FORTALEZA - CE, TERÇA-FEIRA - 23 DE JULHO DE 2013
Dois jogadores poderão abandonar fortuitamente as regras do jogo e, ao comando do olhar, abraçarem-se. Isso é palavra: “amor”
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Pedra, papel e tesoura A palavra como sinal de presença no mundo. O verbo como a peleja entre a superfície e o abismo. Em crônica especial para o Vida & Arte, Urik Paiva recorre ao jogo de criança para pensar nossa figuração no tempo presente REPRODUÇÃO
Urik Paiva ESPECIAL PARA O POVO urikpaiva@gmail.com
O único mal realmente preocupante na vida é a afasia. É preciso alcançar o volume, a cor e a densidade da palaCrônica vra. Ninguém deve se eximir da posse da matéria verbal, assim arriscando-se ao claustro de um processo inoportuno: quanto mais você não fala, mais se afasta no mundo. Palavra é gesto, qual num jogo de pedra, papel e tesoura – a prática em que os oponentes se surpreendem com a mão simbolizando um desses três elementos. A pedra vence a tesoura, a tesoura vence o papel e o papel vence a pedra. Trata-se de um jogo em que um praticante não sabe o que será pronunciado pelo membro do outro. E, num átimo de segundo, está tudo dito. Nada pode ser revogado: o tempo da palavra é sempre final. Na debulha dos significados, você procura investigar o que cada palavra comenta, a seu modo. Porque no encalço de todas as palavras-gestos existem outras palavras-gestos, como em camadas de uma cebola infinita. Nessa peleja entre superfície e abismo, os fios de fala que saem de você embaraçam-se em outros e em mais e mais outros, de modo que ao fim de um dia inteiro de discussões ou de um telefonema alongado você tem, como num emaranhado de luzes, a planta baixa das coisas ditas (mas não os projetos estruturais, meramente especulativos).
Tela Number 8, de Jackson Pollock: na explosão do presente, a vida pede verbo
A PEDRA VENCE A TESOURA; A TESOURA VENCE O PAPEL; E ESSE, A PEDRA. TRATASE DE UM JOGO EM QUE NÃO SE SABE O QUE SERÁ PRONUNCIADO PELO MEMBRO DO OUTRO
Mãos ao ar, joquempô. A palavra-tesoura promove um corte, uma invasão laminar, no corpo da conversa. Às vezes tão cirúrgica que conduz à resolução de uma questão que afete a saúde das relações. De outras vezes cruelmente sanguinolenta, rasgando sem dó a pele do sossego. Tal palavra é o sim para a vida: o médico corta o cordão umbilical e o mundo está logo após. O cabelereiro lhe tosa a cabeça, muda-lhe a figura: a palavra transforma. A costureira gesticula essa palavra para que um tecido bruto passe a se chamar vestido: a palavra define. Então, há a indelicada palavra-pedra – a palavra que é capaz de estilhaçar o vidro dos olhos, acertar a cabeça das certezas, mo-
tivar o tropeço das ideias. Por outro lado, quem sabe um elemento conveniente de tensão: pedregulhos podem mover um discurso emperrado, enquanto rochas imensas podem extinguir conversações que devem ser extintas. A palavra-papel convoca outras palavras-gestos para um registro. Tudo poderá ser escrito, porque tudo poderá ser dito – até o difícil de dizer, o impossível de dizer. É desse movimento do jogo que surgem as cartas, as inscrições murais, as tatuagens, as crônicas de jornal. Como duna móvel, essa caligrafia seguidamente se reposiciona: dança papel afora, desenhase nas mãos do portador, transita-lhe o corpo, atravessa-lhe o músculo cardía-
A INDELICADA PALAVRAPEDRA É CAPAZ DE ESTILHAÇAR O VIDRO DOS OLHOS, ACERTAR A CABEÇADAS CERTEZAS, MOTIVAR O TROPEÇO DAS IDEIAS
co, atrita-se em sua região genital; e, por entre fissuras e orifícios, o papel-corpo vai sendo escrito e debatido. Dois jogadores poderão abandonar fortuitamente as regras do jogo e, ao comando do olhar, darem-se as mãos e abraçarem-se. Isso é palavra: a fugidia palavra “amor” ou a delirante palavra “delírio” ou mesmo uma equipe de palavras liderada por “qualquer” e “coisa”. Poderão estapear-se com a violência de zebus africanos: as palavras “guerra” e “medo” irão alinhar-se. Poderão ainda opor-se um ao outro, guardarem duramente as mãos no bolso; o que não será considerado um abandono da partida, é tãosomente a difícil articulação da palavra “distância”. Precipuamente, o jogo é contínuo: como flores ou armas, as palavras irão renhir-se por sua vida e reprodução, eco de garrancho ou linotipo, figuração no tempo presente. E é na explosão do presente que a vida pede verbo, como num game show televisivo em que você precisa responder bem rápido à questão. À questão fundamental e sub-reptícia a todas as outras: o que vou dizer, fazer, agora? Você percorre correndo a sala de palavras repleta de palavras-obstáculos. Escapa da palavra “tristeza”, salta sobre a palavra “dinheiro”, afasta a palavra “morte”, rompe a palavra “silêncio”. Segura nas mãos, como uma tocha, a palavra “alegria”: pronúncia e incêndio. Urik Paiva é escritor.
Moda
Morre Casablancas, o criador de top models DIVULGAÇÃO
Se hoje vivemos a era das tops e übbermodels, em que modelos ganham salários milionários e são tão importantes para a moda quanto grandes estilistas, muito se deve a John Casablancas. Foi esse filho de espanhóis, nascido em Nova York e crescido entre o México e a Suíça, que ajudou a criar o que hoje chamamos de supermodelos. O manager fundou a lendária Elite Models em 1972 e, desde então, a moda nunca mais foi a mesma. Levou a Elite para vários países e, sob seu olhar sempre atento, tops como Gisele Bündchen, Cindy Crawford, Heidi Klum, Claudia Schiffer, Alessandra Ambrósio, Linda Evangelista e Naomi Campbell ganharam o mundo. Além disso, trabalhou com atrizes como Kirsten Dunst, Cameron Diaz e Uma Thurman. No último sábado, 20, esse
universo perdeu seu idealizador. Casablancas, de 70 anos, que há tempos enfrentava um câncer, morreu pela manhã em casa, no Rio de Janeiro, rodeado por familiares. Ele já havia sido internado duas vezes no hospital Samaritano, em abril e maio, para se tratar da doença. “Amigo verdadeiro e uma inspiração. Eu te amo, John Casablancas”, declarou a top Ana Beatriz Barros em sua conta no Twitter. Pai de cinco filhos, incluindo Julian Casablancas, vocalista da banda The Strokes, era casado há 20 anos com a ex-modelo brasileira Aline Casablancas. “Se foi hoje um amigo, um amor, um pai. Sim, o mundo perde hoje um batalhador, mas o paraíso ganha mais um anjo”, publicou seu filho Fernando Augusto Casablancas em seu perfil no Facebook. (Flávia Guerra, da AE)
Casablancas: fundador da lendária Elite Models