paisagens de passagem
valĂŠria scornaienchi
Enquanto caminho, de ouvidos atentos, meus olhos procuram se acalmar na paisagem. Paisagem de ficar. De todos os momentos da vida os melhores são de longe estes. É preciso ouvir o som da natureza, o craquelar das árvores, a orquestra dos passarinhos, a flauta dos ventos. A natureza entra em mim. E entrando em mim, constrói um mundo próprio que sai de mim no desenho, na fotografia, na escrita, no modo como eu vejo o mundo. Paisagens de passagem é uma série de trabalhos realizados a partir de lugares de passagem.
Se a brisa acariciar o meu rosto eu paro E sinto
Se a areia escorregar nos meus pés eu paro E sinto Se o mar sussurrar nos meus ouvidos eu paro E ouço E só por esse momento eu sou a brisa, a areia e o mar.
Carregar o tempo para um outro lugar. O lugar de contemplar. Só é possível contemplar em um estado profundo de presença. A partir do lugar da conexão entre o ser e a natureza. Para além dos desenhos apresentados, há uma sequência de pensamentos e metáforas que permeiam o trabalho. Desenhar os entes sublimes da praia é como fazê-los vivos para sempre. Não sei ao certo onde eles estarão agora, um ano depois da experiência de estar na praia. Caminhar com o tempo necessário para observar, e registrar, pode não ser tempo suficiente para fazê-los viver em mim.
Uma coleção de imagens fotográficas cria um grande inventário, a catalogação dos entes sublimes da natureza. Nela estão folhas, sementes, cascas, gravetos, algas, corais, fósseis e tudo aquilo que me interessou seja pela forma, pela cor ou pela energia que me captou momentaneamente. Colecionadas em desenhos, cadernos e fotografias, todas as vezes que eu me envolvo em suas páginas, eu me deparo com a memória da praia, com o som das ondas, com a brisa que desliza na pele, todos mais vivos do que nunca. Tentativa de prolongar a memória para então criar algo que a celebre. Não há como desenhar sem me conectar. O desenho é ao mesmo tempo conexão, revelação e fluxo. É neste lugar que me interessa o apresentar na minha produção. Por conexão eu entendo o contato profundo, seja com o lugar, com os elementos ou com o espaço expositivo. Já a revelação acontece em dois tempos diferentes, no momento do desenho em si, e no momento em que esse desenho se torna outra coisa, seja através da montagem das peças ou da organização do espaço. E por fim o fluxo, presente quando eu me coloco no espaço do desenho, ainda no processo de criação, e quando o espectador percorre o trabalho. O fato do desenho não se apresentar por inteiro é uma forma de instigar a imaginação e trazer perguntas. Colonizar a mente do espectador de perguntas assim como eu faço ao escolher os nomes dos trabalhos que apresento nessa exposição: serão os entes da praia sublimes?, será o vazio o infinito?, se o nada desaparecer a poesia acaba?, será a dobra um prolongar do pensamento?; alguns nomes criados por mim, outros emprestados de outros.
Aqui estão desenhos feitos a partir do inventário de Maracajaú, desenhos feitos a partir de elementos coletados na residência na Fazenda, em São Simão, e alguns feitos a partir da coleção de elementos de Paraty. Todos eles são a construção da sensação de memória que a natureza me traz. Experimentar os lugares, me conectar com a natureza e só então desenhar. O que antecede as imagens e os textos é a conexão necessária para que os elementos me tragam algo. É o tempo de convivência com eles que faz aparecer a sua essência que é transformada em desenho. Desenhar é como um espaço vazio que de repente fica tomado de linhas, e acolhe as linhas e o vazio ao mesmo tempo.
Desliza suavemente o avião de papel. Sai da mão do menino e voa. Plaina no ar e carrega consigo as algas do atlântico.
Me chama, a todo momento, a criança que mora em mim.
Para não dizer que não falei das algas e dos voos.
Da série Paisagem de Passagem Serão os entes da praia sublimes? , 2020 Instalação artística, 42 desenhos em papel vegetal 220 x 160cm Será o vazio infinito? , 2020 Desenho em caixa de acrílico 69x23x07cm Se o nada desaparecer a poesia acaba? , 2020 Desenho em caixa de acrílico 62 x 92 x 11cm Será a dobra um prolongar do pensamento? , 2020 Desenho 51x38x02cm
valeriascornaienchi.com @valeriascornaienchi