Especial Caminhos da Safra 2015

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especial SETEMBRO 2015 globorural.globo.com

DOCUMENTO

Novas rotas da safra brasileira

Em Santarém, no Pará, o terminal de grãos está sendo ampliado para exportar 5 milhões de toneladas de soja e milho. Nossa equipe percorreu 10 mil km para checar as condições de escoamento em nove portos do país

3 GLOBO RURAL | caminhos da safra 2014


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Novas rotas da safra brasileira

Em Santarém, no Pará, o terminal de grãos está sendo ampliado para exportar 5 milhões de toneladas de soja e milho. Nossa equipe percorreu 10 mil km para checar as condições de escoamento em nove portos do país

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Novas rotas da safra brasileira

Em Santarém, no Pará, o terminal de grãos está sendo ampliado para exportar 5 milhões de toneladas de soja e milho. Nossa equipe percorreu 10 mil km para checar as condições de escoamento em nove portos do país

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CARTA DO EDITOR

Quanto mais porto melhor

F

oram mais 10 mil km rodados nas quatro etapas desta quarta edição do projeto Caminhos da Safra. Nossa equipes conferiram que o escoamento da produção ganha velocidade tanto em novos terminais privados no Norte e Nordeste do país como nos tradicionais corredores de exportação, ao longo do litoral Sul e Sudeste, como Santos (SP), Paranaguá (PR) e Rio Grande (RS). No primeiro trajeto, os repórteres Rodrigo Vargas e Emiliano Capozoli navegaram pelo Rio Madeira por quase três dias a bordo de um comboio de barcaças cheias de soja. A partida foi em Porto Velho, Rondônia, e o destino, Itacoatiara, no Amazonas. O percurso por uma das mais antigas hidrovias da safra brasileira é só uma parte da viagem que os grãos colhidos no Oeste de Mato Grosso fazem até chegar à Ásia e à Europa. A inauguração do Terminal de Grãos do Maranhão (Tegram), em São Luís, também expande a capacidade de exportação pelo extremo Norte do país. Para levar um caminhão carregado com grãos da região do Matopiba até lá não é nada fácil. A rodovia Transcerrado, no Piauí, na época da colheita, chega a ter dezenas de caminhões atolados em dias de chuva. Os agricultores tiram os tratores da lavoura para rebocar os caminhões. Outros tiram dinheiro do próprio bolso para fazer reparos na estrada e viabilizar o transporte de grãos e insumos. Os repórteres Cassiano Ribeiro e Marcelo Curia encararam essa aventura com um caminhão carregado e levaram mais de sete horas para fazer um percurso de 150 km. Mesmo tempo levou o repórter Raphael Salomão para percorrer 150 km na BR-163 entre Itaituba e Santarém, no Pará. Com uma nova estação de transbordo de cargas inaugurada a cada safra na região, cresce a movimentação de caminhões vindos de Mato Grosso. A rodovia, aberta na década de 1970, tem mais de 230 km em condições precárias de tráfego. O asfalto avança a passos de tartaruga. Enquanto no Norte e Nordeste o problema é falta de asfalto, no Sul e Sudeste do Brasil é o pedágio que aperta as margens do campo. Para ganhar competitividade nos tempos em que a bússola da safra aponta cada vez mais para o Norte, os portos do corredor Santos-Sul investem pesado em agilidade e não se mostram preocupados com a concorrência. Pelo contrário, em país de logística deficitária, o lema é “quanto mais porto, melhor”. Outros deBruno Blecher talhes do cotidiano das equipes podem ser conferidos Diretor de Redação bblecher@edglobo.com.br no novo site do projeto ( www.caminhosdasafra.com.br)


Realização:

Patrocínio:

SUMÁRIO 6

ROTEIROS 2015 Nossos repórteres percorreram mais de 10 mil quilômetros para conferir os avanços e os gargalos nas rotas que levam a nove dos principais portos graneleiros do Brasil

8

CUIABÁ (MT) ITACOATIARA (AM) Com investimentos de R$ 163 milhões em portos, hidrovia do Madeira terá expansão de 40% no transporte de grãos

12

CUIABÁ (MT) SANTARÉM (PA) No Corredor Norte, empresas aceleram investimentos em terminais no Pará, enquanto obras ao longo da BR-163 ainda caminham a passos lentos

18

PALMAS (TO) SÃO LUÍS (MA) Investimentos acima de R$ 2 bilhões impulsionam o Matopiba, com novos terminais no porto e no campo

22

CAMPO GRANDE (MS) RIO GRANDE (RS) Concorrência gradativa com os terminais do Arco Norte leva corredor Santos-Sul a investir na modernização


ESPECIAL

ROTEIROS 2015

A jornada de 10 mil km O projeto voltou à estrada este ano com viagens inéditas para elaborar diagnóstico do escoamento da safra de grãos

G

Texto Cassiano Ribeiro

lobo Rural embarcou em maio em mais uma edição do Caminhos da Safra, projeto que completou quatro anos, percorrendo as principais rotas de escoamento da produção agrícola no Brasil. A bordo de um Scania R-620 Streamline, as equipes viajaram por quatro meses, somando 10 mil quilômetros. Neste ano, o projeto teve dois roteiros inéditos. O

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primeiro, que deu a largada à edição, começou em Cuiabá (MT) e terminou em Porto Velho (RO). O objetivo foi conferir as condições do transporte de cargas da região oeste mato-grossense, que abastece um porto privado em Rondônia. O percurso pelo asfalto ultrapassa 1.000 quilômetros. Depois, os grãos deixam os caminhões para ser embarcados em balsas. O comboio de barcaças, então, desce o Rio Madeira até Itacoatiara, no Amazonas, onde finalmen-


Realização:

te há o carregamento para navios de grande porte. Outro roteiro inédito percorreu a rota dos grãos plantados numa região colonizada pelos gaúchos, no nordeste brasileiro, até o porto de São Luís (MA), que começa a dar ritmo às exportações no recéminaugurado Terminal de Grãos do Maranhão (Tegram) neste semestre. No Centro-Oeste, Caminhos da Safra refez a rota de escoamento entre Mato Grosso e o Pará, com uma parada em Itaituba, para conferir o andamento das obras de construção das novas estações de transbordo das cargas que viajam pelo Rio Tapajós até Santarém (PA), onde também há a ampliação do

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porto da americana Cargill, que opera no local. Além disso, a equipe constatou que continua lenta a a pavimentação da BR-163, principal eixo por onde corre a produção do maior Estado agrícola do país, entre o norte de Mato Grosso e Santarém. O Sul também estava no mapa do projeto. Partindo de Dourados, um dos principais polos de produção de grãos de Mato Grosso do Sul, a equipe seguiu em direção aos portos de Paranaguá (PR), São Francisco do Sul (SC) e Rio Grande (RS). Em pauta, as variáveis logísticas que determinam o envio de cargas para os três terminais e o que cada um deles tem de diferencial a oferecer aos exportadores.

Rotas de 2015 1 MAIO CUIABÁ (MT)-ITACOATIARA (AM) Pela primeira vez, a equipe percorreu a rota da soja do oeste de Mato Grosso, exportada pela Amazônia. Em Porto Velho, uma nova estrutura de embarque está sendo inaugurada este ano e promete ampliar as exportações de grãos pelos terminais de Itacoatiara (AM), Santarém e Belém (PA). AC

3 JULHO RR AP Itacoatiara

Miritituba

MA

PA

CE

Porto Velho

PE AL SE CASSIANO RIBEIRO E MARCELO CURIA

Palmas

TO Serra do Quilombo

Sapezal

RODRIGO VARGAS E EMILIANO CAPOZOLI

2 JUNHO CUIABÁ (MT)-SANTARÉM (PA) A partir do Médio-norte, principal região produtora de Mato Grosso, conferimos o andamento das obras das novas estações de transbordo de cargas em Itaituba (rodovia para hidrovia) e a ampliação no porto de Santarém, no Pará

MT

RN

PB

PI

RO

© ERNESTO DE SOUZA/ED. GLOBO

Itaqui

Santarém

AM

Palmas (TO) - SÃO LUÍS (MA) Novo roteiro acompanhou a soja colhida na região colonizada por gaúchos, no Piauí, que é exportada via porto de São Luís, no Maranhão. Terminal está inaugurando nova estrutura para embarques de grãos

BA

Cuiabá

GO

4

DF

AGOSTO MG

MS

ES

Campo Grande

RJ

SP Santos

PR

Paranaguá

SC

São Francisco do Sul

DOURADOS (MS) - PARANAGUÁ (PR), SÃO FRANCISCO DO SUL (SC) E RIO GRANDE (RS) Em quatro paradas, a equipe checou o escoamento dos grãos do Centro-Oeste em cada porto do Sul e mostrar os novos investimentos que estão sendo feitos na região

RS Rio Grande RAPHAEL SALOMÃO E EMILIANO CAPOZOLI

RODRIGO VARGAS E MARCELO CURIA

CAMINHOS DA SAFRA 2015 | GLOBO RURAL 7


ESPECIAL CUIABÁ (MT)

ITACOATIARA (AM)

Rota das águas Com investimentos de R$ 163 milhões em portos, hidrovia do Madeira terá expansão de 40% no transporte de grãos Texto Rodrigo Vargas * Fotos Emiliano Capozoli

Comboio de barcaças viaja três dias pela Amazônia

À

s 4 horas da tarde de uma terçafeira, o capitão Paulo Fernandes, com mais de 46 anos de experiência em navegação pela Amazônia, inicia os preparativos para mais uma viagem. Sob sua responsabilidade, o comando do empurrador Jaime Ribeiro, com 5.000 cavalos-vapor de potência. Assim que a chuva para, o comandante emite um alerta. A tripulação se posiciona, e logo se ouve o ronco dos motores em ignição. Marinheiros de primeira viagem, decidimos embarcar em Porto Velho (RO) com o ca-

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pitão, sua equipe e um comboio de 20 barcaças para uma travessia pelas águas da maior floresta tropical do planeta. A missão: levar 40.000 toneladas de soja para forrar os porões de um navio atracado em Itacoatiara (AM), a mais de 1.000 quilômetros dali. O transporte fluvial de grãos pela calha dos rios Madeira e Amazonas leva três dias. Apesar de complexa, por exigir profundo conhecimento do ecossistema local, a operação tem se intensificado. Investimentos privados em armazenamento e embarque à beira dos rios alavancam a exportação de commodities por essa rota, que no ano passado escoou 3,5


milhões de toneladas de soja e milho para o exterior. Até o ano que vem, o volume será 43% maior, segundo os operadores. Um incremento de 1,5 milhão de toneladas. Em Porto Velho, um novo terminal de transbordo de cargas está sendo inaugurado nesta safra. A estrutura, que custou R$ 120 milhões, erguida na localidade de Portochuelo – a 18 quilômetros do porto atual –, tem quatro tombadores para caminhões de grande porte e capacidade de estocar 80.000 toneladas. A Hermasa, empresa que administra o porto, espera ganhar eficiência e encher os comboios de 20 barcaças em dez horas. “Neste ano, vamos embarcar 1 milhão de toneladas só na nova estrutura”, diz Hermenegildo Alves Pereira, gerente da Hermasa. No terminal de Itacoatiara, no coração da Amazônia, a estrutura também vem sendo preparada para atender ao aumento da demanda. Um guindaste flutuante gigantesco acaba de ser instalado. A tecnologia importada é inédita no Brasil e agiliza o carregamento nos navios, pois não há a necessidade de depositar os grãos nos armazéns para depois transportar por meio de correias até os porões. Com um imenso agarrador na ponta do braço de ferro, o guindaste fica posicionado entre as duas embarcações. Ele cata a carga das barcaças e despeja os grãos diretamente nos navios. “Essa tecnologia é muito usada na hidrovia do Mississippi, nos Estados Unidos. Com ela, vamos dobrar a velocidade da operação aqui no terminal”, conta Daniel Mulatti, gerente do terminal. De todo o volume que chega a Itacoatiara, 22% ainda seguem até o Porto de Santarém (PA) para realizar a mesma manobra de transbordo das barcaças para os navios.

Chegando a Porto Velho, um complicador é o acesso ao porto público, que é feito por uma avenida que atravessa a área urbana da capital. Outra dificuldade é a própria área do porto, antiga e acanhada, que é compartilhada por diversas outras empresas de navegação. O tempo médio para um caminhão concluir a descarga varia entre cinco e dez horas, em média. Com dois tombadores e estrutura de armazenagem para 40.000 toneladas, a Amaggi é a única empresa a operar com grãos no terminal. A Cargill, que também transporta grãos pelo Madeira desde 2002, tem uma estrutura em área própria, fora do porto público. Na hidrovia propriamente dita, também há limitantes. Os grandes comboios de 40.000 toneladas só podem ser conduzidos rio abaixo nos períodos de cheia, de dezembro a maio. “No pico da seca, em setembro, temos de reduzir os comboios e a carga das barcaças. De 40.000 toneladas, passamos a navegar com apenas 9.000”, explica o gerente da Hermasa em Porto Velho. Com 18 anos, a hidrovia do Rio Madeira transporta 10% da soja e quase 15% do milho produzidos em Mato Grosso. Sonho de muitos, o escoamento de grãos pelo Rio Madeira tornou-se realidade a partir de uma PPP

Paulo Fernandes, capitão da embarcação que “empurra” soja pela rota do Rio Madeira

Longo percurso

O trajeto dos grãos exportados pela Amazônia é longo. Das lavouras até o navio, gastam-se de sete a oito dias. Uma série de variáveis interfere no cronograma dessa viagem. A principal delas é o trecho rodoviário de 1.000 quilômetros entre Mato Grosso e Rondônia pela perigosa BR-364. Com a restrição ao tráfego noturno para caminhões de nove eixos, o tempo médio da viagem, que era de 18 horas, hoje é de pelo menos dois dias. Ainda é preciso vencer uma sucessão de buracos e valetas em vários pontos da estrada.

CAMINHOS DA SAFRA 2015 | GLOBO RURAL 9


ESPECIAL

A ALTERNATIVA PELO MADEIRA IMPULSIONOU O PLANTIO DE GRÃOS NO OESTE DE MATO GROSSO TRAJETO PERCORRIDO

foram pouco mais de 300.000 toneladas. “Eram duas balsas por vez. Depois, passamos para quatro, seis. Hoje, a gente vê esse comboio com 20 balsas e quase não acredita. Parece um sonho”, relata o capitão Fernandes, o mais experiente da Hermasa.

Impacto no campo

(parceria público-privada) firmada em 1995 entre o Grupo André Maggi e o governo do Amazonas. A ideia havia surgido seis anos antes, como conta o senador Blairo Maggi (PR), um dos acionistas do grupo. “Quando nos instalamos na região oeste, onde hoje é Sapezal, já sabíamos que mandar a produção ao Sul era brigar com a lógica. Foi quando soubemos que haveria um encontro para discutir uma hidrovia no Madeira”, relata. O ano era 1989. A ideia ganhou corpo em 1994, quando o Grupo André Maggi assinou um protocolo de intenções com o governo do Amazonas. “Criamos a Hermasa, com participação societária do governo do Amazonas, e o projeto começou a andar.” Inaugurada em 12 de abril de 1997, a hidrovia começou a operar de forma modesta. No primeiro ano,

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Para municípios como Sapezal (no oeste matogrossense), hoje um dos maiores produtores de grãos do país, a alternativa de escoamento foi o impulso que faltava, pois deixaram de depender dos portos de Santos (SP) e Paranaguá (PR). Pudera: a região oeste viu encurtar em 5.000 quilômetros sua distância até o Porto de Rotterdam, na Holanda. Com 1,1 milhão de hectares plantados na safra 2014/2015, a região oeste de Mato Grosso colheu mais de 3,5 milhões de toneladas de soja, segundo estimativa do Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (Imea). Nos últimos cinco anos, o volume produzido cresceu 24,9%, atingindo mais de 12% do total produzido no Estado. Nem sempre foi assim. Quando chegou à região onde hoje está o município de Campo Novo do Parecis (a 400 quilômetros de Cuiabá), em 1983, o agricultor paranaense Júnior Utida, de 55 anos, encontrou um cenário em que praticamente tudo estava por fazer. “Era um vazio em termos de estrutura, mas com terras planas, agricultáveis e com grande potencial”, lembra.

“Imaginávamos uma maneira de evitar Paranaguá (PR), a 2.400 km” Junior Utida, produtor rural de Campo Novo do Parecis (MT)


No final da década de 1990, quando a discussão sobre o aproveitamento do Madeira começou a florescer, Utida já plantava 1.100 hectares, sendo 400 hectares com soja. “Todos imaginávamos uma maneira de evitar Paranaguá (PR), que fica a 2.400 quilômetros daqui, por rodovia”, lembra Utida. Quando se tornou realidade, a hidrovia representou uma economia de até US$ 30 por tonelada, em média. Uma diferença que, na opinião de Blairo, “sustentou” a consolidação da agricultura na região. A influência não se restringiu a Mato Grosso. A região de Vilhena (RO), que já tinha visto fracassar uma experiência com o plantio de soja no início da década de 1980, em razão da logística deficiente, voltou a receber investimentos na cultura. Catarinense de Ibirama, o empresário Jaime Bagattoli, de 55 anos, já era um grande pecuarista quando decidiu, há 15 anos, investir na produção de grãos para exportação. Hoje, planta mais de 6.000

“Sem a hidrovia, ficaria muito caro plantar soja na região” Jaime Bagattoli, produtor rural de Sapezal (MT)

hectares (soja e milho) e sua produção é 100% escoada pelo Madeira. “Sem a hidrovia, ficaria muito caro plantar soja nesta região.”

Custos

Gerente da Hermasa, Daniel Mulatti, e o novo guindaste em Itacoatiara (AM)

Nenhuma das trades que transportam grãos pelo Madeira revela o custo por tonelada do trecho hidroviário. Trata-se, segundo a Amaggi, de uma informação “estratégica e, por isso, reservada”. Quando se considera apenas o trecho rodoviário entre a região oeste de Mato Grosso e os principais destinos graneleiros do país, a vantagem é inegável. De Campo Novo do Parecis, por exemplo, a opção por Porto Velho representa 42% de economia em relação a Santos e 39% quando se considera a opção por Paranaguá, segundo cálculos do Imea. Muitos produtores da região, porém, se queixam de que a alternativa pelo Norte resultou em ganhos inferiores ao prometido no início. A maior parte da diferença no frete, diz o produtor Diego Dalmaso, de 27 anos, “fica do lado de fora da porteira”. “A hidrovia é importante, sim, mas nunca rendeu aos produtores aquilo que se imaginava”, afirma ele, que cultiva 1.300 hectares com soja e milho em Sapezal. Para Pablo Tenroller, produtor do município, a chave para tornar mais vantajosa a rota por Porto Velho é a concorrência. “Precisamos da ferrovia, de consórcios de produtores, alternativas que permitam que a economia prometida fique em nosso bolso”, diz.

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ESPECIAL CUIABÁ (MT)

SANTARÉM (PA)

Rumo ao Corredor Norte

Empresas aceleram investimentos em terminais no Pará, enquanto obras na BR-163 ainda caminham a passos lentos Texto Raphael Salomão * Fotos Emiliano Capozoli


A

voadeira atravessa rápido o Rio Tapajós, onde, às margens, estão atracadas embarcações à espera de passageiros e crianças que se divertem mergulhando nas águas. O pequeno barco impulsionado por um motor de popa é um dos meios de transporte entre o distrito de Miritituba e a sede administrativa de Itaituba, no oeste do Pará. Passando de um lado para outro, é possível ver a materialização de investimentos milionários à beira do rio: grandes estruturas, silos, terminais flutuantes e barcaças, com a finalidade de transportar milhões de toneladas de grãos. Itaituba foi um dos principais pontos de parada do projeto Caminhos da Safra, que percorreu em sua segunda etapa quase 2.000 quilômetros partindo de Cuiabá (MT). Com a viabilidade do escoamento da produção agrícola pela hidrovia do Tapajós, o município, localizado a cerca de 1.000 quilômetros da divisa com Mato Grosso, está se transformando em um importante polo logístico do agronegócio, resultado da ampliação da capacidade de embarque de grãos, em especial, a soja produzida no médio-norte matogrossense, região mais produtiva do Brasil. As mudanças são significativas para a região, que, nas décadas de 1980 e 1990, tinha o garimpo como atividade principal. A própria prefeitura informa em seu site que “a demanda do município está em fase de crescimento por conta da implantação de portos graneleiros.” A população cresceu 34% nos últimos cinco anos: de pouco mais de 97 mil, em 2010, para os atuais 130 mil habitantes. As obras estão em ritmo acelerado. Em outubro deste ano, a Companhia Norte de Navegações e Portos (Cianport), com 60% de capital da Agrosoja e 40% da Fiagril, duas empresas mato-grossenses, deve iniciar as operações em seu terminal, em Miritituba. A expectativa é movimentar pelo menos 1.500 toneladas de soja e milho por dia. A área de pesagem e classificação está planejada para receber duas carretas por vez, explica o gerente da Cianport em Miritituba, José Adenilson do Nascimento. A partir de dois tombadores, a carga irá para uma moega e será distribuída entre cinco silos, com capacidade para 16.000 toneladas cada. Por baixo, 180

metros de túnel conduzirão os grãos até o carregamento nas barcaças. Como os silos não estarão prontos até outubro, na primeira fase a operação será parcial. “A temporada de chuva forte já passou e não tivemos problemas com as obras. Neste início, vamos levar os grãos do caminhão às barcaças”, diz. Ele acrescenta que, nesta etapa, serão usados comboios de nove barcaças (25.200 toneladas). A operação em plena capacidade deve começar em abril de 2016. Segundo o gerente, serão dois comboios de nove e outros dois de 12 (33.600 toneladas cada). A mercadoria navegará por 820 quilômetros de hidrovia até o Porto de Santana (AP), onde estão três silos, com capacidade para 19.000 toneladas cada. Também em Santana está prevista a construção de um terminal de uso privativo (TUP), que deve ficar pronto em 2018. Em plena operação, a capacidade será de 3,8 milhões de toneladas anuais. Deve ser instalada ainda uma processadora de óleo, farelo de soja e biodiesel. Outro investidor, a Hidrovias do Brasil (HBSA)

TRAJETO PERCORRIDO

Rotas de transporte das empresas até os portos Por caminhão Por barcaça

Cianport

Início: outubro 2015 (parcial) abril 2016 (capacidade total) BR-163 até Miritituba/Itaituba Santana (AP)

Hidrovias do Brasil

Início: 2016 BR-163 até Miritituba/Itaituba Porto de Vila do Conde (PA)

Bunge

Em operação BR-163 até Miritituba/Itaituba Terfron/Barcarena (PA)

Cargill

Em operação BR-163 até Santarém (PA) BR-364 até Porto Velho (RO) Porto Velho (RO) até Santarém (PA)

CAMINHOS DA SAFRA 2015 | GLOBO RURAL 13


ESPECIAL

EM SANTARÉM, OS NAVIOS RECEBEM AO MESMO TEMPO GRÃOS DO ARMAZÉM E DAS BARCAÇAS Embarques de soja de MT pelo PA (em mil t) Santarém Barcarena

352,8

343,4 273,7

147,3

173,5 175,6

195,8

2005 2006 2007 2008 2009 2010

251,8

2011

275,9

2012 2013

310,1 316,5

2014

Fonte: Imea/Secex

Diário de bordo Acompanhe o Caminhos da Safra em tempo real no site No mapa Confira o cronograma das obras na BR-163

caminhosdasafra.com.br

também está com obras. A empresa pretende operar, a partir de 2016, um complexo para movimentar cerca de 5 milhões de toneladas de grãos. O projeto prevê o transporte das cargas por 1.200 quilômetros pelos rios Tapajós e Amazonas. Em Miritituba, as obras começaram em julho de 2014, sete meses depois da obtenção da licença de instalação. No Terminal de Uso Privativo de Vila do Conde, as obras estão em andamento desde setembro de 2013. A Cargill também investe em um terminal. As obras começaram em dezembro de 2014 e a conclusão está prevista para julho de 2016. Orçado em R$ 156 milhões, o projeto prevê dois tombadores, uma moega e três silos com 18.000 toneladas cada, de onde os grãos serão carregados em barcaças. Quem já opera em Miritituba é a Bunge. A estrutura tem capacidade para armazenar até 80.000 toneladas e barcaças para transportar 2.000 toneladas. Do local, um comboio com 20 embarcações, que chega a levar cerca de 40.000 toneladas, viaja três dias até o Terminal Portuário Fronteira Norte (Terfron), em Barcarena, onde a carga é transferida para navios rumo à Ásia e à Europa. Segundo a multinacional, o investimento total foi de R$ 700 milhões. O complexo foi inaugurado em abril do ano passado. Até o fim deste ano, a meta é chegar a 4 milhões de toneladas anuais, o que tornaria Barcarena o segundo ponto de exportação da companhia.

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Em Santarém, a 370 quilômetros de Itaituba, o terminal operado pela Cargill desde 2003, em uma área arrendada do porto administrado pela Companhia de Docas do Pará (CDP), passa por ampliação. No local, por ano, cerca de 2 milhões de toneladas de soja e milho são descarregados de barcaças e carretas e transferidos para navios – operação feita durante 24 horas – com destino à América Central, Ásia e Europa. Do total, 5% são produção local. Os outros 95% são de Mato Grosso, parte transportada por hidrovia, de Porto Velho (RO), e parte por rodovia, pela BR-163. “Do que vem de Mato Grosso, a proporção é de 60% por barcaças e de 40% por caminhão”, explica o gerente-geral da Cargill em Santarém, Ronaldo Donath.

À prova de chuva

O orçamento previsto para a ampliação da capacidade do local é de R$ 240 milhões. As obras começaram em julho de 2014 e a expectativa é que terminem até novembro deste ano. A primeira fase já está completa. O cais flutuante, coberto, permite a movimentação de grãos mesmo em dias chuvosos. Os equipamentos de carga e descarga foram ampliados para possibilitar o carregamento dos navios a partir dos armazéns e das barcaças, simultaneamente. As instalações entraram em operação em março. “Ainda não está à plena carga porque há uma etapa de ajuste dos equipamentos, mas estamos de acordo com o planejado”, explica o gerente das obras, Giovani Menoci.

“A tendência de uso do Corredor Norte é crescente” Edeon Vaz, diretor executivo do Movimento Pró-Logística


A segunda fase prevê três silos com capacidade para 18.000 toneladas cada um, além da reestruturação da área de acesso dos caminhões, balanças e classificação. Essa parte deve estar pronta até agosto e vai se somar ao armazém, que comporta até 60.000 toneladas. A etapa final é a integração das estruturas e o acréscimo gradativo nos volumes movimentados em Santarém. O objetivo é chegar a 5 milhões de toneladas de grãos anuais até 2019, quando todo o sistema Miritituba-Santarém estiver operando à máxima capacidade. Nas contas de Donath, serão 2 milhões de toneladas de Porto Velho, mais 2 milhões de Miritituba e 1 milhão de produção local e transportado por rodovia.

Difícil é chegar

“A tendência de uso do Corredor Norte é crescente”, afirma Edeon Vaz, do Movimento Pró-Logística. No entanto, enquanto as obras nos terminais do Pará estão aceleradas, a pavimentação da BR-163, prin-

“Chuva forte passou e não tivemos problemas na obra” José Adenilson do Nascimento, gerente da Cianport em Miritituba (PA)

cipal eixo rodoviário de acesso a essas estruturas, caminha a passos de tartaruga. Houve melhora em alguns pontos, mas ainda há trechos de estradas de terra esburacadas e mal conservadas a ser superados pelas carretas na BR-163 e na Transamazônica, em parte percorrida no caminho até Santarém (PA). No período da viagem, poucas frentes de trabalho foram vistas pela reportagem, embora sobrassem avisos sobre homens e máquinas na pista. A Superintendência do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes no Pará (Dnit/PA) justifica no clima o ritmo lento das obras. De acordo com o órgão, de novembro a meados de maio, período chamado de “inverno amazônico”, chuvas mais fortes limitam o trabalho, que deve ficar mais intenso ainda em junho. A depender do clima, leva até dois meses, conforme o Dnit. Mesmo com o lento avanço do asfalto pela BR-163 em direção ao norte, Mato Grosso tem usado cada vez mais as novas opções para exportar grãos, embora a maior parte ainda rume para o Sul e o Sudeste, segundo o Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (veja o gráfico na pág. 46). Apesar das dificuldades, a rentabilidade justifica a opção pela rodovia. De acordo com o Movimento Pró-Logística, a redução de custos chega a 34% quando se compara a rota combinada por rodovia e hidrovia de Sorriso (MT) até Barcarena, por exemplo, com o trajeto rodoviário de Sorriso a Paranaguá (PR), atualmente em torno de R$ 240 por tonelada.

Acima, terminal da Cargill em Santarém (PA), que está sendo ampliado. O caminho até o local ainda tem trechos de terra pela BR-163 e pela Rodovia Transamazônica

CAMINHOS DA SAFRA 2015 | GLOBO RURAL 15


ESPECIAL

Mapa da logística Os investimentos privados impulsionam o transporte por hidrovia e a exportação de soja e milho pelos terminais portuários do chamado Arco Norte

Itacoatiara 2,4 2,4

Embarques de soja (milhões de t) Norte e Nordeste

Sul e Sudeste 64,02

54,47

49,97

8,46

11,40

7,71 53,81

45,97

2011/2012

61,96

9,83

49,14

42,22

2012/2013

2013/2014

2014/2015

Milhões de toneladas (2012/2013)

Embarques de milho

Modal de chegada da soja no porto

(milhões de t) Norte e Nordeste

Sul e Sudeste

26,42 1,72

23,53

8,50

Exportaçãode grãos por porto

2,76

Rodovia Ferrovia

20,62 2,54

24,68 20,65 18,06 0,64 7,84 2011/2012 2012/2013 2013/2014 2014/2015

Hidrovia Total Amazéns Fonte: Embrapa e Mapa

Dados consideram ano-safra (julho-junho) Fonte: Secretaria de Comércio Exterior (Secex)

16 GLOBO RURAL | CAMINHOS DA SAFRA 2015

Santarém 1,2 1,2


Produção e capacidade de armazenagem de grãos Mil toneladas (2014/2015)

Produção

Capacidade de armazenagem

Fonte: Conab

51.202 32.596

38.147

28.699

Mato Grosso

32.566

30.386

Rio Grande do Sul

Paraná

São Luis 3,1 0,5 2,6

19.391

12.779

9.352

16.489

8.343

Mato Grosso do Sul

Goiás

4.477

11.718

Minas Gerais

Bahia 8.085

Salvador 2,7 2,7

São Paulo

Santa Catarina

Tocantins

Maranhão

Vitória 5,5

5,5

11.753

7.272

Santos 7,6

15,8

23,4

3.138

17,8

4,3

Pará

2.444

Rondônia

1.044

Sergipe

1.523

1.902 869

4.139

4.218

1.642

5.120

Piauí

Paranaguá 13,5

6.505

734

928 3

Itajaí 2,6

3,5

6,1

Distrito Federal

Rio Grande 1,1 4,1

1,4

Alagoas 62 551

730

6,6

Espírito Santo 39

1.522

175 148

245 385

482

Amazonas 37 348

Pernambuco

Roraima

Ceará

Paraíba 30 100

109

150

29

869

Rio Grande do Norte 64

20

Rio de Janeiro 12 215

Acre

Amapá 5 6

CAMINHOS DA SAFRA 2015 | GLOBO RURAL 17


ESPECIAL PALMAS (TO)

SÃO LUÍS (MA)

Terminal ferroviário da Agrex, em Porto Nacional (TO), inaugurado em fevereiro deste ano

Logística nos trilhos Investimentos acima de R$ 2 bilhões impulsionam o Matopiba, com novos terminais no porto e no campo Texto Cassiano Ribeiro * Fotos Marcelo Curia


N

o norte e nordeste do Brasil nunca se ouviram tanto as buzinas de trem como nos últimos meses. Mais que um mero alerta sobre a passagem de um comboio de vagões, é o sinal de que a logística inteligente começa de fato a entrar em operação na última fronteira agrícola do país, conhecida como Matopiba, sigla que abrange Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Durante 12 dias, a reportagem do Caminhos da Safra percorreu mais de 2.300 quilômetros pela região e constatou que o nascimento do Terminal de Grãos do Maranhão (Tegram), em São Luís, inaugurado em março, dá sustentação a investimentos na Ferrovia Norte-Sul, além de impulsionar as atividades no campo e transformar, ainda que a passos lentos, a economia de municípios nordestinos. Da capital maranhense ao interior dos cinco Estados, mais de R$ 2 bilhões estão sendo injetados pela iniciativa privada. Novo “minério” do Nordeste, a soja é o principal ativo que dá lastro aos empreendimentos. O consórcio Tegram, formado por quatro empresas – Glencore, NovaAgri, Consórcio Crescimento (Amaggi e Dreyfus) e CGG Trading –, investiu R$ 600 milhões em uma estrutura gigantesca, que inclui quatro armazéns, cada um com capacidade para guardar 125.000 toneladas. Passada a fase de ajustes da estrutrura, o terminal privado movimentará 5 milhões de toneladas. Os sócios ainda avaliam onde vão aportar outros R$ 400 milhões, que serão aplicados nas regiões produtoras do Matopiba, a maior parte na construção de estruturas para recebimento de grãos. Em cinco meses de atividade, o Tegram já despachou mais de 1 milhão de toneladas de soja. A China é o principal destino. O balanço da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) mostra que as exportações pelo porto de São Luís mais que dobraram no primeiro semestre, superando a marca de 2 milhões de toneladas. A empresa VLI também embarca soja em um terminal próprio, com capacidade para 4 milhões de toneladas. “No ritmo que estamos, vamos superar facilmente a meta estipulada para 2015, que é movimentar 2 milhões de toneladas”, afirma o porta-voz do Tegram, Luiz Claudio Santos. Segundo ele, entre 70% e 80% do volume total de grãos chegará ao porto de trem gradativamente. Dois novos terminais de transbordo de cargas, de

caminhões para os trilhos, estão em construção à beira da estrada de ferro no Tocantins: um no município de Porto Nacional e outro em Palmeirante. Ambos são da VLI, que executa um plano total de investimentos de R$ 1,4 bilhão. Em Palmeirante, onde já possui uma unidade, a empresa está tirando do papel a maior estrutura para armazenagem de grãos do Tocantins, com capacidade para estocar 90.000 toneladas, o equivalente a 2 mil caminhões bitrens carregados. Os novos terminais devem ficar prontos até a colheita da próxima safra. Com isso, serão ao todo nove complexos intermodais em atividade ao longo da Ferrovia Norte-Sul. As estruturas de transbordo “aproximam” a lavoura do porto, pois os caminhões rodam curtas distâncias até o embarque na ferrovia, que leva as cargas diretamente para São Luís. Além disso, cada vagão cheio tira, em média, três caminhões da rodovia. Onde já existe, o modal ganha eficiência e escala. A VLI está duplicando a movimentação sobre os trilhos em seu terminal de Palmeirante. “Em 2013, foram

TRAJETO PERCORRIDO

TERMINAIS RODOFERROVIÁRIOS Porto Nacional (TO)

Agrex: em operação Novo VLI: pronto em 2016

Palmeirante (TO) Rodovia percorrida Ferrovia Ferrovia (projeto)

VLI: em operação Novo VLI: pronto em 2016

Porto Franco (MA)

Bunge: em operação Cargill: em operação Multigrain: em operação Algar: em operação Agrex: em operação

CAMINHOS DA SAFRA 2015 | GLOBO RURAL 19


ESPECIAL

AS EXPORTAÇÕES POR SÃO LUÍS NÃO REDUZEM OS CUSTOS, MAS ELEVAM A LIQUIDEZ NO CAMPO Maior armazém do Tocantins, em Palmeirante; o catarinense João Paulo Neiverth, no Piauí

410.000 toneladas. No ano passado, 814.000 toneladas e, nos primeiros cinco meses deste ano, já movimentamos perto de 80% de todo o volume de 2014. Com o terminal 2, triplicaremos a capacidade de recebimento”, afirma Eduardo Calleia, da área de novos negócios da companhia. Segundo ele, havia competitividade no Norte, mas não capacidade portuária. Agora, já há quem conte até com um processo de agroindustrialização. “Temos o segundo maior rebanho bovino do Nordeste e não exportamos nada por aqui. Sabemos que em Balsas (MA) será construído um grande frigorífico de aves e estamos investindo R$ 10 milhões na melhoria da área de contêineres, que inclui instalação de tomadas e ampliação do pátio para atender a esse mercado ”, diz Ted Lago, presidente da Emap, que administra o porto público maranhense. A efetiva abertura das exportações de grãos por São Luís não reduz os custos de transporte para o setor produtivo, mas traz liquidez ao mercado. “A relação de ganho para o produtor rural não é direta. A vantagem é que hoje temos mais agentes comprando grãos. Antes da Norte-Sul, tínhamos Cargill e Bunge. Hoje, são no mínimo dez empresas”, afirma Ricardo Khouri, presidente da Cooperativa Agroindustrial do Tocantins (Coapa). Com mais opções para a venda, até uma segunda safra de milho começa

20 GLOBO RURAL | CAMINHOS DA SAFRA 2015

a ser realidade no Estado caçula da federação. “Três anos atrás, a produção na área da cooperativa girava entre 50 mil e 70 mil sacas de 60 quilos. No ano passado, foram produzidas 330 mil, ou 19.000 toneladas. Para este ano, esperamos 31.000 toneladas, ou 516 mil sacas”, projeta Khouri. Ele espera que na próxima temporada a área de produção da cooperativa cresça em torno de 8%, para 34.000 hectares.

Nova aposta

A disponibilidade de terras e o clima favorável na região fazem brilhar os olhos dos agricultores em busca de novas áreas. Apesar de a fase de maior migração já ter passado, não é difícil encontrar “novatos” no Matopiba. O catarinense João Paulo Neiverth vendeu 200 hectares no município de Caçador para comprar 1.200 hectares na Serra do Quilombo, ao sul do Piauí. Ele pagou o equivalente a 200 sacas de soja por hectare e, se fosse buscar por áreas novas, gastaria pelo menos metade para abrir e preparar o terreno para o cultivo. “Queríamos aumentar a área, mas lá em Santa Catarina não tem mais terra disponível. Rodamos por regiões de Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Bahia e decidimos pelo Piauí.” Ele, a esposa e uma filha recém-nascida estão se preparando para mudar de mala e cuia. O primeiro


plantio de soja será em novembro. Entre os aspectos que o mais novo sulista retirante levou em consideração na hora de escolher o local de trabalho e a moradia, além do clima favorável, estão a independência e a perspectiva de melhor comercialização da colheita. “O Sul está perto dos portos, mas o produtor depende totalmente das cooperativas. Aqui é possível ter uma relação mais próxima com as tradings e, agora, diretamente com o porto”, diz ele, em referência ao Tegram. O catarinense terá de enfrentar uma das piores infraestruturas para escoamento da produção. No Piauí, a logística depende da força, braços e bolsos dos agricultores. Um dos maiores gargalos da região é a condição da Transcerrado (PI-247), principal via de transporte usada para levar os grãos colhidos até o porto. Para percorrer 150 quilômetros nessa estrada, levam-se, em média, sete horas. Menos de 50 quilômetros dos 360 de extensão são de asfalto. Os agricultores recorrem aos tratores usados no plantio para desatolar os caminhões que empacam na lama após dias de chuva. “Neste ano, decidimos fazer o rateio para melhorar a estrada. Ao todo, estamos gastando R$ 1 milhão em 50 quilômetros”, conta Leivandro Fritzen, agricultor e presidente da Associação de Apoio, Pesquisa e Desenvolvimento da Serra do Quilombo (Aipeq). Isolada, a colheita do Piauí depende totalmente de rodovias. Do sul do Estado até São Luís (MA), são mais de 1.000 quilômetros. A maior parte dos grãos enviados para o porto

segue pela rota da perigosa BR-135. O aumento do fluxo de veículos pesados piora aos poucos as condições já nada boas da estrada. Há pouca ou nenhuma sinalização e somente um posto policial de fiscalização ativo, a 80 quilômetros da capital maranhense. Os próprios agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF) se mostram indignados com a situação e pedem atenção redobrada dos motoristas, que em alguns momentos precisam trafegar por uma pista imaginária e dirigir pelo meio das faixas de ida e volta. “Está aumentando o fluxo, os buracos e os tombamentos de carretas também”, disse Juliano Duarte Torres, enquanto recolhia soja de um caminhão tombado para alimentar seus porquinhos. O aumento na movimentação de caminhões fez nascer ainda um grande comércio à beira da rodovia. Em alguns trechos, são mais de 30 barraquinhas cobertas de palha, uma ao lado da outra. Da venda de castanhas ao milho assado, o comércio ajuda a complementar a renda local. “Até 2013, só tinha venda de castanha. Depois da soja, mudou tudo. É muita carreta. Para nós, melhorou 100%”,conta Raimunda Donata, do distrito de Peritoró. Ela acorda todo dia às 4 da madrugada para fazer e vender café aos motoristas que por ali passam. De copo em copo, consegue R$ 800, em média, por mês. Outros R$ 112 são complementados pelo Bolsa Família para um filho. Com a renda total, que fica perto de R$ 1.000 mensais, ela sustenta o marido, incapaz de trabalhar, o pai Raimundo, de 100 anos, e três filhos.

Cruzamento da Transcerrado, no Piauí; embarque de soja no Tegram, de São Luís (MA)

CAMINHOS DA SAFRA 2015 | GLOBO RURAL 21


ESPECIAL CAMPO GRANDE (MS)

Santos (SP): obras de ampliação do Tiplam

RIO GRANDE (RS)

Paranaguá (PR): novos carregadores

Cais para o futuro

Concorrência gradativa com os terminais do Arco Norte leva corredor Santos-Sul a investir na modernização Texto Rodrigo Vargas * Fotos Marcelo Curia

A

consolidação das exportações pelos terminais do Arco Norte coloca os portos de Santos e da Região Sul diante de algo que jamais enfrentaram em décadas: concorrência. Retração à vista? Não é o que pensam empresários, gestores e investidores locais. Segundo eles, a expansão da malha logística pelo país vai impulsionar a produção agrícola e também a demanda por novas e antigas rotas de escoamento. Além disso, permite aos terminais tradicionais apostar em novas soluções para agilizar cada vez mais seus embarques e conquistar maior credibilidade junto aos exportadores. Na última fase de viagens do projeto Caminhos da Safra neste ano, a reportagem de Globo Rural percorreu mais de 2.600 quilômetros, a partir de Campo Grande (MS), e visitou em sequência os portos de Santos (SP), Paranaguá (PR), São Francisco do Sul (SC) e Rio Grande (RS), o corredor Santos-Sul. Na viagem, a equipe testemunhou como o futuro

22 GLOBO RURAL | CAMINHOS DA SAFRA 2015

se materializa em investimentos bilionários, canteiros de obras e oferta de serviços especializados, como o transporte de grãos em contêineres, na região que ainda concentra a maior parte das exportações brasileiras. Em São Paulo, ao pé da Serra do Mar e na margem esquerda do Canal de Piaçaguera, no limite entre Santos e Cubatão, uma obra fervilha a todo vapor, com gente e máquinas pesadas a abrir buracos, fincar estacas e erguer peças de concreto pré-moldado. Em ritmo acelerado, um projeto de R$ 2,7 bilhões começa a ganhar a forma de armazéns, esteiras, trilhos, estruturas de carga e descarga, píer e berços para a atracação de navios. Trata-se da ampliação do Tiplam (Terminal Integrador Portuário Luiz Antonio Mesquita), maior investimento portuário privado em andamento no litoral paulista. Hoje especializado em fertilizantes, o porto se prepara para também escoar grãos e açúcar e será operado com uma lógica de integração de cargas, que manterá os caminhões a quilômetros de distân-


São Francisco do Sul (SC): estufagem de contêineres com grãos

cia. “O terminal será 100% integrado à ferrovia. Todas as descargas rodoviárias serão feitas em nossos terminais integradores no interior do país”, explica Rodolfo Schuh, especialista em desenvolvimento e implantação de grandes projetos da VLI, holding de logística responsável pelo investimento. O transporte será feito pela Ferrovia CentroAtlântica (FCA). Quando estiver concluído, estima a empresa, o novo complexo logístico irá retirar cerca de 1.500 caminhões por dia das rodovias brasileiras. O objetivo é ampliar em seis vezes a atual movimentação do Tiplam e atingir 15 milhões de toneladas anuais – sendo 5,5 milhões de toneladas de grãos e 4,5 milhões de toneladas de açúcar. “O propósito é buscar eficiência e ampliar a capacidade”, diz o diretor comercial da companhia, Fabiano Lorenzi. O terminal deve estrear as operações a partir do primeiro trimestre de 2017. Entre as obras em andamento estão um novo píer, quatro armazéns, com capacidade para 83.000 toneladas cada, e duas linhas de descarregamento de vagões com quatro moegas – cada uma com capacidade para receber até 3.000 toneladas por hora. Os três berços de atracação terão dois carregadores em linha, que permitirão atender até dois navios ao mesmo tempo. “O projeto foi desenvolvido para, futuramente, contemplar até os navios do tipo Post-Panamax, com capacidade para 90.000 toneladas. Só dependeria de adequações no calado. Mas toda a estrutura já estará pronta para isso”, aponta. No Paraná, o Porto de Paranaguá, responsável pelo escoamento de 21% da soja em grão e de 42% do fa-

Rio Grande (RS): ampliação do cais do porto

relo do país no ano passado, teve um primeiro semestre marcado por recordes na movimentação e na produtividade nas operações de carga e descarga tanto de navios como de caminhões. Quatro novos shiploaders (robôs carregadores) foram comprados para substituir equipamentos que estavam em operação desde a década de 1970. Dois deles já estão funcionando, trazendo um incremento de 30% na velocidade da operação. Os dois restantes serão instalados nos próximos meses. O gerenciamento das cargas rodoviárias, que já era tido como modelo para os demais portos brasileiros, ganhou reforço com a implantação de um

TRAJETO PERCORRIDO (2.600km)

Rodovia percorrida

CAMINHOS DA SAFRA 2015 | GLOBO RURAL 23


ESPECIAL

A FERROVIA CENTRO-ATLÂNTICA VAI RETIRAR DAS ESTRADAS 1.500 CAMINHÕES POR DIA Soja que sai pelo corredor Santos-Sul Santos, Paranaguá, São Francisco do Sul e Rio Grande (em milhões de toneladas de grão, óleo e farelo de soja) Santos-Sul (% do total Brasil)

Total Brasil

26,1

2011

20,9 (80%) 2012

25,0 (80%) 2013

26,4 (81%)

31,5 32,5

2014

30,8 (79%) 2015

29,9 (74%)

39,0 40,3

Fonte: Secretaria de Comércio Exterior (Secex)

sistema mais robusto de controle eletrônico, a ampliação de pátios de triagem e a criação de filas segregadas por tipo de produto. E não para por aí. Em março, a Administração dos Portos de Paranaguá e Antonina (Appa) contratou uma nova dragagem que, com orçamento de R$ 394 milhões, irá ampliar para 16 metros a profundidade do canal principal e para 14 metros a chamada bacia de evolução – espaço para manobra e atracação de navios, hoje com 12 metros. O montante de investimentos privados, considerando apenas os projetos que obtiveram o licenciamento ambiental, soma quase R$ 1 bilhão. “O primeiro pensamento é que temos de atender melhor nosso cliente. Se conseguirmos isso, ele não irá embora de Paranaguá. Além disso, 75% do que movimentamos vêm do Paraná”, afirma o superintendente da Appa, Luiz Henrique Dividino. Em Santa Catarina, entre 2011 e 2014, as exportações de soja em grão pelo Porto de São Francisco do Sul cresceram 88%, atingindo quase 5 milhões de toneladas, que correspondem a 10% das vendas brasileiras. E o ritmo não parece diminuir. Nos próximos

24 GLOBO RURAL | CAMINHOS DA SAFRA 2015

anos, a conclusão de dois projetos de novos terminais promete colocar o litoral catarinense ainda mais na linha de frente das opções de logística no Brasil. O mais adiantado deles é o Terminal de Grãos de Santa Catarina (TGSC), investimento de R$ 500 milhões, capitaneado pela empresa LOGZ Logística Brasil. No início de julho, o projeto recebeu do governo federal a Declaração de Utilidade Pública, documento que faltava para o início das obras. Planejado para operações com soja, milho e farelo, o terminal será erguido junto ao Porto Público, na Baía da Babitonga, e terá capacidade para movimentar até 6 milhões de toneladas de grãos por ano. A empresa prevê que as obras comecem ainda neste ano e a previsão é de entrada em operação em 2018. Outro empreendimento em gestação é o do Terminal Graneleiro da Babitonga, iniciativa privada orçada em R$ 500 milhões e que recebeu recentemente o aval do governador catarinense, Raimundo Colombo. A estrutura, com área prevista de 600.000 hectares e capacidade para movimentar até 14 milhões de toneladas de grãos por ano, será construída em parceria entre o grupo argentino Nidera Sementes e a Al Khaleej Sugar, refinaria de açúcar com sede em Dubai, nos Emirados Árabes. “O novo terminal será capaz de virar a balança comercial catarinense, exportando mais que importando”, diz o secretário de Desenvolvimento Econômico Sustentável, Carlos Chiodini. O Rio Grande do Sul também vive um clima de renovação. Com quase 2.000 metros de extensão, o cais do Porto de Rio Grande está passando por uma

“O pensamento é que temos de atender melhor nosso cliente, para ele não ir embora” Luiz Henrique Dividino, superintendente dos portos de Paranaguá e Antonina (PR)


reforma geral. A ampliação dos primeiros 450 metros foi concluída no ano passado, com recursos do próprio porto. Até o final de 2015 devem ficar prontos mais 425 metros, custeados pelo governo federal. Essas obras serão complementadas pela dragagem de 18 milhões de metros cúbicos de sedimentos. O serviço prevê aprofundar o calado do canal de acesso de 16 para 18 metros. Com isso, o porto amplia a possibilidade para atrair navios maiores e mais cargas do oeste paranaense e de Mato Grosso do Sul. A expectativa é baixar o tempo médio de espera dos navios para atracação. Em 2015, é de 53,5 horas. Em 2014, a média ficou em 57,1 horas. “Melhorando a infraestrutura, ficamos em condições de reduzir os custos finais dos produtos que passam por aqui”, diz o engenheiro Darci Tartari, da diretoria técnica do porto.

Mais contêineres

Entre os diferenciais que os portos de Santos e os do Sul oferecem, um dos mais promissores é a exportação em contêineres. No ano passado, somente o TCP (Terminal de Contêineres de Paranaguá) embarcou o equivalente a 30 mil contêineres de soja rumo ao mercado externo. “A expectativa é dobrar essa movimentação em cinco anos, considerando soja, farelo e milho”, diz Alexandre Teixeira Pinto, diretor da empresa. Considerando um frete a partir do norte do Pa-

“Com uma divisão racional das cargas, a tendência é de ganho operacional em nossas rotas” Lucas Galvan, gestor técnico da Famasul (MS)

raná, é possível obter uma economia de até R$ 1,21 por tonelada com a operação, conforme o TCP. Uma das vantagens é que a movimentação não é interrompida em dias de chuva. “A chave é a confiabilidade, ou seja, ter data de embarque e de entrega, com rastreabilidade. Para determinados lotes de soja, como os que possuem quantidade maior de proteína, por exemplo, isso agrega muito valor”, explica Alexandre Teixeira Pinto. Para Paulo Bertinetti, presidente do Terminal de Contêineres (Tecon), do Porto de Rio Grande, a estufagem de grãos também é um bom negócio: “Em vez de voltarem vazios para a Ásia, os contêineres são alugados mais baratos para atender a clientes pequenos, de fora do eixo dos grandes importadores da Ásia e da Europa,”diz. Em 2013, o Tecon estufou 350 contêineres de soja e sorgo (10.000 toneladas) para compradores alternativos de Taiwan, Tailândia e Malásia. Outros 1.400 devem ser enchidos com trigo neste ano. Os investimentos logísticos no Sul e no Sudeste beneficiam o setor produtivo num raio que vai do Rio Grande do Sul a Mato Grosso do Sul. O Estado do Centro-Oeste deverá continuar concentrando os embarques em direção à região, diz Lucas Galvan, gestor técnico da Federação de Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Famasul). “Isso não significa que não seremos beneficiados com o Arco Norte. Somos grandes concorrentes pelo uso de Santos e Paranaguá. Com uma divisão mais racional das cargas, a tendência é de ganho operacional em nossas rotas, como o desafogamento das rodovias”, afirma Galvan. Somente 1% dos 2,4 milhões de toneladas de soja em grão exportadas pelos sul-mato-grossenses não saiu pelo Sul ou Sudeste; 40% foram para São Francisco do Sul; 38% para Paranaguá; e 21% via Porto de Santos. Colaborou Geraldo Hasse

Carregamento de soja em Paranaguá (PR); o Caminhos da Safra percorre a Rodovia Raposo Tavares

CAMINHOS DA SAFRA 2015 | GLOBO RURAL 25



especial SETEMBRO 2015 globorural.globo.com

DOCUMENTO

Novas rotas da safra brasileira

Em Santarém, no Pará, o terminal de grãos está sendo ampliado para exportar 5 milhões de toneladas de soja e milho. Nossa equipe percorreu 10 mil km para checar as condições de escoamento em nove portos do país

3 GLOBO RURAL | caminhos da safra 2014


especial SETEMBRO 2015 globorural.globo.com

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Novas rotas da safra brasileira

Em Santarém, no Pará, o terminal de grãos está sendo ampliado para exportar 5 milhões de toneladas de soja e milho. Nossa equipe percorreu 10 mil km para checar as condições de escoamento em nove portos do país

3 GLOBO RURAL | caminhos da safra 2014


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