Hermenêutica 1

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HERMENÊUTICA REGRAS DE INTERPRETACÃO DAS SAGRADAS ESCRITURAS IMPORTÂNCIA DE SEU ESTUDO 1. Uma das primeiras ciências que o pregador deve conhecer é certamente a hermenêutica. Porém, quantos pregadores há que nem de nome a conhecem! Que é, pois, a hermenêutica? "A arte de interpretar textos", responde o dicionário. Porém a hermenêutica (do grego hermenevein, interpretar), da qual nos ocuparemos, forma parte da Teologia exegética, ou seja, a que trata da reta inteligência e interpretação das Escrituras bíblicas. 2. O apóstolo Pedro admite, falando das Escrituras, que entre as do Novo Testamento "há certas cousas difíceis de entender, que os ignorantes e instáveis deturpam, como também deturpam as demais Escrituras [as do Antigo], para a própria destruição deles". E para maior desgraça e calamidade, quando estes ignorantes nos conhecimentos hermenêuticos se apresentam coma doutos, torcendo as Escrituras para provar seus erros, arrastam consigo multidões à perdição. 3. Tais ignorantes, pretensos doutos, sempre se têm constituído em falsos, desde as falsos profetas da antiguidade até as papistas da era cristã, e os russelitas de hoje. E qualquer pregador que ignora esta importante ciência se encontrará muitas vezes perplexo, e cairá facilmente no erro de Balaão e na contradição de Coré. A arma principal do soldado de Cristo é a Escritura, e se desconhece seu valor e ignora seu use legítimo, que soldado será? 4. Não há livro mais perseguido pelos inimigos, nem livro mais torturado pelos amigos, que a Bíblia, devido à ignorância da sadia regra de interpretação. Isto, irmãos, não deve ser assim. Esta dádiva do céu não nos veio para que cada qual a use a seu próprio gosto, mutilando-a, tergiversando (subterfúgios,evasivas) ou torcendo-a para nossa perdição. 5. Lembremo-nos de que as variadíssimas circunstâncias que concorreram para a produção do maravilhoso livro requerem do expositor que seu estudo seja demorado e sempre "conforme a ciência", conforme as princípios hermenêuticos. As regras de interpretação se dividem em quatro categorias: Gerais, Gramaticais, Históricas e Teológicas. Principios Gerais de Interpretação são os que tratam da matéria global da interpretação. São universais em sua natureza, não se limitando a considrações específicas, incluídas estas nas outras três seções. Princípios Gramaticais de Interpretação são os que tratam do texto propriamente dito. Estabelecem as regras básicas para o entendimento das palavras e sentenças da passagem em estudo. Princípios Históricos de Interpretação são os que tratam do substrato ou contexto em que os livros da Bíblia foram escritos. As situações políticas, econômicas e culturais são importantes na consideração do aspecto histórico do seu estudo da Palavra de Deus. Princípios Teológicos de Interpretação são os que tratam da formação da doutrina cristã. São, por necessidade, regras “amplas”, pois a doutrina tem de levar em consideração tudo que a Bíblia diz sobre dado assunto. Embora tendam a ser regras um tanto complicadas, nem por isso são menos importantes, pois desempenham papel de profunda relevância na obra de dar forma àquele corpo de crenças a que você chama suas convicções. PRINCÍPIOS GERAIS DE INTERPRETAÇÃO 1. Regra um – Trabalhe partindo da pressuposição de que a Bíblia tem autoridade. No estudo da Bíblia você começa com a questão da autoridade. Esta, e a questão da inspiração que se lhe segue naturalmente, são respondiadas quando você se submente à Palavra de Deus. Você pode estudar a


2 inspiração como um tópico separado, mas somente saberá que a Bíblia é a Palavra de Deus inspirada quando se colocar sob a autoridade dela. Ao procurar sobmeter-se ao que dizem as Escrituras, é importante entender que na Bíblia a autoridade é expressa de várias maneiras. 1. Uma pessoa age como quem tem autoridade, e a passagem explica se o ato é aprovado ou reprovado. Por exemplo, no Jardim do Éden “a serpente disse à mulher: É certo que não morrereis” (Gn 3.4). Você sabe que isso está errado porque Adão e Eva de fato morreram. O rei Davi queria construir um templo para Deus; assim Natã lhe disse: “Vai, faze tudo quanto está no teu coração; porque o Senhor é contigo” (2 Sm 7.3). Natã falou em tom de autoridade a Davi o que este devia fazer, mas lemos que esse conselho foir errado e que Deus não queria que Davi edifcasse o templo (vs. 4-17). 2. Uma pessoa age com atitude de autoridade e a passagem não mostra aprovação nem reprovação. Neste caso, a ação precisa ser julgada com base naquilo que o restante da Bíblia ensina sobre o assunto. Por exemplo, Abraão e Sara vão para o Egito por causa da fome em Canaã (Gn 12.10-20). Temeroso de que o Faraó pudesse matá-lo para apossar-se da bela Sara, Abraão disse à sua esposa: “Dize, pois, que és minha irmã, para que me considerem por amor a ti e, por tua causa, me conservem a vida”. Foi uma atitude covarde de Abraão? A passagem não o diz. Você fica entregue, para a sua conclusão, à sua compreensão daquilo que o restante da Escritura tem para dizer sobre o assunto. Voce terá de decidir em sua mente se Abraão errou ou não com essa atitude, e é precisamente este o interesse todo da interpretação da Bíblia. Depois que Ló perdeu sua esposa, quando Deus destruiu Sodoma e Gomorra, ele e suas duas filhas foram viver numa caverna situada nas montanhas acima de Zoar. Temendo que nunca se casariam e que, portanto, morreriam sem deixar filhos, as duas filhas tomaram as coisas em suas próprias mãos. Duas noites sucessivas deixaram o pai bêbado e tiveram intercurso sexual com ele, cada noite uma delas. Conceberam dele e tiveram filhos, Moabe e Bem-ami (Gn 19.30-38). O que aconteceu na caverna de Zoar foi um ato justo? A passagem não o diz. Contudo, as Escrituras têm muito que dizer sobre o tipo de conduta que tiveram as filhas de Ló e a ação pode ser julgada com base nesses numerosos ensinamentos. 3. Deus ou um dos Seus representantes declara a mente e a vontade de Deus. Muitas vezes isto vem na forma de mandamentos. Por exemplo, disse Jesus: “Novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros; assim como eu vos amei. Que também vos ameis uns aos outros. Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros” (Jo 13.14-35). Entretanto, alguns mandamentos são para as circunstâncias imediatas, e não foram dados com a intenção de serem aplicados universalmente. Deus disse a Noé: “Faze uma arca de tábuas de cipreste; nela farás compartimentos, e a calafetarás com betume por dentro e por fora” (Gn 6.14). Jesus disse a dois dos seus discípulos: “Ide à uma aldeia que aí está diante de vós e logo achareis presa uma jumenta, e com ela um jumentinho. Desprendei-o e trazei-mos” (Mt 21.2). Porque Deus disse a Noé que construísse uma arca, não significa que nós devemos achar que seja da vontade de Deus que nós construamos arcas; tampouco vamos sair por aí desamarrando jumentos para levá-los a Jesus. O contexto e a natureza da ordem indicam se ela deve ser aplicada universalmente ou não. Toda a Escritura tem autoridade, mas há partes que você não tem de seguir. Todavia, precisa ter o cuidado de não usar uma lógica fantasiosa para evitar fazer o que sabe que é a vontade de Deus para você. O homem secular está se afastando cada vez mais dos absolutos bíblicos. Isto, por sua vez, exerce pressão sobre a igreja para que faça nova abordagem dos mandamentos bíblicos quanto a coisas como o divórcio e ampla variedade de questões morais. Em maior número de vezes, esta nova abordagem não é nada mais que a grosseira imoralidade que causou a queda de Sodoma e Gomorra. Essas tendências originam-se na má vontade quanto a submeter-se à autoridade da Bíblia. Para o Cristão, a Bíblia tem e sempre terá autoridade. 2. Regra dois – A Bíblia é seu interprete; a Escritura explica melhor a Escritura. Diz-nos a Bíblia que um dos primeiros intérprete da Palavra de Deus foi o diabo. “Mas a serpente, mais sagaz que todos os animais selváticos que o Senhor Deus tinha feito, disse à mulher: ‘É assim que Deus disse: “Não comereis de toda árvore do jardim?” Respondeu-lhe a mulher: (Do fruto das árvores do jardim podemos comer, mas do fruto da árvore que está no meio do jardim disse Deus:


3 “Dele não comereis, nem tocareis nele, para que não morrais”). Então a serpente disse à mulher: “É certo que não morrereis. Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se vos abrirão os olhos e, como Deus, sereis conhecedores do bem e do mal” (Gn 3.1-5). Antes Deus dissera: “De toda árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás” (Gn 2.16-17). Satanás não negou que Deus dissera essas palavras. Em vez disso torceu-as, dando-lhes um sentido que não tinham. Esse tipo de erro dá-se por omissão e por acréscimo. Omissão – citar só a parte que lhe convém e deixar de lado o restante. Há dois tipos de morte na Bíblia, física e espiritual. Morte física é separar-se a alma do corpo. Morte espiritual é separar-se a alma de Deus. Quando Deus disse a Adão: “Certamente morrerás”, estava se referindo à morte física e à morte espiritual. Quando a serpente disse a Eva: “É certo que não morrereis, estava omitindo de propósito o fato da morte espiritual. Acréscimo – dizer mais do que a Bíblia diz. Em sua conversação com Satanás, Eva cita o que Deus falou a seu marido. Mas à Palavra de Deus acrescenta a frase: “Nem tocareis nele”. Você pode torcer a Escritura fazendo-a dizer mais do que de fato diz. Geralmente o motivo é o desejo de tornar irracional a ordem de Deus e assim indigna de ser obedecida. Quando você estudar a Bíblia, deixe-a falar por si mesma. Não lhe acrescente nem lhe subtraia nada. Deixe que a Bíblia seja o seu próprio comentário. Compare Escritura com Escritura. Normalmente aplicamos esta regra às grandes verdades da Bíblia, e não a versículos específicos. Uma dessas verdades é a segurança da salvação. Versículos individuais podem ser citados sobre ambos os lados da questão, se podemos perder a nossa salvação ou não. Paulo disse aos gálatas: “Da graça decaístes” (Gl 5.4). Alguns cristãos, ao lerem isto, concluiriam que é possível perder a nossa salvação depois de havê-la obtido. Por outro lado, Jesus disse: “As minhas ovelhas ouvem a minha voz; eu as conheço e elas me seguem. Eu lhes dou a vida eterna; jamais perecerão, eternamente, e ninguém as arrebatará da minha mão. Aquilo que meu Pai me deu é maior do que tudo; e da mão do Pai ninguém pode arrebatar” (Jo 10.27-29). Contudo, um estudo completo do tópico da segurança da salvação, comparando Escritura com Escritura, indica que o crente pode ter a segurança de que está salvo com base na obra consumada por Cristo. 3. Regra três – A fé salvadora e o Espírito Santo são-nos necessário para compreendermos e interpretarmos bem as Escrituras. Quando Jesus se encontrava na Galiléia, à beira-mar, as multidões se reuniram em volta dele, bebendo Suas preciosas palavras enquanto Ele explicava os mistérios do Reino dos céus. Jesus concluiu a parábola do Semeador com estas palavras: “Quem tem ouvidos (para ouvir), ouça” (Mt 13.9). Depois interpretou a parábola unicamente para os Seus discípulos com esta explicação: “Porque o coração deste povo está endurecido, de mau grado ouviram com os seus ouvidos, e fecharam os seus olhos: para não suceder que vejam com os olhos, ouça com os ouvidos, entendam com o coração, se convertam e seja por mim curados” (Mt 13.15). A gente tem dois pares de olhos e de ouvidos. Um par vê e ouve as coisas fisicamente; o outro, espiritualmente. Comentado isto, diz o apóstolo Paulo: “O deus deste século cegou os entendimentos dos incrédulos” (II Co 4.4). O deus deste mundo, Satanás, faz o máximo que pode para impedir que as pessoas compreendam a verdade espiritual. O cristão dedicado lê uma passagem, e sua verdade se patenteia para ele. É muito simples e muito óbvio quando a explica com clareza a seu amigo não-cristão, mas esse amigo não consegue captar o seu significado. Faça o esforço que fizer, o cristão não pode comunicar a verdade, simples como é. É como se houvesse uma barreira de incompreensão entre eles. Através dos anos, os cristãos têm tido consciência deste problema. Escrevendo aos coríntios, Paulo o descreve deste modo: “O homem natural (o homem sem o Espírito) não aceita as cousas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las porque elas se discernem espiritualmente” (I Co 2.14). Vemos um notável exemplo disto na ressurreição de Lázaro. Quando João registrou esse acontecimento, disse: “Muitos, pois, dentre os judeus que tinham vindo visitar Maria, vendo o que fizera Jesus, creram nele. Outros, porém, foram ter com os fariseus e lhes contaram dos feitos que Jesus realizara. Então os principais sacerdotes e os fariseus convocaram o Sinédrio” (Jo 11.45-47). Alguns viram o fato


4 como era, um milagre de Deus. Outros olharam esse mesmo acontecimento com olhos totalmente diversos. Viram-no como uma ameaça às suas próprias crenças, metas e objetivos. Temos de estudar a Bíblia com profundo senso de dependência do Espírito Santo, cientes de que Ele é Aquele que “vos guiará a toda a verdade” (Jo 16.13). 4. Regra quatro – Interprete a experiência pessoal à luz da Escritura, e não a Escritura à luz da experiência pessoal. Ao ler o Novo Testamento você descobre que ele contém dois tipos de literatura – narrativa e instrutiva ou didática. (A maior parte do Apocalipse e certas porções dos evangelhos podem ser classificadas como proféticas). As partes de narrativa traçam a vida do Senhor Jesus nos quatro evangelhos, e a história da igreja primitiva no livro de Atos. As cartas ou epístolas em grande parte foram escritas para instruir os membros daquelas primeiras igrejas sobre como viver a vida cristã. Ao estudar as porções didáticas você descobre que o escritor não diz que, porque tal coisa aconteceu, isto tem de ser verdade. Em vez disso, afirma justamente o oposto. Porque isto é verdadeiro, uma coisa particular aconteceu . Por exemplo, o Novo Testamento não ensina que, porque Jesus ressurgiu dos mortos, Ele é o Filho de Deus. Antes, porque Ele é o Filho de Deus, ressurgiu dos mortos. Através do livro de Atos vem à luz a narrativa do que sucedeu na vida dos crentes do primeiro século. Você não extrai conclusões doutrinárias desses acontecimentos, a menos que incluam pregação. Antes, você interpreta esses acontecimentos à luz das passagens doutrinárias. Há diversos casos em que as pessoas, no registro de Atos, encontraram o Espírito Santo. Quando você analisa todas as variadas experiências, fica evidente que você não pode formular doutrina a partir desses encontros. No dia de Pentecoste, Pedro e os demais discípulos falaram em línguas, e pessoas de diferentes grupos linguísticos puderam entender o Evangelho em suas respectivas línguas. “Estavam, pois, atônitos, e se admiravam, dizendo: “Vede! Não são, porventura, galileus todos esses que aí estão falando? E como os ouvimos falar, cada um em nossa própria língua materna?” (Atos 2.7,8). Quando Pedro foi para Samaria para ver como ia o ministério de Filipe, os novos conversos não tinham recebido ainda o Espírito Santo. “Então (Pedro e João) lhes impunham as mãos, e recebiam estes o Espírito Santo” (Atos 8.17). Não se menciona nenhum falar em línguas subsequente a essa ocorrência. Depois da conversão de Paulo no caminho de Damasco, Ananias o procurou e impôs sobre ele as mãos. Paulo ficou cheio do Espírito Santo e foi batizado (Atos 9.17-19). Na cidade de Éfeso, Paulo encontrou alguns homens que só tinham recebido o “batismo de João” – batismo de arrerpendimento. Paulo lhes pregou Jesus, e eles creram e foram batizados. “E, impondo-lhes Paulo as mãos, veio sobre eles o Espírito Santo; e tanto falavam em línguas como profetizavam” (Atos 19.6). Não se nos diz que língua esses homens falaram, mas provavelmente era diferente da falada no Pentecoste. A situação era diferente. É bem provável que fosse uma língua desconhecida, requerendo-se um intérprete, como menciona Paulo em sua carta aos coríntios (I Co 14). As porções didáticas do Novo Testamento falam do uso de línguas pelos crentes. A passagem expressiva sobre este ensino é I Coríntios 12-14. Note-se que esta passagem visa ao uso e controle das línguas, sem mencionar a prática das línguas como em Atos. Em outras palavras, Paulo diz: “Eis a doutrina correta com relação a línguas – certifiquem-se de que a sua experiência se harmoniza com ela”. Não diz ele que, porque certo fenômeno foi experimentado na igreja, certa verdade doutrinária pode ser extraída disso. As suas experiências pessoais – sejam quais forem – devem ser conduzidas às Escrituras e interpretadas. Nunca o caminho inverso. “Porque tive esta experiência, o que se segue tem de ser verdade” não é sadio procedimento na interpretação da Bíblia. A experiência pessoal é parte importante da vida cristã, mas você deve ter o cuidado de mantê-la em seu lugar próprio. Conquanto você aprenda da experiência, não julgará a Bíblia sobre aquela base. É fácil esquecer isso em muitíssimas áreas da vida. Suponhamos, por exemplo, que você tenha ficado em dificuldade por causa do seu deficit orçamentário. O Senhor lhe fala sobre isso, e você acha que Ele quer que você elimine todas as formas de compra a crédito. Você trabalha arduamente, economiza, e paga todos os seus credores. Isto revoluciona a sua vida. Agora está livre da dívida e convencido de que nunca mais deve voltar a comprar a prazo. Até aqui, tudo bem. Mas depois você dá mais um passo e opina que todos os que têm cartões de crédito ou compram a prestação violam um mandamento bíblico. Para provar o seu ponto, cita: “A ninguém fiqueis devendo cousa


5 alguma” (Rm13.8). Aí você quebra esta importante regra de interpretação. Interpretou a Bíblia à luz da sua experiência pessoal e exige que outros sigam esta interpretação. É precisamente por esta razão que você deve ter cuidado para não inverter esta regra. Permita que a Palavra de Deus interprete e amolde as suas experiências, em vez de você interpretar a Escritura a partir das suas experiências. 5. Regra cinco – Os exemplos bíblicos só tem autoridade quando amparados por uma ordem. Ao ler a Bíblia, fica evidente que você não deve seguir o exemplo de cada pessoa que encontra. Não precisa seguir o exemplo de Moisés e confrontar os líderes do Egito. Não deve seguir o exemplo do apóstolo Pedro negando a Cristo. Jesus usava vestes longas e alparcatas. Normalmente andava a pé. Quando dirigiu, foi montado um jumento. Nunca se casou, e nunca saiu dos limites do Seu país natal (exceto na infância, quando Seus pais fugiram para o Egito para escapar do rei Herodes, e uma breve visita à região Siro-fenícia). Transparece imediatamente que não se espera que você sigo o exemplo de Cristo em áreas como essas. Por exemplo, seguir o exemplo de Cristo quanto a ter permanecido solteiro significaria que os cristãos não devem casar-se; entretanto, a Bíblia fala bastante sobre a relação conjugal, recomendando-a altamente e usando-a como ilustração da plena relação Cristo-igreja. Jesus foi homem de grande amor e compaixão. Você sabe que tem de seguir o exemplo dele nisso porque Ele disse: “Novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros; assim como eu vos amei, que também vos ameis uns aos outros. Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros” (Jo 13.34,35). Exemplos tirados da vida de Jeus ou das vidas dos Seus seguidores, não apoiados por ordens, têm algum valor: 1. Um exemplo bíblico pode confirmar o que você pensa que o Senhor o está induzindo a fazer. Você pode achar, por exemplo, que Deus quer que você fique solteiro pelo resta da vida. Visto que na maioria as pessoas casam, você poderá sentir a pressão dos outros nesta direção. Mas a convicção de que o Senhor quer que você fique sem se casar é amparada biblicamente pelo fato de que Jesus nunca casou. 2. Um exemplo bíblico pode ser rica fonte de aplicação à sua vida. Suponhamos que você esteja lendo o Evangelho de Marcos e faça uma pausa para meditar neste relato: “Tendo-se levandado alta madrugada, saiu (Jesus), foi para um lugar deserto, e ali orava” (Mc 1.35). Depois de pensar e orar, você acha que Deus quer que você passe algum tempo com Ele todas as manhãs, bem cedo. Esta seria uma aplicação apropriada e, sem dúvida, beneficiaria a sua vida espiritual. Contudo, tomar esta aplicação e tentar aplicá-la a outras pessoas seria tomar um exemplo da Bíblia e tratá-lo como se fosse uma ordem. A Escritura nos manda orar; Paulo insta: “Orai sem cessar” (I Ts 5.17). E a Bíblia nos exorta a tomar tempo com a Palavra: “Habite ricamente em vós a palavra de Cristo; instruí-vos e aconselhai-vos mutuamente em toda a sabedoria, louvando a Deus, com Salmos e hinos e cânticos esprituais, com gratidão em vossos corações” (Cl 3.16). Nenhuma ordem da Escritura diz que isso deve ser feito de manhã cedo, conquanto seja a hora em que Jesus o fez e talvez seja a melhor hora para você. Um corolário deste princípio é verdadeiro também: O crente é livre para fazer qualquer coisa que a Bíblia não proibe. Um exemplo claro deste princípio pode-se ver nas atividades da igreja no presente. A Bíblia estabelece limites sobre o que não se pode fazer, não sobre o que se pode . Todas as coisas são lícitas, a menos que especificamente proibidas. Uma proibição clara assim aplica-se à esfera do sexo pré-marital e extra-conjugal. Paulo diz que os envolvidos nisso “não herdarão o Reino de Deus” (I Co 6.9). Quando estudarmos a Bíblia, deveremos fazê-lo com cuidado para não restringirmos esta liberdade, quer para nós, quer para os outros. Para citar os grandes teólogos puritanos do passado: “A Bíblia é a nossa única regra de fé e prática.


6 6. Regra seis – O propósito primário da Bíblia é mudar as nossas vidas, não aumentar o nosso conhecimento. Quando o Espírito Santo superintendeu o registro da Escritura, Sua intenção foi que nós, que lemos as Escrituras, aprendamos e apliquemos o que elas nos ensinam. A própria Escritura afirma que esse é o propósito por ela visado. Quando Paulo escreveu a sua Primeira Epístola aos Coríntios, extraiu argumentos da experiência de Israel durante o êxodo para documentar o seu ponto de vista. Israel cobiçara no deserto coisas que não possuía. Comentando isto para a igreja de Corinto, Paulo disse: “Ora, estas cousas se tornaram exemplos para nós, a fim de que não cobicemos as cousas más, como eles cobiçaram” (I Co 10.6). Dois modos pelos quais você pode aprender uma lição são as experiências pessoais e as experiências alheias. Algumas lições da vida você pode aprender vivendo-as. Mas algumas lições custam caro demais para serem aprendidas desse modo. O prudente as aprenderá observando as vidas de outros. A Bíblia não nos foi dada para que pudéssemos ficar espertos como o diabo; foi-nos dada para que pudéssemos tornar-nos santos como Deus. Paulo aconselhou a Timóteo: “Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra (II Tm 3.16,17). Toda Escritura foi dada com este fim em mente – que modele as nossas vidas. Contudo, ao procurar aplicar “toda Escritura”, você deve ter o cuidado de lembrar duas coisas. Estas podem ser firmadas como corolário da regra em foco. 1. Algumas passagens não devem ser aplicadas da mesma maneira como foram aplicadas na ocasião em que foram escritas (Lv 7.1,2). Uma aplicação errônea seria fazer a mesma coisa que os sacerdotes do Antigo testamento faziam: oferecer sacrifícios de animais. Diz o Novo Testamento que Jesus Cristo “aboliu na sua carne a lei dos mandamentos na forma de ordenanças” (Ef 2.15). A Bíblia oferece outra possível aplicação: “Por meio de Jesus, pois, ofereçamos a Deus, sempre, sacrifício de louvor, que é o fruto de lábios que confessam o seu nome. Não negligencieis igualmente a prática do bem e a mútua cooperação; pois com tais sacrifícios Deus se compraz” (Hb 13.15,16). 2. Quando você aplicar uma passagem, deverá fazê-lo em harmonia com a interpretação correta. Por exemplo, o nosso Senhor vem descendo do Monte da Transfiguração quando encontra alguns dos Seus discípulos tentando curar um lunático (Mt 17.14-16). Visto que são incapazes de fazê-lo, o pai do menino vai a Jesus em busca de socorro. Jesus expulsa o espírito imundo e mais tarde os discípulos frustrados perguntam por que não o puderam fazer. Jesus responde: “Por causa da pequenez da vossa fé. Pois em verdade vos digo que, se tiverdes fé como um grão de mostarda, direis a este monte: ‘Passa daqui para acolá’, e ele passará. Nada vos será impossível” (17.20). Se você estivesse aflito pela enfermidade incurável de um ente querido, poderia ler esta passagem e, fazendo a aplicação, poderia pensar que unicamente por sua falta de fé foi impedido de curá-lo. Você tenta curá-lo, mas a pessoa morre. Assim, você se culpa e pensa: Talvez seja por algum pecado em minha vida que não pude curá-lo. Provavelmente nem pecado nem incredulidade eram o seu problema. Simplesmente interpretou mal a passagem. Pouco antes, Jesus tinha dado instruções específicas aos Seus discípulos: “Curai enfermos, ressuscitai mortos, purificai leprosos, expeli demônios; de graça recebestes, de graça dai” (Mt 10.8). Eles foram censurados por uma falta de fé porque tinham recebido ordem do Senhor para curar, e tinham sido dotado de poder pertinente para fazê-lo. A você Deus não deu essa ordem específica. Tenha o cuidado de interpretar corretamente a passagem; depois, devotamente faça a aplicação. 7. Regra sete – Cada cristão tem o direito e a responsabilidade de investigar e interpretar pessoalmente a palavra de Deus. Este princípio foi um dos abrangentes fundamentos da Reforma Protestante do século dezesseis. Por centenas de anos o povo dependera de que a igreja fizesse o estudo e a interpretação das Escrituras para ele.


7 Não havia traduções da Bíblia na língua do povo. Quando se faziam tentativas para produzir essas traduções, a igreja as suprimia à força. Hoje existem múltiplas traduções e paráfrase ao alcance de todos, tornando fácil o acesso à Bíblia para quem quer que saiba ler. Todavia, a nossa geração parece estar produzindo um povo biblicamente iletrado. Mesmo entre cristãos conscientes a Bíblia é pouco mais que um livro de devoção no qual se pode “encontrar” Deus. O aprofundamento em busca das grandes verdade da Bíblia é deixado aos teólogos e outros “expertos”. É como se estivéssemos voltando aos dias anteriores à Reforma. A presença do Espírito Santo e o poder que a língua tem de comunicar a verdade combinam-se para dar-lhe tudo que você precisa para estudar e interpretar pessoalmente a Bíblia. No ministério do Senhor Jesus, Ele repreendeu os judeus do Seu tempo por sua incapacidade de compreender quem era Ele. Jesus atribuiu este fracasso deles diretamente à ignorância das Escrituras: “Examinais as Escrituras, por que julgais ter nelas a vida eterna, e são elas mesmas que testificam de mim” (Jo 5.39). O estudo em profundidade nem sempre lhe dá as respostas que procura. Muitas vezes você encontrará uma verdade cujas profundidades lhe escapam. E a sua mente é constituída de modo tal, que você pode fazer mais perguntas do que pode responder. O estudo da Bíblia não responderá a todas as suas questões. As respostas a algumas delas virão mais tarde, como o descobrimento da peça que falta num jogo de quebracabeças. Algumas jamais serão respondidas deste lado do céu. A apreciação dos mistérios da fé cristã é em si mesma um sinal de maturidade. Quando a sua interpretação particular o conduzir a uma conclusão diversa do significado histórico que os homens de Deus têm dado à passagem, deverá brilhar na sua mente a luz amarela da advertência. Qualquer conclusão a que você chegue, que seja diferente da posição evangélica histórica, deve ser considerada suspeita. Na maioria das vezes, depois de mais amplo estudo, você verá que errou em sua interpretação pessoal. Mesmo quando aprender verdades espirituais pela pregação feita por outros, você tem a responsabilidade de pesar essas verdades com aquilo que encontrar no seu estudo pessoal da Bíblia, e de formar as suas próprias convicções. Foi isso que tornou nobre aos olhos de Lucas a igreja de Beréia. Note o que ele disse daqueles crentes: “Ora, estes de Beréia eram mais nobres que os de Tessalônica; pois receberam a palavra com toda a avidez, examinando as Escrituras todos os dias para ver se as cousas eram de fato assim” (Atos 17.11). 8. Regra oito – A história da igreja é importante, mas não decisiva na interpretação da Escritura. A igreja não determina o que a Bíblia ensina; a Bíblia determina o que a igreja ensina. As interpretações da igreja têm autoridade somente na medida em que estejam em harmonia com os ensinamentos da Bíblia como um todo. Não houve o propósito de que a história fosse decisiva na interpretação da Escritura, pois houve ocasiões em que a igreja não foi fiel à Palavra de Deus. Nos primórdios dos tempos medievais ela ensinou o celibato clerical, que os sacerdotes não poderiam se casar nunca. Mas tarde, no mesmo período medieval, exaltou Maria à posição de igualdade com Deus. Estas determinações foram da igreja, não da Bíblia. As interpretações da igreja precisam ser estudadas e avaliadas cuidadosamente à luz daquilo que a Bíblia ensina. Contudo, tendo expressado esta palavra de cautela, é preciso que não passemos por alto a importância da história da igreja. Há um importante lugar para os comentários e os credos na formulação da doutrina. Os santos de Deus do passado têm muito que nos dizer hoje, se tão somente lhes dermos ouvidos. Aprenda da história e reconheça a sua importante contribuição, lembrando-se no entanto de que a Bíblia é o árbitro final de todas as questões pertencentes à fé e à prática. 9. Regra nove – As promessas de Deus na Bíblia estão disponíveis aos crentes de todas as épocas. Promessa é o compromisso divino de fazer algo; porém, exige uma resposta de fé em forma de obediência. As vezes significa esperar pacientemente o tempo determinado por Deus (Sl 40.1); as vezes é sair pela fé enfrentando todos os tipos de riscos (Gn 12.1-7). Tipos de promessas existentes nas Escrituras:


8 1) Promessas Gerais: feitas por Deus a todos os crentes de todas as èpocas. Quando foram escritas pelo autor não visava a nenhuma época em particular (Tg 1.5; II Pe 1.3,4; I Jo 1.9). 2) Promessas Específicas: feitas por Deus a indivíduo específicos em ocasiões específicas. As promessas específicas têm de ser feitas pelo Espírito Santo especificamente a você como o foram aos beneficiários originais. As promessas específicas estão disponíveis para você, mas não lhe pertencerão, a não ser que lhe sejam dadas por Deus (Is 60.11; Atos 16.30,31) Antes de reivindicar uma promessa divina, atente para as seguintes considerações: 1) Verifique que tipo de promessa está sendo apresentada no texto; se é geral ou específica olhando atentamente o seu contexto. 2) Observando o contexto, certifique se há ou não alguma condição relacionada com a promessa em estudo e a condição é obediência. Você pode captar a condição pela presença da pequena palavra se no versículo ou no contexto (II Cr 7.14,15). O seu contexto determinará se há ou não a possibilidade de uma reivindicação, quando reivindicá-la e as vezes até as pessoas que Deus usará no cumprimento de tais promessas (Is 30.18-26). 3) As promessas nas Escrituras devem ser reivindicadas com espírito de dependência e humildade, lembrando sempre de agradecer e glorificar o nome do Senhor quando as mesmas se cumprirem em sua vida. 4) Não reivindique uma promessa ao Senhor, antes de verificar o objetivo da mesma para a sua vida (Tg 4.3). 5) Ao reivindicar uma promessa perante Deus, não determine quando e como a mesma se cumprirá na sua vida (Gn 12.1-4; conf Gn 21.1-7; hb 11.39). 6) Quando reivindicar alguma promessa de Deus, verifique o nível da sua confiança Nele, pois a incredulidade é inimiga da concretização das promessas divinas na sua vida (Hb 11.6; Tg 1.5-8) PRINCÍPIOS GRAMATICAIS DE INTERPRETAÇÃO Os princípios gramaticais tratam das palavras do texto propriamente ditas. Como você deverá entender as palavras e frases das passagens em estudo? Que regras básicas devem ser lembradas no trato do texto? Quando falamos de interpretação gramatical da Bíblia, referimo-nos ao processo de tentar descobrir seu significado por meio da verificação de quatro aspectos: a) o significado das palavras; b)a forma das palavras; c) a função das palavras e; d) a relação entre as palavras. 10. Regra dez – Sempre que possível, tome as palavras em seu sentido usual e comum, isto é, no sentido literal. A interpretação literal, no contexto, é a única interpretação verdadeira. Se você não tomar literalmente a passagem, todos os tipos de interpretação fantasiosa podem resultar disso. Quando você encontrar uma passagem para a qual o contexto indica uma interpretação literal, e você preferir dar-lhe outra interpretação, não literal, avalie cuidadosamente os seus motivos. Com toda a sinceridade que lhe for possível, responda as seguintes pergunstas: 1) Estarei pondo em dúvida que esta passagem é literal porque não quero obedecer-lhe? 2) Estarei interpretando esta passagem figuradamente porque ela não se enquadra na minha tendência teológica preconcebida? Nenhuma afirmação deve ser considerada como tendo mais de um sentido. Nenhuma palavra pode significar mais que uma coisa, segundo o emprego dela feito na passagem. A mesma palavra pode, todavia variar de sentido dentro da mesma sentença, quando usada mais de uma vez (Jo 4.24). Quando uma passagem ou palavra parece ter mais de um sentido escolha a interpretação mais clara. O significado mais óbvio geralmente é o correto. Existem dois aspectos importantes no estudo das palavras isoladas: 1. A etimologia da palavra – É o estudo da origem e da formação da palavra, exigindo bons léxicos de grego e dicionários da Bíblia que são mais profundos. Nem sempre, o significado etimológico da palavra lança luz sobre a significação corrente.


9 Às vezes os elementos de uma palavra composta ajudam a revelar seu significado.  EKKLESIA = chamados para fora. EK = para fora (preposição); KLESIS = chamado (vocação)  MAKROTHYMIA = paciência ou longanimidade. MAKROS=longo; THYMIA=sentimento  HIPOPÓTAMO = cavalo do rio. HIPPOS=cavalo; POTAMOS= rio. Pode acontecer de uma palavra que sofreu uma evolução assumir um sentido totalmente diferente do original: “Tratante” no falar de antigamente, não passava de “pessoa que trata de negócios”, mas o caráter desonesto de alguns negociantes (“tratadores”) ocasionou a degeneração de sentido. “Pedagogo” está longe de ser o antigo “escravo que conduzia crianças à escola”. “Hipócrita” é aquele que é ator por natureza, dado a exibições espetaculares. Na Bíblia, uma palavra não deve ser explicada à luz de sua etimologia em nossa língua, o que equivaleria a colocar nas Escrituras o que ali não se encontra. Por exemplo, a palavra santo não deriva de saudável. Em termos etimológicos, as palavras hebraica e grega para “santo” não significam saúde espíritual. 2. O uso de palavras sinônimas e antonimas – Perceber a diferença entre uma palavra e seus sinônimos pode ajudar a reduzir o número de significado possíveis. São palavras que concordam na significação fundamental, expressando diferentes mudanças. Em Romanos 14.13, Paulo fala de “tropeços” e “escândalo”. Escândalo (skandalon, em grego” significa um tipo de ofensa grave, algo que prejudique seriamente outra pessoa. Já tropeço (proskomma) significa uma ofensa leve, algo que incomoda outra pessoa. Em Romanos 8.4-9, a palavra “carne” diz respeito à natureza pecaminosa em contraste com o Espírito Santo. A palavra mundo no grego: Kosmos = ordem, arranjo, sistema, universo – Mt 13.35; At 17.24; I Co 3.19; Ef 2.2; I Jo 2.15-17 Aiôn = época período, século – Rm 12.2; I Co2.6,8; II Co 4.4; Gl 1.4,5 Oikumene = mundo habitado – Mt 24.14; Lc 4.5; Jo 3.16; Hb 1.6 11. Regra onze – Interprete as palavras no sentido que tinham no tempo do autor. Determinar o correto sentido das palavras da Bíblia não é particularmente difícil hoje em dia. Muitas excelentes traduções estão a disposição, e quando o sentido de uma palavra não ficar claro com elas, um bom dicionário bíblico será proveitoso. Provérbios 22.28 ordena: “Não remova os marcos antigos que puseram teus pais”. Que significa este versículo? Não remover os marcos que orientam os viajantes? Não furtar? Não efetuar mudanças na forma como sempre fizemos as coisas? Resposta: O marco significava o poste que indicava o fim da propriedade de certa pessoa e o começo da do seu vizinho. Então significa – Não furtar. Em Efésios 1.13,14, nós estamos selados pelo Espírito Santo e o mesmo é o nosso penhor. Que significa selo e penhor, para o Espírito Santo neste texto? Quando você estudar uma palavra particular, deverá determinar quatro coisas: 1) O uso que dela fez o escritor – A palavra pecado por exemplo é importante para o apóstolo joão. Um estudo dessa palavra, na forma em que é empregada por ele em sua primeira epístola, ajudá-lo-á a compreender a carta toda. 2) Sua relação com o seu contexto imediato – Quase sempre o contexto lhe dirá muita coisa sobre a palavra. 3) Seu uso corrente na época em que foi escrita. Isto exige estudo mais técnico. Geralmente uma tradução merecedora de confiança lhe dará o melhor sentido da palavra. Se desejar ir além na pesquisa, poderá usar um bom comentário. 4) Seu sentido etimológico - Este modo final de estudar o sentido de uma palavra, em geral é para o estudante da Bíblia mais avançado. 12. Regra doze – Interprete a palavra em relação à sua sentença e ao seu contexto. O melhor modo de explicá-la é com uma série de exemplo extraído da Bíblia, quando necessário. Começemos com a palavra fé:


10 1) Gálatas 1.23 – Estudando o contexto, você vê que aí, fé significa, “a doutrina do Evangelho”. 2) Romanos 14.23 – Aqui o contexto o leva a concluir que fé significa “convicção de que é isto que Deus quer que você faça” 3) Efésios 6.16 – aqui tem o sentido de crer na Palavra de Deus, particularmente em suas promessas”. Temos també a palavra salvação ou salvos que nem sempre significa libertação do pecado. Temos abaixo cinco tipos de emprego: 1) Segurança ou libertação de circunstâncias difíceis; 2) Saúde física e/ou emocional; 3) Libertação de Israel da opressão inimiga; 4) Libertação da condenação do pecado através da morte vicária de Cristo; 5) Libertação total da existência do pecado. Leia todos os versículos relacionados abaixo e escreva entre parêntese o número correspondente à definição acima: ( ) Êxodo 14.13; ( ) Lucas 1.71; ( ) Lucas 18.42; ( ) João 3.17; ( ) Atos 15.11; ( ) Atos 16.30; ( ) Atos 27.20; ( ) Romanos 5.9; ( ) Romanos 13.11; ( ) Filipenses 1.19 (o sentido literal de “libertação” é “salvação”); ( ) Tiago 5.15. Será que Eclesiastes 9.5 – “...os mortos não sabem cousa nenhuma...” – está falando do descanso da alma, da concepção de que os mortos só recobrarão a consciência quando ressuscitarem? Não, porque seria uma contradição com os outros versículos que ensinam que os mortos têm consciência ( Lc 16.23,24; II Co 5.8; Fp 1.23). O contexto desse versículo de Eclesiaste indica que os mortos não tomam mais conhecimento nem parte em coisas experimentadas nesta vida, como as emoções do amor, o ódio, a inveja e os acontecimentos cotidianos (Ec 9.6). Os manuscritos antigos dos quais fazemos nossas traduções da Bíblia, não têm sinais de pontuação. Não há pontos, vírgulas, parágrafos, versículos e capítulos. Estes foram introduzidos depois pelos tradutores, para clareza e facilidade do estudo. Quando você fizer o seu estudo, é bom lembrar disso. O contexto nem sempre se acha dentro dos limites do versículo ou do capítulo. Talvez seja necessário incluir versículos do capítulo anterior ou posterior. Este estudo do contexto para determinar o sentido exato de uma palavra é uma das mais importantes e fundamentais regras de interpretação. Você se verá a consultá-lo a cada passa em seu estudo da Bíblia. 13. Regra treze – Interprete a passagem em harmonia com o seu contexto. Cada escritor da Bíblia teve uma razão particular para escrever seu(s) livro(s). Ao desenrolar-se o argumento do escritor, há conexão lógica entre uma seção e a seguinte. Você precisa encontrar o propósito global do livro a fim de determinar o sentido de palavra ou passagens particulares no livro. Estas quatro perguntas o ajudarão: 1) Como a passagem se relaciona com o material circuvizinho? 2) Como se relaciona com o restante do livro? 3) Como se relaciona com a Bíblia como um todo? 4) Como se relaciona com a cultura e com o quadro de fundo em que foi escrita? Responder essas quatro questões é especialment importante quando você está tentando interpretar uma passagem difícil. Um exemplo é a passagem de I João 3.6-10. Ao ler pessoalmente esta passagem, você poderia concluir que o cristão nunca peca. Ou, se peca, não pode ser crente. Se for esta a interpretação correta, então só Jesus pode entrar no céu, pois Ele é a única pessoa sem pecado que já andou na terra. Que significa esta passagem? Como você deverá interpretá-la Deverá interpretá-la à luz do contexto, e responder estas quatro perguntas que o ajudarão a fazê-lo. Pode-se ver outro exemplo disto nos quatro evangelhos. Eles têm muitas coisas em comum, não sendo a menor delas o fato de que todos os quatro dão um relato da vida, ministério, crucificação e ressurreição de Jesus Cristo. Entretanto, a ênfase de cada um é diferente. A compreensão desta diferença o ajudará no estudo das partes. Em Mateus vemos Jesus como Rei; em Marcos, Jesus é retratado como Servo; em Lucas, Jesus é o Filho do homem e em João, vemos Jesus como o Filho de Deus.


11 14. Regra quatorze – Quando um objeto inanimado é usado para descrever um ser vivo, a proposição pode ser considerada figurada. As grandes passagens “Eu sou” do Evangelho Segundo João ilustram esta regra. Disse Jesus: “Eu sou o pão da vida” (Jo 6.35); “Eu sou a luz do mundo” (Jo 8.12); “Eu sou a porta das ovelhas” (Jo 10.7). Jesus não é pão nem porta no sentido literal. É importante ter clara compreensão da coisa em que se baseia a figura ou da qual é feita imitação. No presente exemplo, o seu estudo será enriquecido pela compreensão das características da porta,luz e do pão. A aplicação desta regra em seu estudo da Bíblia virá muito naturalmente. Na maioria das vezes o contexto lhe dirá imediatamente se um objeto inanimado é usado para descrever um ser animado, ou como se possuísse vida e ação. 15. Regra quinze – Quando uma expressão não caracteriza a coisa descrita, a proposição pode ser considerada figurada. Um grupo de judeus foi atrás de Paulo através da Galácia ensinado que os cristãos tinham de ser circuncidados para serem salvos. Foram objetos da ira de Paulo em sua Epístola aos Filipenses. “Acautelaivos dos cães! Acautelai-vos dos maus obreiros! Acautelai-vos da falsa circuncisão!...” (Fl 3.2,3). Quando Paulo adverte seus leitores a terem cuidado com os cães, não são cães literalmente. O contexto está se referindo àqueles que insistiam em impor aos cristãos gentílicos todas as ordenanças do Antigo Testamento. Jesus rumava para Jerusalém, ensinando pelo caminho, quando alguns fariseus o avisaram de que o rei Herodes se dispunha a matá-lo. A essa adverência respondeu Jesus : “Ide dizer a essa raposa que hoje e amanhã expulso demônios e curo enfermos, e no terceiro dia terminarei” (Lc 13.32). Raposa refere-se a Herodes; sabemos pelas demais partes dos evangelhos que Herodes não é o nome de uma raposa, mas de um mau rei, daquele que decapitara João Batista. Às vezes a mesma palavra pode ser usada figuradamente, mas com sentido diferentes em diferentes lugares da Bíblia. Por exemplo: a palavra leão (I Pe 5.8 e Ap 5.5); a palavra fermento (Lc 12.1; Dt 16.4; Lc 13.21). Em geral, pelo contexto você pode chegar à interpretação correta. Em conclusão, observe duas coisas importantes: 1) Uma palavra não pode significar mais de uma coisa ao mesmo tempo. Não pode ter sentido figurado e literal ao mesmo tempo. Quando se dá a uma palavra um sentido figurado, como no caso das ilustrações usadas para esta regra, cancela-se o sentido literal da palavra. 2) Sempre que possível, a passagem deve ser interpretada literalmente. Só se o sentido literal da palavra não se enquadrar é que deverá ser interpretada figuradamente. É sempre preferível o sentido literal da palavra, a menos que o contexto o impossibilite. 16. Regra dezesseis – As principais partes e figuras de uma parábola representam certas realidades. Considere somente essas principais partes e figuras quando estiver tirando conclusões. Esta regra lhe recomenda que não ultrapasse os prentendidos limites da parábola; não queira fazê-la dizer mais do que foi destinada a dizer. Uma olhada num par de parábolas ajuda-nos a definir os seus limites. Por exemplo a parábola do semeador em (Lc 8.4-15). Esta é uma boa parábola para estudar porque Jesus nos dá a interpretação visada. Este versículos podem ser divididos em dois parágrafos: a parábola propriamente dita (versículos 4-9) e sua interpretação dada por Jesus (versículos 10-15). As partes principais da parábola, como Jesus deixa claro em Sua explicação, são a semente e os tipos de solo em que a semente foi semeada. Embora seja frequentemente intitulada parábola do semeador, o semeador não é a sua principal personagem. Aparece acidentalmente na história. O propósito da parábola é ilustrar os diferentes tipos de resposta que a Palavra recebe quando é proclamada. Quando você estudar a parábola, não estenda o propósito dela além da intenção do autor. A segunda parábola é a história do bom samaritano, contada por Jesus em (Lc 10.30-35). Quando você interpretar esta ou alguma outra parábola, siga este processo: 1) Determine o propósito da parábola, identifique o problema, a pergunta ou a situação que originou a parábola. Neste exemplo a chave está na pergunta inicial. “Ele, porém, querendo se justificar-se perguntou a Jesus: ‘Quem é o meu próximo?” (v. 29).


12 2) Certifique-se de que explica as diferentes partes em harmonia com o fim principal. Nesta parábola havia a necessidade, havia aqueles que deviam satisfazer a necessidade, mas não o fizeram, e houve a satisfação da necessidade, satisfação provinda de uma fonte inesperada. Estes pontos ilustram o universal dever de bondade e de fazer o bem. 3) Use somente as principais partes da parábola ao explicar a lição. É quando as pessoas tentam interpretar os pormenores que o erro pode insinuar-se facilmente. Não faça a parábola falar demais. Por exemplo, você pode ser tentado a opinar que o óleo e o vinho simbolizam o Espírito Santo e o sangue de Cristo (v. 34), os dois ingrediantes necessários para a salvação. Fazer isso é ir além do propósito visado pela parábola 4) Atentar para o significado natural da história. A parábola é uma história que procura ilustrar uma verdade por analogia. Então, duas coisas são combinadas numa parábola – um caso plausível e a verdade espiritual por ele exemplificada ou explicada 5) Identificar a principal verdade que a parábola ilustra. 6) Confirmar o tema principal da parábola por meio de um ensinamento bíblico explícito. 7) Reparar na reação explícita ou implícita dos ouvintes. A reação dos ouvintes serve de pista para o significado da parábola. Cada parábola tem um principal ponto de comparação. Procure relacionar esse ponto com aquilo que o orador estava ensinando. 17. Regra dezessete – Interprete as palavras dos profetas no seu sentido comum, literal e histórico, a não ser que o contexto ou a maneira como se cumpriram indiquem claramente que têm sentido simbólico. O cumprimento delas pode ser por etapas, cada cumprimento sendo uma garantia daquilo que há de seguir-se. Em alguns aspectos a profecia é para o cristão o que a política é para o homem secular – fonte de muita controvérsia, acaloramento e emoção. Esta regra de interpretação não se destina a influir em suas convicções sobre profecias, mas simplesmente estabelecer um roteiro para a formação das suas convicções. A profecia deve ser interpretada literalmente, a menos que o contexto ou alguma referência posterior na Escritura indique outra coisa. Temos como exemplo a profecia de Malaquias a respeito do precursor de Cristo (Ml 4.5,6). Diz Malaquias que Deus enviaria “o profeta Elias”. Quando apareceu João Batista como precursor de Jesus Cristo, gerou-se muita confusão, o que mostra que o povo daquele tempo esperava que a profecia iria cumprir-se literalmente. Contudo, Jesus disse que essa profecia deveria ter cumprimento figurado, e não literal (Mt 11.13,14; 17.10-13). Essas ilustrações constituem a exceção, e não a regra, na interpretação de profecia. Na maior parte, as profecias podem e devem ser interpretadas literalmente. Pode ser que haja ocasiões em que você pode fazer derivar dois sentidos aparentes de uma profecia. Dê preferência àquele que teria sido mais óbvio para a compreensão dos ouvintes originais. Também haverá ocasiões em que um escritor do N. T. dará a uma passagem do A.T. uma interpretação profética quando a passagem do A.T. não parece ser profética. Você achará um exemplo disto em Oséias 11.1, conferindo com Mateus 2.15. Notemos que a passagem de Oséias é profética porque Mateus escrevendo por inspiração do Espírito Santo, diz que é. Muitas vezes uma profecia se cumpre parcialment numa geração, com o restante cumprindo-se noutra época. Fica claro quando uma parte se cumpre e outra não. Joel 2.28-32l, Pedro cita exatamente estas palavras no dia de Pentecoste (Atos 2.15-21). De fato o Espírito foi derramado sobre eles. Mas, quando foi que o sol se converteu em trevas e a lua em sangue, antes da vinda do “grande e terríverl dia do Senhor?” Esta porção da profecia de Joel se refere ao segundo advento e se cumprirá no futuro. Na perspectiva de Joel os dois adventos pareciam um só. Outro exemplo está em Isaías 61.1,2 com Lucas 4.17-21. Ao comparar a declaração de Nazaré com a profecia de Isaías, você nota que Jesus interrompeu a leitura no meio da sentença, omintindo as palavras: “e o dia da vingança do nosso Deus; a consolar todos os que choram”. Esta parte da profecia refere-se à segunda vinda de Cristo. Que princípios devem ser seguidos na interpretação de profecias?


1) 2) 3) 4) 5) 6) 7) 8)

13 Seguir os princípios normais da hermenêutica conhecidos como interpretação histórica, gramatical e literária. Considerar o sentido normal, gramatical das palavaras proféticas. Examinar o aspecto literário, que prevê o emprego de linguagem figurada e simbólica. Perceber a ênfase das profecias no Messias e no estabelecimento de Seu Reino. Entender o princípio da “perspectiva”. Procurar a interpretação divninamente embutida no texto. É a explicação da profecia contida no próprio texto. (Dn 2.37-45). Comparar passagens paralelas. Exemplo: Apocalipse 13 precisa ser estudado paralelamente a Daniel 9, e os últimos versículos de Joel 2 precisam ser estudos em paralelo com Apocalipse 19. Procura as profecias que já se cumpriram e as que ainda estão por cumprir-se. PRINCÍPIOS HISTÓRICOS DE INTERPRETAÇÃO

Os pricípios históricos tratam do cenário histórico do texto. Para quem e por quem foi escrito o livro? Por que foi escrito e que papel desempenhou o cenário histórico na formação da mensagem do livro? Quais os costumes e o ambiente do povo? São desse tipo as perguntas que você procura responder quando considera o aspecto histórico do seu estudo. 18. Regra dezoito – Desde que a Escritura originou-se num contexto histórico, só pode ser compreendida à luz da história bíblica. Quando você começar o seu estudo de uma passagem, imagine-se um repórter em busca de todos os fatos. Bombardeie o texto com questões como estas: A quem foi escrita a carta (o livro)?; qual foi o quadro de fundo do escritor?; qual foi a exigência ou ocasião que deu origem à mensagem?; quem são os principais personagens do livro? Seu objetivo é colocar-se no cenário do tempo em que o livro foi escrito e sentir com as pessoas envolvidas. Quais eram os interesses delas? Como via Deus a sua situação? Se puder, tome o pulso do autor conforme ele se expressa. Estudar por exemplo o fundo histórico da carta aos gálatas, te ajudará a entender e interpretar, mostrando assim a importância desta regra. 19. Regra dezenove – Embora a revelação de Deus nas Escrituras seja progressiva, tanto o A.T. como o N.T. são partes essenciais desta revelação e formam uma unidade. Não é incomum ouvir uma pessoa dizer: “O Deus do A.T. é diferente do Deus do N.T.. No A.T. Ele parece tão severo e condenatório, enquanto que no N.T. é mais amoroso e cheio de graça”. Conquanto seja uma crença comumente sustentada, não se baseia nos fatos e, se for mantida, fará você desviar-se em sua interpretação da Bíblia. Exemplo: Jesus falou do inferno e do juízo de Deus mais que ninguém na Bíblia. O A.T. monta o cenário para a correta interpretação do N.T.. Você teria dificuldade em entender aquilo de que fala o N.T., se não conhecesse o relato veterotestamentário de acontecimentos como a criação e a queda do homem. Exemplo (Jo 3.14) – Jesus presume que os Seus ouvintes estão familiarizados com o relato de como os israelitas foram mordidos por serpentes por terem eles murmurado, e como foram libertos ao olharem para uma serpente de bronze colocada no alto de uma estaca (Nm 21). Noutro sentido, o N.T. é um comentário do A.T., de como Deus se revelou e como o Seu plano é progressivo. Quanto mais você avança na leitura, mais você fica sabendo sobre Ele e sobre o que Ele planeja fazer. O N.T. explica o propósito de muita coisa que sucedeu no A.T.. O livro de Hebreus é, todo ele, um exemplo disto. Mateus faz cerca de 70 citações do A.T., mostrando que Jesus é o cumprimento das profecias. Apesar da revelação de Deus ser progressiva, mas os seus padrões são os mesmos. Deus não muda. O caráter de Deus não mudou por algum processo de evolução moral. Exemplo (Mt 19.7; ver Dt 24.1-4). O Senhor Jesus os reporta não para Moisés, mas os leva para a crianção, para o princípio. A lei do divórcio foi dada por causa da dureza dos corações e não por causa de alguma mudança ocorrida no caráter de Deus ou em Suas exigências morais. 14


Ao estudar a Bíblia, você pode considerá-los duas partes do mesmo lilvro, não dois livros separados. 20. Regra vinte – Os fatos ou acontecimentos históricos se tornam símbolos de verdades espirituais somente se as Escrituras assim os designarem. O dicionário define símbolo como “algo que representa ou lembra alguma outra coisa por relação, associação, convenção ou semelhança acidental; especialmente, um sinal visível de uma coisa invisível”. Embora haja diferenças entre as palavras símbolo, tipos, alegoria, símile e metáfora, relacionam-se de modo suficiente íntimo para que as combinemos aqui. Esta regra se aplica a todas elas, dado que muitas vezes são usadas para designar sinais visíveis de alguma coisa invisível. Um exemplo do uso feito pela Bíblia de um acontecimento histórico como símbolo de uma verdade espiritual é a declaração de Paulo em I Coríntios 10.1-4. A passagem dos israelitas pelo Mar Vermelho (Êx 14.22) simboliza o seu batismo. A pedra da qual Israel bebeu (Nm 20.11) é um tipo de Cristo. Em bom número de lugares, o escritor toma um acontecimento histórico para representar uma verdade espiritual. Levar isto além do ponto a que Paulo vai seria prejudicar o sentido literal da passagem. Dizer que o Mar Vermelho simboliza o sangue expiatório de Cristo, que oferece seguro caminho para a Canaã celestial, é fazer imprópria interpretação da passagem de Coríntios Esta mesma regra se aplica ao uso de alegoria. Quando Paulo desenvolve no livro de Gálatas o tema de que a justificação é mediante a fé em Jesus Cristo, independente da lei, emprega uma alegoria para explicar o seu ponto (Gl 4.22-24). Paulo fez estas interlpretações do A.T. sob a inspiração do Espírito Santo. Ele o fez ocasionalmente e por razões específicas. Quanto a você, porém, transformar em hábito a alegorização de fatos históricos é prejudicar a interpretação literal da Bíblia, é mudar o sentido que ela pretendeu ter. O objetivo do estudo da Bíblia é entender o sentido visado pelo autor, não despejar nas palavras dele o conteúdo que a você pertence. PRINCÍPIOS TEOLÓGICOS DE INTERPRETAÇÃO Na Escritura há muita coisa que não pode ser explicada pela história, nem pelos autores secundários, mas somente em Deus. A interpretação teológica indica a autoridade divina da Bíblia como a Palavra de Deus. Ela é o estudo de Deus e de sua relação com o mundo. A teologia procura tirar conclusões sobre vários tópicos, amplos, presentes na Bíblia, como: A que se assemelha Deus? Qual é a natureza do homem? Qual é a doutrina da salvação realmente válida? Os princípios teológicos e suas respectivas regras tratam da formulação destas doutrinas. 21. Regra vinte um – Você precisa compreender gramaticalmente a Bíblia, antes de compreendê-la teologicamente. Outro modo de afirmar esta regra é dizer: “Você precisa entender o que diz a passagem, antes de poder esperar entender o que ela quer dizer”. Pode-se ver um exemplo disto na seguinte afirmação de Paulo em Romanos 5.15-21. Você precisa estudar cuidadosamente esta passagem para entender o que Paulo está dizendo. Ele está comparando Cristo com Adão. Assim como você é considerado injusto devido ao pecado de Adão, assim é considerado justo devido ao que Jesus Cristo fez. Foi-lhe imputado o pecado de Adão; assim também lhe foi imputada a justiça de Cristo. Em parte é isto que a passagem diz. Disto podemos tirar algumas conclusões. Por exemplo, vemos que a imputação não afeta o seu caráter moral, mas, sim a sua posição legal. Quando você foi considerado justo graças à obra de Cristo, o seu caráter moral não foi alterado; você não se tornou moralmente justo e perfeito, só legalmente justo e perfeito à vista de Deus. Aí está por que alguns não-cristãos são mais justos em seu procedimento do que muitos cristãos. Outro exemplo é esta afirmação em Hebreus 10.26: “Porque, se vivemos deliberadamente em pecado, depois de termos recebido o pleno conhecimento da verdade, já não resta sacrifício pelos pecados”. Muitos se utilizam deste versículo para ensinar que é possível ao cristão perder a sua salvação. Um estudo deste versículo em seu contexto levá-lo-á a uma conclusão interiramente diversa. Esta passagem fala 15


especificamente a judeus que criam em sacrifício de animais em antecipação do Messias por vir, não percebendo que Ele já tinha vindo. O escritor de Hebreus expõe o fato do sacrifício de Jesus. Esta sua afirmação diz que, uma vez que esses judeus compreenderam a razão da morte de Jesus e deliberadamente a ignoraram, se retornassem aos seus sacrifícos, não haveria nenhum sacrifício futuro provido por Deus. Você pode ver como um problema desses pode ser aliviado pelo uso de sadios princípios gramaticais (regra 10-17). Você terá de compreender o que uma passagem diz, antes de extrair dela quaisquer conclusões doutrinárias. 22. Regra vinte dois – Uma doutrina não pode ser considerada bíblica, a não ser que resuma e inclua tudo o que a Escritura diz sobre ela. Transparece de imediato que este é um procedimento importante no estudo da Bíblia, precisamente como o é em tudo na vida. É estulto chegar a uma conclusão antes de ouvir os argumentos todos. Por exemplo, existem numerosas passagens no N.T. que dizem que você não está debaixo da lei (Rm 3.28; Gl 5.18). Ao ler tais declarações. Pode você concluir que a graça de Deus o livra de qualquer obrigação de viver uma vida disciplinada, santa? De maneira nenhuma. Tal conclusão seria contestada por afirmações como por exemplo em Romanos 6.14. É aqui onde um estudo tópico da Bíblia se mostra útil. Você toma um tema, idéia ou ensinamento e estuda todas as passagens sobre o assunto. Eis aqui três espécies de estudos paralelos: 1) Paralelos de Palavras - Quando o conjuto da frase ou o contexto não bastam para explicar uma palavra duvidosa, procura-se às vezes adquirir seu verdadeiro significado consultando outros textos em que ela ocorre; e outras vezes, tratando-se de nomes próprios, apela-se para o mesmo procedimento. Exemplo: a vida de Balaão que foi um profeta de Deus, mas reunindo todos os textos que falam a seu respeito, qual a conclusão que chegamos? (Nm 22-24; II Pe 2.15; Jd 11; Ap 2.14). 2) Paralelos de Idéias – O paralelo de idéias difere do de palavras em que você não pode recorrer às referências de uma palavra, como pode fazer no caso de Balaão. A idéia é mais abrangente. Exemplo: Ao instituir Jesus a ceia, deu o cálice aos discípulos, dizendo: “Bebei dele todos”. Significa isto que só os ministros da religião devem participar do vinho na ceia com exclusão da congregação? Que idéia nos proporciona os paralelos? Em Coríntios 11.22-29, nada menos que seis versículos consecutivos nos apresentam o “comer do pão e beber do vinho” como fatos inseparáveis na ceia, destinando os elementos a todos os membros da igreja sem distinção. Outro exemplo: Ao dizer Jesus: “Sobre esta pedra edificarei a minha igreja”. Jesus não disse: “Sobre ti, Pedro”. Quem é realmente a Pedra Angular conforme os paralelos de idéias (Mt 21.42-44; I Pe 2.4,8; Éf 2.20; I Co 3.10,11). 3) Paralelos Doutrinários – Isto inclui estudos tópicos sobre as grandes doutrinas da Bíblia, tais como a redenção, justificação, santificação, a deidade de Jesus e do Espírito Santo. Neste tipo de estudo você reune todas as peças de informação e extrai uma conclusão. É bem parecido coma colocação das peças de um quebra-cabeças, reunindo-as. A isto se chama raciocínio indutivo – o processo de raciocinar das partes para o todo. Se você não está envolvido num estudo indutivo, devia estar. Pois, se as suas convicções quanto às doutrinas da Bíblia se formaram pelo que outros lhe falaram, em vez de por sua investigação pessoal das Escrituras, resistirão nos tempos de provação? Você tem de cavar nas Escrituras, você mesmo, e conseguir as suas convicções pessoais. 23. Regra vinte três – Quando parecer que duas doutrinas ensinadas na Bíblia são contraditórias, aceite ambas como escriturísticas, crendo confiadamente que elas se explicarão dentro de uma unidade mais elevada. Existe nas Escrituras certo número de aparentes contradições ou paradoxos. “Aparentes” porque na realidade não o são. Parecem contraditórias porque a mente finita do homem não pode compreender a mente infinita de Deus. Eis alguns dos conhecidos paradoxos para a mente humana: A Trindade, a dual natureza de Cristo, a origem e existência do mal, a soberana eleição de Deus e a responsabilidade do homem. De todas as dificuldades, nenhuma causa tanta controvérsia emocional como à última. Possivelmente porque as três 16


primeiras soam mais como questões acadêmicas, ao passo que a quarta toca as nossas sensibilidades morais. Ela tem a ver com o destino eterno do homem. Quando a Bíblia deixa duas doutrinas “conflitantes” sem as conciliar, você deve fazer o mesmo. Não arranque partes da Escritura na tentativa de forçar acordo entre as duas doutrinas “conflitantes”. Você pode fazer aplicação dessas doutrinas “conflitantes” pregando a doutrina certa à pessoa certa. Por exemplo, como cristão você prega a si próprio que Deus o escolheu; você não O escolheu. Se a escolha fosse sua, você votaria contra ele. Tudo que você é e tem é dom da graça de Deus. Isto deve enchê-lo de humildade e singeleza. Mas você pode proclamar com arrojo ao não-cristão que Deus o ama, pois Jesus mesmo disse isto em João 3.16. Nossa lealdade não é primeira e primordialmente a um sistema de teologia, mas à Escritura. Onde a Bíblia ensina duas doutrinas “conflitantes”, você deve seguir o exemplo dela e sustentar ambas, mantende cada uma em perfeito equilíbrio com a outra. 24. Regra vinte quatro – Um ensinamento simplesmente implícito na Escritura pode ser considerado bíblico quando uma comparação de passagens correlatas o apóia. A comunidade religiosa judaica do tempo de Jesus estava dividida em vários grupos: herodianos, essênios, zelotes, saduceus e fariseus. Estes dois últimos grupos divergiam sobre certos pontos doutrinários, notadamente a ressurreição dos mortos. Os fariseus criam nisso; os saduceus o negavam. Certa ocasião Jesus se viu numa discussão com os saduceus sobre esta questão da vida além desta. Será que o A.T. a ensina de fato? Atente para a linha de raciocínio de Jesus (Mc 12.26,27). Diz o Senhor que a ressurreição pode ser provada com base no A.T. (Êx 3.15), em que Deus se identificou como o Deus de Abraão, Isaque e Jacó. Uma vez que Deus é Deus de vivos, esses três homens têm de estar vivos ou ressurretos. Este raciocínio é dedutivo, e pode ser delineado da seguinte forma:  Primeira premissa – Deus é Deus de vivos.  Segunda premissa – Deus é o Deus de Abraão, Isaque e Jacó.  Conclusão – Abraão, Isaque e Jacó estão entre os que vivem. A doutrina da ressurreição é implícita no A.T., arrazoou Cristo. O A.T. não afirma expressamente que há uma ressurreição dos mortos, mas quando você compara passagens corrrelatas sobre esse assunto, deduz que é verdade. Você precisa estar certo de que as deduções que faz estão verdadeiramente implícitas nas Escrituras de que as extrai, e de que você averigou e comparou passagens correlatas sobre o assunto. É facil fazer mau uso do princípio e chegar a conclusões antibíblicas. Isto acontece muitas vezes com passagens que nos dão exemplos da vida de Cristo. Marcos diz que Jesus: “Tendo-se levantado alta madrugada, saiu, foi para um lugar deserto, e ali orava” (Mc 1.35). Daí somos inclinados a deduzir que o cristão fiel deve ter sua hora tranquila de manhã bem cedo.  Primeira Premissa – O crente deve ser semelhante a Cristo.  Segunda Premissa – Cristo fazia devoções de manhã bem cedo.  Conclusão – O crente deve fazer devoções pela manhã bem cedo. Todavia, você se lembrará de que sob a regra 5, os exemplos bíblicos só têm autoridade quando apoiado por uma ordem. Esta passagem sustenta a validade da hora tranquila matutina, não porém a sua necessidade. Você não pode violar um princípio de interpretação a fim de justificar outro. Deve-se levar em consideração todos os princípios, para uma interpretação válida. FIGURAS DE LINGUAGEM OU RETÓRICA Vimos na "décima regra" que para a correta compreensão das Escrituras é necessário, na medida do possível, tomar as palavras em seu sentido usual e comum, o que, devido à linguagem usual e figurada da Bíblia e seus hebraísmos, não significa que sempre devem ser tomadas ao pé da letra. Também já observamos que é preciso familiarizar-se com esta linguagem para chegar a compreender, sem dificuldade, qual seja o sentido usual e comum das palavras. Para que o leitor consiga em parte esta familiaridade, exporemos em seguida uma série de figuras e hebraísmos, com seus correspondentes exemplos, que 17


precisam ser estudados detidamente e repetidas vezes. Como veremos, as figuras retóricas da linguagem bíblica são as mesmas que em outros idiomas; e não é tanto para seus nomes, um tanto estranhos, quanto para os exemplos que lhes seguem, que chamamos a atenção. Metáfora 1. Esta figura tem por base alguma semelhança entre dois objetos ou fatos, caracterizando-se um com o que é próprio do outro. Exemplos: Ao dizer Jesus: "Eu sou a videira verdadeira", Jesus se caracteriza com o que é próprio e essencial da videira; e ao dizer aos discípulos: "Vós sois as varas", caracteriza-os com o que é próprio das varas. Para a boa interpretação desta figura, perguntamos, pois: que caracteriza a videira? ou, para que serve principalmente? Na resposta a tais perguntas está a explicação da figura. Para que serve uma videira? Para transmitir seiva e vida às varas, a fim de produzirem uvas. Pois isto é o que, em sentido espiritual, caracteriza a Cristo: qual uma videira ou tronco verdadeiro, comunica vida e força aos crentes, para que, como as varas produzem uvas, eles produzam os frutos do Cristianismo. Proceda-se do mesmo modo na interpretação de outras figuras do mesmo tipo, como por exemplo: "Eu sou a porta, eu sou o caminho, eu sou o pão vivo; vós sois a luz, o sal; edifício de Deus; ide, dizei àquela raposa; são os olhos a lâmpada do corpo; Judá é leãozinho; tu és minha rocha e minha fortaleza; sol e escudo é o Senhor Deus; a casa de Jacó será fogo, e a casa de José chama e a casa de Esaú restolho", etc. (João 15:1; 10:9; 14:6; 6:51; Mat. 5:13,14; 1 Cor. 3:9; Luc. 13:32; Mat. 6:22; Gên. 49:9; Sal. 71:3; 84:11; Obadias 18.) Sinédoque 2. Faz-se uso desta figura quando se toma a parte pelo todo ou o todo pela parte, o plural pelo singular, o gênero pela espécie, ou vice-versa. Exemplos: Toma a parte pelo todo o Salmista ao dizer: "Minha carne repousará segura" (versão revista e corrigida), em lugar de dizer: meu corpo ou meu ser, que seria o todo, sendo a carne só parte de seu ser (Sal. 16:9). Toma o todo pela parte o Apóstolo quando diz da ceia do Senhor: "todas as vezes que . . . beberdes o cálice", em lugar de dizer beberdes do cálice, isto é, parte do que há no cálice. (1 Cor. 11:26). Tomam também o todo pela parte os acusadores de Paulo ao dizerem: "Este homem é uma peste e promove sedições entre os judeus esparsos por todo o mundo"; significando, por aquela parte do mundo ou do Império romano que o Apóstolo havia alcançado com sua pregação. (Atos 24:5.) Metonímia 3. Emprega-se esta figura quando se emprega a causa pelo efeito, ou o sinal ou símbolo pela realidade que indica o símbolo. Exemplos: Vale-se Jesus desta figura empregando a causa pelo efeito ao dizer: "Eles têm Moisés e os profetas; ouçam-nos", em lugar de dizer que têm os escritos de Moisés e dos profetas, ou seja o Antigo Testamento. (Luc. 16:29.) Emprega também o sinal ou símbolo pela realidade que indica o sinal quando disse a Pedro: "Se eu não te lavar, não tens parte comigo". Aqui Jesus emprega o sinal de lavar os pés pela realidade de purificar a alma, porque faz saber ele mesmo que o ter parte com ele não depende da lavagem dos pés, mas da purificação da alma. (João 13:8). Do mesmo modo João faz uso desta figura pondo o sinal pela realidade que indica o sinal, ao dizer: "O sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo pecado", pois é evidente que aqui a palavra sangue indica toda a paixão e morte expiatória de Jesus, única coisa eficaz para satisfazer pelo pecado e dele purificar o homem. (1 João 1:7.) Prosopopéia 4. Usa-se esta figura quando se personificam as coisas inanimadas, atribuindo-lhes os feitos e ações das pessoas. 18


Exemplos: O apóstolo fala da morte como de pessoa que pode ganhar vitória ou sofrer derrota, ao perguntar: "Onde está, ó morte, o teu aguilhão?" (1 Cor. 15:55). Emprega o apóstolo Pedro a mesma figura, falando do amor, e referindo-se à pessoa que ama, quando diz: "o amor cobre multidão de pecados" (1 Ped. 4:8). Como é natural, ocorrem com freqüência estas figuras na linguagem poética do Antigo Testamento, dando-lhe assim uma formosura, vivacidade e animação extraordinárias, como por exemplo ao prorromper o profeta: "Os montes e os outeiros romperão em cânticos diante de vós, e todas as árvores do campo baterão palmas." Convirá observar que em casos como estes não se trata somente de uma mera personificação das coisas inanimadas, mas de uma simbolização pelas mesmas, representando nesta passagem os montes e outeiros pessoas eminentes, e árvores pessoas humildes; uns e outros de regozijo louvando ao Redentor ante seus mensageiros. (Isaías 55:12.) Outro caso de personificação grandiosa ocorre no Salmo 85:10,11, onde se faz referência à abundância de bênçãos próprias do reinado do Messias nestes termos: "Encontraram-se a graça e a verdade, a justiça e a paz se beijaram. Da terra brota a verdade, dos céus a justiça baixa o seu olhar." Ironia 5. Faz-se uso desta figura quando se expressa o contrário do que se quer dizer, porém sempre de tal modo que se faz ressaltar o sentido verdadeiro. Exemplos: Paulo emprega esta figura quando chama aos falsos mestres de os tais apóstolos, dando a entender ao mesmo tempo que de nenhum modo são apóstolos. (2 Cor. 11:5; 12:11; veja-se 11:13.) Vale-se da mesma figura o profeta Elias quando no Carmelo disse aos sacerdotes do falso deus Baal: "Clamai em altas vozes . . . e despertará", dando-lhes a compreender, por sua vez, que era de todo inútil gritarem. (1 Reis 18:27.) Também Jó faz uso desta figura ao dizer a seus amigos: "Vós sois o povo, e convosco morrerá a sabedoria", fazendo-os saber que estavam muito longe de serem tais sábios. (Jó 12:2.) Hipérbole 6. É a figura pela qual se representa uma coisa como muito maior ou menor do que em realidade é, para apresentá-la viva à imaginação. Tanto a ironia como a hipérbole são pouco usadas nas Escrituras, porém, alguma ou outra vez ocorrem. Exemplos: Fazem uso da hipérbole os exploradores da terra de Canal quando voltam para contar o que ali haviam visto, dizendo: "Vimos ali gigantes . . . e éramos aos nossos próprios olhos como gafanhotos... as cidades são grandes e fortificadas até aos céus." (Núm. 13:33; Deut. 1:28). Daí se vê que os exploradores falavam como se costuma entre nós ao dizer uma pessoa a outra, por exemplo: "Já lhe avisei mil vezes", querendo dizer somente: "Já lhe avisei muitas vezes." Também João faz uso desta figura ao dizer: "Há, porém, ainda muitas outras coisas que Jesus fez. Se todas elas fossem relatadas uma por uma, creio eu que nem no mundo inteiro caberiam os livros que seriam escritos." Não só se empregam determinadas palavras em sentido figurado nas Escrituras, mas às vezes, textos e passagens inteiros; assim é que achamos o uso da alegoria, da fábula, do enigma, do símbolo e da parábola, figuras que ocorrem também em outra classe de literatura. Alegoria 7. A alegoria é uma figura retórica que geralmente consta de várias metáforas unidas, representando cada uma delas realidades correspondentes. Costuma ser tão palpável a natureza figurativa da alegoria, que uma interpretação ao pé da letra quase que se faz impossível. Às vezes a alegoria está acompanhada, como a parábola, da interpretação que exige. Exemplos: Tal exposição alegórica nos faz Jesus ao dizer: "Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém dele comer, viverá eternamente; e o pão que eu darei pela vida do mundo, é a minha carne... Quem 19


comer a minha carne e beber o meu sangue tem a vida eterna", etc. Esta alegoria tem sua interpretação na mesma passagem da Escritura. (João 6:51-65.) Outra alegoria apresenta o Salmista (Salmo 80:8-13) representando os israelitas, sua trasladação do Egito a Canaã e sua sucessiva história sob as figuras metafóricas de uma videira com suas raízes, ramos, etc., a qual, depois de trasladada, lança raízes e se estende, ficando porém mais tarde estropiada pelo javali da selva e comida pelas bestas do campo (representando o javali e as bestas poderes gentílicos). Ainda outra alegoria nos apresenta o povo israelita sob as figuras de uma vinha em lugar fértil, a qual, apesar dos melhores cuidados, não dá mais que uvas silvestres, etc. Também esta alegoria está acompanhada de sua explicação correspondente – "Porque, a vinha do Senhor dos Exércitos é a casa de Israel, e os homens de Judá são a planta dileta do Senhor", etc. (Isa. 5:1-7). Fábula 8. A fábula é uma alegoria histórica, pouco usada na Escritura, na qual um fato ou alguma circunstância se expõe em forma de narração mediante a personificação de coisas ou de animais. Exemplos: Lemos em 2 Reis 14:9: "O cardo que está no Líbano, mandou dizer ao cedro que lê está: Dá tua filha por mulher a meu filho; mas os animais do campo, que estavam no Líbano, passaram e pisaram o cardo." Com esta fábula Jeoás, rei de Israel, responde ao repto de guerra que lhe havia feito Amazias, rei de Judá. Jeoás compara-se a si mesmo ao robusto cedro do Líbano e humilha a seu orgulhoso contendor, igualando-o a um débil cardo, desfazendo toda aliança entre os dois e predizendo a ruína de Amazias com a expressão de que "os animais do campo pisaram o cardo". Enigma 9. O enigma também é um tipo de alegoria, porém sua solução é difícil e abstrusa. Exemplos: Sansão propôs aos filisteus o seguinte: "Do comedor saiu comida e do forte saiu doçura" (Juízes 14:14). A solução se encontra no sobredito trecho bíblico. Entre outros ditos de Agur, encontramos em Prov. 30:24 o enigma seguinte: "Há quatro coisas mui pequenas na terra, que, porém, são mais sábias que os sábios." Este enigma tem também sua solução na mesma passagem em que se encontra. Tipo 10. O tipo é uma classe de metáfora que não consiste meramente em palavras, mas em fatos, pessoas ou objetos que designam fatos semelhantes, pessoas ou objetos no porvir. Estas figuras são numerosas e chamam-se na Escritura sombra dos bens vindouros, e se encontram, portanto, no Antigo Testamento. Exemplos: Jesus mesmo faz referência à serpente de metal levantada no deserto, como tipo, prefigurando a crucificação do Filho do homem. (João 3:14.) Noutra ocasião Cristo se refere ao conhecido acontecimento com Jonas como tipo, prefigurando sua sepultura e ressurreição. (Mat. 12:40.) Paulo nos apresenta o primeiro Adão como tipo, prefigurando o segundo Adão, Cristo Jesus; e também o cordeiro pascoal como o tipo do Redentor. (Rom. 5:14; 1 Cor. 5:7.) Sobretudo, a carta aos Hebreus faz referência aos tipos do Antigo Testamento, como, por exemplo, ao sumo sacerdote que prefigurava a Jesus; aos sacrifícios que prefiguravam o sacrifício de Cristo; ao santuário do templo que prefigurava o céu, etc. (Heb. 9:11-28; 10:6-10). Muitos abusos têm sido cometidos na interpretação de muitas coisas que parecem típicas no Antigo Testamento. Assim é que folgamos em aconselhar: 1° – Aceite-se como tipo o que como tal é aceito no Novo Testamento; 2° – recorde-se que o tipo é inferior ao seu correspondente real e que, por conseguinte, todos os detalhes do tipo não têm aplicação à dita realidade; 3° – tenha-se presente que às vezes um tipo pode prefigurar coisas diferentes, e 4° – que os tipos, como as demais figuras, não nos foram dados para servir de base e fundamento das doutrinas cristãs, mas para confirmar-nos na fé e para ilustrar e apresentar as doutrinas vivas à mente. 20


Símbolo 11. O símbolo é uma espécie de tipo pelo qual se representa alguma coisa ou algum fato por meio de outra coisa ou fato familiar que se considera a propósito para servir de semelhança ou representação. Exemplos: O leão é considerado o rei dos animais do bosque; assim é que achamos nas Escrituras a majestade real simbolizada pelo leão. Do mesmo modo se representa a força pelo cavalo e a astúcia pela serpente. (Apoc. 5:5; 6:2; Mat. 10:16.) Considerando a grande importância que sempre tiveram as chaves e seu uso, nada há de estranho que viessem a simbolizar autoridade (Mat. 16:19). Recordando que as portas dos povoados antigamente serviam como uma espécie de fortaleza, compreendemos porque, em linguagem simbólica, venha a representar força e domínio. (Mat. 16:18). Quanto a fatos simbólicos, para representar a morte do pecador para o mundo e sua entrada numa vida nova pela ressurreição espiritual, temos a imersão e saída da água, no batismo. Representa-se também, como sabemos, a comunhão espiritual com Jesus e a participação de seu sacrifício na celebração da Ceia do Senhor. (Rom. 6:3,4; 1 Cor. 11:23-26.) Parábola 12. A parábola é uma espécie de alegoria apresentada sob forma de uma narração, relatando fatos naturais ou acontecimentos possíveis, sempre com o objetivo de declarar ou ilustrar uma ou várias verdades importantes. Exemplos: Em Lucas 18:1-7 expõe Jesus a verdade de que é preciso orar sempre e sem desfalecer, ainda que tardemos em receber a resposta para aclarar e imprimir nos corações esta verdade, serve-se do exemplo ou parábola de uma viúva e um mau juiz, que nem teme a Deus nem tem respeito aos homens. Comparece a viúva perante o juiz pedindo justiça contra seu adversário. Porém o juiz não faz caso; mas em razão de voltar e molestá-lo, a viúva consegue que o juiz injusto lhe faça justiça. E assim Deus ouvirá aos seus "que a ele clamam dia e noite, embora pareça demorado em defendê-los". Uma parábola que tem por objetivo ilustrar várias verdades, temo-la no Semeador (Mat. 13:3-8), cuja semente cai na terra em quatro pontos diferentes; necessitando cada um sua interpretação. (Vejam-se versos 18-25.) Outra parábola que ilustra várias verdades é a do João, no mesmo cap. vers. 24-30 e 36-43. Várias verdades são aclaradas também pelas parábolas da ovelha perdida, da dracma perdida e do filho pródigo (Luc. 15). Outro tanto sucede com a do fariseu e o publicano e outras (Luc. 18:10-14). Quanto à correta compreensão e interpretação das parábolas, é preciso observar o seguinte: 1° – Deve-se buscar seu objetivo; em outras palavras, qual é a verdade ou quais as verdades que ilustra. Encontrado isso, tem-se a explicação da parábola, e note-se que às vezes consta o objetivo na sua introdução ou no seu término. Outras vezes se descobre seu objetivo tendo presente o motivo com que foi empregada. 2° – Devemos ter em conta os traços principais das parábolas, deixando-se de lado o que lhes serve de adorno ou para completar a narrativa. Jesus mesmo nos ensina a proceder assim na interpretação de suas próprias parábolas. Como existe perigo de equivocar-se neste ponto, vamos aclará-lo chamando a atenção para a de Lucas 11:5-8. Nesta parábola Cristo ilustra a verdade de que é necessário orar com insistência, valendo-se do exemplo de uma pessoa que necessita de três pães. É noite e vai pedi-los emprestados a um amigo seu que já tem a porta fechada e está deitado, bem como os seus filhos. Este amigo preguiçoso não quer levantar-se para dá-los, mas, por força da insistência e importunação no pedido, o homem consegue o que deseja. É fácil ver que aqui é o homem necessitado e suplicante quem nos oferece o bom exemplo e representa o cristão na parábola. Igualmente fácil é entender que seu amigo representa Deus. Porém, que absurdo seria interpretar tudo o que se disse do amigo, aplicando-o a Deus, a saber, que tem a porta fechada, estão ele e seus filhos deitados e, sendo preguiçoso, não quer levantar-se! É evidente que esta parte constitui o que chamamos adorno da parábola e que se deve deixar de lado, por não corresponder e se aplicar à realidade. Observemos, pois, sempre a totalidade da parábola e suas partes principais, fazendo caso omisso de seus detalhes menores. 3° – Não se esqueça de que as parábolas, como as demais figuras, servem para ilustrar as doutrinas e não para produzi-las. 21


Símile 13. A figura de retórica denominada símile procede da palavra latina "similis" que significa semelhante ou parecido a outro. A palavra é definida da seguinte maneira pela Enciclopédia Brasileira Mérito: "Semelhante. Analogia; qualidade do que é semelhante; comparação de coisas semelhantes." A Bíblia contém numerosos e belíssimos símiles, que, quais janelas de um edifício, deixam penetrar a luz e permitem que os que estão em seu interior possam olhar para fora e contemplar o maravilhoso mundo de Deus. A metáfora consiste em denominar uma coisa empregando o nome de outra, na esperança de que o leitor ou o ouvinte reconhecerá a semelhança entre o sentido real e o figurado da comparação. O Senhor Jesus empregou com respeito a Herodes o qualificativo de aquela raposa, o que constitui uma metáfora. Se houvesse dito que Herodes era como uma raposa, teria empregado a figura retórica denominada símile, mas neste caso, teria faltado força à sua declaração. A palavra raposa ajustava-se tão bem ao astuto rei, que o Senhor não necessitou dizer que Herodes era como uma raposa. No símile se emprega para a comparação a palavra como ou outra similar, enquanto na metáfora se prescinde dela. Interrogação 14. A palavra interrogação procede de um vocábulo latino que significa pergunta. Mas nem todas as perguntas são figuras de retórica. Somente quando a pergunta encerra uma conclusão evidente é que é uma figura literária. A Enciclopédia Brasileira Mérito define a interrogação da seguinte maneira: "Figura pela qual o orador se dirige ao seu interlocutor, ou adversário, ou ao público, em tom de pergunta, sabendo de antemão que ninguém vai responder." Exemplos: "Não fará justiça o Juiz de toda a terra?" (Gên. 18:25). Isso equivale a dizer que o Juiz de toda a terra fará o que é justo. "Não são todos eles espíritos ministradores enviados para serviço, a favor dos que hão de herdar a salvação?" (Hebreus 1:14). Neste versículo o ministério nobre dos anjos se considera um fato incontrovertível. As interrogações que se encontram em Rom. 8: 33-35 constituem formosos exemplos do poder e do uso desta figura literária. A mente, em forma instintiva, vai da pergunta à resposta em atitude triunfal. "Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus? É Deus quem os justifica. Quem os condenará? É Cristo Jesus quem morreu, ou antes, quem ressuscitou, o qual está à direita de Deus, e também intercede por nós. Quem nos separará do amor de Cristo? Será tribulação, ou fome, ou nudez, ou perigo ou espada?" "Jesus, porém, lhe disse: Judas, com um beijo trais o Filho do homem?" Estas palavras equivaliam a dizer: "Judas, tu entregas o Filho do homem com um beijo." (Lucas 22:48). No livro de Jó há muitas interrogações. Aqui temos alguns exemplos: "Porventura não sabes tu que desde todos os tempos, desde que o homem foi posto sobre a terra, o júbilo dos perversos é breve, e a alegria dos ímpios momentânea?" (Jó 20:4, 5). "Porventura desvendarás os arcanos de Deus, ou penetrarás até a perfeição do Todo-poderoso?" (Jó 11:7). A resposta de Deus do meio de um redemoinho (caps. 38-40) está expressa em sua maior parte por meio de interrogações. Antítese 15. Este vocábulo procede da palavra latina antithesis e esta de palavras gregas que significam colocar uma coisa contra a outra. A Enciclopédia Brasileira Mérito nos dá a seguinte definição: "Inclusão, na mesma frase, de duas palavras, ou dois pensamentos, que fazem contraste um com o outro." Trata-se de uma figura de retórica muito eficaz que se encontra em muitas partes das Escrituras. O mau e o falso servem de contraste ou fundo que dê realce ao bom e o verdadeiro. Exemplos: O discurso de despedida de Moisés (Deut. 27 a 33) consiste numa notável série de contrastes ou antíteses. Note-se a que se encontra em Deut. 30:15 que diz: "Vê que proponho hoje a vida e o bem, a morte e o mal." Temos aqui um contraste ou antítese dupla. Também no versículo 19: "Os céus e a terra tomo hoje como testemunhas contra ti que te propus a vida e a morte, a bênção e a maldição (duas antíteses); escolhe, pois, a vida, para que vivas, tu e a tua descendência." O Senhor Jesus apresenta em seu Sermão da Montanha numerosas antíteses. Note-se a que aparece em Mateus 7:13,14: "Entrai pela porta estreita (larga é a porta e espaçoso o caminho que conduz para a perdição e são muitos os que entram por ela) porque estreita é a porta e apertado o caminho que conduz para 22


a vida, e são poucos os que acertam com ela." O Senhor Jesus estabelece contraste ou antítese entre a porta estreita e a larga; entre o caminho estreito e o largo; entre os dois destinos, a vida e a destruição e entre os poucos e os muitos. Temos aqui uma quádrupla antítese. Entre os versículos 17 e 18 se contrasta a árvore má e seus maus frutos com a árvore boa e seus bons frutos. Nos versículos 21 a 23 o Senhor efetua um contraste entre duas pessoas: uma professa obediência à vontade divina, sem praticá-la, enquanto a outra realmente pratica a obediência. A seguir ilustra a diferença mediante uma extraordinária e múltipla antítese. (Versículos 24-27.) Provérbio 16. Este vocábulo procede das palavras latinas pro que significa antes e verbum que quer dizer palavra. Trata-se de um dito comum ou adágio. O provérbio tem sido definido como uma afirmação extraordinária e paradoxal. Os Provérbios do Antigo Testamento estão redigidos em sua maior parte em forma poética, consistentes em dois paralelismos, que geralmente são sinônimos, antitéticos ou sintéticos. O livro dos Provérbios contam grande variedade de Provérbios, adivinhações, enigmas e ditos obscuros. Neste último sentido da palavra usa-se o provérbio por duas vezes consecutivas em João 16 (25,29). Em João 10:6 temos a mesma palavra grega, mas ali foi traduzida como parábola. Alguns provérbios são parábolas abreviadas ou condensadas; outros, metáforas; outros, símiles; e outros se têm estendido até formar alegorias. Em sua Introdução ao livro dos Provérbios, escrito em hebreu, o Dr. T. J. Conant faz o seguinte comentário: "A sabedoria ética e prática mais remota da maioria dos povos da antiguidade se expressava em ditos agudos, breves, expressivos e enérgicos. Enfeixavam, em poucas palavras, o resultado da experiência comum, ou das considerações e observações individuais. Pensadores e observadores agudos, acostumados a generalizar os acontecimentos experimentais e arrazoar com base em princípios básicos, expressavam o resultado de suas investigações mediante apotegmas ou seja ditos breves e sentenciosos, os quais comunicavam alguma instrução ou pensamento engenhoso, alguma verdade de caráter moral ou religioso, alguma máxima relativa à prudência ou conduta, ou às regras práticas da vida. Tudo isto era manifestado mediante termos destinados a despertar atenção, ou estimular o espírito de investigação ou as faculdades do pensamento, e em forma que se fixava com caracteres indeléveis na memória. Converteram-se, assim, em elementos integrantes da forma popular de pensar, tão inseparáveis dos hábitos mentais do povo como o próprio poder de percepção." O propósito dos Provérbios é afirmado assim na introdução ao Livro dos Provérbios (1:2-6): "Para aprender a sabedoria, e o ensino; para entender as palavras de inteligência; para obter o ensino do bom proceder, a justiça, o juízo, e a eqüidade; para dar aos simples prudência, e aos jovens conhecimento e bom siso: ouça o sábio e cresça em prudência; e o entendido adquira habilidade para entender provérbios e parábolas, as palavras e enigmas dos sábios." Exemplos: "Médico cura-te a ti mesmo" (Lucas 4:23). Este deve ter sido um dito comum em Nazaré. Aplicava-se a princípio, a médicos atacados de enfermidades físicas, os quais tratavam de curar delas a outros. Jesus compreendeu que seus antigos conhecidos da cidade de Nazaré, motivados pela incredulidade, empregariam essas palavras contra ele, se não realizasse em Nazaré milagres tão maravilhosos como os que havia efetuado em Cafarnaum. O Senhor respondeu aos seus pensamentos que ainda não se haviam transformado em palavras, com outro provérbio, que constitui uma defesa própria: "Nenhum profeta é bem recebido em sua própria terra." Esta parece ser a interpretação condensada do provérbio que diz: "Não há profeta sem honra senão na sua terra, entre os seus parentes, e na sua casa." (Marcos 6:4; Mateus 13:57.) Jesus demonstra a verdade de sua declaração ao referir-se à história de Elias (1 Reis capítulos 17 e 18) e de Eliseu (2 Reis, 5:1-14). Contra os mestres apóstatas e reincidentes que semeavam a ruína naquela época, o apóstolo Pedro emprega com grandes resultados dois fatos, que todos deviam ter observado, condensados num provérbio, a saber: "O cão voltou ao seu próprio vômito; e: a porca lavada voltou a revolver-se no lamaçal" (2 Pedro 2:22). A interpretação é evidente, e não é difícil encontrar exemplos para ilustrar a verdade, mesmo em nossos dias. (Compare Provérbios 26:11, onde a primeira parte deste duplo provérbio se aplica com respeito a um néscio e sua necessidade.) Advertências: (1) Deve-se ter muito cuidado no que respeita à interpretação de provérbios, e em particular, no referente àqueles que não são fáceis de entender e interpretar. Quiçá estejam baseados em fatos e costumes que se perderam para nós. (2) Dado que os Provérbios podem ser símiles, metáforas, 23


parábolas ou alegorias, é bom determinar a que classe pertence o provérbio a ser interpretado. Figuras diferentes podem combinar-se para formar um provérbio. Por exemplo, em Prov. 1:20-33, a sabedoria é personificada e se apresenta o provérbio na forma de uma parábola com sua aplicação. Leia também Eclesiastes 9:13-18. (3) Estude o contexto, isto é, os versículos que precedem e seguem ao texto, os quais são amiúdo a chave da interpretação, como sucede nos casos acima mencionados. (4) Quando houverem fracassado todas as tentativas destinadas a aclarar o significado, é melhor ficar na expectativa até que se receba mais luz sobre o assunto. (5) Não empregue como prova textos, provérbios ou outras Escrituras, cujo significado não possa determinar, embora favoreçam a doutrina que você mantém. (6) Aproveite a ajuda que proporcionam os comentaristas eruditos no estudo das Sagradas Escrituras; eles conhecem os idiomas originais e podem proporcionar as conclusões a que chegaram os eruditos sagrados mais famosos. (7) Acima de tudo, ore pedindo a iluminação divina. HEBRAÍSMOS Por hebraísmos entendemos certas expressões e maneiras peculiares do idioma hebreu que ocorrem em nossas traduções da Bíblia, que originalmente foi escrita em hebraico e em grego. Como já dissemos, alguns conhecimentos destes hebraísmos são necessários para poder fazer uso devido de nossa primeira regra de interpretação. Exemplos: 1° - Era costume entre os hebreus chamar a uma pessoa filho da coisa que de um modo especial a caracterizava, de modo que ao pacífico e bem disposto se chamava filho da paz; ao iluminado e entendido, filho da luz; aos desobedientes, filhos da desobediência, etc. (Veja-se Luc. 10:6; Efés. 2:2; 5:6 e 5:8.) 2° - As comparações eram expressas às vezes, mediante negações, como, por exemplo, ao dizer Jesus: "Qualquer que a mim me receber, não recebe a mim, mas ao que me enviou", o que equivale à nossa maneira de dizer: O que me recebe, não recebe tanto a mim, quanto ao que me enviou; ou não somente a mim, mas também ao que me enviou." Devemos interpretar da mesma maneira quando lemos: "Não procuro (somente) a minha própria vontade, e, sim, a daquele que me enviou; trabalhai, não (só) pela comida que perece mas pela que subiste para a vida eterna; não mentiste (somente) aos homens, mas a Deus; não me enviou Cristo (tanto) para batizar, mas (quanto) para pregar o evangelho; nossa luta não é contra o sangue e a carne (somente), e, sim, contra os principados . . . contra as forças espirituais do mal", etc. (Mar. 9:37; João 5:30; 6:27; Atos 5:4; 1 Cor. 1:17; Efésios 6:12.) O amar e aborrecer eram usados para expressar a preferência de uma coisa a outra; assim é que ao ler, por exemplo: "Amei a Jacó, porém me aborreci de Esaú", devemos compreender: preferi Jacó a Esaú. (Rom. 9:13; Deut. 21:15; João 12:25; Luc. 14:26; Mat. 10:37). 3° - Às vezes os hebreus, apesar de se referirem tão-somente a uma pessoa ou coisa, mencionavam várias para indicar sua existência e relação com a pessoa ou coisa a que se referiam, como, por exemplo, ao dizer: "A arca repousou sobre as montanhas de Ararat", o que equivale a dizer que repousou sobre um dos montes Ararat. Do mesmo modo que, ao lermos em Mateus 24:1 que "se aproximaram dele os seus discípulos para lhe mostrar as construções do templo", sabemos que um deles (como intérprete do sentimento dos outros) lhe mostrou os edifícios do templo; e ao dizer (Mateus 26:8) que "indignaram-se os discípulos (pela perda do ungüento), dizendo: para que este desperdício?", sabemos por João que foi um deles, a saber: Judas, que sem dúvida, expressando o pensamento dos demais, disse; "Para que este desperdício?" Ao dizer também. Lucas que os soldados chegaram-se a Jesus, apresentado-lhe vinagre na cruz, vimos por Mateus que foi um deles que realizou o ato. (Gên. 8:4; Juízes 12:7; Mateus 24:1; Marcos 13:1; Lucas 23:36; Mateus 27:48.) 4° - Com freqüência usavam os hebreus o nome dos pais para denotar seus descendentes, como, por exemplo, ao dizer-se (Gên. 9:25): "Maldito seja Canaã", em lugar dos descendentes de Canaã (excetuandose, é claro, os justos de seus descendentes). Muitas vezes usa-se também o nome de Jacó ou Israel para designar os israelitas, isto é, os descendentes de Israel. (Gên. 49:7; Salmo 14:7; 1 Reis 18,17,18.) 5° - A palavra "filho" usa-se, às vezes, como em quase todos os idiomas, para designar um descendente mais ou menos remoto. Assim é que o sacerdotes, por exemplo, se chamam filhos de Levi; Mefibosete se chama filho de Saul, embora, em realidade fosse seu neto; do mesmo modo Zacarias se chama filho de Ido, sendo seu pai Berequias, filho de Ido. E assim como "filho" se usa para designar um descendente qualquer, do mesmo modo a palavra "pai" se usa às vezes para designar um ascendente qualquer. Às vezes "irmão" se usa também quando somente se trata de um parentesco mais ou menos próximo; assim, por exemplo, chama-se 24


Ló irmão de Abraão, embora em realidade fosse seu sobrinho. (Gên 14:12-16.) Tendo presentes tais hebraísmos, desaparecem contradições aparentes. Em 2 Reis 8:26, por exemplo, se chama a Atalia, filha de Onri, e no verso 18, filha de Acabe, sendo em realidade filha de Acabe e neta de Onri. Além dos hebraísmos referidos, ocorrem outras singularidades na linguagem bíblica, certos quasehebraísmos, que precisamos conhecer para a correta compreensão de muitos textos. Referimo-nos ao uso peculiar de certos números, de algumas palavras que expressam fatos realizados ou supostos e de vários nomes próprios. Exemplos: 1° Certos números determinados usam-se às vezes em hebraico para expressar quantidades indeterminadas. "Dez", por exemplo, significa "vários", como também este número exato. (Gên. 31:7; Daniel 1:20.) "Quarenta" significa "muitos". Persépolis era chamada "a cidade das quarenta torres", embora o numero delas fosse muito maior. Tal é, provavelmente, também o significado em 2 Reis 8:9, onde lemos que Hazael fez um presente de 40 cargas de camelos de bens de Damasco a Eliseu. Talvez seja este também o significado em Ezequiel 29:11-13. "Sete" e "setenta" se usam para expressar um número grande e completo, ainda que indeterminado. (Prov. 26:16,25; Salmo 119:164; Lev. 26:24). É-nos ordenado perdoar até setenta vezes sete para dar-nos a compreender que, se o irmão se arrepende, devemos sempre perdoar-lhe. Os sete demônios expulsos de Maria denotam, talvez, seu extremado sofrimento e ao mesmo tempo sua grande maldade. 2° - Às vezes usam-se números redondos nas Escrituras para expressar quantidades inexatas. Em Juízes 11:26 vemos, por exemplo, que se coloca o número redondo de 300 por 293. Compare-se também cap. 20:46, 35. 3° - Às vezes faz-se uso peculiar das palavras que expressam ação, dizendo-se de vez em quando que uma pessoa faz uma coisa, quando só a declara feita; quando profetiza que se fará, se supõe que se fará ou considera feita. Às vezes manda-se também fazer uma coisa quando só se permite que se faça. Em Lev. 13:13 (no original), por exemplo, diz-se que o sacerdote limpa o leproso, quando apenas o declara limpo. Em 2 Cor. 3:6 lemos que "a letra (significando, a lei) mata", quando na realidade só declara que o transgressor deve morrer. Em João 4:1,2, diz-se que "Jesus" batizava mais discípulos que João, quando só ordenava que fossem batizados, pois em seguida lemos: "(se bem que Jesus mesmo não batizava, e, sim, os seus discípulos.)" Lemos também que Judas "adquiriu um campo com o preço da iniqüidade", embora só fosse proveniente dele, entregando aos sacerdotes o dinheiro com que compraram dito campo. (Atos 1:16-19; Mateus 27:410). Assim compreendemos também em que sentido consta que "o Senhor endureceu o coração de Faraó", ao mesmo tempo que lemos que Faraó mesmo endureceu seu coração; isto é, que Deus foi causa de seu endurecimento oferecendo-lhe misericórdia com a condição de ser obediente, porém se endureceu ele mesmo, resistindo à bondade oferecida. (Êxodo 8:15; 9:12; compare-se Rom. 9:17.) Ao dizer o Senhor ao profeta Jeremias (1:10): "Hoje te constituo. . . para arrancares . . . para destruíres e arruinares", etc., não o colocou Deus para executar estas coisas, mas para profetizá-las ou proclamá-las. Neste sentido também Isaías teve de tornar "insensível o coração deste endurece-lhes os ouvidos e fechalhes os olhos" (Isaías 6:10). Como prova de que o idioma hebraico expressa em forma de mandamento positivo o que não implica mais que uma simples permissão, e nem sequer consentimento, de fazer uma coisa, temos em Ezequiel 20:39, onde diz o Senhor: "Ide; cada um sirva os seus ídolos agora e mais tarde", dando-se a compreender linhas adiante que o Senhor não aprovava tal conduta. O mesmo acontece no caso de Balaão o dizer-lhe Deus: "Se aqueles homens (os príncipes do malvado Balaque) vierem chamar-te, levanta-te, vai com eles; todavia, farás somente o que eu te disser"; dizendo-nos o contexto que aquilo não era mais que uma simples permissão de ir e fazer um mal que Deus absolutamente não queria que o profeta o fizesse. (Núm. 22:20.) Caso semelhante temos provavelmente nas palavras de Jesus a Judas, quando lhe disse: "O que pretendes fazer, faze-o depressa" (João 13:27). 4° - Na interpretação das palavras das Escrituras, é preciso ter presente também que se faz uso mui singular dos nomes próprios, designando-se às vezes diferentes pessoas com um mesmo nome, diferentes lugares com um mesmo nome e uma mesma pessoa com nomes diferentes. Pessoas diferentes designadas com um mesmo nome. Faraó, que significa regente, era o nome comum de todos os reis do Egito desde o tempo de Abraão até à invasão dos persas, mudando-se depois o nome de Faraó pelo de Ptolomeu. Abimeleque, que significa meu pai e rei, parece haver sido o nome 25


comum dos reis dos filisteus, como Agague, o dos reis dos amalequitas e Ben-Hadade dos sírios e o de César dos imperadores romanos. César Augusto (Lucas 2:1) que reinava ao nascer Jesus, era o segundo que levava este nome. O César que reinava ao ser crucificado Jesus, era Tibério. O imperador para o qual apelou Paulo e a quem tanto se chamava Augusto como César, era Nero. (Atos 25:21). Os reis egípcios e filisteus parecem ter tido um nome próprio além do comum, como os romanos. Assim é que lemos, por exemplo, de um Faraó Neco, do Faraó Ofra e de Abimeleque Aquis. (Veja-se o prefácio ao Salmo 34; 1 Samuel 21:11.) No Novo Testamento se conhecem diferentes pessoas sob o nome de Herodes. Herodes o Grande, assim chamado na história profana, foi quem, sendo já velho, matou as crianças em Belém. Morto este, a metade de seu reino, Judéia e Samaria inclusive, foi dada a seu filho Arquelau; a maior parte da Galiléia, a seu filho Herodes o Tetrarca, o rei (Lucas 3:1; Mateus 2:22); e outras partes da Síria e Galiléia a seu terceiro filho Filipe Herodes. Foi Herodes o Tetrarca quem decapitou a João Batista e zombara de Jesus em sua paixão. Ainda outro rei Herodes, a saber, o neto do cruel Herodes o Grande, matou ao apóstolo Tiago, morrendo depois abandonado em Cesaréia. Foi diante do filho deste assassino de Tiago, chamado Herodes Agripa, que Festo fez Paulo comparecer. O caráter deste rei era muito diferente do de seu pai, e não confundi-los é de importância para a correta compreensão da História. Levi em Marcos 2:14 é o mesmo que Mateus. Tomé e Dídimo são uma mesma pessoa. Tadeu, Lebeu e Judas são os diferentes nomes do apóstolo Judas. Natanael e Bartolomeu são também os nomes de uma mesma pessoa. Lugares diferentes designados com um mesmo nome. Duas cidades chamam-se Cesaréia, a saber Cesaréia de Filipe, na Galiléia, e Cesaréia situada na costa do Mediterrâneo. A esta última, porto de mar e ponto de partida para os viajantes, que saíam da Judéia para Roma, refere-se constantemente o livro dos Atos. Também se mencionam duas Antioquias: a da Síria, onde Paulo e Barnabé iniciaram seus trabalhos e onde os discípulos pela primeira vez foram chamados de cristãos; e a da Pisídia, à qual se faz referência em Atos 13:14 e em 2 Tim. 3:11. Também há vários lugares chamados Mispa no Antigo Testamento como o de Galeede, de Moabe, o de Gibeá e o de Judá. (Gên. 31:47-49; 1 Sam. 22:3; 7:11; Josué 15:38). Um mesmo nome que designa a uma pessoa e a um lugar. Magogue, por exemplo, é o nome de um filho de Jafé, sendo também o nome do país ocupado pela gente chamada Gogue, provavelmente os antigos citas, hoje chamados tártaros (Ezeq. 38; Apoc. 20:8), dos quais descendem os turcos. Uma mesma pessoa e um mesmo lugar, com nomes diferentes. Horebe e Sinai são nomes de diferentes picos de uma mesma montanha, Porém às vezes um ou outro destes nomes designa a montanha inteira. O lago de Genesaré chamava-se antigamente Mar de Cinerete, depois Mar da Galiléia ou Mar de Tiberíades. (Mateus 4:18; João 21:1.) A Abissínia moderna se chama Etiópia e às vezes Cuxe, designando este último nome, sem dúvida, a maioria das vezes, Arábia ou Índia, Grécia chama-se tanto Javã como Grécia. (Isaías 66:19; Zac. 9:13; Dan. 8:21.) Egito chama-se às vezes, Cão, outras Raabe. (Salmo 78:51; Isaías 51:9.) O Mar Morto se chama às vezes Mar da Planície, por ocupar a planície onde estavam as cidades de Sodoma e Gomorra; Mar do Este, em função de sua posição para o Leste, contando desde Jerusalém, e ainda Mar Salgado. (2 Reis 14:25; Gên. 14:3; Josué 12:3). O Nilo chama-se Sibor, porém com mais freqüência o Rio, cujos nomes também às vezes designam outros rios. O Mediterrâneo se chama às vezes o Mar dos Filisteus, que viviam em suas costas; outras, Mar Ocidental; outras, e com mais freqüência, Mar Grande. (Êxodo 23:31; Deut. 11:24; Num. 34:6,7). A Terra Santa chama-se Canaã, Terra de Israel, Terra de Judéia, Palestina, Terra dos Pastores e Terra Prometida. (Êxodo15:15; 1 Sam. 13:19; Hebr. 11:9.) Um cuidadoso conhecimento do referido uso peculiar dos nomes próprios não só favorece a correta compreensão das Escrituras em geral, como faz desaparecer várias contradições que a ignorância encontra em diferentes passagens bíblicas. EUFEMISMO Não podemos deixar de abordar a existência de eufemismo na Bíblia. Eufemismo é palavra derivada do grego euphemismós e traz consigo a idéia de atenuação do sentido desagradável de uma expressão. Um 26


eufemismo não deixa de ser uma figura de linguagem e estaria elencado nas citadas acima. Entretanto, dada a sua importância, resolvemos fazer uma abordagem em separado. A Enciclopédia BARSA diz que o eufemismo é uma figura de linguagem empregada para expressar idéias desagradáveis e triste por meio de palavras brandas e suaves. O eufemismo suaviza o significado inconveniente de uma situação, palavra ou expressão. Veja por exemplo: “Joaquim ‘pegou’ minha caneta”. O verbo roubar foi amenizado e abrandado por ‘pegar’. Na Bíblia há varios eufemismo. Aqui nos deteremos nos mais comuns. “Descobrir a nudez” e “ver a nudez” no A.T. é, na maioria das vezes, um eufemismo para relação sexual (Lv 18.6-8; Lm 1.8; Os 2.9; Gn 9.22. A expressão “deitar com” também é um eufemismo para cópula ou coabitação (Gn 39.10,14; Êx 22.16; Dt 22.28; 27.20; Jz 21.12; II Sm 12.11, etc). Leia Gênesis 24.1-5. No verso 2 deste texto temos um caso especial de eufemismo. O texto diz: “Põe a tua mão por baixo da minha coxa...” Na língua hebraica, a tradução literal seria “Segure o nervo anexo à minha coxa” (cf. 47.29). Segundo alguns intérpretes ‘coxa’ é um eufemismo para o órgão da reprodução masculina. OS GÊNEROS LITERÁRIOS Gênero é estilo. Quando falamos de gênero literário estamos nos referindo ao estilo de literatura que temos em mãos. Refere-se, por conseguinte, à categoria ou ao tipo de escrito caracterizado por determinada forma e conteúdo. A identificação dos diversos gêneros nas Escrituras ajuda-nos a interpretá-la com maior precisão. Sproul diz que qualquer pessoa faz isso com todos os tipos de literatura; seja distinguindo entre poesia lírica ou súmulas jurídicas, notícias atuais ou poemas épicos, narrativas históricas ou sermões. Vejamos o que diz a Declaração de Chicago sobre Hermenêutica Bíblica em seus artigos X e XIII respectivamente: “Declaramos que as Escrituras transmitem-nos a verdade de Deus verbalmente por meio de uma grande variedade de estilos literários”; “Declaramos que o conhecimento das categorias literária, da forma e da estilística, das diversas seções das Escrituras é essencial para uma exegese correta e, portanto consideramos a crítica literária uma das muitas disciplinas do estudo bíblico”. Conforme já foi dito, existem variegados estilos literários na Bíblia Sagrada: Legislação ou literatura jurídica ( Pentateuco – os cinco primeiros livros da Bíblia); Narrativa ou Narrtiva Histórica pode ser subdividida em: Tragédia (Sansão, Saul e Salomão), Épico (peregrinação dos israelitas no deserto), Romance (Rute e Cantares), Heróico (Abraão, Gideão, Davi, Daniel e Paulo), Sátira (Jonas) e Polêmica (Contenda de Elias com os profetas de Baal e as dez pragas contra os deuses e deusas egípcios); Poesia (Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes e Cantares – contudo há muita poesia em outros livros bíblicos); Literatura Sapiencial ( este tipo de literatura está contida nos livros que chamamos poéticos – existe dois tipos de literatura sapiencial: proverbial e reflexiva (Jó e Eclesiastes); Os Evangelhos (Mateus, Marcos, Lucas e João); As Epístolas ou discursos lógicos (são os textos de Romanos a Judas); Literatura Apocalíptica ( Daniel 7-12, há trechos apocalípticos em Joel, Amós e Zacarias, o discurso de Jesus no monte das Oliveiras, nas cartas paulinas e Apocalípse). LINHAS FALSAS DE INTERPRETAÇÃO Assim como acontece em toda ciência, a Teologia também desenvolveu várias correntes de pensamentos com relação à interpretação bíblica. A ciência tem essa característica: produzir diversos pensadores que não concordam entre si em muitos pontos. Vejamos as diversas linhas de interpretação bíblica. 1. Interpretação Moralista – Para as pessoas que postulam esse tipo de interpretação, o assunto mais importante da Bíblia é a moral. O moralista despreza as questões que envolvem os sentimentos humanos tão peculiares a todos nós. Para essa corrente tudo na Bíblia gira em torno do que o homem deve ser: obediente, ordeiro, generoso e trabalhador. Além do mais, a Bíblia se envolve primariamente com questões ligadas ao que nós devemos fazer: amar aos outros, praticar boas obras, cumprir cerimônias e rituais, (Cf. Ef 2.8-10). 2. Interpretação Individualista – Segundo essa corrente, a salvação individual é o prisma pela qual devemos ler e interpretar a Bíblia. Não leva em conta a significação da mensagem para a sociedade, para nosso mundo, para povos em sua totalidade. Considerar somente esse aspecto como o único 27


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assunto da mensagem bíblica, esquecendo-se da riqueza abundante de outros assuntos também importantes, é apoucar demais a Revelação do Senhor através das páginas do Santo Livro, porquanto a mensagem bíblica alcança povos, nações, a criação, as sociedades, etc (ver Sl 33.12; Jn cap. 3; Rm8.18-14). Interpretação Modernista - O Movimento modernista teve seu início com o Cientificismo do século XVIII. Influenciados pelo progresso da ciência, mormente por publicações como o livro “Origem das Espécies” de Darwin, essa corrente postula retirar das Sagradas Escrituras todo seu conteúdo sobrenatural. “A Bíblia é um livro muito antigo” – dizem. Não cabe dentro da mente dos que vivem em ‘tempos modernos’ muitas das histórias bíblicas. Essas histórias mais parecem mitos e lendas. Os milagres e outras narrativas bíblicas são inacreditáveis e são passíveis de comprovação científicolaboratorial. Essa corrrente de pensamento também foi muito influenciada pelo surgimento da Teologia Liberal que procurou, dentre outras coisas, nas palavras de Bultmann “desmitologizar” a Bíblia para encontrar um significado mais coerente com os eventos próprios da modernidade (I Co 15.14-19,32) Interpretação Político-Social – Na interpretação político-social dá-se muitíssima atenção às injustiças sociais às quais ele está exposto, às diferenças entre os estratos, à opressão por govenos totalitários, à exploração econômica do chamado Terceiro Mundo, etc. A teologia da libertação levantou a bandeira dessa interpretação mais alvissareiramente. Boff asseverou que: “O projeto fundamental de Jesus é, portanto, proclamar e ser instrumento da realização do sentido absoluto do mundo: libertação de tudo o que estigmatiza: opressão, injustiça, dor, divisão, pecado, morte; e libertação para a vida, comunicação aberta do amor, a liberdade, a graça e a plenitude de Deus. É bem verdade que o Reino de Deus veio para quebrar todas as estruturas que provmoviam a opressão do homem. Seja ela moral, física, espiritual, social ou intelectual. Mas também é verdade que o evangelho do Senhor não se resume a isto. O propósito principal da Palavra do Senhor é produzir a reconciliação do homem com Deus, seu Criador e, à partir desse ponto, libertá-lo de tudo aquilo que o subjuga. Interpretação Doutrinária – É aquela interpretação que segue a doutrina da denominação, ou seja, a doutrina determina a interpretação da Bíblia. Em geral, o texto é forçado a dizer coisas que não estão na passagem bíblica, mas sim na doutrina denominacional. Dessa maneira agem aqueles adeptos das denominações que proíbem o uso da TV quando lêem Ezequiel 8.12 ou quando se deparam com Deuterônomio 22.5 se esquecendo de continuar lendo até o versículo 8. Alguém já disse que “... a igreja não deternia o que a Bíblia ensina; A Bíblia determina o que a igreja ensina, pois suas interpretações só terão validade à medida que harmonizarem com os ensinamentos bíblicos”. Interpretação literal – Talvez esta seja umas das correntes mais perigosas. Normalmente ela leva o intérprete aos tão perigosos extremo religiosos que têm causado dano nocivos ao Reino de Deus de modo geral. É o tipo de interpretação que sempre usa aquela frase: “está na Bíblia”. Mas,na verdade, não possui o conhecimento geral necessário para um correto entendimento do texto em questão. Atrocidades e ‘estupros’ textuais são cometido trazendo para as pessoas um conceito errôneo de Deus e das coisa relacionadas a Ele. O intérprete literal (ao pé da letra) vai dizer que à mulher é probido cortar o cabelo e aos homens é proibido usar qualquer tipo de chapéu ou boné baseando esse ensino em I Coríntios 11.2-16. Entretanto, ele teria difuculdades enormes ao se deparar com o texto de Mateus 5.30 e Marcos 9.43 ou ainda I João 2.27. Há aqueles que basseado em Mateus 6.5 não fazem cultos ao ar livre e nem nos lares, além de somente acharem correta aquela oração que é feita de joelhos. Baseados em I Coríntios 9.27 muitos se flagelam com chicotes (se Paulo, um homem santo, se castigou com murros, devo me castigar com um chicote pois sou mais pecador que ele) e assim por diante. Há quatro perigos de se interpretar a Bíblia desse modo:  Interpretar como proibitivo algo que tem teor instrutivo – I Pedro 3.3;  Interpretar o texto isolando-o do seu contexto histórico, perdendo assim o significado real – Mateus 22.21;  Apresentar textos isolados de todos os seus contextos para provar certas doutrinas, práticas, costumes ou tradições – Mateus 24.13; Tiago 2.24;  Usar o texto bíblico visando alvos completamente alheios ao alvo primário – Salmo 91.11-12 comp. Mateus 4.6. 28


CONCLUSÃO Por ser um assunto tão extenso e motivo de tantos estudos e publicações ao longo da história da Igreja do Senhor, esperamos que os leitores entendam a difuldade de apostilar tantas informações de forma inteligível num pequeno espaço. Nossa oração é que esse material seja não somente útil, mas inprescindível àqueles que queiram iniciar seus estudos na área de hermenêutica. Interpretar a Bíblia é tarefa de todo o crente. Mormente, aquele que sente em seu coração o ‘peso’ de espalhar o amor de Deus, consolar a Igreja, ser usado como profeta, trazer almas ao encontro da cruz do Mestre, tendo como base as Escrituras Santas. Não é de admirar que muitos têm empreendido essa ousada missão, todavia não são todos os que são inteiramente honestos em suas abordagens, conceitos e no trato com o texto da Palavra de Deus. Há aqueles incultos que erram pela ignorância e aqueles que são realmente mau intencionados, à semelhança de Simão que quis comprar a unção do Espírito a fim de continuar mantendo as pessoas cativas a si mesmo através da manipulação descarada e sem escrúpulos. A você, amado irmão (a), que trata a Bíblia com carinho, temor e reverência desejo que o Espírito Santo te faça lembrar daquilo que leu, estudou, debateu e compartilhou. Pois as vidas dependem de você para sua caminhada em direção a Deus.


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BIBLIOGRAFIA

HENRICHSEN, Walter A., Princípios de Interpretação da Bíblia. São Paulo: Mundo Cristão, 1980. VIRKLER, Henry A., Hermenêutica Avançada. São Paulo: Vida, 2002. ZUCK, Roy B., A Interpretação Bíblica. São Paulo: Vida Nova, 1994. LUND E / NELSON P. C., Hermenêutica. São Paulo: Vida, 1981. Apostilas de Hermenêutica dos pastores: Wilson de Paulo e Diógenes Sousa Junior. Minidicionário da Língua Portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 1996.



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