊ SOLVER O MISTÉRIO DA VIDA? DEUS MANDA DOENÇAS? O “PAI NOSSO” EM ARAMAICO ANÁLISE PSICOLÓGICA E SÍNTESE METAFÍSICA CURA PELO PODER ESPIRITUAL POR QUE SEGUIMOS GUIAS ESPIRITUAIS
COMO PODERIA EU GOZAR NO CÉU - QUANDO OUTROS SOFREM NO INFERNO? AMOR FRUSTRADO EXPERIÊNCIA CÓSMICA TRANSUBSTANCIAÇÃO NA ERA ATÔMICA MATEMÁTICA FÍSICO-MENTAL VERSUS MATEMÁTICA ESPIRITUAL PENSAMENTO E SENTIMENTO CONHECE-TE E CONHECERÁS OS OUTROS! A VERDADEIRA CATOLICIDADE - ESSA DESCONHECIDA O SEGREDO DA CURA PELA FÉ O MAIS PROFUNDO DESEJO DO HOMEM AGONIA DAS PRIMAVERAS AUTO-REALIZAÇÃO - OU ALO-REALIZAÇÕES? OS CARACTERÍSTICOS DO HOMEM CÓSMICO OS DONS DA CONSCIÊNCIA CÓSMICA AMOR UNIVERSAL - SEGREDO DA CONSCIÊNCIA CÓSMICA QUEM COMPREENDE A DEUS IGNORA TODAS AS COISAS PARAFRASEANDO OS INICIADOS NO CÉU E NO PURGATÓRIO MÍSTICA E ÉTICA CONSCIÊNCIA CÓSMICA É MAIS QUE MORALIDADE ENTRE SCHOPENHAUER E NIETZCHE SOLUÇÃO ÚLTIMA DE TODOS OS PROBLEMAS A NOITE TENEBROSA DO MÍSTICO PARTURIÇÃO MÍSTICA REGRESSANDO DE DEUS PARA O MUNDO NÃO SOU ALTRUÍSTA!
CURRUIRAS E MARIPOSAS AMIGAS EU ESTOU EM TUDO - E TUDO ESTÁ EM MIM PROPINQUIDADE E LONGINQUIDADE ALMA EM DIVINA GESTAÇÃO AÇÃO - ADORAÇÃO EM PERSPECTIVA - OU EM PANORAMA? O ILOGISMO DA CONSCIÊNCIA MÍSTICA ESTRUPO ESPIRITUAL QUIETUDE É PUREZA COMPREENDER É SER VERDADES PARADOXAIS MINHA CONSCIÊNCIA É O MEU MUNDO EXPERIÊNCIA E MÍSTICA DA NATUREZA O HOMEM INFINITO EU E O UNIVERSO SOMOS UM QUANDO MORRE O “DEVER” RELIGIÃO E MORALIDADE GUARDA O QUE TENS - E PASSA ALÉM! CREDO DINÂMICO O TODO É SIMULTÂNEO - AS PARTES SÃO SUCESSIVAS MECANIZAÇÃO DA NOSSA CULTURA AMOR - O RETORNO AO UNIVERSAL REAL, REALIZADO, IRREAL POR QUE SOU INFELIZ? MEA CULPA, MEA CULPA, MEA MAXIMA CULPA TODOS OS MUNDOS ESTÃO AQUI OS TRÊS CRIVOS EM MIM
INDIMENSIONALIDADE EKKLESÍA INQUIETUDE METAFÍSICA DO HOMEM MODERNO NÃO NECESSITAMOS DE NOVAS TEOLOGIAS ENCONTRO COM DEUS MATEMÁTICA E MÍSTICA CREDO QUIA ABSURDUM ÉDISON - E SEUS 700 FRACASSOS SEXISMO E EGOÍSMO CIDADÃO DO UNIVERSO NO TERCEIRO CÉU A MORTE DE JESUS TALENTO - E GÊNIO TOLERÂNCIA - OU COMPREENSÃO? HOMEM, SÊ CONFORMISTA - E INCONFORMISTA! GRAUS DE CONSCIÊNCIA TU ÉS O QUE PENSAS PLATÃO E ARISTÓTELES IMPERSONALISMO ARISTOTÉLICO
PLATÔNICO
O IDEAL É O REAL NOMES VÁRIOS PARA O ANÔNIMO O MISTÉRIO DA ESFINGE GUERRA MUNDIAL, I, II - III? SOMOS AINDA CRISTÃOS? VERDADE E BELEZA RAZÃO, INTELIGÊNCIA, VONTADE
VERSUS
PERSONALISMO
NEO-PLATONISMO O CLERO VIVE DO PECADO ORIGINAL VALOR INFINITO NEUTRALIZA DÉBITO FINITO? DE JESUS ATÉ NÓS SALVAR O TODO É SALVAR A PARTE O GRANDE ENIGMA DA FÉ GLÓRIA E TORMENTO DOS GÊNIOS VIDENTES SÓ CONHECEM O PRESENTE CRISTIANISMO ESOTÉRICO - OU EXOTÉRICO? ALMA “SE NÃO VOS TORNARDES COMO CRIANÇAS” VIDA - OU OS MEIOS DA VIDA? INCONSCIENTE, UNIVERSAL, INFINITO, DEUS AUTO-REDENÇÃO - OU ALO-REDENÇÃO? QUAL É A GRAÇA? ABSOLUTA OBJETIVIDADE ANALISAR É PROFANAR UNIDADE INCONSCIENTE - PLURALIDADE CONSCIENTE OSMOSE CÓSMICA ADORAÇÃO TRANSBORDANDO EM AÇÃO
HUBERTO ROHDEN VIDA E OBRA
Nasceu na antiga região de Tubarão, hoje São Ludgero, Santa Catarina, Brasil em 1893. Fez estudos no Rio Grande do Sul. Formou-se em Ciências, Filosofia e Teologia em universidades da Europa – Innsbruck (Áustria), Valkenburg (Holanda) e Nápoles (Itália). De regresso ao Brasil, trabalhou como professor, conferencista e escritor. Publicou mais de 65 obras sobre ciência, filosofia e religião, entre as quais várias foram traduzidas para outras línguas, inclusive para o esperanto; algumas existem em braile, para institutos de cegos. Rohden não está filiado a nenhuma igreja, seita ou partido político. Fundou e dirigiu o movimento filosófico e espiritual Alvorada. De 1945 a 1946 teve uma bolsa de estudos para pesquisas científicas, na Universidade de Princeton, New Jersey (Estados Unidos), onde conviveu com Albert Einstein e lançou os alicerces para o movimento de âmbito mundial da Filosofia Univérsica, tomando por base do pensamento e da vida humana a constituição do próprio Universo, evidenciando a afinidade entre Matemática, Metafísica e Mística. Em 1946, Huberto Rohden foi convidado pela American University, de Washington, D.C., para reger as cátedras de Filosofia Universal e de Religiões Comparadas, cargo esse que exerceu durante cinco anos.
Durante a última Guerra Mundial foi convidado pelo Bureau of lnter-American Affairs, de Washington, para fazer parte do corpo de tradutores das notícias de guerra, do inglês para o português. Ainda na American University, de Washington, fundou o Brazilian Center, centro cultural brasileiro, com o fim de manter intercâmbio cultural entre o Brasil e os Estados Unidos. Na capital dos Estados Unidos, Rohden frequentou, durante três anos, o Golden Lotus Temple, onde foi iniciado em Kriya Yôga por Swami Premananda, diretor hindu desse ashram. Ao fim de sua permanência nos Estados Unidos, Huberto Rohden foi convidado para fazer parte do corpo docente da nova International Christian University (ICU), de Metaka, Japão, a fim de reger as cátedras de Filosofia Universal e Religiões Comparadas; mas, por causa da guerra na Coréia, a universidade japonesa não foi inaugurada, e Rohden regressou ao Brasil. Em São Paulo foi nomeado professor de Filosofia na Universidade Mackenzie, cargo do qual não tomou posse. Em 1952, fundou em São Paulo a Instituição Cultural e Beneficente Alvorada, onde mantinha cursos permanentes em São Paulo, Rio de Janeiro e Goiânia, sobre Filosofia Univérsica e Filosofia do Evangelho, e dirigia Casas de Retiro Espiritual (ashrams) em diversos Estados do Brasil. Em 1969, Huberto Rohden empreendeu viagens de estudo e experiência espiritual pela Palestina, Egito, Índia e Nepal, realizando diversas conferências com grupos de yoguis na Índia. Em 1976, Rohden foi chamado a Portugal para fazer conferências sobre autoconhecimento e auto-realização. Em Lisboa fundou um setor do Centro de Auto-Realização Alvorada. Nos últimos anos, Rohden residia na capital de São Paulo, onde permanecia alguns dias da semana escrevendo e reescrevendo seus livros, nos textos definitivos. Costumava passar três dias da semana no ashram, em contato com a natureza, plantando árvores, flores ou trabalhando no seu apiário-modelo. Quando estava na capital, Rohden frequentava periodicamente a editora responsável pela publicação de seus livros, dando-lhe orientação cultural e inspiração. À zero hora do dia 8 de outubro de 1981, após longa internação em uma clínica naturista de São Paulo, aos 87 anos, o professor Huberto Rohden partiu deste mundo e do convívio de seus amigos e discípulos. Suas últimas palavras em estado consciente foram: “Eu vim para servir à Humanidade”. Rohden deixa, para as gerações futuras, um legado cultural e um exemplo de fé e trabalho, somente comparados aos dos grandes homens do século XX.
RELAÇÃO DE OBRAS DO PROF. HUBERTO ROHDEN
COLEÇÃO FILOSOFIA UNIVERSAL: O PENSAMENTO FILOSÓFICO DA ANTIGUIDADE A FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA O ESPÍRITO DA FILOSOFIA ORIENTAL
COLEÇÃO FILOSOFIA DO EVANGELHO: FILOSOFIA CÓSMICA DO EVANGELHO O SERMÃO DA MONTANHA ASSIM DIZIA O MESTRE O TRIUNFO DA VIDA SOBRE A MORTE O NOSSO MESTRE
COLEÇÃO FILOSOFIA DA VIDA: DE ALMA PARA ALMA ÍDOLOS OU IDEAL? ESCALANDO O HIMALAIA O CAMINHO DA FELICIDADE DEUS EM ESPÍRITO E VERDADE EM COMUNHÃO COM DEUS
COSMORAMA PORQUE SOFREMOS LÚCIFER E LÓGOS A GRANDE LIBERTAÇÃO BHAGAVAD GITA (TRADUÇÃO) SETAS PARA O INFINITO ENTRE DOIS MUNDOS MINHAS VIVÊNCIAS NA PALESTINA, EGITO E ÍNDIA FILOSOFIA DA ARTE A ARTE DE CURAR PELO ESPÍRITO. AUTOR: JOEL GOLDSMITH (TRADUÇÃO) ORIENTANDO “QUE VOS PARECE DO CRISTO?” EDUCAÇÃO DO HOMEM INTEGRAL DIAS DE GRANDE PAZ (TRADUÇÃO) O DRAMA MILENAR DO CRISTO E DO ANTICRISTO LUZES E SOMBRAS DA ALVORADA ROTEIRO CÓSMICO A METAFÍSICA DO CRISTIANISMO A VOZ DO SILÊNCIO TAO TE CHING DE LAO-TSÉ (TRADUÇÃO) SABEDORIA DAS PARÁBOLAS O QUINTO EVANGELHO SEGUNDO TOMÉ (TRADUÇÃO) A NOVA HUMANIDADE A MENSAGEM VIVA DO CRISTO (OS QUATRO EVANGELHOS TRADUÇÃO) RUMO À CONSCIÊNCIA CÓSMICA O HOMEM
ESTRATÉGIAS DE LÚCIFER O HOMEM E O UNIVERSO IMPERATIVOS DA VIDA PROFANOS E INICIADOS NOVO TESTAMENTO LAMPEJOS EVANGÉLICOS O CRISTO CÓSMICO E OS ESSÊNIOS A EXPERIÊNCIA CÓSMICA
COLEÇÃO MISTÉRIOS DA NATUREZA: MARAVILHAS DO UNIVERSO ALEGORIAS ÍSIS POR MUNDOS IGNOTOS
COLEÇÃO BIOGRAFIAS: PAULO DE TARSO AGOSTINHO POR UM IDEAL – 2 VOLS. AUTOBIOGRAFIA MAHATMA GANDHI JESUS NAZARENO EINSTEIN – O ENIGMA DO UNIVERSO PASCAL MYRIAM
COLEÇÃO OPÚSCULOS: SAÚDE E FELICIDADE PELA COSMO-MEDITAÇÃO
CATECISMO DA FILOSOFIA ASSIM DIZIA MAHATMA GANDHI (100 PENSAMENTOS) ACONTECEU ENTRE 2000 E 3000 CIÊNCIA, MILAGRE E ORAÇÃO SÃO COMPATÍVEIS? CENTROS DE AUTO-REALIZAÇÃO