Vera Cristina de Sousa Lima
Espaço e criminalidade em favelas de Belo Horizonte um estudo sob a ótica da segregação e do controle socioespaciais
Belo Horizonte Escola de Arquitetura da UFMG 2010
Vera Cristina de Sousa Lima
Espaço e criminalidade em favelas de Belo Horizonte um estudo sob a ótica da segregação e do controle socioespaciais
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Arquitetura e Urbanismo da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial para a obtenção de título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo. Área de concentração: Experiência do Espaço
Teoria,
Produção
e
Orientador: Prof. Dr. Roberto Luis de Melo Monte-Mór
Belo Horizonte Escola de Arquitetura da UFMG 2010
B732e
Lima, Vera Cristina de Sousa Espaço e criminalidade em favelas de Belo Horizonte [manuscrito] : um estudo sob a ótica da segregação e do controle socioespaciais / Vera Cristina de Sousa Lima. 2010. 146f. : il. Orientador : Roberto Luís de Melo Monte-Mór. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Arquitetura. 1. Favelas – Belo Horizonte (MG). 2. Criminalidade urbana. 3. Sociologia urbana – Belo Horizonte (MG) 4. Espaço urbano I. Monte-Mór, Roberto Luis de Melo. II. Universidade Federal de Minas Gerais. Escola de Arquitetura. III. Título. CDD: 307.76
A meus pais, Luiz e Marlene, e a minha madrinha, ZezĂŠ, com amor.
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador, Prof. Roberto Luís de Melo Monte-Mór, pela cuidadosa orientação.
Aos moradores da Vila Santa Rosa, pela gentileza com que me receberam e se prontificaram a colaborar para que eu realizasse as pesquisas para este trabalho, especialmente aos irmãos Wantuil, Arlindo e Teófilo, pelo grande apoio que me deram durante os dias que passei na vila realizando as pesquisas.
À URBEL, que me possibilitou a experiência de trabalhar nas vilas e favelas de Belo Horizonte e a liberação para que eu pudesse realizar as atividades do curso de mestrado. Aos meus colegas de trabalho, pela troca de experiências, pelas conversas, pela colaboração em diversos momentos e pelo apoio.
Ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo - NPGAU, pela oportunidade. À Renata, pela atenção e disponibilidade para ajudar em todos os momentos que necessitei. A professora Jupira Gomes de Mendonça, pelo apoio e pelas oportunidades que me deu durante o curso.
Ao Felipe, companheiro de trabalhos e de orientações, com quem pude compartilhar idéias, textos e também as angústias que surgiram no decorrer deste trabalho.
À minha família - meus pais Luiz e Marlene, Zezé, Lia, Sérgio, Márcia, Lucas – e às amigas Péti e Lu, pelo carinho e companheirismo.
RESUMO
Esta dissertação tem como objetivo discutir e investigar as relações entre a criminalidade e a configuração socioespacial de favelas de Belo Horizonte, considerando a condição interna dos assentamentos e suas condições de inserção no meio urbano. Normalmente segregadas em relação ao entorno, porém ricas em relação à apropriação dos espaços e às relações sociais internas, as favelas apresentam uma configuração socioespacial que parece funcionar de maneira ambígua em relação aos diversos tipos de crime. O espaço das favelas, com suas diversas formas de apropriação, seja pelo movimento, seja pela ocupação, favorece a vigilância natural exercida pelos próprios moradores, porém é bastante desfavorável à presença de estranhos, visto que pouco acessível e de difícil compreensão. Se por um lado parece inibir certos tipos de crimes, como os furtos e assaltos, por outro parece propiciar a emergência de territorialidades e a reversão de atributos propícios ao controle social a favor de grupos criminosos, como os ligados ao tráfico de drogas.
Palavras-chave: Favelas. Configuração socioespacial. Segregação socioespacial. Criminalidade.
ABSTRACT
This dissertation aims at discussing and investigating the relations between crime and socio-spatial configuration of the slums of Belo Horizonte, considering the internal conditions of the settlements and their participation in the urban environment. Normally segregated in relation to its surroundings, they can be considered rich when it comes to the appropriation of spaces and internal social relations. The slums have a socio-spatial configuration which seems to work ambiguously in relation to different types of crimes. The area of the slums, with their diverse forms of appropriation, either by movement or by occupation, promotes natural surveillance exercised by its own residents, but is quite unfavorable to the presence of strangers, as it is unfamiliar and difficult to understand. If on one hand it seems to inhibit certain types of crimes such as thefts and burglaries, on the other it seems to encourage the emergence of territoriality and the reversal of attributes conducive to social control in favor of criminal groups, such as those related to the drug traffic.
Keywords: Slum. Socio-spatial configuration. Spatial segregation. Crime.
LISTAS DE FIGURAS
01 Profundidades de espaços axiais em relação ao entorno
42
02 Clusters de homicídios em Belo Horizonte
62
03 Trecho estreito do Beco 31 de Dezembro, na Vila Cabana do Pai Tomás
65
04 Postes por entre as casas da Rua Camila de Souza Machado e dos Becos O, na Vila Nossa Senhora Aparecida
66
05 Galinheiro construído sobre a laje de cobertura de casa, no Conjunto Minas Caixa B
66
06 Avanço dos pavimentos superiores sobre a área do Beco da Vicenza, na Vila São Rafael
66
07 Campo de futebol em área de nascentes preservada pela comunidade, particularmente pelo time de futebol Tricolor - Vila N. Sra. Aparecida
66
08 Largo na Vila São Vicente
66
09 Crianças brincando no largo do Beco São Gonçalo - Vila Cabana do Pai Tomás
68
10-11 Apropriação do espaço público adjacente às casas - Beco das Palmas, Vila São Vicente
68
12 Ramo do Beco Domiciano, na Vila Santa Rosa
68
13 Beco das Palmas, na Vila São Vicente
68
14 Adorno em casa da Vila Santa Rosa
71
15 Segundo pavimento de edificação obstruindo a janela da edificação vizinha – Vila Santa Rosa
73
16 Placa colocada no Beco do André, na Vila São Vicente: “Respeite!!! Aqui não é privada e muito menos outras coisas. Beco Familiar.”
74
17 Localização da Vila Santa Rosa
76
18 Mapa da Vila Santa Rosa
81
19 Praça do Salãozinho
82
20 Praça dos Pneus
82
21 Beco Senhor dos Passos
83
22 Rua Senhor dos Passos
83
23-24 Campo de Areia, onde treina o time Santa Rosa Futebol Clube
83
25 Beco Central: ocupação típica da vila, com janelas e portas se abrindo para a praça
84
26 Beco Senhor dos Passos: à esquerda, casas com espaços intermediários em relação ao beco, porém cercados por muros; à direita, muro de divisa da ocupação do entorno
84
27 Beco Dois, na porção Sudeste: apropriação do espaço para atividades domésticas
85
28 Estruturação do movimento de pedestres
86
29 Estruturação do movimento de veículos
87
30 Caminhos mais usados e lugares mais freqüentados, de acordo com a freqüência de citação pelos entrevistados
89
31 Lugares mais evitados, de acordo com a freqüência de citação pelos entrevistados
90
32 Crimes relatados pelos entrevistados na vila
93
33 Crimes relatados pelos entrevistados no entorno da vila
97
34 Inserção da Vila Santa Rosa – Sistema viário
99
35-43 Beco Beira Alta de cima – visão serial, da Rua Viana do Castelo à entrada do Campo de Areia 44 Movimento e ocupação: limites e permeabilidades 45-46 Rua Beira Alta, no entorno imediato da vila
101 102 103
47 Mapa Axial: profundidades dos espaços públicos da vila e do Bairro São Francisco em relação aos acessos regionais - Anel Rodoviário e da Av. Pres. Antônio Carlos
106
48 Mapa Axial: profundidades dos espaços públicos da vila em relação ao entorno
107
49 Mapa Axial: profundidades relativas dos espaços públicos da vila
108
50 Coração de integração axial da vila
109
51 Acesso veicular ao Campo de Areia
114
52 Quebras de traçado na Rua Senhor dos Passos
114
53 Crimes e integração ao entorno
115
54 Crimes e integração relativa interna
115
55 Ocupação da área do Campo de Areia
116
56 Vista do Anel Rodoviário e da Vila Inestã (Humaitá) a partir da área do Campo de Areia
116
57 Vista do Beco Beira Alta de cima a partir da área do Campo de Areia
117
58-59 Escadaria na interseção dos becos Beira Alta de cima e Viana do Castelo
117
60 Praça da Alegria: fachadas e apropriações
118
61 Muros e fachadas cegas na área próxima à Praça da Alegria
118
62 Ocupação na Rua Senhor dos Passos
119
63 Apropriações na Rua Senhor dos Passos
119
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CPTED
Crime Prevention Through Environmental Design
CRISP
Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG
PGE
Plano Global Específico
PROFAVELA
Programa Municipal de Regularização de Favelas
UCL
University College London
UFMG
Universidade Federal de Minas Gerais
UNIFENAS
Universidade José do Rosário Vellano
URBEL
Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte
ZEIS
Zonas de Especial Interesse Social
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO
10
2 SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL E VIOLÊNCIA
14
2.1 Segregando os grupos sociais no espaço
14
2.2 Exacerbando preconceitos, aprofundando desigualdades e gerando
22
violência 3 CONFIGURAÇÃO SOCIOESPACIAL E CRIMINALIDADE
34
3.1 Espaço e criminalidade: quatro abordagens
34
3.2 Entre a integração e a segregação: diferentes visões acerca da segurança
47
dos espaços 4 FAVELAS EM BELO HORIZONTE: SEGREGAÇÃO, ESPAÇO E CRIMINALIDADE
53
4.1 A evolução das favelas em Belo Horizonte
55
4.2 Caracterização socioespacial das favelas em Belo Horizonte
63
5 ESPAÇO E CRIMINALIDADE NA VILA SANTA ROSA
76
5.1 Aspectos metodológicos
78
5.2 Configuração socioespacial da Vila Santa Rosa
80
5.3 Criminalidade e violência na Vila Santa Rosa
92
5.4 Análise da integração socioespacial da Vila Santa Rosa
98
5.5 Análise da configuração socioespacial dos locais de concentração de
112
criminalidade na Vila Santa Rosa 5.6 Conclusões acerca das relações entre espaço e criminalidade na Vila Santa
122
Rosa 6 CONCLUSÃO
126
REFERÊNCIAS
130
APÊNDICE – FORMULÁRIOS DE PESQUISA
134
10
1 INTRODUÇÃO
Belo Horizonte, assim como outros grandes centros urbanos brasileiros, passou por um processo de agravamento da violência1 nas últimas duas décadas. Segundo Souza (2007) 2, o crescimento nas taxas de homicídio em Belo Horizonte no período entre 1998 e 2002 foi o maior dentre as capitais brasileiras; segundo o autor, esse aumento nas taxas de homicídios na capital mineira estaria repetindo o que já havia ocorrido no Rio de Janeiro e São Paulo a partir de meados dos anos 1980.
Como em outros grandes centros urbanos, em Belo Horizonte os crimes se distribuem heterogeneamente pelo espaço da cidade, com concentração de crimes contra o patrimônio nas áreas mais centrais e de mais alta renda, e de crimes contra a pessoa, notadamente os homicídios, nas áreas homogeneamente pobres, havendo evidências de que grande parte dessa violência está associada ao tráfico de drogas (BEATO et al., 2008). Também a distribuição no tempo é heterogênea, com maior ocorrência de homicídios à noite e especialmente nos finais de semana (BEATO, 2004) e, no caso de crimes contra o patrimônio, maior ocorrência de furtos a transeuntes durante o dia e assaltos a mão armada durante a noite. Essas diferentes distribuições espaciais e temporais ocorrem não somente em função de problemas sociais ou de diferentes retornos esperados para o crime, mas também em função de diferentes tipos de espaço, de apropriações desse espaço - seja pela ocupação, seja pelo movimento, que variam de acordo com o lugar e com o horário -, e também das relações sociais que neles se formam; tudo isso decorre não só em diferentes oportunidades para os criminosos, mas também em diferentes possibilidades de controle social do espaço3.
1
Em estudo sobre a violência em cidades e regiões metropolitanas brasileiras, Souza (2007) compara dados de duas pesquisas sobre homicídios no Brasil - Mapa de Homicídios: Regiões Metropolitanas no Brasil – análise do número de homicídios registrados pelo Ministério da Saúde (1998-2002) e Projeto Homicídios Brasil, elaborado pelo Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da UFMG (CRISP) e demonstra alguns aspectos importantes sobre a distribuição e o perfil da violência no Brasil e em Belo Horizonte. O estudo mostra que a incidência de homicídios é maior nas regiões metropolitanas, que apresentam taxa média de homicídios quase duas vezes maior que a média nacional, e que as grandes taxas de homicídio concentram-se em apenas 5,3 dos municípios brasileiros. Embora no ranking dos municípios brasileiros com mais de 100 mil habitantes, considerando o período de 1998 a 2002, Belo Horizonte apareça em 90° lugar, su a taxa de homicídio, de 34,2 homicídios por 100 mil habitantes, é considerada muito alta e, o mais preocupante, o crescimento dessa taxa em relação ao período anterior, de 1993 a 1997, foi de 91,5%, o maior dentre as capitais brasileiras. 2
SOUZA, Robson Sávio de. Homicídios Brasil: comparativo de fontes de dados. Disponível em: <http://www.observatoriodasmetropoles.ufrj.br/textos.htm>. Acesso em: 18 set. 2007. 3
De acordo com Beato e Peixoto (2005), em Belo Horizonte os crimes contra o patrimônio normalmente acontecem nas regiões onde os índices de vulnerabilidade social são menores; ao contrário, nas regiões
11
Apesar de as favelas de Belo Horizonte, em geral, não serem apontadas como locais violentos, havendo muitas que possuem incidência de criminalidade similar a de outros bairros quaisquer, estudos mostram que os homicídios se concentram em algumas vilas e favelas da cidade, de onde se originam vítimas e agressores (BEATO, 2004). Há evidências também de que grande parte da violência está associada ao tráfico de drogas (BEATO et al., 2008).
Embora o consumo e o comércio de drogas no Brasil não serem fenômenos recentes a maconha já era consumida há tempos pelas classes mais baixas, assim como a cocaína pelos grupos mais privilegiados -, houve uma mudança qualitativa a partir da década de 1980, com a introdução de novas drogas e a ampliação e disseminação de seu consumo por todas as classes sociais, além de uma maior estruturação e armamento das quadrilhas que comercializam as drogas, que se utilizam largamente das favelas e de outros espaços socialmente segregados como bases de apoio logístico. (SOUZA, 2005).
Essas operações do tráfico têm transformado as favelas brasileiras em enclaves de ilegalidade e violência, envolvendo a população de forma cada vez mais expressiva, provocando a erosão de normas e valores tradicionais, banalizando a violência cometida contra os próprios moradores e cerceando sua liberdade, envolvendo não só os adolescentes, mas também as crianças, provocando o enfraquecimento e a perda de legitimidade de instituições comunitárias, comprometendo os processos de participação política, além de submeter esses espaços às violentas incursões e cercos policiais, que muitas vezes se pautam pelo desrespeito aos direitos humanos e de cidadania.
distantes do centro e de baixa renda, onde há pouca infra-estrutura, baixo padrão de acabamento das residências e reduzida oferta de educação, saneamento e comércio, as taxas de roubo são baixas. Segundo os autores, isso acontece porque são regiões com um baixo retorno esperado para o crime, além de possuírem um maior controle social, uma vez que, com o reduzido comércio, o anonimato das pessoas tende a ser menor. No caso do centro da cidade, onde as taxas de roubo são altas, acontece o contrário: além da facilidade das rotas de fuga, o retorno esperado do roubo é alto e é maior a dificuldade dos moradores em vigiar o local, devido ao predomínio do anonimato individual. No caso dos crimes contra o patrimônio, tomando como exemplo o centro, há uma maior ocorrência de furtos aos transeuntes durante o dia, quando a grande movimentação de pessoas anônimas propicia alvos fáceis, e de roubos a mão armada durante a noite, quando o uso da arma se torna mais fácil e de menor risco para o bandido.
12
O problema da criminalidade violenta nos grandes centros urbanos e, mais especificamente, nas favelas brasileiras tem sido bastante discutido, com abordagens variadas que incluem aspectos antropológicos, sociológicos, econômicos e políticos4; no entanto, essas discussões não são suficientes para explicar a distribuição heterogênea dos crimes nas cidades, particularmente no interior das favelas, o que parece, do ponto de vista do urbanismo, uma questão bastante relevante. A vivência no ambiente das favelas, proporcionada pelos sistemáticos trabalhos de campo como arquiteta da Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte (URBEL), permite observar que no interior das favelas, além da criminalidade não se distribuir homogeneamente, sua localização não é estática: particularmente no caso do tráfico e da violência dele decorrente, observa-se o deslocamento dos grupos ligados ao tráfico e da violência a partir de alterações no espaço, sobretudo quanto à acessibilidade.
Os trabalhos que mais enfocam as relações entre espaço e criminalidade o fazem a partir a partir da abordagem da vigilância natural, que considera as possibilidades e limitações que o espaço oferece, através de seus atributos e das possíveis apropriações, aos indivíduos e grupos na prevenção de crimes (HILLIER, 1996; HILLIER, 2004; JACOBS, 2000; NEWMAN, 1996; RAU, 2008). Entretanto, são trabalhos que se baseiam em realidades bastante diferentes das encontradas nas favelas, tanto no que se refere às características socioespaciais quanto à própria criminalidade, bem menos grave e violenta do que a encontrada nas favelas.
Este trabalho pretende discutir e investigar, considerando as favelas de Belo Horizonte, as relações entre a criminalidade e a configuração socioespacial - ou seja, o arranjo do espaço e das pessoas no espaço, através de suas diversas formas de apropriação -,
4
Em Belo Horizonte, vários trabalhos vêm sendo realizados a partir das teorias relacionados à abordagem ecológica do crime, oriundas da tradição da sociologia urbana da Escola de Chicago, para o estudo da violência nas favelas (NASCIMENTO, 2004; ROCHA; PAIVA; PEREIRA, 2007; SILVA, 200?; SILVA, 2004; SILVEIRA, 2007). Os trabalhos baseados na teoria da desorganização social (BURSIK, 1988, apud NASCIMENTO, 2004; SHAW & McKAY, 1942, apud SILVA, 200?) relacionam a criminalidade às características socioeconômicas das localidades, e consideram que a desordem e o crime se relacionam com a incapacidade de a comunidade integrar valores comuns de seus residentes e manter um efetivo controle social. Segundo Beato & Peixoto (2005), evidências empíricas mostram, no entanto, a existência de lugares em uma cidade que apresentam alta incidência de delitos cuja explicação não se daria apenas pelas características de suas populações, mas também pelas características ambientais. Já em relação à teoria da desordem física (WILSON & KELLING, 1982; STARK, 1987), que considera que a degradação do ambiente influencia no crime na medida em que sinaliza aos criminosos uma postura de indiferença dos moradores em relação à localidade, os trabalhos têm sido menos freqüentes.
13
tendo em vista não só a condição interna dos assentamentos, mas também sua condição de segregação em relação ao meio urbano.
Como espaço para investigação e materialização das análises, foi escolhida a Vila Santa Rosa, pequeno assentamento localizado na Região da Pampulha, e seu entorno imediato. Essa vila não apresenta altos índices de criminalidade, mas se caracteriza pela ocorrência de crimes violentos, particularmente os homicídios, a maioria ligada ao tráfico de drogas.
A escolha dessa localidade levou em consideração, além de sua condição problemática em relação ao tráfico e à violência, a possibilidade de acesso a dados e de realização de trabalhos de campo mais aprofundados, visto que, a partir da participação na elaboração de seu Plano Global Específico, durante o período de 2006 a 2009, tive a oportunidade de conhecer bem a realidade da vila e de estabelecer contatos com moradores e lideranças, que foram essenciais para que as pesquisas para este trabalho fossem viabilizadas.
14
2 SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL E VIOLÊNCIA
A segregação de classes no ambiente urbano não é um fenômeno novo e nem exclusivo de sociedades como a brasileira, onde as desigualdades sociais são extremas; também não são novos os preconceitos quanto aos pobres e aos favelados, e nem a violência urbana. O que parece haver de novo é uma mudança qualitativa nesses aspectos. No Brasil, essas mudanças podem ser observadas nas últimas três décadas, com a emergência de novos padrões de segregação socioespacial, a exacerbação dos preconceitos quanto às favelas e aos seus moradores, e o aumento expressivo do crime violento. Esses fatores se interrelacionam, contribuindo para um quadro de maior tensão socioespacial, de sensação de insegurança generalizada, em que as barreiras físicas e simbólicas entre diferentes grupos sociais se tornam mais explícitas.
Nessa nova ordem socioespacial, onde parte das classes mais altas se refugia em seus espaços coletivos privatizados e controlados, onde as favelas são crescentemente dominadas pela violência, em grande parte associada às atividades e à repressão ao tráfico de drogas, e onde os espaços públicos promovem cada vez menos os encontros entre diferentes, as classes mais pobres moradoras das favelas sofrem seus impactos de maneiras diversas e complexas, e têm comprometidas, cada vez mais, suas condições de vida e suas possibilidades de inserção social.
2.1 Segregando os grupos sociais no espaço
The ordering of space in buildings is really about the ordering of relations between people. (HILLIER; HANSON, 1984, p. 2).
O problema da segregação socioespacial dos grandes centros urbanos contemporâneos têm sido, há muitos anos, objeto de discussões e de inúmeros trabalhos, no Brasil e no exterior, que focam sua caracterização, seus mecanismos, suas causas e conseqüências para o ambiente urbano como um todo e para as classes segregadas.
Em importantes trabalhos que enfocam a realidade de Los Angeles, Edward Soja (2000) e Mike Davis (1993) abordam a reestruturação do espaço urbano baseada na intensificação da segregação socioespacial e na preocupação com a segurança,
15
fenômenos contemporâneos bastante disseminados nos grandes centros urbanos do ocidente, inclusive nos brasileiros. Embora com diferentes abordagens, os dois autores destacam as mudanças institucionais, comportamentais e ideológicas que estão reestruturando o espaço urbano, motivadas pela desenfreada sensação de medo e pela obsessão com a segurança, assim como pelo desejo de isolamento social e de manutenção dos privilégios pelas classes sociais mais altas. O ambiente urbano resultante – um arquipélago carcerário5 – é caracterizado pelo abandono da vida pública e pela intensificação do isolamento social, que se refletem na paisagem marcada por ilhas urbanas vigiadas e/ou fortificadas, por uma arquitetura internalizada e que abusa da escala, por megaestruturas de comércio e serviços que confiscam grande parte da atividade vital das áreas em que se inserem para seus espaços internos, e também por um endurecimento geral da superfície da cidade, na qual os espaços públicos são cercados, o diálogo entre edificações e espaços públicos silenciado, as amenidades públicas reduzidas através do design e dos usos dados aos espaços. Para Davis, essas características decorrem não de descuidos de projeto, mas de estratégias socioespaciais deliberadas e com uma intenção repressiva explícita, visando à ruptura com o passado dos locais e à homogeneização do espaço social, matando a rua e a multidão, filtrando os indesejáveis e tornando impossível o encontro de diferentes humanidades.
Em estudo sobre criminalidade e segregação socioespacial no Brasil, Teresa Caldeira (2003) investigou os novos processos e padrões de segregação socioespacial decorrentes da combinação do aumento do crime violento, do medo da violência, dos desrespeitos aos direitos humanos e de cidadania, e das transformações urbanas recentes, focalizando o caso de São Paulo. Segundo ela, o medo do crime violento gerou uma série de respostas e estratégias de proteção, intensificando as separações, as regras de evitação e as restrições no espaço e no movimento, tanto simbólica quanto materialmente. A ordem socioespacial resultante é, assim, um meio urbano não-democrático e não-moderno, que reforça e valoriza desigualdades e separações.
5
Expressão utilizada por Soja (2000), e emprestada de Foucault (1977), para designar a pós-metrópole representada como uma coleção de cidades carcerárias, de espaços fortificados, decorrentes da intensificação do controle social e espacial produzido pelos novos desenvolvimentos da privatização, do policiamento, da vigilância, do governo, do desenho do meio ambiente construído e da geografia política dos espaços da cidade.
16
O homem aproximando-se do portão é um bom candidato a suspeito, já que anda a pé em vez de guiar um automóvel, ou seja, usa o espaço público da cidade de uma maneira que os moradores do condomínio rejeitam. (CALDEIRA, 2003, P. 257)
Segundo Caldeira, referindo-se a São Paulo, diferentemente do padrão anterior de segregação que dividia centro e periferia, o novo padrão, que se sobrepõe ao anterior, é mais complexo: as classes sociais estão muitas vezes mais próximas no espaço, porém separadas por barreiras físicas e sociais ostensivas, representadas pelos altos muros, pelos dispositivos de segurança e pelos mecanismos de vigilância e de controle de fronteiras sociais.
A autora chama de enclaves fortificados os novos empreendimentos urbanos privados para uso coletivo, seja para fins residenciais, de trabalho, consumo ou lazer, que se caracterizam pela combinação de diversos aspectos: ênfase no valor do que é privado; busca da homogeneidade social; demarcação e isolamento físico através de muros, grades, espaços vazios e detalhes arquitetônicos; interiorização das edificações e corte do diálogo com a rua, símbolo da vida pública rejeitada; controle e vigilância, com imposição de regras de inclusão e exclusão; flexibilidade6, autonomia e independência em relação ao seu entorno. Esses novos espaços, que “pertencem não aos seus arredores imediatos, mas a redes invisíveis” (p. 259) e que valorizam a negação e a ruptura com o resto da cidade e com o espaço público acessível, “atraem aqueles que estão abandonando a esfera pública tradicional das ruas para os pobres, os ‘marginalizados’ e os sem-teto” (p. 211) e ameaçam os princípios de acessibilidade e livre circulação, importantes valores das cidades que se propõem modernas e democráticas, em uma elaboração simbólica que transforma a clausura, o isolamento e a vigilância em status.
No entanto, embora muitos desses enclaves busquem uma maior autonomia, incluindo em seus espaços alguns serviços, comércio e equipamentos de uso coletivo, seus moradores e usuários não podem prescindir das classes das quais tentam se distanciar, necessárias para a prestação de serviços diversos. Estabelecem-se então, relações ambíguas de dependência, evitação, intimidade e desconfiança. Souza (2004) destaca
6
A flexibilidade refere-se ao fato de que são espaços que podem ser situados em qualquer lugar, em decorrência de seu tamanho, das novas tecnologias de comunicação, da organização do trabalho e dos sistemas de segurança, que faz com que sejam espaços autônomos e independentes do entorno.
17
o aspecto ilusório da solução trazida pelos enclaves, particularmente os condomínios fechados, uma vez que os grupos sociais que se pretende afastar do cotidiano e da paisagem são necessários como empregados, além de não ser possível escapar de crimes ao sair dos domínios privados. Assim, o tipo de solução promovido pelos
enclaves fortificados, além de não resolver o problema das elites, torna o ambiente das nossas metrópoles ainda mais perverso para os grupos marginalizados e excluídos.
Também Hillier e Hanson (1984) discutem a questão da segregação e da integração socioespaciais, abordando as diferentes lógicas e estratégias de produção e reprodução do que consideram dois paradigmas sociais do espaço7. Para os autores, que vêem a forma ou a organização espacial de uma sociedade como uma função das diferentes formas de solidariedade social8, nos espaços socialmente segregados, os encontros e interações resultantes da proximidade física e do compartilhamento de categoria ou classe se reforçam mutuamente, à custa das relações com membros de outros grupos. Já quando há a integração socioespacial, as relações entre indivíduos diferentes ocorrem localmente em função da proximidade e das possibilidades de encontro, ao passo que globalmente ocorre a interação propiciada pelas afinidades de classe ou categoria. Segundo os autores, o sistema baseado na segregação socioespacial precisa, para se reproduzir, de restrições a encontros e de regras e limites espaciais muito fortes, tendendo à exclusividade e, no longo prazo, ao fortalecimento do grupo local em detrimento do sistema global. Já no sistema socioespacialmente integrado, a manutenção da diversidade depende da não exclusividade, as regras e limites precisam ser mais fracos, com uma abertura nas relações entre habitantes e entre habitantes e
estranhos9, tendendo, assim, a reforçar tanto o sistema global quanto o grupo local. 7
Os autores denominam Sistema de Correspondência aquele onde há a coincidência de membros de uma mesma classe ou categoria em um mesmo espaço, ou seja, um espaço socialmente segregado, e Sistema de não Correspondência aquele onde há a integração socioespacial.
8
Os autores consideram que na solidariedade espacial, as ligações com outros membros do grupo são construídas pela contigüidade e pelo encontro, ao passo que na solidariedade transespacial, que é a solidariedade entre classe ou categorias e que independem da locação no espaço, as associações ocorrem não em virtude de continuidade e proximidade, mas de analogia e diferença. Para o desenvolvimento desses conceitos, os autores utilizam-se dos conceitos de Durkheim de solidariedade orgânica – baseada em interdependências através de diferenças - e solidariedade mecânica - baseada em integração através de similaridades. Segundo Hillier e Hanson, essa teoria é profundamente espacial, visto que a solidariedade orgânica requer um espaço denso e integrado, ao passo que a solidariedade mecânica prioriza um espaço disperso e segregado. 9
Os autores entendem que todo assentamento constrói uma interface entre as partes fechadas e abertas do sistema espacial, numa seqüência básica de três categorias de espaços que vão do local ao global, sendo o pólo mais local o arranjo das células primárias, ou edificações, e o pólo mais global um espaço contínuo, circundante, aberto e mais amplo e que contém o assentamento; o sistema contínuo de
18
É a intensificação dessa segregação socioespacial - relacionada sobretudo a classes sociais no caso brasileiro - que vem ocorrendo nas novas formas de reestruturação do espaço urbano, não só nos enclaves relativos aos espaços de moradia, mas também em locais de lazer e de consumo, em equipamentos de saúde e educação, e nos próprios modos de locomoção da população. Nessa dinâmica, podem ser observadas as estratégias e mecanismos de produção e reprodução discutidos por Hillier e Hanson, como as restrições a encontros com membros de outros grupos e os fortes limites espaciais, e também suas consequências negativas, como o processo de enfraquecimento do sistema global. Nesse processo, a segregação, o distanciamento e o estranhamento entre as classes sociais, a sensação de insegurança, a exacerbação dos preconceitos, o aprofundamento das desigualdades e o aumento da criminalidade e da violência se retroalimentam, fomentando um ciclo de reprodução das desigualdades e de aumento da tensão no ambiente urbano.
Decorrentes de outros processos, no caso de exclusão socioterritorial, os grandes centros urbanos brasileiros caracterizam-se também pelos enclaves de segregação de classes mais pobres, sendo que em Belo Horizonte esses espaços correspondem principalmente às favelas e aos conjuntos habitacionais para população de baixa renda. No caso das favelas, objeto deste trabalho, além dos preconceitos relativos aos seus moradores e ao tipo de assentamento, fruto de ocupação informal de porções de terra, contribui também para seu isolamento certos aspectos de sua configuração espacial.
À noite, as casas ficam muito mais bonitas com todas aquelas luzes, que me remetem a outros lugares. Não sei como podem ter tanto medo e achar o morro tão feio. Adoro o tom amarelado, meio envelhecido do lugar. A favela não é o mundo, mas as ruas, os becos, as lâmpadas amarelas e o silêncio da noite são o infinito. São poesia concreta, de tijolos à vista, de entendimento difícil, apreciada por poucos. Aqueles barracos são como pensamentos, aparentemente sem lógica, mas marcados por uma coerência particular. (CRUZ, 2009, P. 62)
Além dos contrastes de paisagem, o que por si já suscita uma série de estigmas, como os associados à desorganização social, as favelas costumam se diferenciar fortemente espaços abertos públicos internos ao assentamento, contíguo aos dois, faz a transição entre os pólos local e global. Os dois pólos do sistema corresponderiam a uma distinção sociológica essencial entre os dois tipos de pessoas que podem usar o sistema, sendo o pólo mais local o domínio dos habitantes do assentamento e o mais global o domínio dos estranhos.
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da maior parte das outras áreas da cidade pelo traçado complexo e pela escala reduzida de seus espaços públicos. Essas características espaciais, em situações extremas, levam a uma ruptura ou quebra nas linhas de movimento e a um espaço muito peculiar, de difícil leitura, que acaba por excluir espontaneamente a presença de estranhos, favorecendo o isolamento do grupo local. A primeira impressão de quem chega ao morro é que os becos são labirintos. No entanto, é muito fácil se localizar tendo como referência o espelho d’água, conhecido também como barragem. [...]. Muitos becos levam ao espelho, mas não podemos ignorar que muitas vezes confundem até mesmo antigos moradores. (CRUZ, 2009, p. 17).
Há também nas favelas um reforço do grupo local à custa das relações com membros de outros grupos espaciais; no entanto, as restrições a encontros e os limites espaciais resultam da forma de produção do espaço, e não da implantação deliberada visando à exclusão, embora essas restrições e limites possam vir a ser defendidos e reforçados por certos grupos interessados na perpetuação dessas condições, como tem ocorrido com grupos ligados ao tráfico de drogas, conforme abordado por Fernandes (2006).
Nesses enclaves, as restrições ao acesso e ao movimento, sejam elas intencionais ou não, dificultam ou mesmo impedem o convívio entre habitantes e estranhos, empobrecendo as trocas sociais, culturais e econômicas, a diversidade e a movimentação própria das cidades. Assim, preconceitos e características espaciais peculiares se somam, aprofundando sua condição de segregação.
De acordo com Hillier (1996), os enclaves são, quase que por definição, destinações que não estão disponíveis ao movimento natural10, formando descontinuidades na malha urbana. Segundo o autor, lacunas no movimento natural, ao reduzir as interfaces entre diferentes grupos ou categorias de pessoas, atraem usos e comportamentos antissociais e propiciam a emergência de territorialidades por grupos que passam a dominar o espaço.
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Movimento natural, segundo Hillier, é a proporção de movimento em cada linha que é determinada pela estrutura da malha urbana em si mesma, antes que pela presença de pontos ou locais de atração específicos.O autor argumenta que, de maneira geral, quanto mais integrada uma linha de movimento está em relação ao sistema como um todo, maior a movimentação, e vice-versa.
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Essa forma de organização do espaço, baseada na segregação social através de enclaves favorece a homogeneização e o isolamento dos grupos sociais, em detrimento da diversidade e da interação entre diferentes.
Visão radicalmente oposta acerca das grandes cidades tem Jane Jacobs (2000), que defende a diversidade de usos e ocupação, mais complexa e densa, que propicie entre eles uma sustentação mútua e constante, econômica e social como um princípio fundamental para o bom funcionamento das cidades. Partidária convencida do modo de existência autenticamente urbano, Jacobs argumenta que as “vizinhanças” devem de alguma forma se sobrepor e se interpenetrar, de modo a formar um contínuo físico, social e econômico, visto que o isolamento e os limites definidos tendem a levá-las ao fracasso. Para a autora, a interação entre vizinhanças e entre essas e a cidade é fundamental. Para isso elas precisam ser permeáveis e atraentes, o que não se dá através da homogeneidade, mas das particularidades de cada uma, de forma a serem “úteis, interessantes e convenientes” para as pessoas de fora. O excesso de delimitação e de autonomia das vizinhanças leva a seu fracasso, pois inibe a presença de pessoas de fora que poderiam, através do uso, não só estimulá-las financeiramente, mas também conhecê-las a ponto de identificar-se com elas. Segundo a autora, essa introversão, além de não ser natural no contexto urbano, é prejudicial às próprias vizinhanças e à cidade, pois a converte, com o passar do tempo, “numa porção de cidadezinhas. [...] territórios hostis e desconfiados uns dos outros.” (p. 126, 127).11
Além das características dos bairros e vizinhanças, os espaços públicos - com suas qualidades, sua articulação e sua relação com os espaços privados - têm importância fundamental para a sociabilidade das pessoas, particularmente as de grupos sociais diferentes, e, consequentemente, para a integração socioespacial. Considerando as necessidades básicas de comunicação e de privacidade, parece fundamental que a organização espacial ofereça possibilidades para o encontro e para o recolhimento, para a comunicação e para a privacidade, considerando os indivíduos e os grupos sociais.
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Do ponto de vista espacial, Jacobs defende uma continuidade do tecido em relação a uma área maior, um território político e administrativo que seja capaz de integrar os bairros e mediar sua relação com a cidade como um todo, inclusive para que se tenha força para lutar contra problemas maiores e mais graves da cidade, como o tráfico de drogas.
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Haveria regra para o favelado conquistar uma menina inacessível da sociedade? A fórmula de Juliano era camuflar as diferenças de classe social. A abordagem, por exemplo, tinha que ser na praia, um raro espaço democrático da cidade. Na areia, as diferenças desapareciam se alguns detalhes estéticos não fossem esquecidos. (BARCELLOS, 2008, p. 51-52)
A necessidade de haver espaços que possibilitem a escolha do grau de envolvimento com as pessoas é um aspecto importante abordado por autores como Hall (2005) e Jacobs (2000). Jacobs considera que a convivência nos espaços públicos, onde se pode escolher o grau de contato que se quer manter com as diversas pessoas, é fundamental para a integração socioespacial, pois essa possibilidade de escolha, que permite o convívio sem agredir a privacidade, favorece a tolerância em relação às diferenças. Para Jacobs, em locais onde inexiste uma vida pública razoável nas ruas, há duas opções para os moradores: nada compartilhar, para se preservar a privacidade, ou ampliar a vida privada para que haja um contato equivalente ao das calçadas, o que leva a uma maior exigência em relação aos vizinhos e a uma discriminação em relação aos diferentes, pois se compartilha demais.
Segundo Jacobs, para que a vida pública nas ruas floresça, no entanto, é fundamental que elas sejam atraentes, confortáveis, movimentadas e seguras, o que é possível através da vitalidade socioeconômica das localidades e das relações de confiança e solidariedade que se formam entre os vizinhos, com o passar do tempo e através dos inúmeros contatos nos locais públicos. Essa vitalidade socioeconômica, no entanto, depende não da homogeneização, limitação e autossuficiência dos espaços, como ocorre em modelos de segregação, mas da heterogeneidade, da diversidade – de usos, de padrões de edificações, de vizinhanças – da interação entre espaços públicos e privados e da interpenetração das vizinhanças. Além disso, a autora defende que a insegurança real dificulta a superação dos preconceitos e da própria segregação espacial, pois o medo acompanha a discriminação e a encoraja.
Em grande parte das cidades, a vida nas ruas, assim como o convívio com as diferenças, ainda é possível e desejada. A preocupação com a renovação e recuperação dos centros urbanos, assim como a promoção de eventos em espaços públicos, tão característicos dos tempos atuais, atestam esse desejo de vida pública. Também em relação aos espaços residenciais, a infraestrutura e a vivacidade da vida
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urbana proporcionada pelas áreas mais centrais e por bairros tradicionais ainda são atraentes para grande parte da população, que rejeita a possibilidade de fuga para as periferias distantes e tranqüilas e para grandes condomínios cada vez mais autônomos, onde se perde grande parte da riqueza relativa à movimentação, à heterogeneidade e às trocas culturais próprias das grandes cidades.
No entanto, o processo contrário - de abandono de espaços públicos, de reforço de limites, de recolhimento aos espaços privados, sejam eles os carros, as residências ou os locais de trabalho, consumo ou lazer - vem acontecendo simultaneamente nas grandes cidades, em decorrência do medo da violência e dos desejos de isolamento social. As edificações tornam-se cada vez mais distantes da rua, silenciadas por suas fachadas cegas, por suas grandes áreas de estacionamento e por seu aparato de segurança - muros, grades, portas fechadas, cercas elétricas, câmeras, guaritas de porteiros e vigilantes.
Além disso, a redução da diversidade e das possibilidades de encontro entre diferentes não se limita aos espaços de moradia e às ruas. A diversidade e as possibilidades de encontro declinam também em espaços destinados a serviços como a educação, a saúde e o transporte, deixados cada vez mais aos que não podem pagar pelos serviços privados. Para as classes mais pobres, esses processos têm impactos mais graves, contribuindo para um círculo vicioso que leva ao aprofundamento das desigualdades e à maior vulnerabilidade do grupo social.
2.2 Exacerbando preconceitos, aprofundando desigualdades e gerando violência
O lugar não importa. Pode ser qualquer um, contanto que seja pobre e marginal a esta outrora encantadora cidade. Nele fiquei mais de um ano convivendo e conversando com os supostos agentes da violência urbana. Alguns por serem simples moradores do lugar. [...]. Outros porque realmente traficam, assaltam e fazem uso da arma de fogo. (ZALUAR, 1994b, p. 7).
Embora as favelas sejam antigas, assim como o estigma associado a elas e a seus moradores, nas últimas décadas a sua situação de segregação e de estigmatização se agravou, não só devido ao aumento das desigualdades em relação ao seu ambiente de inserção, seja pelos seus próprios processos de adensamento e de deterioração
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espacial, seja pela elitização das áreas onde se inserem, mas também devido à escalada da criminalidade violenta nas grandes cidades, inclusive no interior das favelas, neste caso fortemente associada ao tráfico de drogas.
O aumento da violência urbana nos grandes centros urbanos brasileiros parece vir acompanhado de uma identificação da população pobre, particularmente das favelas, com a figura do bandido. Na ânsia de elaborar simbolicamente a situação de insegurança, procura-se um “outro” que possa personificar a imagem do mal. (CALDEIRA, 2003).
Alba Zaluar (1994b), a partir de estudo realizado no Rio de Janeiro, fala da “guerra clandestina, mas nem por isso menos maniqueísta, sangrenta e cruel, que se vale dos mecanismos simbólicos já conhecidos da separação absoluta entre o bem e o mal” (p. 44) e de suas consequências para aqueles identificados com o mal, geralmente os moradores de áreas de baixa renda mencionadas frequentemente em manchetes de jornais. Enquanto para esses é reservado o estigma de criminoso, salienta-se, quanto às áreas de alta renda, “o medo e o pânico de seus pobres moradores” (p. 13).
Segundo Kaztman et Al. (2007), o sentimento de insegurança tem origem em aspectos objetivos, como no caso de experiências vividas como vítimas ou proximidade de vítimas, e subjetivos. Neste caso, estão presentes fatores como o distanciamento social, ocasionado pelo aumento das desigualdades e pela redução dos âmbitos de interação, a diminuição da capacidade de empatia e o aumento da desconfiança e temores entre classes, além da percepção natural de insegurança em relação ao desconhecido. A coisa pior que existe na Moóca é que o povo fica com medo. É muito crime, é muito assalto. (...) - Quem são os criminosos? - Pessoal que assalta é tudo nortista. Tudo gente favelada. Gente do bairro e gente de fora.12 (CALDEIRA, 2003, p. 30).
Caldeira (2003) destaca a importância da fala do crime, que, subjacente às mudanças nos padrões de segregação socioespacial, tenta reorganizar simbolicamente o universo 12
O trecho faz parte da narrativa de uma moradora da Mooca entrevistada por Teresa Caldeira em 1989 e usada pela autora para iniciar as análises que faz sobre a fala do crime, por ser uma narrativa que sintetiza aspectos que apareceram, de forma mais dispersa e desarticulada, em várias outras entrevistas.
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desestruturado pela experiência do crime, e que, ao fazê-lo, reforça as sensações de perigo, elabora preconceitos quanto a grupos sociais e espaços, naturaliza a percepção de certos grupos como perigosos, reorganiza a paisagem urbana e o espaço público, além de legitimar reações privadas e, muitas vezes, ilegais. Essas narrativas, normalmente preconceituosas e intolerantes, simplificam o mundo em pares de oposição como “o bem contra o mal”, tentando eliminar ambigüidades, sintetizar o mal e explicar o crime, elaborando categorias que se tornam a encarnação do mal e que representam não só o perigo do crime, mas também da decadência social. Nesse processo, certos grupos sociais e espaços são estigmatizados e associados ao crime, como os imigrantes, os pobres, as favelas e os cortiços, através de uma lista de preconceitos infinita. Segundo a autora, “o que pertence ao crime é tudo o que a sociedade considera impróprio” (p. 80). Até mesmo os que fazem parte dos grupos estereotipados expressam esses preconceitos em suas falas; a autora observa que quanto maior a proximidade socioespacial do narrador com os grupos e espaços estigmatizados, maior é a ambigüidade e a elaboração da fala, num esforço de imposição e relativização dos estereótipos; usando o repertório da fala dos dominantes, pela falta de um repertório próprio para pensar a si mesmos, os dominados “são obrigados a dar sentido ao mundo e à sua experiência usando a linguagem que os discrimina” (p. 85).
Esse esforço para se diferenciar e para se livrar dos estigmas e a ambigüidade presente nas falas de moradores também é mencionada por Zaluar (1994b) ao falar do sentido de localidade, “que parece ser um elemento fundamental na formação das identidades sociais e que aqui aparece ainda mais acentuado pela guerra de quadrilhas”, e da diferenciação feita pelos moradores acerca do bandido do pedaço, “sempre mais valente, leal e corajoso que o dos outros pedaços.” (p. 22). A própria construção social da imagem do bandido pelas populações locais, no entanto, é ambígua, havendo por um lado a discriminação, que diferencia o bandido do trabalhador, e por outro uma identificação, por serem todos pobres e subalternos (ZALUAR, 1994a).13
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O bandido é, por um lado, marcado, estigmatizado por ter “crime nas costas”, por ter “nome nos anais da polícia” e por ter arma na cintura, e por, além disso, dever a alguém ou ter que cobrar dívida de sangue a quem lhe deve, cabendo aí um julgamento moral, de acordo com as “regras locais de reprocidade e justiça” ; por outro lado, “O bandido é do pedaço. O bandido é pobre. O bandido é gente como todos”. (ZALUAR, 1994a, p. 162, 163).
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A segregação socioespacial, no entanto, não é apenas uma resposta à insegurança a partir dessa visão preconceituosa, mas também a fomenta, inclusive para se justificar. Segundo Caldeira (2003), o processo de construção da imagem de São Paulo como uma cidade violenta, a fim de criar um contexto de sensação de insegurança capaz de justificar o isolamento social e os novos tipos de empreendimentos, antecedeu em pelo menos uma década ao aumento do crime violento14.
O preconceito contra grupos marginalizados, sejam eles de imigrantes, de moradores de cortiços ou de favelas, e o poder dessas ideologias também são fenômenos antigos. Muitas favelas já foram removidas e seus moradores levados para periferias distantes a partir de construções preconceituosas semelhantes, nas quais as favelas e os cortiços eram representados como locais de desorganização pessoal, familiar e comunitária, congestionamento e imundície.
Ainda que a favela atenda às necessidades de seus moradores, oferecendolhes um tipo de vida satisfatório, continua a ser tão estigmatizada pelo resto da sociedade que os favelados seguidamente têm de dar um endereço falso para conseguir um emprego, às vezes até mesmo para marcar um encontro. (PERLMAN, 1977, p. 178)
No final da década de 1960, Janice Perlman (1977) estudou cuidadosamente três favelas com características distintas no Rio de Janeiro15, examinando a realidade por trás das aparências dessas comunidades e de seus moradores, bem mais complexas que os estereótipos sustentados pelos mais diversos grupos. Perlman construiu um tipo
ideal – exemplo extremo da subcultura marginal, baseado nas diversas teorias da marginalidade, a fim de testá-lo em suas pesquisas, e chamou de mitos da
marginalidade o conjunto de crenças acerca dos moradores das favelas, que envolvem as dimensões social, cultural, econômica e política. Suas proposições para o que designou tipo ideal englobavam aspectos como desorganização e isolamento social internos, não-integração à cidade, cultura do tradicionalismo e da pobreza, parasitismo e paroquialismo econômicos, apatia política e, no extremo oposto, radicalismo político, 14
Segundo Caldeira (2003), já na década de 1970 começou a ser construída a imagem de insegurança da cidade de São Paulo pelas imobiliárias, como justificativa para o então novo tipo de empreendimento, os condomínios fechados, ao passo que o aumento da violência ocorreu na década de 1980. 15
Catacumba, favela situada nos morros da Zona Sul, zona comercial e residencial de classe alta; Nova Brasília, favela situada na Zona Norte, periferia industrial e residencial da classe operária; e Duque de Caxias, grupo de cidades-dormitório, subúrbio da Baixada Fluminense.
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tendo sido essas proposições refutadas em suas pesquisas. Os resultados indicaram, ao contrário, uma intensa e satisfatória integração social, cultural, econômica e política à sociedade.
As pesquisas de Perlman indicaram uma vida associativa intensa, com redes de amizade, parentesco, confiança e cooperação; baixo nível de crime e violência; integração intensa ao contexto urbano e exposição a uma grande variedade de experiências urbanas; heterogeneidade de contatos e assimilação de valores, estilos de vida e idéias das outras classes sociais; relativa abertura para inovações científicas e tecnológicas, gosto pelas novidades e pelo moderno; flexibilidade e abertura a novas formas de comportamento; altos níveis de secularização, flexibilidade cognitiva e empatia; prudência e realismo face a autoridades; contribuição para a economia, tanto em termos de produção quanto de consumo; familiaridade com normas impessoais e burocráticas nas relações de trabalho; participação ativa nas organizações locais e estabelecimento de vínculos com a sociedade exterior; percepção política seletiva concentrada nos interesses locais, diferentemente das lideranças, que apresentaram uma percepção política mais aguçada; participação política pautada na defesa de seus interesses com um mínimo de prejuízo ao sistema; baixa consciência de classe; patriotismo; nem frustração nem radicalismo, mas sim uma satisfação razoável com suas vidas e otimismo quanto ao futuro, sendo o conformismo associado às posições mais altas – as mulheres, p. ex., se mostraram mais críticas e menos conformistas do que os homens.
Janice Perlman destaca, no entanto, a diferença entre os mitos da marginalidade e a situação de marginalização que esses grupos enfrentam, sendo as condições de sua integração social, cultural, econômica e política altamente desfavoráveis, marcadas por estigmas, exclusão, exploração, manipulação e repressão.
No entanto, já na década de 1970, época em que seu trabalho foi publicado e que os esquemas dualistas de representação da cidade eram tão criticados,
[...] havia uma atividade subterrânea que na década seguinte transformou a vida dos favelados e que veio a mudar o discurso sociológico sobre a favela, trazendo de volta as metáforas dualistas. Com a chegada do tráfico de cocaína em toda a cidade, a favela [...] passou a ser representada como covil
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de bandidos, zona franca do crime, hábitat natural das ‘classes perigosas’. (ZALUAR & ALVITO, 2006, p. 15)
Hoje, com a disseminação do tráfico de drogas de varejo nos grandes centros urbanos e com sua associação aos espaços segregados das favelas, vê-se o ressurgimento desses mitos da marginalidade com uma nova roupagem: os favelados são agora estereotipados como bandidos violentos, traficantes, sobretudo os adolescentes, “justificando” inclusive a violência da polícia contra moradores, que prende, tortura e executa os supostos bandidos16.
Estudos recentes têm mostrado como a homogeneização espacial da pobreza leva a um aprofundamento das desigualdades, principalmente em contextos urbanos onde as desigualdades e o isolamento social são exacerbados, onde se reduzem as possibilidades de contatos e encontros entre diferentes, e onde os pobres e seus locais de moradia são cada vez mais estigmatizados e associados ao crime. A falta de diversidade socioeconômica presente em enclaves marginalizados, como é o caso das favelas, limita as possibilidades de ascensão social das famílias pobres ali segregadas, impactando negativamente as possibilidades de uma melhor instrução e de conquista de emprego. O local de moradia, a despeito de outras variáveis socioeconômicas, influencia em fatores como o desemprego, a baixa instrução, a taxa de fecundidade, o perfil das famílias e a delinqüência. (CARDIA, 2004; KAZTMAN et al, 2007; RIBEIRO, 2004; ROLNIK, 2004).
Segundo Zaluar (1994b), o estigma carregado pelos moradores de áreas pobres de pertencer “ao antro de vagabundos, malandros e bandidos”, sejam eles trabalhadores ou não, faz com que sejam “tratados como criminosos, antes de sê-los” (p. 33). Esse estigma, que leva a problemas como injustiças e desrespeitos cometidos pela polícia e a dificuldades de inserção social, inclusive no mercado de trabalho, tem impactos profundos em suas vidas, constituindo-se inclusive em um dos fatores que levam
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Há vários estudos e evidências que mostram a violência com que a população estigmatizada é tratada. Dados como a proporção entre crianças e adolescentes que aparecem como vítimas e como infratores nas ocorrências policiais, proporção entre mortes de civis e de militares em confrontos diversos, proporção entre mortos e feridos em ações policiais nas favelas, além de estudos que denunciam a corrupção e a violência nas polícias civil e militar, não deixam dúvidas sobre a arbitrariedade e a violência com que agem as organizações que deveriam proteger os cidadãos. Ver CALDEIRA (2000); CIDADES (2007); BARCELLOS (1992; 2008).
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muitos jovens ao ingresso na criminalidade, na vida de bandido17. No caso da violência e da arbitrariedade policial, que prende indiscriminadamente, espanca e tortura, movida pelo desrespeito e pelos preconceitos quanto aos jovens moradores dessas localidades, além de apagar “perigosamente a distinção entre trabalhador e bandido, distinção essa fundamental na visão social da população pobre desta cidade” (p. 8), leva o jovem muitas vezes a se armar ou a se juntar a quadrilhas, para se defender ou se vingar. Essas ações desrespeitosas e injustas da polícia em relação aos moradores, associada à corrupção, através da qual a impunidade pode ser comprada, contribuem para o enfraquecimento de categorias morais e o próprio conceito do que é crime, já que “comete ‘crimes’ quem não pode pagar por esta impunidade jurídica.” (p. 19). No caso da dificuldade de obtenção de emprego relacionada à insegurança dos empregadores em função da estigmatização de seu local de moradia, Zaluar acredita que “a própria consciência que têm dessa barreira torna-se um fator a mais na sua inclinação para o crime. É um círculo vicioso que opera como um obstáculo efetivo à obtenção de emprego e como um mecanismo psicológico poderoso na construção de sua identidade.” (p. 17).
Em estudo aprofundado sobre os processos de segregação socioespacial ocorridos em Montevidéu, Ruben Kaztman et al. (2007) mostram que, para um mesmo nível de escolaridade, o nível sócio-econômico do lugar da residência está inversamente relacionado com a taxa de desemprego, podendo o perfil sócio-econômico da comunidade incidir nas taxas de desemprego de várias formas. Dentre elas, estão a ausência de possibilidades oferecidas pela interação social com pessoas que poderiam servir como fonte de informação e de contatos úteis para a obtenção de empregos, os critérios que os empregadores usam para recrutar trabalhadores, os estigmas associados aos assentamentos mais pobres e as menores oportunidades de emprego na mesma vizinhança. Um dos aspectos que se destaca nessas comunidades é o desalento causado pela escassez de pessoas que poderiam servir de modelos ao 17
Para Zaluar (1994b), a criminalidade não é um efeito direto da pobreza, mas de um conjunto de fatores, como o afastamento dos filhos em relação aos pais, pelas próprias necessidades de suplementação de renda que levam os pais ao trabalho extra e os filhos ao biscate; as dificuldades dos jovens em obter uma formação adequada e, com isso, não só a dificuldade para conseguir um emprego, mas também a formação de uma ética do trabalho; os preconceitos a que os jovens pobres estão expostos, levando inclusive a prisões, tortura e espancamentos injustos pela polícia; a visão negativa do trabalho, a partir das próprias experiências de vida e da observação da vida dos pais, que passa a ser visto como humilhante e associado à escravidão, o que, agravado pelos valores do machismo, levam à heroização do malandro e do bandido - que se negam ao mundo do trabalho e que conquistam fama, poder e dinheiro fácil - e ao uso de armas de fogo, sinal de sua “revolta”.
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evidenciar claramente a possibilidade de melhoria de vida através do estudo e do trabalho.
Para Nancy Cardia (2004), a violência está relacionada à superposição de carências, que amplia o efeito de cada variável, e a segregação socioespacial das classes de baixa renda aumenta o nível de tensão nos ambientes familiares e comunitários, sinalizando aos jovens que eles pouco têm a ganhar se submetendo às regras e às normas sociais18. De acordo com a autora, além dos problemas de acesso ao trabalho, educação, moradia e saúde, alguns outros fatores tornam a população de comunidades mais pobres suscetíveis à delinqüência, como a grande presença de crianças e jovens e a escassez de fatores de proteção, representados pelos adultos mais idosos e pelas pessoas com melhor renda e escolaridade. Todos esses problemas contribuem para a desestruturação das famílias e das comunidades, levando-as a um “círculo vicioso de pobreza e desesperança.” (p. 339).
Em estudo sobre urbanização de risco e violência urbana a partir de pesquisas realizadas em cidades do Estado de São Paulo, Raquel Rolnik (2004) defende a hipótese de que a exclusão territorial19 faz indivíduos, famílias e comunidades particularmente vulneráveis, abrindo espaço para a violência e o conflito, e expõe evidências sobre a ligação entre exclusão territorial e violência, e dessas com modelos de desenvolvimento econômico e políticas de planejamento. Segundo a autora, a exclusão territorial dificulta o acesso a diversas oportunidades, como emprego, educação, cultura, renda através do uso da casa própria20, além de deixar os
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De acordo com a autora, as alterações no mercado de trabalho, com o aumento do desemprego e da informalidade, têm impactos diretos sobre a violência. Uma das análises refere-se à questão dos jovens que investiram na educação, obtiveram uma escolaridade melhor que a de seus pais e que se frustram ao não conseguir emprego; dependendo de como eles interpretam a situação, esse fator pode reduzir sua resistência a delinqüir. A situação de desemprego dos pais e das pessoas mais velhas de maneira geral, que passam a simbolizar uma experiência negativa, pelas quais os jovens temem passar; os adultos que ficam desempregados por longos períodos perdem a legitimidade diante dos jovens e também a autoridade, pois deixam de servir como modelos e perdem o poder de convencimento de que a ascensão social é possível pelas vias legais. Além da integridade da família, o desemprego impacta profundamente a vida dos filhos de outras formas, afetando seu vínculo com a escola, o diálogo com os pais, aumentando sua agressividade e o seu envolvimento com as drogas e a violência. (CARDIA, 2004). 19
O conceito de Exclusão Territorial utilizado como indicador na pesquisa considera as variáveis condições de habitabilidade das casas, localização, infraestrutura e número de cômodos, a fim de verificar o número de domicílios de cada município excluído de condições urbanas mínimas. (ROLNIK, 2004, p. 112). 20
Segundo Rolnik (2004), a exclusão territorial “nega a possibilidade de utilizar recursos como a casa própria para gerar renda e criar empregos, na medida em que a maior parte das casas é ilegal e o uso misto é geralmente proibido pelas normas de uso do solo municipal.” (p. 124).
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habitantes desassistidos pela presença do estado e privados de necessidades ambientais básicas21. Todos esses problemas acabam por deixar as pessoas e o ambiente vulnerável, fértil para a violência, que “então toma conta, com seu sentido ambíguo de desespero e heroísmo.” (p. 125).
Segundo Kaztman et al. (2007), que discutem a ligação entre vulnerabilidade relativa às condições de trabalho e vulnerabilidade social, e dessas com o aprofundamento dos processos de segregação socioespacial, o aumento do trabalho instável e precário faz com que apareçam “modalidades adaptativas” entre os setores populares, como as estratégias ilegais de sobrevivência e a delinqüência, que se tornam mais atrativas e viáveis, e que acabam por comprometer ou destruir o capital social comunitário e por aprofundar os processos de segregação socioespacial. O desemprego, por sua vez, impõe sérios problemas ao cotidiano das famílias e das vizinhanças mais pobres, favorecendo a emergência de reações conflitivas com os padrões normativos convencionais, em função da inacessibilidade à estrutura de oportunidades. Segundo os autores, outro fator que aumenta a propensão à delinqüência e à violência é que a segmentação social não se restringe ao mercado de trabalho ou ao local de moradia, estendendo-se também a outros espaços e serviços, como a educação, a saúde, o lazer e o transporte. Dessa forma, é ampliado o isolamento das classes mais pobres, com o aumento do sentimento de privação e de miséria relativa, debilitando a adesão a marcos normativos gerais e transformando os padrões de socialização de crianças e jovens, favorecendo processos de desorganização familiar e liberando espaços para as novas formas de comportamento, incluindo as ilegais.
Esses aspectos foram também apontados por Newman (1996), a partir de pesquisa realizada nos Estados Unidos, relacionando dados de criminalidade e espaços habitacionais urbanos. Newman encontrou, entre os fatores físicos com maior interferência no medo, na instabilidade do assentamento22 e nas taxas de criminalidade, o tamanho global do assentamento, considerando o número de 21
O estudo também mostra que o aumento da violência ocorre em períodos nos quais ocorre o aumento da pobreza e, em consonância com o estudo de Cardia, também nos anos subseqüentes ao grande crescimento populacional, ou seja, no momento de inclusão dos jovens no mercado de trabalho e de formação de uma família, quando então eles não conseguem ter acesso ao emprego.
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Newman considerou como fatores de instabilidade a rotatividade de moradores e a vacância das unidades habitacionais.
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unidades habitacionais, e o número de outros assentamentos habitacionais de baixa renda na área. Segundo o autor, a concentração dos grupos sociais mais vulneráveis no espaço reforça a fraqueza e fragilidade social desses grupos, intensifica os estigmas a eles associados e os isola em relação ao resto da sociedade, além de aumentar a sua percepção quanto às diferenças socioeconômicas, resultando tudo isso em apatia e negligência em relação ao espaço. Os dados apresentados pelo autor mostram que a concentração espacial desses grupos agrava os problemas de criminalidade, havendo um aumento nas taxas (crime per capita), e não somente no número de crimes proporcionalmente ao número de moradores.
Outro problema mencionado por Kaztman et Al. (2007) refere-se às novas modalidades de capitalismo e ao crescimento e penetração dos meios de comunicação, que difundem e legitimam metas de consumo também nas classes mais populares, o que aumenta o sentimento de inferioridade e a tensão no ambiente urbano. O consumo, principalmente no caso de adolescentes, é um passaporte de acesso não somente à cidade e ao mundo globalizado, mas também a grupos da própria comunidade.
Eles gostavam de chamar atenção, de levar à favela os modismos de quem morava nas áreas nobres do Rio. [...] Alan e Flavinho traziam as novidades. Depois toda a Turma da Xuxa dava um jeito de usar uma camiseta da ‘Abidas’ e uma bermuda ou tênis da ‘Nique’, imitação das famosas marcas multinacionais. Quando sobrava dinheiro também compravam roupa e acessórios da moda que apareciam na televisão ou que observavam na rua. [...] Paulo Roberto tentou introduzir os irmãos Galego, Chiquinho e Germano na Turma da Xuxa, mas eles não foram aceitos porque viviam maltrapilhos. (BARCELLOS, 2008, p. 49).
Isso acontece mesmo entre os bandidos: Zaluar (1994a) fala sobre atração exercida por essa opção de vida, que “é a fama, poder e dinheiro fácil que ela traz” (p. 166), argumentando que os bandidos “não desenvolvem um estilo próprio de vida em bandos fora-da-lei, mas almejam os bens que a sociedade de consumo lhe oferece” (p. 166).
Os estudos e pesquisas recentes mencionados neste trabalho - desenvolvidos a partir da década de 1990, num novo contexto de desenvolvimento que inclui crescentes disparidades socioeconômicas e uma crescente fragilidade das condições de trabalho indicam uma situação bem diferente daquela detectada por Janice Perlman (1977) na
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década de 1960, quando os favelados mostravam-se satisfeitos com suas vidas e otimistas em relação ao futuro. Ao contrário, pode-se extrair desses estudos recentes a situação de desalento vivenciada pelos grupos marginalizados. Em relação à delinqüência e à violência, parece pesar bastante o efeito socializador negativo proporcionado pelos estigmas associados ao local de moradia, que levam a injustiças e a maiores dificuldades de inserção social, e pela concentração espacial de problemas como a precariedade das condições de trabalho e o desemprego, as humilhações, a insegurança. Ao jovem, além de todas as dificuldades, falta a sinalização de que sua situação é passageira, o que seria um inibidor para a conduta delitiva.
Ao reduzir o convívio entre diferentes, o novo padrão de segregação socioespacial que combina a segregação proporcionada pelos enclaves, seja ela voluntária ou não, e o declínio da sociabilidade entre diferentes nos espaços públicos – reforça os estigmas e se retroalimenta dos preconceitos na medida em que diminui a capacidade de empatia e de confiança entre as classes, aumentando a percepção de insegurança e o desejo de isolamento social (KAZTMAN et al., 2007)23.
No dizer de Ribeiro (2004), as separações físicas e simbólicas entre classes sociais “dificultam a sociabilidade, intensificam a fragmentação das identidades coletivas e inferiorizam certos segmentos sociais” (p. 32), institucionalizando sua inferioridade, sua desclassificação e sua imobilidade social. Essa institucionalização das iniqüidades nos contextos de segregação socioespacial é também mencionada por Hillier e Hanson (1984); segundo os autores, trata-se de uma estratégia de dominação, na qual o grupo dominado é separado e isolado, o que permite que o sistema se autorreproduza com facilidade, visto que os menos privilegiados parecem reproduzir e mesmo desejar as condições de sua própria iniqüidade.
Aos grupos mais privilegiados, “isolados em seu próprio provincianismo urbano” (PERLMAN, 1977, p. 175), podemos concluir que acaba por ser negado também, ainda que indiretamente, o direito à cidade. Cada vez mais temerosos dos espaços públicos e da diversidade característica das cidades, tornam-se prisioneiros de seus espaços
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Alguns estudos que abordam a percepção da violência mostram como, de maneira geral, o diferente, o distante e o desconhecido são percebidos como mais perigosos que o familiar. (KAZTMAN et al, 2007; PERLMAN, 1977).
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privados que, no entanto, são incapazes de lhes garantir a tão almejada segurança e mesmo o isolamento social.
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3 CONFIGURAÇÃO SOCIOESPACIAL E CRIMINALIDADE
If the spatial design of our urban environment can reduce crime, then it is likely that it can do so by increasing the degree and effect of ‘natural policing’ – that is the way in which everyday movement and activity by people inhibits crime opportunity. (HILLIER, 2004, p. 45)
As discussões acerca das relações entre espaço e criminalidade enfocam, na maioria das vezes, a configuração dos espaços públicos e privados e a relação entre eles, considerando as possibilidades e limitações que essa configuração oferece à vigilância
natural, que é a vigilância exercida, ainda que inconscientemente, pelas pessoas que usam o espaço em seus movimentos e atividades cotidianas.
Para que essa vigilância seja exercida, é fundamental a presença das pessoas no espaço, seja através do movimento ou da ocupação mais estática, sua capacidade de perceber o outro, e também de interagir. A partir desse ponto em comum, as discussões apresentam convergências e divergências sobre a forma como essa vigilância se dá, seus alcances e, principalmente, sobre os agentes envolvidos.
3.1 Espaço e criminalidade: quatro abordagens
Para este trabalho, foram selecionadas quatro abordagens consideradas mais relevantes. Dessas, duas são consideradas como ponto de partida para as discussões posteriores e apresentam visões bastante divergentes quanto ao modelo de cidade, à forma de controle do espaço e às implicações comportamentais em relação sobretudo aos estranhos: Jane Jacobs defende a diversidade, a permeabilidade entre espaços e vizinhanças e o uso intenso das ruas, inclusive pelos estranhos, como fonte de vitalidade urbana e de segurança; Oscar Newman defende territorialidades mais restritas, espaços mais impermeáveis, nos quais os habitantes são os responsáveis pela vigilância natural e os estranhos são vistos mais como fonte de insegurança. Essas duas visões permanecem como os dois pilares para as discussões acerca das relações entre espaço e segurança, e continuam sendo alvo de debates e de inspiração para estudos e programas atuais. A terceira abordagem escolhida é a de Bill Hillier, que defende a visão do espaço mais permeável e integrado, favorecedor do movimento e da co-presença de pessoas de diversas categorias, e que propõe o método da sintaxe
espacial para análise da influência do espaço nos padrões de crime. A quarta
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abordagem é a do programa de Crime Prevention Through Environmental Design (CPTED), que trabalha com a idéia de que o desenho do meio ambiente pode contribuir para a redução de certos tipos de crime e para o aumento da sensação de segurança das pessoas.
Em comum, essas linhas de trabalhos defendem que a segurança é mantida basicamente não pela polícia, mas pelas próprias pessoas que usam e se movimentam pelo espaço em seu cotidiano e que, com isso, o vigiam naturalmente, inibindo as oportunidades de crimes. Dessa forma, a configuração do espaço, na medida em que afeta as possibilidades de uso e de movimento, e, consequentemente, de interações sociais, pode influenciar também na criminalidade.
Nessa perspectiva, a percepção de segurança nos diversos espaços é tão importante quanto a própria segurança, pois influi na intensidade do uso e da apropriação dos espaços e, portanto, nas possibilidades de vigilância natural.
Sob a aparente desordem da cidade tradicional, existe, nos lugares em que ela funciona a contento, uma ordem surpreendente que garante a manutenção da segurança e a liberdade. É uma ordem complexa. Sua essência é a complexidade do uso das calçadas, que traz consigo uma sucessão permanente de olhos. (JACOBS, 2000, p. 52).
A discussão realizada por Jane Jacobs em Morte e Vida de Grandes Cidades (2000) é considerada um marco na abordagem relativa à relação entre conformação do espaço e segurança. Nesse livro, publicado em 1961, Jacobs critica os fundamentos do urbanismo modernista e faz uma apologia da grande cidade e do modo de vida autenticamente urbano, defendendo a sua diversidade - de usos, de ocupação, social, cultural e econômica -, a vitalidade das ruas, o diálogo entre espaços públicos e privados, o adensamento e a integração entre vizinhanças, contrapondo-se ao modelo da cidade segregada, fortificada e militarizada descrita e criticada por Davis em Cidade
de Quartzo (1993). A discussão de Jacobs passa pela integração socioespacial, considerando a integração entre habitantes e estranhos, e entre as diversas áreas da cidade, e pelo controle do espaço, através dos padrões e controle de comportamento espontâneos.
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Segundo Jacobs, quando as ruas e calçadas - que ela considera como os principais locais públicos e os órgãos mais vitais de uma cidade - estão livres do medo e da violência, a cidade, razoavelmente, também está. A violência em espaços públicos, e também em locais privados como os conjuntos habitacionais, é abordada em meio a uma discussão mais abrangente sobre os fatores que levam à vitalidade e à decadência socioeconômica de grandes cidades; transpassando todas as discussões está a importância das ruas, com seus movimentos e apropriações, da vida pública e da diversidade para a manutenção da vitalidade e da ordem urbana. Para a autora, a vida pública nas ruas é fundamental para a segurança e, por outro lado, as pessoas precisam sentir-se seguras para que a vida pública floresça nas ruas, pois o temor as leva a evitá-las, tornando-as ainda mais inseguras.
Jacobs considera que o sentimento de segurança das pessoas em meio aos desconhecidos é o principal atributo de uma localidade próspera e que tipos de ruas diferentes encerram modalidades diferentes de violência e de medo da violência, sendo que as ruas mais movimentadas dão menos oportunidades à violência urbana. A autora argumenta que, além da insegurança não poder ser resolvida com a dispersão de pessoas, a ordem pública é mantida, fundamentalmente não pela polícia, mas por uma “rede intrincada, quase inconsciente, de controles e padrões de comportamentos espontâneos presentes em meio ao próprio povo e por ele aplicados” (p. 32).
Segundo a autora, a rua repleta de desconhecidos é uma característica inerente às metrópoles e para que a rua possa recebê-los, tirando inclusive partido de sua presença para oferecer segurança, ela precisa de três qualidades principais: uma nítida separação entre espaços públicos e espaços privados, para que fique claro quais as áreas precisam ser vigiadas; haver olhos para a rua, ou seja, observadores a partir das edificações lindeiras, com um pressuposto de apoio geral nos casos de adversidades, o que só se forma com o tempo e com os contatos públicos entre os vizinhos; e um trânsito ininterrupto de pessoas nas calçadas, o que além de significar mais olhos, também contribui para atrair mais pessoas para as ruas e a atenção dos que estão dentro das edificações.
Para isso, é necessário um diálogo entre espaços públicos e privados, com edificações voltadas para a rua, e também que as ruas sejam sedutoras, com presença de
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estabelecimentos e lugares atrativos que dêem motivos concretos para que as pessoas a olhem e usem; além disso, é importante uma combinação de usos que promova uma movimentação de diferentes pessoas em diferentes horários. Jacobs destaca que quando olhos atentos estão voltados para os espaços públicos, a vigilância é feita naturalmente, e tentativas de crimes e delitos são muitas vezes frustradas por transeuntes, comerciantes e por pessoas nas janelas. Dessa forma, isso se torna muito difícil, e mesmo impossível, onde a vida pública nas calçadas é pobre – as ruas onde as pessoas são anônimas, que ela chama de “territórios cegos” – e onde há grande rotatividade de população, faltando assim o tempo necessário para que esses contatos evoluam para relações de confiança.
Além disso, Jacobs considera a vida pública que ocorre nas ruas como importante para a manutenção da privacidade das pessoas, pois permite que esta seja conciliada com o desejo de poder variar os graus de contato, prazer e auxílio mantidos com as pessoas que as rodeiam. Conforme já abordado no capítulo anterior, essa convivência nos espaços públicos é considerada fundamental para a integração socioespacial, por permitir o convívio sem agredir a privacidade e favorecer a tolerância em relação às diferenças.
All Defensible Space programs have a common purpose: they restructure the physical layout of communities to allow residents to control the areas around their homes. (NEWMAN, 1996, p. 9).
Em Creating Defensible Space (1996), Newman expõe novamente os princípios do
Defensible Space, publicados pela primeira vez em 1972, discute alguns resultados de pesquisas por ele coordenadas acerca das relações entre espaço e criminalidade e apresenta estudos de caso, a partir da constatação das aplicações equivocadas e do que considera ter sido um entendimento pobre do conceito do Defensible Space, sobretudo na literatura do movimento CPTED.
Newman enfoca a influência da organização espacial na criminalidade, considerando basicamente o comportamento das pessoas no que se refere à sua capacidade de se apropriar das áreas coletivas de seus espaços de moradia e das ruas adjacentes e de, consequentemente, zelar pela sua segurança e manutenção. Com uma abordagem bem mais restrita que a de Jacobs, as discussões de Newman não contemplam o
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espaço público como lugar para florescimento de vida pública, e nem a relação desses locais com o funcionamento geral da cidade; ele se volta principalmente para os espaços habitacionais, particularmente as edificações e complexos habitacionais de baixa renda, e para os espaços públicos imediatos.
Newman defende o menor compartilhamento das diversas áreas coletivas, como corredores, pátios e entradas, como forma de propiciar uma maior identificação e controle do espaço.
Segundo o autor, as taxas de crimes são influenciadas por fatores sociais e físicos, porém os grupos sociais onde estão presentes os fatores de risco24 são mais vulneráveis aos problemas decorrentes dos fatores físicos. Newman estudou o comportamento dos moradores de diferentes grupos sociais em seus ambientes habitacionais, considerando diferentes tipologias e tamanhos de assentamentos e de edifícios. Foram consideradas três categorias habitacionais25 - casas, prédios baixos com escadas e prédios altos com elevadores - e diferentes formas de organização das tipologias nos terrenos, com maior ou menor proximidade entre as edificações e entre elas e a rua, com diferentes situações de demarcação do espaço e de gradação entre áreas públicas e privadas.
Trabalhando estatisticamente os dados de crimes das localidades estudadas, Newman encontrou três fatores físicos com maior interferência no medo, na instabilidade do
24
Em relação às variáveis socioeconômicas e às suas relações com os aspectos físicos, Newman concluiu que os aspectos sociais que mais interferem na sensação de medo, na instabilidade e nas taxas de crime em assentamentos habitacionais são os maiores percentuais de famílias assistidas por programas sociais com filhos dependentes e de adolescentes em relação aos adultos. Os grupos com esse perfil são particularmente mais vulneráveis quando há uma maior proporção de famílias monoparentais chefiadas por mulheres. Algumas explicações para isso, conseguidas pelo autor através de entrevistas com moradores, administradores e com a polícia, são a maior vulnerabilidade das famílias monoparentais chefiadas por mulheres aos ataques de criminosos, a menor capacidade de controlar os filhos adolescentes quando há menos adultos na família, a tolerância social quanto às atividades criminosas praticadas pelos pobres, a dificuldade dos pobres, principalmente os de minorias raciais, de reivindicar proteção policial, além da maior dificuldade para a atuação policial nas áreas de guetos, considerando os riscos e a experiência e habilidade necessárias.
25
Para simplificar, o autor agrupou as edificações em três categorias: edificações unifamiliares (casas separadas ou geminadas), nas quais as áreas internas são de domínio de uma única família; edifícios com escadas (2 ou 3 andares), onde as áreas de circulação são compartilhadas por poucas famílias; edifícios com elevadores (10 a 16 andares), onde as áreas de circulação são compartilhadas por muitas famílias. Além das áreas de circulação internas à edificação, ele observou também o caráter mais ou menos público ou privado das áreas externas, como caminhos, jardins e pátios.
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assentamento26 e nas taxas de criminalidade: a altura dos prédios/número de unidades habitacionais compartilhando a mesma entrada e, consequentemente, as áreas públicas internas; o tamanho global do assentamento, considerando o número de unidades habitacionais; o número de outros assentamentos habitacionais de baixa renda na área, com famílias assistidas por programas sociais, conforme já abordado no capítulo 2.
Segundo o autor, os dois primeiros fatores - que se referem à organização física e que definem o acesso de moradores aos espaços externos à unidade habitacional, dentro ou fora da edificação, assim como as distâncias e proximidades em relação a eles interferem no número de pessoas que utilizam uma mesma área coletiva e, consequentemente, no caráter mais privado ou público desses locais. De acordo com Newman, o caráter das áreas vai passando de privado a público, gradualmente, na medida em que são compartilhadas por um número maior de moradores; essas gradações entre o privado e o público, por sua vez, interferem na esfera de influência dos moradores sobre os espaços e, consequentemente, no seu comportamento em relação a eles, incluindo as vias públicas, particularmente as calçadas e as áreas de estacionamento junto a elas. De acordo com Newman, nos espaços com um caráter mais privado, os moradores demonstraram uma maior capacidade de se identificar com eles, além de uma maior facilidade para chegar a acordos quanto aos comportamentos e usos considerados aceitáveis. Os espaços partilhados por muitos, diferentemente, se mostraram mais anônimos e não evocavam sentimentos de identidade; o autor constatou que era mais difícil para os moradores sentirem-se responsáveis por eles, chegar a acordos sobre padrões de comportamento e usos aceitáveis, e também distinguir moradores de estranhos27. Segundo ele, grandes áreas de espaços habitacionais, incluindo áreas externas e internas, se mostraram terrenos férteis para a ação de gangues, inclusive de traficantes de drogas, levando à “contaminação” de todo o espaço público.
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Newman considerou como fatores de instabilidade a rotatividade de moradores e a vacância das unidades habitacionais.
27
Dos assentamentos que observou, as áreas menos compartilhadas eram mais limpas, bem cuidadas e seguras, ao passo que as mais compartilhadas eram normalmente sujas, depredadas e inseguras. O autor ressalta, entretanto, que em assentamentos similares de classe média, a situação é bastante diferente, uma vez que os moradores possuem recursos financeiros para contratar serviços de porteiros, faxineiros, ascensoristas, dentre outros.
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A very common principle of urban safety is built into this principle of growth. The system works by accessing strangers everywhere, yet controlling them by immediate adjacency to the dwellings of inhabitants. As a result, the strangers police the space, while the inhabitants police the strangers. (HILLIER; HANSON, 1984, p. 18).
Para Hillier (2004), se há alguma influência da conformação do espaço urbano na criminalidade, é provável que isso aconteça pelo incremento na vigilância natural, que é o modo como o movimento e as atividades cotidianas das pessoas inibem as oportunidades de crimes.
Na década de 1980, Bill Hillier e seus colegas da University College London (UCL) conceberam um grupo de técnicas, a sintaxe espacial, para a análise da configuração espacial de assentamentos, entendida como as relações entre espaços que levam em conta as outras relações espaciais, tendo em vista os níveis local e global e as relações entre espaço e sociedade.
Na perspectiva da relação entre o local e o global, o foco da análise é o sistema contínuo de espaços públicos do assentamento28, que promove a transição entre o pólo mais local do sistema - o arranjo das células primárias ou edificações, de domínio dos habitantes – e o pólo mais global - o espaço contínuo externo ao assentamento, de domínio dos estranhos – e, principalmente, as interfaces entre os dois tipos de relação que influenciam todo o assentamento, as relações entre habitantes e entre
habitantes e estranhos29. (HILLIER; HANSON, 1984). Considerando que os padrões de encontro e de movimento são a parte visível, portanto espacial, das sociedades, a análise espacial engloba a ocupação dos espaços e o movimento entre eles. A ocupação, por ser mais estática e por envolver a interação ou co-presença de pessoas, relaciona-se ao que os autores denominam espaços
convexos - aqueles onde de todos os pontos podem ser avistados todos os demais, permitindo a consciência recíproca da presença das pessoas que o utilizam - e utiliza-
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Para Hillier e Hanson (1984), a ordem espacial relaciona-se, por um lado, ao sistema contínuo de espaços públicos resultante do arranjo espacial das células primárias e de suas relações espaciais exteriores, que geram e modulam o sistema de movimentos e encontros e, por outro, à estrutura interna dessas células, que formam um sistema descontínuo em função dos seus limites, que, por sua natureza, criam uma desconexão entre o espaço interior e o sistema circundante.
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Segundo Hillier e Hanson (1984), todo tipo de análise sintática precisa considerar os dois pontos de vista – dos habitantes e dos estranhos - e compará-los.
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se mais das propriedades locais de lugares específicos. Já o movimento relaciona-se aos espaços lineares, ou axiais, e demanda atributos espaciais que facilitem o deslocamento e a orientação, como inteligibilidade e eficiência, utilizando-se das propriedades mais globais do padrão de espaços30.
A partir da representação do espaço como sistemas de elementos geométricos -
espaços convexos ou linhas, dependendo do tipo de análise pretendida -, cada elemento espacial é analisado em relação a todos os outros do assentamento. Nessas análises, os elementos espaciais são considerados principalmente sob o ponto de vista da sua conectividade visual e as análises concentram-se na integração e no controle do espaço31.
A integração espacial, que é a principal análise proposta pela sintaxe espacial, referese às relações de profundidade entre os espaços e está relacionada à existência de espaços intermediários entre espaços públicos e entre estes e as edificações. No caso dos espaços públicos, refere-se à sequência de espaços lineares conectados visualmente que são necessariamente atravessados para se ir de um ponto a outro do espaço. Para a análise da profundidade do sistema, são avaliadas principalmente as profundidades de cada espaço do assentamento em relação ao entorno e, internamente, a profundidade relativa de cada espaço em relação ao assentamento como um todo32. A FIG. 1 mostra um esquema de profundidades de espaços axiais a partir do entorno (profundidade zero), no qual cada linha representa um espaço unificado linearmente considerando a conectividade visual.
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Segundo Hillier (1996), essas formas espaciais fundamentalmente diferentes fazem com que a relação entre os dois usos – ocupação e movimento - seja muito mais de adjacência do que de sobreposição.
31
Além desses atributos, que se relacionam ao que os autores denominam descrição do espaço, que seria o grupo de relações sintáticas entre espaços abertos e edificações que definem um espaço particular, a configuração espacial envolve também a sincronia do espaço, que se refere à maior ou menor quantidade de espaço investido nessas relações e que interfere na experiência do espaço como uma estrutura de relações mais ou menos simultâneas. 32
A profundidade relativa de cada espaço corresponde à soma das profundidades de todos os outros espaços em relação a ele (para o qual se adota profundidade zero).
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3 2 2
5
3 4 4 5
2 1
2 3 0
FIGURA 1 – Profundidades de espaços axiais em relação ao entorno
Segundo os autores, quanto maior a profundidade do sistema ou dos espaços em relação ao sistema, ou seja, quanto menos integrado, maior é a tendência de segregação de categorias sociais, tais como as categorias de habitantes e estranhos (HILLIER; HANSON, 1984). Isso porque a maior ou menor integração de um espaço influencia no movimento natural, que é a proporção de movimento em cada linha, determinada mais pela estrutura da malha urbana do que pela presença de pontos de atração específicos (HILLIER, 1996). Segundo Hillier, quanto menor a profundidade relativa de um espaço, ou seja, quanto mais integrado, maior é o movimento. O autor salienta, no entanto, que bons espaços urbanos têm também linhas segregadas, porém próximas a linhas integradas, ou seja, linhas segregadas localmente.
Já o controle espacial, que pode ser mais difuso ou centralizado, relaciona-se à existência ou não de caminhos alternativos entre os espaços; segundo Hillier e Hanson (1984), quanto mais espaços acessados por caminhos únicos, que não conformam anéis, maior a tendência de controle unitário.
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A evolução da sintaxe espacial levou a um maior foco no movimento - que segundo Hillier (1996) é o uso de maior correlação com a configuração espacial33 - e à idéia de
comunidade virtual, entendida como “o padrão de co-presença realizada através da influência do desenho espacial no movimento e em outros aspectos relacionados ao uso do espaço.” (p. 187). Segundo o autor - para quem os padrões de co-presença são padrões de encontros potenciais entre as pessoas34 -, diferentes estruturas promovem distintos padrões de co-presença de categorias de pessoas que usam o espaço para diferentes propósitos, como habitantes e estranhos, homens e mulheres, adultos e crianças, etc., assim como de expectativas em relação a eles35. Para o autor, espaços pobremente estruturados podem empobrecer a comunidade virtual, o que leva a usos antissociais do espaço, primeiro passo em direção ao declínio de uma área.
A partir dos resultados de suas pesquisas, Hillier (1996) argumenta que nos locais onde há lacunas no movimento natural, há uma tendência de emergência de
territorialidades, nas quais os usuários, geralmente sem serem contestados, passam a controlar o espaço, havendo também uma correlação entre essas lacunas no movimento e os padrões de pequenos crimes e vandalismo. Segundo o autor, há evidências de que os usuários do espaço naturalmente se dividem em dois grupos: os
citadinos, que usam o espaço como um instrumento cotidiano para cuidar de suas vidas, e os exploradores do espaço, que exploram o potencial do espaço, como as crianças, ou que o utilizam para criar solidariedades sociais localizadas, como os drogados e os assaltantes. Segundo o autor, esses dois grupos usam o espaço de maneira diferente: os citadinos tendem a usar as linhas mais integradas, dominadas pelo movimento natural de pessoas, e os exploradores do espaço tendem a usar espaços também integrados, porém onde há lacunas no movimento natural. Hillier encontrou evidências da existência de um padrão espacial de usos antissociais, que
33
Segundo Hillier (1996), o movimento é o fator mais importante na determinação da forma urbana e também é o uso que mais é influenciado por ela. 34
Para Hillier (1996), o espaço não determina relações sociais, mas apresenta potencialidades que podem ser exploradas pelas pessoas através do uso, como indivíduos e como coletividades.
35
Em espaços mais integrados, onde é natural o movimento das pessoas, incluindo os estranhos, a copresença entre habitantes e estranhos se dá com tranqüilidade, pois essa co-presença é esperada. Em espaços mais segregados, ou territorializados, onde não há a expectativa do movimento mais intenso e da presença de estranhos, estes são notados quando passam pelo local e sua presença é motivo de tensão para os habitantes, visto que não é esperada; a abordagem do estranho, que por vezes é argüido sobre suas “credenciais”, é tida como natural, visto que está praticamente “invadindo” um território. (Hillier, 1996, p. 190).
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tendem a se concentrar nas linhas mais integradas disponíveis não dominadas pelo movimento natural.
Em estudo mais recente, voltado especificamente para a questão da segurança das ruas, Hillier (2004) argumenta que diferentes crimes têm diferentes distribuições espaciais, mas que todos eles estão profundamente relacionados ao espaço, advertindo, no entanto, que há que se ter cuidado com a análise de áreas perigosas, com grandes concentrações de crimes, pois muitas dessas têm explicações sociais. De maneira geral, Hillier conclui que há certos tipos de espaços mais seguros: no nível do
assentamento, a malha de ruas bem integradas e capazes de estruturar o movimento, ou seja, sem um excesso de permeabilidade que o disperse; no nível do espaço
público, são mais seguros aqueles bem integrados e constituídos por edificações contíguas de ambos os lados; no nível da edificação, ou habitação, e de suas relações com a vizinhança, as edificações contíguas, sem acessos secundários, com máxima intervisibilidade em relação a suas entradas. Um ponto importante da análise de crimes pela sintaxe espacial é que esses fatores espaciais não operam separadamente, mas interagem entre si, tanto no que se refere às variáveis locais quanto na relação entre fatores locais e globais.
El diseño del entorno urbano influye en el comportamiento y la actitud de todos los actores participantes en el hecho delictivo, como los potenciales agresores, los vigilantes formales (policía) e informales (residentes, comerciantes, etc.) y las potenciales víctimas de un delito o víctimas del temor del delito. (HEIN; RAU, 2003, p. 11).
A prevenção do crime através do desenho ambiental é um programa voltado para a redução de certos tipos de crimes e para a melhoria da sensação de segurança das pessoas e grupos.
O CPTED, como é mais comumente conhecido, é desenvolvido em diversos países, com outros nomes e com diferentes estratégias36, que podem ser divididas 36
O programa é desenvolvido em vários países, com diversos nomes: Crime Prevention Through Environmental Design – CPTED, nos EUA e Canadá; Safe Cities, em Toronto, no Canadá; Design out Crime, na União Européia; Secured by Design - SBD, no Reino Unido; Police Label for Safe Housing, na Holanda; Safer by Design, na Austrália.
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basicamente em dois grupos: as voltadas para o ambiente, que buscam modificá-lo de forma a torná-lo menos vulnerável, e as voltadas para o alvo dos crimes, com a finalidade de protegê-los. Além disso, as estratégias variam quanto ao enfoque na vitimização real e/ou na percepção de risco.
Segundo Hein e Rau (2003), o CPTED assume uma perspectiva de prevenção à criminalidade baseada nas teorias da decisão racional, que buscam estudar o processo de tomada de decisões de um potencial agressor. Diferentemente dos enfoques baseados nas teorias psicossociais e sociológicas relativas à prevenção da criminalidade, o CPTED centra-se na redução das oportunidades delitivas, visando a dissuadir o agente no cometimento do delito, a partir de entendimento dos aspectos que incidem nos atos delitivos, mais precisamente os tipos de situação que geram oportunidades delitivas e as estratégias de dissuasão existentes. Rau (2004) destaca três fatores contextuais favoráveis ao cometimento de um delito ou crime: um autor motivado, uma vítima ou alvo acessível, e um espaço urbano com características ambientais propícias à atividade delitiva e ausência de vigilantes capazes de interferir.
Assim, as estratégias de prevenção do CPTED enfocam a alteração das variáveis situacionais, buscando reduzir as oportunidades através do aumento do esforço e da percepção de risco pelo criminoso ou delinqüente, reduzindo sua chance de ser recompensado. De acordo com Hein e Rau (2003), apesar de o CPTED se concentrar nas variáveis situacionais, o programa vem integrando também os fatores sociais aos físicos. As estratégias voltadas para o alvo, características do programa desenvolvido na Inglaterra, consistem em torná-los menos atrativos, menos vulneráveis ou simplesmente em identificá-los, para que possam ser localizados em caso de roubo. As estratégias voltadas para o ambiente seguro, de maior interesse para este trabalho, baseiam-se em quatro princípios: a vigilância natural, o reforço de laços afetivos, o controle natural dos acessos e a manutenção dos espaços públicos.
A vigilância natural é reforçada através da melhoria dos campos de visão, tanto nos espaços públicos quanto na relação entre espaços públicos e privados, com o objetivo Hein e Rau (2003) apontam diferenças de enfoque em relação a duas linhas de atuação: Prevenção Situacional, nascida na Inglaterra, cujo foco é a proteção do alvo, e CPTED, originado nos EUA, que enfoca a modificação do entorno ambiental, visando a redução da delinquência e criminalidade e também da percepção de risco pelas pessoas nos espaços.
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de aumentar a possibilidade de ver e ser visto, de proporcionar certo controle do ambiente e de reforçar a sensação de segurança. As intervenções direcionam-se à iluminação dos espaços, à desobstrução dos campos de visão através de intervenções paisagísticas, às janelas e elementos delimitadores dos espaços privados. Outra estratégia é intervir nos espaços para torná-los mais atrativos, de forma a atrair as pessoas e incrementar a vigilância natural. Algumas dessas estratégias convergem com as idéias de Jacobs, sobretudo em relação à atratividade dos espaços públicos e ao diálogo entre espaços públicos e privados, embora mais restritas e localizadas, sem visar ao funcionamento mais geral da cidade.
O controle natural de acessos visa ao desencorajamento do acesso a um alvo, à detecção e reconhecimento de estranhos e também à criação de percepção de risco para o criminoso. As estratégias consistem em tornar os caminhos visíveis e legíveis, e a organizar os fluxos, eliminando caminhos desnecessários. Outras estratégias mencionadas por Hein e Rau (2003) são de certa forma parecidas com as de Newman, consistindo em subdividir áreas e instalar barreiras físicas ou simbólicas a fim promover o reforço territorial, facilitando seu controle. Além disso, essas estratégias agregam aspectos como o tratamento do espaço para atração de vigilantes naturais.
O reforço territorial visa à reversão da situação de abandono das áreas e ao fomento do desenvolvimento do controle social sobre elas. Essa estratégia é desenvolvida através da clara delimitação entre espaços públicos, semi-privados e privados, de forma a fomentar laços afetivos com os lugares, do envolvimento das pessoas na recuperação das áreas, do incentivo ao cuidado com as áreas adjacentes às edificações, como jardins, a fim de mostrar que o espaço é cuidado por alguém e de melhorar a percepção de segurança. A idéia básica é a de que os laços afetivos com o lugar levam os habitantes a cuidar dos espaços, como defendido por Newman.
A manutenção dos espaços públicos envolve planos de manutenção, limpeza e ajardinamento, com o objetivo de adequar esses espaços à utilização e também de comunicar que esses espaços são bem cuidados. Neste caso, a idéia se associa a teorias relacionadas à desordem física, como a tese das janelas quebradas, de Wilson e Kelling (1982), na qual o argumento é que se uma janela é quebrada e deixada sem reparo, as outras serão logo também quebradas, pois a falta de reparo na primeira
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sinaliza a ausência de um responsável pelo seu cuidado e a percepção de que as demais podem ser quebradas impunemente.37
Segundo Hein e Rau (2003), a experiência internacional tem mostrado que é possível reduzir a ocorrência de certos tipos de delito ao reduzir as oportunidades através da modificação do desenho do meio urbano, aumentando, por exemplo, a possibilidade de o criminoso ser visto e detido, e também através da melhoria da sensação de segurança nas pessoas, visto que há evidências sobre a coincidência em relação às características ambientais que amedrontam as pessoas e que atraem potenciais agressores. Além disso, a melhoria da sensação de segurança decorre em um maior uso dos espaços, o que incrementa a própria vigilância natural, contribui para a manutenção dos espaços e dificulta que estes sejam apropriados para realização de atividades ilícitas ou incivilizadas.
3.2 Entre a integração e a segregação: diferentes visões acerca da segurança dos espaços
Ao ocupar o espaço e construir, o homem organiza e transforma não só o espaço, mas também as relações sociais. Esse processo, no qual são expressos os desejos e as necessidades humanas, reflete e também influencia as relações sociais, através das possibilidades e limitações que oferece às atividades humanas e às interações sociais, entre indivíduos e entre grupos. Para Hillier e Hanson (1984), o espaço possui uma lógica social, e a organização espacial é o meio pelo qual se estabelece padrões de relações, compostos essencialmente por limites e permeabilidades.
Ao definir limites, sejam eles físicos ou simbólicos, o homem define territórios para a organização das atividades, para se proteger, para ter privacidade e também para institucionalizar relações de poder; ao definir permeabilidades, seja através de 37
De acordo com a teoria das janelas quebradas, a falta de manutenção do espaço e o aumento de sua deterioração sinalizam a ausência de cuidado pelos habitantes e/ou pelo poder público, aumentando a sensação de vulnerabilidade e a preocupação com a segurança pessoal entre os habitantes e, em decorrência, a uma redução nos esforços pela manutenção da área. Esse “abandono” abre espaço para ações de depredação do espaço por delinquentes e adolescentes das redondezas, que evoluem para o cometimento de pequenos crimes à medida que ganham mais confiança sobre a impunidade. O desconforto causado pelo comportamento incômodo dos jovens provoca ainda mais retração no uso dos espaços pelos habitantes, o que abre espaço para agressores de outras localidades que percebem a vulnerabilidade do lugar e a impunidade possível, fazendo com que as taxas de crimes aumentem dramaticamente. (TAYLOR; HARREL, 1996).
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caminhos, portas, janelas ou outros elementos de ligação entre espaços, o homem define possibilidades de comunicação, entre territórios e entre pessoas ou grupos que usam esses espaços. Os desejos de recolhimento e de comunicação se interrelacionam com a configuração dos assentamentos e se expressam através da forma como os espaços públicos são organizados e também no modo como as edificações dialogam entre si e com o espaço público e de como separam e articulam os domínios da vida privada e da vida das ruas e dos vizinhos.38
Rapoport (1972) considera a necessidade de comunicação, de territórios e de
identidade como constantes e essenciais na natureza do homem e de suas instituições, sendo mutáveis aspectos como os símbolos adotados nessa comunicação, o local onde os contatos sociais ocorrem e a forma de definição de territórios. Para o autor, a
privacidade e a comunicação social são alguns dos aspectos mais importantes do modo de vida que afetam a forma edificada e, consequentemente, são afetados por ela. Os limites e permeabilidades parecem ser conceitos-chave para o entendimento dos processos de segregação socioespacial, pois é através deles que se estabelecem territórios, territorialidades e também as possibilidades e intenções de isolamento e/ou de interações entre pessoas e grupos sociais.
Hall (2005) considera que, apesar das diferenças culturais, que influenciam na tolerância às proximidades, visto que há povos mais ou menos afeitos ao contato, assim como na própria noção de privacidade, a necessidade de espaço, de distanciamento em determinadas situações e de recolhimento é comum aos seres humanos, assim como aos animais, variando mais a forma como isso ocorre39.
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Internamente às edificações, o desejo de privacidade, por exemplo, pode ser expresso na subdivisão dos espaços, criando territorialidades físicas para os moradores.
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Além das variações culturais, Hall (2005) considera que o sentido de espaço e de distância no homem é dinâmico, variando de acordo com a situação; ele denomina personalidades situacionais as que o homem adota em situações distintas, como as relativas aos diferentes padrões de relacionamento – íntimo, pessoal, social e público -, aos quais estão associadas atividades e espaços/distâncias. Hall (2005) argumenta que o homem, assim como os outros animais, tem um modo uniforme de lidar com as distâncias em relação aos outros indivíduos. Segundo ele, as distâncias de fuga e crítica, com raras exceções, foram eliminadas das reações humanas, porém as distâncias social e pessoal continuam presentes. Ele identificou quatro distâncias nos seres humanos: íntima, pessoal, social e pública, relacionadas aos tipos de atividades e de relacionamentos, aos sentimentos das pessoas em relação às outras, e aos espaços. Essas distâncias são dinâmicas, e variam de acordo com a cultura, com a personalidade do indivíduo e com a situação; também a noção de privacidade varia entre culturas e entre subculturas. Segundo ele, o desrespeito a essas distâncias e à privacidade leva a diversas reações nos
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Segundo o autor, a territorialidade, “geralmente definida como um comportamento por meio do qual um organismo caracteristicamente reivindica a posse de uma área e a defende de membros de sua própria espécie” (p. 10), é um conceito fundamental para entender o comportamento dos animais e dos seres humanos, pois é ela que os mantém a uma distância adequada, possibilitando, por um lado, a privacidade e, por outro, a comunicação entre eles, permitindo a segurança do grupo e o desenvolvimento de uma série de reflexos e respostas automáticas associadas às características físicas do território. A territorialidade atua de diversas formas e com várias funções, dentre elas o controle da densidade e o estabelecimento de limites espaciais para as diversas atividades, além de estar ligada à condição social, uma vez que certos privilégios associados ao território podem alterar ou reforçar relacionamentos de dominância.
Segundo Soja (1993), a territorialidade “refere-se à produção e à reprodução de recintos espaciais que não apenas concentram a interação [...], mas também intensificam e impõem sua delimitação”. (p. 183). As territorialidades podem ter limites mais fortes ou podem ser mais permeáveis, e sua forma pode mudar ao longo do tempo. Para Sack40 apud Valverde (2004), o território é “a expressão de uma área dominada por um grupo de pessoas e, através desse domínio, a possibilidade de controlar, dominar ou influenciar o comportamento de outros” (p. 121) e a territorialidade está relacionada às estratégias espaciais usadas para a instituição desses territórios. Nessas estratégias estão presentes não só os limites aos contatos e interações entre espaços e pessoas ou grupos, mas também o controle do acesso à área, que pode ser físico ou simbólico, e a comunicação desse controle exercido sobre a área. O conceito de territorialidade implica, assim, não só no domínio de uma área por um grupo de pessoas, mas também às formas de controle exercido sobre essa área. Tratase de um conceito fundamental para avaliação das relações entre espaço e criminalidade, pois relaciona-se tanto às diferente visões sobre a integração ou segregação socioespacial, quanto às estratégias defensivas propostas por Newman e seres humanos, como agressividade, stress e alterações de comportamento, perturbando as funções e a organização sociais. 40
SACK, Robert. The human territoriality – its theory and history. Cambridge, Cambridge University Press, 1986.
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pelo CPTED, e também às territorialidades emergentes em áreas onde há lacunas no movimento natural, conforme abordado por Hillier.
Conforme já mencionado, as abordagens de Jacobs, Newman e Hillier diferem quanto à visão acerca do meio urbano, principalmente no que se refere à interação entre níveis local e global, à integração socioespacial, às relações entre público e privado, e também em relação à própria vigilância natural, com diferentes visões quanto ao papel de habitantes e estranhos. No caso do CPTED, é claramente um programa voltado para soluções locais, sem pretensões de discutir questões urbanas mais gerais e complexas, e que mescla aspectos das abordagens de Jacobs e Newman.
Jacobs e Hillier defendem a vigilância natural a partir de uma visão que aceita e valoriza as características próprias da grande cidade, como a diversidade e o movimento. Partindo de concepções mais globais e dinâmicas, defendem um espaço urbano mais integrado, diverso e democrático, ou seja, territorialidades mais fluidas, nas quais habitantes e estranhos desempenham papéis complementares na inibição da criminalidade. Além disso, para esses autores, a preocupação com a segurança dos espaços não visa somente aos habitantes, mas também ao acolhimento dos estranhos. A vigilância natural é, assim, tratada em meio a discussões mais amplas, que não se restringem ao desenho local das ruas e/ou das edificações e que enfocam o espaço público como local não somente de movimento e de interações sociais, mas como o responsável pela integração de todo o espaço urbano, em seus níveis local e global. Jacobs (2000) e Hillier (1996) repudiam o modelo de cidade no qual são quebradas as relações entre vizinhanças, entre edificações e espaço público, entre escalas de movimento, entre habitantes e estranhos, no qual se homogeneiza os usos do solo e se dispersa as pessoas. Segundo Jacobs, esse modelo leva ao fracasso das localidades e à maior insegurança; segundo Hillier, esse modelo cria, a longo prazo, uma série de lacunas no movimento natural, que então atraem usos e comportamentos antissociais.
Já Newman (1996) enfoca o desenho das edificações e sua relação imediata com o espaço público, tendo em vista principalmente as territorialidades que se criam nos espaços privados e públicos, sem demonstrar preocupação sobre como se dão as relações de vizinhança e sobre como esses espaços se integram na conformação do meio urbano. Na visão de Newman, a idéia não é integrar os estranhos ao meio, mas
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reforçar as territorialidades para que fique claro quem são os habitantes e quem são os
estranhos, para que estes percebam que estão entrando em um determinado território e que, por outro lado, possam ser vigiados. A preocupação com a segurança visa exclusivamente aos habitantes, e isso se faz muitas vezes através da exclusão e estigmatização dos estranhos.
Hillier (2004) considera que as visões de Jacobs e Newman são bastante divergentes e que as diferenças não devem ser subestimadas. Segundo ele, Jacobs vê os estranhos como fonte de segurança, ao passo que Newman os vê como fonte de perigo. Hillier (1996), ao contrário de Newman, considera a vigilância exercida pelos estranhos em movimento pelo espaço tão importante quanto a vigilância natural exercida pelos habitantes; para ele, a vivacidade e a segurança urbanas decorrem do modo como as relações entre habitantes e entre habitantes e estranhos são construídas pelo espaço.
Hillier e Hanson (1984) afirmam, como Jane Jacobs, que é a presença controlada de
estranhos e a interface direta com os habitantes que geram a segurança urbana e, indo além, argumentam que é a presença controlada de estranhos que policia o espaço, ao passo que os estranhos são policiados pelos habitantes.
Para Hillier (2004), a visão de Newman acerca do espaço urbano é a de um patchwork de espaços introspectivos, de “’defensible’ enclaves”, que deixa obscuro o que acontece entre eles (p. 45).
Essa discussão acerca do meio urbano, das condições de integração ou segregação de seus diversos espaços, é fundamental no caso do estudo da segurança nas favelas, pois estas são espaços segregados em decorrência não somente dos processos de exclusão territorial, mas também de sua própria configuração espacial. Nesses espaços, onde se tem a homogeneização espacial de grupos sociais de menor renda, não são necessários muros para que haja a separação em relação ao seu meio de inserção: as interrupções nas linhas de movimento, as mudanças bruscas de escala, a difícil legibilidade do espaço e a própria paisagem, muitas vezes incompreendida e associada a processos de desorganização, se encarregam dessa separação.
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A configuração espacial típica das favelas parece favorecer duas situações bem distintas, se considerada a sua situação interna e a sua inserção no espaço urbano: uma grande integração local, visto que oferece inúmeras oportunidades para o encontro e a convivência, de maneira bem mais intensa que em outros espaços da cidade, e a segregação em relação a outros grupos espaciais, visto que seu espaço é pouco permeável e desfavorável à presença de estranhos. Essa sua configuração socioespacial restringe o movimento natural considerando seu contexto de inserção, reforçando, ainda que involuntariamente, o limite do território. Tudo isso parece tornar seus espaços propícios à emergência de territorialidades como as relacionadas aos grupos criminosos, particularmente os ligados ao tráfico de drogas, que se valem das suas próprias características socioespaciais para o controle do acesso às áreas dominadas.
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4 FAVELAS EM BELO HORIZONTE: SEGREGAÇÃO, ESPAÇO E CRIMINALIDADE
Em Belo Horizonte, cidade marcada pela forte segregação socioespacial desde a sua fundação, vem sendo observada uma reestruturação do espaço urbano baseada na intensificação da segregação socioespacial e na preocupação com a segurança. Condomínios fechados nas periferias metropolitanas, megaestruturas destinadas a consumo e lazer, grandes campi universitários, geralmente cercados por grandes áreas de estacionamento, disseminação de muros, grades, dispositivos de segurança e vigilância privada, declínio da vitalidade das ruas, principalmente à noite, abandono dos serviços públicos - como transporte, educação e saúde - pelos que podem pagar pelos serviços privados, tudo isso já faz parte do cotidiano da metrópole. Além da sensação de medo e da busca de exclusividade social, também as demandas geradas pela disseminação do transporte individual têm ajudado a produzir essas grandes alterações nos estilos de vida e na paisagem urbana.
No entanto, o processo vivenciado por Belo Horizonte inclui simultaneamente dois padrões de segregação: o centro-periferia e os enclaves fortificados. O padrão de segregação representado pelos enclaves fortificados nas periferias metropolitanas começou a se disseminar na década de 1980, a princípio no eixo-sul e, mais recentemente, em outras direções, como a Norte. Porém, ele se sobrepõe ao padrão de segregação centro-periferia, que persiste na capital mineira, em um processo de elitização dos espaços que descende do centro para a periferia. Essa dinâmica, observada em relação à década de 1980 e que se aprofundou na década de 1990, é mostrada no estudo de Mendonça (2003) sobre mobilidade residencial em Belo Horizonte: “parece haver um movimento centrífugo, em que a ‘elitização’ das áreas vai ocorrendo através da mistura dos grupos sociais com a entrada de novos segmentos superiores na hierarquia social” (p. 141).
Por outro lado, assim como outros grandes centros urbanos brasileiros, Belo Horizonte é marcada também pela presença de favelas, enclaves resultantes não do desejo de exclusividade social de sua população ou da preocupação com a segurança, mas dos processos de exclusão territorial, que marcam a história da cidade desde a fase de sua construção. Com seu tecido denso e sua coloração diferenciada, uma mistura de laranjas e cinzas das casas sem acabamento com seus telhados de amianto, as favelas
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são parte integrante da paisagem urbana de Belo Horizonte, despontando por entre bairros tradicionais, subindo pelos morros, seguindo o curso de córregos, rodovias e ferrovias, preenchendo vazios urbanos.
Fruto das desigualdades sociais e, consequentemente, da disputa desigual pelo acesso à cidade, as favelas representam a situação habitacional crítica das classes mais pobres e excluídas que, sem condições de obter um local de habitação pelos meios oficiais, invadem uma porção de terra, onde autoproduzem suas moradias, em um processo lento e dispendioso, e muitas vezes nunca acabado. Geralmente em áreas ainda não urbanizadas ou em vazios inseridos no meio urbano, como as áreas subutilizadas, as não parceláveis e as non aedificandi, ou em áreas mais distantes ainda não urbanizadas, as favelas vão, ao longo do processo de urbanização, aparecendo em todas as partes dos centros urbanos, “exatamente como o mato que cresce entre as pedras do calçamento ou no meio do asfalto, formando enclaves, ou seja, microterritórios no interior de outros maiores.” (JACQUES, 2003, p. 105).
No processo de crescente hierarquização do espaço urbano de Belo Horizonte, onde os padrões de segregação centro-periferia e dos enclaves fortificados se combinam, impondo uma nova escala à paisagem urbana e expulsando as populações mais pobres para as periferias metropolitanas ou para as favelas da cidade, estas vêm, ao longo do tempo, sendo cada vez mais segregadas e pressionadas, interna e externamente, com todas as consequências associadas a esses problemas41. Internamente, a progressiva ocupação do solo e o adensamento construtivo, decorrentes de demandas por mais espaços para moradia e de novas necessidades dos moradores, contribuem não só para a deterioração das condições ambientais dos espaços públicos e privados, mas também para a alteração de sua configuração espacial, onde a ocupação de espaços públicos e a consequente restrição a movimentos, dentro e através do assentamento, segmentam ainda mais seu espaço e ampliam sua segregação em relação ao entorno. Externamente, as favelas são pressionadas não só em função da crescente valorização da terra, mas também por outras demandas da cidade, como as ambientais e de
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Em Belo Horizonte, a população de vilas e favelas, que representa 16,2% do total, ocupa, juntamente com 21 conjuntos habitacionais populares que abrigam 5,5% da população do município, apenas 4,8% do território, o que não só evidencia a desigualdade no acesso à terra, mas também torna previsível o problema do processo de contínuo adensamento construtivo nessas áreas, para o qual contribuem a verticalização das edificações e a maior ocupação do solo.
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mobilidade urbana, visto que muitas vezes ocupam áreas de interesse ambiental e que, por sua escala e configuração espacial diferenciada, representam rupturas no tecido urbano. Além disso, há os crescentes contrastes socioespaciais em relação ao seu meio de inserção: excetuando as periferias42, onde os limites entre as favelas e a cidade dita formal são às vezes difíceis de definir, as favelas contrastam imensamente com o entorno, explicitando os processos de segregação socioespacial no ambiente urbano.
4.1 A evolução das favelas em Belo Horizonte
A Estação de Minas era um provisório barracão de tábuas coberto de zinco, plantado no meio da esplanada que estava sendo preparada. Atrás dela, pelo alto da colina, acima da projetada Rua Sapucaí, ia-se adensando uma povoação de cafuas e barracões de zinco, a que o povo denominava Favela ou Alto da Estação ou Morro da Estação. Denominava-se Favela por ser muito semelhante ao morro de igual nome existente no Rio de Janeiro. (BARRETO, 1996, p. 369)
As favelas brasileiras são antigas e remontam ao final do século XIX. No Rio de Janeiro, o Morro da Providência foi rebatizado como Morro da Favella em 1887, passando paulatinamente a partir daí a “estender sua denominação a qualquer conjunto de barracos aglomerados sem traçado de ruas nem acesso aos serviços públicos, sobre terrenos públicos ou privados invadidos” (VALLADARES, 2005, p. 26).
Em Belo Horizonte, elas antecederam a inauguração da cidade, em 1897, e já se faziam presentes no período de sua construção: em 1895, já havia, na então futura capital mineira, dois aglomerados de cafuas43 na zona urbana, com aproximadamente 3.000 pessoas, o do Córrego do Leitão e o da Favela ou Alto da Estação, fruto da falta de previsão quanto a locais de moradia para os trabalhadores envolvidos na construção da cidade44. (GUIMARÃES, 1991). 42
Como periferia, foi considerado aqui o conceito proposto por Bonduki e Rolnik (1979), que vincula a ocupação do território à estratificação social, não se atendo às questões de distância. Os autores definem periferia como “as parcelas do território da cidade que têm baixa renda diferencial”, e que são, “por excelência, o local de habitação dos trabalhadores” (p. 147, 148).
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Segundo Guimarães (1991, p. 64, 65), cafuas, barracos e barracões são tipos característicos de moradia do trabalhador mencionados na literatura: cafuas e barracos são casas que podem estar localizadas ou não em áreas invadidas, sendo as cafuas feitas de barro e cobertas com capim, e os barracos feitos de tábua e cobertos com capim ou zinco; já os barracões são feitos em alvenaria e localizados geralmente nos fundos de outras casas.
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No período entre 1893 e 1897, que antecede a inauguração da cidade, a população de Belo Horizonte cresceu a uma taxa de 64,1% ao ano, sem que houvesse acomodações para os trabalhadores, o que fez com que surgissem cafuas e barracos por todo o povoado, muitas vezes com a conivência do poder público que, ciente da sua incapacidade para resolver o problema, concedia licenças para construção de
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Tal qual aquele bairro improvisado [Favela ou Alto da Estação], onde morava gente operária, existia igualmente o Leitão, outro aglomerado humano de gente pobre, em rumo oeste do arraial. Esses dois bairros mescladíssimos e turbulentos, sobretudo à noite e nos dias de descanso, puseram à prova de fogo as energias e o valor do subdelegado de polícia capitão Lopes, [...]. (BARRETO, 1996, p. 369, 370)
Nesse período, iniciou-se também a preocupação com a segurança, devido ao rápido crescimento da população e à heterogênea aglomeração humana no povoado como um todo, tendo sido enviado, em 1894, um destacamento policial de Sabará para manter a ordem no povoado (GUIMARÃES, 1991), e em 1895, um reforço do destacamento. Barreto (1996) associa parte da “desordem” que agitava o povoado aos dois aglomerados de cafuas:
O reforço do destacamento foi feito imediatamente, mas apenas quanto a soldados de infantaria. Somente mais tarde veio o reforço de cavalaria pedido, (...), quando já iam surgindo os turbulentos bairros provisórios de cafuas e barracões – Córrego do Leitão e Favela ou Alto da Estação, aglomerações humanas justamente consideradas a suburra da futura cidade. Nesses dois bairros onde fermentavam todos os maus instintos das camadas mais ínfimas da sociedade, as desordens eram freqüentes, mas o capitão Lopes controlava admiravelmente e anulava com vantagens os arremessos brigões do populacho, (...). (p. 350, 351) Durante o dia era aquele ardor de trabalho por todos os ângulos da localidade e às noites, enquanto o centro do arraial habitado pela gente ordeira e morigerada descansava sob a vigilância do capitão Lopes, os dois grandes e barulhentos bairros de cafuas e barracões provisórios – a Favela e o Leitão – fervilhavam em orgias e algazarras dos vadios e das mundanas, que ali enxameravam em promiscuidade com pobres famílias de operários, e contra cujo malproceder a 23 de fevereiro de 1896 reclamava energicamente o Belo Horizonte. Como era natural, em um meio tal e em circunstâncias tais, algumas vezes registravam-se ali acontecimentos trágicos, como aquele que noticiou A Capital, de 19 de abril [de 1896], contando que, pela manhã, alguém que passou pela Rua de Trás n. 1, encontrou morto, no mato, próximo a certa cafua, um indivíduo de cor branca, já em adiantado estado de putrefação, tendo o crânio aberto por profundo golpe de machado, instrumento esse que foi encontrado tinto de sangue dentro da referida cafua, cujos habitantes haviam desaparecido. (p. 666)
Assim como acontece em outras cidades brasileiras, onde a “solução” da habitação própria e precária - construída nas horas de folga do trabalhador – serve à redução do cafuas e barracos provisórios, destinados não só à residência de famílias, mas também a hotéis, restaurantes e casas de pensão. Nesse período, foi construída apenas uma hospedaria provisória para os trabalhadores, concluída em 1896, “um grande barracão de madeira, sem conforto, cujos cômodos eram insuficientes para abrigar os trabalhadores”; a hospedaria definitiva só seria inaugurada em 1925 (GUIMARÃES, 1991, p. 69).
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custo da reprodução da força de trabalho e à maior acumulação do capital, em Belo Horizonte isso se fez sentir, desde o início, com as invasões de terras pelas classes trabalhadoras e o surgimento das favelas. A postura ambígua do governo, que as tolerava por conveniência, foi a solução encontrada para viabilizar a força de trabalho necessária à construção e funcionamento da nova capital. A dinâmica que se estabeleceu nessa relação entre governo e trabalhadores foi o contínuo processo de ocupação tolerada e a posterior expulsão dessas populações para locais mais distantes, à medida que o valor da terra ia aumentando com o crescimento e o desenvolvimento da cidade.
Indesejados, inicialmente, na zona urbana, onde se queria preservar a imagem de cidade planejada, limpa e ordenada, os trabalhadores e suas precárias moradias foram alvos de uma luta constante nas primeiras décadas de vida da cidade, e sua resistência se fez no cotidiano, através das constantes invasões de terrenos e das construções de cafuas e barracos, e também da organização contra as remoções.
Guimarães (1991) considera que o período entre 1897, ano da inauguração, e 1919, foi o de definição das “regras do jogo” onde se explicitaram a segregação e o elitismo que orientaram o processo de ocupação da cidade; as primeiras iniciativas para remover essas ocupações foram precoces, e ocorreram já em 1898, poucos meses após a inauguração da cidade. (GODINHO, 2003).
Já na década de 1920, Guimarães reconhece um período de acirramento das disputas pelo espaço urbano entre trabalhadores e Prefeitura. Nessas décadas, o problema de moradia na nova capital foi agravado, principalmente para os trabalhadores, e houve uma expansão das favelas e da ocupação de áreas suburbanas sem infra-estrutura45.
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Segundo Guimarães (1991), além do crescimento acelerado da população, houve outros fatores, como a crise econômica de 1898, que gerou paralisação de obras e desemprego, o caráter elitizante das medidas adotadas para a zona urbana, a especulação imobiliária e a valorização dos terrenos na zona urbana, além da precariedade dos serviços de transporte e a falta de infra-estrutura nas zonas suburbana e rural (p. 139). Além disso, o poder público, responsável pelo controle do acesso à terra urbana e às construções, privilegiava grupos como os funcionários públicos, proprietários de Ouro Preto, além de parte dos antigos moradores do arraial de Bello Horizonte. Segundo a autora, o Código de Posturas de 1898 foi um dos responsáveis pelo aumento dos preços de terra na zona urbana. Ao diferenciar padrões entre a zona urbana e as demais, provocou aumento de preços e especulação imobiliária na zona urbana, o que, aliado às maiores exigências em relação aos lotes e à ocupação, levou grande parte da população a se localizar nas zonas suburbana e rural, onde os preços e as exigências eram menores. Um outro fator se deu na década de 1920 quando, com a crise do
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O incômodo gerado pela presença de aglomerados de cafuas e barracos na zona urbana levou à designação de algumas áreas para venda de lotes aos trabalhadores e também a novas remoções, assim como o combate aos barracões de aluguel (GUIMARÃES, 1991). Houve, porém, resistência dos trabalhadores devido a fatores como os altos preços dos lotes, a falta de infra-estrutura, as deficiências do transporte, e, assim, as invasões de áreas para construção de barracos e cafuas continuaram a ocorrer, sem que o poder público pudesse contê-las; segundo Godinho (2003), na década de 1920 houve formação de favelas principalmente na região Noroeste da cidade.
Nesse período, as áreas destinadas aos trabalhadores eram marcadas por inúmeros problemas, como ilustra o caso do Barro Preto: segundo seus moradores, após ser definido como área operária, foi abandonada pelo poder público. Até 1909, essa área era a responsável pela maior taxa de mortalidade infantil da cidade, devido ao consumo de águas contaminadas do Ribeirão Arrudas (GUIMARÃES, 1991).
Ao final desse período, em 1930, os barracões tinham sido banidos da zona urbana, assim como as grandes favelas, exceto parte da Barroca46, cujo término da remoção só iria ocorrer na década de 1940 (GUIMARÃES, 1991).
A partir de 1930, com a capital já consolidada e a cidade expandida, a Prefeitura voltou suas atenções para o desenvolvimento industrial e para a necessidade de modernização da cidade; além disso, transformações na sociedade brasileira e na maneira de ver a questão do trabalho e da moradia refletiram-se em Minas Gerais. Tornava-se necessário, assim, uma visão mais integrada da cidade, visando à reversão da desordem urbana representada pela precariedade da infra-estrutura, pela falta de controle quanto à ocupação do solo, além do aspecto da moradia do trabalhador. No
café em 1922, houve uma convergência de investimentos para a compra de terrenos em Belo Horizonte, além do aumento da chegada de imigrantes na capital. 46
O caso da favela da Barroca ilustra bem a dinâmica de ocupação tolerada e posterior remoção pelo poder público: originada em 1902, a partir da remoção das favelas Córrego do Leitão e Alto da Estação, ela foi removida e reassentada várias vezes, sempre nas proximidades da Avenida Olegário Maciel. Localizada finalmente na região da atual Assembléia Legislativa, ela foi por fim removida, indo seus moradores para outras favelas na zona suburbana, principalmente para o Morro do Querosene e para a favela dos Marmiteiros. (GUIMARÃES, 1992).
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entanto, apesar de terem saído de evidência, uma vez que sua localização em áreas mais periféricas já não ameaçava mais a parte considerada nobre da cidade, o processo de formação das favelas continuou e se intensificou fora da zona urbana (GUIMARÃES, 1991), principalmente na região Leste (GODINHO, 2003).
Para Guimarães (1991), é nesse período da década de 1930 que as favelas em Belo Horizonte começam a ser vistas como ambiente de criminalidade, passando a fazer parte do noticiário policial, começando a ser estigmatizadas por seu “ambiente de morro” e comparadas com as favelas do Rio de Janeiro, consideradas “antros de malandragem e crime”. A autora refere-se também à associação entre periculosidade e classe trabalhadora, em função da emergência, nesse período, de movimentos reivindicativos por melhores condições de vida e trabalho.
Entre 1940 e 1963, a despeito da repressão intensiva, iniciaram-se em Belo Horizonte os movimentos de ação coletiva nas favelas – as Associações de Defesa Coletiva e a Federação dos Trabalhadores Favelados de Belo Horizonte, que levaram à conquista de alguns direitos por seus moradores, como o de indenização nos casos de remoção47. Simultaneamente, intensificou-se o movimento de invasão de áreas, sob o comando de setores da Igreja Católica e de partidos políticos de esquerda (FERNANDES, 1998; GODINHO, 2003; GUIMARÃES, 1992). Nessa fase, diversas novas favelas se formaram, principalmente na região Oeste (GODINHO, 2003) e nos municípios vizinhos (FERNANDES, 1998).
Em 1964, no entanto, quando os moradores já estavam em vias de conseguir o reconhecimento do direito de posse e a urbanização de algumas favelas, o golpe militar veio não só a interromper a sua mobilização, mas também a ressuscitar a política de remoção de favelas, de forma intensiva, o que gerou, por sua vez, a formação de novas favelas em locais ainda mais distantes (FERNANDES, 1998).
De acordo com Fernandes (1998), somente a partir do final dos anos 1970, no contexto mais amplo da “abertura política”, com o fortalecimento de movimentos 47
Segundo Godinho (2003), as Associações de Defesa Coletiva tiveram apoio de setores da Igreja Católica, destacando-se a atuação do Padre Lage e do Padre Agnaldo Leal. O Padre Lage apoiou inclusive a primeira dessas associações, criada no final da década de 1940 diante da ameaça de remoção da Vila dos Marmiteiros.
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sociais e com a recuperação e conquista de novos direitos sociais, é que essa dinâmica de ocupação tolerada e posterior expulsão das populações para locais mais distantes iria se alterar significativamente. O movimento organizado em prol dos interesses dos moradores de favelas ganhou força, culminando, em 1983, com a criação do Programa Municipal de Regularização de Favelas (PROFAVELA). Diferentemente dos anteriores, esse programa deixou de lado certas ambigüidades e “significou o reconhecimento oficial e inequívoco dos direitos legais de propriedade dos favelados” (p. 144).
Desde então, muito se tem investido não só para o reconhecimento dos direitos fundiários dessas populações, mas também para a melhoria das condições de vida e para a integração das favelas ao contexto urbano mais amplo, dito formal48.
Hoje, as favelas de Belo Horizonte não são mais simples aglomerados de cafuas e barracos. Sem a ameaça de expulsão e com o investimento em sua urbanização, elas estão muito mais consolidadas; embora ainda com muitos problemas, como áreas com más condições de habitabilidade, má acessibilidade e riscos construtivos e geológicos, as casas normalmente são de alvenaria, os becos e ruas pavimentados, com iluminação pública e redes de infraestrutura sanitária, ainda que nem sempre oficiais49.
Excetuando a Área Central, as 174 vilas e favelas do município estão pulverizadas pelo território, muitas vezes com localização próxima ao centro ou a importantes eixos viários, ou em meio a bairros de alta renda.
A localização privilegiada de muitas favelas deve-se a vários fatores, destacando-se o fato de a ocupação ter se dado antes da expansão urbana e do despertar do interesse 48
O programa hoje desenvolvido pela Prefeitura de Belo Horizonte contempla, além das ações para a regularização fundiária e das ações emergenciais e de curto prazo, o planejamento específico para cada vila ou favela, incluindo os aspectos físico-ambientais, jurídico-legais, e os socioeconômicos e organizativos. As ações emergenciais e de curto prazo envolvem, dentre outros, o monitoramente de áreas de risco geológico-geotécnico, as obras de manutenção, e as pequenas intervenções de urbanização, geralmente conquistadas pelas comunidades através do Orçamento Participativo - OP. Os Planos Globais Específicos - PGE são planos integrados, que compreendem levantamento de dados, diagnóstico, propostas de intervenção, custos e hierarquização das intervenções. Os PGEs têm sido fundamentais para a captação de recursos externos, como os que financiam as intervenções do programa Vila Viva, e são obrigatórios, a partir da Lei 8.137/00, para a aprovação de obras no OP. 49
As favelas de Belo Horizonte são consideradas pela legislação municipal como Zonas de Especial Interesse Social 1 – ZEIS-1, que são “regiões ocupadas desordenadamente por população de baixa renda, nas quais existe interesse público em promover programas habitacionais de urbanização e de regularização fundiária, urbanística e jurídica, visando à promoção da melhoria da qualidade de vida de seus habitantes e a sua integração à malha urbana” (Lei 8.137/00 – Art. 137, § 1º).
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imobiliário pelo local, e também pelo fato de ocuparem, muitas vezes, áreas subutilizadas ou vazios urbanos, áreas non aedificandi, além de áreas originalmente não parceláveis ou impróprias à ocupação - como as encostas com altas declividades e sem estabilidade, ou os fundos de vale - e que somente podem ter sua ocupação consolidada e legalizada através intervenções baseadas em parâmetros específicos previstos pela legislação urbanística e ambiental para áreas de interesse social.
No entanto, se, por um lado, são muitos os avanços, por outro, são grandes os velhos e novos problemas, dentre eles a violência, em grande parte associada ao tráfico de drogas, que não só se serve das precariedades socioespaciais das favelas, convenientes para suas operações, como também defende a “perpetuação das condições tradicionais de segregação espacial e exclusão sociopolítica”, que lhe são tão úteis. (FERNANDES, 2006, p. 197).
De acordo com o estudo Conglomerados de homicídios e o tráfico de drogas em Belo
Horizonte de 1995 a 1999 (BEATO et al., 2008), a maioria dos homicídios investigados no período envolveu o uso ou a venda de drogas, sendo a disputa por pontos de tráfico responsável por muitas mortes, principalmente de jovens. Nos testes para detecção de conglomerados, de todos os 240 bairros e 85 favelas de Belo Horizonte, apenas dez apresentaram um risco maior de homicídios, sendo que quase a totalidade dessas áreas de risco corresponde a favelas; além disso, segundo os autores, “todos os conglomerados identificados estão relacionados a bairros e favelas em que parece prevalecer o tráfico de drogas, especialmente o crack.” (p. 10).
O mapa de “clusters de homicídio em Belo Horizonte” (BEATO & PEIXOTO, 2005) apresentado na FIG. 2 mostra os locais com alta concentração de homicídios em Belo Horizonte, que correspondem a nove favelas ou aglomerados de favelas: Morro do Papagaio [Aglomerado Barragem Santa Lúcia], Cafezal [Aglomerado da Serra], Taquaril, Alto Vera Cruz, Vila Apolônia, Vila Nova Cachoeirinha, Pedreira Prado Lopes, Aglomerado Morro das Pedras e Cabana do Pai Tomás.
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FIGURA 2 – Clusters de homicídios em Belo Horizonte Fonte: Beato e Peixoto, 2005, p. 179.
De acordo com Beato (2004), as favelas com maior concentração de homicídios possuem vários indicadores sociais e territoriais inferiores aos de outras regiões da cidade, dentre eles o maior risco e vulnerabilidade da saúde, menos anos de estudo, maior número de analfabetos, menor taxa de ocupação no mercado formal, maior proporção de morte de crianças, além de uma maior deficiência de infra-estrutura urbana e padrão inferior de acabamento das residências. Outra característica importante é a idade da população, com idade média de 25 anos, mais jovem que a da cidade, cuja média é de 29 anos.
Segundo Beato e Peixoto (2005), as taxas de homicídios não estão relacionadas exclusivamente à situação de vulnerabilidade social, mas à combinação de vulnerabilidade social e influência do tráfico de drogas, particularmente nos locais onde há disputas entre gangues por pontos de venda de drogas, especialmente o crack. Isso
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vai ao encontro da informação sobre a participação crescente de jovens com menos de 24 anos como autores dos crimes e a violência crescente associada aos homicídios, o que é comprovado pelo grande número de tiros em cada vítima (BEATO, 2004).
Embora os moradores normalmente se esquivem de aprofundar em discussões acerca do tráfico e da violência, em muitas favelas, mesmo nas que não são consideradas como muito violentas, são comuns os relatos sobre os assassinatos de jovens, sobre o costume dos rapazes de andarem armados, sobre as trocas de tiros; também são comuns as queixas sobre a insegurança, sobre as privações de liberdade em função dessa insegurança, os conflitos decorrentes das “batidas” policiais, e também sobre o medo de ver os filhos e outros jovens envolvidos com as drogas e a criminalidade violenta.
Entre o medo e a necessidade de lutar por melhorias, são muitos os relatos sobre os problemas, assim como as demandas por ações diversas pelo poder público, como ações sociais voltadas para os jovens e intervenções no espaço, principalmente visando à melhoria da acessibilidade.
Antes de abordar especificamente o problema da criminalidade e suas relações com o espaço, no entanto, faz-se necessário caracterizar as favelas, considerando certos aspectos do espaço e das apropriações a ele associados que parecem lhe ser típicas. 4.2 Caracterização socioespacial das favelas em Belo Horizonte50
Ora, as favelas, mesmo sendo muito diferentes entre si, têm uma identidade espacial própria e, ao mesmo tempo, fazem parte da cidade, da paisagem urbana. (JACQUES, 2003, p. 14)
Embora haja muitas diferenças entre as favelas, e mesmo entre diferentes áreas de uma mesma favela, elas apresentam uma série de peculiaridades socioespaciais decorrentes de seu processo de formação e de evolução, e também da condição de vida de seus habitantes.
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O termo social é usado não em relação ao perfil socioeconômico dos habitantes, mas no sentido dos usos que podem ser observados no espaço, como as apropriações, as interações sociais e o movimento.
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Produzido de forma diferenciada em relação às áreas formalmente parceladas da cidade, e mesmo em relação àquelas parceladas irregularmente, mas nas quais há uma pré-definição das áreas públicas e da divisão de lotes, o espaço das favelas resulta das ações dos moradores que, movidos pela necessidade51, invadem uma porção de terra, muitas vezes imprópria à ocupação52, onde, ao longo do tempo, constroem, melhoram, ampliam e desmembram seu pedaço de terra e suas moradias em função da dinâmica familiar, simultaneamente aos processos de implantação e melhoria de infraestrutura do assentamento, sobretudo no que se refere a acessibilidade e redes sanitárias.
Esse processo envolve, por um lado, o crescente adensamento construtivo decorrente das progressivas ocupação do solo e verticalização das edificações e, por outro, a melhoria da infraestrutura e das edificações, além de certa diversificação dos usos, com o aparecimento de equipamentos coletivos, pontos de comércio, serviços, principalmente nos locais com acessibilidade privilegiada, além de pequenas indústrias domésticas. Dessa forma, é comum encontrar áreas muito consolidadas, ocupadas por edificações muito boas, amplas e com bom padrão construtivo, porém também caracterizadas por um ambiente precário no que se refere a acessos e a condições ambientais (FIG. 3).
À exceção de algumas áreas onde a invasão foi organizada coletivamente, com definição de espaços públicos e de porções de terreno para cada família, as favelas normalmente apresentam uma configuração espacial bastante orgânica, própria de ocupações espontâneas, onde subjaz uma grande aleatoriedade na apropriação e ocupação do espaço, além de um processo mais livre de adaptação à morfologia do sítio.
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Em estudo sobre o mercado imobiliário informal em favelas, Abramo (2002) fala das três lógicas que orientam o acesso à terra urbana: a lógica de Estado, que “define a forma, a localização e o público-alvo que terá acesso e usufruirá a terra urbana”, a lógica de mercado, que inclui tanto os mercados formais quanto os informais, e a lógica da necessidade, cuja motivação é a condição de pobreza, que torna parte da população incapaz, a partir de seus recursos monetários, de ter acesso ao mercado e de suprir a necessidade básica de moradia. (p. 103, 104). 52
Por muitas vezes se tratar de área não parceláveis ou edificáveis, ou áreas de alguma forma rejeitadas pelo mercado imobiliário, o sítio ocupado frequentemente corresponde a áreas problemáticas em função de aspectos como topografia muito acidentada, presença de situações de risco geológico e superficialidade de lençol freático.
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FIG. 3 – Trecho estreito do Beco 31 de Dezembro, na Vila Cabana do Pai Tomás
No entanto, diferentemente de outros assentamentos tradicionais formados espontaneamente ao longo do tempo, nas favelas pesam os efeitos da grande pressão por locais para moradia em áreas normalmente sem espaço para expansão. Assim, em um contexto de escassez de área e de grande demanda para soluções habitacionais, as regras informais para a apropriação da terra e ocupação do espaço costumam ser restritas, visando somente à garantia de uma acessibilidade mínima às edificações e à solução imediata de problemas sanitários. Devido a esse processo de adensamento continuo a que estão sujeitas, as favelas costumam, com o passar do tempo, adquirir uma configuração bastante densa, na qual as edificações, com seus cômodos e pavimentos que se multiplicam, muitas vezes com a aparência de construções sempre inacabadas, vão ocupando todas as áreas possíveis, encostando-se e sobrepondo-se umas às outras, avançando ou projetando-se sobre as áreas públicas, que se tornam cada vez mais exíguas53 (FIG. 4, 5 e 6). Das ruas e becos estreitos e tortuosos, muitas vezes os únicos vestígios na paisagem são os postes e a fiação elétrica, que despontam por entre as casas.
53
Embora o padrão construtivo das edificações seja bastante diversificado - variando de pequenos barracos feitos de pedaços de madeira a casas muito boas, grandes e com bom acabamento -, dependendo da maior ou menor consolidação da área, a maioria das edificações é de alvenaria, sem acabamento na parte externa, cobertas por laje e/ou telha, muitas vezes com mais de um pavimento, e atendidas por redes sanitárias, ainda que nem sempre oficiais. São comuns as edificações com aparência fragmentada, com uma combinação de materiais e técnicas construtivas improvisadas. Casas e barracos mais precários são normalmente encontrados em áreas de ocupação muito recente ou em áreas onde, devido a problemas como situações graves de risco geológico, a ocupação permanece com um caráter provisório.
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FIGURA 4 - Postes por entre as casas da Rua Camila de Souza Machado e dos Becos O, na Vila N. Sra. Aparecida
FIGURA 5 - Galinheiro construído sobre a laje de cobertura de casa, no Conjunto Minas Caixa B
FIGURA 6 - Avanço dos pavimentos superiores sobre a área do Beco da Vicenza, na Vila São Rafael
Porém, mesmo com tal processo de adensamento, são encontrados também espaços públicos mais generosos, como largos e pequenas praças, campos de futebol, e mesmo algumas áreas de interesse ambiental preservadas pelos próprios moradores (FIG. 7 e 8).
FIGURA 7 – Campo de futebol em área de nascentes preservada pela comunidade, particularmente pelo time de futebol Tricolor - Vila N. Sra. Aparecida
FIGURA 8 – Largo na Vila São Vicente
Os becos e as ruas, definidos pelo alinhamento das edificações, e muitas vezes excessivamente íngremes e estreitos, vão se ramificando ou conformando anéis, costurando o espaço do assentamento com seus traçados quebrados, suas larguras e pisos irregulares, em uma configuração normalmente complexa, segmentada, pouco
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legível, na qual é difícil entender como o sistema se estrutura e perceber as continuidades e as ligações entre os lugares. Márcia Cruz (2009), que nasceu e foi criada no Morro do Papagaio54, fala da lógica pouco cartesiana, lúdica, e pouco planejada dos becos - embora resultantes de “um certo pragmatismo dos moradores”, que vão abrindo caminhos e trilhas para “suprir necessidades imediatas” (p. 16) -, e também das dificuldades para orientação, a despeito de certas referências espaciais que ajudam na estruturação e na leitura do espaço.
A associação dessas características torna muitas vezes os espaços da favela bem pouco acessíveis, sobretudo em relação a veículos, dificultando o cotidiano dos moradores e restringindo o seu acesso a serviços diversos, públicos e privados55.
No entanto, os becos e as ruas, espaços públicos geralmente predominantes no interior das favelas, costumam apresentar grande vitalidade e apropriações bastante ricas, que não se limitam ao movimento, sendo intensamente usados para o convívio dos moradores, para as brincadeiras das crianças e ainda para a realização de atividades domésticas (FIG. 9, 10 e 11).
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O Morro do Papagaio, ou Aglomerado Santa Lúcia, é um aglomerado de favelas localizado na Região Centro-Sul de Belo Horizonte. Composto pelas vilas Estrela, Santa Lúcia e Santa Rita de Cássia, ocupa uma área de 47,79ha, onde vivem 16.914 habitantes. (Fonte: Prefeitura de Belo Horizonte. Disponível em: http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/comunidade.do?evento= portlet&pIdPlc=ecpTaxonomiaMenu Portal&app=urbel&tax=7491&lang=pt_BR&pg=5580&taxp =0&id Conteudo=16859&chPlc=16859. Acesso em 03 de mai. 2010. 55
Muitos becos, que geralmente predominam no sistema viário, são muito íngremes, com escadas desconfortáveis, sem largura suficiente para a abertura de um simples guarda-chuva; situações como o transporte de um móvel ou de um eletrodoméstico de maiores dimensões, como um fogão ou uma geladeira, por vezes são inviáveis, ou se viabilizam através das casas de vizinhos. Já as características das ruas, normalmente estreitas e muitas vezes “sem saída” e sem áreas para retorno, dificultam ou mesmo inviabilizam o acesso de alguns veículos, sobretudo os de maior porte, restringindo o acesso dos moradores a serviços como transporte coletivo, coleta de lixo porta a porta, ambulâncias, táxis, serviços de entrega em geral. São muito comuns as reclamações e reivindicações de moradores para alargamento e melhoria de becos e ruas, de forma a melhorar a acessibilidade para idosos e pessoas com mobilidade reduzida, a permitir o transporte de mercadorias, a passagem ou a maior aproximação de ambulâncias, táxis, caminhões de lixo, ônibus, veículos do corpo de bombeiros, e mesmo o transporte de um doente em uma maca.
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FIGURA 9 – Crianças brincando no largo do Beco São Gonçalo - Vila Cabana do Pai Tomás
FIGURAS 10 e 11 – Apropriação do espaço público adjacente às casas - Beco das Palmas, Vila São Vicente
Espaços normalmente pequenos, em estreita ligação com as edificações lindeiras, as ruas e becos apresentam frequentemente um caráter de intimidade, contribuindo para isso também a presença de objetos e equipamentos privados, bem como de pequenas demarcações territoriais nas áreas contíguas às casas56, como mostram as FIG. 12 e 13.
FIGURA 12 – Ramo do Beco Domiciano, na Vila Santa Rosa
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FIGURA 13 – Beco das Palmas, na Vila São Vicente
Normalmente sem afastamentos em relação às vias e entre si, as edificações não só se abrem diretamente para as ruas e becos, assim como para outros espaços públicos, através de portas e janelas, como também muitas vezes avançam ou se projetam sobre eles através dos pavimentos superiores, de rampas e degraus de acesso às casas, de pilares e outros elementos estruturais das edificações. Além disso, a instalação de tanques, fogões a lenha, vasos de plantas e jardineiras, pequenos cômodos como depósitos e banheiros, hidrômetros e padrões de energia elétrica, além de telhados e outros elementos de cobertura formando pequenos alpendres, os transformam em verdadeiras extensões das casas.
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Essa estreita relação entre o público e o privado, associada à reduzida escala dos espaços públicos, que talvez seja um dos aspectos mais marcantes da configuração espacial das favelas, favorece a sua ocupação e também o encontro entre os que passam e os que ocupam os espaços.
Além disso, outros atributos espaciais contribuem para a grande vitalidade que costuma caracterizar os espaços públicos das favelas, como a configuração do sistema viário interno, composto sobretudo por becos e ruas estreitas, que leva à predominância dos deslocamentos a pé no interior da favela, a despeito das condições socioeconômicas dos habitantes; o alto adensamento construtivo associado ao pequeno tamanho das moradias, que leva a altas densidades demográficas e, consequentemente, a um maior volume de pessoas compartilhando os mesmos espaços públicos; a escassez de áreas privadas, sejam elas edificadas ou não, que leva a uma utilização mais intensa dos espaços públicos, inclusive para realização de atividades domésticas.
Várias dessas características das favelas, apesar do comprometimento a alguns aspectos das condições de vida dos moradores, tornam-nas bastante vantajosas em comparação a outras formas de habitação popular. Apesar das diversas demandas por melhorias, sobretudo no que se refere a acessibilidade, os moradores costumam expressar uma razoável satisfação com o local de moradia e o desejo de permanecer e de conquistar melhorias, tanto para o assentamento quanto para suas casas.
Um aspecto geralmente valorizado refere-se à proximidade das relações de vizinhança, fomentadas pela própria organização espacial, que permite as redes de solidariedade territorializadas tão típicas das favelas. Considerando especificamente a questão da violência urbana e o problema do tráfico de drogas nas favelas, essa relação mais próxima com os vizinhos parece ser um fator que proporciona relativa tranqüilidade, pois conhecer e ser conhecido permite o estabelecimento de regras de convivência.
Outro aspecto refere-se aos laços afetivos com o lugar, não só pelas relações sociais formadas ao longo do tempo, mas também pelas historias de vida que se misturam à história do assentamento, incluindo as lutas por melhorias e resistências contra a
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expulsão, e os processos paralelos de produção e de melhoria dos espaços públicos e privados.
Também a localização privilegiada de muitas favelas, que propicia facilidades e economia no transporte e proximidade a eventuais fontes de renda, é outra vantagem em relação a outras formas de habitação para população de baixa renda.
Outra característica de muitas favelas é a receptividade a diferentes estilos de vida, nem sempre possível em outras partes da cidade. Abramo (2002) fala da “convivência de temporalidades e ‘estilos de vida’” nas favelas, como “a possibilidade de recriar [...] certos elementos do cotidiano rural e/ou de cidades de pequeno porte, impossíveis de serem reproduzidos em outras localizações da metrópole.” (p. 120). Exemplos dessas possibilidades podem ser vistas nas FIG. 5 e 11, que mostram um galinheiro sobre a casa e um fogão a lenha construído no beco.
Além disso, os moradores se beneficiam da própria informalidade, que permite uma série de conveniências que seriam mais difíceis, ou mesmo impossíveis, em outras situações, destacando-se a maior liberdade urbanística, que permite a modificação, a expansão e o desmembramento da moradia, possibilitando a adequação à dinâmica familiar e também a criação de alternativas para geração de renda.
Essa plasticidade do território da favela, que permite a convivência de diferentes estilos de vida e uma série de liberdades urbanísticas, juntamente com aspectos como a vizinhança e a localização, são alguns dos fatores apontados por Abramo (2002) como responsáveis pelos preços normalmente altos do peculiar mercado informal de terras nas favelas.
Nas pesquisas específicas para este trabalho realizadas na Vila Santa Rosa, a maioria dos entrevistados (68%) disse gostar de viver na vila57. Entre os aspectos considerados positivos, destacam-se a boa localização e as relações de vizinhança, que foram mencionados por 50% dos entrevistados. Em relação à vizinhança, além do fato de conhecerem os vizinhos, de terem amigos e familiares, alguns moradores 57
Do restante dos entrevistados, 14,2% disse gostar “em parte”, 7,1% disse não ser “questão de gostar”, pois vivem ali por falta de opção, e apenas 10,7% disse não gostar de viver na vila.
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mencionaram o fato de terem se “acostumado” a viver no local e também a segurança proporcionada pelo fato de conhecerem as pessoas e o ambiente onde vivem. O relato de uma moradora, que disse ter vontade de se mudar da vila, mas que tem medo porque, apesar de problemas como as drogas e a violência, se sente segura por saber “como viver e conviver na vila”58, ilustra bem a situação. Alguns moradores mencionaram também o respeito e a solidariedade entre vizinhos, a tranqüilidade do local e os laços formados com o lugar, não só pelas relações sociais formadas ao longo do tempo, mas também pela memória da história familiar, incluindo as dificuldades superadas, a construção e a melhoria das casas.
O afeto pelo local de moradia, mesmo em meio a diversas precariedades, pode ser percebido através de expressões no espaço, como o zelo com a casa e com o espaço público adjacente, além dos acabamentos feitos nas fachadas e nos pequenos detalhes observados no exterior das casas, mesmo naquelas muito simples, como jardineiras, plantas e pequenos adornos (FIG. 12 e 14).
FIGURA 14 - Adorno em casa da Vila Santa Rosa
Muitas situações, no entanto, são ambíguas, a começar pelas características de sítio. Se por um lado viabilizam, muitas vezes, a consolidação dos assentamentos, por serem áreas não parceláveis ou não desejadas pelo mercado imobiliário, por outro impõem aos moradores o convívio com problemas como a insalubridade decorrente de lençóis d’água muito superficiais e as situações de risco geológico. Os terrenos de altas 58
Entrevista realizada com moradora da Vila Santa Rosa, em 17/08/2009.
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declividades, por sua vez, ficam mais sujeitos a situações de risco geológico e dificultam a provisão de melhorias, principalmente em relação à acessibilidade e às redes sanitárias, porém proporcionam melhores condições de ventilação, insolação e iluminação dos espaços públicos e privados nessas áreas geralmente tão adensadas construtivamente, além de maior amplitude do campo visual.
A informalidade e o contínuo processo de adensamento construtivo e de ocupação do solo, se por um lado é o que possibilita a chegada de novos moradores e a adequação às necessidades das famílias, por outro contribuem para a deterioração das condições de vida, muitas vezes já bastante precárias, reduzindo cada vez mais o conforto ambiental das moradias e do espaço como um todo, e gerando conflitos. Nas favelas, em geral, são comuns as incompatibilidades entre edificações, cujas ampliações muitas vezes se fazem de forma predatória, em relação às casas vizinhas e aos espaços públicos (FIG. 15). Além disso, a excessiva proximidade entre as casas e entre estas e os espaços públicos, sobretudo os becos, compromete também a privacidade dos habitantes. Muitos moradores expressam o incômodo pela falta de tranqüilidade e de privacidade, visto que situações corriqueiras do cotidiano, como conversar, discutir, ouvir música, são compartilhadas involuntariamente pelos vizinhos, devido à excessiva proximidade entre as casas59. No entanto, há muitos relatos também sobre o respeito existente entre os vizinhos nessa situação, tanto no exercício da tolerância quanto na disposição em abrir mão de certos hábitos para não incomodar os outros60.
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Na pesquisa realizada na Vila Santa Rosa, a falta de espaço e de privacidade foi um dos aspectos negativos mais mencionados pelos entrevistados (32%), que se referiram ao tamanho reduzido das casas, à falta de áreas livres, às más condições de ventilação e iluminação devido à proximidade entre as casas, à largura reduzida dos becos, e à falta de privacidade em função da proximidade entre as casas e pelo fato de abrirem portas e janelas diretamente para os becos estreitos. 60
Dois relatos de moradores da Vila Santa Rosa, ambos residentes em uma de suas áreas mais adensadas da vila, são esclarecedores nesse sentido: um deles é de um rapaz que, queixando-se falta de espaço e de privacidade, disse ficar incomodado com a música alta nos finais de semana, mas que “tenta entender e compreender o desejo da pessoa se divertir”; o outro é de uma moradora, mãe de um bebê, então com pouco mais de um mês, que comentou que “antes tinha mais barulho, agora não. Acho que pode ter parado depois que o bebê nasceu, pois os vizinhos se preocupam e respeitam.”
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FIGURA 15 – Segundo pavimento de edificação obstruindo a janela da edificação vizinha – Vila Santa Rosa
Já o intenso uso e compartilhamento dos espaços públicos, apesar da grande vitalidade que gera no assentamento, nem sempre se dão através de boas relações de convivência e de vizinhança, e muitas vezes ocorrem à custa do desconforto de outros moradores. Um desses casos é o uso dos espaços públicos para realização de atividades domésticas que, apesar de possibilitarem situações agradáveis onde atividades como a preparação de alimentos e lavagem de roupas são compartilhadas espontaneamente, muitas vezes se tornam inconvenientes, por interferem negativamente no cotidiano dos vizinhos, ao provocar a obstrução e a sujeira dos espaços públicos. Além disso, há que se lembrar que isso muitas vezes se faz com algum desconforto, apenas por falta de opção do morador; isso é muito visível em atividades como quarar e secar roupas, que ficam estendidas nos becos, sem condições adequadas de higiene, ao contato das pessoas e animais que passam, pela falta de espaços mais apropriados. Um bom exemplo dessa situação é o de uma moradora da Vila Santa Rosa que, por não ter espaço em sua casa, costuma estender as roupas para secar na casa de uma vizinha ou, quando não é possível, na pracinha em frente à sua casa, mas que não gosta, porque “menino brinca, suja a roupa”.
Há ainda alguns usos e atitudes pouco civilizados em relação aos espaços públicos que geram uma série de incômodos aos moradores, que nem sempre conseguem resolvê-
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los através de acordos informais61. Alguns desses problemas decorrem da deficiência de serviços públicos, devido principalmente às dificuldades de acessos e à falta de controle urbano, o que demanda dos moradores uma série de acordos informais em relação à ocupação, ao uso e ao cuidado com os espaços, o que muitas vezes é conflituoso (FIG. 16).
FIGURA 16 – Placa colocada no Beco do André, na Vila São Vicente: “Respeite!!! Aqui não é privada e muito menos outras coisas. Beco Familiar.”
Além disso, há o problema da apropriação de certos espaços por turmas de adolescentes e grupos criminosos, como os ligados ao tráfico de drogas, que intimida os outros moradores, inibindo sua circulação e permanência nesses locais, devido a problemas como o uso de drogas, atos libidinosos, presença de pessoas armadas, prática de atos violentos, além dos conflitos quando da chegada da polícia. Um morador de área lindeira a uma praça recém construída na Vila Santa Rosa relatou que colocou cortina nas janelas de sua casa depois que fizeram a praça, para não ver “certas coisas que acontecem ou possam acontecer na praça”62.
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São comuns as reclamações e conflitos em relação a problemas o depósito de lixo e de entulho nos espaços públicos, o lançamento de esgoto e de drenagem em áreas impróprias ou em terrenos vizinhos, as fezes de animais que ficam soltos nos becos e ruas, o trânsito de motocicletas em áreas de pedestres ou de brincadeiras de crianças, a realização de festas com som alto que se prolongam durante todo o fim de semana, os comportamentos desrespeitosos e inadequados, a obstrução de caminhos pela ampliação das casas e por obstáculos diversos, a depredação dos espaços e o furto de objetos e equipamentos públicos, como bancos de praças, luminárias e fiação elétrica. 62
Na Vila Santa Rosa, essas incivilidades e a presença de grupos criminosos contribuem para que o ambiente de favelas seja considerado ruim por 29% dos moradores entrevistados, principalmente para a criação dos filhos. Os que consideram o ambiente ruim mencionaram não só as drogas e a violência, mas também os atos libidinosos e as diferenças culturais; alguns moradores mostraram-se muito incomodados com situações como a depredação dos espaços públicos, muito em função do que isso revela sobre as pessoas que ali vivem.
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Em relação à segurança, a configuração espacial das favelas parece influir de algumas formas, seja positivamente, através de fatores como a vivacidade dos espaços públicos e o fomento aos encontros e ao convívio social, que favorecem o controle difuso do espaço e inibem crimes de oportunidade, seja negativamente, ao inibir a presença de membros de outros grupos sociais e ao favorecer a territorialização de áreas por grupos criminosos, como os ligados ao tráfico de drogas. Abramo (2002) fala do paradoxo relativo à localização das atividades do tráfico de drogas, com toda a violência resultante de suas práticas, que se nutre dos mesmos atributos valorizados pelas famílias e pelo mercado, como boa localização no contexto da cidade associado à reduzida acessibilidade viária interna, as redes de solidariedade territorializadas, coesão territorial; segundo o autor, essas externalidades, a princípio positivas, tornamse negativas quando apropriadas pelo narcotráfico63. (p. 121).
63
Segundo Abramo (2002), em geral, os fortes laços comunitários existentes nessas comunidades fazem com que a população local reaja e se associe contra agressões de um inimigo externo, como a polícia ou um grupo de traficantes rivais. (p. 121). Isso pôde ser observado na Vila Santa Rosa através da fala de um morador que, mesmo contando sobre os problemas da violência e de como isso afetou negativamente sua vida e de sua família, se referia ao período de conflitos com os traficantes de vila vizinha como “quanto nós estávamos em guerra com a Humaitá”.
76
5 ESPAÇO E CRIMINALIDADE NA VILA SANTA ROSA
A Vila Santa Rosa é uma favela localizada na Região da Pampulha, a aproximadamente 6 km do centro da cidade, próximo à interseção do Anel Rodoviário com a Av. Pres. Antônio Carlos, importantes artérias de circulação da cidade que lhe proporcionam uma ótima macroacessibilidade. A partir dessas vias, chega-se facilmente à vila pelas ruas do Bairro São Francisco, onde está inserida. Pampulha
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FIGURA 17 – Localização da Vila Santa Rosa
A área de inserção da Vila Santa Rosa, onde se limitam os bairros São Francisco e Universitário e duas favelas, as vilas Real e Inestã (Humaitá), é caracterizada por uma grande heterogeneidade de uso e ocupação do solo. Além dos grandes galpões e lojas
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típicos do bairro São Francisco - onde estão instaladas indústrias, serviços e comércio sofisticado, sobretudo relacionado à revenda de automóveis -, no entorno imediato da vila encontram-se também pontos de comércio e serviços locais de pequeno porte, equipamentos de grande porte, como o Hospital Paulo de Tarso e o Campus da Universidade José do Rosário Vellano (UNIFENAS), além de muitas residências, uni e multifamiliares, havendo dois conjuntos habitacionais de prédios nos limites da vila, além das duas vilas já citadas.
A Vila Santa Rosa teve sua ocupação iniciada em 1958 e seus primeiros habitantes foram pessoas vindas do interior do Estado, atraídas por melhores condições e perspectivas de trabalho e acesso aos bens de consumo. Deparando-se, porém, com as dificuldades de inclusão no meio urbano, solucionaram seu problema da moradia e emprego alojando-se em áreas vazias próximas às indústrias que os contratatavam. Ao longo do tempo, a vila foi se expandindo e adensando com a chegada de novos moradores, como parentes e outras famílias e grupos removidos de outras favelas da cidade, como a Vila Bonserá, favela situada em suas proximidades e que foi removida no início da década de 1970. (URBEL, 2008).
Nos primeiros tempos, as moradias eram precárias, edificadas com madeirite e cobertas com plástico. O acesso era difícil, feito por trilhas estreitas, sem pavimento, e a situação se agravava nos períodos de chuva. A iluminação era feita por lamparinas e a água era buscada em latas, em minas localizadas nas proximidades da vila; mutirões eram organizados para implantação de redes de esgoto64. Durante o processo de ocupação e de consolidação do assentamento, os moradores resistiram a várias ações de remoção, principalmente na década de 1970, reconstruindo à noite os barracos precários que eram destruídos pela polícia durante o dia. (URBEL, 2008).
Ainda em processo de expansão territorial e de adensamento, a Vila Santa Rosa ocupa atualmente uma área de 2,75ha, onde vivem 1.401 habitantes, distribuídos em 423 domicílios, havendo ainda 34 unidades não residenciais, correspondentes a equipamentos coletivos e pontos de comércio e serviços. A ocupação é muito 64
Somente a partir de 1983, através de movimentos reivindicatórios dos moradores, começaram a ser implantadas redes de água e de energia elétrica. A pavimentação de becos, a abertura de ruas e as redes oficiais de esgoto só viriam mais tarde, a partir da década de 1990, através do Orçamento Participativo. (URBEL, 2008).
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consolidada, com becos e ruas pavimentados, ainda que com trechos estreitos ou com escadarias inadequadas, edificações de alvenaria, em geral com um bom padrão construtivo, atendimento por redes de água, esgoto e energia elétrica, e por coleta de lixo porta a porta, havendo pouquíssimas situações de risco geológico. No entanto, o nível de renda e de escolaridade dos moradores é, em geral, muito baixo65.
Apesar da criminalidade na vila não ser elevada, se comparada a outros assentamentos similares da região, ela caracteriza-se principalmente pelos crimes violentos, em grande parte associados ao tráfico de drogas.
A partir das discussões teóricas apresentadas nos dois primeiros capítulos, propõe-se a investigação das relações entre configuração socioespacial e criminalidade na Vila Santa Rosa. A investigação pautou-se nos seguintes aspectos considerados centrais nas abordagens relativas a espaço e criminalidade, sempre tendo em vista as possibilidades e limitações para a vigilância natural dos espaços e, consequentemente, para a segurança das pessoas: -
As condições de integração socioespacial da vila em relação ao entorno, considerando as apropriações pelo movimento e pela ocupação e os padrões de copresença nas duas áreas.
-
A configuração dos espaços públicos da vila, considerando sua integração interna, suas relações com os espaços privados, os campos visuais, as apropriações dos espaços e os padrões de co-presença.
5.1 Aspectos metodológicos
O meu primeiro contato com a Vila Santa Rosa se deu em 2006, quando do início dos trabalhos de elaboração de Plano Global Específico (PGE), que coordenei como arquiteta da URBEL durante o período de 2006 a 2009. Dessa forma, tive acesso a uma série de dados e informações acerca do assentamento, incluindo as condições
65
A renda média familiar é muito baixa, correspondendo a 1,1 salários mínimos, e a renda per capita é de 0,2 salários mínimos, havendo 12% de desempregados e 12% de subempregados. A escolaridade também é baixa: 58% dos moradores não possuem o ensino fundamental completo, percentual que sobe para 67% quando se trata dos chefes de família; apenas 1% da população possui ensino superior completo. Quanto às faixas etárias, 15,9% da população possui de 0 a 6 anos, 15,8% possui entre 7 e 14 anos, 24,3% entre 15 e 25 anos, 17% entre 26 e 35 anos, 19% entre 36 e 59 anos, e 7,3% possui entre 60 e 81 anos. (URBEL, 2008).
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físicas e ambientais, socioeconômicas e organizativas, e também um grande conhecimento de campo.
Para a realização das pesquisas para este em trabalho, feitas em agosto de 2009, retomei alguns contatos com lideranças locais, para explicar sobre os objetivos do trabalho e para apoio logístico durante os dias de pesquisa, que envolveu observações, entrevistas com moradores, registros fotográficos e atualização de mapas, visto que já havia alterações significativas nos espaços públicos da vila, principalmente em função de intervenções conquistadas pelos moradores no Orçamento Participativo.
O estudo consistiu basicamente em três tipos de investigação: -
entrevistas com habitantes da vila e de seu entorno66, com o auxílio de dois estagiários na área do entorno, para levantamento de dados sobre vitimização, relações com o espaço e com a vizinhança, e percepção de segurança. Para essas entrevistas, foi desenvolvido um questionário com perguntas abertas e fechadas, com utilização de mapas para as questões ligadas ao espaço; os formulários utilizados para a vila e para o entorno podem ser vistos no apêndice. Foi realizado um teste preliminar desse formulário na Vila São Vicente, localizada no Bairro Santa Teresa, região Leste de Belo Horizonte, a partir do qual foram realizados alguns ajustes e modificações. Os dados foram tabulados e analisados com o auxílio de planilhas e de mapas temáticos.
-
estudos feitos a partir de mapas para avaliação da configuração espacial do assentamento e para os estudos de integração e controle espaciais, notadamente os mapas axiais propostos por Hillier e Hanson (1984);
-
levantamentos de campo para investigação da configuração espacial dos espaços públicos e privados e das relações entre eles, e também para observação das apropriações desses espaços, seja pelo movimento, seja pela ocupação.
66
Foram feitas entrevistas em 28 domicílios da vila e em 32 do entorno compreendido entre as Ruas Estoril e Boaventura, Anel Rodoviário e Av. Pres. Antônio Carlos, excetuando a Vila Real. Para a realização das entrevistas, adotou-se um critério de distribuição espacial, de modo a cobrir geograficamente as diversas áreas da vila e do entorno. Assim, foram escolhidos aleatoriamente domicílios em todos os becos e ruas da vila e do entorno. No entorno, como o uso do solo é bastante diversificado, buscou-se também uma heterogeneidade quanto aos entrevistados através da distribuição da amostra entre áreas de empresas, de residências unifamiliares e multifamiliares, notadamente os dois conjuntos habitacionais do entorno – o Conjunto Estoril e o Conjunto Boaventura.
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O estudo apresenta algumas limitações que merecem ser mencionadas. O primeiro diz respeito ao próprio tema de segurança e criminalidade, que nem sempre deixa as pessoas à vontade para falar a respeito; em função disso, as entrevistas não foram gravadas e evitou-se a identificação dos entrevistados. Além disso, visando a minha própria segurança, foram deliberadamente excluídas da amostra as casas da vila onde sabidamente moram rapazes envolvidos com o tráfico de drogas. O segundo refere-se às observações de campo, que foram feitas durante o dia, de 2ª a 6ª feira, o que restringe as análises, pois o movimento e a apropriação dos espaços na vila é bastante distinto nos períodos da noite e nos finais de semana. Acredita-se, no entanto, que os levantamentos, considerados em conjunto, sejam suficientes para a investigação pretendida, visto que os relatos dos moradores sobre o uso dos espaços da vila, nos diversos dias e horários, são bastante reveladores.
5.2 Configuração socioespacial da Vila Santa Rosa
A Vila Santa Rosa apresenta, em geral, características típicas de vilas e favelas, tanto em relação ao espaço, com seu tecido orgânico, denso e de aspecto fragmentado, quanto em relação às interfaces entre público e privado, em geral imediatas e por vezes se confundindo ou sobrepondo, e também quanto às apropriações dos espaços públicos, que são bastante ricos, não se limitando a funções de mobilidade.
A vila apresenta uma porção central, de maiores dimensões, e duas porções mais periféricas, uma a Noroeste, em direção à Rua Estoril, importante via do entorno por onde passam linhas de ônibus que atendem a vila, e outra a Sudeste, em direção ao Anel Rodoviário. A FIG. 18 mostra o mapa da vila e as três porções mencionadas.
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FIGURA 18 – Mapa da Vila Santa Rosa
A porção Central ocupa duas vertentes com caimentos em direção ao entorno, e nela está concentrada a maior parte dos equipamentos coletivos e dos pontos de comércio da vila, que são bem distribuídos espacialmente: no divisor de águas estão localizados o Salão Comunitário, a Casa de Brincar e a Praça do Salãozinho (FIG. 19); na sua
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extremidade Nordeste fica a Praça da Alegria (FIG. 61) e um bar; na extremidade Sudoeste fica a Praça dos Pneus (FIG. 20), principal ponto de encontro da vila, onde há também uma igreja e pequenos pontos de comércio. Além desses, há ainda duas igrejas, duas pracinhas, além de outros pontos comerciais, incluindo a única mercearia da vila, frequentada por moradores de toda a vila. Nessa porção, a apropriação dos espaços públicos para convivência e lazer ocorre com grande intensidade, sobretudo nas praças dos Pneus, da Alegria e do Salãozinho.
FIGURA 19 – Praça do Salãozinho
FIGURA 20 – Praça dos Pneus
A porção Noroeste é uma faixa estreita de ocupação, desenvolvida linearmente ao longo da Rua e do Beco Senhor dos Passos, vias predominantemente planas que ligam a Praça da Alegria, na porção Central, à Rua Estoril (FIG. 21 e 22). Nessa área, o uso é quase que exclusivamente residencial. Observa-se uma grande apropriação do espaço público para convivência na Rua Senhor dos Passos.
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FIGURA 21 – Beco Senhor dos Passos
FIGURA 22 – Rua Senhor dos Passos
A porção Sudeste ocupa uma área compacta ao Sul do Beco Beira Alta de cima (FIG. 35 a 44), que interliga a porção central da vila à área próxima ao Anel Rodoviário, onde está localizado o Campo de Areia, onde treina o time de futebol Santa Rosa Futebol Clube, e alguns bares (FIG. 23, 24 e 56). Ocupando uma área com declive em direção aos fundos da ocupação do entorno, acessada por becos sem saída, essa porção apresenta algumas das áreas mais precárias da vila, com densidade construtiva muito alta, becos estreitos e desconfortáveis, além de infraestrutura sanitária deficiente. Exceto pela área situada próxima ao Campo de Areia, o uso é quase que exclusivamente residencial. No interior da área, há uma pequena praça implantada recentemente através do Orçamento Participativo. Nessa porção, a apropriação dos espaços públicos acontece principalmente na área próxima ao Campo de Areia e no Beco Dois (FIG. 27).
FIGURAS 23 e 24 – Campo de Areia, onde treina o time Santa Rosa Futebol Clube
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As edificações da vila, que variam entre um e três pavimentos, são dispostas no terreno com orientações diversas, geralmente encostadas às edificações vizinhas e conformando os espaços públicos67, que incluem ruas e becos, pequenos largos e praças, para os quais abrem diretamente suas portas e janelas, e sobre os quais muitas vezes se projetam, através dos pavimentos superiores ou de elementos diversos colocados no espaço público adjacente (FIG. 25). Em poucas áreas da vila se encontram espaços intermediários entre edificações e espaços públicos; onde isso ocorre, no entanto, esses espaços intermediários costumam ser bem introspectivos, separados dos espaços públicos através de altos muros de divisa e contrastando com a permeabilidade da maior parte dos espaços privados da vila. Isso ocorre principalmente no Beco Central, onde estão localizados o Salão Comunitário e a Casa de Brincar, que se abrem para pátios internos, e no Beco Senhor dos Passos (FIG. 26). Há ainda algumas áreas onde há faixas expressivas de fachadas cegas, como no caso da Praça da Alegria, onde um dos lados é quase que totalmente conformado pelas paredes de fundo da ocupação da Rua Aníbal Cordeiro de Melo (FIG. 61 e 62).
FIGURA 25 – Beco Central: ocupação típica da vila, com janelas e portas se abrindo para a praça
FIGURA 26– Beco Senhor dos Passos: à esquerda, casas com espaços intermediários em relação ao beco, porém cercados por muros; à direita, muro de divisa da ocupação do entorno
Além da apropriação dos espaços públicos citados, observa-se a apropriação do espaço das ruas e dos becos para convivência, lazer e realização de atividades domésticas, 67
Utiliza-se aqui o conceito de Espaço constituído pelas edificações, no qual as edificações são acessadas diretamente pelos espaços públicos. No Espaço não constituído pelas edificações, as edificações adjacentes aos espaços abertos, públicos, não são diretamente permeáveis, havendo espaços intermediários entre elas e os espaços públicos. (HILLIER: HANSON, 1984).
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difusamente, nas proximidades das casas. Os encontros e a sociabilidade nos espaços públicos acontecem naturalmente, favorecidos pelo adensamento, pela relação imediata e diálogo entre espaços públicos e privados, e também pela pequena escala desses espaços. Observa-se também a apropriação do espaço público através da colocação de vários elementos na área contígua às casas, como plantas, jardineiras, pequenos tapetes nas soleiras, tanques e varais. Essas apropriações são observadas principalmente na porção Sudeste (FIG. 27) e em algumas áreas das porções Central e Noroeste.
FIGURA 27 – Beco Dois, na porção Sudeste: apropriação do espaço para atividades domésticas
O movimento no interior da vila se faz quase que exclusivamente a pé, e é estruturado por três anéis de circulação localizados na porção Central e pelos dois eixos que atravessam as porções Noroeste e Sudeste, interligando a porção Central ao entorno, como mostrado na FIG. 28. A partir dessas vias se ramificam becos “sem saída” que penetram o interior das quadras68 e promovem a acessibilidade às áreas mais internas.
68
Adota-se aqui o termo quadras para referência às ilhas de ocupação, limitadas por sistema viário e/ou por limites da vila com o entorno, apesar de seus formatos irregulares e orgânicos.
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FIGURA 28 – Estruturação do movimento de pedestres
O acesso veicular é periférico e consiste apenas nas estreitas ruas Senhor dos Passos e Aníbal Cordeiro de Melo - situadas no limite Nordeste da vila e que conformam um anel com as ruas do entorno – e nas ruas Viana do Castelo e Beira Alta – que adentram um pouco o interior da vila em sua extremidade Sudoeste, como pode ser visto na FIG. 29. As demais vias se interrompem nos limites da vila, à exceção da Rua Caldas da Rainha, recém implantada no trecho da vila e que atravessa a porção Noroeste. É importante esclarecer que essas segmentações no sistema viário local não decorrem somente da ocupação da vila, mas também da própria inadequação entre o parcelamento aprovado e o sítio, que apresenta áreas de declividades muito altas69.
69
Algumas das vias previstas pelo parcelamento não chegaram a ser implantadas no local onde está assentada a vila, como é o caso da Rua Major Delfino de Paula, que seria a via mais importante da área
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FIGURA 29 – Estruturação do movimento de veículos
O espaço da vila é freqüentado basicamente pelos habitantes, sendo rara a presença de estranhos, que se restringem, na maioria das vezes, a prestadores de serviços públicos, como a coleta de lixo. Isso foi constatado não só através de observações de campo, mas também através de entrevistas com moradores: perguntados sobre as pessoas que circulam pela vila, 93% dos entrevistados afirmou reconhecer a maioria (68%) ou uma grande parte (25%); apenas 7% de entrevistados afirmou reconhecer
poucas pessoas, porém foram casos de pessoas que moram nas áreas mais periféricas da vila e que têm seu meio de convivência na vila mais restrito à vizinhança imediata.
parcelada, com largura muito superior às das demais vias, mas que teria que vencer declividades superiores a 47%. Hoje, existe no local uma grande escadaria, que muitos moradores evitam devido ao desconforto do percurso.
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É importante salientar que durante os dias e horários de realização da pesquisa, que se restringiram a dias úteis, entre 9 e 17h, não foi observada, na maior parte dos espaços da vila, intensa movimentação de pessoas ou ocupação dos espaços públicos. Durante esse período, foi observado que muitas casas ficam fechadas e que boa parte dos moradores se ausenta em função de trabalho, estudo ou outras atividades70. Apesar de não terem sido feitas observações de campo aos finais de semana, alguns entrevistados relataram que, nesses dias, quando as pessoas estão de folga, os becos e ruas costumam ter movimentação e apropriação intensa. Sobre as praças, foram vários os relatos de festas, churrascos, colocação de som e outros eventos ao longo de todo o final de semana.
Os lugares mais freqüentados da vila, para os quais convergem moradores de toda a vila, encontram-se na porção central. Os locais freqüentados mais citados pelos entrevistados foram a Praça dos Pneus - onde de fato se observa uma intensa movimentação e ocupação dos espaços para convivência em qualquer horário, durante todo o dia e à noite71 -, a Praça do Salãozinho, a Casa de Brincar e o Salão Comunitário, a Praça da Alegria, e também o mini-supermercado Coelho, localizado no Beco Domiciano e que atrai pessoas de toda a vila. Os outros locais mais citados – o Campo de Areia e as praças do Beco Dois e do Beco Central – são freqüentados principalmente por moradores das proximidades.
Quanto aos caminhos mais utilizados pelos moradores, destacam-se a Rua Viana do Castelo, o anel conformado pelos becos Central, Domiciano e Viana do Castelo, além das vias periféricas Senhor dos Passos (Rua e Beco) e Aníbal Cordeiro. Esses caminhos correspondem, basicamente, às vias que simultaneamente estruturam o movimento e articulam os principais lugares de atração da porção central, e também as que articulam a vila com as áreas do entorno, onde estão os locais de comércio, serviços e equipamentos coletivos onde os moradores satisfazem suas demandas cotidianas, além dos pontos de ônibus, principal modo de transporte utilizado pelos moradores da vila para maiores deslocamentos72. A FIG. 30 mostra os lugares mais freqüentados pelos 70
Na realização das pesquisas, várias casas sorteadas foram saltadas pela ausência de moradores.
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Durante a elaboração do PGE da vila, quando eram realizadas reuniões à noite com a comunidade, era sempre observada uma intensa apropriação dessa praça. 72
Os atrativos dos locais do entorno mais citados pelos moradores foram: - Ruas Estoril e Boaventura, Anel Rodoviário: pontos de ônibus;
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moradores, de acordo com a frequência com que foram citados nas pesquisas realizadas.
FIGURA 30 - Caminhos mais usados e lugares mais freqüentados, de acordo com a freqüência de citação pelos entrevistados
Por outro lado, há alguns lugares evitados pelos moradores, principalmente em função do ambiente, que consideram ruim. Dois locais se destacam, ambos na porção Sudeste: o Beco Beira Alta de cima e a área do Campo de Areia, citados, respectivamente, por 50% e 18% dos entrevistados. Nesses lugares se concentram as atividades do tráfico de drogas e ocorreu a maior parte dos crimes violentos relatados - Av. Pres. Antônio Carlos: pontos de ônibus e drogaria; - Bairro Universitário: supermercado, posto de saúde, bancos, escola e outros locais de comércio e serviços.
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pelos moradores da vila. Com menor freqüência, foram citados outros locais, principalmente em função de ambiente ruim decorrente de incivilidades, de comércio e uso de drogas73, e também de sujeira e insalubridade; a área da escadaria do Beco Central foi mencionada principalmente em função do desconforto do caminho. A FIG. 31 mostra os lugares evitados e a freqüência com que foram citados pelos entrevistados.
FIGURA 31 – Lugares mais evitados, de acordo com a frequência de citação pelos entrevistados
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Foram citados muitos problemas quanto ao uso das praças, sobretudo nos finais de semana, em função de música alta, arruaça, uso e venda de drogas, atos libidinosos e outras atitudes que deixam os moradores lindeiros constrangidos e sem privacidade.
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As relações de vizinhança são, em geral, boas e próximas, e esse foi um dos aspectos apontados por 46% dos entrevistados como um dos motivos pelos quais gostam de viver na vila. Esse aspecto mostrou-se importante inclusive em relação ao problema do tráfico de drogas e da violência: nesse contexto, o fato de conhecerem e serem conhecidos por todo mundo, incluindo os rapazes do tráfico, é percebido como um fator de segurança nesse ambiente.
A maioria das pessoas conhece os vizinhos, pelo menos os das áreas mais próximas. Dos moradores entrevistados na vila, apenas 4% demonstrou ter uma relação bem distante e reservada em relação aos vizinhos; 50% dos entrevistados têm relações bem próximas com os vizinhos, conversando, trocando favores e fazendo visitas frequentemente; 46% têm uma convivência menos íntima e intensa com os vizinhos, porém se conhecem, conversam quando encontram, fazem visitas em situações específicas - como em caso de nascimentos, mortes, doenças, orações -, trocam favores em caso de situações mais graves ou emergenciais. Na porção Sudeste, as relações de vizinhança se mostraram mais próximas do que no restante da vila; nessa área, todos os entrevistados mantém relações de maior proximidade com os vizinhos.
Outro aspecto relevante refere-se às relações de parentesco na vila: 61% dos entrevistados possuem três ou mais famílias de parentes na vila e 35% possuem uma ou duas, ou seja, apenas 4% dos entrevistados não possuem parentes na vila. Também quanto a esse aspecto, a porção Sudeste apresentou um resultado diferenciado das demais áreas: todos os entrevistados possuem três ou mais famílias de parentes na vila.
Na porção Sudeste, de maneira geral, as relações entre moradores parecem ser mais intensas e íntimas. Além das relações de vizinhança e de parentesco já mencionadas, isso foi percebido durante as entrevistas também de outras formas, através de relatos e da própria movimentação e dinâmica da vizinhança, como os constantes encontros, visitas e troca de favores entre vizinhos. Uma moradora, por exemplo, contou que ultimamente o beco onde mora estava muito tranqüilo e que os moradores não estavam ouvindo música alta, como de costume, por causa de seu bebê recém nascido; no caso de outra moradora, a entrevista foi interrompida algumas vezes para que ela cuidasse de panelas no fogo na casa de uma vizinha, moradora de outro beco.
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5.3 Criminalidade e violência na Vila Santa Rosa
A Vila Santa Rosa, em comparação com outras vilas e localidades sob responsabilidade da 17ª Companhia de Polícia Militar de Minas Gerais, possui uma criminalidade não muito elevada, sem registros significativos relacionados ao tráfico de drogas. No entanto, apesar de pouco frequentes, as ocorrências relacionam-se principalmente a crimes violentos - crimes contra a vida e ameaças de morte - e, com menor freqüência, a roubos a residências (URBEL, 2008).
As pesquisas específicas para este trabalho apontaram para um quadro onde a criminalidade consiste basicamente nas atividades ligadas ao tráfico de drogas e nos homicídios, estes ligados, em sua maioria, também ao tráfico74. Espacialmente, esses dois tipos de crimes apresentam localizações bem definidas e uma forte correlação. Além do tráfico e dos homicídios, foram relatados, com menor freqüência, furtos em residências e em espaços públicos, além de assaltos a estranhos no interior da vila e no entorno imediato, cometidos por pessoas da vila.
Os resultados dessas pesquisas foram surpreendentes, pois apontaram para uma situação de criminalidade muito mais violenta do que havia sido detectada durante a elaboração do PGE. Apesar de vários dos homicídios relatados terem ocorrido durante esse período, quando tínhamos contatos rotineiros com a população, através das vistorias e das reuniões com o Grupo de Referência75, eles não foram comentados na ocasião.
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Segundo informações obtidas na pesquisa, o tráfico de drogas na vila começou, de maneira discreta, por volta de 1995, tendo se intensificado e atingido outra dimensão a partir de aproximadamente 2001, quando um traficante de fora, que transportava o pessoal da vila para os jogos do time Santa Rosa Futebol Clube, começou a fornecer drogas e armas para os rapazes da vila. A partir desse período, o tráfico se tornou mais violento, principalmente a partir de 2004 com a chegada de um traficante de Santa Luzia. Houve também um período de conflitos com os traficantes da Vila Inestã (Humaitá), situada do outro lado do Anel Rodoviário; no entanto, apesar de os traficantes rivais terem chegado a invadir a Vila Santa Rosa, não ocorreram homicídios. De acordo com os moradores, a violência se reduziu muito com a morte de um traficante violento que comandava o tráfico na vila. A partir de meados de 2008, embora o tráfico persista, não houve mais homicídios e não há mais o uso ostensivo de armas. Desde o início das atividades, o tráfico de drogas na vila foi comandado por traficantes vindos de fora, inclusive da Vila Real, vizinha da Santa Rosa, e também por rapazes moradores da vila. 75
O Grupo de Referência é um grupo de moradores da vila, eleitos em assembléias, que acompanham a elaboração de todas as etapas do PGE.
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Como pode ser visto na FIG.32, o tráfico de drogas se concentra principalmente na porção Sudeste da vila, sobretudo nas duas extremidades do Beco Beira Alta de cima e na área às margens do Anel Rodoviário. As duas extremidades do Beco Beira Alta de Cima, uma junto ao Anel Rodoviário e a outra na interseção com o Beco e a Rua Viana do Castelo, funcionam como pontos de venda de droga e de vigilância. Com esses dois pontos, é possível controlar toda a porção Sudeste da vila, visto que não há acessos alternativos à área. Segundo alguns entrevistados, as drogas e as armas ficam espalhadas, guardadas em casas localizadas principalmente nessa porção.
FIGURA 32 – Crimes relatados pelos entrevistados na vila
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Há mais dois pontos de venda de drogas e de vigilância, porém mais discretos, na Rua Senhor dos Passos, um mais antigo, próximo à Praça da Alegria, e outro mais recente, próximo ao Beco Oito e à Rua Caldas da Rainha. Além desses, há alguns relatos de atividades ligadas ao tráfico na Praça do Salãozinho e também na escadaria do Beco Central, porém os moradores não explicitaram do que exatamente se trata; sabe-se, no entanto, que alguns dos rapazes ligados ao tráfico moravam ou moram na área da escadaria do Beco Central e adjacências.
Quanto ao horário de atividades, os entrevistados relataram que a maior intensidade ocorre à noite e nos finais de semana; de fato, percebe-se visivelmente uma maior movimentação de rapazes da vila a partir do final da tarde na área do Beco Beira Alta de cima, isso nos dias de semana. Moradores dessa localidade relataram que, na época mais violenta, os maiores problemas eram no período noturno, quando evitavam inclusive sair de casa. Na Rua Senhor dos Passos, próximo ao Beco Oito e à Rua Caldas da Rainha, moradores relataram que o problema se agrava nos finais de semana, quando os “meninos” descem para lá armados.
Quanto aos homicídios, foram relatados pelos moradores nove casos mais recentes, na vila e em suas imediações, a maioria relacionada ao tráfico de drogas ou, ainda que por outros motivos, com envolvimento de traficantes76. A maioria dos homicídios ocorreu na porção Sudeste da vila e em suas proximidades, na área onde o tráfico é mais intenso. Quanto aos dias e horários dos homicídios ocorridos na vila, houve muitas divergências entre os relatos, mas foram relatados desde casos ocorridos de madrugada até outros ocorridos de manhã, na presença inclusive de crianças, como no caso da morte de um rapaz na Rua Viana do Castelo em um sábado pela manhã, quando foi ferido, acidentalmente, um funcionário da prefeitura.
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De acordo com os dados coletados, cinco dos homicídios tiveram como vítimas rapazes envolvidos com o tráfico, mortos em disputas pelo comando, em acertos de contas e outros conflitos, sendo que em um desses casos, o chefe do tráfico foi morto por um morador que não queria permitir a instalação de um trailer para venda de drogas em uma das principais entradas da vila, na Rua Viana do Castelo. Dos outros quatro casos, dois homicídios foram cometidos por rapazes envolvidos com o tráfico, porém em função de outros problemas e disputas, um não teve aparentemente qualquer associação com o tráfico, embora tenha ocorrido em sua área, e sobre o outro, os moradores que relataram não estavam certos de haver ou não associação com o tráfico. Foram relatadas também mortes de rapazes envolvidos com o tráfico em outras localidades, como nas proximidades da Vila Inestã (Humaitá), no Bairro Palmares e em Santa Luzia.
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Também houve relatos de invasões de casas, agressões físicas e ameaças, envolvendo principalmente pessoas ligadas ao tráfico, mas também familiares e outras pessoas próximas. Esses casos ocorreram nas porções Central e Sudeste da vila, sendo que em dois casos relatados, as vítimas tiveram que se mudar da vila. Os entrevistados não indicaram os locais precisos desses crimes.
Foram relatados também crimes como o furto de objetos em residências, mas não são casos recentes. Mais frequentes parecem ser os furtos a objetos e equipamentos em espaços públicos que, segundo os entrevistados, costumam acontecer na vila; houve relatos de furto de fiação elétrica e até de bancos de praça. Esses casos, porém, não estão representados na FIG. 32, pois os relatos não precisaram os locais dos crimes.
Com menor frequência, foram relatados casos de assaltos a estranhos circulando pela vila, sendo que neste caso os entrevistados não souberam dizer os locais das ocorrências. Todos os crimes relatados, no entanto, ocorreram na porção Central da vila. Houve relatos também sobre roubos e furtos cometidos por moradores fora da vila, que levam para seu interior os produtos roubados.
Os entrevistados na Vila Santa Rosa relataram também casos de assaltos e de tentativas de assalto nas imediações da vila, principalmente nos pontos de ônibus, por pessoas desconhecidas, de fora da vila.
Quanto à percepção acerca da segurança na vila, nenhum entrevistado disse se sentir
muito seguro; 32% afirmaram sentir-se seguros, 11% disseram sentir-se seguros “no momento”, visto que a violência havia diminuído nos últimos meses, e 4% sentem-se seguros apenas quando estão todos em casa; 46% dos entrevistados afirmaram sentirse pouco seguros ou inseguros na vila, e 7% não responderam à pergunta.
Um aspecto importante observado nas entrevistas é que muitos moradores sentem-se seguros ou relativamente seguros nesse contexto de criminalidade violenta pelo fato de conhecerem as pessoas e de serem conhecidos, o que faz com que os “meninos” os respeitem, permitindo o estabelecimento de regras de convivência. Além disso, como os moradores conhecem bem a localização e a dinâmica desses problemas na vila, como os locais e os horários de intensificação das atividades do tráfico, os conflitos e
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problemas quando da chegada da polícia, eles sabem como agir e que locais evitar. Como exemplo, tem-se a área do Beco Beira Alta de cima e do campo de futebol, evitadas por grande parte dos moradores, conforme já relatado, e os casos de pessoas que mudam seus hábitos à noite e nos finais de semana, quando os problemas se intensificam, ou que colocam as crianças para dentro de casa quando da chegada da polícia, devido aos conflitos com os traficantes.
No entorno imediato da vila, onde também foram realizadas pesquisas, o perfil de criminalidade mostrou-se bem diferente do encontrado na vila. Dos crimes relatados no entorno, a maioria refere-se a assaltos, furtos a residências e empresas, e roubos de carros, como mostra a FIG. 33; os homicídios se mostraram bem menos frequentes. Espacialmente, a maioria dos assaltos concentra-se em vias movimentadas, particularmente nos pontos de ônibus da Av. Pres. Antônio Carlos, do Anel Rodoviário e da Rua Boaventura, sobretudo nas proximidades da UNIFENAS, onde frequentemente ocorrem assaltos nos horários de entrada e saída de funcionários e estudantes. No caso da Rua Estoril, os assaltos ocorrem não só nos pontos de ônibus, mas ao longo de toda a via. Os outros assaltos relatados ocorreram próximos a essas vias e, já fora da área estudada, na passarela que transpõe o Anel Rodoviário, nas proximidades da Rua Boaventura. Quanto aos assaltos, houve grande convergência entre os relatos de entrevistados na vila e no entorno sobre os locais e horários em que ocorrem. Os furtos a residências e empresas mostraram uma concentração nas áreas dos dois conjuntos habitacionais localizados na Rua Boaventura e na Rua Beira Alta, próximo à Rua Caldas da Rainha. Os roubos de veículos ocorreram principalmente na Rua Boaventura e em ruas do bairro São Francisco próximas ao Anel Rodoviário e à Avenida Pres. Antônio Carlos. Quanto aos homicídios, na área pesquisada no entorno houve o relato de apenas um caso, ocorrido em ponto de ônibus na Av. Antônio Carlos; os outros relatos foram acerca de homicídios ocorridos fora da área estudada, nas proximidades da Rua Boaventura, em área desocupada conhecida como Brejinho, que possui uma trilha usada como atalho por pessoas da região.
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FIGURA 33 â&#x20AC;&#x201C; Crimes relatados pelos entrevistados no entorno da vila
No entorno da vila, os entrevistados demonstraram maior sentimento de segurança que os moradores da vila: 17% disseram sentir-se muito seguros, 45% disseram sentir-se seguros, 38% afirmaram sentir-se pouco seguros ou inseguros.
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Dentre as situações que levam à insegurança, destaca-se o fato do bairro ficar ermo à noite e nos finais de semana, quando as empresas estão fechadas, aspecto citado por 16% dos entrevistados; 53% dos entrevistados sentem-se inseguros por saber da ocorrência de assaltos na região, principalmente à noite. Há algumas áreas mais especificas que geram insegurança, nas quais vários entrevistados evitam passar: os lugares escuros e/ou ermos, citados por 47%, como o Brejinho, a passarela do Anel Rodoviário e alguns trechos de ruas do bairro, como a Beira Alta e a Viseu; as áreas próximas às entradas das vilas, citadas por 38%, pelas notícias da violência, pelo fato de não conhecerem o lugar nem as pessoas, pela movimentação própria do tráfico; uma área abandonada, próxima à Av. Antônio Carlos, que alguns entrevistados denominaram “maloca”, citada por 19% dos entrevistados, onde, segundo eles, existem pessoas morando em meio aos entulhos, malandros, uso e venda de drogas, além de assaltos.
5.4 Análise da integração socioespacial da Vila Santa Rosa
Os contrastes socioespaciais entre a Vila Santa Rosa e o entorno são bastante fortes, observando-se alterações significativas em relação ao tecido urbano, ao tipo, padrão e uso das edificações, à escala dos espaços públicos e à densidade da ocupação.
No entorno da vila, considerando a área interna ao perímetro conformado pela Av. Pres. Antônio Carlos, pelas ruas Estoril e Boaventura e pelo Anel Rodoviário, as vias se dispõem ortogonalmente, exceto nas áreas próximas à rodovia e na área da vila, que se estende das margens do Anel Rodoviário até a Rua Estoril, em extensão equivalente a quatro quadras do Bairro São Francisco. À exceção da Rua Caldas da Rainha, as linhas de deslocamento se interrompem ou se restringem ao chegar aos limites da vila, segmentando-se, estreitando-se ou transformando-se em becos, como pode ser visto na FIG. 34.
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FIGURA 34 – Inserção da Vila Santa Rosa – Sistema viário
No entorno, o tecido urbano é bem menos denso, composto por uma malha de ruas largas e com uma relação bem mais distante entre o público e o privado. A ocupação e o uso são bem diversificados: dispostas em lotes de formato geométrico, edificações de portes variados, porém bem maiores que às da vila e com um padrão construtivo bem superior, como casas, edifícios, lojas e galpões, abrigam usos residenciais, industriais, comerciais, serviços, além de equipamentos coletivos.
Há um grande contraste também quanto ao caráter dos espaços públicos das duas áreas. No caso da vila, de maneira geral, o espaço se assemelha a um recinto, um espaço interiorizado, menos público, mais íntimo. Nesses espaços orgânicos e de escala reduzida, densos, com maior intensidade de usos mais estáticos voltados à convivência, com a relação próxima entre o público e o privado, são diferentes os ritmos, os sons, os cheiros, os contatos entre as pessoas. Passando pelos becos estreitos, sente-se o cheiro e ouve-se os sons das casas, as músicas e as conversas; difícil passar pelas pessoas ou pelas portas e janelas das casas sem cumprimentar ou pedir licença, sem parar um pouco para uma conversa. Já no entorno, o caráter é mais
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público e impessoal: os espaços são amplos, é grande a presença de veículos, há menos usos estáticos do espaço e mais foco no movimento, e é grande a heterogeneidade dos usuários. Nessa área, que fica próxima a importantes artérias de trânsito e onde se concentram usos que atraem pessoas de várias regiões da cidade seja como trabalhadores, fornecedores ou clientes -, o anonimato é, em geral, bem maior. Diferentemente da vila, a maioria dos entrevistados do entorno afirmou não
reconhecer (12 %) ou reconhecer poucas pessoas (44%) que circulam pelas ruas do bairro.
A permeabilidade espacial entre as duas áreas é bem reduzida, tanto do ponto de vista da ocupação quanto dos acessos. Embora grande parte da vila seja bem visível a partir do entorno, isso decorre principalmente da morfologia do terreno da porção central da vila, altimetricamente elevada e com vertentes caindo em direção ao entorno.
Em relação aos acessos, a configuração socioespacial da vila - com seu traçado orgânico, a largura reduzida dos becos e ruas, a forma e a densidade da ocupação, as apropriações dos espaços públicos - resulta em um tecido bastante complexo e denso, pouco permeável e de caráter menos público, que pouco se abre à presença de estranhos, como os espaços do entorno. Além da restrição ao acesso veicular, o próprio acesso de pedestres é difícil, devido ao desconforto de alguns caminhos e, talvez principalmente, à reduzida legibilidade do espaço. No interior da vila, onde os campos de visão são muito limitados, é difícil a percepção de continuidades e a visualização de espaços e de elementos referenciais, internos à vila ou no entorno, e, consequentemente, a construção da imagem e a orientação. Utilizando o conceito proposto por Hillier e Hanson (1984), trata-se de um espaço pouco sincrônico, no sentido de que a experiência espacial se dá como uma estrutura de relações pouco simultâneas. A experiência do espaço é mais fragmentada. Se, por um lado, há uma riqueza decorrente dessa complexidade, das progressivas descobertas que se experimenta ao longo do caminho, por outro ocorre a inibição da presença de
estranhos, que não se comportam no cotidiano como exploradores do espaço. As FIG. 35 a 43, que mostram uma sequência de visadas ao longo do percurso pelo Beco Beira Alta de cima, ilustram essa experiência fragmentada do espaço, influenciada pelas quebras de traçado e da pequena amplitude dos campos visuais.
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FIGURAS 35 a 43 – Beco Beira Alta de cima – visão serial, da Rua Viana do Castelo à entrada do Campo de Areia
Também em relação à ocupação há uma grande impermeabilidade, havendo pouquíssimo diálogo entre as duas áreas. A maior parte dos limites entre a Vila e o
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entorno é constituída pelos fundos das ocupações das duas áreas ou pelos muros cegos da ocupação do entorno, com os quais as fachadas das edificações da vila se confrontam. Como pode ser observado na FIG. 44, a única área de contato mais expressiva da ocupação da vila com entorno ocorre na Rua Senhor dos Passos. No caso da área próxima ao Campo de Areia, apesar de parte da ocupação se voltar para o Anel Rodoviário, o grande desnível entre a vila e a rodovia acaba por isolar as duas áreas.
FIGURA 44 – Movimento e ocupação: limites e permeabilidades
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Há no entorno, entretanto, uma área que propicia a intermediação com a vila, que é a Rua Beira Alta, no quarteirão que limita com a escadaria do Beco Central. Nessa área, a rua, que mescla características socioespaciais da vila e do entorno, funciona como uma área de transição, através da qual vila e bairro dialogam. Essa rua, que se interrompe no limite da vila, apresenta um grande desnível em relação à ocupação lindeira a Sudoeste, que é acessada por um beco lateral. Além disso, muitas casas, apesar de ocuparem lotes regulares, são bem simples, parecidas com as da vila. O que mais chama a atenção, no entanto, é a rica apropriação do espaço público, muito mais voltada à convivência do que ao movimento, similarmente ao que ocorre na vila (FIG. 45 e 46).
FIGURAS 45 e 46 – Rua Beira Alta, no entorno imediato da vila
Quanto às relações sociais, muitos dos entrevistados do entorno (66%) conhecem pessoas da vila, principalmente por relações de trabalho e, no caso das áreas mais próximas à vila, pela própria proximidade. Dos entrevistados do entorno, 38% empregam, contratam serviços eventuais ou são colegas de trabalho dos moradores da vila. No caso do Conjunto Habitacional Estoril, houve relatos de que moradores da vila passam com frequência por lá, conversam na portaria, buscam doações, e também de que, às vezes, as crianças da vila vão brincar na quadra esportiva do conjunto.
Embora 44% dos entrevistados do entorno já tenham entrado na vila, apenas 16% afirmaram entrar com certa freqüência, neste caso em função de amigos, conhecidos e de lugares que freqüentam, como um bar e a casa de uma benzedeira. Das pessoas
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que já entraram, 14% disseram achar difícil se orientar na vila. Houve apenas um caso em que um entrevistado disse já ter “cortado caminho” pela vila, mas que foi apenas uma vez, e que não faz isso com freqüência porque não precisa.
Muitos entrevistados (38%) disseram evitar áreas próximas às entradas da vila, principalmente à noite. Dentre os motivos alegados, estão situações como a aglomeração de rapazes encapuçados na esquina da Rua Senhor dos Passos com Rua Caldas da Rainha, medo de bala perdida nessa mesma área, características espaciais da vila que dificultam a fuga em caso de assaltos, como na Rua Estoril próximo ao Beco Senhor dos Passos, e o fato de não conhecerem o lugar nem as pessoas, o que, associado às notícias que têm da violência na vila, os deixa inseguros.
Segundo Hillier e Hanson (1984), é principalmente o estudo do movimento, dentro e através de um assentamento, que permite a análise de sua organização global e, portanto, sua organização em relação ao seu meio de inserção. Para o estudo da integração socioespacial, os autores propõem a análise da axialidade dos espaços públicos, que considera a extensão máxima do sistema de espaços unificados linearmente, ou seja, de espaços axiais conectados visualmente. Esse estudo é feito a partir de mapas axiais da estrutura de espaços públicos do assentamento, que os esquematizam em um conjunto - o menor possível - de linhas retas que passam através dos espaços e fazem todos os links axiais. Nessa análise, leva-se em conta a
profundidade, que se relaciona à existência de espaços lineares intermediários que devem ser atravessados, como se fossem camadas, para se ir de um ponto a outro do espaço. Dessa forma, espaços axiais são mais profundos em relação a outros quanto maior for o número de espaços a serem atravessados para alcançá-los.
Conforme já abordado no capítulo 3, os autores argumentam que quanto maior a
profundidade, maior a tendência de segregação de categorias sociais, tais como as categorias de habitantes e estranhos, e quanto menor a profundidade, maior a tendência de integração. Para Hillier e Hanson (1984), a análise do assentamento deve sempre considerar os dois pontos de vista, o dos habitantes e o dos estranhos, e compará-los. Segundo Hillier (2000), espaços muito profundos, a despeito de locais de
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atração específicos, tendem a criar lacunas no movimento natural77 e, dessa forma, a empobrecer os padrões de co-presença ou, como ele denomina, a comunidade virtual. O autor argumenta que há uma tendência de emergência de territorialidades nos locais onde há lacunas no movimento natural, passando os usuários a controlar o espaço; nesses locais, os exploradores do espaço criam solidariedades sociais localizadas. Além disso, segundo ele há evidências de que os usos antissociais do espaço tendem a se concentrar nas linhas mais integradas disponíveis, porém não dominadas pelo movimento natural.
Propõe-se, assim, para a análise da integração, agregar o estudo da axialidade da Vila Santa Rosa em dois momentos: no primeiro, considera-se a vila juntamente com sua área de inserção, o Bairro São Francisco, visando avaliar sua integração ao contexto urbano mais amplo; em um segundo momento, o estudo foca o espaço da vila, visando avaliar a sua condição de integração/segregação interna e em relação ao entorno imediato.
Estudando as profundidades da vila e do Bairro São Francisco em relação ao espaço urbano mais amplo a partir dos dois grandes eixos viários responsáveis pelo macroacessiblidade à área - o Anel Rodoviário e a Av. Pres. Antônio Carlos -,observase, conforme já esperado, uma grande diferença de profundidades entre as duas áreas e, consequentemente, um grande diferença entre as tendências de integração/segregação dos espaços. A FIG. 47 a seguir mostra a profundidade de cada espaço do bairro e da vila em relação a esses dois grandes eixos viários, aos quais foi atribuída profundidade zero, considerando o menor número de espaços que devem ser necessariamente atravessados. Dessa forma, um espaço de profundidade 1 é contíguo a um desses dois eixos e um espaço de profundidade 12 implica no atravessamento de onze espaços, ou camadas, para se chegar a um desses dois eixos, e vice-versa.
77
Conforme já abordado no capítulo 3, o movimento natural, segundo Hillier (1996), é a proporção de movimento em cada linha, determinada mais pela estrutura da malha urbana do que pela presença de pontos de atração específicos. Segundo o autor, isso ocorre porque no espaço urbano as origens e destinos tendem a ser difusos, de todo lugar para todo lugar, embora tenda a se intensificar em direção a locais com alta densidade e interseções.
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FIGURA 47 – Mapa Axial: profundidades dos espaços públicos da vila e do Bairro São Francisco em relação aos acessos regionais - Anel Rodoviário e da Av. Pres. Antônio Carlos
Como pode ser observado, os espaços da vila em geral são muito mais profundos que os espaços do bairro. Isso decorre das descontinuidades de seu sistema de espaços públicos, exceto por algumas áreas mais periféricas e pela Rua Viana do Castelo, que avança na porção central. A profundidade dos espaços mais segregados da vila chega ao nível 12; mesmo se consideradas apenas as vias mais importantes da vila, como no caso dos anéis da porção central, as profundidades chegam ao nível 9, contrastando com os espaços do entorno que, mesmo estando mais distantes dos dois eixos viários, não ultrapassam o nível 3.
Avaliando a situação específica da vila, considerando a maior ou menor profundidade de seus espaços públicos, internamente e em relação ao entorno, foram elaborados
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dois mapas axiais que consideram como espaço circundante todas as áreas externas à vila, conforme proposto por Hillier e Hanson (1984). Esses mapas visam mostrar, a partir da estrutura axial da vila, como se dão as interfaces entre os diversos espaços públicos da vila e entre eles e o entorno, e, consequentemente, as tendências de integração e/ou segregação entre habitantes e entre habitantes e estranhos.
O primeiro mapa (FIG. 48) mostra a profundidade de cada espaço público da vila em relação ao entorno, a exemplo do mapa mostrado na FIG. 47, porém com atribuição de profundidade zero a todos os espaços externos à vila; similarmente, quanto menor ou maior a profundidade, maior a tendência de integração ou segregação de cada espaço axial da vila em relação ao espaço circundante.
FIGURA 48 – Mapa Axial: profundidades dos espaços públicos da vila em relação ao entorno
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O segundo mapa (FIG. 49), voltado para a condição interna, mostra a profundidade relativa de cada espaço axial da vila, ou seja, a profundidade do conjunto de todos os espaços públicos da vila a partir de cada espaço78. Quanto menos profundo, mais o espaço tende a integrar o sistema, tornando-o mais raso e mais acessível, e quanto mais profundo, maior a sua tendência de segregação em relação ao sistema.
FIGURA 49 – Mapa Axial: profundidades relativas dos espaços públicos da vila
À exceção da Rua Viana do Castelo e de espaços periféricos, os espaços da vila, em geral, são bastante profundos, tendendo, assim, a se segregar do entorno. Já 78
Para o cálculo da Profundidade Relativa, foram calculadas primeiramente as profundidades médias de cada espaço da vila, da seguinte forma: para cada um dos 90 espaços axiais da vila foi atribuída valor de profundidade zero(ponto de origem) e calculada a profundidade de cada um dos outros espaços axiais da vila em relação a ele (considerando o número de espaços intermediários, ou “camadas”, entre eles). A somatória dos valores dessas profundidades foi então dividida pelo número total de espaços axiais da vila menos um (o espaço de origem). A profundidade relativa (AR) foi então calculada através da fórmula: AR = 2 (PM – 1), onde PM é a profundidade média e k é o nº de espaços axiais da vila. k–2 (HILLIER;HANSON, 1984).
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internamente, as áreas menos profundas concentram-se na porção central e em parte da porção Sudeste, sobretudo nas imediações da Rua e do Beco Viana do Castelo.
As ruas Viana do Castelo e Beira Alta e a escadaria do Beco Viana do Castelo/Beco Beira Alta de cima são os únicos espaços da vila pouco profundos tanto em relação ao entorno quanto internamente. Por outro lado, há duas áreas que são profundas tanto em relação ao entorno quanto internamente e, tendem, portanto, a se segregar: são as áreas dos becos “sem saída” mais longos e sinuosos que se ramificam dos becos Domiciano e Beira Alta de cima.
Hillier e Hanson (1984) chamam de coração de integração axial o conjunto de seus espaços relativamente menos profundos de um assentamento. Na FIG. 50 filtrou-se ainda mais esses espaços, deixando destacados apenas os 10% mais integrados. Na vila, as linhas mais integradoras atravessam a porção central no sentido Norte-Sul e avançam a Sudeste, conectando-se aos espaços mais bem integrados ao entorno.
FIGURA 50 – Coração de integração axial da Vila
Considerando essa condição de segregação dos espaços da vila, parece natural que
estranhos, em seus deslocamentos cotidianos, evitem passar pela vila, a despeito de
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preconceitos quanto ao assentamento ou aos seus moradores e do desconforto de alguns caminhos. Para as pessoas do entorno, o ambiente da vila é pouco permeável e desconhecido, tanto em relação ao espaço quanto em relação às pessoas.
Para essas pessoas que não conhecem a vila, os sentimentos e percepções são difusos: diferentemente dos habitantes da vila - que conhecem bem o espaço da vila, a dinâmica do tráfico e da violência, que conhecem as pessoas e são conhecidas, o que lhes permite evitar locais específicos e em horários também específicos, antever situações conflituosas e/ou violentas, além do estabelecimento de certas regras de convivência -, muitas pessoas do entorno, tendo notícias do tráfico de drogas e da violência na vila, generalizam seu sentimento de insegurança e de desconfiança em relação à vila como um todo, ainda que já tenham entrado lá e que conheçam alguns de seus moradores.
Assim, à pouca permeabilidade do espaço da vila e à desorientação e insegurança causadas pela complexidade de seus caminhos e pela limitação da visão e de movimento, soma-se a falta de conhecimento para melhor avaliar e localizar os problemas e conflitos do local, além do sentimento natural de desconfiança em relação ao desconhecido. O relato a seguir, de uma moradora de outra vila, o Morro do Papagaio, ilustra bem esses aspectos relativos à convivência com a criminalidade e violência em lugares segregados:
Nunca tive dúvidas do amor por aquele lugar, mas agora não queria mais estar ali. O morro estava em guerra. E era um inferno quando isso acontecia. Todo mundo ficava recolhido, os bares fechavam as portas mais cedo, não se viam pessoas conversando ou namorando na rua. Mas não era bem isso que me amedrontava e angustiava. Afinal, passei por essa situação de insegurança muitas vezes na vida. Sabia por qual beco deveria subir e em quais ruas não deveria passar. Também estava acostumada a ficar atenta aos movimentos e aos sons do lugar. Para quem não conhece, o aglomerado pode ser um labirinto. Não para mim, acostumada a andar por todos os lados. Sabia dos caminhos e atalhos como ninguém. Conhecia o pessoal do movimento. Melhor, eles sabiam quem eu era e conheciam o projeto do qual participava. Para eles, era cada um na sua. Era melhor assim. [...]. (CRUZ, 2009, p. 62, 63).
Relação muito diferente têm os habitantes da Vila Santa Rosa em relação ao entorno. Assim como os espaços da vila, os espaços do entorno fazem parte de seu cotidiano e possuem identidade: eles conhecem os caminhos, conhecem os lugares e os freqüentam, têm suas preferências e rejeições. Quanto à insegurança nos espaços
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públicos, seu sentimento de temor é localizado; os locais descritos pelos moradores da vila como perigosos, em função de assaltos freqüentes, por exemplo, coincidem com os relatados pelas pessoas do entorno.
Dessa forma, a situação de integração dos espaços é bastante diferente para os
habitantes da vila e para os estranhos. Para os habitantes, os espaços mais integrados da vila formam um contínuo com os espaços mais integrados ao entorno, área permeável que faz parte de seu cotidiano. Para os estranhos, a permeabilidade estende-se até as áreas mais periféricas da vila, limite a partir do qual se tem um território desconhecido.
Embora haja possibilidade de integração entre os habitantes da vila e os estranhos fora dos limites da vila, através de relações de trabalho e de amizade, de compartilhamento de caminhos e de serviços públicos, de freqüência a mesmos locais de consumo, igrejas e uma série de outros espaços no entorno, o mesmo não acontece dentro da vila. Ao ser muito pouco permeável à presença de estranhos, a configuração espacial da vila limita os padrões de co-presença em seu interior, empobrecendo as possibilidades de convivência e de trocas culturais entre pessoas de grupos diferentes, reforçando a segregação do grupo social que já ocorre nesse espaço em função de processos mais complexos de segregação de classes sociais no ambiente urbano. Em uma situação de ocorrência de criminalidade e violência na vila, principalmente associados ao tráfico de drogas, a generalização desses problemas em relação a toda a vila por estranhos contribui para o aumento dos preconceitos quanto ao assentamento de maneira geral.
Além das consequências da segregação para o grupo local, com todas as suas consequências, conforme já discutido no capítulo 2, a ausência de estranhos no interior da vila empobrece consideravelmente as possibilidades de vigilância natural do espaço, que acaba por ficar a cargo apenas dos habitantes.
5.5 Análise da configuração socioespacial dos locais de concentração de criminalidade na Vila Santa Rosa
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Das discussões teóricas acerca das relações entre espaço e criminalidade apresentadas neste trabalho, a vigilância natural é o ponto comum entre todas as abordagens, embora com enfoques diferentes, às vezes contraditórios. Aspectos como as apropriações e o movimento nos espaços públicos, as relações entre espaços públicos e privados, a percepção da segurança, o adensamento, a integração dos espaços, a amplitude de campos visuais, são importantes na medida em que incrementam as possibilidades de vigilância pelos usuários do espaço. Além da vigilância, parecem importantes em algumas discussões as territorialidades, seja para aumentar a identidade e, consequentemente, o sentimento de responsabilidade pelo espaço, seja para dissuadir criminosos, ao sinalizar que há quem zele por aquela área; no caso de Hillier (2000), são discutidos alguns aspectos negativos de territorialidades, quando são expulsos outros usuários, homogeneizando e empobrecendo os padrões de copresença, e deixando com que usos antissociais ganhem força.
Propõe-se, assim, a análise das características socioespaciais das áreas onde ocorrem os crimes, buscando contribuir para a reflexão acerca de possíveis relações entre espaço e criminalidade, particularmente sob a ótica da vigilância natural e das territorialidades.
O primeiro aspecto a ser considerado, conforme já discutido no item anterior, é que, por sua condição de segregação em relação ao entorno, a vigilância natural dos espaços da vila, de maneira geral, praticamente exclui a participação de estranhos, sendo feita basicamente pelos moradores.
Dos principais crimes relatados pelos moradores da vila e que puderam ser mapeados em função da identificação dos locais de ocorrência, os homicídios e o tráfico de
drogas apresentam localização bem definida, havendo uma forte correlação espacial dos homicídios com uma das áreas do tráfico, ao passo que os furtos a residências no interior da vila foram espacialmente mais dispersos, com localizações divergentes em relação ao tráfico e aos homicídios.79
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Os outros tipos de crimes, como furtos de objetos e equipamentos em espaços públicos e assalto a estranhos nos becos da vila, este menos freqüente, não foram localizados pelos entrevistados, o que impede a análise do ponto de vista das suas relações com o espaço.
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Em relação aos furtos a residências, além de terem sido poucos os casos relatados, não se encontrou atributos socioespaciais similares entre as áreas. Em relação à integração relativa interna, esses furtos ocorreram tanto nas áreas mais integradas e movimentadas, como no Beco Viana do Castelo, quanto nas mais segregadas e/ou pouco movimentadas, como no final do Beco Seis e no ramo da Rua Beira Alta. Em relação à ocupação, também as situações são variadas, havendo casos de edificações que se abrem diretamente para os becos e também de edificações afastadas, com espaços frontais cercados por muros. Vale ressaltar, no entanto, que esses furtos ocorreram na ausência de outras pessoas, ou seja, foram delitos ditos “de oportunidade”, que poderiam ter sido, talvez, inibidos com a presença de vigilantes
naturais. O tráfico de drogas, conforme já abordado, concentra-se em quatro áreas da vila, duas na porção Sudeste – nas extremidades do Beco Beira Alta de cima -, uma na porção central e outra na porção Noroeste, ambas na Rua Senhor dos Passos. As atividades do tráfico, no entanto, são mais intensas e ostensivas na porção Sudeste, principalmente na área do Campo de Areia e no final do Beco Beira Alta de Cima e, com menor intensidade, também na outra extremidade do beco, no encontro com a Rua e o Beco Viana do Castelo. Segundo os relatos dos entrevistados, essas áreas funcionam como pontos de venda de drogas e de vigilância. Nessa área, que alguns moradores chamam de “o corredor do tráfico”, ocorreu a maior parte dos homicídios relatados, e também um caso de ameaça de morte. Na Rua Senhor dos Passos, os dois pontos, próximo à Praça da Alegria e ao Beco Oito, funcionam, segundo os relatos, como locais de venda e de vigilância; as atividades, no entanto, são menos intensas e, no caso das proximidades da Praça da Alegria, muito discretas. Além disso, essas áreas não são consideradas como violentas pelos moradores, tendo havido apenas um caso de homicídio na Rua Senhor dos Passos, o qual não foi esclarecido pelos entrevistados sobre associação com o tráfico ou não. No caso da área próxima à Praça da Alegria, nem houve comentários sobre aglomeração de rapazes ou uso de armas, como acontece nos outros locais onde o tráfico se concentra. Em nenhuma dessas áreas foram relatados casos de furtos ou outros tipos de crimes.
Bastante similares quanto à condição de integração com o entorno, essas áreas localizam-se próximas a entradas da vila e estão entre as mais integradas ao entorno,
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considerando as profundidades axiais, como pode ser visto na FIG. 53. No entanto, são espaços não dominados pelo movimento natural da região em função de restrições espaciais, sobretudo ao acesso de veículos, recebendo apenas trânsito estritamente local, seja de veículos ou de pedestres: na área do campo de areia, o acesso se dá por um caminho largo e sem pavimento, que acaba próximo à área do campo (FIG. 51); na área da Rua Viana do Castelo, após um forte aclive, a via faz uma curva acentuada e se estreita nos limites da vila, se interrompendo a cerca de cem metros adiante; no caso das duas áreas na Rua Senhor dos Passos, as ruas da vila são bem mais estreitas que as do entorno80, com quebras no traçado que, associadas à delimitação da via pela ocupação, dificultam a circulação de veículos e a visualização de continuidades (FIG. 52).
FIGURA 51 – Acesso veicular ao Campo de Areia
FIGURA 52 - Quebras de traçado na Rua Senhor dos Passos
Em relação à integração relativa interna, considerando também os estudos feitos a partir dos mapas axiais, as áreas apresentam condições de integração diferentes, como pode ser visto na FIG. 54, sendo muito integradas apenas a área do Beco Beira Alta de cima junto ao Beco Viana do Castelo e a área próxima à Praça da Alegria. As outras duas áreas são medianamente integradas.
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As ruas do entorno têm largura média de 10m, ao passo que as Ruas Senhor dos Passos e Aníbal Cordeiro de Melo possuem largura em torno de 4m.
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Maior integração interna Espaços axiais mais integrados ao entorno Tráfico de drogas Homicídios Lesão Corporal Furtos a residências
FIGURA 53 – Crimes e integração ao entorno.
Maior segregação interna Tráfico de drogas Homicídios Lesão Corporal Furtos a residências
FIGURA 54 – Crimes e integração relativa interna
O Beco Beira Alta de cima é o único acesso à porção Sudeste, o que propicia uma grande movimentação de pessoas; na sua extremidade junto à Rua Viana do Castelo, contribui para a movimentação também o fato de ser um ponto de convergência de caminhos. Os usos, que são predominantemente residenciais, se diversificam nas extremidades do beco, com presença de bares, salão de beleza e algumas lojas. Quanto à ocupação, as casas, de até três pavimentos, se dispõem ao longo do beco, delimitando-o e para ele abrindo suas portas e janelas, e também algumas varandas, à exceção da área próxima ao Beco Viana do Castelo, onde observa-se uma predominância de muros e fachadas cegas. Foi observado, no entanto, que a maioria das portas e janelas ficam fechadas grande parte do dia, inclusive em locais de uso não residencial. Nessa área, a apropriação do espaço se dá principalmente pelo movimento, inclusive pela reduzida largura do beco, que inibe usos mais estáticos e apropriações privadas; essas só foram observadas em um trecho onde o beco se alarga, onde foram colocadas várias plantas em frente a uma casa (FIG. 37). No caso do Campo de Areia, a situação já é bem diferente. Trata-se de um espaço mais disperso, com ocupação rarefeita; nessa área, às margens do Anel, porém em
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cota bem superior, encontram-se apenas três bares, cerca de seis domicílios distribuídos em duas edificações de dois pavimentos, além do próprio campo e de um vestiário; as portas e janelas, no entanto, apesar de serem voltadas para o espaço público, permanecem fechadas grande parte do dia, como ocorre no beco (FIG. 55). Além dessas edificações, há apenas um galpão, um pouco mais afastado, mas que se volta para a área, e um grande muro que cerca a ocupação vizinha à vila. Em relação ao movimento, essa área é usada como caminho para o Anel Rodoviário e para o Bairro Universitário, porém principalmente pelos moradores da porção Sudeste. É um espaço bem mais amplo e diferente das outras áreas da vila, sem aquela atmosfera de intimidade propiciada pela reduzida escala dos espaços públicos e pela delimitação pelas edificações. Nessa área, além da baixa densidade da ocupação da vila, também o entorno está distante; embora sempre visível, está, na maioria das vezes, fora do alcance, como a Vila Inestã, situada do outro lado da rodovia (FIG. 56). A área, em geral, carece de pessoas, devido à baixa densidade da ocupação, à barreira conformada pela rodovia e pelo desnível em relação a ela, à pouca atratividade da área como caminho e mesmo para usos mais estáticos, visto que carece de elementos espaciais que favoreçam a permanência e a diversificação de pessoas, como vegetação, mobiliário urbano e pavimento81 , ficando seu uso muito restrito aos usuários do campo e aos freqüentadores dos bares.
FIGURA 55 – Ocupação da área do Campo de Areia
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FIGURA 56 – Vista do Anel Rodoviário e da Vila Inestã (Humaitá) a partir da área do Campo de Areia
Essa deficiência de infraestrutura foi comentada por moradores da área durante as entrevistas.
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Nessas duas áreas da porção Sudeste, os campos visuais são muito bons em direção ao exterior a partir do Campo de Areia e da extremidade do beco junto à Rua Viana do Castelo, porém muito limitados em relação ao interior da porção. Para o exterior, além da paisagem se abrir, esses locais têm a vantagem de estarem em cota superior à do entorno; isso ocorre tanto em relação ao Anel Rodoviário quanto em relação à Rua Viana do Castelo. Já em direção ao interior, a reduzida largura do beco, associada às suas quebras de traçado e às saliências e reentrâncias das edificações, torna os campos visuais muito curtos (FIG. 35 a 43); mesmo entre a área do campo e o beco, apesar de extremamente próximos, há pouquíssima conectividade visual (FIG. 43, 55 e 57); já na área próxima ao Beco Viana do Castelo, o traçado do beco em escadaria e a disposição das edificações provocam rupturas visuais, tornando a paisagem truncada e dificultando a leitura do espaço (FIG. 58 e 59). Existem postes de iluminação pública tanto no beco quanto na área do campo e na Rua Viana do Castelo, porém a iluminação é ineficiente no beco, em função de sua reduzida largura e das interferências causadas pelas edificações.
FIGURA 57 – Vista do Beco Beira Alta de cima a partir da área do Campo de Areia
FIGURAS 58 e 59 – Escadaria na interseção dos becos Beira Alta de cima e Viana do Castelo
Na área próxima à Praça da Alegria, observa-se grande movimento e apropriação do espaço: a praça é muito freqüentada pelos moradores, como local de convivência e como caminho. A praça é um local de confluência de dois importantes caminhos internos e de duas vias de conexão da vila com o entorno, o que lhe propicia intensa presença e movimentação de habitantes. Pela boa integração com o entorno e por ser o limite de acesso veicular da vila, apresenta presença relativamente alta de estranhos,
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sendo comum encontrar no local veículos de serviços públicos, como caminhões de lixo e taxis, e de veículos de serviços de entregas destinadas ao interior da vila. Os usos são predominantemente residenciais, com a presença de um bar e de uma igreja. As edificações, a maioria de dois pavimentos, delimitam grande parte das ruas e a praça, porém somente de um dos lados elas se abrem para esse espaço. Do outro lado encontram-se paredes cegas, correspondentes aos fundos da ocupação lindeira à Rua Aníbal Cordeiro de Melo; nessa via, um dos lados é delimitado pelo muro do conjunto habitacional vizinho (FIG. 60 e 61). Só foram observadas apropriações mais permanentes do espaço público no bar próximo à praça, que usa a área da calçada para colocação de engradados e outros elementos. Na praça foram encontradas manifestações de caráter mais coletivo, como as pinturas relacionadas ao Brasil e à Copa do Mundo de futebol nos muros, pavimento e meio-fio.
FIGURA 60 – Praça da Alegria: fachadas e apropriações
FIGURA 61 – Muros e fachadas cegas na área próxima à Praça da Alegria
Nas proximidades do Beco Oito, o espaço é mais aberto, devido ao traçado retilíneo da via e da ocupação lindeira. As edificações da vila, que se dispõem em um dos lados da rua, são pouco verticalizadas e de uso predominantemente residencial, abrindo para a rua suas portas e janelas. Do outro lado, há uma área de ocupação abaixo do nível da rua, um terreno vazio e, na esquina com Rua Caldas da Rainha, um prédio de apartamentos em construção (FIG. 62). A rua, importante caminho de conexão entre vila e entorno, apresenta movimentação de pessoas e também uma intensa apropriação para convivência (FIG. 22, 52 e 63); os becos “sem saída” que dela se ramificam são curtos e bem integrados. Nessa área, não foram observadas apropriações privadas permanentes do espaço público.
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FIGURA 62 – Ocupação na Rua Senhor dos Passos
FIGURA 63 – Apropriações na Rua Senhor dos Passos
Nas duas áreas da Rua Senhor dos Passos, os campos visuais são mais homogêneos em relação ao interior e ao exterior da vila, sendo melhores na proximidade do Beco Oito, onde se alongam, acompanhando o traçado da Rua Senhor dos Passos, e se abrem para o entorno devido à menor ocupação da área oposta à vila. Já na área próxima à praça, o espaço é um pouco mais fechado, sobretudo pelas construções que delimitam as vias sinuosas; apesar disso, é forte a percepção das continuidades. Há, no entanto, pouca intervisibilidade entre fachadas na área próxima à praça, em função da concentração de muros e fachadas cegas. Existem postes de iluminação pública ao longo de toda a Rua Senhor dos Passos.
Nas quatro áreas, os espaços públicos são, em geral, bem mantidos e limpos, exceto por algumas pichações e por resíduos de lixo deixados em alguns locais; o que às vezes dá a impressão de desorganização é a associação de alguns fatores, como o grande adensamento construtivo, a falta de acabamento externo de algumas casas, a profusão de fiação elétrica. Na área do campo, a falta de pavimentação e de elementos espaciais voltados para a permanência das pessoas, além da presença de materiais de construção espalhados em algumas áreas, dá ao local um aspecto de aridez e de precariedade. Na área próxima à Praça da Alegria, as fachadas cegas e os muros, sem acabamento e com pichações, contrastam com as fachadas bem cuidadas das casas.
Quanto aos laços sociais, a porção Sudeste foi a área onde as relações de vizinhança se mostraram mais próximas e as de parentesco mais frequentes. Já na região da Rua
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Senhor dos Passos, as relações se mostraram menos próximas ou freqüentes, porém não distantes.
Quanto ao controle espacial, as duas áreas da porção Sudeste são estratégicas, pois, além de corresponderem a duas entradas da vila, com amplo campo de visão para o entorno, sobretudo no caso do Campo de Areia, permitem o controle de todo o espaço da porção Sudeste da vila, que tem como único acesso o Beco Beira Alta de cima. Já na Rua Senhor dos Passos, o controle é mais difuso, pois, apesar dessas duas áreas corresponderem a duas entradas importantes da vila, o acesso à porção central pode ser feito por mais três locais – através da Rua Viana do Castelo e do Beco Central -, além de haver mais um caminho, uma trilha situada na área de expansão da vila, a partir da Rua Caldas da Rainha.
Excetuando a área do Campo de Areia, que é mais isolada e menos utilizada, as outras áreas, pela sua configuração socioespacial, favorecem a vigilância natural pelos moradores. Embora com variações, todas são áreas de altas densidades82, onde há significativo uso dos espaços públicos, seja para convivência ou para movimento, uma boa permeabilidade entre espaços públicos e privados, e razoáveis laços sociais entre os moradores. Todas elas, no entanto, são pobres quanto aos padrões de co-presença, com reduzida presença de estranhos, sobretudo as áreas da porção Sudeste. Na área do Campo de Areia e do final do Beco Beira Alta de cima, os padrões de co-presença são pobres mesmo se considerados apenas os habitantes; a despeito de suas condições medianas de integração relativa interna, são lugares evitados pela maior parte dos moradores das outras porções da vila, justamente pelo ambiente do tráfico e da violência, o que amplia o isolamento da área.
A interrelação de todos esses aspectos aponta para melhores condições de vigilância natural nas duas áreas da Rua Senhor dos Passos do que na área da porção Sudeste, sobretudo pelo maior equilíbrio entre atributos e entre relações internas e externas. Na Rua Senhor dos Passos, apesar de ser uma área menos densa, é maior e mais diversificada a apropriação dos espaços públicos, para usos distintos e por grupos também distintos, e também parece haver maior presença de pessoas nas casas 82
As densidades populacionais da porção Sudeste situam-se na faixa entre 618 a 934 hab./ha; já nas áreas da Rua Senhor dos Passos, predominam densidades populacionais entre 300 a 617 hab./ha.
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durante o dia, que ficam com janelas e portas abertas. Quanto ao entorno, a integração é mais ampla, não se limitando a poucos pontos de contato: além do movimento, a Rua Senhor dos Passos apresenta a área mais expressiva do assentamento em termos de integração entre ocupação da vila e do entorno. Também os campos visuais se abrem mais equilibradamente para o exterior e para o interior. Se, por um lado, os laços sociais parecem um pouco mais fracos, por outro é maior a heterogeneidade dos freqüentadores desses locais, considerando tanto as pessoas de outras áreas da vila quanto a presença de estranhos. Nas duas áreas, os padrões de criminalidade são parecidos: apenas tráfico de drogas, sem relatos de outros crimes ou mesmo de atos violentos ligados ao tráfico; a diferença entre as duas áreas é o comportamento dos traficantes, mais explícito nas proximidades do Beco Oito, onde se aglomeram, em geral portando armas.
Na porção Sudeste, as possibilidades de vigilância natural decrescem em direção ao Campo de Areia, mas são bem razoáveis na área do beco. A área junto à Rua Viana do Castelo, apesar da menor permeabilidade entre espaços públicos e privados, é uma área de confluência de caminhos, por onde passam pessoas de toda a vila; também a apropriação dos espaços é mais diversificada, mesclando movimento e usos mais estáticos. Avançando em direção ao Campo de Areia, o beco passa a ser usado quase que exclusivamente por moradores da porção, além do uso se restringir mais ao movimento. Trata-se, no entanto, de uma área onde os laços sociais são bastante fortes. O Campo de Areia, além de ser uma área bem menos ocupada, fica mais isolado, tanto em relação à vila quanto em relação ao entorno. Os padrões de criminalidade diferem quanto ao tráfico, havendo maior intensidade e ostensividade na área que liga o Beco Beira Alta de cima ao Campo de areia, porém são similares quanto aos homicídios, que se distribuem pela área, avançando inclusive para a Rua Viana do Castelo. Em toda a porção Sudeste, não houve relato de crimes contra o patrimônio.
5.6 Conclusões acerca das relações entre espaço e criminalidade na Vila Santa Rosa
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As relações entre espaço e criminalidade parecem pesar bastante em relação ao tráfico de drogas quanto à condição de integração/segregação socioespacial, que influi nos padrões de co-presença, e muito pouco em relação à vigilância natural exercida pelos
habitantes. Situações ocorridas em outro assentamento, a Vila Cabana do Pai Tomás, ilustram bem essa situação e corroboram essa conclusão. Essa vila, considerada como uma das mais violentas de Belo Horizonte, passou recentemente por grandes intervenções viárias83 que alteraram significativamente a configuração do assentamento quanto à acessibilidade e quanto à integração socioespacial interna e externa, tornando algumas áreas mais acessíveis e favoráveis à presença de pessoas de outras áreas da vila e de fora da vila, e também o policiamento. Moradores relataram que, com essas alterações, houve uma redução significativa da violência, além do deslocamento dos grupos de traficantes para locais menos acessíveis, antes razoavelmente livres do tráfico84.
As características desses locais para onde os grupos de traficantes se deslocaram coincidem com as dos locais onde foi observada a concentração das atividades do tráfico na Vila Santa Rosa: são locais próximos a outros muito integrados, porém um pouco mais profundos, justamente onde há lacunas no movimento natural e onde o acesso é mais local e restrito, ou seja, são locais situados na fronteira entre áreas bem integradas e áreas segregadas.
Quanto aos homicídios, não foi verificada na Vila Santa Rosa nenhuma relação com o tipo de espaço, mas apenas a correlação com a área onde o tráfico é mais intenso. Os homicídios ocorreram em áreas muito e pouco integradas, e também com diferentes condições quanto à vigilância natural. Assim como o tráfico, os homicídios aconteceram, em grande parte, sob o olhar dos moradores. Geralmente sabe-se o autor do crime, mas não se comenta; quando muito, comenta-se sobre a vítima. Houve homicídios em locais ermos, como a quadra poliesportiva situada à Rua Caldas da Rainha, ou de madrugada, em áreas que durante o dia são movimentadas. Mas
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Trata-se das obras de implantação das ruas da Mina, São José e Santa Catarina, todas conquistadas através do Orçamento Participativo. 84
Essas informações baseiam-se em relatos feitos por moradores durante reuniões com os Grupos de Referência, durante os meses de dezembro de 2009 a março de 2010, principalmente quando da discussão dos aspectos de acessibilidade, e voltaram a aparecer nas primeiras discussões sobre propostas, como justificativa para as várias sugestões de abertura de novas vias veiculares no assentamento.
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houve também em locais integrados e movimentados, como na Rua Viana do Castelo, próximo à Praça dos Pneus, em um sábado pela manhã, quando lá havia outros moradores e, inclusive, um funcionário da prefeitura que foi atingido acidentalmente.
Em relação a crimes contra o patrimônio, a configuração socioespacial da vila parece funcionar bem. Embora não se tenha achado similaridades mais específicas em relação aos locais dos crimes, a configuração socioespacial da vila em geral, com o caráter íntimo dos espaços e a estreita ligação entre espaços públicos e privados, aliado às fortes relações de vizinhança, parece impactar bem em relação a esse tipo de crime. Além de terem sido poucos os crimes relatados, todos ocorreram em situações “de oportunidade” em que não havia presença de moradores. Além disso, diferentemente do que ocorre no entorno, os alvos foram pequenos objetos. Em relação a esse tipo de crime, os moradores em geral se sentem seguros, fato que é atestado pelo reduzido uso de dispositivos de segurança, como grades, e também pelo costume de deixarem portas e janelas abertas.
O tráfico mais intenso e os homicídios relatados coincidem justamente com a área onde os laços sociais parecem mais fortes, sendo os homicídios, na maioria, relacionados ao tráfico ou a pessoas envolvidas com o tráfico, ainda que por outros motivos. Frente a essa situação, a presença de moradores, todos conhecidos, não parece funcionar como fator de inibição; pelo contrário, são eles que se sentem inibidos a presenciar ou a fazer qualquer tipo de comentário sobre o que ocorre na vila. Após perdidos certos limites e instalada a tolerância em relação ao tráfico e à forma violenta de resolução de conflitos entre os traficantes, sobretudo através do uso da arma de fogo, as relações mais profundas de vizinhança e a restrição a contatos com pessoas de outros grupos no local parecem tornar mais fácil o domínio e a instalação de leis de silêncio do que em áreas onde o anonimato é maior.
Há que se considerar ainda que a inibição a certos tipos de atitudes e mesmo de crimes a partir da simples presença das pessoas e da vigilância natural que elas podem exercer pressupõe um compartilhamento de valores, o que nem sempre ocorre. Até que ponto o tráfico é considerado um crime pelos moradores de um determinado assentamento? Até que ponto se reprova a resolução de conflitos através do uso da
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força? Algumas dessas situações parecem incomodar a alguns moradores apenas a partir do momento em que fogem ao controle e passam a afetar a coletividade.
No caso do tráfico de drogas, por exemplo, não ficou claro nas pesquisas o quanto os moradores se incomodam com a situação, ou mesmo se o consideram como um crime85; o que ficou claro como um fator de incômodo e insegurança é a ostensividade da atividade, a territorialização de áreas e a violência. Vários entrevistados comentaram, como um fato positivo, que ninguém interfere na vida de ninguém, que cada um cuida da sua vida. Por outro lado, outros entrevistados comentaram, demonstrando seu incômodo e receio, sobre a aglomeração dos rapazes em alguns locais, sobre o uso de armas, sobre as trocas de tiros, sobre os homicídios. Em suas falas, esses entrevistados demonstraram muitas vezes a resignação de quem fica acuado e se adapta à situação, mudando seus hábitos e evitando comentar sobre o assunto. Houve vários relatos, por exemplo, sobre as mudanças de hábito durante o período mais violento, que havia durado até cerca de um ano antes da pesquisa, quando era rotina do lugar a troca de tiros, o uso ostensivo de armas, além dos homicídios, o que os deixava com receio de sair de casa à noite, por exemplo; houve um caso de um entrevistado que chegou a tirar o filho da escola, para que ele não saísse à noite86. Houve também relatos de pessoas ameaçadas por comentarem fatos relativos a homicídios ocorridos com parentes ou pessoas próximas, e que chegaram a se mudar da vila87. Também ficou muito claro, em algumas entrevistas, o receio de se falar sobre o assunto: algumas pessoas que se dispuseram a relatar mais detalhadamente os fatos asseguraram-se várias vezes de que não seriam identificadas como fonte dessas informações.
No contexto interno da vila, muito diferente daqueles onde predominam os chamados
crimes de oportunidade e onde a presença de pessoas contribui para dissuadir
85
Apenas um entrevistado deixou isso mais claro, ao comentar que não gostava de viver na vila; contou que gostaria de se mudar para um local mais tranquilo, pois se preocupava com os dois filhos rapazes, principalmente porque um deles não trabalhava. Essa entrevista poderia ter sido mais rica, não fosse a dificuldade para realizá-la devido à falta de privacidade: a casa era muito próxima ao principal local de tráfico da vila, muito pequena e com as janelas abertas para o beco. 86
O último assassinato, que segundo eles fazia muito tempo, tinha sido no réveillon, ou seja, apenas oito meses antes da pesquisa. 87
Um morador da porção Sudeste, segundo relato de um parente, sofreu ameaças e teve que se mudar da vila após o assassinato de seu irmão porque fez comentários sobre o ocorrido. Outro morador, por ocasião do assassinato do filho, foi ameaçado.
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criminosos, o potencial de vigilância natural pelos moradores associado à conformação socioespacial parece em nada influenciar crimes como o tráfico de drogas e os homicídios. Pelo contrário, a configuração complexa, que possibilita um grande diferencial para quem conhece bem a área, associada à condição de segregação da vila parece favorecer a emergência de territorialidades, que são exploradas pelos grupos criminosos.
Nessa situação, as zonas de fronteira entre vila e entorno parecem ser muito vantajosas para as atividades do tráfico, pois possibilitam a conjugação das vantagens da segregação, que favorecem as territorialidades, às vantagens da integração e da boa localização e acessiblidade, que favorece as transações externas associadas ao tráfico.
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6 CONCLUSÃO
A pesquisa sobre as relações entre espaço e criminalidade nas favelas aponta para uma situação na qual a configuração socioespacial parece funcionar de maneira ambígua em relação aos diversos tipos de crime, inibindo alguns tipos e favorecendo outros, com forte influência da condição de segregação socioespacial desses assentamentos.
De acordo com as pesquisas realizadas na Vila Santa Rosa, foi verificada um quadro de criminalidade onde prevalecem as atividades ligadas ao tráfico de drogas e a violência associada a essa atividade, incluindo casos de homicídios, agressões e ameaças. Os crimes contra o patrimônio são mais raros, tendo sido relatados apenas alguns casos de pequenos furtos de objetos em residências e, um pouco mais freqüentes, em espaços públicos, além de alguns casos de assaltos a estranhos no interior da vila e assaltos cometidos no entorno imediato do assentamento por moradores da vila.
O crime que apresentou maior correlação com atributos socioespaciais foi o tráfico de drogas, cuja localização se concentra em áreas específicas da vila, todas relativamente bem integradas ao entorno, porém não dominadas pelo movimento natural da área de inserção da vila. Os homicídios, por sua vez, não apresentaram correlação com atributos socioespaciais, mas sim com a atividade do tráfico, se concentrando nas áreas onde este é mais intenso. Já os furtos ocorridos no interior da vila caracterizamse como “crimes de oportunidade”, ocorridos quando da ausência de outras pessoas nos locais, não tendo sido observadas correlações com o tipo de espaço.
Pensando nas condições de vigilância natural oferecidas pela configuração socioespacial da vila pesquisada, típica de áreas de favelas, e comparando com outras áreas da cidade, inclusive com a área pesquisada no entorno, tem-se em geral uma situação bastante favorável se consideradas as estreitas relações entre espaços públicos e privados, a intensa apropriação dos espaços públicos, seja pelo movimento, seja pela ocupação, além da proximidade das relações de vizinhança. Essas possibilidades de vigilância, no entanto, parecem ficar altamente comprometidas em função de alguns fatores, como a ausência de estranhos, que poderiam lidar com certas situações com um maior distanciamento, e o não compartilhamento de valores
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em algumas situações, como em relação ao tráfico de drogas e ao furto de bens públicos, por exemplo, que parecem ser muitas vezes tolerados. Além disso, parece pesar também a ausência de uma vigilância formal rotineira, exercida pela polícia, que deveria ser complementar a qualquer tipo de controle social exercido pelos próprios habitantes.
O primeiro fator refere-se à ausência de estranhos no interior da vila devido à sua condição de segregação. As características socioespaciais das favelas, com sua complexidade, difícil legibilidade e mesmo seu caráter de intimidade, as tornam pouco permeáveis e, assim, desfavoráveis à presença de pessoas de fora da vila, inclusive de prestadores de serviços públicos. A noção de integração dos espaços parece ser bem diferente se considerados os pontos de vista dos habitantes da favela e das pessoas de fora. Para os habitantes da favela, os diversos espaços internos e do entorno são conhecidos, possuem características específicas, e são acessíveis, formando um contínuo; tanto a vila como o entorno fazem parte de seu cotidiano. Para as pessoas de fora, diferentemente, a favela é um território desconhecido e pouco acessível. O espaço de seu cotidiano termina nos limites da vila; a partir daí, tem-se não áreas específicas, cada qual com sua identidade, mas um espaço único, generalizável: a favela. A pouca atratividade dos espaços da favela para o movimento restringe as possibilidades que os estranhos teriam de conhecê-la, de descobri-la, de percebê-la não como uma coisa única, mas como um espaço social que também comporta diversidade, inclusive em relação à criminalidade e à violência.
Em relação à vigilância exercida pelos próprios habitantes, há que se considerar ainda que, diferentemente de grande parte das situações abordadas na literatura sobre espaço e segurança, nas favelas a ameaça não vem de fora. Em geral, os agentes do crime são pessoas da própria comunidade. Em um ambiente de estreitos laços de vizinhança, onde todos em geral se conhecem, onde muitos passam por dificuldades financeiras, onde são diversas as estratégias de sobrevivência, parece natural que haja maior flexibilidade em relação a formas de “ganhar a vida”. Conforme já abordado, não ficou claro nas pesquisas até que ponto os moradores entrevistados consideram o tráfico de drogas um crime. O problema maior parece ocorrer a partir do momento em que a atividade assume outra dimensão e começa a implicar em condutas pouco civilizadas e violentas, ameaçando então a coletividade. A essa altura, no entanto, a
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situação já saiu do controle. Além disso, os criminosos são os próprios vizinhos, os parentes, os filhos dos amigos, os amigos de infância. Nesse contexto, a saída mais comum e viável parece ser o estabelecimento de regras de convivência, baseadas em um certo respeito mútuo que permite que cada um siga sua vida sem interferir na vida do outro, independentemente das opções e dos caminhos tomados por cada um.
Esse contexto, de estreitas ligações entre vizinhos, porém sem que haja um compartilhamento de valores em relação a aspectos como as estratégias de sobrevivência e as formas de resolução de conflitos, parece tornar muito relativa a possibilidade de vigilância natural, apesar de estarem presentes os atributos espaciais e de apropriação dos espaços necessários. Isso talvez explique a baixa ocorrência de crimes cometidos contra os habitantes da vila pesquisada, que se sentem em geral seguros em relação ao seu patrimônio e mesmo quanto à sua integridade, desde que não se envolvam em atividades ou conflitos ligados ao tráfico de drogas.
Por outro lado, em relação ao tráfico de drogas, parece não haver qualquer tipo de freio contra a atividade ou quanto à forma de resolução de seus conflitos, que muitas vezes terminam em homicídios, agressões físicas ou ameaças, ocorridos sob o olhar dos moradores, que se silenciam para evitar problemas.
No contexto das favelas, em que a sua condição de segregação socioespacial abre espaço para a delinqüência dos moradores, particularmente os jovens, e seu ingresso em uma vida de criminalidade e violência, também os aspectos peculiares do espaço parecem contribuir para o tipo de criminalidade como o tráfico de drogas, que parece ser o principal responsável pela violência nesses assentamentos. Pouco legível, pouco permeável e desfavorável à movimentação natural e à presença de estranhos, inclusive os representantes do poder público, a configuração espacial das favelas parece propiciar a emergência de territorialidades e a reversão de atributos propícios ao controle social a favor de grupos criminosos, como os ligados ao tráfico de drogas.
As atividades do tráfico parecem se beneficiar principalmente das áreas de fronteira, espaços bem integrados, porém com lacunas do movimento natural, que propiciam simultaneamente uma certa discrição - fundamental para a atividade, visto que ilegal -, associada às vantagens da boa localização e relativa integração em relação ao entorno
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e do espaço segregado da favela. Essas áreas de fronteira proporcionam fácil acesso para fornecedores de armas e drogas e para consumidores de drogas, além das possibilidades de antever ameaças, como a chegada da polícia ou de grupos rivais. Já o espaço segregado da favela, complexo, pouco legível e pouco permeável, favorece o estabelecimento de territorialidades, facilitando a fuga, quando da chegada da polícia, e o esconderijo de armas e drogas. Esses espaços de fronteira propiciam, dessa forma, a abertura para a cidade, de onde vêm fornecedores e consumidores, e o recolhimento e esconderijo, quando da repressão.
Nesse contexto, parecem se anular quaisquer possibilidades de vigilância natural exercidas exclusivamente pelos habitantes. Pelo contrário, os atributos socioespaciais favoráveis a essa vigilância parecem se reverter a favor dos criminosos, tornando mais fácil a submissão dos moradores e o estabelecimento de regras de convivência baseadas na não intromissão e no silêncio.
Diante da gravidade da situação de criminalidade e violência como a associada ao tráfico de drogas, haveria que se ter ao menos certo distanciamento e anonimato para que os crimes fossem denunciados, o que não é possível quando a vigilância fica apenas a cargo dos próprios habitantes.
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REFERÊNCIAS
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APÊNDICE – FORMULÁRIOS DE PESQUISA
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Vila Santa Rosa
Data: ___/___/2009
Questionário: ______
I. Perfil do entrevistado a. Idade:
20 a 40 anos 40 a 60 anos Mais de 60 anos
b. Sexo:
F
M
II. Relações com a vizinhança e hábitos cotidianos 1) Há quanto tempo você mora/trabalha na vila? 2) Quais os principais lugares da vila (e do entorno) você freqüenta no dia-a-dia: comércio, igreja, escola, local de trabalho, casas de amigos e vizinhos, principais caminhos, áreas de convívio, pontos de ônibus, etc.?
[Localizar e marcar no mapa 1, com caneta verde, juntamente com o entrevistado, esses locais; marcar referências espaciais importantes porventura mencionada. Separar hábitos relacionados ao dia/noite e aos dias úteis/fim de semana.] 3) Com que freqüência você ou seus familiares falam pessoalmente com vizinhos? Sempre De vez em quando Raramente Nunca Obs.: Normalmente, como e onde se dão esses contatos?
4) Com que freqüência você ou seus familiares fazem/recebem visitas de vizinhos? Sempre De vez em quando Raramente Nunca Obs.: Normalmente, como e onde se dão esses contatos?
5) Observando as pessoas que circulam pela vila, você pode dizer que reconhece: A maioria Uma grande parte Poucas Nenhuma
6) Com que freqüência você/seus familiares e seus vizinhos pedem ou fazem favores ou gentilezas entre si, como vigiar a casa, receber uma encomenda, olhar os filhos, emprestar objetos ou mantimentos, etc? Sempre De vez em quando Raramente Nunca
7) Você ou seus familiares e seus vizinhos costumam se encontrar para discutir questões importantes relativas à comunidade? Sim Não Exemplos:
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8) Você tem parentes na vila? Muitos Alguns Poucos Nenhum
9) E nas proximidades da vila? Muitos Alguns Poucos Nenhum
10) Você/seus familiares têm vizinhos na vila de quem gosta mais, que são mais próximos? Muitos Alguns Poucos Nenhum
11) E nas proximidades da vila? Muitos Alguns Poucos Nenhum
III. Percepção
(Mapa 1 – hábitos e percepção)
1) Dos locais que foram marcados neste mapa, eu gostaria que você me mostrasse os locais que mais gosta e em que se sente bem, e me dissesse o porquê. Há horários e dias específicos em que você gosta mais? Por quê? [Marcar no mapa 1, em azul, os locais indicados, com a explicação dos motivos]
2) Dos locais que foram marcados neste mapa, eu gostaria que você me mostrasse os locais que você não gosta e/ou que não se sente bem, e me dissesse o porquê. Há horários e dias específicos em que você não gosta ou não se sente bem? Por quê? [Marcar no mapa 1, em vermelho, os locais indicados, com a explicação dos motivos]
3) Há algum local da vila ou das proximidades que você evita passar ou freqüentar? Há horários e dias específicos em que você evita? Por quê? [Marcar no mapa 1, em vermelho, os locais indicados, com a explicação dos motivos] [após a pessoa responder espontaneamente, perguntar sobre locais mais significativos ou caminhos importantes que a pessoa não citou]
4) Em relação à segurança, de maneira geral, como você se sente na vila? Muito seguro Seguro Pouco seguro Inseguro Por quê?
5) E nas proximidades da vila? Muito seguro Seguro
Pouco seguro
Inseguro
Por quê?
6) Há locais, horários ou situações específicas em que você sente medo ou insegurança na vila ou nas proximidades da vila? [Marcar no mapa 1 em marrom e explicar o porquê.]
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IV. Vitimização
(Mapa 2 - Vitimização)
1) Você já foi vítima de violência ou de algum tipo de crime na vila ou nas proximidades da vila, como: Assalto: Sim Não Foi consumado? Sim Não Roubo: Sim Não Foi consumado? Sim Não Invasão de casa: Sim Não Foi consumado? Sim Não Agressão física: Sim Não Foi consumado? Sim Não Ameaça: Sim Não Foi consumado? Sim Não Outros: Você poderia me dizer o que e como ocorreu [local, dia, horário, quem foi o agressor, se você estava sozinho(a) ou acompanhado(a), se havia pessoas na rua, se alguém tentou socorrer]. [marcar no mapa 2, em vermelho, os eventos, indicando dia, horário e outras circunstâncias relatadas]
2) Você conhece ou sabe de pessoas que foram vítimas de violência ou de algum tipo de crime na vila ou nas proximidades da vila, como: Assalto: Sim Não Foi consumado? Sim Não Roubo: Sim Não Foi consumado? Sim Não Invasão de casa: Sim Não Foi consumado? Sim Não Agressão física: Sim Não Foi consumado? Sim Não Ameaça: Sim Não Foi consumado? Sim Não Outros: Você poderia me dizer o que e como ocorreu [local, dia, horário, quem foi o agressor, se você estava sozinho(a) ou acompanhado(a), se havia pessoas na rua, se alguém tentou socorrer]. [marcar no mapa 2, em azul, os eventos, indicando dia, horário e outras circunstâncias relatadas]
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3) Você costuma ver ou ouvir falar de pessoas brigando na rua?
4) Você costuma ver ou ouvir falar de pessoas pixando muros, depredando espaços ou equipamentos, quebrando janelas ou cometendo outros atos de vandalismo?
5) Você costuma ver pessoas bêbadas ou drogadas nas ruas ou em outros locais públicos?
6) Você costuma ver ou ouvir falar de roubo de casas?
7) Você costuma ver ou ouvir falar de invasões de casas?
8) Você costuma ver ou ouvir falar de ameaças ou de tentativas de assassinatos?
9) Você costuma ver ou ouvir falar de assassinatos?
Isso o/a incomoda?
2) Você costuma ouvir barulhos de tiros?
NS / NR
Não
1) Seus vizinhos costumam ouvir música alta, discutem alto ou dão festas até tarde da noite?
De vez em quando
Considerando do meio do ano passado para cá:
Frequentemente
V. Incivilidades
10) Você mudou algum hábito ou tomou alguma providência em relação à sua segurança e/ou de sua família nos últimos tempos?
11) Você e/ou seus familiares gostam de morar aqui? Por quê?
12) Você e/ou seus familiares pensam em se mudar daqui? Por quê?
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140
141
Entorno Santa Rosa
Data: ___/___/2009
Questionário: ___/___
I. Perfil do entrevistado a. Idade:
20 a 40 anos 40 a 60 anos Mais de 60 anos
b. Sexo:
F
M
II. Relações com a vizinhança 1) Há quanto tempo você mora/trabalha aqui? 2) Com que freqüência você fala pessoalmente com vizinhos? Sempre De vez em quando Raramente
Nunca
Normalmente, como e onde se dão esses contatos?
3) Observando as pessoas que circulam pela rua, você pode dizer que reconhece: A maioria Uma grande parte Poucas Nenhuma
4) Você ou seus familiares e seus vizinhos costumam se encontrar para discutir questões importantes relativas à comunidade? Sim Não Exemplos:
5) Você conhece/sabe o nome das vilas próximas? Sim Não
7) Você conhece pessoas da vila? Muitos Alguns Poucos Nenhum
6) Você já entrou na Vila Santa Rosa? Sim Não
8) Você emprega pessoas da vila? Sim Não
142
III. Percepção 2) Quais os principais lugares do bairro você freqüenta no dia-a-dia: comércio, igreja, escola, local de trabalho, casas de amigos e vizinhos, principais caminhos, áreas de convívio, pontos de ônibus, etc.?
[Localizar e marcar no mapa, com caneta verde, juntamente com o entrevistado, esses locais; marcar referências espaciais importantes porventura mencionada. Separar hábitos relacionados ao dia/noite e aos dias úteis/fim de semana.] 1) Dos locais que foram marcados neste mapa, eu gostaria que você me mostrasse os locais que mais gosta e em que se sente bem, e me dissesse o porquê. Há horários e dias específicos em que você gosta mais? Por quê? [Marcar no mapa, em azul, os locais indicados, com a explicação dos motivos]
2) Dos locais que foram marcados neste mapa, eu gostaria que você me mostrasse os locais que você não gosta e/ou que não se sente bem, e me dissesse o porquê. Há horários e dias específicos em que você não gosta ou não se sente bem? Por quê? [Marcar no mapa, em vermelho, os locais indicados, com a explicação dos motivos]
3) Há algum local das proximidades em que você sente medo ou evita passar/freqüentar? Há horários e dias específicos em que você evita? Por quê? [Marcar no mapa, em marrom, os locais indicados, com a explicação dos motivos] [após a pessoa responder espontaneamente, perguntar sobre locais mais significativos ou caminhos importantes que a pessoa não citou]
4) Em relação à segurança, de maneira geral, como você se sente aqui? Muito seguro Seguro Pouco seguro Inseguro Por quê?
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IV. Vitimização
(Mapa 2 - Vitimização)
1) Você já foi vítima de violência ou de algum tipo de crime na vila ou nas proximidades da vila, como: Assalto: Sim Não Foi consumado? Sim Não Roubo: Sim Não Foi consumado? Sim Não Invasão de casa: Sim Não Foi consumado? Sim Não Agressão física: Sim Não Foi consumado? Sim Não Ameaça: Sim Não Foi consumado? Sim Não Outros: Você poderia me dizer o que e como ocorreu: local, dia, horário, quem foi o agressor, se você estava sozinho(a) ou acompanhado(a), se havia pessoas na rua, se alguém tentou socorrer. [marcar no mapa 2, em vermelho, os eventos, indicando dia, horário e outras circunstâncias relatadas]
2) Você conhece ou sabe de pessoas que foram vítimas de violência ou de algum tipo de crime na vila ou nas proximidades da vila, como: Assalto: Sim Não Foi consumado? Sim Não Roubo: Sim Não Foi consumado? Sim Não Invasão de casa: Sim Não Foi consumado? Sim Não Agressão física: Sim Não Foi consumado? Sim Não Ameaça: Sim Não Foi consumado? Sim Não Outros: Você poderia me dizer o que e como ocorreu: local, dia, horário, quem foi o agressor, se você estava sozinho(a) ou acompanhado(a), se havia pessoas na rua, se alguém tentou socorrer. [marcar no mapa 2, em azul, os eventos, indicando dia, horário e outras circunstâncias relatadas]
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3) Você costuma ver ou ouvir falar de pessoas brigando na rua?
4) Você costuma ver ou ouvir falar de pessoas pixando muros, depredando espaços ou equipamentos, quebrando janelas ou cometendo outros atos de vandalismo?
5) Você costuma ver pessoas bêbadas ou drogadas nas ruas ou em outros locais públicos?
6) Você costuma ver ou ouvir falar de roubo de casas?
7) Você costuma ver ou ouvir falar de invasões de casas?
8) Você costuma ver ou ouvir falar de ameaças ou de tentativas de assassinatos?
9) Você costuma ver ou ouvir falar de assassinatos?
Isso o/a incomoda?
2) Você costuma ouvir barulhos de tiros?
NS / NR
Não
1) Seus vizinhos costumam ouvir música alta, discutem alto ou dão festas até tarde da noite?
De vez em quando
Considerando do meio do ano passado para cá:
Frequentemente
V. Incivilidades
10) Você mudou algum hábito ou tomou alguma providência em relação à sua segurança e/ou de sua família nos últimos tempos?
11) Você e/ou seus familiares gostam de morar aqui? Por quê?
12) Você e/ou seus familiares pensam em se mudar daqui? Por quê?
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