Revista conexões

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coordenação: diagramação: edição e seleção de imagens: revisão de texto: colaboradores:

Valter Filé Maria Silva Eloisa Lopes, Lidia Damazio, Maria Silva Eloisa Lopes, Maria Silva Ana Cristina, Ana Paula Carmo, Angélica Farias, Camila Lima, Carina Alves, Cássia Andrade, Daiane Azevedo, Elizabete Moraes, Fernanda Cardoso, Isabel Santanna, Ivanete Pereira, Jhonny Chaves, Juliana Batista, Kezy Marques, Laís Portela, Letícia Bianna, Lidia Damazio, Lidiane Sales, Lucas Morais, Luciene Monteiro, Marcela Souza, Maria Tereza Lima, Marina Isabelle Lessa, Nathalia Oliveira, Priscila da Silva, Roberta dos Santos, Rosália Walkíria de Oliveira, Sandro de Oliveira, Zilla Almeida

Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro Instituto Multidisciplinar Departamento de Educação e Sociedade Programa de Pós-Graduação em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares Grupo de pesquisa Educação, Sociedade do Conhecimento e Conexões Culturais Redes de estudos das Conexões Culturais e Aprontos Multimídia Projeto de Pesquisa Relações raciais nas escolas e formação de professores


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Algumas palavras...

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í n d i c e

Histórias.................................10 “nenhum outro espaço me transformou tanto quanto a escola...”............................11 Kezy Marques

“O preconceito que nunca senti durante toda minha vida,sinto hoje, pelo fato de ser policial militar”................14 Maria Tereza Lima de Souza

“fui me acostumando com a ideia de me tornar professora...”........17 Angélica Farias

“...hoje trabalho, estudo, sou mãe, esposa e dona de casa ao mesmo tempo.”............19 Letícia Bianna Rodrigues Ribeiro

“Tudo mudou, a minha rotina; meus Planos...”.....................................................23 Laís Portela do Nascimento

“Foi permeando esses dois contextos, rural e urbano, que passei minha Infância.”...............................25 Carina Alves

“...minha mãe trabalhava numa fábrica na mesma rua da escola”.......27 Marina Isabelle Lessa

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“aos poucos fui gostando mais e mais do curso normal...”...................30

Fernanda Cardoso

“Fui criada pelos meus avós paternos uma casa silenciosa...”................31

em

Ivanete Pereira

“o afeto é uma ferramenta auxilia tanto o professor aluno...”...................35

que como o

Marcela Souza da Costa

“...e eu sempre fui muito faladeira, amava conversar com toda a turma”..................37 ~

Daiane Azevedo

“Dessa relação distinta e apaixonante floresceu um fruto indesejável: Eu.”................................................ ...........39

Johnny Chaves de Oliveira

“Sou descendente de tataravós escravos e tataravôs europeus.” ..….................................................45 Sandro de Oliveira Silvino

“...meu pai me comunicou que teria que parar de estudar para ir trabalhar...”...............49

Elisabete Moraes Oliveira

“...meu pai escolheu seu próprio e sobrenome...”.......................51

nome

Lucilene Monteiro

“...mais uma vez juntam o que dá para levar, vende-se o que se pode e pé na estrada.”..................................................57

Zilla Almeida

“Após o assalto fiquei com alguns problemas, quando via um homem negro, paralisava...”.................59

Ana Cristina

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“Essa Universidade não tinha sido feita pra mim...”........... 61 ~

Lídia Damazio

“...a escola pública não dava uniforme ~ então, o uniforme era compartilhado entre os ~ irmãos...”................................................67 ~

Priscila da Silva Leandro Fonte

“Sempre fui muito ligada às escolas por onde passei...”......................73 Ana Paula Carmo

“Os alunos daquela Sala zombavam de mim por ~ usar um casaco de lã largo e vermelho...”................................75 Camilla de Lima Leite

“Saio de uma escola particular e passo para instituição pública...”..........................77 Nathalia Cristina Silva de Oliveira

“...aprendi que o diálogo é o elemento chave e que o aluno(eu) deve ser um sujeito atuante.”..................................................80 Rosália Walkíria de Oliveira

“...deparei-me com lembranças que já estavam perdidas em meio ao passado.”......81 Roberta dos Santos Oliveira

“...estou realizando um sonho de prosseguir com meus estudos.”.....85 Lidiane Sales

“Nove meses depois deste episódio, eu nasci!”.........................................................89 Juliana Batista

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“nenhum outro espaço me transformou tanto quanto a escola...” Kezy Marques

Eu poderia começar a minha história a partir de inúmeros momentos e coisas, as quais marcaram a minha vida e acredito que tenham mudado muito o rumo dela, como por exemplo, a minha miscigenação com índios e negros, e que lugar me coloca todos que não pertencem a uma dada elite. Poderia também traçar outros caminhos, mas garanto que nenhum outro espaço me transformou tanto quanto a escola, pois sempre tive com ela uma relação muito íntima, porque sempre partiram de lá as minhas maiores certezas e incertezas. Quanto aos meus estudos, sempre tive mesmo que me virar, pois depois da morte de meu pai, quando estava com cinco anos, minha mãe precisou trabalhar fora para sustentar eu e meu irmão de apenas três. E como fcava com meus avós, e eles eram analfabetos e não sabiam me explicar o dever, prestava atenção nas aulas e adquiri o hábito de fazê-los sozinha. Mas em contrapartida, sempre fui muito chorona, e se há algo que me recordo bem é que, certa vez na escola, eu estava na 2ª série, a aula corria muito bem, quando, de repente, comecei a chorar e não parava de jeito algum.

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Eu sempre tive medo da professora chamar minha atenção, então já esperava um grito ou algo assim, mas não, ela gentilmente chegou perto de mim e perguntou o que estava acontecendo. Depois que consegui me recuperar é que disse que estava chorando porque minha mãe havia deixado meu cabelo solto e estava com calor. Novamente esperava que me dissesse que era frescura, mas foi até a bolsa dela e prendeu meu cabelo; foi um alívio, mas uma tremenda vergonha. Nunca vou esquecer a professora Sônia. A vida voltou ao normal, e depois de alguns anos, já indo para a 5ª série, tive que mudar de escola e esse momento foi outro drama, já que havia estudado no Ciep 134 Vereador José Lopes de Araújo desde o C.A. e, praticamente, passava a maior parte do meu dia lá, pois entrava às 08:00 e a saída era às 16:00. Mas como algumas coisas, quando somos crianças, não dependem de nós, havíamos nos mudado para Morro Agudo, para morar com meu padastro e o atual Ciep Brizolão 172 Nelson Rodrigues fcava mais perto. No começo tive que sobreviver, porque todo dia era um barraco armado, pois os alunos viviam brigando. E além disso, havia outro terror por lá, porque ele fca perto da via Dutra e na época, próximo a uma quadra abandonada, então eram constantes os casos de violência sexual, e nos amedrontava. E foi ali que fquei diante de algumas questões que me marcam até hoje, e prova disso, é que não consigo esquecê-las. Como a primeira vez que vi alguém ser humilhada por uma suposta orientação sexual.

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Já estava na 7ª série, quando a direção foi trocada e começou a se espalhar que a nova diretora, que por ironia foi escolhida, grande parte, pelos próprios alunos, era homossexual, e só bastou isso para que os pais e alunos começassem a desrespeitar a diretora, e foi quando tive o amargo encontro com o preconceito e a violência. Um dia, estávamos no intervalo quando uma mãe veio gritando na escola, se direcionando à direção xingando e acusando a mulher por ter tentado abusar da sua flha. E foi uma baixaria total, a polícia foi acionada e, novamente, mais um boato foi espalhado para, mais tarde, ser descoberto que a menina havia mentido e armado, porque havia sido expulsa da escola e, certamente, essa era a desculpa perfeita para alguém ser acusado. Lembro-me que, no dia, a escola fcou em silêncio no pátio, o que era algo inédito prestávamos atenção, não acreditando naquilo. Alguns subiram até a rampa para ver, mas nem precisava, se escutava com perfeição. E nesse mesmo ano outra coisa me deixou furiosa, porque sempre fui uma aluna calma e que nunca causava problemas, porque além de chorona, também era medrosa e morria de medo e vergonha de ser chamada a atenção, ainda mais na frente de todos. Na escola criou-se o hábito de, depois do recreio, para subir para sala, fazer uma fla, e quem não se comportasse era colocado em uma parede que chamávamos de paredão. Eu tinha pânico de parar lá, mas nem me preocupava porque sempre fui comportadíssima.


Mas um dia, os moleques engraçadinhos pegaram o meu celular, e quando fui pegar, ele me viu e me retirou da fla, e aquilo foi um pesadelo. No primeiro momento, até achei que não era comigo, mas depois de uns gritos percebi que eu tinha sido emparedada, e o pior, ainda tínhamos uma breve e maçante passagem pela diretoria. Foi um dia vergonhoso porque, quando entrávamos na sala, todos fcavam olhando para nossa cara e rindo muito. Acredito que, de todos os micos que paguei, e não foram poucos, esse foi o maior. Como havia dito anteriormente, passei inúmeras situações ali, boas e ruins, e alguns professores marcaram essa caminhada, mas guardo um carinho enorme pelo meu professor José, que dava aula de Português e Inglês e que lecionou para a nossa turma todos os anos que estudei ali. Também não posso esquecer da professora de História, Mônica, que me fez pensar em seguir sua profssão. Juntos me apoiaram muito e sempre me incentivaram bastante. Se não fosse minha vontade de fazer Curso Normal, teria estudado com eles todo o meu ensino médio. Foi a primeira vez que tomei uma decisão importante na minha vida, pois havia a possibilidade de estudar na CEFET e eu abandonei, fui contra a vontade da minha mãe que, até hoje, me lembra do que poderia ter sido. Mas costumo dizer que o Colégio Estadual Arruda Negreiros me trouxe a oportunidade de me conhecer e me tornar mais “humana”. E foi ali que estive de frente com acontecimentos que me marcaram e marcam cada passo meu. A primeira situação que me rendeu um aprendizado, foi no meu segundo ano. Eu sempre tive compromisso com atividades relacionadas à escola, mas meu grupo nem tanto, eu era a “representante” e me dei mal algumas vezes por isso. E um dia, na entrega da folha de práticas pedagógicas, a professora Isabel Andréa não aceitou a minha folha, porque eu havia chegado no fm da aula para entregar e porque estava com uma parte do grupo terminando o trabalho dela. Naquele momento, a aluna da Segunda série voltou e comecei a chorar, não na frente dela, é claro.

Não esperava essa reação dela, nunca havia faltado sua aula e sempre chegava no horário, eu achava um absurdo aquela situação. O pior é que ela ainda estava na sala, a frieza dela me marcou muito, mas não posso deixar de admirá-la, porque foi um exemplo de professora e nos exigia muito, e talvez seja por isso que não consigo ver com bons olhos professores que não me desafem. Sem contar que ela me fez chorar uma outra vez. Outro momento a qual não consigo esquecer, foi o meu estágio em Educação Especial, esse sim foi um grande desafo, conheci um mundo novo e não tinha a dimensão do quanto eles sofrem preconceito e exclusão. E algo que marcou, foi quando um rapaz de cerca de 21 anos na época, começou a contar a sua história sem que perguntássemos o que havia acontecido. Ele retratou o que estava fazendo ali, e tínhamos uma difculdade imensa de entender, porque ele tinha um problema na fala. Ele estava ali depois de um acidente que o deixou sem movimentos, em que tinha sido o único a sobreviver. Foi uma lição e tanto, porque tudo isso havia acontecido por causa da mistura de álcool e direção. Ele tinha uma vida normal, ensino médio completo, ainda falava Inglês fuente e algo que não esqueço que ele disse foi: “Nunca pensamos que possa acontecer conosco, mas quando acontece, fcamos sem chão. Hoje, meu lugar não é aqui, mas olha onde vim parar.” Aquilo me marcou muito e, naquele momento, comecei a chorar demais. Tive que sair da sala correndo, mas ele notou e disse que aquela reação era normal. Não consegui parar de chorar e lembrar dele. O curso normal me marcou muito, foi ali que fugi da aula pela primeira vez. Tive a oportunidade de ser representante de turma por dois anos, estar em contato com realidades diferentes, conhecer meu lado estressante e estressado, ter um princípio de AVC (Acidente Vascular Cerebral) e ser Oradora da turma. E como disse no início, a escola sempre foi um espaço no qual me sentia familiarizada, e é por isso que não consigo imaginar outro espaço que me transformasse tanto e me desse tantas lições, e que infuenciasse tanto também a minha família.

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“O preconceito que nunca senti durante toda minha vida,sinto hoje, pelo fato de ser policial militar” Maria Tereza Lima de Souza

Eu nasci no dia 31 de outubro de 1986, no Hospital Maternidade Casa de Saúde São José, em Mesquita. Minha mãe relata que no dia em que nasci, todos fcaram muito felizes, apesar de não estar ainda na época de eu nascer. Entretanto, devido a um aborrecimento, vim antes do tempo. Sou herança de uma família humilde, assim como muitas outras famílias do Brasil. Meus avós maternos moravam em Vassouras-RJ, junto com seus 13 flhos, num sítio. Viviam com muita difculdade e meu avô trabalhava como caminhoneiro transportando abóbora para o antigo Mercadão de Madureira, depois Ceasa, enquanto minha avó fcava em casa cuidando dos flhos. Muitas vezes, quando meu avô demorava em suas viagens, eles passavam por muitas necessidades.

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Meu avô era descendente de escravos mas, apesar disso, tinha um grande preconceito com sua cor ou raça. Não aceitava que seus flhos se casassem com negros. Lembro-me dele dizendo: “Preto, quando não ‘caga’ na entrada, ‘caga’ na saída”. Minha avó era descendente de índio; diziam que era muito bonita, mas eu não a conheci, pois faleceu muito nova, vítima de problemas no coração. Devido às difculdades fnanceiras, meu avô decidiu vender o sítio e vir morar na Baixada Fluminense. Vieram para a cidade de Nilópolis. Posteriormente, meu avô comprou uma casa em Mesquita, onde minha família vive até hoje. Já meus avós paternos viviam em Nova Iguaçu, junto com seus 4 flhos. Minha avó era dona de casa e meu avô era policial militar, por causa disso era chamado de Federal. Assim como minha avó materna, eu não conheci minha avó paterna, que também faleceu nova, vítima de diabetes. Meus pais se conheceram na Domingueira, no antigo Mesquitão. Minha mãe conta que meu pai era muito tímido, então ela que teve que tomar a iniciativa. Namoraram durante 4 anos e minha mãe engravidou do meu irmão antes do casamento. Naquela época, foi um choque para toda família, mas todos deram apoio. Então, no dia 11 de junho de 1983 eles se casaram. Meu irmão nasceu no dia 16 de novembro deste ano. Meu pai sempre priorizou a nossa educação e formação escolar. Muito rigoroso com os estudos, fazia questão de nos ensinar o dever e participar de tudo o que acontecia na escola. Lembro-me que ensinava o dever pra gente com o chinelo do lado.

Meu irmão sempre apanhava, pois não gostava muito de estudar. Meu pai era policial militar, assim como meu avô. E mesmo com muita difculdade (pois na época o salário do PM era muito precário), ele fazia questão de nos manter em escola particular, pois considerava a escola pública desorganizada e com ensino fraco. A minha única experiência em escola pública não foi muito boa. Estudei durante 6 meses na Escola Municipal Abraão Lincon, em Anchieta. Lembro-me que lá, o ensino não era de qualidade e o compromisso com a educação entre os professores deixava a desejar. Minha professora faltava muito e nós fcávamos com outro professor que nos deixava o dia inteiro brincando no parquinho. Um dia minha mãe foi à escola e pediu que a professora me desse um remédio num certo horário, e para sua surpresa, a professora nem me conhecia. A minha primeira escola foi o Rachel Rechuem, em Mesquita. Tenho ótimas lembranças de lá. Lembro-me até da primeira festinha e das músicas que cantava na sala de aula. Sempre fui muito dedicada e caprichosa, por isso recebia muitos elogios dos professores. Meu nome sempre fcava no quadro de destaque entre as melhores alunas. Nunca percebi nessa escola qualquer tipo de preconceito ou discriminação, até porque as pessoas pertenciam a mesma classe social que eu. A hora do recreio era a melhor hora pra mim. Eu brincava e merendava o lanche que minha mãe preparava. Meu sonho era um dia levar dinheiro e comprar merenda na cantina, assim como as outras crianças, mas meu pai nunca me dava dinheiro, preferia comprar ele próprio e colocar na merendeira. Isso me revoltava!

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Quando fui para a 4ª série, meus pais se mudaram do Cosmorama (onde passei ótimos momentos da minha infância) para Chatuba, por isso fui estudar no Instituto Iguaçuano de Ensino. Para entrar na escola, tive que fazer uma prova em que fui aprovada. No Iguaçuano pude perceber uma certa diferença social, pois quem estudava lá era a elite de Nova Iguaçu, os “flhinhos de papai”. Era visível que numa sala, a quantidade de negros era bem inferior a de brancos. Apesar disso, em particular, não me recordo de ter sofrido qualquer tipo de discriminação. Me formei no Curso de Formação de Professores, pois esse sempre foi o meu desejo. O curso normal foi uma das melhores fases da minha vida. Fiz amizades que mantenho até hoje, aprendi muito e sempre fui uma aluna muito participativa. As festas eram as melhores. Fazia peças, dançava, enfm... era a realização de um sonho! Assim que me formei no curso normal, ingressei na faculdade. Fiz o primeiro período no Faculdade Gama Filho e depois pedi transferência para a UNIABEU, em Belford Roxo. Nunca pensei em fazer vestibular para uma faculdade pública (achava que era perda de tempo). Me formei no curso de Licenciatura em História, em 2007. Sempre trabalhei na área de educação, até que em 2010 minha vida deu uma reviravolta.

Fiz a prova do Enem por muita insistência do meu pai e, pra minha surpresa, fui aprovada no curso de Pedagogia. Fiquei muito orgulhosa e ingressei na Universidade. Entretanto, tive que trancar a faculdade, pois passei no concurso da PMERJ. Eu sou, portanto, a 3ª geração de Policiais Militares da minha família. Hoje, já formada como soldado, pude retornar à faculdade e tenho trabalhado na PM, na área da educação. Por dádiva de Deus, atuo no Colégio da Policia Militar como professora e me sinto realizada profssionalmente. Meus objetivos hoje são: continuar crescendo na minha vida profssional, continuar estudando, me tornar ofcial pedagoga da Polícia e construir minha família. Esse ano é meu casamento e pretendo constituir uma família, tendo como espelho a educação que recebi dos meus pais. O preconceito que nunca senti durante toda minha vida, sinto hoje, pelo fato de ser policial militar. Acabo sendo julgada por maus profssionais que existem na corporação. Vejo a PMERJ com outros olhos, diferentemente daquele que é transmitido na mídia. Trabalhando na área da Educação, me admiro ao ver que existem profssionais dentro da corporação que se preocupam com essa área. Que lutam constantemente para reverter essa visão truculenta da polícia. Mas essa tarefa não será fácil!

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“fui me acostumando com a ideia de me tornar professora...” Angélica Farias

Minha história tem início no ano de 1938, com o nascimento de meu pai José Alves Farias, em Alagoas e em 1950 com o nascimento de minha mãe Lindalva João dos Santos, na Paraíba. Ambos tinham o interesse em comum de conseguir uma vida melhor, com maiores oportunidades, o que não era encontrado em seus respectivos estados naquela época (questões econômicas e difculdade em conseguir emprego com salário adequado). Então os dois decidiram vir para o Rio de Janeiro. Em 1984, meus pais se encontraram ao acaso na Quinta da Boa Vista no Rio de Janeiro e desde então iniciaram uma relação, que resultou no nascimento de meu irmão Alair Santos Farias, no ano de 1986 e, quatro anos após, em 1990, no meu nascimento, ambos no estado do Rio de Janeiro. Minha vida escolar teve início aos 4 anos de idade, onde fui matriculada pela minha mãe no Jardim de Infância, pois de acordo com ela, eu chorava ao ver meu irmão mais velho ir para a escola e não poder ir junto; foi quando fui matriculada no Jardim Escola Tia Norte. No meu primeiro dia de aula as crianças choravam pelo medo de fcar sem a mãe, porém eu era a única que não chorei (por ter vergonha de chorar). Fiz o Jardim I e metade do Jardim II, pois minha professora acreditava que eu estava muito adiantada e que estaria apta a cursar a C.A. Nesse período havia aberto uma vaga na classe no mesmo colégio que meu irmão estudava, que era a Escola Municipal Escultor Leão Velloso (localizada na Pavuna), então minha mãe me matriculou no novo colégio. Aprendi muitas coisas no novo colégio e permaneci nele da C.A. até a 5ª série. Quando ia passar para a 6ª série minha família se mudou de residência, fcando assim muito distante para minha mãe me levar ao colégio. Meu irmão já tinha terminado o ensino fundamental e não poderia me levar com ele, logo, meus pais tiveram que procurar outro colégio mais perto de casa. Foi um choque para mim, pois a maior parte de minha turma estava junto desde a C.A. e todos éramos muito amigos. Fiquei com medo de não me adaptar em outra escola, porém a mudança era necessária. Minha mãe me matriculou na Escola Municipal Monte Castelo (localizada em Coelho Neto) para cursar da 6ª até a 8ª série. Essa escola foi um verdadeiro aprendizado para a vida, pois me relacionei com pessoas que gostavam de um tipo de vida e cultura que eu não estava acostumada, onde a maior parte dos estudantes eram de comunidades e tinham gostos diferenciados; nº1

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me criticavam por eu não gostar, por exemplo, do mesmo tipo de música (funk, pagode) ou o mesmo tipo de vestimentas utilizadas. Lembrome de um dia em que fui muito feliz para o colégio, pois meu pai tinha me comprado meu primeiro All Star, porém, ao chegar, os outros alunos fcaram rindo dos meus tênis “diferentes”, dizendo que se pareciam com os sapatos do Seu Madruga... Como fquei triste! E ao chegar em casa, chorei e guardei meus tênis por um bom tempo no armário. Desejava mais do que tudo sair daquele colégio, porém não comentava com meus pais sobre os acontecimentos cotidianos para não preocupálos. Nessa época eu tinha 11/12 anos. Tentei me adaptar, mas a 6ª e 7ª séries foram bem difíceis. Fiz algumas amizades, mas mesmo assim sofria com o preconceito dos demais e com a extrema bagunça e desordem que existia na sala de aula. Pensei nunca me tornar professora devido às circunstâncias presenciadas. Na 8ª série a diretora me trocou de turma, pois a atual 8ª série (turma 804) era muito bagunceira (a mesma desde a 6ª série), então fui para a turma 801, onde consegui me adaptar melhor e fazer mais amigos. Encontrei pessoas com gostos parecidos, voltei a usar meu All Star e me encontrei fnalmente no colégio. Aprendi a conviver com as diversidades, e de acordo com John Dewey: “A meta da vida não é a perfeição, mas o eterno processo de aperfeiçoamento, amadurecimento, refnamento." Para esse autor, o processo de aprendizagem e de desenvolvimento do conhecimento se dá às experiências vividas, ou seja, todo ser vivo usa sua experiência para se adaptar ou para criar condições dentro do seu meio social. A partir das relações entre si, precisa lidar com situações difíceis, circunstâncias inusitadas e gerenciar confitos. Para Dewey, a educação está sempre ligada à experiência e no meu caso, com todas as mudanças e enfrentamentos, essas foram fundamentais para o meu desenvolvimento, tanto pessoal quanto intelectual, pois de acordo com as difculdades vivenciadas, encontrei novas formas de tentar me adaptar e de desenvolver meus conhecimentos, que refetiam assim na educação. No ensino médio (curso normal), escolhi me matricular no Instituto de Educação Professor Moysés Henrique dos Santos, em São João de Meriti. Escolhi essa escola por ser mais afastada de minha casa e meu pai não fcar me vigiando no trajeto, porém só descobri que se tratava de um colégio de formação de professores no dia da matrícula. Ao descobrir que era um curso normal, me veio em mente tudo o que presenciei, principalmente na 6ª e7ª série, e me deu vontade de desistir, porém a matrícula já estava feita. Comecei o curso com certa desconfança, mas aos poucos fui me acostumando com a ideia de me tornar professora. ~

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Meu primeiro estágio foi em uma creche com crianças de 2 anos. A experiência foi muito boa e comecei a criar certo prazer ao pensar no magistério. Com a vivência em estágios notei que gostava mais da educação infantil. No 3º ano, aos 16 anos, eu decidi procurar um estágio remunerado, pois queria muito ter meu próprio dinheiro sem ter que pedir sempre auxílio ao meu pai, e por coincidência minha mãe encontrou uma amiga da época em que eu estudava na Escola Municipal Escultor Leão Velloso. Essa amiga era diretora de um colégio, onde ela disse a minha mãe que eu a procurasse para um estágio remunerado. Fui ao colégio Primícias e consegui a vaga. Concluí o ensino médio em 2008 e continuei no estágio remunerado no colégio. Em 2009, passei o ano como ajudante de professora de manhã, e à tarde tinha minha própria turma de maternal. Eu gostava de lecionar, porém não estava de acordo com o salário, não tinha a carteira assinada e nem havia previsão para tal. Em 2010 peguei uma turma de Jardim III (classe de alfabetização), que era considerada a pior turma de educação infantil do colégio. Devido às questões administrativas do próprio colégio onde eu era extremamente cobrada e o retorno era muito pouco, resolvi deixar as salas de aula e pedi demissão. Nesse mesmo ano, tentei outra área de formação e me matriculei na UniverCidade, no curso de Direito, onde fz até o 3º período. Não me identifquei com a área e após passar por esse curso e por outras áreas do mercado de trabalho (telemarketing e administrativo), depois de muitas refexões percebi o quanto sentia falta de lecionar e o quanto eu gostava das crianças. Resolvi por vez retornar à aréa de educação, só que dessa vez já ciente de todas as difculdades que enfrentaria em sala de aula. Procurei em 2011 faculdades para cursar pedagogia, possivelmente em 2012 ou 2013, então fz o ENEM em 2011 e estava sem esperanças de realmente passar, tanto é que já havia decidido pagar uma faculdade particular. Nas opções de faculdade escolhi a UFRRJ e a UFRJ (as duas para pedagogia), e foi um extremo choque ver que estava entre as primeiras colocadas para o curso de pedagogia da UFRRJ (eram apenas 36 vagas e não tinha esperança de passar em tal colocação). Consegui passar na 1ª chamada e fquei muito feliz por passar em uma faculdade federal que era um sonho, mas achava não ser capaz de concretizá-lo. Atualmente, estou cursando o 2º período de pedagogia e tudo o que passei em minha formação escolar contribuiu para minha identidade hoje em dia. Sobrevivi a preconceitos, convivi com as diversidades, me surpreendi com mudanças de conceitos e paradigmas que tinha, e o primordial foi ter me encontrado no mundo, pois sei o que sou e onde quero chegar, independentemente dos preconceitos e julgamentos que hoje já não me causam tanto pavor como em minha 6ª e 7ª séries.


~ “...hoje trabalho, estudo, sou mãe, esposa e dona de casa ao mesmo tempo.” Letícia Bianna Rodrigues Ribeiro

Nasci em 01 de Novembro de 1991, em Belford Roxo, com 3.250,00 kg e 50 cm, em uma família estruturada da forma clássica de pai e mãe. Sou a primeira flha do casal que se casou há um ano atrás e namoraram durante 8 anos. Meu pai veio do Maranhão para estudar e chegando no Rio de Janeiro, acabou conhecendo minha mãe. Acabou se apaixonando e fcou por aqui mesmo, convivendo com a família da namorada que também era formada por pai, mãe e seus 2 irmãos e 1 irmã. Enquanto eu era bebê, minha mãe não trabalhava fora para se dedicar melhor ao meu desenvolvimento. Com o passar de 3 anos, eu entrei em uma escola próximo à minha casa, onde permaneci até a antiga “Classe de Alfabetização”. Quando completei 4 anos, minha irmã Mariana nasceu e, 2 anos depois, minha mãe voltou a trabalhar fora. Daí em diante, durante o dia, eu e minha irmã passamos a fcar sob os cuidados da minha avó materna que morava no mesmo terreno que minha família.

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Em 2002, comecei a frequentar uma igreja chamada “A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias” e, nesse mesmo ano, me batizei nela, igreja a qual frequento até hoje. Da classe de alfabetização até a antiga oitava série, permaneci no mesmo colégio que fcava também próximo à minha casa. Estudava no Centro Educacional Nova Piam. No oitavo ano comecei a me preparar para prestar concurso para o Cefet e a Faetec. Comecei a estudar em casa e, no fnal do ano de 2006, prestei concurso para essas duas instituições e consegui vaga para as duas, embora tenha optado por fazer a Faetec, devido ao curso que era de gestão hospitalar. Em 2007, comecei a estudar na Faetec, em Marechal Hermes, na Oscar Tenório, com 15 anos. A escola era distante da minha casa e por isso, durante os dois primeiros anos, meu pai sempre me levava para escola com nosso carro. No início, eu senti muita difculdade por conta dos horários e da distância, mas depois acabei me acostumando.

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Comecei a namorar com 15 anos e aos 16 anos, quando estava no segundo ano do ensino médio, fquei grávida. No início pensei em parar de estudar por causa do bebê, mas meus pais não aceitaram e me incentivaram a continuar com os estudos. Eu me casei em 15 de Novembro de 2008, quando estava com 5 meses de gestação. Passamos a morar no mesmo terreno dos meus pais, porém em casas separadas. Minha flha nasceu em 29 de março de 2009. Continuei estudando, assim como o pai dela também. Quando minha flha nasceu, o pai dela começou a trabalhar durante o dia e estudar a noite, enquanto eu estudava de manhã e cuidava da minha flha durante o dia. Minha mãe e uma amiga se revessavam para cuidar da minha flha enquanto eu estava na escola. Por conta disso, não consegui realizar meu estágio durante o terceiro ano do ensino médio. Consegui terminar meus estudos e prestei vestibular para UERJ no mesmo ano junto com o Enem, porém não consegui vaga em nenhuma instituição de ensino superior.


Em 2010, comecei meu estágio na Policlínica Alberto Borgeth, em Madureira, próximo à estação. Lá, permaneci até Setembro. Aprendi técnicas de Administração pública e a realizar processos como de aposentadoria para servidores públicos. No mesmo ano, fz novamente o Enem sem muita confança em mim mesma, pois não havia me preparado como necessário. Terminei meu estágio e fquei em casa até Dezembro. Comecei a procurar emprego e, no ano seguinte, comecei a trabalhar em uma empresa de empréstimo consignado, no Centro do Rio de Janeiro, na avenida Presidente Vargas, em um horário que não era muito bom para mim porque eu saia às 21:30 e era muito perigoso. Só fquei nesse emprego durante uma semana, logo fui chamada para trabalhar em uma recauchutadora em Nova Iguaçu, no bairro da Prata e aceitei.Em 2011, me separei do pai da minha flha, passando, assim, a trabalhar e cuidar dela. No início do ano de 2011, entrei na lista de espera da UFRRJ, no curso de Pedagogia e Administração. Eu era a quarta na lista de espera de Pedagogia e a vigésima em Administração. As listas foram acontecendo e a de Pedagogia havia encerrado na 2ª chamada. Então, eu não tinha mais expectativas para Pedagogia, mas na 5ª chamada apareceu uma vaga.

10 candidatos foram chamados para preencher essa vaga. Eu era a segunda, mas se a primeira pessoa estivesse no dia da chamada, em Seropédica, eu perderia a vaga nesse semestre. Para minha sorte, a primeira pessoa da lista não estava presente e eu preenchi a última vaga, da última unidade do último curso chamado naquele dia! E a partir daquele dia eu passei a ser uma estudante do curo de Pedagogia da UFRRJ, no campus de Nova Iguaçu. Passei a estudar à noite, logo depois do trabalho, algo que faço até hoje. Um pouco depois de entrar para faculdade, conheci um rapaz chamado Jorge por quem me apaixonei e estamos juntos até hoje. Um pouco depois, aconteceu algo que mudou mais um pouquinho a minha vida. Fiquei grávida mais uma vez, dessa vez de um menino. Continuei trabalhando e estudando, durante a gravidez. Meu flho nasceu em 26 de dezembro de 2011. A gravidez me atrasou um pouco na faculdade, porém não me desanimou. Assim que acabou meu período de licença maternidade, voltei a trabalhar e hoje trabalho, estudo, sou mãe, esposa e dona de casa ao mesmo tempo. Apesar de as vezes estar cansada com a correria, sou feliz. Tenho um marido maravilhoso e flhos muito carinhosos. Enfm, tenho uma família linda!

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“Tudo mudou, a minha rotina; meus planos...” Laís Portela do Nascimento

Acontecem coisas na vida que não entendemos o porquê, mas sabemos que tudo tem um propósito. As vezes, até tentamos decifrar enigmas e coisas que acontecem, mas, sabemos que só o tempo dirá o real sentido de tais acontecimentos e fatos. Começo, então, a contar a minha história de caminhos difíceis. Digo difícil, pois foi algo que não esperava, um acontecimento que mudou minha vida, a partir de decisões que não foram minhas. Em 2009, tudo ia bem. Era o ano mais feliz da minha vida (tirando o fato de que estava longe do meu pai há 3 anos, pois ele já morava no Rio de Janeiro). Muitas realizações pessoais, feliz com minha família; amigos; pela minha rotina, fazia de tudo um pouco, vivia em movimento constante e muito acontecia o que só aumentara minha felicidade; mas, faltava o meu paizinho.

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Algo especial aconteceu. Reencontrei um grande amigo que conheci em 2006. Quando o conheci, não fui muito com sua “cara”, pois odiava o fato de ter uma pessoa para tirar o “foco” de mim, pois sempre fui o centro das atenções em toda minha vida escolar. Mas com o tempo, fui criando um laço de amizade muito forte. Enfm, nos reencontramos em 2009 e começamos a namorar. O ponto central desse “confito”, ainda não chegou, chegará. Mencionei apenas o que me trouxe vida, prazer e felicidade. Dois mil e nove me traria surpresas que arrancaria bruscamente de mim toda aquela felicidade citada anteriomente. Exato dia 5 de dezembro, minha mãe teve a infeliz ideia de comprar nossas passagens, eu disse “nossas”. E o desespero logo bateu. A angústia, a raiva, todos os sentimentos juntos. Aquela notícia me deixaria aérea. Surteiiiii. Por que logo naquele momento? Não entendi, e ninguém entendia! Ok, estava sim com muitas saudades do meu pai, mas ele não poderia vir? Na minha cabeça, não era certo e muito menos justo. Não conseguia entender: por que mudar a vida de 4 pessoas, podendo mudar apenas a dele? Via no semblante da minha mãe a tristeza que ela sentia. Por ver suas flhas naquela situação, ela também estava triste. Ali também era sua cidade, ali estava sua família. Mas eu não conseguia entender que ela também estava triste; mas no fundo, no fundo sabia que ela precisava tomar aquela atitude, até porque tinha três anos que ela morava longe do meu pai e ele já não estava muito bem sozinho, a tristeza e a solidão já mostrariam quem estava no comando.Naquele momento, via apenas minha dor. Hoje, vejo como fui egoísta, mas deixo claro que essa é a minha percepção hoje, depois que tudo passou.

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Mas para mim foi difícil dizer adeus a minha família, amigos, meu namorado que sofreu como ninguém. Tudo mudou, a minha rotina; meus planos; e não foi fácil retomar aquela felicidade dita natural. Depois de dois anos, em um lugar que reneguei, veio a conquista! A UFRRJ seria a resposta de Deus para todas as minhas lamentações. O lugar que tanto reneguei me traria um presente, e se concretizava na minha cabeça que nada nessa vida é em vão. A felicidade era coletiva. Fui a primeira da família a entrar para uma universidade federal, um “feito”. Mas a alegria apenas de um me bastaria, a do meu vôzinho, que sempre teve o sonho de seus flhos e netos estudarem, pois o mesmo não tinha feito e se arrependeu por isso. Ele sempre dizia – Quem não tem estudo, não é respeitado! Mas isso nunca foi verdade, se tratando dele. Vôzinho foi muito respeitado, tinha a fama de um político e amigos que encheriam um estádio. Não estudou, mas era tamanha sua inteligência; um homem sábio, que se encheria de orgulho pela minha conquista, mas que por circustâncias de um grave câncer, não está mais entre nós. Aos 55 anos nos deixou, antes mesmo daquele abraço de orgulho. A universidade reformularia aquele antigo pensamento que tinha: “este lugar não me trouxe nada de bom, só me atrapalhou!”. Demorou, mas veio. E a resposta veio de Deus. À Ele agradeço e espero aproveitar todas as oportunidades que virão, pois todo esse sofrimento só me fez mais madura, sensata, responsável, mais mulher. Hoje, não vejo o Rio como via. Pode até não ser a minha Petrolina (risos), mas tenho certeza que fcou um sentimento bom; fcou e fcará. Mas, querido Rio, o bom flho a casa torna e eu retornarei para minha amada Petrolina!


“Foi permeando esses dois contextos, rural e urbano, que passei minha infância.”^ Carina Alves

Tendo meus pais origem social, cultural e econômica muito distintas, e por eles terem se separado quando eu ainda podia ser considerada bebê, cresci, vivi e me constituí enquanto “gente”, rodeada dessas variedades sócio-econômicas. Em função da separação deles, fui morar com minha bisavó paterna por imposição da minha mãe. A família do meu pai era, naquele tempo, o que hoje se classifca como classe C, e minha mãe, em comparação com sua família, entendeu que eu deveria ser criada ali no Méier. Meus parentes maternos viveram outra realidade. A bisavó materna da minha mãe experimentou os primeiros anos pós-abolição e, sem rumo, veio de Minas para cá, mais especifcamente Piraí. A respeito dos seus parentes paternos nada se sabe, a não ser que eram de origem portuguesa. Meus avós maternos ao se casarem, em 1935, foram para o interior de Morro Agudo (Nova Iguaçu). Foi permeando esses dois contextos, rural e urbano, que passei minha infância. O ano todo no Méier (e suas convenções sociais) e nas férias de verão, a vida rural e sem qualquer conforto da Rosa-dos-Ventos... Aos onze anos uma terceira realidade se apresenta: a favela. Enfm minha mãe se casa novamente (com um malandro de Madureira) e vai morar numa comunidade - hoje ainda não pacifcada. Em função da proximidade com o Méier, nosso contato que era semestral passa a ser mensal. Isso foi interessante porque essa aproximação se deu logo antes da adolescência e minha bisa já estava bem velhinha para lidar com todas as questões que envolvem uma "aborrecente”! As experiências comuns relacionadas a essa fase da vida, todas, todas, todas foram signifcativamente afetadas e diretamente infuenciadas por tal contexto. Acredito que foi ali que as partes do meu eu deixaram de ser parte e viraram um conjunto que me defniria como a pessoa que sou e na qual vou “me virando” com o decorrer do tempo e das vivências. Até agora o fato mais foi importante e signifcativo na minha formação foi este: ter vivido ao mesmo tempo três contextos diferentes.

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“...minha~mãe trabalhava numa fábrica na mesma rua da escola” Marina Isabelle Lessa

Eu nasci em 1992, ano de eleições municipais disputadas sob forte impacto do Fora Collor. Acho que daí já se explica o fato de ser tão decidida no que eu quero. Filha de um motorista de ônibus com uma operária, cresci cercada de poucos luxos, porém muito feliz e amada. Minha vida educacional se inicia em 1996, aos 4 anos de idade, na escola Centro Educacional Paraíso da Emília. Tive como primeira professora a Tia Nádia. Lembro-me bem do primeiro dia de aula: cheguei às 6:00h da manhã na escola, o horário era às 7:00h, mas minha mãe trabalhava numa fábrica na mesma rua da escola e precisava chegar no trabalho no horário e levar a flha na escola por não haver mais ninguém que fzesse isso por ela. Então, o jeito foi me deixar na escola todos os dias com uma hora de antecedência.

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Quando vi minha mãe me deixando ali, naquele lugar vazio, somente com a inspetora, me bateu um desespero e comecei a chorar. Coitada, fcou dividida entre me deixar na escola e chegar no horário no trabalho! E o pior que nem era só choradeira na entrada, na saída também, pois quem estava com a missão de me buscar na escola era minha irmã e, como nosso horário não batia, pois eu saia às 12h e ela às 13h, eu sempre era a primeira a chegar e a última a sair da escola. Minha mãe tentou outras formas de adaptações como me passar pro horário da tarde, mas não consegui fcar uma semana estudando a tarde. Com o tempo fui me acostumando com a rotina e assim os anos foram se passando. Ao completar o antigo C.A, saí desta escola e fui para uma outra chamada Jardim Escola Cantinho da Paz. Ali, eu fz a 1° e 2° série. Não me lembro de nada signifcativo nesta escola. Ao passar pra 3° série, por falta de condições de continuar pagando uma escola particular, meus pais resolveram me colocar numa escola municipal daqui de Belford Roxo. Ali, o ensino era péssimo e a escola tinha péssimas condições de estrutura e, mais uma vez, meus pais me trocaram de escola.

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Fui estudar no município do RJ, na Escola Municipal Itália, em Rocha Miranda. Era muito longe, mas era até então a única solução pra quem não tinha condições de pagar e queria um ensino de qualidade. O tempo passou e estudei ali até a 7° série, quando cismei de sair pra ir para uma escola mais próximo de casa. Mesmo contra a vontade dos meus pais, resolvi ir pro Colégio Estadual Pedro Álvares Cabral, em São João de Meriti. Como era à tarde, não aguentei nem o primeiro bimestre. Como podem observar, já não gostava de estudar à tarde desde criança e fz de tudo para sair. Só que não poderia voltar pro antigo, o qual, somente após minha saída na teimosia, percebi que adorava e era o melhor lugar que já tinha estudado. Fui para um CIEP, logo atrás do Cabral (colégio anterior). Aquilo era um terror, um circo dos infernos, desculpe a expressão. Eram brigas diárias dos alunos com os professores, inspetores, diretores e com quem quer que discordasse de algo, uma tremenda falta de respeito com os profssionais. Saia dali, todos os dias, chocada! Não estava acostumada com aquilo pois no Itália a diretora era pulso frme, mantinha todos na linha, era uma escola exemplo. E ali terminei a 8° série.


No ensino médio, fui pra outro CIEP em São João de Meriti. Desta vez, era uma escola de Formação de Professores. Não sei porquê, mas resolvi ser professora. Lembro-me da primeira vez que minha mãe me viu com o uniforme de normalista, ela chorou emocionadíssima, pois a flha estava tendo a oportunidade que nunca tivera. Foram anos maravilhosos! Ainda sinto muitas saudades e tenho que confessar que gostava mais do normal do que gosto da graduação. No ano de 2011, concluindo o ensino médio, fz o ENEM sem perspectiva de conseguir algo, pois não havia feito nenhum pré vestibular. Estudava por conta própria, pegava a aba dos colegas que fazia o pré. Assim, em janeiro de 2012, fui selecionada na segunda chamada para cursar pedagogia na Rural - Campus Nova Iguaçu. Fiquei super feliz e estou aí, caminhando e cantando e seguindo a canção!

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“aos poucos fui gostando mais e mais do curso normal...” Fernanda Cardoso

O ano de 2005 foi marcado por um grande momento da minha vida escolar. Eu havia saído da quinta série, que era desprezada por toda a escola. Estava me sentindo adulta, trabalhos mais sérios, professores mais rigorosos. Enfm, uma nova fase. Mas em meio a tantas mudanças acontecera algo que mudaria a minha trajetória. Sempre desejei ser professora. Mas naquele ano, um professor de biologia começou a lecionar na minha turma. E ele era tão bom ao explicar anatomia humana, que eu me apaixonei pela disciplina. E daquele momento em diante, eu pretendi ser médica quando crescesse. A disciplina me fez planejar outros sonhos, estudar mais e mais aquilo que me dava prazer. Estava decidida a seguir esta profssão com toda dedicação. Cheguei em casa e contei a todos minha nova experiência e meus novos planejamentos. Cheguei à conclusão que, de início, faria a prova para entrar na FAETEC e fazer enfermagem. Estava na sexta série e essa decisão permaneceu. Cheguei na oitava série e era a hora de começar os preparativos para a nova escola. Foi quando descobri que o curso que eu queria era oferecido em Santa Cruz e em Quintino. Eu sabia que seria cansativo, mas estava disposta a enfrentar este desafo. Porém algo inesperado aconteceu. Minha mãe, muito cuidadosa, ao descobrir a distância e relacionar com a minha idade (14 na época), não permitiu que eu fosse estudar lá. Tentei convencê-la de todas as formas, mas de nada valiam as minhas palavras. Então ela me fez uma proposta. Iria me matricular em um colégio em Nova Iguaçu, que é a cidade onde eu moro, que oferecesse o curso de enfermagem, e ela encontrou um colégio particular. Porém o técnico só começava a partir do 2º ano, então ela me matriculou em um curso de formação de professores, levando em conta meu desejo de criança.

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E se caso eu gostasse do curso, eu continuaria, se não eu era matriculada no colégio particular. E eu fui matriculada no IERP assim, como um escape, um “vai ou racha”. A princípio eu odiei estar naquele lugar. Eu não queria mais aquilo! Fui levando os primeiros meses sem ânimo, mas percebi que estava me prejudicando, pois nunca gostei de tirar notas baixas e confesso que esse seria meu destino. Então comecei a me dedicar e o ponto de partida para este recomeço se deu graças a grosseria de uma professora, ao falar que meu trabalho era um lixo e precisava ser refeito. Aquilo me deixou com tanta raiva, que prometi para mim mesma que ela iria engolir suas palavras com o meu novo trabalho. E fz todas as atividades desta disciplina com dedicação e zelo. E aos poucos fui gostando mais e mais do curso normal. E quando me dei conta, eu estava apaixonada pelo lugar que antes eu odiava. E não quis mais sair. Identifquei-me tanto com o curso, que no último ano da escola a pergunta que sondava a todos era o que fazer na faculdade. E eu sempre respondia, sem sombra de dúvidas: quero fazer Pedagogia na Rural! Estava decidida. E ainda dentro do Curso Normal, lembrei-me da minha posição inicial. Onde entrei somente como uma segunda opção. E lembro que na minha sala, essa história se repetia várias vezes. Muitos estavam ali por não terem passado num curso técnico renomado. E me questionei de como um curso tão importante, em se tratando da educação, poderia ser encarado assim, com tanta insignifcância? Acredito que as instituições favorecem para a desvalorização da educação. Porque não é difícil passar para o Curso Normal? Ou por que a nota de corte de Pedagogia é tão baixa? Enfm, são relatos da minha historia, que aos poucos foram moldando a minha formação docente e a minha vida.


“Fui criada pelos meus avós paternos em uma casa silenciosa...” Ivanete Pereira

No ano de 1989 começa a minha vida escolar, aos seis anos de idade, cheia de vontade de descobrir o que as letrinhas tinham a me oferecer. Em um único ano eu cursei a alfabetização e a 1º série com muita alegria e dedicação e, em 1990, quando frequentava a 2º série, passei pela temida palmatória nas aulas de matemática, a meu ver, muito dolorida e humilhante. Fui criada pelos meus avós paternos em uma casa silenciosa e que cada pessoa falava de uma vez. Na escola sempre fui uma aluna dedicada, mas muito tímida e que quase nunca falava durante as aulas, mas que adorava fazer novas amizades.

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Já adolescente, eu ainda continuava tímida, mas queria conhecer novas pessoas e lugares novos. Tive a oportunidade de mudar para uma cidade maior, quando a minha avó materna fcou doente e não tinha ninguém para cuidar dela. Então fui morar na casa do meu tio que fcava quase em frente à casa dos meus avós. Consegui vaga na escola Papa Paulo VI, onde tive a oportunidade de conhecer pessoas novas e professores com outras técnicas de ensino. Concluí meu ensino médio em 2000, após estudar em cinco escolas, por motivos de mudança de moradia e greves no decorrer da minha vida escolar. Sempre tive o sonho de entrar em uma universidade, e logo após terminar o meu ensino médio veio a triste notícia de não conseguir passar no meu primeiro vestibular, pois em 2001 cada universidade tinha o seu próprio vestibular e cada um com três etapas, e ainda não havia bolsas ofertadas nas universidades privadas, como existe hoje o Prouni. Mas a vida continua e eu comecei a trabalhar, depois veio a mudança de estado e o casamento, fazendo com que meus planos de entrar em uma universidade fossem adiados, mas nunca esquecidos.

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Como dizia Paulo Freire (2000): “os sonhos são projetos pelos quais se luta.[...] Possivelmente, um dos saberes fundamentais mais requeridos para o exercício de um tal testemunho é o que se expressa na certeza de que mudar é difícil mas é possível”. Porém, em 2007, já com a minha irmã mais nova na universidade e a mais velha fazendo prévestibular, para tentar uma bolsa através do Prouni (devido às universidades publicas serem distante de sua residência), reavivoume a vontade de também tentar entrar para uma universidade. Fiz o Enem por quatro anos consecutivos, mas devido ao trabalho não tinha tempo para me dedicar aos estudos. No ano de 2011, tive a oportunidade de entrar para um pré-vestibular social que, aos trancos e barrancos, não chegou até o fm devido a uma paralisação. Mas para minha alegria, prestei o vestibular da UERJ e o Enem. Me inscrevi no Sisu e passei para UFRRJ e também na UERJ, ambas para o curso de Pedagogia. Escolhi fcar na UFRRJIM por ser uma Universidade que oferece um bom curso, não é integral e fca próximo à minha residência. Hoje estou cursando o segundo período, as minhas irmãs mencionadas acima já estão formadas, meu esposo próximo de se formar e outros dois irmãos também na universidade, para alegria dos meus pais que têm nove flhos e fcam cada vez mais orgulhosos, pois os mesmos não chegaram a concluir a quarta série do primeiro segmento. Em 2012 fz novamente o ENEM, desta vez para tentar uma vaga na UFRJ, no curso de Educação Artística-Artes plásticas. Fiz a prova de Teste de Habilidade Especifca e fui apta, me escrevi no curso como cotista para quem estudou em escola pública. Fiquei em terceiro lugar de duas vagas, mas passei na ampla concorrência. Só que, devido à questão fnanceira, não fui ocupar a minha vaga, decidi continuar com o curso de pedagogia na UFRRJ e deixar este outro para, quem sabe, mais além. Uma das citações de Paulo Freire que me chamou a atenção na minha decisão, foi: “uma das condições para que um fato, um fenômeno, um problema seja entendido em sua rede de relações, é que se torne, dialéticamente, um destacado percebido em si. Primeiro que o compreendamos como algo nele mesmo para assim perceber que sua compreensão envolve suas relações com outros dados ou fatos.”(FREIRE, 1994, p. 226). Então é isso, aprendi que nesta longa caminhada, até chegar ao meu sonho de entrar em uma universidade, muitas coisas mudaram e podem me levar a outros caminhos; hoje faço o curso de pedagogia e tenho a intenção de levá-lo até o fm e ensinar a outras pessoas um pouco de tudo que aprendi.


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“o afeto é uma ferramenta que auxilia tanto o professor como o aluno...” Marcela Souza da Costa

Minha história com a escola inicia quando ingressei pela primeira vez nessa instituição, tinha apenas dois anos. Foi em fevereiro de 1996. Aparentemente pode-se afrmar que foi um pouco cedo, porém, não posso deixar de ressaltar que, a partir do momento em que minha prima Jéssica (que morava comigo) começou a estudar no Cascãozinho, minha motivação cresceu. Desde então, entrei nessa escola, onde fui alfabetizada. Depois de ter passado pelo Arco Íris e Nova Grécia, ingressei pela primeira vez em uma escola pública, já que antes só estudara em colégios particulares. Um acontecimento que a princípio me abalou um pouco, mas com o passar do tempo, consegui me adaptar. Mesmo com pouquíssimas lembranças, recordo-me de um acontecimento que refetiu bastante em minha formação.

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Quando estava no 7° ano, conheci um menino que de fato despertou meu interesse. Com o tempo, pude conhecê-lo melhor e ele se tornou um amor/amigo. Estava tudo ótimo até que, dois anos depois, quando eu já estava no 9° ano, fquei muito doente e não compareci à escola por uma semana. Quando retornei, recebei a notícia que o garoto, o tal garoto, havia saído da escola. Foi bem horrível. Durante muito tempo fque triste e não queria ir para o colégio. Assim, todo esse sentimento refetiu signifcativamente na minha formação. Tirei péssimas notas e, no término do ano, fquei em dependência em duas disciplinas. A partir desse acontecimento, pode-se perceber a relevância da afetividade no ambiente escolar, pois se constitui como facilitadora do processo de ensino-aprendizagem. Como afrma Piaget (2005), a afetividade pode ajudar no desenvolvimento do aluno, como também pode prejudicar pelo excesso dos pais, que ocorre na superproteção. De fato, o afeto é uma ferramenta que auxilia tanto o professor como o aluno, pois é capaz de derrubar muralhas emocionais e possibilitar o bem estar do aluno. Nesse contexto, não é difícil de encontrar situações em que esse afeto é desprezado pelas instituições de ensino e também pelos profssionais da educação, visto que existem momentos em que o aluno pode estar enfrentando problemas emocionais e, muitas vezes, a escola ignora esse dilema vivido pelo aluno. Por isso, é importante que a escola seja um ambiente favorável à aprendizagem, como já ressaltava Freire (1967, p. X) no poema Escola é:“Importante na escola não é só estudar, não é só trabalhar, é também criar

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laços de amizade, é criar ambiente de camaradagem, é conviver, é se “amarrar nela”! [...]Numa escola assim vai ser fácil!Estudar, trabalhar, crescer,fazer amigos, educar-se, ser feliz. É por aqui que podemos começar a melhorar o mundo”. Dando uma atenção especial ao outro fato que me aconteceu quando estudava no Rangel Pestana, onde durante os três primeiros anos do Ensino Médio estudei com pessoas conhecidas, mas quando passei para o último ano, fui para uma turma em que não conhecia ninguém, o que acarretou baixo rendimento na escola e um péssimo desenvolvimento cognitivo e afetivo. Nota-se a importância de trabalhar a interação no ambiente de aprendizado, já que a convivência com as pessoas proporciona experiências signifcativas na construção do conhecimento. Em linhas gerais, a interação entre crianças, adolescentes e adultos é considerada como fundamental, pois é por meio da interação que ocorre a troca de conhecimentos, as pessoas aprendem, compartilham fatos vividos entre elas e acima de tudo constroem valores de cooperação, solidariedade e respeito mútuo. A partir disso, pode-se fazer uma interligação com a concepção sóciointeracionista de Lev Vygotsky (1989). No sóciointeracionismo, o desenvolvimento se produz não apenas por meio da soma de experiências, mas nas vivências das diferenças. O aluno aprende imitando, concordando, fazendo oposição, estabelecendo analogias, tudo isto num ambiente social, pois para o autor o homem é capaz de modifcar o ambiente, assim como o ambiente é capaz de modifcar o homem.


“...e eu sempre fui muito faladeira, amava conversar com toda a turma” Daiane Azevedo

Pensando em como iria fazer essa narrativa lembrei de vários fatos e acontecimentos, e selecionando qual deles iria colocar e quantos seriam, resolvi pôr os que me lembro com muita clareza e que me infuenciaram. Algo que me recordo e que não esqueço foi quando tinha de 7 para 8 anos, estudava numa escola chamada CEAD, era da segunda série e tive uma professora chamada Shirley, muito severa, gostava de manter sua turma em ordem, ou seja, quieta e sem bagunça, e eu sempre fui muito faladeira, amava conversar com toda a turma. Me lembro que ela sempre jogava giz ou apagador em cima de mim ou de meus colegas que conversavam, pois não queria ver ninguém conversando mesmo não tendo dever para ser feito. Nossa! Ficava com tanta vergonha, pois na verdade sempre tive uma criação de respeitar meus professores e fazer o que eles pedem, pois assim meus pais falavam que era o certo, pois o professor sempre fazia o certo. Nessa turma a professora Shirley nunca me deixava falar, nem quando estava com dúvida; dizia que já tinha explicado e que não iria explicar novamente. Eu fcava pensando se ela não gostava de mim, então às vezes fazia todo dever certo só para ouvir e ganhar um parabéns. Lembro de dois fatos que contribuiram para a minha formação profssional e até como pessoa. Um deles foi o fato de que ela nos deixava de castigo de cara para a parede e atrás da porta. Nossa! Lembro até hoje dos meus sentimentos em relação a isso, eram péssimos. E outro fato foi quando ela saia de sala de aula e começávamos a fazer bagunça, brincar de briga, jogar papel no outro e conversar. Assim que notávamos sua presença, logo fcávamos quietos. Quando estagiei numa turma na época do curso normal, pude observar uma turma que me lembrou dessa minha turma, mas é claro que tinha algumas diferenças.

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Esta turma que estagiei era de ensino fundamental, na escola em que eu estudava. Quando cheguei à turma junto com a minha colega para estagiarmos, fomos bem recebidas pelos alunos e pela professora. No primeiro dia teve ofcina, foi tudo tranquilo. No segundo dia, a professora explicou um tema que foi translação, todos participaram e fzeram corretamente o exercício com o meu auxílio, da minha colega e da professora. Só que no terceiro dia, estava indo para o estagio e pensando que seria mais um dia calmo e que me deixaria muito bem com as crianças, pois elas eram adoráveis. Então entrei na sala de aula e a professora explicou diferentes situações em que o S pode ser usado e os diferentes sons que ele emite, e os alunos sempre interagiam. A professora precisou sair da sala de aula e nos deixou encarregadas de auxilia-los no exercício, só que a turma não fcou quieta fazendo a atividade como imaginávamos, eles começaram a jogar papel, subir nas mesas, tentavam sair da sala sem permissão e confrontavam a mim e à minha colega. Teve um aluno que me bateu, pois não o deixei sair de sala; foi uma situação inesperada e que saiu de nosso controle. Bom, depois de quase meia hora, voltou a professora e colocou ordem nas crianças. Nisso acabei descobrindo que o motivo da saída da professora foi por causa de cigarro, pois ela foi fumar no pátio. Outro fato que quero muito compartilhar na minha narrativa foi que, quando entrei no curso normal no Instituto de Educação Rangel Pestana no primeiro ano, fz várias amizades e depois tive a surpresa de fcar sabendo que todo o ano a direção fazia mudanças na turma, juntamente com os professores. Nossa! Isso me entristeceu bastante, pois a cada ano que passava sabia que não estaria mais perto de pessoas que signifcavam muito para mim e que estava acostumada a estar junto, fazendo os trabalhos, tirando dúvidas. Mas também me serviu de um aprendizado enorme, pude conhecer várias pessoas durante os 4 anos de curso normal. Aprendi um pouco, eu acho, a lidar com essas diferenças em trabalhar em grupo e também a me preparar para o novo que, por mais que seja difícil, o novo está sempre batendo em nossa porta, querendo entrar, e devo deixa-lo entrar porque nem sempre será ruim sair dessa vida monótona e de rotina; esse novo pode ser muito melhor do que imagino. Bom é essa minha narrativa, espero que tenha gostado.

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“Dessa relação~ distinta e apaixonante floresceu um fruto indesejável: Eu.” Johnny Chaves de Oliveira

Minha narrativa podia começar de várias formas, possivelmente pelo meu nascimento ou pela morte de minha avó, talvez pela minha entrada na escola pública. Entretanto, o acontecimento desencadeador da minha vida foi, inexoravelmente, o casamento da minha mãe com meu pai. A união foi fruto de um jogo de relações contraditórias entre as famílias envolvidas (a Chaves e a Oliveira), com histórico de rivalidade e brigas constantes entre as matriarcas das duas famílias, não se cogitava outra possibilidade solutiva para os dois inconsequentes. O casamento era inevitável e a única maneira de calar os “falastrões” da vizinhança, que julgavam a atitude do meu pai em se aproveitar de uma menina tão nova e ainda de cometer o deslize de engravidá-la. Assim como nas novelas, alguns familiares chegaram a cogitar que a gravidez era falsa ou que o flho não fosse do meu pai, enquanto da minha parte materna conjecturava-se até a morte do aproveitador, caso ele não assumisse a nova família.

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Apesar das divergências familiares, após muitas discussões entre os familiares e um exame de corpo e delito na minha mãe para determinar se houve realmente o estupro, enfm deu-se a cerimônia de casamento, apenas no civil, porque as famílias não possuíam dinheiro sufciente para arcar com uma festa de casamento e/ou uma cerimônia religiosa, tendo em vista que uma criança estaria por vir e demandaria todo o apoio fnanceiro. No dia 30 (trinta) de março de 1987 uma jovem estudante de futuro promissor, apaixonada, com apenas 13 anos de idade, branca como uma boneca de porcelana e de olhos verdes semelhantes a um par de esmeraldas a serem lapidadas, após ter seduzido um rapaz mais velho e ter engravidado, se unira a ele, taifeiro da Petrobrás, robusto, forte e 10 anos mais velho que ela. Ele, que esporadicamente viajava, trabalhava embarcado na plataforma e se ausentava da cidade por cerca de 20 dias, sofreu extremos insultos após ter se envolvido e, segundo vizinhos, familiares e amigos, por ter “molestado” ou “estuprado” a pobre donzela de família que se deitara com ele numa dessas permanências no solo. Dessa relação distinta e apaixonante foresceu um fruto indesejável: Eu. Duas semanas antes do meu nascimento, minha querida mãe passou muito mal e fcou internada por duas semanas com fortes dores, e só depois de um apelo agressivo característica recorrente - do meu pai aos médicos, a ideia de esperar as contrações aumentarem para que eu nascesse de parto normal foi substituída por uma cirurgia cesariana de quase uma hora, e às 11h e 52min do dia 30 de Setembro de 1987 eu nasci com muita saúde. Este marco inicial foi determinante na construção da minha trajetória escolar, pois após o casamento que foi originado dessas circunstâncias, minha mãe apanhava constantemente do meu pai, inclusive, por urinar ou “fazer xixi” na cama (coisa de criança que ainda era). Dessa forma, após 5 (cinco) anos de muita luta e desgaste emocional, minha mãe, meu irmão e eu saímos de casa após meu pai ter ameaçado enfar a faca na garganta da minha mãe, devido à permanência da louça suja por algumas horas; eu gritei a ponto de salvá-la (lembro-me claramente da cena pavorosa na cozinha daquela casa mal iluminada). Este acontecimento gerou inúmeras alterações no meu, até então, fadado destino de morador do morro da Baixada Fluminense, tendo em vista que o discurso de vida do meu pai conspirava para que meu irmão e eu, assim como os meus primos, sobrinhos dele e da mesma faixa etária, tivéssemos um vida marginalizada, começando a vender balas logo cedo no trem e, por fm, fôssemos ~ 40 | privados do direito nº1 de estudar. |

Enquanto fomos criados por uma mãe solteira e batalhadora, focada no aprimoramento intelectual e no crescimento profssional dos seus flhos, conseguimos estudar em excelentes escolas particulares e nos tornarmos homens dignos. Por necessidade do trabalho, minha mãe teve que nos deixar quase que o dia inteiro na creche “Pedacinho do Céu”, perto do bairro Jardim do Ipê, em Belford Roxo-RJ. Este lugar era muito arborizado, recordo-me que alguns dos brinquedos eram gigantes para mim. A experiência inicial marcante foi ser “esquecido” ou “abandonado” pela minha mãe pela primeira vez, apesar de sempre pedir para ir à escola, quando realmente chegou o tal dia, meu coração palpitava e minhas lágrimas não se continham em meus olhos, sempre acompanhado de muitos gritos e soluços manhosos. Enquanto ela deveria buscar nosso alimento na labuta diária de uma mãe solteira, eu brincava, coloria e me divertia muito com minha “Tia Lucy”, nas atividades de um aluno dentro do espaço da creche. Estudei lá até o antigo C.A. (atual 1º ano). No ano seguinte, quando, devido ao meu nível, não pude me matricular na referida turma de outro colégio, minha mãe recebeu a informação de que eu estaria muito avançado para tal nível e teria que realizar uma prova. Assim, adiantei um ano escolar e fui para a 1ª série (atual 2º ano) no melhor colégio da região, com bolsa integral de 100%. No “Papai Noel” tive grandes difculdades para me adaptar com crianças maiores que eu e detentoras de condição fnanceira melhor que a minha. Mesmo assim, minha mãe fez de tudo para que eu me adaptasse bem a essa nova realidade e me deparei com a minha primeira realidade cruel: a de não poder ter tudo o que queria ou que meus colegas usufruíam. Como por exemplo, brinquedos, alimentação e roupas. Na festividade folclórica, minhas professoras ajudaram minha mãe, ora solteira e desamparada fnanceiramente pelo meu pai, a comprar todos os aparatos da roupa típica da dança gaúcha que faria parte, mas não tinha dinheiro para encomendar. O desafo de superar as difculdades fez com que eu estudasse muito mais que meus outros coleguinhas, e minha média sempre foi uma das melhores na escola. A partir da antiga 4ª série (atual 5º ano), devido às difculdades de moradia e fnanceira, fomos compelidos a mudar de casa pela sexta vez e a estudar no Colégio Estadual Cônego Fernandes, em Jardim América. Nele, a lembrança mais latente era a hora do intervalo que não existia mais, o momento de comer o lanche trazido de casa foi substituído pela refeição dada pela própria escola, geralmente, de baixíssima qualidade.


Essa alteração fez com que eu reclamasse muito com minha mãe, mas com o transcorrer do tempo fui aprendendo a gostar de todo o tipo de “gororoba” ou comida (como exemplo, o mingau de chocolate) e isso me ajudou a não ser tão seletivo na hora da refeição, pois era aquilo que tinha para comer ou não comeria nada. Depois dessa fase da minha vida, veio a mudança de escola no período do ginásio atrelado à mudança de município; lembro-me da situação ao ver aquela grade de horários repleta de disciplinas que antes se resumiam a Matemática, Português, Ciências e Estudos Sociais. A sensação do novo, da mudança, me deixou paralisado no corredor principal da escola diante das matérias de Geografa, História e Biologia - foi um frio na barriga igual ao que sentimos quando chegamos para fazer uma prova ou trabalho que não estudamos ou não sabemos de absolutamente nada. Estudei nessa instituição até a 7ª série (atual 8º ano), e a disciplina que mais me aterrorizava era a Geografa, com tanta “decoreba” e respostas já defnidas. Em 25 de fevereiro de 2001, veio a compra da casa própria em Duque de Caxias. Vale ressaltar que foi com muita objeção minha, pois era apenas um cômodo no bairro popular de Duque de Caxias, invadido e redistribuído a alguns moradores de baixa renda; mas minha resistência se deu ao fato de ter que fcar longe dos meus amigos que já havia feito durante anos.

Tudo foi em vão, tive que trocar de escola mais uma vez, e, nesse momento, conheci o óbice da educação brasileira: O CIEP 405 Clarice Lispector. Na situação, cursei minha 8ª série com muitas lacunas de professores e com a obrigação trabalhadora mal remunerada de míseros R$ 40,00 por semana, no Lava a Jato “Irmão de Fé”, nos períodos em que não estava na escola. Devido à greve geral da classe do magistério que, articuladamente, permitia que os meus professores não contribuíssem com minha formação e somente visitassem o CIEP 405 quando achavam justo, depreciando a educação pública do país e a minha vida, logo numa fase tão sonhadora e tão crucial da minha vida, que tanto necessitava de ajuda, direcionamento e muito embasamento teórico: o momento que prestaria diversos concursos, inclusive, para a Marinha. Infelizmente, não fui aprovado na primeira fase do Colégio Naval por duas questões erradas de Matemática, mas não desisti. Já mais rapazinho e na fase de “aborrescente”, decidi que não estudaria naquele colégio de má qualidade, onde fcava mais tempo fora da sala de aula do que estudando efetivamente. Queria um Ensino Médio diferente e tentaria o concurso, em princípio, para a rede FAETEC, para a especialidade de Eletrotécnica. Assim o fz e passei entre os 10 (dez) primeiros colocados – sendo um orgulho imensurável para a família e um caso raro naquela escola tão depreciada.

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No dia seguinte ao resultado, minha família fez uma festa surpresa de proporções gigantescas regada a muito churrasco, música e bebida. Contando com a presença de todos os parentes como convidados, para comemorarem essa data mais que especial que abriu novos horizontes para a minha vida profssional e pessoal, mas o que mais me alegrou foi a faixa pendurada na entrada do portão me felicitando pela minha conquista. Chegando à Escola Estadual Juscelino Kubitschek (E.T.E J.K), tive a oportunidade de estudar em horário integral e usufruir de uma educação sem igual. Logo de cara, me deparei com a frase gigante: “PENSE GRANDE, PENSE JK” e, na primeira semana, o trote da “calourada” que, por ser muito concorrida a entrada na escola, merecíamos comemorar com os cabelos pintados, numa espécie de ritual que antecedia a Universidade. Na primeira semana efetiva de aula, minha professora Ana Maria passou uma lista de exercícios de Física só para sondar como estava o nível da turma. Resultado: eu não sabia nada daquilo, devido a minha defciência de professor de matemática no ano anterior. Sorte minha que fz meu primeiro amigo e que se tornou meu grande companheiro durante o Ensino Médio: Israel Paulo. Ele me deu todas as respostas dessa lista e a entreguei para a professora sem falar nada do que tinha acontecido, mas na mesma semana, com uma paciência invejável, ele me ensinou questão por questão com muita calma e maestria. No dia 28 de março de 2005, lembro-me como se fosse hoje, o dia daquela prova de eletricidade do professor Cláudio, senhor baixinho das calças no umbigo, que falava como se todos entendessem tudo, quando, na verdade, só o Israel entendia metade do que ele falava. Sendo assim, como numa órbita universitária, eu pairava diante dos elétrons, magnetitas e motores, que ele falava com tanto conhecimento e expressando tudo em números signifcativos - somente para ele. Em suma, resultado da prova: 3,0 (três). Resolvi que me dedicaria mais, assim obtive duas notas 10 (dez) seguidas e fui aprovado com a segunda maior nota da sala, perdendo apenas para a do Israel (cabe uma ressalva da competição positiva que travamos durantes os três anos de curso, ele sempre melhor nas exatas e eu sempre melhor nas matérias mais refexivas, como português). Os anos passaram e eu fui me superando e descobrindo a paixão de ensinar. A monitoria de Literatura virou minha grande ocupação no Ensino Médio. Muitas pessoas, até de outros cursos, procuravam-me para que eu as explicasse questões das disciplinas de Física, Português e História. ~

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Minha presença constante na biblioteca fez de mim quase um funcionário e, assim, conheci minha namorada (Carolina), do curso de Turismo. Apesar da distância de quase 2 horas de ônibus lotado para chegar à E.T.E. J.K., nada era desculpa para desistir de estudar, mas nessa frenética rotina de “rato de biblioteca” que se estendia até aos sábados, ao meio dia, o namoro passou a não ter importância, não resistiu à falta de tempo e sucumbiu em si mesmo dentro da mesma biblioteca que, antes, serviu de palco para os momentos de interação e companheirismo. No fnal do curso comecei uma saga pela vaga do estágio, apesar de ter um histórico invejável, a tão sonhada vaga no estágio remunerado não chegava. Fiz cadastro no Centro Integrado Empresa-Escola (CIEE) e na Fundação MUDES, mas a almejada vaga não chegava ou até existia, porém sem remuneração. Finalmente, no dia 26 de junho de 2005, fui chamado para uma entrevista com um senhor, que mais parecia um psicólogo; passei pela primeira experiência da entrevista de emprego e da análise de currículo. Ao ser questionado sobre o que considerava como “Responsabilidade”, prontamente respondi: É a qualidade de arcar com a consequência dos meus próprios atos e assumir meus erros dependendo das razões e motivos que considero corretos. Logo depois, fui chamado para estagiar no então chamado Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade industrial (INMETRO), e descobri que o entrevistador era o próprio chefe (Mauricio) do Setor de Confabilidade Metrológica (SECME) que, ao gostar de minha resposta, resolveu apostar em mim como estagiário para desenvolver atividades inovadoras de checagem de dados laboratoriais, referentes aos instrumentos elétricos e mecânicos utilizados pelos laboratórios acreditados ao INMETRO. Fiz amizade com a secretária dele (Danielle), aprendi muito com ela e viramos grandes amigos. Naquele ambiente de extremo profssionalismo, pude aplicar grande parte dos meus conhecimentos adquiridos no curso técnico em Eletrotécnica. No inicio do ano de 2006 recebi uma bolsa integral, através do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), para curso de Licenciatura em Educação e Meio Ambiente e obtive minha primeira experiência universitária de 2 (dois) períodos atrelados aos dias de estágio. Tendo sempre comigo o sonho de me tornar militar da Marinha prestei um concurso e passei para a Escola de Aprendizes de Marinheiros do Espírito Santo (EAMES), decidi abandonar a faculdade e seguir no ano seguinte (2007) meu desejo de ser um marinheiro, conhecer outros lugares e vivenciar outras experiências.


Durante um intenso ano de estudo e rotinas físicas desgastantes, típicas da educação militar, aprendi a unir a disciplina à tal responsabilidade e concluí com êxito a formação de marinheiros, que me habilitaria a trabalhar em um dos diversos navios da esquadra brasileira. Resolvi que escolheria, apesar de não ser o objetivo da grande maioria viajar, o navio G28 Navio de Desembarque de Carros de Combate (NDCC) Matoso Maia, que no ano de 2008 foi o navio que mais viajou pela Marinha do Brasil, totalizando 123 dias de mar e 188 dias de viagem naquele ano. Na ocasião, fz parte da Missão de Manutenção da Paz no Haiti MINUSTAH IV, e ainda conheci Porto Rico, Jamaica e Cuba. Nesse mesmo ano, após um incêndio seguido de alagamento de dois compartimentos, resolvi que minha fase ali já havia passado e que navegaria por “mares mais tranquilos”, em terra frme. Portanto, prestei outro concurso, agora para ser cabo da Marinha, e fui aprovado em primeiro lugar para a especialidade de Eletricidade no curso de Formação de Cabos (CAP), após mais uma experiência ainda mais impactante, por já conhecer os aspectos positivos e negativos do Ensino Militar Naval, fui designado para São Pedro da Aldeia e lá comecei a minha obstinada inclinação pela educação ao iniciar o curso de Pedagogia na Universidade Estácio de Sá.

Apesar de me identifcar com o curso, não me via concluindo-o na universidade privada, pela difculdade de manter os custos, então, resolvi fazer o Enem mais uma vez e pensar na possibilidade de terminá-lo na pública ou como bolsista. No fnal do ano de 2010, a tal menina da E.T.E J.K., agora concluinte de Pedagogia pela Estácio, ligou para avisar que havia aberto o concurso para a minha especialidade, no Estágio de Habilitação a Graduação de Sargentos (EAGS-B) da Força Aérea Brasileira (FAB), o qual tinha sido seu sonho frustrante durante 3 (três) anos consecutivos sem sucesso. Enfm, respondi que não era meu # objetivo, mas que pensaria na possibilidade de passar, pois fnanceiramente seria muito interessante e ainda poderia, quem sabe, cursar junto com ela. Paguei a inscrição e fz o concurso no dia dos namorados, sai da UFRJ com a sensação de ter feito uma boa prova, mas sem a segurança da aprovação.No dia 13 de janeiro de 2011, tendo eu passado e, infelizmente ela não, avancei pelas provas e pelas fases eliminatórias, viajei para Guaratinguetá-SP para dar início ao curso de formação de sargentos e logrei êxito ao fnal, obtendo a primeira colocação geral da turma. Durante esse curso amadureci enormemente, devido ao alto grau de exigência intelectual, física e emocional que os seis meses corridos ~ de formação me exigiram. nº1

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Ao término do curso, coincidentemente, consegui também a primeira colocação no processo do SISU para Pedagogia na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), na qual estou matriculado no 3º período, entretanto, como muitas das disciplinas já havia cursado na Estácio, pude eliminar umas e adiantar outras - fato que tem me proporcionado interação com diversos períodos e pessoas distintas. Atualmente, estou tendo a possibilidade de aplicar meus conhecimentos aprendidos na academia no Curso de Padronização da Instrução do SISCEAB (Sistema do Controle do Espaço Aéreo Brasileiro), com os militares que desempenharão atividades de docência dentro da estrutura de ensino da FAB e, desde o dia 04 de março de 2013, no núcleo do projeto “Segundo Tempo” chamado Cajuzinho, que propicia a cerca de 100 crianças, com alta vulnerabilidade social, residentes nas imediações do Parque de Material de Eletrônica do Rio de Janeiro (PAME-RJ), no Caju, a oportunidade de receberem alimentação, reforço escolar, praticarem esportes, interagirem com o ambiente militar e, ainda, receberem ensinamentos cívicos e patriotas, além do embasamento teórico para concursos dentro de cada faixa etária. Essa empreitada de desafos tem me tornado uma pessoa bem melhor. Assumir a coordenação pedagógica do projeto e ainda pensar nas atividades inovadoras e disciplinadoras, atrelando a teoria pedagógica da Universidade de uma educação crítica e refexiva ao escopo de educação em ambientes militares, que sempre foca suas práticas na rigidez física e mental, alicerçando-se na docilização e/ou controle dos corpos, tem me constituído como profssional (pedagogo) diferenciado, presente em lugares onde outras pessoas não tem essa abertura profssional. Sendo assim, minhas pesquisas no Grupo de pesquisa em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares e minha produção monográfca de fm de curso estão sendo direcionadas para essas questões tão pouco exploradas na área da educação e sua relação desse novo com a utilização de imagem ou vídeos na construção do conhecimento.

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“Sou descendente de tataravós escravos e tataravôs europeus.” Sandro de Oliveira Silvino

A minha história começa em 1976, na verdade, um pouquinho antes, no início dos anos 50, na época do fatídico MARACANASSO. Neste ano, nascera meu pai e, no ano da copa do mundo seguinte, minha mãe. Estabelecido os dados iniciais, sigo a história. Sou descendente de tataravós escravos e tataravôs europeus. Nascido em 1976, precisamente no dia 02 de junho, 2º decanato geminiano e dragão de fogo no horóscopo chinês, natural do Rio de Janeiro. Minha história tem vários seguimentos. Hoje, vou apresentar uma parte do caminho que percorri no âmbito escolar. O início da minha eterna jornada de estudante começou na década de 80, do século XX, no jardim de infância da tia Lúcia. Lembro-me como se fosse ontem, da minha primeira merenda escolar: pipoca de sal, numa embalagem de papel em forma de paralelepípedo do açúcar união, e vitamina de cor rosa servida pelo governo. Vida boa aquela: comer, desenhar, comer, me sujar de giz de cera, comer, arte com massinha, comer, pintar, comer, ir embora pra casa pra comer, brincar, comer, dormir. Gostava das continhas de matemática, mas não gostava de decorar a tabuada, ainda bem que nessa época não se aplicava mais o método de memorização por palmatória, mas mamãe tinha uma em casa, caso necessitasse. Duro também eram as caminhadas diárias para chegar até a escola, me sentia o povo do Egito, caminhando e cantando e seguindo a canção, em busca da terra prometida. Quando mudava de escola, Canaã fcava mais longe ainda. Encarava sol e chuva, coitadinha da minha irmã, que nos dias de chuva, como caçula, tinha a tarefa árdua de desenhar um sol no chão, bem grande e sorrindo para parar de chover. Eu lia muitos gibis em casa, assistia muita TV, no tempo em que Xuxa era na TV Manchete. Gostava da novela Pantanal também, um abraço para o velho do rio. Devido às coisas que eu fazia em casa, eu “viajava” na escola compartilhando o que tinha acontecido, comentava o que tinha visto ou lido, curtia brincar de super-herói com os colegas, um verdadeiro FACEBOOK ambulante. Começava, então, a entender como é que Papai Noel não se esquecia de ninguém, o que o coelhinho da páscoa trazia pra mim. Entretanto, até hoje, não entendo por que o cravo brigou com a rosa, por que não chamaram o bombeiro quando o quartel pegou fogo e por que SAMBA LELÊ, com traumatismo craniano, ainda precisava apanhar.

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Várias mudanças foram acontecendo na rotina escolar, maior controle de presença na sala, sentinelas gigantes em forma de inspetores nos corredores, aumento da carga horária e do número de matérias e de professores diferentes. As carteiras passaram a ser enfleiradas, aí você podia optar em conversar com uma nuca, com a lateral de uma face ou arriscar um torcicolo ou desvio na coluna para fofocar com o colega de trás. Se já era difícil falar o português correto, imagine falar inglês, espanhol ou francês, porém o marco mais interessante ocorreu no 7º ano. Um belo dia na sala de aula, bem no fnalzinho da aula, uma menina de nome Cláudia estava sentada chorando desesperadamente. Muito nervosa e soluçando muito, ela queria ir para casa, mas seus pais não viriam buscá-la nesse dia. Ela estava sentada, com as pernas imobilizadas pelo estado emocional descontrolado e encobertas por uma saia de pregas de cor marrom. Notei, então, que havia uma mancha na saia, como se ela tivesse feito xixi nas calças, entretanto não tinha nenhum cheiro de xixi. Na verdade, ela estava aforando, tinha atingido o ápice do aparelho reprodutor feminino. Ela havia menstruado pela primeira vez, a menarca. Então, juntaram comigo algumas meninas e meninos e levamos Cláudia para a loja de venda de passagens aéreas para receber a assistência psico-feminina madura da mãe de uma das meninas. Na ânsia de querer ajudar, eu me pronto voluntariei a ir até a farmácia e comprar absorvente feminino. Adentrei no estabelecimento acompanhado da vergonha. Como iria pedir e como explicar o porquê e para quê um garoto de 12 anos queria comprar o vulgo Francisco. Pulado essa parte, criei coragem sem tomar um gole de vinho e partir para encarar o atendente. Nesse momento, a drogaria virou um ringue de boxe e o atendente um adversário duas categorias acima da minha. Primeiro ROUND: Bom dia, em que posso ajudar? (um JAB direto de esquerda no meio da minha cara). Segundo ROUND: O levantar de sua sombracelha esquerda achando aquela situação estranha após a minha resposta (O cara defendeu meu contragolpe, pois respondi dizendo: – Eu gostaria de comprar um modess). Terceiro ROUND: Qual o tamanho que o senhor deseja? Senti o UPPERCUT vindo de baixo pra cima, acertando a ponta de meu queixo, paralisando as minhas pernas, fquei sem reação. Em estado de choque, murmurei gaguejando qualqual-qualquer um por-por-por fa-fa-vor. Antes de desabar na lona nocauteado, peguei o pacote com absorventes do tamanho de um travesseiro para uma cama Extra Queen e saí correndo estilo Usain Bolt pela rua, doido pra chegar à loja de passagens. De volta, acabei esquecendo-me do colega que fora comigo, que chegou 300 segundos depois com o troco e a nota fscal.

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A partir daquele momento, comecei a enxergar as meninas de forma diferente. Aí começaram a surgir paixões e paixões, acompanhado de desgostos, desprezos e decepções. Apaixonei-me até por Katy Mahoney (A Dama de Ouro – um seriado que passava na globo, após sessão da tarde. Acreditem, cresci sem malhação). Porém, sem sucesso também. Outra vez, num belo dia, a turma foi fazer uma visita ao Museu Imperial em Petrópolis-RJ. Partimos de Nova Iguaçu. Eu estava sentado no fundão do ônibus e, durante a subida da serra, percebi que o povo começou a ir muito ao banheiro, acho que era efeito do frio. Então, imaginando que a situação não ia fcar cheirosa, com um tempo levantei-me e fui sentar no poltrona 01, bem atrás do motorista, enquanto o “buzão” remava lentamente no aclive (como não tinha cobrador vigarista, o “motora” dessa vez escapara da velha cantiga sobre rodas). De repente, uma menina na qual eu estava profundamente apaixonado sentou-se ao meu lado (poltrona 02 janela). Começamos a bater um papo cabeça. O coração estava acelerado. Estava lutando desesperadamente para conter minhas emoções. Por dentro, estava num verdadeiro REVÉION de Copacabana de felicidade. O vulcão do amor que eu sentia por ela estava para entrar em erupção pelos meu lábios e a maior chance que eu tive foi quando passamos por um túnel. Naquele exato instante, as luzes do mundo se apagaram, os holofotes iluminavam somente nós dois, senti como se Cap. Nascimento gritasse: É agora, beija, beija agora! Moleque! Só enxergava seus lábios róseos, carnudos e com gosto de mel. Inclinei-me em sua direção, estava para tirar o selo de qualidade de virgem dos meus lábios, quando o maldito do anjinho no meu ombro sussurrou: - Ela tem um namorado. Brochei. Foi o contato mais próximo, durante minha vida escolar, que tive com sexo na prática. Meus pais não falaram comigo sobre isso, busquei conhecimento mais tarde no livro “O Relatório Hite sobre sexualidade feminina”. Teoricamente, só estudei sobre sexo

no ano em que cursei Programas de Saúde, matéria essa cuja professora estressada, num dia nada belo, me arrastou para a secretaria puxando minha orelha. Foi a primeira vez que uma mãe invadiu a sala da diretora e exigiu que a professora se desculpasse e nunca mais professor nenhum fzesse aquilo, naquela escola, com qualquer aluno. Foi chegando à época do 2º Grau, acompanhado da dúvida de qual curso profssionalizante eu iria fazer. Como tinha feito um curso de informática poderosíssimo, com Lotus, Worstars e DBASE Plus III, pedi a meu pai que pagasse um curso profssionalizante voltado para a área de computação gráfca, isso em 1991. Não tinha ideia do que estava pedindo, achava que eu era louco. Ainda acho. Meu pai não teve condições fnanceiras para atender ao meu pedido e sugeriu que eu fzesse eletrônica. Mas tarde, aceitar essa sugestão foi primordial para minha carreira profssional. Meu pai só me deu dois conselhos pessoais na vida. Sabiamente segui os dois, não tenho do que me arrepender. Superei os desafos, paixões e concluí meu 2º grau. Outra vez, as condições fnanceiras familiares aprontaram e meus pais, sabiamente, estilo Mestre Yoda, falaram: “Educação até aqui podemos te dar. Daqui pra frente contigo é”. Fizemos a nossa parte, tanto eu quanto minha irmã. Aprovado também no vestibular da UFRRJ, em 1995, em Administração, trabalhava no bairro carioca de Santa Cruz. Morava ainda em Nova Iguaçu com meus pais e estudava em Seropédica. Resolvi morar em um república. Minha primeira noite morando fora de casa foi 31 de março de 1998. No dia seguinte, recebi a verdadeira notícia de que tinha sido aprovado num concurso de sargento da aeronáutica, cuja especialidade era a de eletrônica. Tranquei a universidade, fui fazer o estágio em Guaratinguetá-SP e depois fui lotado em Manaus, uma das capitais amazônicas. Fui conhecer o mundo fora do Rio de Janeiro. Fui viver a vida, porém isto já é outra história...

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“...meu pai me comunicou que teria que parar de estudar para ir trabalhar...” Elisabete Moraes Oliveira

Bem, minha vida escolar tem muitos altos e baixos, mas vou tentar explicar. Comecei a estudar aos seis anos de idade no colégio estadual Silveira Leite, em Mesquita. Lá vivi minha primeira experiência escolar e à principio não foi boa; como quase toda criança me senti abandonada, era a primeira vez que fcava longe de minha mãe e isso era horrível. Minha mãe me contava que eu chorava perguntando toda hora se já estava na hora da saída. Aos sete anos mudei de escola, fui para a escola estadual Ana Néri, também em Mesquita. Lá foi diferente, me adaptei rápido ao colégio, logo arrumei duas amigas que me acompanharam durante todo meu ensino fundamental (Maria e Luiza). Com essas amigas aprontamos bastante, coisas de meninas. Minha primeira professora se chamava Miriam - isso já no Ana Neri -, ela acompanhou a turma durante três anos e isso foi muito importante para mim, pois gostava muito dela. Quando tinha nove anos comecei a me interessar por um menino chamado Marcelo e fcávamos conversando bastante, era a primeira vez que eu conversava tanto com um menino e isso despertou a curiosidade de algumas pessoas, chegando ao ouvido de minha professora. No primeiro momento fquei assustada com a situação, mas logo ela me chamou, conversou comigo e me disse para fcar tranquila, que eu não tinha feito nada de mais e que era normal uma menina conversar com meninos. Lembro-me que a situação de minha família era precária e muitas das vezes não tínhamos nem merenda pra levarmos para a escola, tendo em vista que éramos dez ao todo e fcava difícil ter merenda pra todos. Quando completei treze anos tive minha primeira decepção, meu pai me comunicou que teria que parar de estudar para ir trabalhar, pois minha irmã tinha arrumado um emprego de babá na Barra pra mim. Tentei questionar, mas foi em vão, ele me disse que já sabia o sufciente e da mesma forma que meus irmãos saíram da escola para trabalhar, comigo não seria diferente. Me lembro de ter chorado muito, não consegui dormir naquela noite. Para mim era muito difícil abandonar meus sonhos pela metade, principalmente o de ser professora, pois sabia que sem estudo seria impossível realizar esse sonho, e quando pensava em abandonar tudo aquilo que conquistei, como grandes amizades, planos para o futuro e conhecimentos, foi terrível, saber que minhas amigas teriam a oportunidade de dar continuidade em seus ~ sonhos e o meu acabava nº1 de terminar.

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Não tive nem a coragem de ir me despedir delas, muito menos dos professores, tive vergonha de pertencer a uma família tão pobre ao ponto de não termos a chance de estudar. Naquele ano iria terminar meu ensino fundamental e eu pensava: faltava tão pouco, se pelo menos desse para terminar o ensino médio, seria menos doloroso pra mim. Enfm, embora tentasse várias vezes, foi inútil, tive que ir trabalhar com minha irmã. Quando me casei, meu esposo deu a maior força pra que eu retornasse a estudar, mas pra mim, naquele momento, não teria muito sentido recomeçar, pois já havia passado muito tempo. Mas no fundo existia algo dentro de mim, como uma frustração muito grande por todo aquele acontecido e isso não me deixava prosseguir, achava que a qualquer momento iria ter que parar novamente, e tinha vergonha de estudar com pessoas bem mais novas que eu. Então resolvi deixar de lado a idéia de voltar a estudar, tive meus flhos e prometi para mim mesma que eles não iriam passar por aquilo, e com o apoio de meu esposo eles conseguiram prosseguir nos estudos. Quando eles já estavam crescidos, resolvi retornar aos estudos e foi uma batalha muito grande ter que recomeçar de onde havia parado, devido à minha timidez e frustração. Mas quando cheguei lá, vi que havia muitos na mesma situação que a minha, e isso me fez enxergar melhor toda aquela situação e entender melhor a decisão de meu pai. Agarrei com todas as forças aquela nova oportunidade que a vida estava me dando. Recomecei no Colégio Estadual Presidente Castelo Branco, em Mesquita, e quando fui buscar meu histórico descobri que o conselho havia me passado, afnal, só restavam dois meses para o término. Como tinha nota sufciente e era uma aluna assídua até aquele momento, me passaram e eu pude recomeçar no primeiro ano do ensino médio. Ali fz várias amizades, grupos de estudo, mesmo eu estando há muito tempo parada e enfm, consegui acompanhar bem a turma. Foram três anos maravilhosos na minha vida e em vez de fcar questionando o porquê de esperar tanto para retornar, entendi que aquele era o momento. Pude aprender com outras pessoas: nunca é tarde pra recomeçar; pena que não tenho fotos para mostrar,

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pois não tinha máquina fotográfca para registrar tudo. Em 2005, terminei o ensino médio, dei continuidade no curso técnico de Administração na mesma instituição, com durabilidade de um ano e meio. Em 2006, quando prestei o Enem, para minha surpresa consegui passar para uma universidade pública. Lembro-me que todos fcaram muito felizes e orgulhosos por minha conquista, afnal todos acompanharam de perto meu esforço e dedicação em todo o momento. Só que a vida me deu uma rasteira novamente, dessa vez com uma enfermidade; numa tarde de sábado em 19 de maio de 2007, minha flha mais velha teve uma convulsão muito forte que ocasionou uma meningite viral, e com esse acontecimento ela fcou internada por duas semanas no Hospital Geral de Bonsucesso. E mais uma vez meu sonho ia fcando para trás, pois com tudo isso acontecendo, perdi o dia que teria que fazer minha matrícula na universidade. Foram três anos de muito sofrimento, sofrimento tão grande que é até difícil mencionar. Enfm, como toda turbulência, passou, graças a Deus, e graças a todos os que nos deram força. Em 2010 resolvi prestar o Enem novamente, apesar da insegurança, tinham se passado três anos sem ao menos pegar num livro, mas minha vontade de realizar meu sonho falou mais alto. Não consegui passar de primeira, mas meu nome fcou na lista de espera e fnalmente numa noite, estava fazendo o jantar quando recebi um telefonema de meu flho falando que meu nome estava na lista de chamada e que teria que ir a Seropédica fazer minha matrícula. Meu coração disparou, achei que era uma pegadinha, só que pra minha alegria era verdade; naquele momento sentei e chorei muito porque mais uma vez Deus me honrou. E então, no dia 26 de março de 2012, minha vitória tinha dado início, pisei pela primeira vez em uma universidade. Sei que não vai ser fácil, é um caminho longo a se percorrer e devido a tantas adversidades acontecidas no decorrer de minha vida, frustrações, me tornei uma pessoa insegura, e isso pode me prejudicar. Mas de uma coisa tenho certeza: vou agarrar essa chance, a qual me foi ofertada no decorrer de meus quarenta anos, afnal a educação é direito de todos.


“...meu pai escolheu seu próprio nome e sobrenome...” Lucilene Monteiro

Minha história começa a partir do nascimento do meu pai, José. Ele nasceu em 12 de agosto de 1929, na cidade de Orobó, interior de Pernambuco. Naquela época, minha avó Euzébia não tinha condições fnanceiras para ir até outra cidade e registrar o nascimento do meu pai. Quando entrou na adolescência, ele saiu de sua cidade e foi trabalhar em Queimadas-PB e, aos 17 anos, veio para o Rio de Janeiro. Aos vinte anos, voltou à Paraíba e precisou de documentos para trabalhar. Como não tinha nenhum, resolveu fazer o registro de seu próprio nascimento. Ele não conheceu seu pai nem tinha informações sobre ele e minha avó Euzébia já havia falecido. Então, meu pai escolheu seu próprio nome e sobrenome: José Queiroz do Nascimento, diferente do sobrenome de minha avó, que se chamava Euzébia Maria da Conceição. No documento não consta os nomes de seus avós maternos e paternos e ele mesmo declarou as informações constadas no mesmo. Por isso, meu nome é Lucilene Monteiro do Nascimento (sobrenome escolhido pelo meu pai).

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Depois de fazer seu próprio registro de nascimento, meu pai voltou para o Rio de Janeiro para trabalhar na construção civil, como pedreiro. Aqui, em 1975, conheceu minha mãe, que se chama Josete e é vinte anos mais nova que ele. Minha mãe nasceu no bairro da Penha-RJ e veio morar em Miguel Couto aos 10 anos de idade. Depois de se conhecerem, meus pais namoraram pouco tempo e logo foram morar juntos. Em 1976 minha mãe engravidou e em 10 de março de 1977 nasceu meu irmão mais velho, Leandro. Um fato curioso aconteceu com ele devido à inexperiência da “mãe de primeira viagem”. Um dia, meu irmão não parava de chorar e minha mãe já tinha feito tudo para descobrir o motivo (trocar fralda, amamentar, verifcar se tinha cólicas, dores de ouvido, etc.), e nada dele parar de chorar.

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Desesperada, ela então resolveu levá-lo ao médico e foi trocar sua roupa. Foi então que, como por um milagre, ele parou de chorar e ela descobriu o motivo do choro: o sapatinho estava muito apertado! Foi um misto de alívio e sentimento de culpa... Hoje, todos nós rimos da situação. Em 1979, no dia 30 de maio nasceu minha irmã Leila. Ela e meu irmão Leandro nasceram em casa, no bairro Geneciano, em Miguel Couto-NI. No dia de seu nascimento, a parteira, que era nossa tia e se chamava Genalva, teve que se dividir entre o parto de minha irmã e o de seu neto, que nasceu mais ou menos duas horas antes. Apesar da distância entre os bairros do Forte e Geneciano, ela conseguiu ajudar os dois nascimentos: o de minha irmã Leila e de meu primo Antônio.


Em 1983, minha mãe fcou novamente grávida e teve alguns sangramentos pelo nariz. Meu pai fcou preocupado e não deixou que meu parto fosse em casa. Nasci na maternidade do Hospital da Posse em Nova Iguaçu. Meus pais contaram que meu pai fcou muito nervoso quando não autorizaram sua visita a mim e minha mãe. Então ele “invadiu” o Hospital com medo de que algo pior tivesse acontecido. Mas correu tudo bem e tivemos alta logo. Eu nasci no dia 12 de novembro daquele ano. Em 1988, minha mãe engravidou novamente. Ela acreditava ser um menino, porque mexia muito desde o início da gravidez e já tinha escolhido até o nome: Felipe. Porém, no dia 4 de março de 1989, nasceu minha irmã Lívia. Ela sempre foi muito levada e nos deu alguns sustos, como quando um vergalhão perfurou sua perna na obra do vizinho enquanto ela brincava de andar sobre o alicerce. Com medo de minha mãe brigar com ela, puxou ela mesma o vergalhão e foi tranquilamente para casa contar a história. Minha irmã mais velha, Leila, desmaiou ao ver como estava sua perna, mas, apesar do susto, não foi nada grave e ela se recuperou rapidamente do ferimento. Em 1990, meus pais começaram a me ensinar o alfabeto.

Ambos não tinham quase nenhum estudo, mas o que sabiam tentavam me ensinar. Em 1991, nos mudamos para a casa onde moramos até hoje, no bairro do Forte, em Miguel Couto - NI. Neste mesmo ano, comecei a estudar no Jardim de Infância Ursinhos Carinhosos. A escola era particular e funcionava na garagem da professora e dona da escola, Kátia. Foi com ela que, aos sete anos, aprendi a ler na Cartilha Alegria de Saber e, antes de terminar o terceiro bimestre, eu já havia terminado todas as lições. A professora Kátia conversou com minha mãe e disse que eu tinha condições de ser matriculada na segunda série e a convenceu a me matricular no Jardim de Infância Flora Jacobina, onde fui estudar direto na segunda série. Lá, minha professora se chamava Márcia e a escola também fcava no quintal da dona, que era a diretora e se chamava Vera. Lembro-me de fcar com muito medo da diretora, porque eu e todos os alunos presenciamos várias vezes a Vera agredindo seu flho Rodrigo. Ela batia muito e jogava o que tivesse a sua frente nele. Ele não chorava e isso a irritava ainda mais. A professora dizia que quem fzesse bagunça iria fcar de castigo na sala da diretora, e isso deixava a maioria dos alunos apavorados.

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Em 1994, aos dez anos, fui matriculada pela primeira vez em uma escola pública: o CIEP 351, no bairro da Grama. Eu estudava em horário integral e no começo gostava. Com o decorrer do ano, fquei um pouco entediada porque as atividades já não aconteciam com tanta frequência e o tempo ocioso era cada vez maior. Minha professora se chamava Nilciléia, mas estudei também com outros como Fernando e Washington, de Atividades Culturais e Aline, de Educação Física. Em nove de abril de 1994, nasceu meu irmão caçula, David. Minha mãe demorou a acreditar que estava grávida novamente, pois já tinha 44 anos e pensava estar entrando na menopausa. Ele é o xodó da família. Entrei em pânico quando ele caiu da cama depois de eu deixá-lo deitado e virar as costas para pegar uma peça de roupa na gaveta. Mas graças a Deus ele não se machucou. Em 1995, fui para a 5° série e como não havia aulas no CIEP para aquele seguimento, fui transferida para o Colégio Estadual Vicentina Goulart, no bairro Boa Esperança-NI. Achei que não conseguiria passar por causa do número de disciplinas a serem estudadas. Tirei uma nota vermelha no primeiro bimestre em Português. A professora se chamava Neiva. ela conversou comigo e consegui melhorar meu rendimento nos bimestres seguintes. Passei sem difculdades. Na 7° série, em 1997, conheci a professora Magali, de Matemática. Tive muitas difculdades com a matéria durante o ano, mas com seu jeito preocupado em ensinar de acordo com a realidade em que vivíamos e de maneira bem dinâmica, consegui passar de série. Lembro que o Colégio tinha uma estrutura muito precária: cadeiras quebradas, quadro negro com buracos, muro quebrado, iluminação precária, falta de ventiladores, etc. etc. etc. Apesar de tudo, consegui completar o ensino fundamental e médio sem repetir nenhuma série. Da 5° à 8° séries algumas professoras me marcaram positiva ou negativamente: Neiva, Magali, Rita de Cássia e Marilene. No ano de 1998, começaram as mudanças na minha vida e de minha família. Minha avó materna, Gessy, faleceu dois dias após completar 76 anos, vítima de acidente vascular cerebral. Alguns meses depois, meu pai adoeceu e descobriu que estava com câncer de pulmão. Ele iniciou o tratamento de radioterapia e começou a fcar debilitado fsicamente.

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Nesse interim nasceu meu sobrinho Leanderson, filho de meu irmão Leandro, no dia 29 de novembro. Ele foi como um bálsamo para nossa família, ao chegar num momento tão difícil. Ao terminar as sessões de radioterapia, foi feita uma revisão no quadro do meu pai e os médicos disseram que ele teve uma metástase. O câncer tinha chegado ao cérebro, rins e fígado além de continuar nos pulmões. A assistência social do INCA disse à minha mãe que nada mais poderia ser feito e que era uma questão de meses para ele falecer. Meu mundo desabou e só não foi pior porque eu já era cristã católica e me apeguei à minha fé para suportar a dor. Meus irmãos mais velhos trabalhavam e eu dividia as tarefas de casa e os cuidados do meu pai com minha mãe, porque ele foi liberado para fcar em casa. Era o ano de 1999 e eu tinha iniciado o ensino médio e me preparava para a Crisma na Comunidade Nossa Senhora das Graças, onde participo até hoje. Foi o ano mais difícil da minha vida. No dia sete de agosto, véspera do dia dos pais e aniversário da minha cunhada na época, Cristiane, meu pai faleceu. Só Deus sabe o quanto foi difícil nos mantermos de pé, mas graças a ele suportamos a dor e seguimos em frente. Em 2001, terminei o ensino médio sem difculdades e a professora Magali (novamente) foi a que mais me marcou. Neste ano, nasceu minha sobrinha Jennifer, flha do segundo casamento de meu irmão Leandro com Linneth. No ano de 2002, comecei a procurar emprego com o intuito de pagar um curso prévestibular e tentar a faculdade de Jornalismo. O ano passou e não consegui nada além da frustração de permanecer desempregada. Em 2003, minha madrinha Norma, com a intenção de me ajudar, me chamou para trabalhar em sua pequena loja de roupas como vendedora. Aceitei e logo me matriculei no pré-vestibular do Curso Alcance-NI. Prestei vestibular para UFRJ e UERJ. Na UERJ não consegui pontuação sufciente para Jornalismo nem para minha segunda opção, que era Letras. Não olhei a reclassifcação e acabei perdendo a vaga de Letras que consegui na 2° reclassifcação. Na UFRJ, fz a segunda prova, doente e sem concentração, zerei Química. Por isso, mesmo com pontuação sufciente, não consegui a vaga que tanto queria em Jornalismo. Fiquei muito triste, mas resolvi tentar de novo e me matriculei novamente no curso no ano de 2004.


Neste ano, saí da loja e comecei a trabalhar em uma padaria perto de casa, onde trabalhava das 5h30 da manhã até às 14h como operadora de caixa. Assim como no ano anterior, eu gastava todo o meu salário custeando o curso. Não tive um bom rendimento no curso e não consegui passar no vestibular novamente. Fiquei muito triste e frustrada. Desisti de tentar o vestibular novamente e resolvi procurar um novo emprego onde eu ganhasse mais e assinasse minha carteira de trabalho. Também em 2004, no dia 16 de setembro, nasceu meu sobrinho Renan, flho de minha irmã Leila. Ele foi muito esperado, pois ela já estava casada há cinco anos e ainda não tinha flhos. Continuei trabalhando em padaria até 2006, quando comecei a trabalhar na loja de roupas Kananga, em Belford Roxo. Neste ano nasceu meu sobrinho Natan, também do meu irmão Leandro. Em 2007, prestei concurso para a prefeitura de Nova Iguaçu e passei para o cargo de Agente Comunitária de Saúde. Continuei trabalhando na loja até maio de 2009.

Pedi demissão, mas só tomei posse no cargo em março de 2010 por causa da demora na resolução do processo na prefeitura. Voltei a pensar em estudar - não mais Jornalismo porque acredito hoje não ter “vocação” - e me inscrevi no Enem de 2011. Consegui uma boa média e comecei a pensar nos cursos que me interessavam, pois agora tinha uma Universidade próxima à minha casa e ao meu trabalho. Depois de muito pensar e conversar com minha família e amigos, me inscrevi no SISU para o curso de Pedagogia na RURAL de Nova Iguaçu. Em março de 2012, comecei o curso pensando em trocar no período seguinte, mas acabei gostando da grade curricular e decidi fcar em Pedagogia mesmo. Desde então, venho aprendendo a ter uma nova e mais ampla visão do mundo, das pessoas e principalmente do sistema educacional brasileiro. Tem sido uma experiência fantástica e pretendo colocar em prática tudo o que tenho aprendido nas aulas e na convivência com todos os que estão no espaço ~ nº1 da Universidade e ao meu redor.

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“...mais uma vez juntam o que dar para levar, vende-se o que se pode e pé na estrada.” Zilla Almeida

Em 1970, meu pai e minha mãe se casam na cidade de Nova Russa- Ceara, onde eles nasceram e cresceram, lugar de difícil situação fnanceira e de difícil acesso às escolas. O destino mais certo dos moradores mais humildes era trabalhar na lavoura. Mas, em busca de outra opção de vida e de trabalho, eles, como tantos outros nordestinos, abandonam sua cidade natal, suas famílias e vão para o sudeste tentar uma vida mais digna. Ou pelo menos, se acreditam nisso, levam muitos sonhos, que na maioria das vezes não são realizados. Eles resolvem viajar para o sul, para a cidade do Paraná, no intuito de conseguir construir uma vida melhor juntos. Mas tanto ele, quanto ela com pouco estudo, não conseguiram muita coisa, mas foram persistindo até quando acontece o meu nascimento e resolvem se mudar para São Paulo. Aos poucos as coisas iam se ajeitando, mas ainda não era o que eles foram buscar, tudo bem que as condições de vida e de trabalho eram melhores. Mas ainda não realizaram a tão sonhada casa própria. E para piorar a situação, ele perde o emprego e não consegue outra colocação. Mas por sorte, através de um amigo de longa data dele, consegue uma indicação para trabalhar na construção da antiga estrada de ferro no Rio de Janeiro.

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Mais uma vez juntam o que dar para levar, vende-se o que se pode e pé na estrada. Levam na bagagem a esperança que dessa vez vai ser melhor. O trabalho é pesado, mas, pelo menos, se estar trabalhando, melhor pensar assim. Meu pai resolve voltar a estudar e termina seu segundo segmento, antiga 8° serie, na Escola Estadual Conde de Anglolano. Ele acredita que ainda é com a escolarização que é possível um desenvolvimento individual, econômico e social do indivíduo. E, no meio de tantas difculdades, consegue construir sua casa própria, afnal, a família aumentou. Agora são três flhos. E como ele não quer que eles tenham as mesmas difculdades que eles tiveram, faz o possível para que seus flhos tenham mais estudo que eles, e, consequentemente, uma vida melhor. Então, começo minha formação na Escola Estadual João Santos Souto, onde estudo até o ensino médio. Nesses anos todos, muitas fatos devem ter me ocorrido, mas não lembro de todos, apenas os que mais me marcaram. Como o momento de transição de casa para a escola, onde deixo de ser a flhinha da mamãe, para apenas ser mais um aluno, no meio de tantos outros. Pois, minha família por só se resumir em meus pais e meus irmãos, pelo fato do restante dos familiares morarem no Nordeste, é muito unida. Lembro-me também da minha primeira paixão, ele se chamava Luiz, era umas duas series a mais que eu. Nunca falei um oi com ele, era um amor platônico, totalmente inocente, destes que acho que já nem existe mais. Eu ouvia mil vezes a música “se namora” do balão mágico, que falava de uma paixão assim de escola. O que me afetou foram dois modelos de professores que tive. A primeira que tenho como modelo de ensino ultrapassado

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foi minha professora de 2° serie - um “carrasco” a meu ver. Ela nos dava tabuada e usava o castigo como punição para nossos erros. Eu morria de medo dela. Na minha vez da chamada, minhas mãos suavam, minhas pernas tremiam. Se eu pudesse, sairia correndo da sala de aula. Numa determinada aula, cheguei a fazer xixi nas calças, pois ela não me deixou ir ao banheiro, porque estava na minha vez de ler a lição. Eu fquei tão nervosa que aconteceu. O pior depois foi a encarnação da turma. Claro que chorei, né. No sétimo ano, tive a sorte de conhecer a professora Dilza, sua matéria era matemática, um modelo de professora comprometida com seus alunos. Eu e um grupo de colegas de sala fazíamos, no SENAC, o curso de contabilidade e estávamos com difculdades na bendita matemática. Recorremos a ela para nos ajudarmos, que foi totalmente solicita, nos ajudou dando aulas extras de reforço em sua casa, sem nos cobrar nada por isto. Ela é um modelo de professora em que me espelho, que se compromete com seus alunos e se entusiasma com o progresso deles. Mas, antes de chegar aqui na universidade, no curso de Pedagogia, eu cheguei a me formar em Técnica de RX. Fiz estagio no Hospital da Posse, mas não me identifquei muito com o setor da saúde. Prefro a educação, pois, assim como meu pai, também acredito que, para nós de classe menos favorecida, a educação ainda continua sendo o único meio de conseguirmos atingir uma vida melhor e eu quero ter a participação nisto. Quero passar pela vida dos meus alunos deixando valores de vida, assim como você esta nos ensinando que a escola tem que nos enxergar e nos receber como somos, com nossas bagagens de difculdades e não como os alunos que ela idealiza receber.


“Após o assalto fiquei com alguns problemas, quando via um homem negro, paralisava...” Ana Cristina

Em 1987, eu tinha seis anos, minha mãe estava grávida do terceiro flho. No sábado de carnaval deste ano, nossa casa foi invadida por um homem negro armado de uma escopeta e muita munição. Ele nos rendeu dizendo que não adiantaria de nada tentarmos fugir, pois nos fundos da casa havia outro homem de guarda. Foi uma noite terrível. Meu irmão Paulo tinha dois anos e dormia. Estávamos ele, eu, meus pais, uma tia e um tio. Pouco tempo depois, chegou minha avó materna. Tentaram avisá-la, mas ela não entendeu e acabou sendo refém como nós. Eles queriam que meu pai falasse onde morava o Beto, cunhado do meu pai. O Beto trabalhava como vigia em uma escola e um dia uns jovens tentaram roubar a escola e ele frustrou a tentativa do roubo. Os homens que invadiram minha casa eram comparsas daqueles jovens e queriam vingança contra o Beto, mas quem sofreu fomos eu e minha família. Eles também queriam dinheiro, mas não tínhamos. O homem que estava dentro da casa ameaçou meu tio Luca, que era apenas um adolescente; bateu muito em meu pai. Depois disso tudo, pediu bastante jornal e foi com meu pai até a esquina de nossa casa. Colocou meu pai de joelho e em seguida colocou a arma na boca dele, mas graças a DEUS, não tirou a vida do meu pai. Por volta das cinco da manhã encostaram um fusca em frente a nossa casa e levaram a “TV em cores” que meu pai há pouco tempo havia comprado. Pouco tempo depois nós nos mudamos daquela casa. Algumas semanas se passaram e ainda sob o choque do assalto, minha mãe passou mal e teve meu irmão Jorge Luís, que nasceu com vários problemas de saúde, e uma semana depois não aguentou e morreu. Minha mãe quase enlouqueceu, quebrou os vidros das portas e janelas da casa do Beto, pois ela dizia que a culpa de tudo era dele, tiveram até que chamar os bombeiros para ela.Dois anos mais tarde, minha mãe engravida de novo. Havia enveredado pelo caminho da bebida alcoólica, mas ainda sob controle, novamente, perde um flho ao nascer. Minha irmã Andreia nasce e morre no mesmo dia; ainda me lembro de seu caixão tão pequeno e rosa que eu ajudei a carregar. Depois disto meus pais se separaram, minha mãe já estava completamente envolvida pelo álcool. Na tentativa de uma vida nova, meu pai vende os móveis e compra uma casa humilde em outro bairro, no qual moramos até hoje, ele e minha mãe reataram.

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Meus pais, meu irmão Paulo e eu, nos mudamos para a casa nova. Após o assalto fquei com alguns problemas, quando via um homem negro, paralisava e na mesma hora a imagem do assalto vinha a minha mente, e eu entrava em pânico. No bairro novo, casa nova, minha mãe não conseguiu vaga para mim em nenhuma escola, e eu fquei um tempo sem estudar; alguns meses depois, uma vizinha nossa tinha um genro que dava aula em uma escola do bairro, e ele arrumou uma vaga para mim nesta escola. É claro que eu adorei. Minha primeira professora se chamava Sônia Luciano. Ela fez e faz parte da minha vida escolar, me ensinou muito mais que ler e escrever. Eu tinha uma vida bem difícil. Minha mãe vivia bêbada e eu tinha muita vergonha. Não gostava que ela fosse a minha escola, pois lá era o meu refúgio; Lá, eu tinha um pouco de paz, paz entre aspas, pois teve um ano em que eu estudei com uma menina que morava perto da minha casa, e na escola ela dizia para todos que minha mãe era cachaceira. Eu tinha raiva dela; Ela era flha de policial e um dia, não lembro bem porque, ela levou um tiro na barriga e quase morreu, e a raiva que eu tinha dela se transformou em pena, e eu orei muito a Deus, para que não a deixasse morrer. Na escola aprendi a doar. Durante um tempo, eu tive que ir para a escola com o meu material escolar nas mãos ou em uma sacola plástica, pois não tinha mochila. Isso durou um tempo. Mas um dia do nada, a professora Sônia Luciano chegou e me deu uma mochila jeans da Dakiry, que tinha sido da flha dela. Que alegria eu senti! E ainda sinto ao me lembrar. Esta mochila me acompanhou na escola durante muitos anos, até fcar bem velhinha. Lembro-me que um dia sumiu algum objeto de um (a) aluno (a) e a professora Leila fez todos os outros alunos abrirem as mochilas e mostrarem o que tinham nelas. Eu abri a minha Dakiry, tinha tanta coisa dentro dela, que a professora ordenou-me que a fechasse imediatamente. Na escola eu aprendi que poderia ser o que quisesse, era só acreditar em mim mesmo. Na terceira série, estudando novamente com a Sônia Luciano, teve uma festa da primavera e o rei e a rainha seriam aqueles que

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conseguissem mais dinheiro através do sinhozinho e da sinhazinha. Eu passei poucos quadradinhos, portanto, não seria a rainha, mas no dia da festa, a menina vencedora não foi e a professora disse que escolheria outra menina. Todas fcaram eufóricas e pediram para ser a rainha. Lembro-me bem, fquei quietinha na minha, sentada quase nos fundos da sala. A professora me olhou e disse: a rainha vai ser a Ana Cristina. Nem eu mesma acreditei. O rei se chamava Júlio César. Sabe o que é mais legal? este ano reencontrei o Júlio, o flho dele está matriculado na Creche em que eu trabalho. Por um triz, eu não fui professora do flho dele, pois até o ano passado eu era professora da turma de dois anos. Hoje, eu dou aula na turma do pré, se o flho dele e eu continuarmos mais um tempo nesta Creche, têm grandes chances de termos uma relação professora-aluno. Na escola fz vários amigos, brancos, negros, gordos, magros, altos e baixos, e foi com estes amigos que eu percebi que aquele homem lá do assalto, não assaltou minha casa por ser negro. Percebi que cor, gênero, raça, religião, etc, não determinam o caráter de ninguém, que assim como foi um homem negro, poderia ter sido um homem branco de olhos verdes. Aquele assalto me afetou muito, mas não determinou a minha história de vida. Pontos interessantes da minha vida escolar: Estudei 14 anos. Todos na mesma escola, que aquela vizinha arrumou a vaga para mim. Sete destes 14 anos, eu estudei com a Sônia Luciano, inclusive no Ensino Médio, que eu fz duas vezes, nas modalidades de Formação Geral e também no Curso Normal. Iniciei naquela escola estudando com Sônia Luciano e terminei meus estudos naquela escola estudando com a Sônia Luciano. E até na minha vida acadêmica ela vai interferir. Quando entrei na Rural, em 2012, fquei tão feliz que dei meu testemunho, durante uma missa na igreja da qual faço parte, relatando como foi e as difculdades que enfrentei. Quando terminei Sônia Luciano, que também estava na missa, veio até mim, toda orgulhosa me parabenizar e disse que eu poderia contar com ela no que precisasse.


~ tinha sido feita pra mim...” “Essa Universidade não Lídia Damazio

Lidia Damazio, mulher, negra, 33 anos, separada e com dois flhos. Moradora da Baixada Fluminense e estudante de Pedagogia, 2º período na UFRRJ-IM. Essa narrativa tem por objetivo compartilhar minha experiência no ingresso na Universidade Rural do Rio de Janeiro e minhas observações sobre esse ambiente. Imagino que meu relato tem uma relevância tanto social quando acadêmica, já que, imagino que minha historia não é única e que ela contem objetos que estão sendo analisados por diversos pesquisadores e ainda se mostra um campo fértil pra pesquisa.

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Matricular-me numa Universidade Federal foi, sem dúvida, o acontecimento mais importante da minha vida em relação à Educação formal, pelo menos até agora. Sempre me senti incapaz de ser uma universitária, ainda mais, ser uma universitária “federal”. Mesmo me sentindo descrente, percorri todo o processo seletivo, a saber: inscrição no ENEM, a prova, o resultado do exame, inscrição no SISU, classifcação e convocação para a matricula na Rural. Não acreditava que fazer aquela prova chata e cansativa do ENEM me proporcionaria estar aqui neste lugar cursando Pedagogia, minha primeira opção (e única) na escolha do curso pelo SISU. Lembro que foi difícil escolher a segunda opção pra completar a inscrição no sistema, pois eu queria fazer Pedagogia e aqui no IM, na Baixada, na minha região. Pois bem, consegui entrar: a vaga era minha!

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Mas os medos e o sentimento de inferioridade continuavam a me acompanhar. Logo nas primeiras aulas, percorrendo os corredores do IM, por diversas vezes, me senti tão deslocada. Essa Universidade não tinha sido feita pra mim. Meu lugar não é aqui, pensava. Eu mulher negra, pertencente a uma classe socialmente desfavorecida, com dois flhos, separada. Aqui não era o meu lugar, essa frase se repetia na minha mente com grande intensidade, ainda mais quando tinha que deixar os meus flhos em casa, contar o dinheiro da passagem, enfrentar horas de engarrafamentos e ler pilhas e pilhas de textos. Sem perceber estava reproduzindo um pensamento que Pierre Bourdieu descreveu e que Maria Alice Nogueira e Afrânio Catani selecionaram e organizaram no livro ESCRITOS DE EDUCAÇÃO, 1998. Logo no inicio do segundo capítulo, Bourdieu diz:


“É provavelmente por um efeito de inércia cultural que continuamos tomando o sistema escolar como um fator de mobilidade social, segundo a ideologia da “escola libertadora”, quando, ao contrario, tudo tende a mostrar que ele é um dos fatores mais efcazes de conservação social, pois fornece a aparência de legitimidade às desigualdades sociais, e sanciona a herança cultural e o dom social tratado como dom natural”. (p 41. 1998). Ano após ano na escola, direta ou indiretamente, professores, família, sociedade e mídia nos levam a pensar que nós flhos da classe dos menos favorecidos deveriam escolher o ensino técnico e não o ensino superior. Quem nunca ouviu coisas do tipo: “Essa coisa de faculdade não é pra nós não”, ou “Eu vi no jornal que as pessoas que fzeram cursos técnicos estão ganhando bem mais do que muitos que cursaram faculdade”. Muito provavelmente, meu pensamento de que a UFRRJ não era o meu lugar veio da interiorização desse bombardeiro subjetivo da sociedade que está interessada em conservar as desigualdades sociais vigentes e impedir, por conseguinte, a ascensão social advinda da aquisição de um capital cultural tardio, a que temos acesso ao adentrar na universidade. Digo tardio porque não somos desde muito cedo estimulados por nossos pais a ingressar na universidade, como os flhos da aristocracia e pequena burguesia são. Fica naturalizando assim o dom social como disse Bourdieu. Lembro-me bem das aulas de Sociologia e Educação I, onde o profº Ayhas Siss dizia: “(...) Isso (a saber, a falta de interesse das classes menos favorecidas em relação à universidade, principalmente a pública, a surpresa e indignação quando um dos membros dessa categoria social entra na universidade e até mesmo o desmerecimento e desdém de quem faz uma graduação) é o ethos de classe te puxando pra baixo. Bourdieu (1998) descreve ethos de classe como: “A atitude com relação ao futuro, seria, com efeito, outra coisa além da interiorização do futuro objetivo que se faz presente e se impõe progressivamente a todos os membros de uma mesma classe através de experiência dos sucessos e das derrotas?” (Bourdieu, p.49, 1998). Pois bem, depois dessa aula fcou claro pra mim que esse sentimento de incapacidade e inferioridade nada mais era do que o refexo de como se “sentia” o meu grupo social em relação à universidade pública. Por tudo, no primeiro período (que aliás foi longo por conta da greve), andava pelos corredores do IM olhando para dentro das salas e tentando encontrar o máximo de pessoas com que eu pudesse me identifcar. Não foi difícil achar mulheres e homens negros na faixa dos 30 a 35 e que, aparentemente, eram trabalhadores como eu.

Não me senti sozinha. Mesmo a UFRRJ não tendo aderido ao sistema de cotas étnicoraciais até o processo seletivo de 2012.2, havia uma quantidade bem signifcativa de negros no IM. Isso pode ser explicado talvez pela localização do Instituto, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, que segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografa e Estatística), no censo de 2010, temos no Estado do Rio de Janeiro 52,7% da população sendo preta ou parda. Não é difícil imaginar, portanto, que essa população de pretos e pardos fxem domicilio nas periferias e principalmente na Baixada Fluminense. Porém, uma ausência me chamou a atenção. Ao percorrer os corredores em busca de alunos negros, não consegui achar nenhuma professora negra no IM. Isso muito me intrigou e comecei a questionar, agora já no segundo período, alguns professores. Daí surgiu a ideia de fazer uma pesquisa etnográfca no IM para primeiramente localizar, se é que elas existem, e posteriormente identifcar os fatores pelos quais mulheres negras não têm uma representação igualitária na docência no IM. ~

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Confgura-se aqui um questionamento bem mais amplo do que o puramente social. Apresenta-se uma questão de sexismo e racismo, ou melhor dizendo, o racismo vinculado ao sexismo. O binômio raça/gênero mostrou sua face no que diz respeito à docência no IM. Lélia Gonzalez, em comunicação apresentada no 8º Encontro Nacional da Latin American Studies Association Pittsburgh, 5 a 7 de abril de 1979, com o Tema: “CULTURA, ETNICIDADE E TRABALHO: EFEITOS LINGÜÍSTICOS E POLÍTICOS DA EXPLORAÇÃO DA MULHER”, afrmou: “(...) A segunda tendência de peso a ser considerada é representada pelo Marxismo ortodoxo. Aqui, a categoria “raça” acaba por se diluir numa temática econômica (economicista, melhor dizendo) uma vez que a discriminação não passa de um instrumento

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manipulado pelo capitalista que visa, mediante a exploração das minorias raciais, dividir o operariado. A solução seria a aliança entre trabalhadores de diferentes raças. No entanto, bastar-nos-ia, para comprovar a fragilidade de tal posicionamento o caso extremo de clivagem entre o operariado afrikaaner e o operariado negro da África do sul. Por outro lado, em termos de realidade brasileira, há que considerar que a maioria da população, praticamente, não alcançou a situação de força de trabalho relacionada ao capitalismo industrial competitivo. Se nos reportarmos aos tipos básicos de Num, quanto à massa marginal, constataremos que a população negra no Brasil estaria situada nos tipos A e B (desemprego aberto, ocupação “refúgio” em serviços puros, trabalho ocasional ou biscate, ocupação intermitente e trabalho por temporada). (...)”.


Isso me leva a pensar que, mesmo que se consiga romper com as amaras da sua origem social e do ethos de classe, impreterivelmente esbarraremos na discriminação racial e de gênero. Ingênuo quem pensa o contrário, atribuindo essa ausência de mulheres negras apenas a uma questão social como o marxismo ortodoxo prega. Um apontamento interessante sobre o assunto é feito por Márcia Lima (1995) em seu ensaio “TRAJETÓRIA EDUCACIONAL E REALIZAÇÃO SÓCIO-ECONÔMICA DAS MULHERES NEGRAS” para a revista Estudo Feministas 2º semestre, dizendo: “As obras atuais que discutem os processos de mobilidade estratifcação social e realização socio-econômica apontam numa mesma direção a educação e uma variável determinante no processo de ascensão social e obtenção de status ocupacional No entanto o retorno do investimento em educação tem se mostrado altamente discriminatório. No caso de homens e mulheres as diferenças são mais contundentes no que se refere aos rendimentos do que na posição ocupacional. Mas quando a variável cor é incluída, as diferenças são marcantes tanto na posição ocupada quanto nos rendimentos mesmo que ambos (brancos e negros) tenham o mesmo nível educacional” A partir desses apontamentos, acende-se uma luz amarela no meu horizonte acadêmico.

Será que mesmo com todo o investimento na minha educação, horas de estudo e leitura, dedicação quase que exclusiva, a universidade não me dará o retorno no que diz respeito à ascensão social? E o equilíbrio da relação educação/status ocupacional mais uma vez se mostrará desigual e discriminatório no que diz respeito à raça e ao gênero? Fica aparente que esse sistema, efcazmente orquestrado desde a entrada de uma criança na escola até os anos que ela passa dentro do sistema, corrobora para que a ordem social vigente se perpetue, a fm de manter “cada um no seu devido lugar”, naturalizando as ausências das minorias em posições socialmente valorizadas. É assim que a escola funciona. E a universidade não fca, de modo algum, longe dessa realidade, tornando natural que a maior parte do quadro dos funcionários de equipe de manutenção e limpeza da empresa que trabalha no IM seja composta por mulheres negras, bem como também é natural ou pouco incomodo que mulheres negras sejam sub-representadas no quadro de docentes nesta mesma instituição. Refetir sobre as razões pelas quais essa naturalização se tornou cotidiana e conveniente no ambiente universitário faz parte das minhas indagações iniciais que, decerto, estarão presentes e nortearão pesquisas posteriores.

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~ “...a escola pública não dava o uniforme, então o uniforme ~ era compartilhado entre os irmãos...” Priscila da Silva Leandro Fonte

Sempre achei que a história da minha vida começava com o meu nascimento. De uns dias pra cá, um professor me abriu os olhos quando disse que a nossa história começa muito antes disso, começa com acontecimentos importantes que aconteceram em nossa família antes de existirmos. Então vamos lá... Vou começar a falar sobre meu pai, meu herói. Manoel (meu pai) nasceu em 59, em casa, e perguntando a ele sobre sua vida, com muita naturalidade, ele conta que teve 11 irmãos. Com ele eram 12 flhos (6 homens e 6 mulheres), mais minha avó Neuza e o Vô Geraldo e outras crianças da vizinhança, primos, agregados, etc, que moravam em casa.

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A vida deles certamente não tinha luxos, mas a “qualidade” de vida era excelente pra época. Um fato importante que ele me contou, é que, em relação à educação, todos os flhos estudavam e, naquela época, a escola pública não dava o uniforme, então o uniforme era compartilhado entre os irmãos. Uma galera estudava pela manhã e a outra galera à tarde. Ele (meu pai) dividia a blusa da escola com meu tio Amarildo que era 2 anos mais novo que ele. Infelizmente, quando meu pai tinha 14 anos, meus avós faleceram num curto espaço de tempo, deixando alguns flhos já adultos e casados e o caçula com 4 anos. E como era de se esperar, muitos tiveram que trabalhar e abandonar a escola. Gostaria que meus avós estivessem vivos até hoje, pois certamente seriam pessoas ótimas, estou me baseando no caráter e humor de todos os meus tios e do meu pai.

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Certamente, meu avó seria um vô muito engraçado e minha vó muito carinhosa. Tenho saudade deles como se os tivesse conhecido. Bom, voltando ao meu pai, me lembro de um fato que ocorreu quando eu tinha 5 anos. Meu pai foi picado por uma cobra, uma Jararaca. Eu entrei em desespero, (imagine minha mãe). Foram as piores semanas da minha vida, mas, graças a Deus, ele se recuperou muito rápido e não fcou com sequelas. Nesse tempo, mesmo sendo tão novinha, percebi o quanto amava meu pai e o quanto ele era e ainda é querido por todos que o conhecem. Hoje, ele está com 54 anos. Concluiu o ensino médio há algum tempo atrás e está fazendo faculdade de Administração. Pretende se aposentar ainda esse ano e diz que vai viajar muito, só vai vir em casa pra ver as crianças, nesse caso, meus flhos.


Minha mãe... Ela se chama Heloíza, nasceu em 63. Foi dada com 1 ano para uma prima de sua mãe Dulce, que faleceu aos 19 anos, tentando um aborto do 3° flho. Eu não conhecia essa história, descobri há pouco tempo. Sempre ouvi essa história, mas achava que a vó Dulce tinha morrido por complicações no parto. Enfm, a verdadeira história é que ela se casou aos 15 ou 16 anos, com 17 teve meu tio Fernando, que foi criado até a vida adulta pela minha bisa Luiza, aos 18 teve minha mãe, aos 19 engravidou novamente e, como não tinha apoio do marido, que gostava de farra e não cuidava da família, e sua mãe já cuidava de seu 1° flho, nunca tentativa desesperada tentou “resolver o problema” e, infelizmente, faleceu no “procedimento”. Minha mãe foi criada pela sua prima de 2° grau, Nair, e seu marido, Agenor. Criaram a minha mãe e os outros flhos que já tinham com todo carinho e supriram suas necessidades, conforme lhes era permitido. Minha mãe estudou e concluiu seus estudos sem difculdades e, como muitas mulheres naquela época, não trabalhava, pois o pai não permitia e se preparava para o casamento.

Em 85, depois de 1 ano de namoro, meus pais se casaram e, com 3 meses de casamento, minha mãe engravidou e, quando meus pais faziam exatamente 1 ano de casamento, minha irmã nasceu - Naira (em homenagem a vó Nair que já havia falecido). Minha mãe continuava em casa sem trabalhar, porque agora com criança pequena não teria possibilidade. No ano de 89 eu nasci... Nasci em junho de 89 numa família típica, pai que trabalhava e mantinha a casa, mãe que botava ordem na casa e cuidava das crianças, limpava, levava ao médico, dava comida, educava, entres outras coisinhas mais. Quando estava começando a andar, por volta de 10 ou 11 meses, quebrei a perna num tombo que levei com o meu pai. Minha mãe conta que não sabia a quem socorria: eu chorava de dor e meu pai chorava por remorso. Engessei as duas pernas e, quando tirei o gesso, não queria mais andar porque morria de medo e também porque gostava de fcar no colo como toda criança. ~

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Enfm, iniciei minha vida escolar na casa ao lado da minha, na escolinha da tia Reginaminha vizinha que tinha uma escolinha e eu ia lá “estudar”. Quando completei 3 anos, entrei na escola Nosso Amiguinho. Minha primeira professora foi a tia Liza, que atualmente é a diretora da escola. Minha escola era uma boa escola, com boa disciplina, boa estrutura e lá fquei até terminar a 8ª série. Nunca fui de fazer bagunça na escola, mas, em compensação, conversava o tempo todo e não copiava o dever. Minha mãe, que era muito presente na minha vida escolar, também me cobrava já na saída da escola o dever do dia e eu, já chorando, dizia que não tinha conseguido copiar o dever e ela já sabia o por que. Ela me fazia copiar o dever de alguma colega e em casa, como ela dizia, ia acertar comigo... E ela acertava mesmo! Muitas e muitas vezes isso aconteceu, não me perguntem o motivo porque não fcava quieta e fazia o dever, pois não saberei responder. Quando nós, minha irmã e eu, já não precisávamos tanto da minha mãe nos cuidados básicos, ela resolveu fazer um curso de enfermagem. Fez, concluiu e começou a exercer a profssão, mesmo contra a vontade do meu pai. Enfm, o tempo passou e melhorei na escola. A matéria que mais gostava era Educação Física porque minha turma era rival de outra turma e, na hora do handball, rolava um acerto de contas. Acho que era coisa da idade porque hoje olho pra trás e vejo como éramos ruins, minhas colegas e eu. Chegou a hora de me despedir da minha escola de infância, isso foi em 2003. Foi uma despedida triste no dia da formatura, mesmo com todos planejando estudar na mesma escola no ano seguinte. No inicio de 2004, meus pais resolveram me matricular no colégio Abeu, em Nova Iguaçu; eu detestei, pois nenhum dos meus colegas estudavam lá. Então bati meu pé, chorei, reclamei e convenci meu pai a me matricular no Instituto Olavo Bilac, onde muitos dos meus colegas estavam matriculados. Conclusão: estudei só 2 semanas no Abeu. Enfm, comecei o primeiro ano do ensino médio. Foi um ano bem tranquilo e divertido, mas não durou muito, pois meu pai fcou desempregado e não pode mais pagar a escola. Nesse mesmo ano, tive meu primeiro relacionamento sério.

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Eu tinha 15 anos e ele 17. Ele era e é lindo e cheiroso e, é claro, que, hoje é o meu marido. Voltando ao desemprego do meu pai, ele, que sempre reclamava do trabalho da minha mãe, teve que agradecer pela atitude que ela teve de enfrentá-lo e resolver trabalhar mesmo sem sua aprovação, pois, nesse período, foi ela que manteve a casa. Essa situação não se estendeu por muito tempo, mas foi tempo sufciente para meu pai reconhecer que tem uma grande esposa. No ano seguinte, tive meu primeiro contato com a escola pública. Tinha uma impressão ruim da educação pública, mas me surpreendi com a qualidade do ensino, com os professores, funcionários e com os colegas da nova escola. O ensino médio foi passando, me envolvi com projetos da escola, com feiras e o coral. Saí dessa escola em 2007, com meu ensino médio concluído. No ano seguinte, comecei a fazer um curso de Radiologia Médica. Foram 18 meses de muito aprendizado, mas, na hora do estágio, minhas emoções falaram mais alto e percebi que não aguentava a rotina de um hospital, porque, ao invés de socorrer, eu que precisaria de socorro. Mesmo assim, me formei no curso, mas nunca exerci a profssão. No ano de 2010, comecei a trabalhar. Nesse mesmo ano, meu noivo -que agora é marido- começou a fazer o curso de Gestão de Produção Industrial, na IFRJ. Ainda nesse mesmo ano, nos casamos. Foi um ano muito tenso, pois ele estava desempregado e só eu trabalhava. Estávamos de casamento marcado e a nossa casa ainda não tinha teto( não tinha nada!), mas como que por puro encanto, ou melhor, por providência divina, conseguimos terminar e montar nossa casa de agosto até dezembro. Quando, depois de 6 anos e 8 meses de namoro, enfm nos casamos; É claro que ela ainda não está do jeito que queremos, mas temos o conforto de um lar. O tempo foi passando e somente em 2011 resolvi tentar o Enem com o seguinte pensamento: “Provavelmente não vou conseguir, pois faz muito tempo que parei de estudar.” Mas pra minha surpresa e alegria de todos, fui aprovada no curso de Pedagogia. Não passei nas primeiras posições, mas isso pra mim sinceramente não importa, o importante é que estou aqui e pretendo concluir esse curso e exercer a profssão. Bom, essa é minha história....


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“Sempre fui muito ligada às escolas por onde passei...” Ana Paula Carmo

Lembrar-me do meu tempo de escola é realmente empolgante! Sempre fui muito ligada às escolas por onde passei. Voltando ao meu primeiro dia de aula, aos três anos de idade, no Jardim Escola Recantinho, que fca localizado em Queimados, no bairro Fanchem, revivo um dos melhores momentos da minha vida. Lembro que era um colégio pequeno onde só havia as classes de educação infantil. Conversando com algumas pessoas para montar este texto, descobri que na época esta escola não era registrada, e também graças à linha do tempo pude voltar a este lugar que hoje é uma creche-escola. Como era a única escola para crianças da minha idade que tinha no bairro, todos os meus vizinhos também estudavam lá. Sempre gostei das histórias que a professora Janethe contava, era algo divertido, pois lembro-me que minha mãe não tinha tempo para fazer isto comigo. Quando terminei o pré-escolar tive que mudar de escola, fui transferida para a Escola Municipal Oscar Weinschenck para cursar o C.A. (atual 1º ano do Ensino Fundamental). Sinceramente, foi neste colégio que descobri que estudar não era algo “divertido”. Sair de um mundo voltado para crianças da minha idade onde a atenção era dada de maneira tão carinhosa e delicada para encontrar-me dentro de uma escola com uma quantidade bem maior de alunos, de diferentes faixas etárias, onde muitos me eram estranhos, foi de início apavorante. Mas o pior tinha apenas começado! Lá estudei durante 4 anos da minha vida, mesmo sendo uma escola pública passei por muitas difculdades; uma menina com cabelos crespos, tímida, que sempre usou óculos. Por motivos de trabalho, nos fnais de semana minha mãe sempre fazia o mesmo penteado na minha irmã e em mim, ela fazia trancinha em nossos cabelos, era um penteado que tinha que durar toda a semana. Por questões fnanceiras, o meu óculos era enorme e com uma lente grossa, pois era o mais barato na época; lembro que eu era muito magrinha e o óculos tomava quase todo o meu rosto, fui motivo de chacotas durante todo o tempo que estive lá, recebi apelidos como garrafnha e nega maluca (que era uma boneca feita de retalhos vendida na feira de rua de Queimados). Por este motivo nunca gostava de ir para o pátio no horário do recreio e além disso, sempre procurava sentar nos cantos da sala pois sempre achei que estes eram os lugares que chamavam menos atenção.

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Quando estava terminando o meu 4º ano nesta escola, tivemos alguns problemas com a casa onde morávamos e tivemos que nos mudar de maneira repentina para Austin (um bairro do município de Nova Iguaçu) e novamente fui transferida de escola; por não conseguir vaga em um colégio publico, meus pais me matricularam no Instituto de Educação Santa ngela, um colégio particular onde a maioria dos alunos eram de classe média e brancos. Neste colégio, minhas maiores difculdades foram: ser uma “pessoa de cor” entre os brancos e de condição fnanceira tão diferente da dos colegas. Lembro-me bem do horário do recreio que, na minha visão, era o momento de maior vergonha, onde os colegas sempre tinham biscoitos e sucos caros e estavam sempre com algum doce. Como meus pais já pagavam o colégio com muito sacrifício, eu tinha que agradecer quando conseguia levar um pão com mortadela, já que na maioria das vezes não levava nada. Também senti uma grande diferença no ensino, neste colégio ele se mostrou mais forte, com livros mais avançados e lembro que tive muita difculdade para acompanhar minha turma no começo. Ao fm deste ano fui transferida para a Escola Municipal Kerma Moreira Franco (que também tive o prazer de visitar graças à linha do tempo). Neste colégio cursei do 6º ao 9º ano do ensino fundamental, foi o colégio que fnalmente “me encontrei”, ali tive o meu primeiro grupo de amigas (que tenho contato até os dias de hoje). Pela primeira vez também tive uma matéria preferida, e não era porque o professor era bonito não, na realidade era professora, mas ela sempre trabalhou de uma maneira muito divertida, ela cantava a ciência, fazia com que desenhássemos em grandes cartazes que colava em toda a sala. Meu primeiro passeio organizado pela escola foi com a supervisão dela, fomos ao Jardim Botânico. Não posso me esquecer do time de futsal, me apaixonei por esta modalidade e participamos de campeonatos estudantis entre as escolas do bairro, e a partir daí entrei no time do Panorama Futebol Clube, onde joguei até os 16 anos de idade. Nesta época, como toda garota da minha idade, fquei super apaixonada por um ator, só que a diferença era que, enquanto minhas amigas estavam apaixonadas pelo Fábio Assunção, eu estava apaixonada pelo Raul Cortez. Era aquela paixão de não perder a novela nenhum dia.

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Eu o achava o homem mais lindo do mundo, sempre elegante e imponente, e por este motivo nunca fui de dar muita atenção aos meninos do colégio. E assim se foram os meus últimos anos do ensino fundamental. Finalmente o Ensino Médio: um mês apavorada com a matricula fácil, que na época era a novidade do Ministério da Educação em relação às matriculas. Elas eram feitas pelo telefone e éramos obrigados a dar três opções de colégios. Minha apreensão era em relação às minhas amigas, queríamos muito fcar no mesmo colégio, mas por fm, das seis, duas foram para escolas diferentes. E no dia de levar os documentos, estávamos lá, as quatro em frente ao portão do CIEP – 341 Instituto de Educação Vereador Sebastião Pereira Portes. Novamente tudo me era novidade, sair de uma escola que era formada basicamente por um prédio e uma quadra de esportes e ir para outra composta por três prédios, quadra, piscina, uma brinquedoteca própria para a educação infantil e uma grande área livre com grama e árvores era tudo. Enfm, cursar formação de professores no mesmo colégio onde meu pai se formou sempre me pareceu um sonho que agora se tornava realidade! Minha vida virou uma correria, havia dias que entrava às sete horas da manhã no Instituto e saia às dez da noite; a rotina de estágios era complicada, mas prazerosa. Entrei para o grêmio estudantil e fui por três anos a diretora de eventos do grêmio, e isto foi algo que acrescentou e muito, tanto na minha vida estudantil quanto na minha vida pessoal em relação a ter responsabilidades. Tive a oportunidade de trabalhar diretamente com grandes eventos da escola, passando a ter um maior contato com a direção e com os professores. Grandes responsabilidades, infelizmente, sempre nos trazem maior visibilidade, então os rapazes do colégio já passaram a me parecer mais interessantes e, aos 16 anos conheci no colégio o meu primeiro namorado. O meu Ensino Médio foi a época onde a minha vida escolar mais se ligou à minha vida secular. Não eram somente as aulas em si, eu tinha um cargo como secretária de eventos do grêmio estudantil, comandava a comissão de frente da escola nos desfles cívicos, o meu namorado estudava no mesmo colégio e, além disto, acabava fazendo estágio o ano todo, pois tinha uma turminha que eu amava e sempre fcava com eles após as aulas. Dentro desta trajetória tive grandes decepções, mas também muitas alegrias, no fm tudo foi válido e tirado por mim como aprendizado.


“Os alunos daquela sala zombavam de mim por usar um casaco de lã largo e vermelho...” Camilla de Lima Leite

A minha história escolar se inicia aos 7 anos, na escola municipal Claúdio Ganns, que fca próxima à minha casa. Nos primeiros dias, me pularam uma série e me puseram para estudar no segundo ano (antiga primeira série), presumindo que eu teria noções básicas para acompanhar a turma, sendo que eu nunca havia tido experiência com a escola antes, então como vocês já devem imaginar, eu fracassei, fui uma vergonha, pois a turma copiava do quadro com tamanha destreza e eu era uma “tartaruga”, copiando com tamanha lerdeza. Essa minha péssima desenvoltura me rendeu o rebaixamento para a Classe de Alfabetização, então eu fui parar na classe da professora Feliciana, que era bem excêntrica e fazia com que todos os dias nós nos exercitássemos. Depois dessa professora, eu estudei em outras classes com as professoras Fátima Jordão, Fatima Muciolo, Nilma e Leir, todas elas tiveram uma contribuição signifcativa na minha vida escolar, mas em especial a classe de uma delas me fez mudar um pouco do que eu sou hoje.

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A classe da professora Leir era uma classe como outra qualquer, mas para mim, os meus colegas de turma tiveram um diferencial que marcou para sempre a minha vida; eles usaram de “Bullying” comigo, termo que na época não existia. Os alunos daquela sala zombavam de mim por usar um casaco de lã largo e vermelho, e me chamavam de coisas que me fazia sentir diminuída e acuada. Eu sofri muito e posso dizer que não aprendi quase nada nesse período, eu ia para a escola torcendo para que acabasse logo o ano para nunca mais ter que passar por isso e muitas das vezes eu não queria ir para a escola. Com isso aprendi a sempre ter amizades sólidas e viver em grupo, porque assim me sairia melhor e não me destacaria como a “estranha”; foi uma experiência ruim que me trouxe uma nova perspectiva de vida. Essa perspectiva me mostrou que para sobreviver em uma instituição precisamos nos unir a pessoas que tenham relevância e que nos torne aparentemente forte, e foi assim que sobrevivi aos 4 anos de curso normal e assim está sendo na faculdade, vivendo sempre em grupos, porque assim somos mais fortes, pois “a união faz a força”. ~

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“Saio de uma escola particular e passo para instituição pública...” Nathalia Cristina Silva de Oliveira

Das minhas experiências escolares, acredito poder destacar dois ou três acontecimentos que tenham certa importância na construção do meu eu. Eu poderia fazer uma novela com tantos casos que já me ocorreram, mas tentarei manter o foco. Minha mãe não tinha muito estudo até pouco tempo e, talvez, por isso tenha colocado eu e meus irmãos tão cedo na escola. O que me lembro da minha primeira escola me foi contado ao longo dos anos pela minha mãe. Ela dizia que nos primeiros anos, eu era a única criança a chorar na escola, chorar pra ela ir embora! Foram dois anos de maternal na mesma escolinha. Em uma escola maior, passei por uma das situações mais constrangedoras de minha infância, com apenas quatro anos de idade. Sempre fui preguiçosa pra ir ao banheiro. Segurava o xixi até não conseguir mais. Certa vez, prendi, prendi e quando cheguei ao banheiro não deu tempo e fz no short. Envergonhada, fquei no banheiro por um bom tempo, até que a professora apareceu e me viu toda molhada. Não bastasse o constrangimento da situação, ela ainda conseguiu piorar. Levou-me para a frente da turma, explicando o que acontecia quando não íamos ao banheiro na hora e ainda me colocou com rosto virado para o quadro e o short molhado virado pra turma. Isso tudo pra me por como exemplo. No fm da aula, trocou meu short molhado por um reserva da escola (próprio para esses casos) e só contou pra minha mãe que eu não tinha conseguido segurar. Sucessivamente, veio um período de pânico pela escola, que demorou alguns meses pra passar. Aos sete anos (2ª série), veio a separação dos meus pais e o fato de ele me esquecer na escola. Não foi só esquecer. Ele simplesmente não foi me ver dançar, tampouco me buscar (minha madrasta não deixou ele ir e ele não avisou pra ninguém que não iria). Era sábado à noite, e só fui percebida abandonada e esquecida lá pelas 23:30, pelo marido da mesma professora do caso do xixi. Dado todo o acontecido, eu começo a assistir desenhos um tanto violentos, passando a bater nos meninos da turma. Aconselhada pela coordenadora da escola, fui levada ao psicólogo. Após algumas sessões e o incomodo que era ir até lá, veio a revolta da minha mãe. Terapia de pobre é porrada!

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E pronto, parei de bater nos outros. Com nove anos e fazendo a 3ª série de novo, nos mudamos para um bairro bem distante de nossos parentes. Saio de uma escola particular e passo para a instituição pública. Passei a ir sozinha pra escola. Na E.M. Pio X, tive várias experiências legais. A escola era muito bem estruturada e oferecia aos alunos ofcinas que nos mantinham na escola quase que o dia inteiro e longe das ruas, mas só fquei lá por um ano e meio. No fnal da 5ª serie, me ocorreu um fato que hoje posso analisar e dizer que foi libertador. Uma coleguinha me fez o favor de escrever na parede do banheiro e em letras garrafais, meu nome e o de um rapazinho do qual eu gostava. A diretora viu e saiu em busca da criminosa: eu! Chegou no meio do recreio, fez um escândalo. Disse que eu era uma vândala e que iria limpar todas as paredes. Só que eu não tinha feito aquilo. Se fosse na carteira da sala, tudo bem, isso eu fazia sempre. Mas eu era medrosa demais pra escrever na parede do banheiro. Então, veio aquele sentimento libertador. Me levantei e disse: - NÃO!!! Não ia pagar por algo que eu não tinha feito. Mas também não dedurei a colega. Já na 6ª série e em outra escola, acredito que tenha confrmado a minha libertação. Passei a tomar a frente de algumas coisas e a defender minhas vontades (na maioria das vezes), até me tornei representante de turma (7ª e 8ª séries). De volta ao subúrbio, as referências mudaram. Os professores, os colegas, os pais dos colegas, eram todos diferentes daquela realidade que eu tinha vivido enquanto morei em Jacarepaguá. No CEPJA, as experiências foram inúmeras e grande parte delas por demais construtivas. Destacar um caso seria desvantagem com outros, de tão grande valor quanto. Muitos dos erros que hoje sou capaz de perceber que cometi em meus primeiros anos de estágio, são nada menos do que refexos do que vivenciei em minha infância. Ao analisar minhas atitudes e a de alguns (ou pelo menos grande parte) de meus professores, hoje sou capaz de identifcar os pontos negativos, podendo assim corrigi-los. Mas acredito que o maior aprendizado que tive foi após minha formatura. Aprendi que temos um tempo certo para cada um (tempo de aprender, de conhecer, tempo de qualquer coisa) e que eu tinha que passar por tantas experiências para tomar consciência de como deve realmente ser minha atitude dentro e fora de sala, não apenas reproduzindo o que eu já tinha experimentado, mas sim enxergando no outro o que não deram importância quando eu era criança, respeitar o próximo.

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“...aprendi que o diálogo é o elemento chave e que o aluno (eu) deve ser um sujeito atuante.” Rosália Walkíria de Oliveira

Fazer a minha linha do tempo e depois a narrativa, ou seja, esmiuçar a minha história e de minha família, me deu uma visão ampla de tudo que vivi até hoje, coisa que eu ainda não tinha parado para pensar e ver como se deu todo meu processo educacional. Meus pais tinham poucos recursos fnanceiros e também pouca formação educacional institucionalizada, mas sempre buscaram oferecer o melhor e me educaram para que eu percebesse minha condição dentro dessa sociedade. Percebo que mesmo passando por escolas publicas que não eram consideradas padrão, que não tinham uma qualidade, até por que as escolas de periferias são sempre desprestigiadas, tive sorte de encontrar alguns professores que fomentaram em mim uma visão de que era preciso fazer algo para mudar esta realidade. Tanto que não desisti, aprendi que o diálogo é o elemento chave e que o aluno (eu) deve ser um sujeito atuante. Vivemos em uma sociedade dividida em classes: composta por dominantes e dominados, onde as exigências neoliberais acabam com à autonomia, à crítica, à refexão e à versatilidade. Esse tipo de sociedade exclui, por conta do capital, a maioria da população no que diz respeito ao processo de alfabetização, levando-o à marginalização.

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Assim, trilham-se os interesses da sociedade dominante, ou seja, as pessoas com um poder aquisitivo elevado, ou com uma grande infuência política-econômica, infltram seus pensamentos caracterizando-os como verdades, dogmas que devem ser seguidos. E, de fato, pela minha narrativa, percebe-se que também fui produzida pelo sistema para ser esse cidadão (sujeito passivo diante das verdades alheias) que vai conduzindo sua vida e acreditando que não deve perder o seu tempo buscando os estudos, pois já incorporou a ideia de que não tem condições de chegar em algum lugar. Somente o universo: trabalho - casa – TV - basta, sem ao menos ter interesse pelo que acontece em sua realidade político-social. Deste modo, alienase no trabalho e na mídia tornando-se passivo a tudo. Paulo Freire retrata claramente o que passei em busca de uma formação educacional institucionalizada. Ou seja, deixei de ser apenas o sujeito que recebe as informações sem questionar, pois quanto fui transferida para uma escola que tinha o clube do livro, um grêmio atuante e com uma vertente politizada, vi que poderia mudar o rumo da minha história e não desistir como aconteceu com meus irmãos. Hoje, na universidade e em busca de conhecimento vejo mais ainda o quanto à sociedade é elitista e a educação nunca foi para todos. E lendo alguns flósofos, pedagogos e pensadores vejo retratada a minha história.


“...deparei-me com lembranças que já estavam perdidas em meio ao passado.” Roberta dos Santos Oliveira

Um dia, quando revia as fotos do meu colegiado, deparei-me com lembranças que já estavam perdidas em meio ao passado. Fui resgatando e revivendo, aos poucos, momentos que fundamentam o que hoje eu sou. Ali, diante dessa situação, parei e adentrei nas mais profundas recordações. Aquelas imagens se fundiam com o meu presente, provocando grandes refexões. Lembrei-me dos meus professores, das minhas amigas, dos trabalhos, projetos, expectativas e, até mesmo, tensões pelas quais vivenciei.

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Recordei-me que a ansiedade e o nervosismo se faziam presentes em todos os trabalhos e apresentações. O “perfeito” assombrava a minha trajetória estudantil e o “não errar” causava desconforto para muitos e cobranças exageradas. A cada projeto, um conselho para eu reduzir. Duas professoras, Giovanna e Christiane, marcaram muito a minha vida. Elas conversavam bastante comigo, tentavam me ajudar, ao passo que percebiam que aquele meu jeito, de certa forma, me fazia mal. Porém, eu gostava do meu modo de proceder perante aos estudos. Cury (2003, p. 64), expõe que bons professores possuem somente metodologia, mas os professores fascinantes, além disso, possuem também sensibilidade, contribuindo para desenvolver: autoestima, estabilidade, tranquilidade, capacidade de contemplação do belo, de perdoar, de fazer amigos, de socializar. A minha aula prática do 3º ano foi bastante conturbada, uma vez que teve que ser antecipada dois meses. As aulas eram sempre realizadas em quarteto.

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Eu era tão ansiosa e perfeccionista que até as integrantes do grupo já não aguentavam tanta pressão, pois além de ser muito crítica comigo mesma, eu também cobrava os outros. Lembro-me que não gostava de fazer trabalho em grupo e, quando não tinha saída, por precaução, fazia todas as tarefas inclusive àquelas que seriam da responsabilidade dos outros membros do grupo. Até mesmo no recesso de julho eu fazia trabalhos que seriam para tempos depois. Eu não conseguia parar de pensar, parar de fazer trabalhos! Para argumentar, veja o que Cury explicita sobre a Síndrome do Pensamento Acelerado (SPA): Pensar é excelente, pensar muito é péssimo. Quem pensa muito rouba energia vital do córtex cerebral e sente uma fadiga excessiva, mesmo sem ter feito exercício físico. Este é um dos sintomas da SPA. Os demais sintomas são sono insufciente, irritabilidade, sofrimento por antecipação, esquecimento, défcit de concentração, aversão à rotina e, às vezes, sintomas psicossomáticos, como dor de cabeça, dores musculares, taquicardia, gastrite. (2003, p. 60).


Seria impossível continuar essa narrativa sem mencionar o Projeto Sabor de Ler. Nesse evento me cobrei muito e ainda cobrava das pessoas que integravam o grupo. O nosso recurso foi a dramatização, logo, teríamos que confeccionar um cenário. Dei a ideia de fazermos um livro gigante, onde os personagens sairiam dele. A história era “Branca de neve e os sete anões”. As meninas concordaram e começamos a fazer. Ninguém acreditava, até a minha professora conversava comigo, explicando que nem tudo dar certo. Mas eu sabia que conseguiríamos. O livro fcou lindo. Eu ampliei os desenhos e as meninas me ajudavam colorindo e fazendo os efeitos. Foram dias de preparação, eu chegava de manhã na escola e saía à noite. Esse projeto era fundamental, pois fazia parte da nossa carga horária do Curso Normal. Primeiro, apresentaríamos à professora supervisora e à turma, e, posteriormente, para uma das turmas do Ensino Fundamental. Conseguimos apresentar para a nossa turma, porém o livro foi destruído antes mesmo de cumprirmos a tarefa, ou seja, o projeto com as crianças.

Até hoje não se sabe quem ou como isso aconteceu. Encontramos somente um pedaço de uma das páginas do livro. Tal acontecimento mobilizou a escola. Eu passei mal, desmaiei, chorei, não acreditava no que estava acontecendo. O que me restou foram somente as fotos e uma flmagem que a minha turma havia feito.E hoje me pergunto: Onde está essa estudante? No passado? Nas profundezas do meu ser? Na verdade, não sei. A única certeza que eu tenho é que essa aluna, por vezes, tenta se manifestar, porém mesmo sem a minha permissão, a vida se encarregou de provocar as mudanças que se faziam necessárias. Consigo perceber que a minha rotina não me permite ser a estudante de antes, mas o fato de eu não conseguir ser mais daquele jeito, por vezes, me gera desconforto. Durante toda a minha trajetória estudantil, sempre dei conta de todas as minhas tarefas escolares, são poucas as vezes que me lembro da participação de meus pais. Porém, não posso desconsiderar a importância deles, uma vez que me proporcionaram o acesso à escola ~ e os materiais escolares. nº1

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Lembro-me que, quando pequena, minha mãe me arrumava, me levava e buscava, era presente nas reuniões com os responsáveis, eu participava dos desfles cívicos e ela fazia questão de assistir. Refro-me daquelas cobranças: Como foi a aula? O que você fez hoje? Tem dever de casa... Eu tinha as minhas atividades em dia e obtinha as melhores notas, quando meus pais iam à escola ouviam somente elogios. Acho que era por isso que eles não fcavam preocupados! Mas, pergunto-me: por que eu era assim? Poucas pessoas na minha família, somente duas tias, chegaram à universidade. Na verdade, a maioria só possui o Ensino Fundamental. Hoje, esse quadro já toma outro rumo. Todos os meus primos se formaram a nível médio e eu, minha irmã e três primos adentramos na vida “acadêmica”. É notório que vários aspectos facilitaram tal mudança, ou seja, melhores condições de vida, ou mesmo, escolas mais próximas das residências. Freire (1987) aborda questões que de certa forma me atravessam. O educador focou o seu olhar para aqueles que não tinham voz e buscou uma educação voltada tanto para a escolarização como para a formação da consciência política. Um ato de educar comprometido e participativo, visando a realização de todos os direitos do povo. Como contraste a isso, vejo que muitos dos meus familiares não acreditavam que seria possível ver seus parentes com nível superior, quem dirá em uma universidade pública, essa parecia uma realidade que se fazia bem distante. Ana Maria Araújo Freire (1992) diz que Paulo Freire concebia as mulheres e os homens como corpos conscientes, que sabem bem ou mal de seus condicionamentos e de sua liberdade. Sendo assim, se torna possível encontrarem em suas vidas, pessoal e social, difculdades e barreiras que precisam ser vencidas. Com relação a esses obstáculos, ele chama de “situações-limites”. As atitudes dos homens e mulheres variam diante dessas situações; ora acham que não conseguem ultrapassar tais barreiras ou mesmo como algo que não querem transpor, ora como algo que tem ciência que existe e que precisa ser rompido, se empenhando na sua superação. Desta forma, começo a entender que eu queria mostrar para a minha família desacreditada que eu seria capaz, que sonhar, fazer planos, ter expectativa é realmente fundamental.

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“...estou realizando um sonho de prosseguir com meus estudos.” Lidiane Sales de França

Comecei a estudar com 3 anos, em 1992, no Jardim de Infância Dó-Ré-Mi, porém não estudei muito tempo nesse ano. Minha mãe me conta que eu chorava muito, e teve uma professora que falou se eu não parasse de chorar, ia me colocar no quarto escuro (eu acho que ela me colocou, pois tenho medo de fcar sozinha em casa e andar sozinha). Por causa disso, eu chorava ainda mais. Minha mãe, com raiva e sensibilizada, me tirou. No ano seguinte, voltei a estudar só que com outra professora, continuei a chorar, mas dessa vez, a mesma me acalmou e em pouco tempo não havia mais choro. Só estudei 1 ano nessa escola.

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Em 1994, com 5 anos, fui estudar no Jardim de Infância Sol Nascer. Lembro um pouco dessa época, tinha uma casinha de tijolo, pintada de vermelho e tinha uma gangorra, que eu adorava brincar. Minha professora era a Cineide, um amor de pessoa. Foi nessa escola que comecei a ser alfabetizada, tive muitas difculdades para ler. Minha irmã que me ajudava a ler em casa. Ela me conta uma história, que eu não conseguia aprender a família do “b”, e que quando chegou na parte do “bu”, me disse: “b” com “u” faz “bu”, de “burra”, igual a você. No outro dia, fui para a escola e na hora da leitura, eu repeti para a professora. A mesma chamou minha irmã para conversar e deu um esporro nela. Apesar das difculdades para ler, consegui ser alfabetizada. No ano de 1996, fui estudar no Colégio Morro Agudo, uma instituição privada. Nela estudei da 1ª série (2º ano) até a 4ª série (5º ano). Nesse período, tive muitas difculdades nos conteúdos da disciplina de Matemática. Apesar das difculdades, conheci duas professoras maravilhosas: a Janaina (História e Geografa) e a Vera Maria (Português).

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Foi por causa da Vera Maria que optei por ser professora. Da 5ª série (6º ano) até a 8ª série (9º ano), estudei no Colégio Estadual Antônio da Silva. Nessa escola comecei a ver e enfrentar as difculdades da vida. Como esperar um bom tempo no ponto de ônibus, pois muitos motoristas não paravam e, às vezes, eu chegava atrasada na escola. Em certos dias, preferia ir andando, 25 minutos a pé, com algumas colegas. Apesar das difculdades, consegui concluir o Ensino Fundamental. No Ensino Médio fquei muito feliz, pois havia conseguido uma vaga para fazer o Curso Normal, com duração de 4 anos, no Colégio Estadual Arruda Negreiros. A localização da mesma era muito distante da minha residência, tendo que pegar ônibus. Durante esses 4 anos enfrentei diversas difculdades, vinha o pesadelo novamente de ter que pegar ônibus, sofrendo humilhação, tanto de alguns motoristas, quanto de alguns passageiros que falavam: “não sei por que esses motoristas param pra esses estudantes da rede pública”.


Num certo dia, na parte da manhã, eu e minha amiga fomos assistir a uma palestra na Vila Olímpica de Nova Iguaçu, era um dia chuvoso. Ao acabar a palestra, fomos para o ponto de ônibus, pois tínhamos que ir para a escola. Demos sinal para uma determinada linha, pois era a que aceitava o passe escolar. Fechamos o chapéu para entrar, só que o motorista não abriu a porta e falou que nós duas tínhamos que abrir a porta para entrar. Ele saiu com o ônibus, rindo, e não nos deixou subir. Ficamos molhadas. Nesse dia, eu cheguei em casa chorando muito, decidida a desistir de estudar longe de casa, desistir do Curso Normal. Minha mãe e minha irmã conversaram comigo, que esse só era um dos obstáculos que eu iria enfrentar no decorrer da vida. Passei por muitos problemas, em relação ao estágio, alimentação, enfm, para me manter no curso. Com a ajuda de Deus, da minha família e amigos, consegui concluir o normal e terminar meu Ensino Médio, tendo a chance de prosseguir para o Ensino Superior. Antes de chegar ao Ensino Superior, passei por dois obstáculos. O primeiro foi ao fazer o ENEM em uma determinada escola; foram dois dias complicados. No sábado eu estava passando mal e no domingo era um dia em que o Flamengo jogava a fnal de um campeonato. A sala em que realizei a prova tinha uma estrutura péssima, e fcava ao lado de uma casa, onde estava tocando música alta e soltando vários fogos por causa do jogo. Nesse ano não consegui passar na prova. O segundo foi que, depois de dois anos, me inscrevi novamente no ENEM e quando olhei o cartão de confrmação, era a mesma escola. Fiquei triste, pois não tinha boas recordações. Mas fui fazer a prova, com muita dor de cabeça e angustiada por ter que fazer a prova naquela escola. Ao chegar lá, esses sintomas passaram, pois a sala tinha boas condições e tinha um silêncio maravilhoso. Com a ajuda de Deus, consegui passar para o Ensino Superior. Atualmente, faço Curso de Pedagogia na UFRRJ, em Nova Iguaçu. Fiquei muito feliz, pois estou realizando um sonho de prosseguir com meus estudos.

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“Nove meses depois deste episódio eu nasci!” Juliana Batista

Tudo começou no ano de 1991 quando, em um dia qualquer, meu pai foi trabalhar. Ele auxiliava na construção de um grande prédio e trabalhava normalmente quando caiu de uma altura assustadora. Todos imaginavam que ele não sobreviveria, mas depois de algumas cirurgias ele se recuperou. Enquanto se tratava e retornava sua vida, minha mãe parou de tomar pílula anticoncepcional. Meu pai tentava levar uma vida o mais normal possível, e como sexo faz parte da vida, ele quis o pacote completo.

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Tentou ter relações com minha mãe, que negava, justifcando que parou de tomar remédio depois do acidente e ele, que nunca foi bobo, disse que os médicos alegaram que não poderia ter flhos. Nove meses depois deste episódio eu nasci! Na época meus irmãos eram pré adolescentes. Priscila tinha 10 anos e Eduardo tinha 13 anos incompletos. Por conta da grande diferença de idade, fui crescendo no meio de muita proteção e cuidado. Além disso, meus irmãos sempre me aconselharam muito na vida profssional, e embora eu sempre tenha estudado em colégios públicos (reconhecidos por muitos como o pior lugar do mundo), sou uma pessoa bem resolvida e consegui chegar a lugares que nunca esperei. Lembro-me com carinho de alguns fatos que ocorreram dentro da escola. Alguns lembro com tristeza, mas tudo contribuiu com a minha formação, contribuiu para eu ser quem sou hoje em dia. Em meados de 2004 (enquanto eu cursava a 5ª série), um grupo de meninos da minha turma começou a fazer brincadeiras de mau gosto comigo. Eram ofensas, agressões físicas e verbais. Eu reclamava com os professores, coordenadores, inspetores e nada! Minha mãe foi à escola e ninguém resolveu nada! ~

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Hoje me pergunto porque a escola agiu com tanta indiferença com o comportamento daqueles alunos. A escola nem ao menos se questionou o que levou aquele grupo de estudantes a ter aquelas atitudes ou como chegou a esse ponto. Resumindo: esperei o ano acabar e troquei de escola. Nada aconteceu! Lembro-me também de outro episódio (já no 3º ano do curso normal). A turma se preparava para encarar a nova modalidade de estágio: Educação Especial. Marquei a data de início do estágio e fui. Ao me apresentar, pediram para que eu fcasse na turma de defcientes visuais. Entrei na sala indicada, me sentei na última fleira esperando a chegada da professora. Quando ela abriu a porta, para minha surpresa percebi que ela também era completamente cega. Totalmente alegre, ela falava no celular, usava o computador e andava pelos corredores sozinha. Fiquei tão impressionada que nem me lembrava dos meus problemas. A cegueira daquela professora não a impedia de ver que a vida não se resume a limitações e me fez repensar em algumas de minhas atitudes. Nunca mais tive contato com essa mulher que tanto contribuiu para minha forma de pensar e agir. Isso foi um pouquinho de mim!


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