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CARTA UNIVERSIA RIO 2014 QuestĂľes estratĂŠgicas e propostas para as universidades ibero-americanas
III Encontro Internacional de Reitores Universia
Rio de Janeiro Julho 2014
No “III Encontro Internacional de Reitores” refletimos sobre a universidade do século XXI à luz dos eixos estratégicos da Agenda de Guadalajara Universia 2010 e das novas expectativas e tendências universitárias, com o propósito de fortalecer o Espaço Ibero-americano do Conhecimento socialmente responsável. A transformação é consubstancial à instituição universitária; e a atualidade aponta tendências de relevante significado e alcance que estão modificando sensivelmente o mundo universitário tal como o conhecemos. Assim, cabe destacar entre outras tendências: a ampliação, diversificação e renovação da demanda de cursos, diplomas e modelos de ensino; o aumento e a diferenciação da oferta educacional e de educação transnacional; a crescente e imparável internacionalização; a consolidação de novos esquemas de concorrência e cooperação universitária; a necessidade de uma gestão eficiente da geração, transmissão e transferência do conhecimento ao serviço do desenvolvimento e da coesão social; a irrupção dos conteúdos educacionais digitais; e a transformação dos esquemas de financiamento e organização. Esse é o desafio a que deverão saber responder as universidades ibero-americanas nos próximos anos e o eixo central das reflexões e análises desencadeadas pelo “III Encontro de Reitores” que, com as sessões dos dias 28 e 29 de julho de 2014 no Rio de Janeiro, culmina um processo amplo, aberto e dinâmico de consultas, debates e participação em rede durante os dois últimos anos, convertendo-o em um foro sem precedentes no âmbito universitário internacional. A partir desta reflexão coletiva sobre o presente e o futuro das universidades iberoamericanas, suas limitações e potencialidades; e sobre as necessidades e aspirações das sociedades da região ante o horizonte do século XXI, formula-se uma ambiciosa estratégia comum de atuação com as seguintes questões, propostas e compromissos compilados nesta Carta Universia Rio 2014.
DEZ QUESTÕES-CHAVE
1. A consolidação do Espaço Ibero-americano do Conhecimento (EIC) Nos últimos anos, foram registradas e reconhecidas iniciativas relevantes para a criação do EIC mas sua consolidação requer novos, maiores e mais incisivos compromissos em âmbitos como: a mobilidade universitária; a equivalência e a transferência de créditos; a comparabilidade da estrutura de cursos e o reconhecimento dos diplomas ou o credenciamento das instituições e estudos. Esta estratégia precisa tanto de um forte compromisso intergovernamental como de uma sustentada ação das universidades para que se continue a construir o EIC sobre uma base de acordos e convênios que removam os obstáculos administrativos, financeiros e acadêmicos que ainda nos condicionam. Adicionalmente, torna-se necessário o desenvolvimento de ações nas quais participem governos, instituições, empresas, associações e organizações sociais, com o propósito de aproveitar as oportunidades que oferecem os atuais e diversos instrumentos de cooperação regional e transnacional. 2. A responsabilidade social e ambiental da universidade Trata-se de um compromisso irrenunciável da instituição universitária se esta aspira a responder às exigências de seu entorno e tempo, com o objetivo de servir de insubstituível instrumento em prol de inclusão social, bem estar, desenvolvimento, criatividade, transmissão de valores, transformação social, igualdade de oportunidades e proteção do meio ambiente. Este compromisso deve ser lançado por meio de diversas iniciativas e atuações, entre as quais devem ser priorizadas as seguintes: o incremento do acesso à universidade, especialmente por estudantes provenientes de lares menos favorecidos; a formação em princípios, valores e capacidades; o reforço das políticas de gênero; a atenção a grupos com necessidades especiais; a defesa da inclusão social e o cuidado com um desenvolvimento mais sustentável e equilibrado, no qual a proteção do meio ambiente adquire uma centralidade inquestionável.
O impacto da universidade ibero-americana tem, ademais, uma indubitável relevância em seu contexto institucional, econômico e social mais próximo, erigindose esta como o principal motor do progresso local em muitos casos. O papel das universidades, em estreita cooperação com os governos, empresas e outras instituições e agentes, tem sido decisivo para colocar em marcha projetos de desenvolvimento local que conectem frutiferamente formação e pesquisa com as necessidades do entorno, assim como aqueles que estabelecem mecanismos de enlace com o sistema produtivo e facilitam a iniciativa e a inserção laboral dos graduados. 3. A melhoria da informação sobre as universidades ibero-americanas Uma informação ampla e rigorosa sobre cada instituição e os diversos sistemas nacionais em seu conjunto é imperativo de transparência, eficácia, equidade e governabilidade. O objetivo é divulgar as características próprias das instituições, suas atividades e programas de interesse para estudantes, empregadores e, portanto, também para governos e para a sociedade civil. É uma tarefa de especial transcendência agora, quando a visão sobre o contexto universitário global e a posição que cada universidade ocupa neste estão dominadas por rankings que apresentam viés e deficiências; os quais aparecem, em determinadas ocasiões, indevidamente, como árbitros da excelência acadêmica universal. As universidades ibero-americanas, sem renunciar a melhorar sua posição nas avaliações internacionais, propõem-se a trabalhar em seu aperfeiçoamento e a criar instrumentos mais adequados de informação e comparação, dotados de um caráter multidimensional que reflita correlativamente a diversidade das instituições, com suas missões e culturas organizacionais, seus diferentes objetivos e o impacto em seu entorno social e acadêmico. 4. A atenção às novas expectativas dos estudantes As atitudes, aptidões, perfis, competências e modos de comunicação das novas gerações de estudantes evoluem rapidamente, trazendo numerosos desafios às universidades.
Cabe ressaltar os seguintes: a incorporação de novas linguagens e suportes de comunicação; a oferta de programas formativos que enfatizem valores e competências específicas, assim como o ensino de conteúdos aplicados; a constante revisão dos componentes curriculares e o estímulo a novos cursos e diplomas (titulações duplas e conjuntas) que não defraudem as necessidades de inserção laboral e o sentido empreendedor dos jovens; e as atividades de aprendizagem colaborativa e de apoio pedagógico, social e emocional para todos os estudantes, incorporando programas específicos para aqueles com dificuldades de aprendizagem ou que compatibilizam estudo e trabalho. Também se exige flexibilizar os planos de estudo para promover a mobilidade estudantil, reduzir o abandono prematuro dos estudos, assegurar a colaboração com os empregadores e facilitar a participação em experiências e conhecimentos profissionais. 5. A formação continuada dos professores e o fortalecimento dos recursos docentes Ainda subsistem debilidades na estruturação do corpo acadêmico, na proporção de docentes doutores e na disponibilidade de recursos suficientes para o ensino, a infraestrutura e os equipamentos para uma docência de qualidade. Corrigir estes aspectos deve ser prioridade para as universidades ibero-americanas. É imprescindível contemplar rigorosos sistemas de seleção do magistério, organizar esquemas transparentes de promoção na carreira acadêmica, contar com planos de atualização para docentes em serviço, promover sua motivação e avaliação, incentivar a inovação de métodos e técnicas pedagógicas, fomentar o uso de tecnologias educacionais digitais e ampliar a mobilidade internacional dos professores. Em síntese, criar condições favoráveis para a retenção e atração dos melhores professores constitui um objetivo primordial, que deve ser incorporado às medidas e ações previstas pelas universidades ibero-americanas.
6. A garantia de qualidade do ensino e sua adequação às necessidades sociais Estes objetivos fundamentais para as universidades ibero-americanas requerem atuação orientada em três direções prinicipais. Primeira, procurar um equilíbrio entre conhecimentos, habilidades e competências; incorporar metodologias interdisciplinares; facilitar a aquisição de destrezas profissionais; renovar os métodos de ensino e aprendizagem; e ampliar o uso das tecnologias digitais. Segunda, contar com instrumentos que permitam captar as demandas sociais, dispor de instâncias eficazes para a inserção laboral dos titulados universitários e estabelecer planos de formação continuada melhor definidos. Terceira, garantir a qualidade dos programas de estudo mediante esquemas e procedimentos de acreditação, organizados como serviços públicos a cargo de agências com autonomia, que adotem padrões internacionais e critérios acadêmicos rigorosos; e que atuem sem impor uma pesada carga burocrática às universidades. É essencial que estes sistemas operem com base na confiança e estimulem a autorregulação e a autoavaliação institucionais, sem converter-se em meros dispositivos de controle externo das atividades acadêmicas. Corresponde, pois, ao Estado a garantia de sua profissionalidade, bem como o respaldo institucional e o respeito pela sua autonomia e adequado financiamento. 7. A melhoria da qualidade da pesquisa, a transferência de seus resultados e a inovação As universidades constituem a principal fonte de geração da ciência de qualidade nas sociedades ibero-americanas. Para dar um salto adiante em pesquisa e no seu impacto, na transferência de resultados e na inovação, as universidades enfrentam desafios de primeira magnitude. Devem ampliar sua capacidade de investigação, melhorando o rendimento e a qualidade de seus resultados e ativando sua utilidade em processos inovadores e de transferência. Devem colaborar entre si e com todas as partes interessadas, para
que os conhecimentos sejam aproveitados como elemento de produtividade e competitividade econômica, de geração de riqueza e emprego, de inovação e coesão social. Devem criar centros de excelência, fomentando a mobilidade de recursos humanos entre a universidade e as empresas; contar com políticas de proteção e transferência de resultados da pesquisa e impulsionar programas de colaboração internacional; e fortalecer sua capacidade de inovação e empreendimento, os vínculos com o setor produtivo, os programas de capital semente e de criação de empresas baseadas em conhecimento. Para tudo isso, será imprescindível maior financiamento - público e privado, nacional e internacional - planejado estrategicamente para a melhoria da organização e gestão dos sistemas nacionais de ciência e tecnologia, com a participação cooperativa de governos, empresas, universidades e centros de pesquisa. 8. A ampliação da internacionalização e das iniciativas de mobilidade O impulso da internacionalização torna-se uma tarefa imprescindível que se projeta em uma tripla dimensão. De um lado, com a melhoria da visibilidade e atratividade das universidades ibero-americanas; de outro, com o fortalecimento dos instrumentos e da cultura de internacionalização na instituição e em suas atividades, propiciando a participação em programas, redes e alianças internacionais; e, por último, na exploração das possibilidades de atração de estudantes, investigadores e professores de diversas nacionalidades. A mobilidade, resultado e motor da internacionalização, requer um compromisso adicional para que sejam removidos os obstáculos financeiros, administrativos e acadêmicos ora existentes; e, assim, superados os atuais níveis, seja atendida sua crescente demanda, física e virtual, com uma visão renovada que permita a captação efetiva de talentos, favorecendo tanto a mobilidade intrarregional como com outras regiões universitárias do mundo. 9. A utilização plena das tecnologias digitais As tecnologias digitais estão provocando uma mudança marcante no cenário educacional presente, ao mesmo tempo que geram profundas transformações e
inovações, às vezes até desestabilizadoras, nos modos de geração, acesso, reprodução, transmissão e acumulação de conhecimentos. Adaptar-se a este processo inexorável de mudança constitui um desafio para as universidades ibero-americanas, pois ainda não desenvolveram, com a incidência necessária, uma visão digital que abarque todo seu potencial. A cooperação interuniversitária neste âmbito torna-se, especialmente, conveniente para: promover iniciativas orientadas à pesquisa e ao desenvolvimento de modelos de suporte e elaboração de conteúdos educacionais digitais; impulsionar a formação continuada com recursos em rede; oferecer serviços de investigação convergentes; desenhar políticas e programas de divulgação livre do conhecimento; dispor de recursos compartilhados; desenvolver programas educacionais abertos em linha (MOOC) e formar redes de conhecimento com uma adequada articulação dos processos locais e globais de garantia da qualidade e acreditação. A ubiquidade das tecnologias digitais coloca, ademais, novas necessidades tais como a de fazer evoluir os esquemas de colaboração institucional, induzindo alianças internacionais em prol da educação e da inovação abertas; ou a de fortalecer a coordenação das agências de acreditação no reconhecimento dos cursos em ambientes digitais. 10. A adaptação a novos esquemas de organização, governo e financiamento Constitui condição indispensável ao eficaz funcionamento das universidades iberoamericanas e um elemento fundamental para sua autonomia, independência e liberdade. As universidades mais sólidas e com prestígio internacional caracterizam-se por uma alta concentração e atração de talentos, abundantes recursos e financiamento, além de uma governança flexível e profissional. Estes devem ser também objetivos estratégicos para as universidades ibero-americanas, que precisam de uma moderna estrutura organizacional - ágil, qualificada e responsável, com as mais modernas técnicas de gestão e estruturas de direção e administração, com eficazes sistemas de informação para a tomada de decisões – de modo a incorporar a melhoria de processos e de resultados da atividade universitária.
Outrossim, devem contar com uma gestão transparente que assegure a prestação de contas à sociedade e ao Estado. Devem dispor de financiamento para responder ao princípio de equidade, com um reforço às políticas de bolsas e assistência estudantil; e de garantia da sua sustentabilidade com maior apoio público e diversificação de suas fontes de receita, inclusive as de valorização do conhecimento produzido.
PROPOSTAS DE ATUAÇÃO
1. Sistema de Reconhecimento de Estudos e Títulos, como peça imprescindível para o desenvolvimento do Espaço Ibero-americano do Conhecimento, e com o objetivo de harmonizar os mecanismos e normas de equivalência de estudos e cursos. 2. Programas de Responsabilidade Social (Cooperação Social e Voluntariado Universitário), a serem desenvolvidos pelas universidades, com visibilidade no Universia, para alavancar ações sociais em colaboração com as instâncias públicas, as empresas e os demais agentes sociais e fortalecer o compromisso social da comunidade universitária. 3. Projetos de Desenvolvimento Local Sustentável, baseados em programas para estimular e reforçar o desenvolvimento sustentável do ambiente local e regional, vinculados a ações de fomento do empreendedorismo e da inovação baseada em conhecimento, nascidos da confiança e da colaboração entre universidades e empresas, com apoio das entidades públicas e demais agentes sociais. 4. Sistema de Informação da Educação Superior na Ibero-América, como integrador dos sistemas nacionais ou de associações e redes universitárias existentes, com o objetivo de compilar e analisar dados e indicadores-chave das universidades e oferecer informação sobre os mesmos. 5. Programas acadêmicos transnacionais, desenvolvidos mediante ações formativas interuniversitárias de reconhecida qualidade acadêmica, tanto de
graduação como de pós-graduação, realizadas por redes transnacionais, com apoio na mobilidade e em tecnologias digitais.
universitárias
6. Programas de práticas profissionais e de empreendedorismo para estudantes, a serem desenvolvidos pelas universidades em colaboração com governos, empresas e instituições, visando promover a formação prática, a capacidade empreendedora e a experiência no mundo do trabalho, tanto em administrações públicas como privadas, com particular ênfase em pequenas e médias empresas. 7. Iniciativa Ibero-americana de formação do magistério, visando fortalecer a formação inicial e continuada dos docentes, a sua mobilidade, a atualização em metodologias didáticas e a disponibilidade de recursos educacionais abertos, contando com o apoio de espaços promovidos pela Universia. 8. Projeto "Ibero-América Investiga" para a formação de doutores e pesquisadores, baseado na colaboração entre universidades, empresas e instâncias públicas, para robustecer a capacidade de pesquisa da região iberoamericana através, por um lado, da formação de investigadores e doutores em setores estratégicos, para o desenvolvimento de atividades em ambientes criativos ou produtivos; e, por outro, para dar visibilidade e difundir seus resultados em meio aberto. 9. Programa Ibero-americano de mobilidade universitária, que integre e impulsione as diversas ações de internacionalização e mobilidade acadêmica, tanto física como virtual, com o fortalecimento de setores institucionais de internacionalização, criados para o fomento da cooperação interuniversitária. 10. Espaço digital ibero-americano, para reforçar a cooperação interuniversitária no desenvolvimento e uso cooperativo das novas tecnologias, cursos, conteúdos, métodos e programas abertos, MOOC, a partir dos recursos e suporte que proporcionam a disponibilidade, trajetória, enraizamento e conquistas da rede Universia.
11. Planos de uso compartilhado de grandes instalações e equipamentos, para a ampliação e o uso racional das infraestruturas e dos recursos acadêmicos e de investigação da região, a partir de um mapa das grandes instalações e da sua gestão.
E UM COMPROMISSO
As universidades ibero-americanas participantes no III Encontro de Reitores Universia comprometem-se a divulgar suas reflexões e a dar conhecimento, com o apoio das conferências nacionais de reitores e universidades e da Universia, das propostas desta Carta Rio 2014 a todos os governos e administrações públicas, associações empresariais e atores sociais com os quais querem compartilhar a responsabilidade de sua execução. Em particular, a apresentá-las à consideração dos Chefes de Estado e de Governo que se reunirão na próxima Cúpula Iberoamericana, a celebrar-se em Veracruz, México, em dezembro deste ano. Este compromisso começa dentro das próprias universidades, que manifestam a sua vontade de desenvolver as orientações e propostas expressas nesta Carta Rio 2014; e se estende também aos responsáveis governamentais. Com este fim é feito um apelo para que sejam favorecidos os investimentos públicos e privados em educação, pesquisa, desenvolvimento e inovação, até ser alcançada uma percentagem do PIB similar à dos países com os sistemas universitários mais reconhecidos. Consolidar e dinamizar o Espaço Ibero-americano de Conhecimento é uma tarefa prioritária para estabelecer os alicerces de uma sociedade baseada no conhecimento, no empreendedorismo e na inovação; e que aspira aos mais elevados níveis de liberdade, justiça social, bem estar, coesão e inclusão social.
Rio de Janeiro, 29 de julho de 2014