CATARATA & CIRURGIA REFRATIVA SUPLEMENTO INTEGRANTE DA REVISTA UNIVERSO VISUAL EDIÇÃO 99 - MAIO/JUNHO 2017
CATARATA & CIRURGIA REFRATIVA ESTE SUPLEMENTO É PARTE INTEGRANTE DA REVISTA UNIVERSO VISUAL, EDIÇÃO 99 - MAIO/JUNHO 2017
SUMÁRIO 06 Laser de femtossegundo:
comparação entre LensX e Z8
Apresentação
N
este suplemento especial da Revista Universo Visual, edição 99, discorremos, mais uma vez, sobre o tema “Catarata & Cirurgia Refrativa”, abordando novos tópicos que fazem parte da rotina dos especialistas que atuam nesta área da Oftalmologia, sempre com o objetivo de trazer informações atualizadas. O editor clínico deste suplemento é o diretor clínico do Hospital de Olhos do Paraná (Curitiba, PR), Hamilton Moreira, e os diversos participantes desta edição abordaram os seguintes subtemas: Laser de femtossegundo: comparação entre LensX e Z8; Importância da face posterior da córnea; Controvérsias e legislação da cirurgia facorrefrativa; Avanços das LIOs no Brasil e no mundo; Custo atual da cirurgia de catarata; Tratamento da infecção - injeção de antibióticos na câmara anterior; Fórmula Barret e LIOs tóricas; Correção da presbiopia com LIOs intraoculares; Lentes intraoculares de foco estendido; Femtossegundo: características peculiares do laser Catalys; Avaliação da córnea: o desafio continua pela busca de novos gold standards?; LIOs premium: características e acessibilidade. Boa leitura!
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Importância da face posterior da córnea Controvérsias e legislação da cirurgia facorrefrativa Avanços das LIOs no Brasil e no mundo
20 Custo atual da cirurgia de catarata 22 Tratamento da infecção - injeção
de antibióticos na câmara anterior
24 Fórmula Barret e LIOs tóricas 27
Correção da presbiopia com LIOs intraoculares
30 Lentes intraoculares de foco estendido 32
Flavio Bitelman
Publisher – fbitelman@universovisual.com.br
Futuro das lentes intraoculares acomodativas?
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Femtossegundo: características peculiares do laser Catalys Avaliação da córnea: o desafio continua pela busca de novos gold standards?
36 LIOs premium: características e acessibilidade
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HAMILTON MOREIRA
Caros
colegas Guimarães Rosa alertava: “É junto dos bão que a gente fica mió”.
T
enho 33 anos de oftalmologia. Com este tempo, tive a oportunidade de conhecer muita gente boa. Pedi aos meus amigos para escreverem sobre assuntos que considerei essenciais para um suplemento que visa atualizar o oftalmologista brasileiro no setor da cirurgia da catarata e refrativa. A Oftalmologia Brasileira está muito avançada neste setor. Tem muita coisa boa aqui dentro. Nosso objetivo foi abordar as novas tecnologias. As que já estão aqui, em uso em nossas clínicas, e as que devem chegar em um futuro próximo. Nossas dúvidas práticas sobre os equipamentos de laser de femtossegundo, o dilema e a hipervalorização da face posterior da córnea, as lentes difrativas e as futuras acomodativas, os equipamentos para aferir o real
valor dióptrico da córnea, fórmulas modernas de biometria, e até mesmo questões médico-legais envolvendo a cirurgia refrativa sobre o cristalino. Este fascículo especial tornou-se uma preciosidade. Com grande orgulho do resultado, agradeço a todos os colegas que colaboraram. Espero que apreciem o suplemento! Aí fiquei mió. Iémêmu.
Hamilton Moreira diretor clínico do Hospital de Olhos do Paraná
Expediente
Publisher e editor Flavio Mendes Bitelman Editora executiva Marina Almeida Repórter Flavia Lo Bello Diretora de arte Ana Luiza Vilela Gerente comercial Jéssica Borges Assistente comercial Cristiana Brito Gerente administrativa Juliana Vasconcelos Impressão Ipsis Gráfica e Editora S.A Circulação Este suplemento é parte integrante da Revista Universo edição 99. Nenhuma parte desta edição (texto ou imagens) pode ser utilizada ou reproduzida sem autorização prévia e por escrito da Jobson Brasil. Jobson Brasil Rua Cônego Eugênio Leite, 920 - São Paulo/SP – 05414-001 Tel. 11 3061-9025 marina.almeida@universovisual.com.br | www.universovisual.com.br
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WALTON NOSÉ
Laser de femtossegundo:
comparação entre LensX e Z8 O
médico oftalmologista Walton Nosé, professor adjunto e livre-docente da Unifesp/EPM e fundador da Eye Clinic Day Hospital São Paulo, conta que a tecnologia do laser de femtossegundo para cirurgia de catarata teve seu uso clínico publicado pela primeira vez em 2009. Desde então, a cirurgia de catarata com laser de femtossegundo está em evidência e vários autores tendem a comparar os resultados desta nova tecnologia com a facoemulsificação manual. “Sabemos que o índice de complicações da cirurgia de catarata, em geral, é muito baixo, dificultando a produção de resultados estatísticos que consigam diferenciar estas duas técnicas. Hoje sabemos que os resultados são semelhantes e a escolha da técnica é basicamente dependente da preferência do cirurgião”, comenta o professor. Ele esclarece que os aparelhos de femtossegundo utilizam um feixe de luz com comprimento de onda na faixa do infravermelho (1053 nm), facilitando a separação dos
tecidos pelo processo chamado fotodisrupção. “O laser de femtossegundo para cirurgia de catarata pode realizar as incisões corneanas, capsulotomia e a fragmentação do núcleo com diferentes desenhos e formatos”, revela o médico, enfatizando que o femtossegundo pode realizar também, com grande precisão, incisões relaxantes, discos corneanos para a cirurgia de Lasik, túneis para implantes corneanos e transplantes de córnea. “Das plataformas existentes, várias realizam procedimentos combinados - córnea e cristalino”, completa o especialista. A tabela 1 mostra os diferentes equipamentos disponíveis no mercado, suas características e utilidades. “Existem no mercado, basicamente, duas tecnologias que diferem entre si em relação à energia e frequência dos pulsos do laser de femtossegundo”, destaca o cirurgião, salientando que o laser FEMTO LDV™ Z8 (Ziemer Ophthalmic Systems AG, Suíça) é o único no mercado a utilizar baixa energia nJ (nano Joule) e alta frequência MHz (Mega
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aparelhos utilizados: o LenSx apresenta um acoplamento muito fácil e direto, não necessitando de interface líquida (figura 1), enquanto o Z8 utiliza interface líquida, necessitando de duas etapas do “docking” (figura 2). “O maior benefício desta interface seria a menor possibilidade de hemorragias subconjuntivais e o não aplanamento da córnea”, comenta. Outra diferença, ele revela, seria na sequência do procedimento cirúrgico: enquanto o LenSx faz a capsulotomia em primeiro lugar, o Z8 faz primeiro a núcleo-fratura. “Isto devido à menor produção de bolhas durante a fratura, por causa da utilização de baixa energia e alta frequência”, afirma. O médico esclarece que a incisão corneana do LenSx é triplanar e realizada com facilidade, com grande quantidade de variáveis, tais como profundidade, inclinação, largura e espessura. “Já no Z8 são realizadas apenas incisões biplanares. Na núcleo-fratura existe uma maior quantidade de formatos, diâmetros e profundidades no laser LenSx”, aponta o oftalmologista, enfatizando que a núcleo-fratura do Z8 permite ao cirurgião realizar fraturas radiais em número de quatro a oito com comprimento
Hertz). Todos os outros equipamentos utilizam alta energia mJ (micro Joule) e baixa frequência KHz (Kilo Hertz). “Esta diferença pode não ser clinicamente importante, porém nota-se nos aparelhos que utilizam baixa energia e alta frequência uma menor produção de bolhas, pontes entre tecidos (bridges) e opacidades estromais (OBL)”, assegura o oftalmologista. Na opinião do professor, as indicações para o uso do femtolaser na cirurgia da catarata dependem exclusivamente da preferência do cirurgião, habilidade e experiência com o procedimento. “Teoricamente, todos os casos de catarata podem ser realizados com o auxílio do laser de femtossegundo, no entanto existem casos especiais, como grandes opacidades corneanas, câmara anterior muito rasa e pupilas extremamente pequenas na qual existirá maior dificuldade para a utilização do laser”, pondera o médico. Diferenças entre os equipamentos e vantagens de cada um
Quanto à escolha do equipamento, o especialista diz que não se percebem diferenças significativas entre os dois
Tabela 1: Plataformas disponíveis de laser de femtossegundo para cirurgia de catarata Plataforma Fabricante/ Distribuidor
Catalys Optimedica/ Abbott (J&J)
LensAR LensAR/
LenSx Alcon/ Novartis
Victus Bausch&Lomb
Femto LDV Z8 Ziemer/Adapt
Frequência do pulso (kHz)
120
80
50
80 (catarata) 160 (córnea)
100 -104 (>15MHz)
Duração do pulso < 600 fs
1,5ps
600-800fs
400-550fs
200-500fs
Energia (nJ) Capsulotomia Fragmentação
4 8-10
7 7-10
6-6,5 10-14
7,2 7,9
0,05-2,5
Interface do paciente
2 peças 2 peças interface interface líquida líquida
Peça única curva (SoftFit)
2 peças curva com clipe de sucção separado líquida
2 peças interface líquida
Procedimentos disponíveis
Catarata
Catarata
Catarata
Catarata/Córnea/ Refrativa
Catarata/Córnea/ Refrativa
Aplanação
Não
Não
Sim
Não (catarata)
Não (catarata)
Tipo de imagem
OCT
Captura Scheimpflug
OCT
OCT
OCT
Padrões de fragmentação
Vários
Vários
Vários
Vários
Cruz (4) ou Pizza (8)
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Figura 1: Acoplamento com LenSx.
Figura 2: Acoplamento com Z8.
OCT no Z8
Aspecto do OCT no LenSx.
e profundidades variáveis orientadas pela tomografia de coerência óptica (OCT). Para o especialista, os benefícios da utilização do laser de femtossegundo na cirurgia de catarata são inúmeros. “Podemos citar a capsulotomia e a pré-fratura nuclear como as duas etapas que mais ajudam o cirurgião. Receber o paciente com as incisões corneais, capsulotomia e as fraturas do núcleo já realizadas é muito conveniente, facilitando o procedimento, dando segurança e previsibilidade”, reitera, destacando como outra grande vantagem da tecnologia do laser de femtossegundo a possibilidade de realização de outros procedimentos associados. “A utilização de incisões relaxantes limbares para correção do astigmatismo concomitante à facoemulsificação é frequentemente realizada. Nas cirurgias tríplices (transplante, catarata e implante de LIO), o laser facilita a trepanação
corneana tanto do doador como do receptor”, observa. Na hora da escolha entre os diversos equipamentos presentes no mercado, o professor enfatiza que o cirurgião deve optar pelo aparelho que melhor se adapte às suas necessidades: um laser de femtossegundo que só faça catarata ou outro que possibilite a realização de cirurgias de córnea, catarata e refrativa. “Uma limitação de toda nova tecnologia envolve o custo dos equipamentos, insumos e depreciação. Existe um mínimo de procedimentos que tornam o investimento viável e, para tal, o cirurgião deve levar em consideração, mais uma vez, todas as possíveis variáveis”, finaliza Nosé. Fonte consultada: Femto LDV Z8 Cornea Cataract Presbyopia Ziemer Ophthalmology; Operator Manual; 2013 Ziemer Ophthalmic Systems AG; Doc.No. 5940-0507-01. l
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WALLACE CHAMON
Futuro das lentes
intraoculares: acomodativas? C
onforme esclarece o oftalmologista Wallace Chamon, professor do Departamento de Oftalmologia da Unifesp/EPM e da University of Illinois em Chicago (UIC), as lentes intraoculares (LIOs) se desenvolveram muito nos últimos anos, principalmente como consequência da adoção da tecnologia difrativa. “Esta tecnologia permitiu que a luz fosse manipulada com precisão e diferentes focos, com diferentes níveis de energia luminosa, fossem definidos”, afirma o médico, salientando que, inicialmente, os fabricantes investiram em permitir a melhor acuidade visual com a menor interferência possível entre os diferentes focos, sen-
do criadas as LIOs com focos muito díspares (alta adição, com focos próximos a 30 cm e infinito). Ele informa que estas lentes sempre apresentaram “números” impressionantes de acuidade visual; no entanto, a realidade do dia a dia demonstrou que um foco tão próximo, com a precisão determinada pela tecnologia difrativa, não era interessante. “Os pacientes ficavam limitados à leitura de objetos desagradavelmente próximos”, avalia o cirurgião, enfatizando que o melhor entendimento das expectativas dos pacientes e da tecnologia aplicada permitiu a evolução destas LIOs para adições menores e distâncias de leitura mais confortáveis,
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Nos pacientes ideais, os resultados são impressionantes no que tange à acuidade visual e à independência de óculos, atingindo sucesso em cerca de 95% dos casos
sem que a interferência entre os focos se tornasse clinicamente importante. “Neste ponto, é importante ressaltar que, opticamente, é impossível que uma LIO com mais de um foco não gere halos ao redor dos objetos e que quanto mais próximos forem estes focos, mais intenso será este halo”, explica o oftalmologista. De acordo com Chamon, as indicações atuais das lentes intraoculares incluem todos os pacientes que desejam independência dos óculos (“e quem não desejaria?”), apresentam limitações para a indicação de monovisão ou báscula e não apresentem doenças retinianas ou astigmatismos corneanos irregulares. “Nos pacientes ideais, os resultados são impressionantes no que tange à acuidade visual e à independência de óculos, atingindo sucesso em cerca de 95% dos casos”, relata o professor. Ele diz que as limitações são inerentes à tecnologia difrativa, como a divisão da energia luminosa em diferentes focos, a qual, obrigatoriamente, diminui o contraste das imagens. “É uma questão física: a energia luminosa captada através da pupila é responsável pelo desencadeamento da resposta elétrica dos fotorreceptores”, revela o médico, ressaltando, ainda, que a quantidade de fótons disponível para a formação da imagem retiniana determina se haverá a percepção luminosa ou não. “Qualquer barreira que diminua a quantidade de energia na formação da imagem contribuirá para que, em situações de baixo contraste, a imagem não seja percebida”, analisa. Dessa maneira, ele destaca que a otimização da energia luminosa é fundamental para a eficiência das lentes difrativas multifocais. “Esta otimização pode ser obtida por meio da biometria perfeita e diminuição das aberrações ópticas cromáticas e acromáticas”, acrescenta. LIOs controladas eletronicamente
Segundo o oftalmologista, o objetivo teórico das lentes multifocais ideais é a utilização de toda a energia luminosa para a formação da imagem em focos distintos. Ele declara que isto só pode ser obtido com o fim da multifocalidade e
pela opção por lentes acomodativas, que transferem toda a energia para diferentes focos, dependendo da necessidade naquele momento. “Isto se torna óbvio quando pensamos nas máquinas fotográficas. Se a multifocalidade fosse uma alternativa eficiente, esta seria usada em equipamentos fotográficos, o que nunca aconteceu”, comenta o cirurgião. Chamon diz que algumas lentes acomodativas foram testadas e poucas foram disponibilizadas comercialmente nos últimos anos, como por exemplo a Crystalens® da Bausch&Lomb®, Synchrony® da Abbott® e outras. Ele afirma, no entanto, que nunca houve consenso se a energia do músculo ciliar seria capaz de alterar a posição destas lentes. “Mais uma vez voltamos à física, pois a mudança de foco de um sistema óptico requer a mudança mecânica do posicionamento da lente (ou do conjunto de lentes) ou a mudança do seu raio de curvatura, como proposto em alguns protótipos de lentes fluidas (como a FluidVision® da PowerVision®), ou, ainda, a mudança do seu índice de refração”, aponta. O especialista salienta que todas estas propostas requerem energia para serem viáveis. Para ele, este mesmo paradigma foi enfrentado há muitas décadas com o advento do marca-passo cardíaco e, mais recentemente, diafragmático, em que foi necessária a busca de uma solução para fornecer energia para aparatos implantados. “Com a evolução tecnológica e a capacidade de miniaturização, teoricamente seríamos capazes de implantar LIOs com antenas e baterias mínimas, carregadas por indução magnética a distância”, enfatiza. O médico esclarece que estas LIOs começam a ser chamadas de “Smart-lenses” e algumas empresas têm investido pesadamente nessa tecnologia, como a própria Google®, EVision Optics® e Ellenza®. “Considerando-se um mercado de cerca de cinco milhões de cirurgias de catarata a serem realizadas anualmente em um futuro próximo, creio que as LIOs controladas eletronicamente, as Smart-lenses, tornar-se-ão realidade muito antes do que imaginamos”, conclui Chamon. l
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MAURO CAMPOS
Importância da face
posterior da córnea N
a opinião do médico oftalmologista Mauro Campos, professor adjunto livre-docente da Unifesp/EPM (Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina) e diretor clínico do H. Olhos - Hospital de Olhos Paulista -, a popularização de tecnologias baseadas em sistemas Scheimpflug e OCT, o desenvolvimento de lentes intraoculares tóricas e a demanda por resultados refrativos mais precisos na correção da afacia impulsionaram o estudo sobre a face posterior da córnea.
Óptica geométrica e fisiológica
“Como sabemos, a luz é uma forma de energia radiante, com vários componentes de diferentes comprimentos de onda. Desde a energia não visível (ultravioleta, infravermelha) até a visível (azul, verde, amarelo, por
exemplo), a luz se propaga com velocidade que depende da estrutura material do meio em que está se difundindo”, explica o especialista, ressaltando que cada um dos comprimentos de onda tem velocidade própria em um mesmo meio, porém as diferenças entre as velocidades são mínimas. “Desta forma, salvo em discussões sobre aberrações cromáticas, consideramos a luz como tendo um comportamento único, principalmente no que se refere à luz visível”, complementa. De acordo com Campos, quando se compara a velocidade de propagação da luz no vácuo com um meio homogêneo, há o índice de refração, que é inversamente proporcional à velocidade de propagação. “Por exemplo, o índice de refração de uma lente acrílica é de 1.49, ou seja, a velocidade da luz, ao atravessar uma lente deste material, é 50% menor que a velocidade da luz no vá-
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Estudos populacionais indicam resultados controversos na frequência e magnitude do astigmatismo posterior da córnea e na sua orientação (favor ou contra a regra ou oblíquo
cuo”, esclarece o médico. Ele revela que a separação entre dois meios (materiais), como por exemplo ar e lágrima, é chamada dioptro. “Quando a luz atinge a interface entre estes meios ela pode sofrer absorção, reflexão, refração, polarização e interferência”, acrescenta. Segundo o oftalmologista, na refração, a luz atravessa a interface e, dependendo do índice de refração de cada um dos componentes materiais, pode sofrer desvios no trajeto. “Este é o princípio básico da mudança no trajeto da luz ao atravessar os diferentes dioptros do olho humano, como a face anterior (ar/filme lacrimal/córnea anterior) e a face posterior da córnea (córnea posterior/ humor aquoso). Obviamente, a mudança no trajeto da luz depende ainda do ângulo de incidência da luz em cada dioptro (Lei de Snell)”, enfatiza, salientando que a córnea é considerada um corpo óptico, pois é delimitada por duas interfaces, anterior e posterior. Além disso, por ser transparente, é considerada uma lente. “Ainda, por ser composta por duas interfaces curvas, a luz sofrerá uma mudança no ângulo de direção de propagação”, completa o especialista. Ele revela que como a córnea é composta por dioptros curvos, faz-se necessário entender o conceito de dioptro convexo (convergente) e côncavo (divergente). “Por convenção, o formato da face da lente é determinado a partir do meio de menor refringência”, informa o médico, destacando que no caso da córnea humana, o ar é o meio de menor refringência. Assim, a face anterior da córnea é convexa ou convergente (lente positiva). De acordo com o professor, a face posterior da córnea é divergente, pois apesar de ter curvatura parecida com a face anterior, o índice de refração do estroma corneano é maior que o índice de refração do humor aquoso. “A córnea posterior vai se comportar como uma lente negativa”, diz. “Lembrando da fórmula de cálculo do poder focal, estima-se que a córnea anterior normal tenha cerca de
48.8 dioptrias positivas e a córnea posterior cerca de 5.8 dioptrias negativas, resultando em um poder total de aproximadamente 43 dioptrias positivas”, continua o especialista, esclarecendo que ao se observar os poderes focais das duas interfaces corneanas, anterior e posterior, é possível observar que a córnea anterior possui cerca de oito vezes mais poder focal que a córnea posterior. “Quando associamos dois dioptros, como a face anterior e posterior da córnea, o cálculo do poder focal resultante depende também da espessura da lente (em metros)”, declara Campos. Como a córnea é uma lente muito fina, ele diz que as variações da espessura em condições fisiológicas não afetam clinicamente o poder focal. Para lembrar, o médico reitera que o índice de refração do ar é 1.00, do estroma é 1.376 e do humor aquoso é 1.336. “A diferença entre os índices do estroma e do humor aquoso é bem pequena, o que faz com que o poder dióptrico da córnea posterior seja bem baixo”, avalia. Medida do poder dióptrico da córnea
Segundo o oftalmologista, até recentemente a medição do poder dióptrico da córnea era feita com ceratômetros ópticos e discos de Plácido, sistemas capazes de medir o poder da face anterior da córnea. “Em alguns destes sistemas é possível utilizar diferentes índices de refração para a córnea, com o objetivo de compensar o poder dióptrico da face posterior que não pode ser medido nestes sistemas”, relata, salientando que até pouco tempo, o poder total da córnea era calculado a partir da medida da face anterior e a adoção de um índice de refração para toda a córnea, de 1.3375, utilizado para converter a medida anterior em medida total. Conforme esclarece o médico, nos últimos 20 anos o surgimento de tecnologias de fenda ou Scheimpflug, ou mesmo OCT, permite a avaliação da face posterior
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Algumas fórmulas de novíssima geração (como a de Barrett) atribuem ao astigmatismo posterior um valor médio de 0.3 DC a favor da regra e apresentam resultados extremamente próximos às fórmulas onde se coloca a medida obtida ou se utilizam fatores de correção para fórmulas mais antigas
da córnea. Não somente a medida direta da curvatura posterior (e seu poder dióptrico), mas também a associação de fórmulas matemáticas, ray tracing e aberrometria intraoperatória têm sido utilizadas para avaliar a córnea posterior e bastante atenção tem sido dada para a toricidade da face posterior. “A partir da medida de ambas as superfícies, pode-se calcular o poder total por adição de vetores”, comenta o professor.
5% dos olhos o valor foi diferente por mais de 0.5 DC”, observa. Para ele, deve-se ressaltar que vários estudos indicam que o astigmatismo anterior tende a virar contra a regra com a idade e o astigmatismo posterior pouco muda ao longo da vida. “Outros estudos apontaram frequências diferentes, o que podemos assumir que aqueles oftalmologistas que considerarem estes valores relevantes deverão medir ambas as superfícies”, analisa o médico.
Epidemiologia do astigmatismo corneano
Da teoria à prática diária
De acordo com Campos, vários estudos são publicados, utilizando-se diferentes técnicas de medida para calcular o astigmatismo anterior e posterior da córnea. “Estudos populacionais indicam resultados controversos na frequência e magnitude do astigmatismo posterior da córnea e na sua orientação (favor ou contra a regra ou oblíquo)”, afirma o especialista. Ele conta que em estudo clássico realizado por Douglas Koch, cerca de 51% das córneas apresentam astigmatismo anterior a favor da regra e 86% apresentam astigmatismo posterior a favor da regra. “Quando ambos, face anterior e posterior têm direções concordantes (ambos a favor, por exemplo), procedemos a soma simples dos valores respeitando-se o sinal”, aponta. Já quando o astigmatismo anterior for contrário ao posterior, orienta o especialista, efetua-se a subtração (no caso uma soma verdadeira, pois o sinal de ambos é contrário). “Praticamente metade das pessoas do estudo apresenta astigmatismo anterior menor ou igual a 1 DC”, diz, ressaltando que a importância, sob o ponto de vista clínico, em média, deste trabalho, é que o valor do astigmatismo corneano calculado apenas pela face anterior hipoestimou o astigmatismo real e total da córnea em 0.22 DC X 180. “Clinicamente quase desprezível. Porém, em
Para o oftalmologista, em mais de 40% dos casos, as causas para astigmatismo residual em cirurgia de catarata com implante de lente tórica não serão determinadas. “Por isso, algumas fórmulas de novíssima geração (como a de Barrett) atribuem ao astigmatismo posterior um valor médio de 0.3 DC a favor da regra e apresentam resultados extremamente próximos às fórmulas onde se coloca a medida obtida ou se utilizam fatores de correção para fórmulas mais antigas”, explica o professor. Ele revela que algumas sociedades de especialidades, fabricantes, proprietários de fórmulas biométricas, disponibilizam em suas plataformas virtuais modelos nos quais é possível incluir a medida do astigmatismo anterior e posterior para cálculo biométrico. “Clínicos e cirurgiões devem lembrar-se de outras situações que podem causar resultados refrativos indesejáveis, como o astigmatismo induzido pela incisão, a presença de córnea guttata ou Fuchs, o implante de lentes tiltadas (neste caso, discute-se se este problema poderia influenciar a medida de astigmatismo residual) e descentralizadas”, destaca Campos, concluindo que a introdução de sistemas de aberrometria intraoperatória poderá auxiliar na obtenção de resultados refracionais mais precisos na correção da afacia. l
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MARCO ANTÔNIO REY DE FARIA
Controvérsias e legislação
da cirurgia facorrefrativa S
egundo o oftalmologista Marco Antônio Rey de Faria, professor adjunto da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e especialista em Cirurgia de Catarata, Refrativa e Córnea, as principais indicações para a cirurgia facorrefrativa são as grandes ametropias associadas à presbiopia ou a própria presbiopia associada a baixas hipermetropias. “Pacientes com hipermetropias acima de 4 e com mais de 45 anos, que não gostem de óculos e que não se adaptem a lentes de contato, mesmo que a córnea permita, não têm bom resultado com cirurgia fotorrefrativa, assim como pacientes com miopias elevadas, acima de 10,00 D”, explica o médico. Além do mais, ele ressalta que esses pacientes, particularmente os altos míopes, desenvolvem catarata mais precocemente, o que torna a cirurgia facorrefrativa o caminho mais racional, com uma qualidade de visão muito melhor que uma cirurgia corneal. As principais controvérsias relacionadas à técnica da
cirurgia facorrefrativa, de acordo com o especialista, são na sua indicação em pacientes altos míopes jovens, sem descolamento do vítreo posterior e com risco alto de descolamento de retina. “Pacientes estes que, obviamente, devem ser evitados, mas que algumas vezes observamos que nos procuram já com a indicação de cirurgia por outro colega”, afirma o cirurgião, salientando que outra indicação controversa desta cirurgia é em pacientes hipermétropes, présbitas, com possibilidade de oclusão angular. “Além da classificação de ângulo oclusível nem sempre ser óbvia e poder causar controvérsias entre um examinador e outro, há discussão sobre a validade da indicação ou não da cirurgia facorrefrativa, com alguns glaucomatólogos defendendo que deve ser feita apenas uma iridotomia preventiva nesses casos”, analisa. Rey de Faria comenta que a câmara técnica do Conselho Federal de Medicina (CFM), da qual fez parte, foi provocada para emitir um parecer a respeito do tema. “Fui designa-
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que minimizam cada vez mais o erro refracional final. “Contra a cirurgia, temos as complicações, sendo a pior delas a ruptura da cápsula posterior. Uma cirurgia para ser ‘redonda’ é imprescindível que não tenha havido ruptura da cápsula posterior. Esta é uma afirmação que posso definir como um axioma, pois sei que todos concordarão comigo”, avalia o cirurgião, enfatizando que se a cápsula rompe, muda todo o prognóstico, pois o risco de infecção aumenta e a possibilidade de descolamento de retina aumenta exponencialmente. “Na grande maioria das vezes não podemos colocar a lente planejada e, em boa proporção, teremos pacientes insatisfeitos e com um resultado final que não queríamos de maneira nenhuma, podendo chegar até mesmo à perda da visão”, relata o oftalmologista. Quanto aos cuidados para realizar uma boa cirurgia, o médico afirma que é necessário considerar que se o objetivo principal da cirurgia é a correção da ametropia e presbiopia, a exigência do paciente será muito maior e, portanto, uma anamnese cuiNa grande maioria das vezes dadosa para saber se não há nenhum fator complicador emocional se torna não podemos colocar a lente planejada e, em ainda mais importante. “Explicar deboa proporção, teremos pacientes insatisfeitos talhadamente tudo o que o paciente e com um resultado final que não queríamos pode sentir ou experimentar no pós-operatório é fundamental, uma vez de maneira nenhuma, podendo chegar até que podemos ter indivíduos insatismesmo à perda da visão feitos mesmo com uma cirurgia sem intercorrências, o que torna o bom recomendações pertinentes. “Em resumo, ainda não está relacionamento com o paciente o fator mais importante ‘aprovada’ a remoção do cristalino com finalidade refrativa, para sua satisfação”, revela o especialista, destacando que porém a cirurgia de catarata é consagrada e sua remoção no ato cirúrgico em si não há que se fazer nada de diferenprecoce ou não é uma decisão entre o paciente e o cirurgião, te em relação a outros procedimentos. “Considero que o bem como a remoção do cristalino para evitar uma crise cuidado deve sempre ser o mesmo, tanto no pré, como no aguda de glaucoma”, informa. Ele declara que o cirurgião, em per e pós-operatório de qualquer cirurgia de remoção do todos os casos de cirurgia, deve ter um consentimento livre cristalino e implante intraocular”, avalia. “Finalmente, hoje praticamente a totalidade dos nossos e esclarecido do paciente e ambos devem estar cientes de todos os riscos médicos e legais do procedimento cirúrgico. pacientes considera a cirurgia de catarata como uma cirurgia refrativa, sendo comum a pergunta: ‘Doutor, depois da cirurgia eu não vou mais precisar de óculos, não é?’ Por isso Complicações e cuidados essenciais Para o especialista, em favor do procedimento fa- o cuidado na propedêutica pré-operatória tem uma imporcorrefrativo estão: o grande avanço dos aparelhos de ci- tância cada vez maior”, observa o cirurgião, ressaltando que rurgia; a melhora indiscutível das lentes intraoculares; não se deve ter pressa para decidir que tipo de lente indicar os novos métodos propedêuticos pré e peroperatórios nem que fórmula irá utilizar em cada caso. “Seja prudente e disponíveis, como os novos biômetros que utilizam OCT, racional. Na indicação, pense no lado econômico de seu paos marcadores informatizados de eixo astigmático e vi- ciente, mas não o tolha da melhor opção”, diz, esclarecendo sual e os aparelhos que checam a refração final durante que o especialista nunca saberá com certeza qual o verdaa cirurgia, possibilitando uma melhora do resultado; deiro anseio e qual sacrifício cada paciente está disposto a uma melhora enorme na prevenção de infecções, com fazer para a aquisição de uma lente que seja melhor para a adoção de antibioticoterapia preventiva mais efetiva, o seu caso. “Dê-lhe, portanto, sempre uma segunda opção além da melhoria dos aparelhos que estudam a curvatura e seja o mais claro possível no que acontecerá depois com corneana e, finalmente, das novas fórmulas disponíveis, cada uma das opções”, finaliza Rey de Faria. l do para elaborar o parecer. Fiz uma primeira redação há cerca de dois anos, baseado nas diretrizes fundamentadas em evidências elaboradas pela equipe da AMB – Associação Médica Brasileira - durante minha gestão à frente do CBO. Levei a redação para discussão na câmara técnica e foi pedido para serem feitas algumas modificações”, conta o oftalmologista, declarando que realizadas as modificações necessárias levou novamente à câmara para nova discussão e novas modificações foram sugeridas. “Após isso, não fui mais convocado para a câmara técnica e não sei exatamente como está, mas deveria estar em fase final de redação”, acrescenta. Após o parecer da câmara técnica, o médico diz que o mesmo deve ser encaminhado para a aprovação dos conselheiros e que, durante essa sessão, poderão ser chamados para algum esclarecimento os colegas responsáveis pelo parecer. Se aprovado, é liberada a cirurgia com todas as
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ARMANDO STEFANO CREMA
Avanços das LIOs no Brasil
e no mundo N
a opinião do médico Armando Stefano Crema, mestre em Oftalmologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), doutor em Oftalmologia pela Unifesp e presidente da Sociedade Brasileira de Oftalmologia (2017/2018), os principais avanços relacionados às lentes intraoculares nos últimos dois anos foram a consolidação das LIOs trifocais e as LIOs de profundidade de foco estendido, ambas também disponíveis na versão tórica. “No mundo e também no Brasil, o mercado ainda é pequeno, já que a grande maioria dos implantes realizados é de LIOs monofocais”, explica o especialista. Quanto às indicações atuais destas lentes, o médico revela que no caso das LIOs trifocais suas indicações são as mesmas das LIOs multifocais, ou seja, pacientes que não apresentam outras patologias oculares além da catarata. Ele enfatiza que com as LIOs trifocais os resultados são similares aos das multifocais, porém com melhor visão intermediária e, em geral, com menos queixas de halos e glare pós-operatórios. “Podemos esperar, então, com as LIOs trifocais e trifocais tóricas (nos pacientes que atingiram um resultado refrativo de +0,50 a -0,50 esférico e -0,50 cilíndrico) uma excelente visão para longe, para perto (35-40 cm) e intermediária, variando de cada modelo/fabricante de LIO tórica de 50 a 80 cm”, declara. Com relação às LIOs de profundidade de foco estendido, de acordo com o cirurgião, as indicações podem ser mais flexíveis daquelas das LIOs multifocais e trifocais, podendo-se, com estas LIOs, selecionar pacientes com outras
ligeiras patologias oculares. “Os resultados são muito bons para a visão de longe e intermediária e não tão bons para perto, sendo recomendado um alvo refracional para 0 no olho dominante e para -0,50 no olho não dominante”, orienta o oftalmologista. Perspectivas futuras
Na hora de selecionar a melhor lente intraocular para um paciente, o cirurgião diz que são inúmeras as variáveis que se deve levar em conta, mas as principais delas são as características dos olhos a serem operados, tais como: ausência de outras patologias oculares, astigmatismo corneano regular e irregular, olho seco, potencial de visão, etc.; idade do paciente; monocular ou binocular; análise de como era o dia a dia do paciente antes da catarata (se era usuário de lentes de contato bifocais, monovisão, ou só para longe); se usava óculos para longe e perto, se usava somente para perto, se usava somente para longe, se raramente usava para longe e perto; expectativa refracional pós-operatória; e atividades do paciente. Para Crema, as perspectivas em um futuro próximo serão o desenvolvimento de LIOs que possam ser fixadas e centralizadas em uma capsulotomia circular e contínua, realizada com laser de femtossegundo no eixo visual. “Desta forma, haverá uma melhor performance de todas as LIOs, de monofocais asféricas e asféricas tóricas a multifocais, trifocais e de profundidade de foco estendido”, assegura o médico, concluindo que já existem, inclusive, algumas destas lentes intraoculares aparecendo no mercado europeu. l
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RONALD CAVALCANTI
Custo atual da
cirurgia de catarata O
oftalmologista Ronald Cavalcanti, diretor do HOPE – Hospital de Olhos de Pernambuco, presidente da Fundação Altino Ventura e presidente da LASOA – Latin American Society Ophtalmic Administractors (2014-2018), salienta que os custos globais de uma cirurgia de catarata podem, ou não, incluir os exames pré-operatórios. Sem levar em conta esta parcela, os custos propriamente ditos se constituem de insumos, materiais descartáveis e medicamentos. “Neste, cabe adicionar ao valor de compra uma taxa de manuseio (disponibilização, armazenamento e perdas) de 15% a 35%. Nos medicamentos, temos o Brasíndice que orienta os preços”, diz o especialista.
Ainda, adicionam-se a estes custos taxas de sala cirúrgica, que incluem a utilização de microscópio, facoemulsificador, vitreófago, lasers diversos, etc. “Tais equipamentos podem custar de três a quatro milhões de reais e têm uma obsolescência aproximada de cinco anos. Portanto, deve ser considerado anualmente um acréscimo de 20% do valor para reposição”, comenta o oftalmologista. Além disso, ele revela que as lentes intraoculares têm variação imensa de valores pelas propriedades e confiabilidade. Depende, na maioria dos casos, do complemento de valor pelo paciente. “As lentes Premium exigem maior acurácia na indicação e preparação do paciente, modificações importantes
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As despesas hospitalares podem apresentar variações expressivas e devem ser analisadas em conjunto, ou seja: despesas hospitalares, honorários, valores de complementação por cirurgias e alta tecnologia, além das lentes premium
da técnica operatória, além do seguimento posterior (follow-up)”, destaca. Ele ressalta que, assim como os insumos, os materiais especiais e as lentes devem se enquadrar igualmente do ponto de vista fiscal. “Finalmente, ao emitir uma nota fiscal dos serviços prestados incorrem impostos e taxas. Portanto, ao cobrar R$ 1.000,00 (mil reais), o cirurgião efetivamente só receberá cerca de R$ 850,00 (oitocentos e cinquenta reais) para pagar os custos efetivos”, esclarece o médico, enfatizando que, infelizmente, não há uma referência nacional a respeito desses preços ‘não custos’, cobrados pelas facectomia. “A FeCOOESO - Federação das COOESOs, que tem como objetivo a negociação conjunta dos honorários e direitos dos médicos - é nosso maior referencial de conduta, diretrizes, valores e pareceres dentro da oftalmologia. O Conselho Federal de Medicina (CFM) indica que os honorários médicos devam ser cobrados em separado das despesas hospitalares”, aponta o cirurgião. Variações nas despesas hospitalares
Cavalcanti informa que hoje os cirurgiões se baseiam na CBHPM (Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos), utilizando faixas redutoras ou múltiplas da tabela, a qual, inclusive, acaba de ser caracterizada como não cartelizada pelo CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). De acordo com o especialista, as despesas hospitalares podem apresentar variações expressivas e devem ser analisadas em conjunto, ou seja: despesas hospitalares,
honorários, valores de complementação por cirurgias e alta tecnologia, além das lentes premium. “Assim sendo, por exemplo, várias cirurgias podem até ter um valor próximo com distribuições diferentes entre honorários médicos, despesas hospitalares e complementação por cirurgia de alta tecnologia (laser e lentes premium)”, analisa. Ele afirma que os honorários médicos do SUS são irrisórios. “Nada comparado aos praticados pela tabela CBHPM que, face a constante exigência de atualização técnica e científica, devem ser corrigidos não meramente por um índice inflacionário, mas pelo fator qualidade e percepção dos resultados obtidos pelos pacientes”, avalia. Na opinião do cirurgião, o Brasil vive um novo momento de fusões e aquisições - M&A, o que faz com que este segmento das cirurgias de catarata viva plena ebulição. “O melhor conhecimento administrativo das clínicas e hospitais especializados, além da busca por qualidade e acreditação, somados a constantes atualizações dos oftalmologistas, deverá levar a modificação na remuneração”, observa o médico. Para o especialista, num futuro próximo o oftalmologista passará de “FEE FOR SERVICE” para ser valorizado pelo que entrega aos seus pacientes “FEE FOR PERFORMANCE”. “Entender o funcionamento da especialidade, do negócio, requer um mínimo de conhecimento em administração ou delegar e aceitar os administradores como vetores na melhoria da qualidade e valorização do seu negócio - seja uma clínica solo ou um hospital especializado”, finaliza Cavalcanti. l
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ANA LUISA HÖFLING-LIMA
Tratamento das infecções - injeção de antibióticos
na câmara anterior C
onforme esclarece a médica oftalmologista Ana Luisa Höfling-Lima, professora titular do Departamento de Oftalmologia da Escola Paulista de Medicina - Unifesp/EPM, nas cirurgias refrativas realizadas com as técnicas de Laser In Situ Keratomileusis (Lasik) ou Ceratotomia Fototerapêutica (PRK) existe a possibilidade de complicações relacionadas à cicatrização e transparência da córnea, confecções dos discos de córnea na técnica de Lasik e infecções que podem ocorrer nos dois tipos de procedimentos. Ela ressalta que as infecções podem ocorrer em casos isolados ou em surtos. “Nos surtos, a infecção pode estar relacionada a alguma falha da operacionalização dos procedimentos de cuidados
e preparo dos pacientes, assim como contaminação de instrumentos e materiais”, aponta. Para a especialista, sabendo-se que vários destes procedimentos são realizados sequencialmente e em um mesmo ambiente cirúrgico, a possibilidade de contaminação de mais de um paciente existe. “Ressaltamos, assim, a necessidade de avaliação de todos os processos e treinamento de pessoal no sentido de evitar a situação dramática dos surtos de infecção”, orienta. Ela destaca também que nas infecções eventuais no pós-operatório imediato observa-se a possibilidade de contaminação da microbiota habitual ou transitória da pálpebra ou conjuntiva do paciente. Nas infecções tardias, deve-se procurar os fatores de risco para
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Para a avaliação dos pacientes e definição do diagnóstico etiológico, a análise das amostras com culturas para bactérias e fungos deve ser indicada
introdução dos agentes infecciosos. “Em todas estas situações, a pesquisa do agente etiológico pela avaliação laboratorial é imprescindível”, complementa. A médica revela que na maior parte dos casos a infecção é controlada com tratamento tópico e, em casos raros, a infecção da córnea pode evoluir para uma infecção intraocular e o tratamento deve ser modificado. “Nas cirurgias de catarata, as infecções são também uma grande preocupação no pós-operatório e também aqui podem acontecer em casos isolados ou em surtos”, afirma a cirurgiã, esclarecendo que após cirurgia de catarata pode-se observar um quadro clínico inflamatório que pode ou não estar associado à infecção. “Para a avaliação dos pacientes e definição do diagnóstico etiológico, a análise das amostras com culturas para bactérias e fungos deve ser indicada”, recomenda, enfatizando que as infeções, tanto na cirurgia refrativa como na cirurgia de catarata, requerem tratamento imediato e cuidados frequentes. Profilaxia e resultados do tratamento
De acordo com Ana Luisa, a profilaxia da infecção, tanto na cirurgia de catarata como na cirurgia refrativa, pode proteger o paciente, porém não previne a infecção em 100% dos casos. Ela diz que na cirurgia refrativa a profilaxia da infecção é normalmente realizada com antibióticos tópicos, preferencialmente as quinolonas de quarta geração no pós-operatório, principalmente na primeira semana. E na cirurgia de catarata é comum a profilaxia pré e pós-operatória com quinolonas de quarta geração. “No caso de suspeita de infecção, apesar da profilaxia, o exame laboratorial nos auxiliará na avaliação do caso, que muitas vezes é com micro-organismos resistentes aos antibióticos usados para profilaxia”, afirma, ressaltando que normalmente a profilaxia é feita com antibiótico, pois a probabilidade de infecção por fungos, vírus e parasitas é mínima.
Na cirurgia de catarata, segundo a especialista, além da possibilidade de profilaxia da infecção com antibióticos tópicos, considera-se a injeção intracameral de antibióticos. “Não dispomos de antibióticos já preparados para uso intraocular e se optarmos por esta via, devemos preparar as diluições adequadas para este fim”, orienta. Ela diz que as drogas mais utilizadas para injeção intraocular são: cefuroxima e moxifloxacino. “Ambas estão disponíveis para uso intravenoso e podem ser diluídas para uso intraocular”, completa a cirurgiã, informando, ainda, que o uso de antibióticos na câmara anterior tem respaldo na literatura, embora também haja muita discussão. “A melhor análise publicada defende o uso da cefuroxima. Para a utilização intracameral, o ideal é que se tenha a concentração do antibiótico 1 mg em um volume de 0,1 ml a partir da solução endovenosa”, continua a oftalmologista. Para ela, a questão que deve ser colocada em discussão é a possibilidade de diluições inadequadas e, portanto, a administração de concentrações diferentes do ideal. “No caso do moxifloxacino, a concentração da droga ideal obtida a partir da bolsa para administração endovenosa seria possível apenas em 0,3 ml do medicamento”, aponta a especialista. Ela revela, no entanto, que se a droga for utilizada a partir do frasco de colírio há a discussão de que esta droga não foi preparada para uso intraocular, embora estéril, e seria possível a concentração de 0,5 mg/em 0,1 ml, que é a dose preconizada do moxifloxacino. “Muito se fala da impossibilidade de realizarmos estudos com o número de pacientes ideal para avaliação da eficácia da profilaxia antibiótica”, observa Ana Luisa, concluindo: “Apesar das dificuldades em estudar o tema, acredito que temos evidências científicas adequadas para defender o uso intracameral de antibióticos no peroperatório e tópico imediatamente antes e no pós-operatório.” l
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WAGNER ZACHARIAS
Fórmula Barrett e
LIOs tóricas S
egundo o oftalmologista Wagner Zacharias, diretor do Centro de Cirurgia Ocular Jardins – São Paulo (SP), que realiza exames de biometria e cálculo de lente intraocular desde 1977, acompanhando a evolução do procedimento desde então, a enorme evolução dos equipamentos, materiais, insumos e da própria técnica cirúrgica propiciou que a cirurgia de catarata, além de sua finalidade principal de melhorar a visão pela remoção do cristalino opacificado e desobstrução do eixo visual, permita, em casos selecionados, a correção da refração esférica para longe e para perto, do astigmatismo e até mesmo a compensação total ou parcial das aberrações que afetam o sistema visual. “Isso elevou o ‘status’ da cirurgia de catarata para o de uma cirurgia refrativa. No entanto, para que isso ocorra, é necessário ter a maior precisão possível no cálculo do poder das lentes intraoculares (LIOs) que serão implantadas”, revela o médico. Ele diz que a biometria é a medida de parâmetros oculares que serão utilizados para calcular a LIO, dentre eles, o comprimento axial ocular (AL), o poder efetivo da córnea (K) e a posição efetiva da LIO dentro do olho
(ELP). “Quanto mais precisas essas medidas, mais confiável o cálculo da LIO”, avalia, esclarecendo que o cálculo da LIO depende de fórmulas que foram equacionadas para fornecer o poder da lente naquele referido olho, resultando no menor erro refracional residual possível no pós-operatório. “Existem diferentes fórmulas, com diferentes desempenhos, mas nenhuma delas dispensa o rigor na obtenção das medidas dos parâmetros oculares utilizados no cálculo”, observa o cirurgião. O especialista comenta que Graham D. Barrett, oftalmologista australiano, presidente da APACRS (AsiaPacific Association of Cataract & Refractive Surgeons), dedicou muito de seu tempo para produzir uma fórmula de cálculo da LIO que tivesse um desempenho melhor que as fórmulas de terceira geração até então disponíveis. Denominou sua fórmula de Universal, pois poderia ser aplicada a qualquer tipo de LIO e, mais recentemente, Universal 2, com o aprimoramento da fórmula original. “Enquanto outras fórmulas têm bom desempenho em olhos de comprimento axial médio (22 a 24,5 mm) e são deficitárias nos olhos mais curtos ou mais longos, a fórmula Universal 2 mostrou-se mais
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Enquanto outras fórmulas têm bom desempenho em olhos de comprimento axial médio (22 a 24,5 mm) e são deficitárias nos olhos mais curtos ou mais longos, a fórmula Universal 2 mostrou-se mais precisa em todos os comprimentos oculares
precisa em todos os comprimentos oculares”, afirma Zacharias. Ele conta que Barrett considerou o conceito de planos principais, primário e secundário de refração da LIO, como variante importante na fórmula. “A posição dos planos em relação ao plano fixo da íris (plano ciliar) é dependente da espessura da LIO, relacionada a seu poder, e caracteriza o ‘Lens Factor’, que inclui a profundidade da câmara anterior (ACD) e a constante A para uma dada LIO”, explica o médico, salientando que uma vez calculado, o poder da LIO, reconsiderado na fórmula, modifica a posição do primeiro plano principal, o que leva a novo cálculo do poder da LIO, que será reconsiderado na fórmula outra vez, produzindo um novo resultado. “Isso se repete várias vezes, solvendo as incógnitas das variantes principais”, destaca. O especialista menciona que o ACD é relacionado com o AL, com o raio de curvatura do segmento posterior do globo e com o raio de curvatura da córnea periférica. “Este, relacionado ao raio de curvatura anterior da córnea central, e aquele, derivado de uma análise de regressão, relacionada ao AL e K. Considera-se ainda o índice de refração da córnea e a espessura da retina no cálculo da LIO”, declara o oftalmologista, informando que a fórmula Universal 2 de Barrett é fruto de cálculos matemáticos de alta complexidade e soluções interativas, mostrandose superior a outras fórmulas e produzindo menor erro refracional residual para o mesmo conjunto de medidas biométricas efetuadas. Lentes intraoculares tóricas
Conforme explica o cirurgião, o astigmatismo, diferença de curvatura (poder de vergência) entre dois
meridianos da córnea, prejudica a visão por produzir mais de um ponto focal, diminuindo a acuidade visual, produzindo aberrações (coma) e sintomatologias relacionadas ao esforço acomodativo. “É corrente a necessidade de compensar o astigmatismo com lentes tóricas, prescritas num meridiano (eixo), deslocando o ponto focal para a posição desejada. Isso nos é familiar e receitamos lentes tóricas nos óculos, associadas às lentes esféricas, diariamente, para a maioria de nossos pacientes”, assegura o médico. Aos pacientes candidatos à cirurgia de catarata, o oftalmologista ressalta que até algum tempo atrás o astigmatismo corneano não era compensado na LIO, de forma que, mesmo que o resultado do Equivalente Esfero-Cilíndrico (EEC) fosse perfeito, restava o astigmatismo a ser corrigido, o que impunha a necessidade de óculos para perfeita visão. “Com o advento das lentes intraoculares tóricas (LIOt), podemos agora compensar o astigmatismo desses pacientes nos casos indicados através do implante, reduzindo a dependência dos óculos e melhorando a qualidade da visão, comparada a eles”, analisa. Na opinião do especialista, as LIOt são indicadas naqueles pacientes que irão apresentar astigmatismo residual no pós-operatório, computando-se o astigmatismo induzido pela cirurgia, desde que os eixos dos hemimeridianos opostos sejam coincidentes, o que se classifica como astigmatismo regular. “Uma imagem da Topografia Corneana é indispensável para a indicação da LIOt, e medidas do total de astigmatismo irregular naquela córnea (como se consegue com o Pentacam™) nos permitem analisar os casos limítrofes, indicando ou não a LIOt”, enfatiza o oftalmologista, destacando que normalmente se contraindica LIOt para astigmatismos irregulares acima de 0,3μ.
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Com o advento das lentes intraoculares tóricas (LIOt), podemos agora compensar o astigmatismo desses pacientes nos casos indicados através do implante, reduzindo a dependência dos óculos e melhorando a qualidade da visão, comparada a eles
“Da mesma maneira que o Dr. Barrett inovou nos parâmetros oculares utilizados em sua fórmula Universal 2, também o fez na consideração do astigmatismo posterior da córnea em sua fórmula Barrett tórica”, comenta Zacharias. Ele diz que sua fórmula está tendo uma aceitação generalizada por um grande número de cirurgiões que possuem considerável volume de implantes de LIOt, reportando bons resultados. “Em nosso caso, comparamos a fórmula de Barrett com a fórmula Holladay 2 tórica e com a utilização da ceratometria do ‘Total Corneal Refractive Power’ a 3,0 mm e notamos que há uma coincidência confortável entre as duas primeiras, embora a fórmula de Barrett indique frequentemente uma toricidade menor que a Holladay 2. Ainda não concluímos, em nossos pacientes, qual delas é mais eficiente”, afirma. O cirurgião esclarece que o Total Corneal Refractive Power é o valor do poder corneano, computadas as superfícies anterior e posterior da córnea, medidas por Ray Tracing. “O diâmetro da área de 3,0 mm centrada na pupila mostrou-se ideal para a toricidade da córnea, segundo um trabalho de Savini, para cálculo de lentes intraoculares tóricas”, aponta o médico. Ele conta que a fórmula de Barrett tórica foi disponibilizada gratuitamente por uma louvável cortesia do autor, podendo ser encontrada no site da American Society of Cataract and Refractive Surgery - ascrs (www.ascrs. org) e no site da Asia-Pacific Association of Cataract & Refractive Surgeons – apacrs (www.apacrs.org). “O preenchimento dos dados é autoexplicativo e o ‘Lens Factor’ é gerado pela constante A e a ACD que foram informadas”, revela. O laboratório Alcon também disponibiliza a fórmula para o cálculo de suas lentes no site: www.acrysoftoriccalculator.com. Erros refracionais relacionados à rotação da LIO
Para o oftalmologista, é sabido que um ponto crí-
tico no implante da LIOt é o fato da possibilidade de rotação da lente, com consequente indesejado erro refracional pós-operatório. “Considera-se que cada grau de erro no alinhamento da lente produz 3% de perda de eficiência na correção; portanto, 10 graus de desalinhamento custarão 30% de perda da correção e 30 graus de desalinhamento anulam totalmente a correção do astigmatismo”, relata, alertando que, por isso, a técnica de marcação do eixo no pré-operatório deve ser a mais perfeita possível, realizada com o paciente sentado, devido à ciclotorsão que ocorre quando se deita, utilizando-se instrumentos adequados que produzam marcas que permaneçam durante toda a cirurgia. “Aconselhamos marcar todos os pacientes, independentemente se irão implantar LIOt ou não. Isso nos permite ficar familiarizados com o procedimento, escolher o eixo mais curvo de incisão, caso queiramos, e estar seguros na marcação do paciente de tórica”, recomenda o médico. Ele orienta que caso seja observado erro refracional indesejado no pós-operatório, o paciente deve ser dilatado para que se possa verificar a posição das marcas na LIO que devem corresponder ao eixo de implantação. “Caso haja rotação, o paciente deve ser marcado da mesma forma que antes e, com o auxílio de um transferidor cirúrgico, identificar o eixo que a LIO está implantada”, acrescenta. Esse dado, de acordo com o especialista, bem como a LIOt utilizada e o erro refracional, é utilizado para calcular qual a correção do eixo da LIO que deve ser realizada. “O site www.astigmatismfix.com disponibiliza gratuitamente pelos autores, Dr. Berdahl & Harten, o Toric Results Analyzer, que é de preenchimento autoexplicativo e nos informa qual deverá ser o novo eixo de implantação, que não obrigatoriamente será o mesmo que foi calculado previamente na fórmula”, conclui Zacharias. l
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FERNANDO CANÇADO TRINDADE
Correção da presbiopia com
LIOs intraoculares D
e acordo com o diretor do Instituto de Oftalmologia Cançado Trindade, em Belo Horizonte (MG), Fernando Cançado Trindade, professor de Oftalmologia da UFMG (19832008) e presidente da Sociedade Brasileira de Catarata e Implantes Intraoculares (1994-1996), a presbiopia pode ser corrigida após a facectomia, através da implantação de vários tipos de lentes intraoculares (LIOs), tais como: acomodativas, pseudoacomodativas, monofocais esféricas/asféricas e tóricas. “Com o excepcional desenvolvimento das LIOs, assim como o aperfeiçoamento da técnica cirúrgica, e consequente aumento na sua segurança e eficácia, a facectomia passou a ser um procedimento eminentemente refrativo”, destaca o especialista.
Sendo assim, ele diz que se desenvolveram várias maneiras para corrigir a presbiopia após a remoção cirúrgica do cristalino opaco ou do cristalino disfuncional. “O que todos almejam com a correção cirúrgica da presbiopia é a independência dos óculos, a facilidade e velocidade da leitura e, principalmente, a qualidade visual. Entretanto, qualquer estratégia cirúrgica envolve, de certa maneira, o ganho e a perda de algo. Não existe método ideal, assim como inexiste LIO perfeita. Cada tipo tem as suas vantagens e desvantagens”, esclarece o médico, ressaltando que para a correta indicação do tipo de LIO para a correção da presbiopia, deve-se levar em consideração o estilo de vida e a personalidade do paciente, características físicas importantes, como por exemplo o tamanho do braço/
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cais, por exemplo. “Esta multiplicidade de pontos focais simultâneos (longe, intermediário e perto), própria das LIOs multifocais, reduz a sensibilidade ao contraste e dá origem às disfotopsias que muitos pacientes relatam após a cirurgia e irá exigir uma neuroadaptação, nem sempre conseguida, sobretudo naqueles pacientes hipercríticos”, informa Trindade, comentando que as primeiras LIOs multifocais foram lançadas na década de 1980 e que o notável avanço tecnológico observado nos últimos anos aumentou a aceitação das LIOs multifocais com As LIOs multifocais promovem uma a introdução de LIOs trifocais e da nova geração de LIOs com adição pseudoacomodação, ao dividirem a luz em dois menor, que causam menos efeitos ou mais focos, o que leva a uma perda colaterais indesejáveis e, consequenda quantidade de luz que atinge a retina temente, maior tolerância. Segundo o cirurgião, as LIOs em cada um desses focos multifocais são capazes de devolver a visão contínua - de perto, intermediária e de longe -, principalmente acomodativo. “Elas, então, simulam o mecanismo natural quando a implantação é bilateral. “Um recurso que pode da acomodação e não promovem a divisão da luz, como ser utilizado para incrementar a visão contínua nas diacontece com as LIOs multifocais. A amplitude de aco- versas distâncias é a implantação de LIOs com adições modação das LIOs acomodativas é proporcional ao seu diferentes”, registra o médico, apontando que vale enpoder dióptrico”, enfatiza o cirurgião, salientando que o fatizar a importância do binômio seleção criteriosa dos seu mecanismo de ação pode ser: pela anteriorização da pacientes + cirurgia impecável para conseguir o sucesso parte óptica única, pelo aumento da curvatura da parte desejado, isto é, vida sem os óculos após a cirurgia. “Além óptica ou pelo afastamento das ópticas (quando duplas). da necessária neuroadaptação, diretamente proporcional “Naturalmente, para que isso aconteça é indispensável à exigência visual do paciente, as LIOs multifocais são para as LIOs acomodativas intrassaculares a manutenção emetropia-dependentes e demandam uma higidez ocular de certa elasticidade capsular, situação esta ainda não para seu perfeito desempenho”, declara. Assim sendo, o oftalmologista revela que as LIOs mulobservada na prática”, avalia. tifocais funcionam mal na presença de resíduos refracioMultiplicidade de pontos focais simultâneos nais pós-operatórios (felizmente, cada vez mais raros), os O especialista afirma que alguns cirurgiões reno- quais irão requerer correção cirúrgica, geralmente com exmados da década de 1990 se enganaram ao prever que cimer-laser, aqueles inconvenientes “retoques”, desconfordentro de 20 anos as LIOs multifocais seriam substi- táveis e problemáticos, principalmente para os pacientes tuídas pelas LIOs acomodativas na prática cirúrgica, o mais idosos. “É exatamente neste grupo de pacientes que que não ocorreu de forma alguma. “Apesar de serem se encontram, com maior frequência, morbidades oculares muito desejadas, pelo fato de serem as mais fisiológicas, associadas, tais como glaucoma e degeneração macular, as LIOs acomodativas são ainda muito pouco utilizadas, que contraindicam a implantação das LIOs multifocais”, por apresentarem uma amplitude acomodativa restrita, alerta o especialista. Ele diz que apesar do notável avanço questionada por muitos”, observa o médico. Ele revela observado na tecnologia das LIOs multifocais nos últique as LIOs multifocais promovem uma pseudoacomo- mos anos, do esforço da indústria em lançar LIOs cada dação, ao dividirem a luz em dois ou mais focos, o que vez melhores e do interesse financeiro daqueles que as leva a uma perda da quantidade de luz que atinge a retina comercializam, as LIOs multifocais ainda não atingiram 10% do mercado das lentes intraoculares. em cada um desses focos. Para o oftalmologista, o pilar básico das LIOs multifocais reside, então, no conceito de visão simultânea de Monovisão com LIO na correção da presbiopia longe e de meia distância/perto, ao contrário da visão alPara o médico, a monovisão ainda é a estratégia ternada que se observa com os óculos de lentes multifo- mais utilizada na correção cirúrgica da presbiopia. Ela antebraço, a expectativa pós-operatória e a presença de comorbidade ocular. “Desta forma, cada caso deve ser criteriosamente analisado e esclarecido antes da cirurgia, para evitar frustrações e problemas no pós-operatório”, completa o oftalmologista. Conforme explica Trindade, as LIOs acomodativas restauram a capacidade do olho de realizar a acomodação, ao aumentar o seu poder dióptrico, com o estímulo
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se baseia na indução de uma discreta miopia em um dos diminuem a sensibilidade ao contraste - através da corolhos. “Dessa forma, parece haver um equilíbrio ade- reção da aberração cromática”, explica, declarando que quado entre a perda discreta da estereopsia e o ganho a LIO de foco estendido apresenta também desempenho da visão de perto”, avalia o especialista, salientando que superior às LIOs multifocais na presença de ametropia e esta correção pode ser realizada com LIOs monofocais de morbidade ocular no pós-operatório. “O desempenho esféricas, asféricas e tóricas. “Geralmente, almeja-se para da LIO de foco estendido para a visão de longe é supeo olho dominante a emetropia e para o não dominante rior ao das LIOs multifocais (apesar de alguns pacientes uma miopia ao redor de -1.50 dioptrias. Nada impede relatarem a presença de halos) e inferior para a visão de que se faça o contrário: olho dominante para perto e perto”, afirma Trindade, enfatizando que uma alternativa olho não dominante para longe, situação denominada para melhorar o desempenho da visão de perto com a monovisão cruzada”, esclarece o oftalmologista, expli- LIO de foco estendido é induzir uma discreta miopia em um dos olhos. cando que isso irá depender de cada caso. O médico esclarece que outras tecnologias recenteNa opinião de Trindade, o uso prévio da monovisão com lentes de contato pode facilitar na escolha a ser mente introduzidas foram a da LIO com máscara esteadotada. “Essa inevitável perda da estereopsia sempre nopeica e a do implante suplementar de pinhole, com deve ser considerada e toda cautela deve ser adotada o objetivo principal de corrigir astigmatismo corneano para não indicar a monovisão para aqueles pacientes irregular após a facectomia. “O conceito milenar do oricom história prévia de forias significativas”, recomenda. fício estenopeico para aumentar a profundidade de foco Ele informa que a monovisão apresenta algumas van- e a plena aceitação da implantação de LIO suplementar tagens em relação à utilização das LIOs multifocais na no sulco ciliar - primária ou secundariamente – autoricorreção da presbiopia, tais como: não reduz a sensibi- zam a utilização do implante de pinhole como alternativa lidade ao contraste; acurácia refrativa pós-operatória é segura e eficaz para a correção da presbiopia”, aponta o um pouco menos crítica; maior complacência e melhor especialista. Ele relata que o modelo atual do implante estenopeico desempenho na presença de patologia ocular associada (olho seco, glaucoma, degeneração macular, etc.) e/ou apresenta as características necessárias para a implantação segura no sulco ciliar e, naturalmente, exige uma cirurgia refrativa prévia. “Contudo, a emetropia em um dos olhos tem que ser facectomia com implantação de LIO dentro do saco capalcançada, sendo ela fundamental para se obter suces- sular perfeita. “Não podemos deixar de mencionar que a so com o método, isto é, independência dos óculos na presença de pequenas aberrações e/ou de pupilas pequemaior parte do tempo”, avalia o cirurgião. Entretanto, ele nas pode ser bem-vinda ao aumentar a profundidade de revela existir também desvantagens com a monovisão, foco, facilitando, assim, a visão de perto, sem correção”, tais como: percepção de profundidade, de certa forma, analisa o oftalmologista. Ele diz que, frequentemente, comprometida, o que demanda maior cuidado, principal- tem a satisfação de observar na prática oftalmológica mente com os pacientes mais idosos para descer escadas, por exemplo; necessidade dos óculos para certas atividades, como dirigir à noite ou A monovisão ainda é a estratégia mais mesmo para uma leitura de perto mais confortável, especialmente utilizada na correção cirúrgica da presbiopia. com caracteres muito pequenos. Ela se baseia na indução de uma discreta Novas tecnologias
miopia em um dos olhos
Segundo o especialista, recentemente um outro tipo de LIO com tecnologia difrativa foi lançado - a de foco estendido - com o objetivo de aumentar a profundidade de foco e, assim, proporcionar visão para longe e para a distância intermediária, com qualidade visual superior, em relação às tradicionais LIOs multifocais. “O objetivo dessas lentes é diminuir os efeitos colaterais observados nas multifocais tradicionais - que
pacientes pseudofácicos com miose senil que deixaram de usar completamente os óculos após a cirurgia da catarata realizada há décadas, com implantação das antigas LIOs monofocais esféricas. “Isto prova que a senilidade não é totalmente ruim e alguma coisa boa pode ocorrer”, finaliza Trindade. l
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LIANG SHIH JUNG
Lentes intraoculares
de foco estendido C
onforme explica o médico Liang Shih Jung, assistente do Setor de Óptica Cirúrgica do Departamento de Oftalmologia da Escola Paulista de Medicina/Unifesp, através do sistema de difração da luz as lentes intraoculares de foco estendido (ou “ampliado”, como o Prof. Dr. Wallace Chamon descreve como mais adequado), do inglês “extended depth of focus” (EDOF), fornecem boa visão do infinito (longe) até um ponto definido entre 60 e 70 cm à frente do olho. “A difração da luz para se atingir o foco estendido pode ser obtida através da utilização de anéis concêntricos na superfície da lente intraocular, como é o caso da lente Symfony disponível no mercado brasileiro”, revela o oftalmologista. Ele aponta que outra forma de se obter o foco ampliado é a utilização da “espada de luz” (LightSword).
Segundo o especialista, as lentes de foco ampliado são recomendadas para pessoas com catarata e com indicação de remoção cirúrgica da catarata e implantação de lente intraocular. “Como características específicas, há que se considerar a estatura da pessoa (melhor indicadas para pessoas de estatura mediana a longilínea), atividades mais prevalentes para longe e distâncias intermediárias, como músicos, motoristas frequentes e/ou profissionais, esportistas com exigência de visão de longe, etc.”, destaca. Comparando a lente de foco ampliado com as já existentes lentes bifocais e com as recém-lançadas lentes trifocais, o médico informa que há algumas características em comum e algumas diferenças. Liang ressalta que as lentes bifocais fornecem dois pontos de maior nitidez visual: longe e perto (que, dependendo do laboratório, pode ser a 40, 33 ou 25 cm).
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Opções de condutas saudáveis incluem implantar lentes de foco ampliado em ambos os olhos, ou lente de foco ampliado em um olho e uma lente bifocal ou trifocal no outro olho - a essa conduta de mesclar tecnologias diferentes dá-se o nome de Blended Vision
Ele diz que entre o ponto de visão nítida de longe e o ponto de visão nítida de perto existe uma região de visão borrada. Já as lentes trifocais apresentam, além dos dois pontos de visão nítida, um terceiro foco de visão nítida para distância intermediária que, segundo seus representantes, pode ser a 60, 65 ou 70 cm. “E, assim como as lentes bifocais, entre os pontos de visão nítida de longe, distância intermediária e perto, há regiões de visão borrada. A lente de foco ampliado, por sua vez, fornece uma manutenção da visão boa de longe até aproximadamente 45 cm em toda a sua extensão de maneira sustentável”, esclarece o cirurgião. Resultados satisfatórios
O oftalmologista afirma que, como em todas as situações envolvendo um indivíduo com catarata com recomendações cirúrgicas, a análise do perfil psicossocial do paciente é soberana. “Uma vez que se identificam fatores conflitantes entre o perfil do paciente e os riscos que a implantação da lente de foco ampliado pode representar, há a necessidade de se expor as possíveis realidades para o bom entendimento do paciente”, avalia o especialista, enfatizando que uma pessoa altamente exigente quanto aos resultados cirúrgicos, ou com expectativas irreais, pode representar um risco à (in) satisfação pós-operatória e, consequentemente, levar ao deterioramento do relacionamento médico-paciente. “Além disso, como em todos os casos de catarata, a análise objetiva da anatomia ocular pré-operatória com o intuito de se estudar a arquitetura corneana, as dimensões do globo ocular e o cálculo do poder da lente intraocular, faz-se necessária”, recomenda.
Na opinião do cirurgião, até o momento os resultados pós-operatórios envolvendo lentes de foco ampliado têm sido positivos. “Uma vez cientes do que a lente promete entregar e das expectativas dos pacientes, conseguimos atingir níveis altos de satisfação”, observa o cirurgião, salientando que opções de condutas saudáveis incluem implantar lentes de foco ampliado em ambos os olhos, ou lente de foco ampliado em um olho e uma lente bifocal ou trifocal no outro olho - a essa conduta de mesclar tecnologias diferentes dá-se o nome de Blended Vision. Ele declara que, dessa forma, muitos dos pacientes podem se beneficiar dos efeitos das lentes de foco ampliado e das lentes bi ou trifocais. “Obviamente, a programação deverá ser realizada de acordo com as considerações de perfil do paciente, respeitando as expectativas e analisando as possibilidades”, completa. De acordo com o oftalmologista, a “complicação” mais frequentemente encontrada no universo das cirurgias de catarata é a insatisfação do paciente em relação aos resultados visuais, mesmo não havendo nenhuma intercorrência real. “Trata-se do problema mais difícil de se lidar, pois envolve as expectativas dos pacientes e a ansiedade do cirurgião em oferecer o que há de melhor e mais atual no tratamento das cataratas. Muitas vezes derivam da quebra de comunicação entre as partes”, analisa o médico, enfatizando que as “reais” complicações cirúrgicas mais frequentemente encontradas em cirurgias de catarata formam um quarteto: edema corneano persistente, hipertensão ocular, descolamento de retina e infecção pós-operatória. “Entretanto, essas situações representam menos de 1% de todas as cirurgias realizadas”, conclui Liang. l
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LEILA GOUVEA
Femtossegundo: características
peculiares do laser Catalys
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a opinião de Leila Gouvea, médica com especialização em Oftalmologia pela Santa Casa de Belo Horizonte/MG e mestrado em Oftalmologia pela UFRP – USP, a primeira característica interessante do Catalys é o “docking”, isto é, o acoplamento do equipamento ao olho do paciente. “A interface líquida é bastante suave, confortável e pouco traumática para a conjuntiva, o que, felizmente, proporciona ao paciente um pós-operatório de olho calmo, com mínima hiperemia desde o primeiro PO”, avalia a especialista. Ela ressalta que não há pressão ou dobras na córnea, permitindo a passagem limpa da aplicação do laser, fundamental para a confecção de uma capsulotomia completa e livre de “tags”.
Além disso, a médica diz que dois tamanhos de interface (12 e 14 mm) facilitam o acoplamento em diferentes tamanhos da fenda palpebral. Para ela, a capsulotomia é o grande diferencial desse equipamento por duas razões: primeiro, a execução é feita em tempo muito curto. “Costumo dizer que é ultrarrápido, já que leva menos de um segundo (0,8 seg)”, destaca, salientando que a grande vantagem é a capsulotomia completa em 99% dos casos, porque dificilmente sofrerá interferências dos micromovimentos oculares do paciente que pode acontecer durante a aplicação. A segunda razão é que há opções de centralização que o programa oferece de forma automática. “Uso, sempre que possível, a centralização na superfície anterior do cristalino (scanned capsule),
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O tratamento no Catalys acompanha a posição do olho durante o ‘docking’. Isto reforça a margem de segurança que o equipamento oferece
mas pode ser ainda no centro da pupila, ‘customizada’ e maximizada na pupila, nos casos de pupilas menores que o desejado”, aponta. Leila esclarece que o padrão de fragmentação central em 4, 6 ou 8, combinado com o amolecimento dos quadrantes, produz pequena quantidade de bolhas e facilita sobremaneira a hidrodissecção e a emulsificação do núcleo. “O tratamento no Catalys acompanha a posição do olho durante o ‘docking’. Isto reforça a margem de segurança que o equipamento oferece. Se, por exemplo, o olho ficar inclinado, todo o tratamento, incluindo a capsulotomia, também será inclinado”, informa. Em relação às incisões, a médica enfatiza que os especialistas continuam trabalhando para melhorar e diminuir a infiltração das bordas, comum nas incisões com laser. “Trabalhamos na arquitetura, no tamanho e na energia aplicada. Penso que em breve teremos uma padronização com melhores resultados”, prevê a cirurgiã. Técnica cirúrgica
A oftalmologista revela que, de maneira geral, o software do Catalys é bastante robusto e detalhado com OCT de alta resolução em cortes sagital e coronal do globo ocular. “Além disso, permite ajustes diretos e isso me agrada muito”, relata. Quanto à técnica cirúrgica, a especialista diz que fazer cirurgia de catarata com laser exige duas etapas. “Primeiro, aplica-se o laser para confecção da capsulotomia, fragmentação e incisões. Em seguida, procede-se a abertura do olho, de fato, para emulsificação do núcleo e implante da lente intraocular”, explica. Para Leila, o Laser Catalys é uma tecnologia em plena evolução que representa a precisão e a padronização da cirurgia. “Sou adepta do laser de femtossegundo na cirurgia de catarata porque vejo o seu uso como um instrumento que torna a cirurgia mais previsível. Isso
dá tranquilidade ao cirurgião. Provavelmente, num futuro breve, a maioria dos cirurgiões irá adotá-lo como peça fundamental na melhora dos seus resultados”, analisa a especialista, comentando que, embora a literatura ainda mostre resultados semelhantes entre a cirurgia convencional e com laser na maioria dos estudos, não consegue imaginar daqui a dez anos um cirurgião fazendo manualmente essas etapas que o laser já faz muito melhor nos dias de hoje. “É um instrumento potente nas nossas mãos!” A médica salienta que esta técnica é a de sua preferência, indicando, em sua prática diária, a todos os pacientes com catarata, salvo algumas exceções, como pacientes glaucomatosos com bolhas filtrantes, com opacificações corneanas, pupilas pequenas ou restrições anatômicas. “Nossos resultados são excelentes. Estou muito contente com a satisfação dos nossos pacientes”, avalia. Mas, como qualquer cirurgia, ela diz que esta técnica também é suscetível a complicações per e/ou pós-operatórias. “Com o uso de laser não é diferente. O que mais preocupa no pós-operatório da cirurgia de catarata é o edema macular cistoide (EMC), uma vez que pode levar a grande baixa de acuidade visual”, alerta. De acordo com a oftalmologista, há divergência na literatura em relação a maior incidência de EMC nos casos das cirurgias realizadas com femtolaser. Alguns estudos mostram maiores taxas e outros mostram que não há diferença na incidência entre as técnicas convencional e com laser. Entretanto, a cirurgiã observa que na presença de EMC, na maioria das vezes, este pode ser revertido espontaneamente ou com tratamento clínico. “Não vejo nenhuma complicação pós-operatória que possa ser associada exclusivamente ao uso do laser de femtossegundo na cirurgia de catarata”, reitera Leila, concluindo que o alto custo do equipamento continua sendo a grande barreira para a sua utilização de rotina. l
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BRUNA VENTURA
Avaliação da córnea: o desafio continua pela busca
novos gold standards?
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e acordo com a oftalmologista Bruna Ventura, coordenadora do Departamento de Catarata e vice-mentora do Curso de Especialização em Oftalmologia da Fundação Altino Ventura, Recife (PE), a avaliação da córnea na cirurgia de catarata é imprescindível, sendo que ela começa desde a biomicroscopia, através da qual se analisa a superfície ocular para identificação de distúrbios do filme lacrimal que possam comprometer as medidas realizadas para planejar a cirurgia e a qualidade visual do paciente no pós-operatório. “Também, através desse exame, identifica-se a presença de outras alterações oculares que possam afetar o planejamento e o resultado cirúrgico, como pterígios, distrofias/ degenerações e cicatrizes da córnea”, explica a médica.
Segundo a especialista, depois de uma avaliação minuciosa da córnea na lâmpada de fenda, o paciente é submetido a alguns exames complementares, os quais auxiliam na programação cirúrgica. “Atualmente, a biometria óptica é o gold standard para o cálculo da lente intraocular (LIO). Entretanto, ao planejar uma cirurgia de catarata, é imprescindível incluir a avaliação topográfica da córnea”, revela a cirurgiã, salientando que um mesmo valor de astigmatismo medido pelo biômetro óptico pode ser de um olho com córnea sadia ou de outro com córnea com um ceratocone frustro, por exemplo. “O biômetro não consegue distinguir essas duas situações. Já a topografia, claramente denota ao médico essa diferença”, avalia a oftalmologista. A médica afirma que também a indicação de uma lente
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A busca do cirurgião em obter cada vez melhores resultados vem inspirando muitos colegas a desenvolverem novas fórmulas e métodos para otimizar os resultados cirúrgicos, como a fórmula Universal 2 de Barrett, a calculadora tórica de Barrett, o nomograma da Baylor e o método Hill-RBF
tórica em um paciente que tem cicatrizes de ceratotomia radial (RK), por exemplo, depende grandemente da topografia corneana, associada à biometria óptica. “Como esses exemplos, existem vários. No momento do planejamento cirúrgico, identificar afecções corneais impacta não só na escolha da lente a ser implantada, como também na conversa com o paciente para moldar as suas expectativas quanto ao resultado cirúrgico”, destaca. Dessa maneira, ela enfatiza que rotineiramente a avaliação da córnea é feita utilizandose um biômetro óptico e um topógrafo, podendo ser complementada com uma tomografia de córnea. “A tomografia auxilia no planejamento, provendo dados da curvatura posterior, além do poder corneano total”, completa. Na opinião da cirurgiã, apesar de não serem ainda medidas imprescindíveis para a facectomia, os dados dos tomógrafos somam no cálculo mais refinado e são muito promissores para um futuro próximo. Ademais, ela observa, alguns aparelhos de tomografia, como o Galilei G6 (Ziemer Ophthalmic Systems AG), já incluem no mesmo equipamento a avaliação da córnea e a biometria óptica, tendo o potencial de otimizar o tempo do paciente no pré-operatório. “Adicionando a esses exames na avaliação corneana, é necessário lembrarmos do papel da microscopia especular e da paquimetria. Ambos são importantes para a avaliação do endotélio, com a paquimetria sendo um bom reflexo da função das células endoteliais”, acrescenta Bruna. Desafios atuais e futuros
Para a cirurgiã, atualmente, os principais desafios na avaliação da córnea são: obtenção de resultados confiáveis; obtenção de resultados reais de curvatura corneana, principalmente em olhos pós-LASIK/PRK e pós-RK; e incorporação do astigmatismo posterior no planejamento cirúrgico. “Para minimizar o primeiro desafio, é importante adotarmos a rotina de primeiro avaliar a qualidade do exame para depois assumir como correta as informações
geradas”, observa, ressaltando que distúrbios do filme lacrimal, como mencionado anteriormente, têm o potencial de interferir bastante na qualidade das medidas obtidas, podendo comprometer significativamente o resultado cirúrgico. “Dessa forma, não devem ser ignorados”, enfatiza. Em relação ao segundo desafio, ela diz que diversas fórmulas e métodos têm surgido nos últimos anos, visando otimizar os resultados em olhos pós-refrativa. “Já em relação ao astigmatismo corneano posterior, também tem sido cada vez mais estudado, com o desenvolvimento de novas calculadoras, nomogramas e métodos para incorporá-lo nos cálculos das LIOs”, revela a médica, afirmando que através de uma avaliação minuciosa da córnea e um planejamento cirúrgico cuidadoso, os resultados já são muito bons. “Porém, ainda temos margem para melhorar. Ao rever dados publicados na literatura, nota-se que ainda há aproximadamente 15% a 30% dos olhos apresentando um erro refracional residual maior do que 0,50 dioptria no pós-operatório”, avalia. Para a oftalmologista, a busca do cirurgião em obter cada vez melhores resultados vem inspirando muitos colegas a desenvolverem novas fórmulas e métodos para otimizar os resultados cirúrgicos, como a fórmula Universal 2 de Barrett, a calculadora tórica de Barrett, o nomograma da Baylor e o método Hill-RBF. “Também vem sendo respaldada pelos fabricantes, que continuam aperfeiçoando seus softwares e desenvolvendo aparelhos com novas tecnologias, como o biômetro que se baseia na tecnologia de tomografia de coerência óptica para gerar seus dados (Argos, Movu, Inc.) e o topógrafo que obtém seus dados a partir de pontos de luz de LED refletidos na córnea (Cassini, i-Optics Corp.)”, declara, informando que os estudos demonstram que as novas fórmulas, métodos, equipamentos e tecnologias vêm aperfeiçoando ainda mais os resultados. “Entretanto, como ainda há margem para melhorarmos, há espaço, sem dúvida, para termos novos gold standards”, finaliza Bruna. l
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SÉRGIO KWITKO
LIOs premium: características e
acessibilidade
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onforme explica o médico oftalmologista Sérgio Kwitko, preceptor do Setor de Córnea e Doenças Externas do Serviço de Oftalmologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (RS) e professor da Pós-Graduação em Cirurgia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, as lentes intraoculares (LIOs) asféricas têm como objetivo mimetizar a asfericidade negativa de um cristalino jovem para proporcionar melhor qualidade visual quando combinado com a asfericidade positiva da córnea. Ele ressalta que estas LIOs proporcionam melhor qualidade visual que as esféricas, especialmente em ambientes de pouca luminosidade e contraste. “As LIOs asféricas existentes atualmente no mercado têm asfericidade variando de zero a -0.27, estando cada uma indicada de acordo com a asfericidade da córnea do paciente”, esclarece o especialista.
Segundo o oftalmologista, há algumas exceções para o uso destas LIOs, como pacientes com ceratocone e póscirurgia refrativa corneana para hipermetropia, na qual a asfericidade corneana é invertida e, portanto, uma LIO esférica é teoricamente melhor indicada. “As LIOs tóricas são atualmente a melhor forma de corrigir o astigmatismo, tanto sob o ponto de vista de precisão como o de estabilidade refracional”, opina o médico, salientando ser importante lembrar que, ao se indicar estas LIOs, o astigmatismo que deverá ser levado em conta para o cálculo da LIO é o corneano, e não o refracional. “Todas as plataformas existentes atualmente têm resultados semelhantes em relação à correção e à rotação, que não costumam ser significativas”, assegura Kwitko, explicando que as LIOs “multifocais” dividem-se em bifocais, trifocais, multifocais e de foco estendido, podendo ser di-
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As LIOs premium foram desenvolvidas para ser implantadas dentro do saco capsular. A cirurgia deve ser, portanto, perfeita e isenta de complicações para o sucesso destas LIOs
frativas ou refrativas. “As difrativas bifocais proporcionam uma excelente acuidade visual para longe e para perto, enquanto as refrativas multifocais e as de foco estendido promovem uma excelente acuidade visual de longe e intermediária”, enfatiza. Com relação às trifocais, o médico esclarece que estas estão indicadas para proporcionar uma melhor visão intermediária que as bifocais. “Existem diversas adições entre as LIOs bifocais, desde +2.50 até +4.00, que podem ser combinadas para se tentar alcançar uma visão adequada em todas as distâncias”, revela o oftalmologista, enfatizando que todas as LIOs multifocais, bifocais, trifocais e de foco estendido interferem na qualidade visual para longe, tendo uma perda na sensibilidade ao contraste em relação às monofocais, e maior possibilidade de halos e glare noturnos. “As LIOs de foco estendido são as que perdem menos qualidade, mas têm uma perda também em relação às monofocais”, completa. Ele diz que tanto o oftalmologista como o paciente têm que entender as limitações dessas LIOs, ou seja, para proporcionarem menor dependência aos óculos haverá uma certa perda da qualidade visual para longe, especialmente em ambientes de pouca luminosidade. “Isto deve ser muito bem explicado ao paciente”, orienta, declarando que para os pacientes com astigmatismo, a grande maioria das LIOs bifocais, trifocais, multifocais e de foco estendido tem a correção da toricidade na mesma plataforma, “o que proporciona correção da presbiopia e do astigmatismo com um procedimento somente e com bastante precisão”, observa o médico. Resultados, complicações e cuidados especiais
Na opinião de Kwitko, os resultados obtidos com os implantes de LIOs premium são excelentes, desde que bem indicados e corretamente implantados. “As LIOs premium foram desenvolvidas para ser implantadas dentro do saco capsular. A cirurgia deve ser, portanto, perfeita e isenta de complicações para o sucesso destas LIOs”, avalia o especia-
lista, comentando que se deve esclarecer ao paciente que o objetivo destas LIOs é deixá-lo com a menor dependência possível dos óculos, mas que em alguns casos pode haver necessidade de uso de óculos eventualmente e que, havendo hipo ou hipercorreção, pode-se lançar mão de um segundo procedimento para correção da refração residual. Segundo o oftalmologista, as LIOs premium não aumentam as complicações eventuais da cirurgia do cristalino (raras, mas possíveis). “As LIOs multifocais, bifocais, trifocais e de foco estendido acrescentam um efeito colateral, mencionado anteriormente, que é uma certa perda na qualidade visual para longe, halos e glare noturnos”, informa o médico, ressaltando que a correta indicação destas LIOs e adequada orientação do paciente quanto aos seus benefícios e limitações são fundamentais para o sucesso da cirurgia. “Para as LIOs asféricas monofocais, deve-se ter o conhecimento da topografia corneana, preferencialmente da tomografia e asfericidade corneana, para a indicação da asfericidade mais adequada da LIO”, orienta. Já para as LIOs tóricas, o especialista enfatiza que é importante conhecer o astigmatismo corneano, que preferencialmente deve ser simétrico, o qual será utilizado para o cálculo da LIO. Ele diz que o astigmatismo posterior também deve ser levado em conta no cálculo da LIO para um melhor resultado pós-operatório. “As LIOs tóricas podem ser implantadas em pacientes com astigmatismos assimétricos. No entanto, deve-se salientar que o cálculo da LIO é menos preciso e com resultados não tão bons como nos astigmatismos simétricos”, analisa. Com relação às LIOs multifocais, bifocais, trifocais e de foco estendido, os cuidados pré-operatórios, de acordo com Kwitko, devem ser maiores ainda, quais sejam: não deve haver nenhuma patologia corneana, vítrea ou macular, pois qualquer uma destas interfere diretamente no resultado, piorando muito a qualidade visual; o astigmatismo deve ser simétrico; o paciente deve ser orientado quanto à possibilidade de glare e halos noturnos, bem como a possibilidade de refração residual e suas possíveis
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Exemplo de LIO difrativa multifocal
correções. Ele afirma que para pacientes portadores de cirurgia refrativa corneana prévia, deve-se lembrar que a utilização da tomografia corneana e fórmulas adequadas melhora muito a previsibilidade refracional das LIOs. “Para pacientes pós-PRK e Lasik, a fórmula Haigis-L é uma das melhores, e para pós-ceratotomia radial e pacientes portadores de ceratocone, a Duplo-K, Barrett ou Haigs são bastante adequadas”, comenta, destacando que não se aconselha o uso de LIOs multifocais, bifocais, trifocais ou de foco estendido para pacientes portadores de ceratotomia radial ou ceratocone. “No entanto, em pacientes com PRK ou Lasik prévios, estas LIOs podem ser indicadas desde que a zona óptica da cirurgia refrativa seja maior que 6.0 mm, e que o paciente esteja ciente que o resultado refracional pode não ser tão previsível”, avisa. Acesso às LIOs premium
Exemplo de LIO difrativa multifocal tórica
Exemplo de LIO tórica
Conforme esclarece o especialista, o artigo 24 do Código de Ética Médica salienta que o médico tem o dever de informar o paciente acerca dos diferentes tipos e características das LIOs, vantagens e desvantagens, de modo a permitir uma decisão em conjunto de qual a LIO mais adequada para cada caso. A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), no artigo 22, §1º, inciso I, da Resolução Normativa nº 387/2015, também atribui ao médico a prerrogativa de determinar as características (tipo, matéria-prima e dimensões) das lentes intraoculares. Ele destaca que a ANS, no artigo 22, §1º, inciso I, da Resolução Normativa nº 387/2015 e no Parecer Técnico 21/GEAS/GGRAS/DIPRO/2016, estipula a cobertura obrigatória de uma lente intraocular registrada na ANVISA para a cirurgia da catarata. “Ou seja, as operadoras de planos de saúde têm que dar cobertura para uma lente intraocular monofocal esférica registrada na ANVISA que contemple a cirurgia da catarata, não sendo obrigadas a dar cobertura de lentes intraoculares com características especiais (LIOs premium)”, informa, salientando que as lentes intraoculares monofocais esféricas estão registradas na ANVISA para o tratamento da catarata e, por lei, são estas as lentes que os planos de saúde devem cobrir. Já as LIOs premium, também registradas na ANVISA, não necessitam ter cobertura pelo plano de saúde (Parecer Técnico nº 21/GEAS/GGRAS/DIPRO/2016 da ANS). “As operadoras de planos de saúde podem, desde que atendidas as regras de cobertura mínima e os critérios de credenciamento, referenciamento e reembolso junto a seus beneficiários ou prestadores de serviços, impor limites ao custeio das lentes intraoculares necessárias à cirurgia de catarata, ficando, dessa maneira, a cargo do paciente o custo destas LIOs premium”, conclui Kwitko. l