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MEMÓRIAS E REPRESENTAÇÕES EX-VOTIVAS NOS RETABULOS DOS SANTUÁRIOS DE NOSSA SENHORA DE GUADALUPE E BOM JESUS DE MATOSINHOS Genivalda Cândido da Silva 1 Resumo: Ao pesquisar os ex-votos e as suas possíveis formas de diálogos entre o homem e o espaço sacro, foi possível, também, inferir um olhar e o estudo sobre a representação ex-votiva em determinadas tipologias, e as suas inferências no homem e no contexto social, cultural em que o mesmo pode ser encontrado, onde o sentimento de seus narradores e personagens é transmitido a partir de pinturas. Neste contexto podemos dizer que as imagens, assim como as palavras transcritas, são ações de representações e memórias. Os objetos analisados, e, exemplos utilizados na comparação para esta pesquisa, foram os ex-votos dos Santuários de Nossa Senhora de Guadalupe, na Cidade do México, e do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos em Congonhas, Minas Gerais, Brasil. Palavras-chave: Memória, Representação, Ex-votos, Santuários, Cultura popular.

Imagens, Representações e Memórias. Conceituar a palavra imagem é uma tarefa difícil, até porque a subjetividade que acarreta a palavra é grande, creditando a mesma uma ampla designação de sentidos, então as interpretações são muitas. Mas buscando elucidar um pouco um dos seus significados nesta pesquisa, pode-se dizer que uma imagem é um conjunto de pontos que convergem num plano. Mas se falarmos da forma abstrata de uma imagem, então, para nós, uma imagem é um suporte para a realização de trocas de informações, ou representações de fenômenos e ações realizadas a serem estudadas. Uma imagem contém uma imensa quantidade de informações, em que um observador pode interpretála frequentemente, globalmente ou cientificamente. A sua etimologia vem do latim: imago, o que significa a representação visual de um objeto. Sendo assim, pode-se ter uma melhor definição da imagem como sendo uma projeção da mente, uma aquisição dos sentidos, a representação mental de um objeto real.

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Mestranda do PPG Museologia, da UFBA. Email: v.bridacandido@gmail.com. Orientanda do Professor/Doutor José Cláudio Alves de Oliveira, da Universidade Federal da Bahia. Membro do Grupo de Estudos sobre os Cibermuseus e do Núcleo de Pesquisa em ex-votos – GREC/NPE -


No senso comum, envolve tanto o conceito de imagem adquirida como gerada pelo ser humano, em muitos domínios, quer na criação pela arte, quer como simples registro fotográfico, na pintura, no desenho, na gravura, em qualquer forma visual de expressão da idéia. O semiólogo Barthes (2001) referencia que a imagem propõe diversos modos de leitura, um esquema muito mais aberto à significação do que um desenho, uma imitação mais do que original, uma caricatura mais do que um retrato, sendo assim, ele define imagem como forma “... mais imperativa que a escrita, impõe a significação de uma só vez, sem analisá-la, sem dispersa-la... A imagem transforma-se numa escrita, a partir do momento em que é significativa, como a escrita ela exige uma léxis (leis, regras)” (BARTHES, p. 132. 2001).

Nesse sentido, podemos trazer a representação como um complemento de acréscimo da imagem, no sentido de que a etimologia da palavra representação é encontrada no latim como representatio, representationis, que, segundo Laudelino Freire (1957), significa a "ação ou efeito de representar", "ser mandatário ou procurador", "fazer vezes de", "suprir falta de", "apresentar-se no lugar de". Assim o termo representação, no âmbito contratual, associa-se à figura da substituição na manifestação de vontade. No entanto, para Manuel Gonçalves Ferreira Filho (2013), a representação é definida como um vínculo entre os representantes e representados pela qual os representantes agem em nome dos representados e devem trabalhar pelo bem dos comuns e não pelo próprio. A ideia clássica de representação deriva da Grécia antiga, vai para as vias da política, que incita a participação popular no governo, por intermédio de representantes eleitos, por meio do sufrágio universal. Representação, assim, está atrelada à idéia de democracia, de governo do povo. Todavia, não trataremos aqui de governo e tão pouco política, porém de participação popular, memória, e pesquisa, que abordam e consideram a cultura popular como parte complementar das representações e dos patrimônios. Quando buscamos uma interação entre os pontos aqui acordados e trabalhados podemos perceber que a memória é fundamental para as imagens e representações, pois, para os gregos, a memória vem cerceada de um apelo divino, quando se refere à deusa Mnemósyne, mãe das musas, entidades sagradas que protegiam as artes, a música, a ciência e a história. (SUANO, 1986).


O termo memória traz consigo considerações que remetem a um sentido de conservação de uma lembrança, pressuposto que vai ao encontro do que acredita Chauí (2005, p. 138), quando diz que “a memória é uma evocação do passado”, uma capacidade humana para reter e guardar o tempo que se foi salvando-o da perda total. A lembrança conserva aquilo que se foi e não retornará jamais. Por isso, a necessidade de revisitar o passado está cotidianamente presente em nossos contextos de vivência, a partir da preservação de elementos e fragmentos culturais memoráveis diversificados. A memória acaba assumindo diferenciadas perspectivas, se modificando gradativamente a partir de atribuições de cada área específica de atuação. Daí a apresentação de variadas tipologias de memória: memória autobiográfica, memória cognitiva, memória histórica e memória hábito, por exemplo. Cada categoria traz a sua contribuição em particular, seja numa perspectiva psicológica, social ou pessoal. Entretanto, o objetivo do presente artigo nos direciona a uma perspectiva que se fundamenta nas correntes historiográficas de memória, bem como a memória social e coletiva e os processos de significação e de sentidos como efeitos. A discussão em torno da memória social e coletiva parte das contribuições de Durkheim que, entre os séculos XIX e XX, difundiu o conceito de fato social. Mas é importante destacar a intervenção de Halbwachs (1990), criador do conceito de memória coletiva. Embora aparentemente sejam categorias isoladas, quando consideramos a concepção do referido autor, é tênue a linha de aproximação que existe entre as memórias social e coletiva, uma vez que cada memória individual se apresenta como um construto sobre a memória coletiva, construto esse que muda conforme o lugar e o contexto que ocupamos, os quais também são modificados segundo as relações que mantemos com outros meios. Essa passagem, além de evidenciar o caráter coletivo da memória, nos remete à percepção do seu lado social, afinal, a memória é social porque ela tem relação com o conjunto de noções que determinado grupo possui. A memória aqui por nós contextualizada é tida não como uma propriedade da inteligência, mas uma base dela. Nessa perspectiva, Henriques (2004) ratifica que a memória coletiva representa as memórias individuais de determinado grupo social que articula suas lembranças em quadros sociais comuns, compartilhadas por todo o grupo. A construção da memória de um grupo representa a construção da memória coletiva desse grupo, ou seja, é aquilo que se seleciona, que se destaca e se registra, e, sobretudo, revela a identidade daquele conjunto de sujeitos. E é através desse registro


que a identidade social se solidifica e fortalece, marcando sua trajetória no tempo e no espaço. A memória social é um dos meios fundamentais de abordar os problemas do tempo e da história, relativamente aos quais a memória está ora em retraimento, ora em transbordamento. Pois, como afirma Gilles Deleuze (2000) tempo e memória se fundamentam mutuamente, logo o fundamento do tempo é a memória. É a síntese fundamental do tempo que constitui o ser do passado (o que faz passar o presente). Nesse sentido, a memória é sempre uma síntese ativa derivada dos acontecimentos. O aporte acima nos permite desmistificar o convencionalismo que ainda é presente quando se trata da memória, ao reportá-la unicamente ao passado. Nessa perspectiva Menezes (1987, p.184) argumenta que a memória não diz respeito apenas ao passado, mas também ao presente, pois: “Exilar a memória no passado é deixar de entendê-la como força viva do presente. Sem memória, não há presente humano, nem tampouco futuro”. Ou seja, a premissa básica que vai nortear a memória é o compromisso com a mudança. A partir do momento que compreendemos a memória enquanto elemento de transformação social abrem-se precedentes para discorrer, por exemplo, com as idéias de Michael Pollak (1992) que trata esse construto social como um artifício básico para a afirmação de nossa identidade e para nos reconhecermos enquanto sujeitos sociais. Além de se apresentar como um elemento constituinte da identidade, tanto individual, como social ou coletiva, a memória é também um fator extremamente importante para a construção de um sentimento de continuidade e de coerência de uma pessoa ou de um grupo em sua ressignificação de si. (POLLAK, 1992) Deste modo podemos dizer que os espaços sociais sacros em que a memória de uma pessoa deixa de ser pessoal passa a uma nova ressignificação social e coletiva, com múltiplos ensejos e compartilhamentos, como é o caso dos fatos culturais, religiosos, comunicacionais e artísticos, que acontecem nos santuários católicos, sobretudo nos de grande envergadura histórica e midiática, a exemplo da Basílica de Nossa Senhora de Guadalupe, localizada na Cidade do México e do Santuário de Nosso Senhor Bom Jesus de Matosinhos que serão aqui retratados. .


Basílica de Nossa Senhora de Guadalupe Um dos maiores santuários católicos do mundo, que traz em todo o seu espaço a manifestação religiosa dos mexicanos e de povos de fora do México, demonstra o quão impressionante é a extensão dos fatores da memória social. (v. ilustração 1). A primeira Basílica de Nossa Senhora de Guadalupe começou a ser construída em 1531 e foi concluída em 1709, projetada por Pedro de Arrieta. Está localizada no alto do Monte do Tepeyac. O seu interior é decorado em mármore com duas estátuas de Juan Diego e do Frei Juan de Zumárraga. Em 1904 foi consagrada Basílica pelo Papa Pio

X.

(Disponível

http://www.catolicismo.com.br/materia/materia.cfm.Janeiro2006,

em: Acesso

em

20/04/2014). O Santuário é composto por várias igrejas, capelas e o museu dos exvotos, que traz em seu acervo 3.000 retábulos ex-votivos. O local passou por um atentado, quando em 1921 uma bomba foi implantada no altar da Basílica por um ativista anticlérico que conseguiu explodir parte do templo, causando enormes prejuízos à Arquidiocese da Cidade do México. Porém, mesmo assim a memória ali estava presente, a memória urbana, pois o santuário se tornou um eixo do mundo celeste com o da superfície humanizada. Fazendo valer, assim, a reconstrução do local. “É necessário, finalmente, não esquecer que ao lado da emergência espetacular da memória no seio da retórica, quer dizer, de uma arte da palavra ligada à escrita, a memória coletiva prossegue o seu desenvolvimento através da evolução social e política do mundo”. (POLLAK, Idem)

Ilustração 1. Santuário de Guadalupe. As três basílicas. Imagem: Projeto Ex-votos das Américas

Na década de 1970, foi descoberto o afundamento do terreno e um novo templo teve de ser planejado. Já em 1979, o Instituto Nacional de Antropologia e Historia (INAH), em parceria com a Igreja Católica mexicana, iniciou um trabalho arqueológico para tentar restaurar o chão da igreja e impedir a perda de artefatos importantes. O INAH já havia trabalhado com a Catedral Metropolitana da Cidade do México.


O Museu da Basílica de Guadalupe está localizado atrás da Basílica Velha, a segunda igreja. O museu foi inaugurado em 12 de outubro de 1941, pelo Abade de Guadalupe, Feliciano XX Cortez e Mora. Segundo as museólogas que gerenciam a instituição, algumas das salas do museu foram construídas especificamente para o uso museográfico em 1931. Outros espaços eram usados com o fim religioso, como sacristia, salão do reitor e escritórios específicos. O Museu do Santuário de Nossa Senhora de Guadalupe possui uma coleção de mais de 4.000 peças, sendo 3.000 delas compostas de ex-votos, denominados “retábulos”. As demais peças são objetos que se enquadram na arte sacra, nas subcategorias da pintura, escultura, gravura, têxteis, jóias e móveis. Desde a sua fundação, o museu tem como objetivo principal o resgate de algumas das formas de arte que se desenvolveram em torno da Virgem de Guadalupe, então, tal importância dada à sala principal, e primeira (da entrada) do museu, que traz os “retábulos” (ex-votos) que os fiéis têm depositado ao longo do tempo como agradecimento pelas graças alcançadas, e delas estão as imagens representativas ao acontecimento, e em sua maioria, o verbete narrando a história de vida Retábulos são designações referidas a painéis de madeira ou pedra que domina o altar de uma igreja e que é esculpido ou pintado, e geralmente são ricamente decorados. Em alguns lugares em que a religião católica é mais presente e o pagamento de promessas também, os retábulos são decorados com passagens em pinturas de figuras religiosas, ou atos de pedidos ou momentos de perigo de vida. Além da riqueza visual e de usa complexidade apresentada na sua confecção material, os retábulos geralmente comportam múltiplas mensagens e significados, que nem sempre estão aparentes a primeira vista. Vale ressaltar que “retábulo”, no Brasil, é a denominação que se dá ao móvel que fica nos altares das igrejas, resguardando imagens de santos e o sacrário. Ao passo que, no México e América Central, essa denominação recai aos ex-votos pictóricos, que no Brasil são chamados “tábuas votivas”. Santuário do Bom Jesus de Matosinhos - Congonhas do Campo – MG O Santuário do Bom Jesus de Matosinhos está localizado no Morro do Maranhão, na cidade de Congonhas, em Minas Gerais. Sua origem é de 1757, quando foi fundado por Feliciano Mendes de Guimarães, de origem portuguesa. A obra, como tantas outras de intuito religioso, é acrescida de fé, promessa, pagamento de promessa e ex-voto. Feliciano Mendes que, tendo adoecido gravemente, prometeu construir um


templo a Bom Jesus de Matosinhos, como o que havia em Braga, sua terra natal, caso alcançasse a cura de seu mal. Porém até sua morte em 1765, o complexo contava apenas com uma modesta cruz e um oratório. (UNESCO 2002). A primeira igreja do complexo de Matosinhos de Minas Gerais foi construída em 1773; entre 1780 a 1793 foi concluída a Via Crúcis do sopé do morro até o santuário. (Idem) Em 26 de Julho de 1957, o Papa Pio XII, reconhecendo a importância histórica, artística e religiosa do conjunto arquitetônico, elevou a igreja principal à sua distinção de Basílica Menor. (Ibidem) A via sacra é composta por uma série de capelas de planta quadrada, paredes caiadas e teto de quatro águas que abrigam em seu interior as passagens da Paixão de Cristo, representado por conjunto de esculturas e esculpido em cedro brasileiro e com policromias, seguindo a estética sentimental e rebuscada do barroco, estilo artístico presente na época. O local é considerado conjunto arquitetônico histórico. Em 1939 o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN (na ocasião SPHAN) –, realizou o tombamento do Santuário. Já em 1985, passou a ser considerado como Patrimônio Mundial da Unesco. Sua construção data ao longo de várias épocas que seguiram desde os séculos XVIII até meados do século XIX. Sua construção envolveu vários mestres, pintores e artesãos locais e de fora do país. Dentre os quais se destacam Antonio Francisco Lisboa, mais conhecido como Aleijadinho, e Manuel de Costa Ataíde. (V. ilustração 2).

Ilustração 2. Basílica Menor de Congonhas. Imagem própria


O Santuário é formado pela Basílica de mesmo nome, um adro, um conjunto de esculturas representando os “Doze Profetas”, feitas por Aleijadinho e seis capelas com as cenas da Paixão de Cristo. Os “Doze Profetas” foram esculpidos em pedra sabão entre 1795 e 1805. São eles: Isaías, Jeremias, Baruc, Ezequiel, Daniel, Oséias, Joel, Abdias, Amos, Jonas, Habacuc e Nahum. Essas esculturas impressionam e fascinam pela expressividade do trabalho do autor, porém, não as destacaremos, já que o interesse maior está voltado aos ex-votos da sala de milagres. Ex-votos: Retábulos nos Museus e Sala de Milagres. No intuito de expor quão presentes eles são nesse espaço museal, os artefatos denominados de retábulos representam o que é o ex-voto atualmente para o povo mexicano, e a sua manifestação da fé popular dirigida a Nossa Senhora de Guadalupe, na forma artística pictórica retratando os personagens e os acontecimentos. Representação, quando pensada no Santuário de Guadalupe e com relação aos objetos ali mantidos, vai além de demonstrar o fato de que alguém ganhou uma graça ou fez um pedido: os ex-votos são importantes para, não somente influenciar e educar fiéis, mas representativos no auxílio da interpretação que o visitante faz da coleção, pois indicam diretrizes para perceber as mensagens e informações nas escritas e nas imagens. José Marques de Melo (2008), citando Luiz Saia (1944. p. 62) diz que “A tradição ex-votiva remonta a mais afastada atividade do homem perante o deus protetor. Às vezes surge como troféu de guerra deposto após a vitória, no altar do Deus protetor; troféu que tanto podia ser arma, insígnia como a cabeça do inimigo. Ou de outra forma, que, está presente até os dias atuais na tradição católica de muitas partes do mundo, consiste no ato de pagar promessas relativas à graças alcançadas, com o agradecimento aos santos protetores com objetos que lembrem o pedido feito: Muletas, representação da parte doente, peças de vestimentas, retábulos, esculturas em parafina ou madeira, mídias, dentre tantas outras retratações simbólicas”.

O ex-voto é um objeto que traz em suas contextualizações variadas vertentes de estudos e áreas de pesquisa, dentre algumas delas pode-se abalizar dois campos: o da museologia, que o trata como objeto-patrimônio exposto em uma área de visitação, seja em um museu ou santuário, e o campo da folkcomunicação que direciona os ex-votos à iconografia e à comunicação popular. Ambas as áreas tratam do objeto ex-votivo em sua característica híbrida, revelando-o mais do que símbolo votivo de fé, mas também como patrimônio cultural e comunicacional. Benjamim (2003, p. 43-44) trata a prática tradicional ex-votiva como comunicação da fé popular: “A prática mais tradicional da comunicação, nas devoções populares, é a entrega do exvoto. No ex-voto paga-se o compromisso de natureza contratual com o santo. A entrega do ex-voto é, porém, a publicização da intervenção – o milagre ou, mais modestamente,


a graça alcançada – mensagem cujos receptores são os outros devotos ou pessoas que circunstancialmente passem ou visitem o local da devoção. Quanto mais ex-votos depositados, mais provados ficam os benefícios alcançados pela intercessão do santo, o que faz crescer a fama e despertar o interesse de novos devotos.”

Com todo esse potencial histórico, cultural, e de fé, as devoções populares se evidenciam entre trocas sociais e simbólicas, onde, sem mediações eclesiásticas, o individuo legitima-se pelo sagrado estabelecendo uma relação direta entre devoto e o Divino. No estudo sobre os ex-votos de Guadalupe, as interpretações viabilizam e reforçam a fé e as relações do fiel com Nossa Senhora Maria e com o espaço. Além disso, os retábulos têm a possibilidade de influenciar o expectador, dando-lhe possibilidades para compreender que milagres e graças estão ali representados. Embora encerrada na materialidade, e inanimada, a arte ex-votiva pode ser entendida como uma forma de agenciar o ser humano, apontando-lhe caminhos para reconhecer e reafirmar a santidade e o poder de cura e superação que está relacionado à imagem de uma santa, que por décadas é passada por meio da memória e do processo de ressignificação. Os objetos registrados e analisados no Museu do Santuário de Guadalupe tem mais de 150 anos, a avaliar pela cronologia, que vai do início do século XIX a 1989. Os registros trazem, quase sempre, a índole piedosa e oferecida a Nossa Senhora de Guadalupe, em cumprimento de um voto ou promessa feita para obter uma graça. Outros registram o momento exato do pedido a Santa, em exemplos que se configuram como voto apenas. (V. ilustração 3 e 4).

Ilustração 3. Ex-voto do santuário de Guadalupe, México. Imagem: Projeto Ex-votos das Américas.


Ilustração 4. Ex-voto do santuário de Guadalupe, México. Imagem Projeto Ex-votos das Américas

Com devoção, isto é, com vontade de servir a Nossa Senhora, direta ou indiretamente, e subordinado à sua glória e beneplácito toda a vida, os ex-votos são exemplos da espontânea e popular prática religiosa, e estão expostos de forma artística em painéis que medem, em média, aproximadamente 15X25m., no museu do Santuário. As tábuas, de forma retangular, com suas medidas variáveis, pintadas a óleo sobre madeira, papel ou sobre tecido, foram encomendadas a pintores (riscadores de milagres ou santeiros) para posterior desobriga, para serem entregues em gratidão, como assinalam algumas tábuas. Das que estão datadas, algumas constam o ano, remontando a 1852, outras detem o registro também narrativo do acontecido, e a súplica feita a Santa. Essas imagens ex-votivas, que são caracterizadas por uma linguagem imediatamente perceptível, tornaram-se um patrimônio cultural e artístico que tem despertado o interesse de estudiosos de arte. A uniformidade da vida e do meio ambiente do passado facilitou a leitura dos fatos, mas reconhece-se na técnica de pintura tendência reconhecível ex-votiva para aproveitar ao máximo o ambiente em que ocorreu o evento e os personagens. A intervenção milagrosa no ex-voto pictórico é mostrada com a imagem de Nossa Senhora reproduzida na parte superior da imagem. Em outras foi possível observar algo singular, a imagem retratada no mesmo plano do fiel. Desta forma, é possível confundir os testemunhos da vocação e, em seguida ações de graças evidentes


nos verbetes ao pé da composição pictórica. Em alguns, sem qualquer explicação por escrito, apenas uma dedicação, confirmada por uma tradição centenária de ex-voto: VFGA (Votum fecit gratiam accepit); P.G.R. (por graças recebidas), esse último muito observado nas paredes do museu. Já no Complexo do Santuário de Congonhas, não há um museu, e sim uma sala de milagres, local esse em que os registros ex-votivos são recebidos e expostos, os mesmos tem datação desde 1876 até atualidade. A expressão "sala de milagres" conduznos o pensamento as palavras "promessas”, fé, “milagres”, ex-votos. A abundância de elementos ex-votivos na sala proporciona uma representação grandiosa da história de vida de pessoas de Minas Gerais e outros lugares do Brasil Desse modo, o ex-voto se dinamiza em sua tipologia. Para o cientista, o ex-voto não é apenas um elemento de arte e promessa, é também um documento (de várias formas) que equivale aos "pagamentos" das "graças", que possuem formas específicas de almejar e de comunicar. E nelas a retratação de fatos e acontecimentos. Na sala de milagres de Congonhas há riqueza de variedades tipológicas exvotivas acumuladas nos 235 anos de existência, que constituem o acervo instalado no complexo de Matosinhos. Grande parte da produção artístico-pictórica, rústica e literária ex-votiva é de representações das tradições, do imaginário e das identidades nacionais e locais, voltadas ora para o religioso, ora ao cultural, devocional e comunicacional. (V. ilustração 5).

Ilustração 5. Ex-voto do santuário de Matosinhos. Brasil. Imagem própria


A similitude dos objetos de Congonhas com os do Museu do Santuário de Nossa Senhora de Guadalupe está na estética, nas palavras e expressões para com o ente superior. Há uma comunicação, um pedido feito e uma graça alcançada, representada artisticamente na ação pictórica, em sua maioria “ingênua”, do pintor dos milagres, e, em muitos exemplares, como rege a tradição, acrescidos de narrativas curtas e simples. Conclusões Podemos também afirmar, aqui, a diferenciação entre os dois ambientes trabalhados. Mesmo que os dois locais contemplem o mesmo objeto, e o exponha para apreciação de turistas, estudiosos, e afins, a liberdade imposta entre um e outro é diferente. Visto que, no museu, regras tem de ser seguidas, como o acompanhamento por um facilitador, ou funcionário local, a proibição de fotografação e filmagens, para “preservação” dos objetos. O que em uma sala de milagres, já não é de extrema imposição. Na sala de milagres, fica livre o trânsito de pessoas, a liberdade para registros fílmicos e fotográficos, a fruição e admiração do visitante ao objeto é mais livre e maior. Todavia, além da fé, do patrimônio cultural, sala de milagres e museu reservam uma riqueza que se atesta para a cultura implantada em ambientes distintos como os aqui estudados. É percebida a importância privilegiada de que se reveste a imagem, sob todas as suas formas, para o conhecimento da sensibilidade popular e cultural. Por serem os ex-votos objetos que guardam em sua essência teor, registro de vida ou momentos de necessidade, o conteúdo da escrita mais a sutil e “ingênua” pintura tornam-se a fala que exalta o fato e o acontecimento, a permanência de uma tradição, e, consequentemente, a representação da memória de um tempo vivido.

Bibliografia BARTHES, Roland. Mitologias. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. BENJAMIN, Roberto. Revista folkcomunicação “Devoções populares não canônicas na América Latina: uma proposta de pesquisa”. Disponível in: http://www.uepg.br/revistafolkcom/anteriores/revista01.pdf. Acessado em 22.01.2014. CHAUÍ, M. Convite à filosofia. 13 ed. São Paulo: Ática. 2005. DELEUZE, G. Bergsonismo. Tradução de Luis Orlandi. Rio de Janeiro: Editora 34. p. 2000.


FERREIRA FILHO. Manuel Gonçalves. Disponível www.asstbm.com.br/asstbm/arquivos/18581. Acessado em 29 de abril de 2013

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FREIRE, Laudelino de Oliveira. Grande e novíssimo dicionário da língua portuguesa. 3 ed. São Paulo: José Olympio, 1957. p. 198. HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Edições Vértice, 1990. HENRIQUES. R.N. Museu, Memória e Virtualidade: um estudo sobre o Museu da Pessoa. Dissertação de Mestrado em Museologia da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias: Lisboa, 2004. MENESES, U. B. Identidade cultural e arqueologia. In: BOSI, Alfredo (org.). Cultura Brasileira: temas e situações. São Paulo: Ática, 1987. P. 182-190. Projeto Ex-votos das Américas. Disponível em www.ex-votosdasamericas.net. Acesso em 05 de maio de 2014 SUANO, Marlene. O que é Museu. São Paulo: Brasiliense. 1986, p.10-25. (Coleção primeiros passos 182) UNESCO. Patrimônio mundial no Brasil. 2 ed. Brasília: UNESCO/Caixa Econômica Federal. (15/03/2013)


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