Sophie & carter chelsea fine

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Sophie &

Carter


Enquanto os outros estudantes do terceiro ano estão sonhando com seus futuros, Sophie e Carter tentam apenas sobreviver dia após dia. Carter está cheio de problemas em casa enquanto tenta ajudar a mãe. Ao mesmo tempo, na porta ao lado, Sophie foi deixada com três crianças pela mãe problemática. Em meio a tanto sofrimento, eles formaram um vínculo silencioso de amizade. Mas então, começam a perceber que o que sentem um pelo outro poderia ser mais profundo do que amizade.


Para minha m達e maravilhosa, que sempre acreditou em mim.


Sophie Estou atrasada para a aula de Inglês. Isso não é incomum. Eu tenho uma tendência a ser enrolona1 no almoço. ‘Enrolona’ é uma palavra que minha mãe usa quando quer me chamar de preguiçosa. Nunca a uso em voz alta, mas estou sempre usando dentro da minha cabeça. Então, estou atrasada. Estou correndo pelos corredores (Bem, vamos ser honestos aqui. Eu não estou correndo. Estou caminhando. Calmamente. Inglês não me excita, portanto eu me recuso a me desmanchar em suor somente para chegar até lá) pensando em uma desculpa para o meu atraso, quando o vejo. Carter Jax. Ele faz meu coração parar e minha respiração ficar superficial. Me faz querer cantar. Eu sei, super brega, né? Mas, ahh, é a verdade. Ele não é o cara mais popular da escola. Nem é o mais quente de todos os tempos. Mas para mim, ele é tudo. Estou um pouco aborrecida comigo mesma por ter esses pensamentos, tão de menininha. Mas não posso parar. Ele agita meu mundo. Do original ‘doodle’, que são aqueles ‘rabiscos’ que fazemos distraidamente, referindo-se a alguém que se distrai com facilidade. 1


Você sabe como os pais sempre dizem coisas como: ‘Se todos os seus amigos pularem de um penhasco, você pularia também?’. Bem, se Carter pular de um penhasco, eu não somente pularia depois dele. Eu me jogaria morro abaixo, em um mergulho em direção a terra, para que eu pudesse alcançá-lo e então, seguraria sua mão enquanto despencamos para a morte. Sim. Eu sou uma psicopata. De qualquer forma, Carter está no corredor, olhando para mim com seu sorriso único e com uma sobrancelha levantada. Está vestindo uma calça jeans desbotada e uma camiseta azul, e parece estar saindo de um anúncio de revista. Ele realmente poderia estar facilmente em uma. Ombros largos, queixo quadrado, olhos profundos cinzentos... Tudo em sua aparência é perfeito. Tudo, exceto as cicatrizes. Sinto um aperto em meu coração e imediatamente redireciono meus pensamentos para algo mais feliz. Como canais radiculares. Nós caminhamos em direção um ao outro lentamente. Estamos só nós dois, sem outros estudantes por perto, o que é raro. Nós normalmente não corremos um para o outro na escola, pelo menos não até que estejamos sozinhos. E é assim que gostamos. Na escola, fingimos que não nos conhecemos. É um acordo subentendido que tivemos por anos. Mantém nossa vida na escola separada de nossas vidas em casa, o que nos impede de enlouquecer. A escola é nossa fuga. Quando estamos já perto um do outro, eu distraidamente começo a inalar, acolhendo o cheiro familiar do sabonete de Carter. Cheira como o oceano. Eu nunca vi o mar, muito menos o respirei, mas em minha mente, Carter cheira como o oceano. – Atrasada de novo? – Carter sorri – Qual é a sua desculpa de hoje, Sophie? Eu amo quando ele diz meu nome. E ele me conhece, então sabe que estou atrasada para Inglês.


– Estou pensando em colocar a culpa em algum defeito no banheiro das meninas – eu digo, colocando meu cabelo atrás da orelha. Pareço normal, porque sou muito boa em agir com normalidade perto de Carter. Ele sorri. E eu me derreto. A conversa continua. – Queria estar na sua aula de Inglês. Eu adoraria ver seu professor te dar a palestra sobre pontualidade dia após dia... – ele rola os olhos – ... Após dia. Coitado. Eu sorrio de volta, porque qualquer outra resposta (como pular em seus braços e beijá-lo) seria estúpida. – Sim, bem, a aula de Inglês é só para nós, os espertos. Você não deveria estar na aula agora também? Talvez a... ‘Como ser um Mulherengo 101’? Carter não é o cara mais popular da escola, mas tem um problema sério de arrogância. Eu odeio isso nele. Também amo isso nele. – Ah, você sabe que não preciso de aulas sobre as mulheres. Já sei tudo sobre elas. – dá um sorriso arrogante e eu estreito meus olhos para ele, contraindo meus lábios para evitar um sorriso. Ele não é arrogante em tudo, mas como eu disse, nós fingimos na escola. Nós somos completamente diferentes na escola. Nós somos crianças normais. – Sério? Finalmente descobriu todas as diferenças anatômicas entre os nossos sexos? Eu implico com ele, porque ele deixa. – Ah, você sabe muito bem que eu percebi isso anos atrás. Não, na verdade eu não ‘sei muito bem’. Mas tenho ouvidos e meus ouvidos sim, sabem muito bem. – Mulheres, – começa ele, estufando o peito para falar com autoridade – São simples. Basta elogiá-las e pensarão que você é incrível. Isto, eu sei de fato, que não é verdade. Porque Carter nunca me elogiou. E eu ainda o acho incrível. Eu sou uma idiota. Mas não me importo.


– E os homens, – eu rebato, me aproximando, porque sei que quando estamos na escola e eu me aproximo, ele sempre se mexe desconfortavelmente. – São fracos. Tudo o que nós temos que fazer é um beicinho nos lábios e bater os cílios, e eles farão tudo que pedirmos. Bato meus cílios para ele, mantendo meu olhar firme com o dele, mas não há mudanças em sua expressão. Eu o conheço muito bem. – Cuidado, Sophie. – Sua voz é tão baixa que eu posso senti-la em minha cintura – Continue dizendo coisas como essas e eu não vou mais acreditar que você é tão inocente quanto parece. Ele sabe tudo sobre mim, por isso suas palavras são vazias. Nós olhamos um para o outro sem nos mover. Nossas respirações são silenciosas e eu tenho certeza de que meu coração está ecoando para cima e para baixo no corredor. Não quero quebrar o nosso olhar, então eu não o faço. E nem Carter, o que está tudo bem por mim. Poderia ficar trancada em seu olhar de bom grado até morrer de fome. Vê? Psicopata. Estes raros encontros na escola, quando ninguém está por perto, nos possibilitam fingir que estamos em qualquer outra escola de colegial. Flertando pelos corredores, respirando um no outro... Como adolescentes normais. Mas na vida normal eu nunca me sinto uma adolescente e, é por isso que desejo que momentos assim nunca acabem. Um suspiro pesado surge no corredor, em nossa direção. – Vocês não podem ir para as aulas no tempo normal, como fazem todos os outros alunos, crianças? – É o nosso diretor, o Sr. Westley. Ele parece cansado, mas sabemos que não está zangado. Com ele tudo é sobre conversar. – Não. – Nós respondemos ao mesmo tempo em que nossa atenção é voltada para ele, então olhamos um para o outro de novo. Dizer coisas ao mesmo tempo não é novidade para a gente. O Sr. Westley suspira e balança a cabeça. – Certo. Ok, então. Vão para aula. Ele vai embora sem olhar para trás para ter certeza de que estamos mesmo indo para a aula. Mas nosso momento acabou, então estamos partindo. – Vejo você mais tarde? – Carter pergunta.


É o tom de sua voz, a esperança que eu ouço, que me quebra o coração e me completa, ao mesmo tempo. Eu pisco, porque não é anormal piscar para ele. – É claro. – respondo. Porque disso eu tenho certeza. Nós nunca fizemos sexo. Ou tivemos um amasso. Nem ao menos nos beijamos. Mas quando se trata de estar lá por ele e cegamente entregar meu coração para ele, então tenho certeza. E ele sabe disso. E ele é cuidadoso com ele. E é por isso que Carter Jax é o meu melhor amigo.


Carter Sophie e eu não voltamos da escola juntos. Nós nunca fizemos. Mas vivemos lado a lado em Penrose Street. Vizinhos, a porta depois da minha. Sophie normalmente anda 6 metros na minha frente durante o caminho para casa. Estou acostumado com isso e me sinto confortável. Nos dias em que ela fica em casa doente ou por qualquer outra coisa... Parece errado. Ando sozinho até minha casa e parece que não consigo chegar lá rápido o suficiente. Hoje ela está aqui, embora esteja andando na minha frente. Sem me reconhecer,

o

que

é

nosso

acordo

mútuo.

Agimos

como

se

não

nos

conhecêssemos na frente dos nossos amigos. Isso mantém as coisas simples. Mantém a realidade de fora. Enfio as mãos nos bolsos, meus olhos caindo sobre as rachaduras familiares da calçada debaixo de mim. O vento carrega os aromas do bairro até o meu nariz enquanto eu ando. Sujeira... Borracha... Grama... Até mesmo um pouco de lixo, encontram meu olfato, me lembrando de casa. Nós não vivemos na melhor parte da cidade, mas poderia ser pior. As casas são pequenas e tortas, mas as árvores são grandes e firmes. Carvalhos grandes esticam suas copas sob as goteiras e pinturas descascadas das casas abaixo, mantendo os segredos dentro e a luz solar fora. Não que a luz solar fosse ajudar em alguma coisa.


Ergo minha cabeça e observo a rua. Há muito tempo, o bairro provavelmente era muito bom... Antes de o asfalto rachar e levantar e dos postes ficarem pendurados em uma angulação perigosa. Tenho certeza de que em algum momento, Penrose Street provavelmente era um lugar ideal para passear com o cachorro ou fazer um churrasco. Porém, não mais. Os únicos cães do bairro são vadios e churrascos são coisas que eu só vi na televisão. Uma brisa flutua pelo ar suavemente, levantando o cabelo de Sophie dos seus ombros. Eu pego um vislumbre de seu perfil, de seu cabelo se movimentando e sorrio para mim mesmo. Sophie não tem ideia de como é atraente. Na escola, ela é fechada, dando pouca atenção para os adolescentes neandartais que disputam sua atenção. Não entendem por que ela é tão quieta e desinteressada. Eles não sabem nada sobre ela. Mas eu sei. Uma folha cai de um dos carvalhos e assenta contra o braço de Sophie antes de cair no chão. Meus olhos ficam nela enquanto chegamos perto de nossas casas. Eu gosto de vê-la andando - e não de uma forma sexual. Não me interpretem mal, ela tem uma bunda legal. Na verdade, ela tem... tudo legal. Mas tem algo no modo como ela anda... Como ela se mantém elevada, com a cabeça reta, como se soubesse onde está indo. É lindo. Eu a tenho observado andar a 6 metros na minha frente desde a terceira série. Quando se mudou para o lado da minha casa. Tínhamos nove anos, minha vida era um inferno e ela era nova. Ela era a razão pela qual eu ia para a escola. Ou me levantava pela manhã. Ou me mantinha respirando. A promessa de Sophie. Ela deixa cair um papel no chão mas não para. É para mim. É como ‘conversamos’ durante o caminho para casa. Mantenho o meu ritmo constante, mesmo querendo correr para pegar o papel que caiu, como um cão possessivo.


Meus pés finalmente chegam até onde está o papel e eu me curvo para pegálo, diminuindo o meu ritmo apenas ligeiramente. Abro a pequena nota dobrada. Está coberta de rostos sorridentes. Claro. Pare de olhar para minha bunda. Eu sorrio. Como eu disse, ela tem uma bunda realmente boa. Mas neste momento eu não estou olhando para ela. Ela sabe que não estou. Não. Eu estou olhando para seus dedos magros, embrulhados como ímãs em torno da alça de sua mochila. Os nós dos dedos estão brancos e seu antebraço está flexionado. Ela está tensa. Estamos quase em casa. Esta é a pior parte do dia - para nós dois. Enfio o bilhete no bolso e tomo uma respiração profunda. Estamos cada um em sua entrada agora. Sophie não olha para mim, nem diz adeus. Eu também não aceno e nem olho para ela. Porque este é o começo do fim dos nossos dias. Isso é, quando as coisas começam a dar errado. É por isso que ela me deixou uma nota. Porque ela sabe, e eu sei, que é preciso um pouco de leveza, antes de entrar em nossas casas após a escola. Lar. Eles não são realmente nossos lares. Mais como um lugar onde dormimos. Onde comemos - se tivermos sorte. Onde nós choramos e lutamos. Onde nós sangramos e quebramos. Onde nos acovardamos e gritamos. Onde nós desistimos. Onde nós suspiramos. Onde mal sobrevivemos. Eu sei disso porque as nossas casas são apenas a 6 metros de distância. A janela de seu quarto é em frente à minha. Sua janela da cozinha é de frente para a minha. Nós vemos tudo o que acontece ao outro. É terrível, intrusivo e embaraçoso. É também a razão pela qual Sophie Hartman é a minha melhor amiga.


Sophie Minha mãe é uma prostituta. Ela se chama de garota de programa ou de acompanhante, mas realmente é uma prostituta. Eu me ressinto dela. Não por causa de sua profissão. Na verdade, seu ‘trabalho’ tem mantido comida na nossa mesa e roupas em nossos armários por anos. Ela é linda e sexy. Tenho certeza de que é boa no que faz. Não, eu me ressinto com ela por que em algum momento ao longo dos anos, ela se tornou uma viciada em drogas. Tenho três irmãos mais novos. Acho que todos têm pais diferentes, embora ela jure que são todos filhos de um ‘cara muito legal’, chamado Amos. Amos é um nome idiota. Espero que ela esteja mentindo. De qualquer forma, esse cara, Amos, ele não está por perto, tipo, nunca esteve. Por isso é somente eu e os ‘Pequenos’ (como eu gosto de chamá-los). Minha mãe, em seu egoísmo induzido por drogas, raramente vem para casa. Às vezes eu duvido que ela se lembre de onde é sua casa. Os Pequenos nem mesmo perguntam mais onde ela está porque estão acostumados com ela sumindo de tempos em tempos. Tem sido assim por anos. Nós duramos o máximo possível sem dinheiro. Até que o senhorio ligue cobrando o aluguel e então eu tenho que ir atrás da minha mãe.


Eu ligo para o Pete, seu agente (vulgo: cafetão), quando preciso encontrá-la. Pete é um nojento - isso não é uma surpresa realmente - mas sempre me coloca em contato com minha mãe. Ela pega o telefone, começa a rir e a chorar, canta e diz que me ama e a todas as crianças, que está tão triste que esteve fora de casa por alguns dias (experimente alguns meses) e que ela vai estar em casa em breve (talvez no Natal?). Mordo minha língua durante a chamada, porque sei que são as drogas. Sei que no fundo, quando está sóbria, ela nos ama e se odeia por estar sendo tão egoísta. Eu a ouço e digo as coisas certas: Eu também te amo, nós sentimos sua falta também, sim, os Pequenos estão bem na escola e se lembram de você. Finalmente, antes de desligar, peço à minha mãe o dinheiro. Ela ficará toda emocional, se enchendo de culpa, prometendo a lua e as estrelas. Eu não quero o sistema solar. Quero comprar pão e evitar ser despejada. Vai demorar alguns dias, mas eventualmente o dinheiro vai aparecer na minha conta corrente. Vou pagar todas as contas e chorar até dormir, esperando que possamos passar por mais alguns meses sem a necessidade de mais dinheiro dela. Os Pequenos não sabem de nada disso. Acham que nossa mãe está sempre viajando a negócios. Estão acostumados a me considerar como a ‘mãe e pai’ fazendo o jantar, colocando-os para dormir, definindo regras da casa e cuidando deles quando estão doentes. Eu estou acostumada a isso também. Faz-me sentir seca por dentro. Porque sem uma mãe, não há ninguém para cuidar de mim. Exceto Carter. É por causa dele que consigo lidar com coisas como ensinar a usar o penico a uma criança de três anos, alfabetizar um de nove nove anos e dar tutorias a um de onze. Os Pequenos são maiores agora. Chloe tem 6, Abram tem 12 e Michael tem 14. Eu tenho 18, mas me sinto como se tivesse 40.


Agora que estamos todos na escola durante o dia, não tenho que me preocupar em pagar alguém para cuidar das crianças, o que é um grande alívio. E agora que estou com 18, legalmente uma adulta, posso responder por eles na escola se ficam doentes - ou no caso de Michael - quando se envolvem em uma briga (felizmente, o ano de calouro de Michael no ensino médio tem sido livre de incidentes). Ele não costumava ser tão fácil. Entro na casa e me certifico que minha mãe não está lá. Algumas vezes ao longo dos anos, ela voltou para casa de ‘surpresa’ e normalmente é um desastre. Eu tento evitar que desastres colidam com os Pequenos. Como marcas de agulhas nos braços da mamãe, ou seu namorado chamado Bubba que cheira a sangue e urina. É péssimo. Eu chego em casa 20 minutos antes do ônibus que trás os Pequenos. É a parte mais fácil do meu dia. Meus 20 minutos sendo uma adolescente normal em casa. Uma vez que eles chegam, eu sou a mãe. Sou o pai. Sou a lei. Sou a enfermeira. Sou a professora. Sou a dona de casa. A cozinheira. Sou o maldito Atlas2 da família. Fico esperando que minhas costas quebrem com o peso. Carter sabe. Ele mantém o mundo girando e me ajuda a carregá-lo nos ombros. Pego minha lição de casa, ligo a TV e tento fazer o máximo que consigo em 20 minutos. O tempo voa e logo Chloe entra saltando dentro da casa, seguida por Abram. Chloe é feliz, esperançosa e ignorante. Eu amo o jeito dela. Abram é turbulento, sujo e imprudente. Eu amo o jeito dele também. – Ei Sophie! Posso ter um lanche? – Chloe sorri para mim com seu rosto bonito. 2

Deus grego que suporta o peso do mundo inteiro sobre seus ombros. Daí a frase seguinte.


Eu a abraço e pego sua mochila pequena. – É claro, gatinha. – Abro sua mochila e retiro seu livro de ortografia – Tente soletrar estes em voz alta enquanto pego alguns lanchinhos para você, ok? Ela começa a soletrar as primeiras palavras enquanto eu corto uma banana, que está mais marrom do que amarela. Michael entra. Nós vamos para a mesma escola, mas ele tem uma aula extra porque suas notas não era exatamente estrelares ano passado e agora ele está compensando isso. – Hey, – eu digo. Ele murmura um ‘hey’ de volta para mim. Ele é descolado demais para gostar de sua irmã mais velha. Eu amo seu jeito de qualquer maneira. – Sente-se e faça o seu dever de casa. – Eu descobri a um ano, que a única forma de fazer com que todos façam a lição é quando estão sentados esperando algo para comer. Os protestos amargos dos meninos ouvem-se, como sempre. Beijo o topo da cabeça de Abram e aperto o ombro de Michael. Eles fingem que odeiam quando faço isso. Mas, na verdade, não odeiam. Eles precisam disso. Pego um par de maçãs, que também estão de mal à pior e começo a cortá-las. Eu não preciso de um lanche, como tanto quanto possível na escola. Os Pequenos brigam de brincadeira na mesa da cozinha enquanto eu distribuo as poucas fatias de maçã. As oscilações da mesa me lembram de que tenho que colocar algo debaixo das pernas desiguais assim que tiver uma chance. Vou para a pia lavar a faca das maçãs e olho pela minha janela para a cozinha de Carter. Sua mãe está cambaleando pela pia e Carter está tentando segurá-la com suas mãos suaves. Meu coração se parte. Olho para o relógio. São 4:00 da tarde. Tenho cinco horas até que todos estejam na cama (ou pelo menos em seus quartos para a noite). Cinco horas até que eu tenha um minuto para pensar. Cinco horas até que eu possa conectar-me com a única pessoa que realmente me conhece. Carter.


Carter Minha mãe não está realmente viva. Ela é mais como um fantasma andante, falante e tropeçante. Eu não tenho raiva dela, no entanto. Ela fica sóbria às vezes, mas é louca o tempo todo. As pílulas não ajudam. Os médicos dizem que ela é mentalmente doente, sofrendo de alucinações e paranoia extremas e os assistentes sociais dizem que ela deve ser admitida em um centro de cuidados de saúde mental. Disseram-me que é só uma questão de tempo antes que o Estado insista em levá-la embora. Mas ela é a única mãe que me resta, então eu não estou pronto para deixála ir. Em vez disso, a mantenho aqui e tenho certeza de que ela toma suas pílulas. Mas as pílulas não ajudam. A culpa não é dela, no entanto; a loucura... o álcool. O homem que é meu pai bateu nela como o inferno por 20 anos. Seus repetitivos golpes na cabeça dela danificaram seu cérebro. E agora ela se auto-medica. Com licor. O álcool entorpece o passado. E o presente. Eu entendo. Odeio isso, mas entendo.


O homem que é meu pai bateu em mim durante anos também. Mas eu não penso sobre esses anos. – Não pode vê-los, Carter? São insetos minúsculos de vidro que estão escavando a minha pele com suas garras. Tire-os! Me ajuda! Eles estão me comendo! Mamãe já é suficientemente louca sem álcool. Com a bebida, porém, ela é como gasolina e fogo. Olho para a garrafa vazia de Jack na pia e me pergunto de onde ela tirou isso. Provavelmente comprou em alguns de seus ‘bons’ dias e o escondeu na casa. Eu suspiro e tento tranquilizá-la. – Mãe, não há insetos. Você está bem. – digo isso com sensibilidade. Eu não falo com ela para desmerecê-la - nunca. O homem que é meu pai já fez isso o suficiente. – Mas Carter! Eu os vejo! Você não pode vê-los? São pretos e têm olhos verdes! – Ela está desesperadamente arranhando sua pele agora. Eu suspiro e tento pegar seu corpo bêbado em meus braços. Se puder levála para o sofá e ligar em algum programa talk-show inútil, ela vai se acalmar. – Não me toque! Eles vão te pegar! Eu fico completamente imóvel e decido entrar no jogo. – Tudo bem. Prometo que não vou te tocar. O que posso fazer para ajudar? Algum spray para insetos, talvez? Eu quero gritar. Seus olhos brilham e meu peito dói. – Sim! Oh, Carter você é incrível! Sim! Spray! – Ok, fique aqui e eu vou pegar alguma coisa. – Ando pelo corredor até o armário onde guardávamos os produtos de limpeza, produtos químicos, água sanitária e repelente. Alguns anos atrás eu fiquei inteligente e substituí o conteúdo de cada garrafa por água. Fiz isso depois que minha mãe quase morreu de envenenamento químico porque bebeu uma garrafa de produto de limpeza da cozinha ‘para ajudar na digestão de gnomos’.


Eu estava com tanto medo que ela fosse morrer. Depois que chegamos em casa, eu vomitei no quintal e fui jogar fora todos os produtos de limpeza. O material verdadeiro está no meu quarto, trancado em um armário de arquivo. Pego o repelente falso e volto para a cozinha. Minha mãe tem uma faca na mão, tentando raspar os insetos invisíveis em seu braço. – Mãe! Não! – Eu surto, é claro. Ela olha para mim e eu tento me recompor. – Uh, os insetos são de aço, mãe. Você tem que usar repelente. – Levanto o borrifador cheio de água e rezo para ela acreditar em mim. Acena com a cabeça: – Oh, você está certo! Obrigado! – Ela solta a faca e eu relaxo. – Está tudo bem, mãe. Fique parada. Ela congela e eu borrifo espalhando água nela, sob os insetos inexistentes. Ela fecha os olhos, cobre a boca e o nariz. Eu estou ganhando seu jogo, mas me sinto derrotado. Ela agora está toda úmida e sorrindo para mim, como uma criança na Disneylândia. – Querido, obrigada! Você é o melhor filho que uma mãe poderia esperar! Eu me sinto um lixo. Sorrio e a levo para a sala de estar. Um talk show já está passando na TV, então a coloco sentada no sofá com a promessa de lhe trazer alguma comida. O sofá é alaranjado e marrom, praticamente todo em emendas, e cheira a talco de bebê. Quando eu tinha quatro anos, despejei um pote inteiro de pó de bebê no sofá porque parecia neve e nuvens. Minha pobre mãe tentou esfregar o talco por dias, sem sucesso. Assim, o sofá tem o meu cheiro... De quando eu tinha quatro anos. E por algum motivo isso me deixa triste. Eu olho para minha mãe, seus cabelos bagunçados e olhos nublados e tento ver a mulher que ela costumava ser. Olho com muita atenção, como se a qualquer momento ela fosse magicamente acordar desse pesadelo de doença e voltar ao normal, a ser a figura materna que costumava a ser quando eu era mais jovem.


Nada muda, no entanto. Ela está concentrada em seu talk-show e alheia à minha presença. Eu suspiro e volto para a cozinha, onde me apoio no manchado e rachado balcão. Fecho os olhos por um momento, ouvindo o público do talk-show vaiando no outro cômodo. Abro os olhos e olho para o chão da cozinha. Há muito tempo atrás, ela costumava ler livros para mim, amarrava meus sapatos e jogava Banco Imobiliário comigo. Há muito tempo atrás, ela era uma mulher bonita, com uma mente saudável e um toque de amor. Essa mulher se foi. Vivendo em seu corpo está uma alma torturada e quebrada. Eu odeio o monstro que a quebrou. Olho para a cicatriz desagradável que se estende desde a parte de trás do meu pescoço até o cotovelo. O monstro me quebrou também, mas eu me curei. A maior parte. Olho pela janela da cozinha e vejo Sophie sentada à mesa com as crianças. A mesa oscila quando ela aponta algo na frente de Abram e acena. Tem um prato com algumas frutas marrons sobre a mesa. Meu peito dói de novo. Chloe derruba seu copo e a água se espalha em todos os lugares. Sophie se levanta e começa a tirar as lições de casa que estão em cima da mesa enquanto os meninos estão rindo. Sophie joga os papéis no balcão e pega um pano. Chloe agora está chorando enquanto Sophie está limpando a inundação, que agora está na mesa e também no chão enquanto Abram e Michael estão brincando de deslizar na poça de água. Sophie pega Chloe no colo e a acalma com palavras. A menina para de chorar e sorri para sua irmã mais velha. Eventualmente, Chloe salta de seu colo e corre para longe. Sophie para os meninos e os repreende, balançando o dedo para o quarto. Os rapazes seguem suas ordens e saem com a cabeça abaixada, mas ainda estão sorrindo. Sozinha na cozinha, Sophie fica de joelhos e começa a limpar o chão da cozinha. Eu a observo em uma admiração silenciosa.


Suspiro e olho para o relógio. Apenas algumas horas mais. – Carter, bebê! Venha aqui! Acho que há um jacaré atrás da TV! – A voz de minha mãe está cheia de pânico genuíno. Estico o pescoço e começo a andar de volta para a sala. Apenas mais algumas horas até que eu possa relaxar.


Sophie – Abram, se você vai fazer xixi como um animal, use o quintal! – Eu grito pelo corredor. Há xixi em todo o assento. Eu o limpo para que Chloe possa usá-lo. – Faça seu xixi e depois escove os dentes para mim, ok? – Sim salabim. Fecho a porta do banheiro quando eu saio e a ouço começar a cantar. Ela sempre canta quando faz xixi. Eu amo o jeito dela. Coloco minha cabeça para dentro do quarto de Abram – Sem luzes. – ele resmunga e desliga sua lâmpada. Além dessa coisa de fazer xixi sem nenhuma higiene, Abram é um menino de doze anos muito tranquilo. Eu sou grata por isso. Michael passa por mim sem fazer contato visual. Ele acha que é o homem da casa. E, realmente, ele é. Mas ele também só tem 14. – Você também. – Eu digo, mas não tão mandona. Ele vira a cabeça para olhar para mim. – Um adolescente ter horário de ir para a cama é sacanagem. Concordo com a cabeça, porque eu entendo. – Então faça o que queira fazer mas dentro do seu quarto, para que as crianças aprendam que é hora de ir para a cama. Ele está zangado. – Que seja. Eu não volto atrás da decisão nem desisto. Ele ainda precisa de mim.


Depois de colocar Chloe na cama, eu ando pelo corredor até a cozinha e começo a limpar a bagunça do jantar. Tivemos espaguete, mas não tínhamos molho. Vou precisar ir ao mercado em breve. Preciso comprar mantimentos. E preciso conseguir alguma coisa adequada para os Pequenos vestirem. Preciso ligar para minha mãe. Sento-me em frente à TV, coloco o cabelo para atrás da orelha e começo a trabalhar no meu dever de casa. Os professores dizem que você não pode ver TV enquanto faz a tarefa, mas há alguma coisa em um Reality Show barato que me faz sentir inteligente. Quando estou tentando resolver algum problema matemático difícil ou algum trabalho para Inglês, sempre preciso fazer uma pausa, assistir um pouco de TV e penso comigo mesmo: ‘Bem, pelo menos eu não sou aquela garota que ficou bêbada e acabou com um ornitorrinco tatuado no pescoço’. Os Realitys nunca falham em aumentar meu ego o suficiente para que eu termine minha lição a tempo e para que eu jure nunca ficar bêbada e escolher uma tatuagem questionável. Estranho como isso funciona. Eu sou uma boa aluna, no entanto. Não posso me dar ao luxo de reprovar na escola. Estou esperando conseguir um emprego decente assim que sair da escola para que possa me mudar com os Pequenos para outro lugar. Para algum lugar em que a gente possa ser independente. Para algum lugar onde a prostituição, drogas e namorados estranhos não possam nos alcançar. Uma hora se passa e eu faço o meu caminho para a varanda da frente. Temos um balanço na varanda. É como algo saído de um filme. Nós parecemos perfeitos. E eu acho que esse é o ponto. Todo mundo finge. O balanço faz barulho quando eu me sento e esse som me acalma. As correntes estão enferrujadas e as tábuas de madeira do assento e do encosto estão estilhaçando em alguns lugares, mas é a mais bela peça de mobiliário que temos. Eu balanço por um minuto, ouvindo o barulho rítmico das correntes. A noite está quieta, exceto pelos grilos. Do outro lado da rua o quintal está cheio de blocos


de concreto, peças de automóveis e as ervas daninhas rastejam pelo chão como garras de um monstro espinhoso. Mas se eu fechar meus olhos... E me concentrar apenas no ritmo do balanço e no canto dos grilos... Eu vivo no paraíso. Eu inspiro, expiro e abro meus olhos. Meu coração se sente mais leve porque sei que Carter vai estar aqui em breve. Ele virá caminhando, vai se sentar ao meu lado e fará meu dia ficar melhor. Meu momento com Carter no balanço da varanda todas as noites, é a única maneira de eu conseguir dormir. Eu o vejo sair de casa sorrateiramente. Sua mãe não se importa se ele fica fora até muito tarde ou se vai embora completamente. Mas ela provavelmente desmaiou no sofá e Carter toma o cuidado para não acordá-la. Ele é um bom garoto. E traz um saco plástico cheio de coisas. – Ei, Sophie. Eu adoro como ele diz meu nome. É real. – Ei, para você. – Sorrio porque não posso me impedir. Ele é grande e maravilhoso e se senta perto de mim como se eu fosse importante. Entrega a sacola para mim e olha para longe. – Então... Como foi seu dia? Eu olho dentro do saco e me dá vontade de chorar. Está cheio de frutas frescas e vegetais crus, biscoitos e pães e, bem, tudo o que precisamos. E ele sabe que precisamos. E eu o amo por isso. Estou muito comovida com a sacola de compras, mas não choro. Ele não quer isso. Provavelmente nem quer que eu reconheça sua boa ação. Respondo-lhe: – Bem típico. E o seu? Nós não nos olhamos, estamos olhando para a frente. Agora é diferente do que é na escola. Não há flerte. Não há provocações. Sem risadas de alunos da escola média. Esta é a realidade e com ela vem um peso. A noite está extraordinariamente escura, as luzes da rua assustam as estrelas e as árvores escondem a lua. Mas a escuridão é tranquilizadora. Ele me responde. – Ah, você sabe. Gnomos e insetos invisíveis. O de sempre. – Ele soa bem. Mas não está.


Concordo com a cabeça, porque não há nada a dizer. Nós sentamos em silêncio, o único barulho é do balanço e dos grilos. Ele está respirando. Eu estou respirando. Esta é a minha parte favorita do dia. É fácil e calma. Não há crianças chorando, mães problemáticas, nem insetos invisíveis. Eu olho para baixo, para o braço de Carter e encontro sua cicatriz. Ou pais violentos. Ele me vê olhando para sua cicatriz e muda de posição no assento. Não está se escondendo de mim, não há razão para tal. Mas ele não gosta de falar sobre seu pai e a cicatriz o lembra disso. Eu tinha dez anos na primeira vez que vi seu pai machucá-lo. Estava no meu quarto olhando da minha janela, desejando que ainda estivéssemos na cidade grande, quando ouvi um grito fraco. Olhei pela janela e vi Carter encolhido em seu quarto. Minha luz estava apagada, mas a dele estava acesa. Ele estava escondido, mas seu pai o encontrou. Ele sempre o encontrava. O pai de Carter usou apenas suas mãos naquela noite. Golpe após golpe. Eu assisti com horror quando o pequeno corpo de Carter se tornava cada vez mais mole. Eu chorei na minha janela, observando até muito tempo depois que seu pai tinha saído deixando Carter inconsciente no chão de seu quarto. Eu tinha dez anos e não sabia o que fazer. Olhei e olhei até que Carter voltou a si e rolou lentamente. Seu rosto, as mãos e a cabeça, tudo sangrava. Ele começou a chorar, o que me fez chorar ainda mais. Estava tão assustada quanto ele. Tremia em minha camisola de princesa, escondida atrás da minha janela, na escuridão do meu quarto. As brigas pioravam à medida que envelhecia. O pai de Carter passou a usar bastões de beisebol e tacos de golfe em vez de seus punhos. Eu me acostumei a ver hematomas no corpo de Carter e cortes nas mãos. Eu disse à minha mãe uma vez, sobre o menino da casa ao lado cujo pai machucava. Minha mãe me disse que deveríamos manter nossa mente apenas nos nossos próprios negócios ou nos machucaríamos também. Eu era uma criança. Acreditei nela.


– Nós vamos nos formar em breve. – Carter ainda estava olhando para a rua. Seu rosto está bonito, mesmo com as cicatrizes e as sombras da noite. Concordo com a cabeça. – Sim. Dizem que é quando começa a vida. Você sabe, após o ensino médio. – E de repente estou estressada com tudo. Carter não se move. – Vida. Seja lá o que for isso. – Ele fala baixinho. Odeio quando ele fica desencorajado. Ele não acha que pode ter uma vida normal, porque precisa cuidar de sua mãe. É um problema sem solução. – A vida é o que fazemos dela. – Digo, mas minhas palavras soam vazias. Ele zomba, mas não está tentando ser mau. – Às vezes, eu só quero ficar longe de tudo isso, sabe? Concordo com a cabeça, – Sim. Só pegar as coisas e... Ir embora. Começar de novo. – Suspiro – Penso sobre isso o tempo todo. Ele assente, – Eu também. Nós sentamos em silêncio por um minuto. Pensando sobre a liberdade que não temos e do futuro que não podemos controlar. Faço uma pausa, tentando achar uma maneira de dizer o que estou sentindo. – Não é de todo ruim, sabe. – Limpo minha garganta – Pelo menos para mim. – Me mexo no balanço – Não é tudo estressante e injusto. Eu tenho você. Você faz minha vida... Eu não sei... Melhor. – Minhas palavras não soam vazias nesse momento. Ele se vira para mim e inclina a cabeça para o lado. Estudando-me, e eu não desvio de seu olhar. – Sophie, – diz meu nome de novo e eu estou voando – Você faz minha vida ser bem melhor que... Melhor. Eu sei disso. Sinto isso. E sou grata por isso. As luzes da rua se apagam e, geralmente, é a nossa deixa para acabar com nosso ‘momento do balanço’. Mas nenhum de nós se move para sair. Nós não costumamos nos tocar. Somos apenas amigos, ou o que seja. Mas hoje eu decidi fazer algo incomum. Eu sabia, mesmo antes de fazer, que poderia assustá-lo e mandá-lo de volta para sua casa. Mas não me importei. Cheguei mais perto e coloquei minha mão sobre a dele. Não sedutoramente. Sem expectativas. Ele vira a mão para segurar a minha.


E ficamos sentados silenciosamente, conectados pelas m達os, por longos minutos, olhando a rua escura. Estou feliz.


Carter Eu não tenho certeza do que fazer com Sophie. O que dizer ou como agir. Sei que ela gosta de mim e isso é mais do que eu mereço. Então eu seguro sua mão. Se é tudo o que ela vai compartilhar comigo, então vou aceitar. Ela é incrível e eu tenho sorte de tê-la em minha vida. Sua mão é fria e pequena, e se encaixa perfeitamente na minha. Olho para as nossas mãos por um momento. Eu sei que deveria voltar para casa e deixá-la dormir um pouco. Eu vou. Estou enrolando, no entanto, porque estou demasiado cansado para enfrentar a imagem da minha mãe desmaiada e babando no sofá. Mas também porque estou aquecido e confortado no balanço com Sophie. Ela cheira a maçãs e me faz esquecer o lixo da minha vida. – Vai ficar melhor, tem que ficar. – Sophie fala sobre a vida em geral. Eu invejo sua positividade e desejo poder pensar como ela. – Vai ficar, Sophie. Você terá uma vida maravilhosa. – E eu falo sério. Ela é incrível e vai encontrar uma maneira de fazer sua vida ficar bonita. Ela olha para mim e desta vez eu olho para ela. É tão bonita que me parte o coração. Seu nariz é pequeno e redondo, os cílios são longos e escuros em seu rosto de menina. Aperto suavemente sua mão fria e sinto seus dedos contra minha pele. Tocá-la me faz perceber o quão pequena ela é.


Quando eu a vejo durante o dia, ela parece tão... Forte... Tão capaz e independente. Às vezes, esqueço que ela é apenas uma menina. Apenas uma menina com as mãos pequenas e grandes responsabilidades. Olho para ela de perto e meu peito dói. Tudo nela é pequeno e delicado. Como uma mãe pôde abandonar essa menina? O homem que é meu pai me disse o que a mãe de Sophie era quando eu tinha 11 anos, mas eu não entendia bem o que isso significava na época. Eu só entendi a realidade da situação de Sophie quando tinha 13 anos. O homem que é meu pai tinha acabado de me bater com uma tábua de madeira e eu estava tentando não chorar no meu quarto quando ouvi Sophie gritar. Olhando pela minha janela, vi um homem grande e desconhecido em pé na sala de Sophie, parecia o King Kong, enquanto sua mãe parava em frente à ele, tentando proteger Sophie. Notei que a janela de Sophie estava aberta então abri a minha para que pudesse escutar. – Eu já paguei! Agora, se mexa e eu te pagarei o dobro pela menina. – A voz de King Kong foi crescendo cheia de espinhos. – Para trás! Você já conseguiu o que veio fazer aqui, então vá embora! – A voz da mãe de Sophie estava tremendo. – Eu vou sair quando quiser! Agora se mova! – King Kong deu um passo para Sophie, que gritou em resposta. Eu estava pronto para saltar para fora da minha janela e correr para Sophie. Eu não sabia como ia fazer para protegê-la, mas ia tentar. – Saia da minha casa ou eu chamo Pete e os meninos para mutilarem você! – A mãe dela parecia uma formiga em comparação ao homem gigante. Sophie estava chorando. Eu estava apavorado. King Kong disse coisas desagradáveis e se lançou para Sophie, agarrando-a pelos cabelos. A mãe de Sophie desapareceu e voltou com uma arma, apontou e estava pronta para disparar, então King Kong a largou e Sophie correu.


A mãe de Sophie disse que lamentava muito, ou algum outro disparate insuficiente e saiu do quarto também. Eu assisti Sophie ficar deitada na beirada da cama, com três cobertores sobre a cabeça e se balançando durante horas. Essa foi a noite em que decidi que Sophie precisava de proteção. E se eu não podia proteger a minha mãe, então eu protegeria a garota da casa ao lado. A voz de Sophie me trouxe de volta para o balanço. – Nós dois teremos vidas maravilhosas, Carter. Concordo com a cabeça, porque ela quer que eu faça e porque eu quero acreditar nela. Eu gostaria de ter dinheiro, poder ou influência o suficiente para poder realizar seus sonhos e fazer todas as coisas ruins irem embora. Mas não tenho. Não posso. Eu aperto-lhe a mão porque não tenho mais nada a oferecer. – Amanhã de manhã então? – Ela diz, e meu coração pula. Eu tenho ido para a casa de Sophie todas as manhãs antes de ir para a escola há um ano. Saber que vou começar o dia vendo Sophie, é o que me ajuda a passar a noite. – É claro, – eu digo, porque não perderia isso por nada no mundo. Ela sabe disso também. Ela pisca para mim e quebra o contato de nossas mãos. Parece errado, não estar tocando-a. Como uma parte de mim que morreu ou algo assim. Mas eu sorrio de volta e faço o meu caminho para fora da varanda. – Carter? – ela fala, e eu sei o que está por vir. Meu coração sobe até o topo do meu peito em antecipação. – Bons sonhos, – ela diz casualmente, como tem dito desde que temos 13 anos. É impossível, é clichê, e as pessoas dizem coisas como essa o tempo todo. Mas essas duas palavras me ajudaram a passar por noites sangrentas. Eu sorrio e enfio as mãos nos bolsos. – Você também. – Atravesso a curta distância de volta à minha porta da frente. A estrutura da porta não é uniforme, fazendo com que as madeiras tenham uma deformação. Abro a porta estupidamente, tirando-a da estrutura torta e fazendo soar um gemido nas dobradiças.


Olho para trĂĄs, atravĂŠs da grama enlameada, do concreto desintegrado e rachado que nos separa para assistir Sophie entrar em sua casa silenciosamente. Vou ter bons sonhos. Ou, pelo menos, nĂŁo vou ter pesadelos.


Sophie Estou arrumando os almoços, verificando a lição de casa e fazendo o café da manhã, tudo ao mesmo tempo. A TV está ligada, o rádio está ligado, a frigideira está escaldante, a máquina do café está apitando e os meninos estão gritando um com o outro sobre um boné de beisebol. Um caos total. Todas as minhas manhãs são assim. Estamos atrasados, estou estressada e os ovos estão queimados. Carter entra com algo na mão. Ele não tem que bater ou qualquer coisa. É da família para mim e eu gosto que ele simplesmente entre. Eu me acalmo imediatamente. – Bom dia. – Falo alegre. – Bom dia, – ele sorri e faz o seu caminho até os meninos. A questão do boné de beisebol é resolvida quase que imediatamente. Anoto para mim mesma que tenho que agradecer a Carter mais tarde por resolver isso. Ele senta do meu lado, então, me provocando sobre os ovos e me perguntando como pode ajudar. São assim todas as nossas manhãs. – Você pode pegar os almoços dos garotos e embalá-los? Não olho para Carter, não preciso. Ele é bom nisso. Em ajudar-me. Apenas por estar aqui. Encho uma xícara de café. Os Pequenos e eu não bebemos café. Mas eu o faço todas as manhãs.


Para Carter. Entrego-lhe a xícara. – Obrigado. – Ele diz, mas olha para mim por mais tempo do que o habitual. Ele ama café. O deixa feliz ou algo assim. Ele já não tem uma máquina de café em sua casa porque sua mãe se queimava e quebrava o pote e desligava a máquina. Então eu faço café para ele. Todas as manhãs. Isso me faz sentir útil. E feliz. Carter abaixa sua xícara e os olhos para a mesa da cozinha. Se ajoelha no chão e começa a calçar as pernas da mesa com alguma coisa que trouxe nas mãos. Eu fico olhando de boca aberta enquanto ele termina o serviço e volta a levantar-se. A mesa já não oscila mais. Então se ocupa de arrumar os lanches como se nada tivesse acontecido. Eu fico olhando para a mesa por um momento, tocada por sua consideração. – Obrigada. – Eu digo, e falo do fundo do meu coração. Ele dá de ombros, termina de arrumar os lanches e enfia as mãos nos bolsos. Eu amo o jeito dele. Eu realmente amo. – Carter, Carter! – Chloe grita e salta para a cozinha com um grande sorriso. Carter é sua pessoa favorita no mundo inteiro. Ela me informou que vai se casar com ele quando crescer. Carter puxa suas tranças (as que eu passei 20 minutos para fazer) e beija o topo de sua cabeça. – Bom dia, Raio de Sol. – Ele sempre a chama de ‘Raio de Sol’. Quando estava no jardim de infância, ela disse ao professor que seu nome era ‘Raio de Sol’. Eu garanto que todos tomem o café da manhã e que estão vestidos antes de conduzi-los para a porta da frente. Então, estamos fora da casa. Todo mundo se dirige para a escola. Chloe e Abram pegam o ônibus. Michael corre na frente, então ninguém o vê chegando comigo na escola. E Carter volta para sua casa para acordar a mãe e ter certeza de que ela tomou os remédios e não outras coisas. A primeira aula de Carter começa mais tarde do que a minha. Eu vou para a escola o dia todo. Não vejo Carter. Isso é normal.


Vou para o almoço, planejando me atrasar para Inglês novamente, quando Whitney Morris bombardeia meu espaço pessoal e me enjoa com o cheiro de seu perfume. – Sophie! Eu preciso de sua ajuda. Não, ela não precisa. – Você já falou com Carter? – Não. – Eu minto enquanto coloco uma mecha do meu cabelo atrás da orelha. Seu rosto cai e eu me sinto mal por ela. Whitney suspira dramaticamente. – Já tem cinco semanas. Cinco semanas! Carter está saindo com outra pessoa? Aqui está a coisa sobre Whitney: Eu não gosto dela. Whitney Morris é popular por todas as razões erradas, e por ser ligeiramente atraente, as pessoas ignoram o fato de que ela é detestável. Eu não, no entanto. No segundo ano, Whitney estava sentada atrás de mim em História e, literalmente falou sobre seu rato de estimação (isso mesmo, ela tem uma rata de estimação - chamada Minnie) todos os dias. TODOS OS DIAS. Minnie dorme em um travesseiro de seda. Minnie só come queijo orgânico. Minnie faz as unhas uma vez por semana. Ao final do segundo ano, eu estava tendo pesadelos sobre uma princesa-rata que faz a pedicura e se alimenta de fatias de queijo. Minnie, o camundongo, assombrando meus sonhos. E arruinando completamente a Disneylândia para mim. Então, Whitney não é a minha pessoa favorita. Mas aqui é onde ela está agora, sentada ao meu lado na minha mesa de almoço, querendo falar sobre seu relacionamento com Carter. Eu preferia uma descrição de sete horas sobre os movimentos intestinais de Minnie, o rato. Whitney suspira de novo. – Qual é, Sophie. Há mais alguém? Whitney está apaixonada por Carter e pensa que porque ficaram uma única vez, estão destinados a ficarem juntos. Basicamente, ela é uma demonstração de


uma pessoa que não consegue não ser o centro das atenções dos garotos. Eu não digo isso querendo ser má, digo porque não há alternativas. Ela não sabe nada sobre Carter. Nunca o viu com medo, ou o viu tomar um soco no lugar de sua mãe, ou o ajudou a esvaziar todas as garrafas de álcool de sua casa. Ela não sabe de nada. Mas compartilhou sua boca com ele, o que me faz odiá-la. Eu não me importo sobre quão superficial isso soa. Dou de ombros. – Como eu poderia saber? – as pessoas não têm ideia de que Carter e eu somos próximos. Nós gostamos dessa forma. É simples. Normalmente. Whitney revira os seus olhos perfeitos. – Olááá? Você vive na casa ao lado dele. Já viu alguém ir lá? Eu penso sobre isso. Polícia, paramédicos, assistentes sociais... – Não. – Agh! – Whitney está insegura sobre isso, o que me emociona. Eu não quero nunca ter que ver uma menina entrando na casa de Carter como se pertencesse ao lugar. Tenho certeza de que eu a seguiria e a socaria. – Qual é o problema, afinal? Siga em frente. – Eu tento me concentrar em minha comida. É muito importante comer muito, caso contrário, vou estar morrendo de fome no jantar. – Seguir em frente? Você não pode simplesmente ‘seguir em frente’ depois de Carter Jax. Ele é incrível. Por alguma razão, estou me sentindo extremamente mal-humorada. – Sério? Como assim? – Não há nada que ela possa me dizer que eu já não saiba. – Bem, para começar, ele é um beijador fantástico. Bem, exceto isso, talvez. Eu poderia simplesmente dar um soco nela agora. – E também, ele tem um corpo incrível. Isso eu sei. Já o vi caminhando em sua casa apenas com um par de bermudas. Estou aborrecida porque seus dois primeiros exemplos de ‘como Carter é incrível’ se resumem ao seu corpo.


– Ele é corajoso, sabe? Nisto, ela me surpreende. Eu sei que ele é corajoso. Ele é a pessoa mais corajosa que eu já conheci. Eu o vi levantar diante de um pai monstruoso e lutar contra uma doença infernal com sua mãe. Eu o vi enfrentar valentões na escola por Michael e matar aranhas com as próprias mãos por mim. – Quero dizer, – a voz de Whitney soa como uma unha arranhando um vidro para mim, – Ele teve, tipo, um acidente de carro totalmente louco há alguns anos atrás e quase morreu. Mas conseguiu andar até um telefone e discar 911 para pedir ajuda. É desse jeito que conseguiu aquela cicatriz enorme em seu braço. Whitney está acenando para mim com aqueles grandes olhos tristes, e eu quero gritar. Ela não sabe de nada. Eu vi como a cicatriz foi colocada em seu corpo. Não teve acidente de carro nenhum, foi seu pai. Aconteceu em agosto, antes do nosso primeiro ano do ensino médio. Eu estava cozinhando quando vi o pai de Carter balançar um taco de beisebol para sua mãe. Carter estava trabalhando naquele verão, ele cresceu e ficou forte e largo. Ele entrou e agarrou - sim AGARROU - o taco de beisebol no meio do movimento. Eu imediatamente corri para fora, em direção a sua casa. Não sabia o que fazer, mas certamente não ia ficar apenas lavando pratos, enquanto Carter ficava ensanguentado por causa de seu pai. Cheguei a sua casa, o tempo todo olhando pela janela da cozinha, vi o pai dele se aproximar com uma faca de açougueiro. Lembro que me senti toda dormente. Eu estava sufocando e parei de correr. Observei tudo em silêncio enquanto o corpo congelado de Carter foi cortado e aberto, sangue voando por toda a cozinha. Eu pensei que ele estava morto. Então eu queria estar morta também. Mas Carter se levantou, agarrou seu pai (que já era menor que ele nesse momento) e atirou-o contra a parede. Carter o socou uma e outra vez, com suas mãos ensanguentadas.


Carter estava gritando e chorando, sua raiva sendo extravasada em formas de socos, chutes, suor e sangue. Eu estava em seu quintal quando Carter levantou o corpo agredido de seu pai para a varanda da frente. Seu pai estava inconsciente, mas não morto. Quando Carter me viu, começou a se desculpar imediatamente, gaguejando e tentando limpar o sangue que continuava a escorrer dele. Eu fiz a única coisa que poderia pensar. Corri até ele e passei meus braços em torno dele, dizendo como era valente, maravilhoso e que tinha agido corretamente. Acho que nós dois gritamos quando seu braço sanguento manchou minhas roupas, nos assustando. FOI ASSIM que Carter conseguiu sua cicatriz. Eu o levei ao hospital naquela noite. Sentei-me ao lado dele enquanto levava os pontos. Fiz o jantar para eles por duas semanas, porque seu braço estava inútil e porque sua mãe tinha perdido a cabeça. Eu estava lá. NÃO A WHITNEY. O pai de Carter nunca mais voltou depois daquela noite. Olho para Whitney e dou uma resposta falsa. – Uau, sério? Isso é realmente corajoso da parte dele. – Mordo minha bochecha para não estrangulá-la. – Sim, bem, eu senti que nós temos essa conexão, sabe? Nós totalmente combinamos. Então, eu não entendo por que ele não me ligou de volta, sabe? Eles não combinam em absolutamente nada. – Ele te disse que ligaria? – Pergunto olhando inocentemente. Eu sei a resposta. Porque afinal de contas, eu o conheço. – Bem, não. Ele disse que não tem relacionamentos sérios, que a vida dele é muito complicada para ter qualquer coisa séria e que eu não deveria perder meu tempo com ele. Ele sempre as avisa. – Isso foi antes ou depois de você ter ficado com ele? – Engole essa Whitney Morris! Ela pensa sobre isso. – Bem... Acho que foi antes... – Bem, aí está sua resposta. – Eu disparo. Ela não tem minha piedade.


– Bem, me desculpa. Eu não sabia que namorar Evan Walters fez de você a Rainha dos relacionamentos. – Ela está tentando ser desagradável. Não vai funcionar. Dou de ombros, ela se levanta e sai com um acesso de raiva. Eu costumava sair com um cara chamado Evan Walters. Evan é o cara que cada menina da escola quer namorar. Ele é quente, é rico, é jogador de futebol. O sonho de toda garota. Exceto o meu. Evan não é um cara mau. Ele é na verdade muito bom e não era grudento. E eu realmente gostava dele um pouco. De tal forma, que eu senti que tinha que fingir ter uma vida perfeita em casa para poder manter nosso relacionamento. Evan não entenderia a prostituição, as drogas e a pobreza. Eu nunca poderia confiar nele para contar a verdade sobre minha vida. Então nós terminamos. Eu não fiquei triste depois disso. Provavelmente deveria ter ficado, mas não fiquei. Infelizmente, agora eu tenho esse cartaz preso em minhas costas que diz ‘Ex-namorada do Evan’ e é extremamente inconveniente. Tanto faz. Eu odeio Whitney Morris e queria que Evan Walters fosse para uma escola diferente. Fecho meus olhos e tento empurrar Whitney e Evan para longe dos meus pensamentos. Estou graduando-me em duas semanas. Depois disso, nada importa. Exceto eu. E os Pequenos. E Carter.


Carter Estou na minha última aula do dia, TJ está tentando me convencer de ir a alguma cervejada. Eu não bebo, mas TJ não sabe disso. Ele não sabe de nada, realmente. – Acho que Evan está trazendo a cerveja. Você o conhece, certo? Acho que ele estava saindo com sua vizinha por um tempo. Bem, disso TJ sabe. Eu odeio que TJ saiba disso. Eu odeio Evan Walters. E eu odeio que eu odeie essas coisas. Isso significa que eu me importo - o que eu realmente faço. Mas eu desejaria que não me importasse tanto. Isso não é saudável. Quando eu ouvi pela primeira vez sobre Sophie estar com Evan, não dormi por três noites. Três malditas noites. Isso não é saudável. Mas eu não podia me impedir de me sentir assim. A ideia de Sophie e Evan juntos martelava em minha mente até que eu era um insone enlouquecido. Sophie não é qualquer garota. Então ela não deveria sair com um cara qualquer. Ela deveria estar... Eu não sei... Só não com Evan Walters. – ... Tão gostosa. Você já a viu pelada, cara? Tipo, na sua janela.


Eu percebo que TJ está falando comigo de novo e fico irritado. – Quem? TJ zomba de mim. – Sophie Hartman, cara. Ela não é totalmente gostosa? Eu pisco algumas vezes. – Sim, Sophie é linda. Não, eu nunca a vi nua. – Mas agora estou pensando sobre isso. TJ estúpido. – Ouvi dizer que a mãe dela é meio fácil. Talvez a menina também seja. – TJ está erguendo as sobrancelhas como um porco. Quando Sophie e eu éramos calouros, a mãe dela só desaparecia por alguns dias de cada vez. Eu sei porque assistia de perto, à espera que sua mãe voltasse para que eu pudesse relaxar. Embora mesmo quando ela estava em casa, eu nunca relaxava. A primeira vez que a mãe dela sumiu por uma semana inteira, eu me lembro de ir levar o lixo para fora em uma noite e ver Sophia na mesa da cozinha, chorando. Não sei porque fiz isso, mas caminhei até a porta da frente e entrei, sabia que se batesse ela teria simplesmente me ignorado. Eu entrei na cozinha para encontrá-la olhando para mim, mas não estava surpresa em me ver. Sentei-me à mesa ao lado dela. – Vai ficar tudo bem, Sophie. – Eu não tinha nada melhor para dizer. Depois de um tempo, coloquei meu braço em torno dela e apertei-lhe o ombro. Ela colocou o rosto molhado em meu braço e disse: – Obrigada. Essa foi a primeira vez em muito tempo que eu me senti importante. – Sophie não é assim. – Eu digo, distraidamente. – Como você sabe? – TJ me olha de perto. Eu me esqueci, momentaneamente, que Sophie e eu supostamente não nos conhecemos na escola. – Eu não sei. Estou apenas supondo. – Dei de ombros e estiquei o pescoço, como se Sophie não fosse a melhor parte de todos os meus dias. – Isso não é o que Evan disse. TJ é uma criança.


Meu sangue está fervendo e eu estou tentando argumentar comigo mesmo. Não sou seu namorado ou qualquer coisa. Não sou alguém que tem direito a ser possessivo com Sophie. Mas eu sou. Não consigo parar. Não quero parar. Ela é forte e incrível e bela... E a melhor pessoa que eu jamais conheci. Foda-se Evan Walters. – Evan é um merda. – Eu não deveria ter dito isso, mas não me sinto mal por dizê-lo. Estico novamente meu pescoço enquanto TJ responde. – Uau, cara. Você tem alguma coisa com essa menina ou o quê? – TJ está confuso. Eu não me importo. A sirene toca, libertando-me de responder sua pergunta. Eu corro para fora da escola e começo a ir para casa. Sophie já está na minha frente, parecendo linda e gentil. Ela não deixa notas caírem hoje e por alguma razão, eu acho que ela está zangada comigo.


Sophie Passei a tarde toda tentando me livrar do meu ciúme. Acontece que você não pode simplesmente mandá-lo para fora. Você tem que acariciá-lo e mentir para ele, acalmá-lo até que ele se instale confortavelmente em alguma parte profunda de sua mente. E esperar até que outro interesse amoroso de Carter apareça e o acorde. Agh. Estive batendo panelas e frigideiras esta noite enquanto fazia o jantar. Os Pequenos sabem que algo está acontecendo, mas eu converso com eles como se tudo estivesse bem. Eu minto, assim como todos os pais. Olho para a comida que estamos jantando e sou grata à Carter por ter sido tão generoso para nós. Isso amacia meu coração o suficiente para pensar nele sem o relacionar com as ex-namoradas-loucas. Meu cérebro ainda não parou de se estressar, no entanto. Nós ainda precisamos de dinheiro. O aluguel está perto, Chloe precisa de sapatos novos e se eu não pagar logo a conta de energia, estaremos vivendo na escuridão. A hora de dormir é uma brisa, por algum motivo. Acho que os Pequenos estão com medo de me irritar. Então, todo mundo está adormecido ou tranquilo em seus quartos por volta das 8 da noite. Ando para o balanço mais cedo, porque eu preciso de... Algo.


Não tenho certeza do que é, mas eu sei que sentar no balanço por um minuto vai me ajudar a descobrir isso. Carter já está lá, sentado nos degraus da varanda, mexendo em um pauzinho. Meu coração se enche. Isso é o que eu precisava: Carter. – Ei, Sophie. – Ele diz, e nós fazemos o nosso caminho para o balanço. – Hey. – Sorrio quando nos sentamos ao lado um do outro. Ele cheira como o mar novamente. Nós estamos em silêncio, deixando a paz que trazemos um ao outro encher as rachaduras em nossas vidas. Eu limpo minha garganta. Estou nervosa. Por que estou nervosa? – Lembra de quando tínhamos, tipo, 13 ou 14 anos, e fugíamos algumas noite para nos encontrar no carvalho grande? O carvalho grande é esta árvore enorme entre nossas casas. É na parte de trás, então nossos pais não podiam nos ver. Nós pensávamos que éramos tão inteligentes e astutos. Ele sorri. – Sim. Piqueniques no escuro. Concordo com a cabeça lentamente e coloco uma mecha do meu cabelo atrás da orelha. – Piqueniques no escuro. – Me balanço um pouco, fazendo as correntes rangerem – Eu trazia um cobertor, você trazia as sobras e fingíamos que nossas vidas não eram uma merda. – Eu penso sobre aquelas noites. Gostávamos de deitar de costas e olhar as poucas estrelas que víamos entre os ramos da árvore densa. Gostávamos de falar, de rir e suspirar. Era maravilhoso. Ouço a respiração de Carter e é um calmante. Ele fala: – Sim, falávamos sobre nossos futuros e como íamos fugir de casa para ficar famosos em Hollywood. Eu sorrio. – Ah, sim. Hollywood. Tinha esquecido disso. – É engraçado como quando você é pequeno, você realmente acredita que tudo é possível. Carter se vira e sorri, o tipo de sorriso que eu não tinha visto em muito tempo. É o sorriso de um menino sem o estresse de um homem. – Lembra de quando tiramos nossas primeiras licenças de motoristas? Nós dirigíamos para as velhas cavernas de mineração nas noites de sexta, fumávamos cigarros e lamentávamos sobre nossos pais?


Eu aceno com a cabeça e dou um sorriso. O dia em que completamos 16 anos foi divertido. Temos a mesma data de aniversário, 12 de maio. Nós não fumávamos, mas quando fizemos 16, pensámos que seria maneiro e roubámos os cigarros da minha mãe. – Lá era bonito... Todas aquelas estrelas. – Digo. A primeira vez que fomos para as cavernas, foi a primeira vez que eu vi um céu estrelado sem toda a poluição da cidade. Aqueles eram bons tempos. Éramos apenas nós dois. Apenas amigos. Apenas tentando sobreviver. Isso foi apenas alguns meses antes de Carter enfrentar seu pai. Lembro-me porque durante todo o verão, Carter ficou com uma contusão preta nas costas por ter sido atingido várias vezes por uma chave inglesa. – Sim. – Ele fala – O céu era maravilhoso lá. Nós estamos olhando um para o outro e é diferente dessa vez. Não é estranho, mas é diferente. Há algo no silêncio. Posso senti-lo. Não quebramos o nosso olhar. Não deixamos um ao outro. – Então, como foi o seu dia? – Eu pergunto, porque não tenho outras palavras. – Sem intercorrências. Mãe paranoica gritando com a TV o dia todo. Sem problemas. – Ele parece velho quando diz isso e eu gostaria de poder abraçá-lo. – E o seu? Eu olho para a rua e penso sobre o que aconteceu na hora do almoço de hoje. – Uma merda. – Isso é tudo o que eu digo. Meu dia não foi tão ruim, mas a coisa da Whitney, juntamente com o estresse pelo dinheiro, teve o seu preço. Nós sentamos por um minuto e caímos em nosso silêncio confortável. Carter chega mais perto e gentilmente envolve os dedos ao redor da minha mão. Meu dia acabou de passar de ‘merda’ para ‘maravilhoso’.


Carter A mão de Sophie na minha me faz sentir bem. Ela não se afasta e isso é mais do que eu mereço. Nós nos sentamos por um tempo, de mãos dadas, balançando como um casal de velhos. Isso não me incomoda. Me faz feliz. – Whitney está me perguntando sobre você de novo. – Ela diz baixinho, mas eu ouvi algo mais por trás de suas palavras. Não sei o que é. Suspiro. – Sinto muito, isso é provavelmente irritante. Vou pedir a ela para te deixar em paz. – Me sinto culpado de repente. Eu não deveria me sentir culpado. Não fiz nada de errado. Ou fiz? Sophie e eu conversámos sobre Whitney antes. Não deveria estar tão pesado como estou me sentindo agora. Deveria? – Não, não. Não diga nada para ela. Está tudo bem. – Sophie suspira. – Além disso, se você ligar para ela, ou até mesmo disser para ela se afastar, ela vai pensar que está interessado. Então algo estava lá de novo em sua voz. O que era? Eu suspiro. – Sou um idiota. – Me inclino para trás no balanço. Sophie pondera. – Não, você é honesto. Disse a ela como se sente sobre relacionamentos. É culpa dela por pensar que poderia mudar você.


Eu fico quieto. Mágoa. Isso é o que eu ouço na voz de Sophie. Ela está... Alguma coisa. Zangada? Ofendida? Triste? ... Ciumenta? Eu sei que é doentio, mas meu coração salta uma batida com o pensamento de Sophie estar com ciúmes. Não sei o que dizer, então digo a coisa mais estúpida que poderia sair da minha boca. – Tem falado com Evan ultimamente? Sinto sua mão ficar tensa e eu imediatamente me arrependo por ter perguntado. Eu sou um merda. Quando descobri que Sophie e Evan estavam juntos - durante minha fase de insônia louca - eu marchei até a casa dela, entrei, e comecei a listar todas as razões para ela não sair com um cara como Evan. Nenhuma das razões me incluía. Por que eu sou um fracote. A fiz chorar naquela noite. Foi a pior da minha vida. Ela me perdoou porque é uma pessoa melhor do que eu. Então eu sou um idiota por trazer Evan novamente. – Nãããão. – Ela diz por entre os dentes. – Tentando manter o controle sobre a minha vida amorosa? – Há tanto veneno em sua voz que eu quase deixo cair a sua mão. Mas não posso, porque estou ligado a ela, e ela dá razão a minha vida. Nós dois estamos ainda olhando para a rua. – Não. – Eu falo. – Que bom, porque isso seria muito hipócrita. – Ela está zangada. É algo mais do que a coisa de Evan. – Você está chateada com Whitney? – Porque eu pergunto isso? É como se eu quisesse comprar uma briga ou algo assim. Ela puxa a mão da minha e um pedaço de mim morre. Ela se vira para mim, com a boca aberta, mas não diz nada. Então eu percebo porque perguntei aquilo. Porque eu sabia que estava certo. Eu sou uma pessoa doente, uma pessoa perturbada. Eu sabia que Sophie estava com ciúmes e queria incitá-la. Sou um babaca.


Sophie se recompõe e, em seguida, abre a boca novamente. – Whitney? Não, Carter, eu não estou chateada com Whitney. Embora não saiba o que você viu nela. Ela é superficial e detestável e... apenas... errada para você. – Errada para mim? Ela assente. – Toda errada. Todas em seu pequeno fã clube são! E você tem a audácia de me julgar por namorar um cara - um único maldito cara - que é, de acordo com Vossa majestade, todo errado para mim! Ela está certa, mas estou irritado demais para me importar. – Ele era errado para você! – E daí? – E daí? Você tem... Coisas em sua vida que podem mexer com a sua cabeça. E estar com algum atleta burro só vai piorar a situação! – E então, o quê? Minha mãe é uma prostituta, então eu tenho que ser uma freira para compensar? Ela está tão louca da vida que estou com medo de que comece a chorar. Mas não paro. – Não, claro que não. Eu só acho que você precisa... de alguém... que a entenda, sabe? – Eu não sei o que estou dizendo, mas meu peito dói. – Não, eu não sei, porque tudo o que eu ouço você falar é que eu preciso estar com alguém que ‘me entenda’, mas você pode estar com quem quiser! Eu tento me acalmar e diminuir a minha voz. – Mas a diferença é que você estava, tipo, afim do Evan. Você se importava com ele. Não foi assim com Whitney... ou qualquer uma das outras meninas. – Eu engoli e estiquei o pescoço enquanto olhava para a rua. Vem uma sensação pegajosa subitamente. – Por que não? – Sophie pergunta. Eu não faço ideia. Realmente não sei. Estou tentando pensar em alguma desculpa que eu possa dar para ela, mas ela vê através de mim. Claro. Há uma nitidez em sua voz agora. – Por que se deixar que conheçam você, então... o quê? Você vai estar completamente exposto? Vulnerável? Eu penso sobre isso por um longo minuto, viro para trás, olho para ela e respondo lentamente. – Sim.


– Bem, muito ruim, Carter! Esse é o sentido da vida. Não há significado nela, a menos que você a esteja compartilhando, realmente compartilhando com as pessoas. Assim, você pode ocultar seu passado, mentir sobre suas cicatrizes, e fingir o que quiser. Mas fingir que você é outra pessoa para essas garotas, nunca, nunca vai tirar a dor! Sua voz não vacila. Ficamos em silêncio por um momento e eu estou atordoado. Ela colocou o que há dentro de mim, para fora. E, é claro, ela está certa. – Eu sei. – Minha voz é baixa. Nós paramos de olhar um para o outro e voltamos nosso olhar para a rua. Eu suspiro. Ela suspira. Minutos se passam. – O mesmo vale para você também, no entanto. – Eu digo isso com cuidado. Nós dois nos encostamos no balanço e nos movemos lentamente. – Eu sei. – ela responde. Ela coloca a mão de volta na minha sem uma palavra e é a melhor coisa que eu já senti. Nós estamos bem de novo.


Sophie É sábado e já não vamos durar muito mais tempo sem dinheiro. Então, depois de três horas de preparação para um desastre emocional, eu ligo para minha mãe. Ou melhor, eu ligo para Pete, o cafetão. – Sua mãe já não está mais entre nós. De primeira, pensei que ele quis dizer que ela estava morta. – Ela seguiu em frente. Queria ser independente ou ‘algo assim’. – Pete parecia como se tivesse cheirado algo ruim. – Ela quebrou meu coração, sua mãe. Ele é um cafetão, então eu nem me importo. – Você sabe onde posso encontrá-la? – Não, querida. A menos que você esteja disposta a substituí-la enquanto ela está fora. – Sua voz está gotejando sujeira. – Pete, escuta, me dê o número dela e eu vou tentar convencê-la a voltar para você. Parece bom? Ele não compra minha desculpa, mas cai nela de todas as formas. – Eu não tenho um número. Mas ouvi dizer que está dançando na Low Lou’s esses dias. Dançando, hein? Bem, acho que mamãe está subindo no mundo. – Obrigada. – Eu digo e desligo na sua cara. Minhas mãos estão suando e meu estômago está girando. Eu não quero - não posso - ir ver minha mãe. Rasgaria meu coração olhar para ela em pessoa, ver a ‘dançarina’ em que ela se tornou e a ‘mãe’ que ela não é mais.


Eu preciso de cobertura. – Michael! – Eu grito. Ele vem se esgueirando pelo corredor, meio interessado. – Ei, eu tenho que ir buscar o salário da mamãe lá no centro. Você pode cuidar das crianças hoje à noite? – Não é realmente um pedido, é mais como uma ordem. E Michael sabe disso. – Seu salário? Você quer dizer que tem que ir buscar aquele dinheiro que ela junta usando seu corpo? Merda, ele sabe. Eu não devia estar surpreendida. – Sim. – Respondo. – Ela está dançando agora, na Low Lou’s. – Clássico. Concordo com a cabeça, respiro profundamente e guardo uma mecha de cabelo atrás da orelha – De qualquer forma, precisamos do dinheiro, então eu tenho que ir. Você ficará bem aqui? – Sim, mas você deve ter alguém com você. Ouvi coisas ruins sobre essa área. E, sabe, você é uma garota. Foi a coisa mais carinhosa que Michael já me disse. Dou-lhe um sorriso leve. – Sim, vou pedir ao Carter para ir comigo. Pego minhas coisas e caminho em direção à porta da frente, mas me viro no último segundo. – Ei, Michael? Ele olha para mim. – Você está bem com... aquilo? – Eu mudo a posição do meu corpo. – Com minha mãe sendo... uma prostituta? Não. Claro que não. Mas eu realmente não penso nela como minha mãe, sabe? – Ele embaralha seus pés e olha ao redor da sala. – Eu tenho você. Nós temos você, somos bons em nossa pequena família, ou o que quer que seja. Meu coração se aquece e canta. – Eu te amo. – Falo para ele, porque eu amo o jeito dele e ele não escuta isso o suficiente. – Eca. Apenas vá. – Ele diz, mas está sorrindo. Ele me ama também. Com isso, eu saio para bater na porta de Carter. Ele responde vestindo apenas uma bermuda, e por alguma razão eu começo a corar.


Ele é tão grande e... musculoso. Sua longa cicatriz está desaparecendo. E as outras, as menores, que marcam a maior parte de seu belo corpo, estão desaparecendo também. Cicatrizes desaparecem. Eu me pergunto se a dor e mágoa também. – Ei, Sophie, o que há? Eu puxo meus olhos longe de seu belo corpo. – Preciso de cobertura. Tenho que ir ver minha mãe. – Não. – Ele balança a cabeça – De jeito nenhum. Você não está indo até nenhum lugar de prostituição para pegar dinheiro. Eu vou roubar um banco antes de deixar você fazer isso. Sua proteção deveria me irritar, mas em vez disso, faz-me sentir segura. Eu levo um segundo para responder. – Ela está dançando agora, na Low Lou’s. Eu só tenho que chegar até lá, pegar algum dinheiro e conseguir alguma informação para me manter em contato com ela. Carter hesita. – Por favor? – Eu totalmente faço um beicinho e bato meus cílios. Ele não pode dizer não. Suspira: – Tudo bem, deixa eu me vestir. Ele não me convida para entrar, porque não é preciso. É nosso entendimento. Eu apenas o segui para dentro enquanto ele desaparecia pelo corredor. Olho em volta de sua casa e me sinto estranha em sua sala de estar. O teto é baixo, fazendo o cômodo ser mais escuro e parecer menor do que realmente é, além do fino tapete ser marrom e estar velho. Ao redor da sala, eu vejo marcas familiares de vários retoques feitos na parede para tampar os buracos feitos pelo pai de Carter. Seu temperamento nem sempre começava ou terminava com o corpo de Carter. Aparentemente, a casa levava surras também. Eu entro na sala e os cheiros de pó de bebê com poeira me cumprimentam. A mãe de Carter está ali, no sofá, olhando para mim como se eu fosse um pedaço de doce e ela, uma criança de cinco anos de idade. – Carter parou a inundação, sabia?


Eu não sabia, mas aceno que sim, porque ela é uma bomba-relógio de loucura. Ela continua: – O leite, foi derramado por causa desses malditos coelhos, começaram a encher a casa inteira. Pensei que iam se afogar no leite. Mas Carter é um menino inteligente. Ele abriu a porta de trás e então tudo foi drenado. Afugentando os coelhos, também. Eu aceno e dou um sorriso. – É bom ouvir isso. Estou feliz que você está bem. É claro que não houve qualquer inundação de leite - ou coelhos. Mas Carter entra em sua insanidade, porque ele sabe que assim é mais fácil para ela. Isso é amor. Eu provavelmente tentaria argumentar com a minha mãe se ela fosse louca. Eu falaria, gritaria, lutaria, até que ambas estivessem em lágrimas. É por isso que Carter é melhor do que eu. Ele vê suas angústias e dá um jeito de tornar seu mundo menos assustador. – É esse cabelo todo bagunçado que me faz ficar cega, sabe? Eu continuo tentando cortar tudo, mas Carter esconde a tesoura. – A mãe de Carter pega uma escova de cabelo de cima da mesa de café e tenta escovar sua confusão. Suas mãos são muito instáveis para serem eficazes. São assim por causa das pílulas. E do álcool. E da loucura. Eu vi Carter tentar escovar o cabelo de sua mãe. Ele é tão cuidadoso e paciente, mas ela está sempre gritando e brigando com ele. – Deixe que eu faça isso, Sra. Jax. – Ando lentamente até ela, esperando que jogue a escova em mim ou me acusar de querer comer suas flores amarelas, ou algo assim. Mas ela não faz. Ela sorri para mim docemente e mantém a escova. Ponho meu cabelo atrás da orelha e tiro a escova de sua mão macia. Lembro-me da Sra. Jax antes de estar quebrada. Ela era doce. Tímida, envergonhada, mas doce. Meu coração se parte, porque eu sei que a antiga Sra. Jax nunca vai voltar. Eu gentilmente começo a escovar seus cabelos emaranhados. Ele é bonito e ainda não perdeu sua cor. – Carter é um bom homem, Sra. Jax. Ele te ama muito, – eu chamo Carter de ‘homem’ e isso não parece errado. – E quando ele ama algo, é feroz sobre isso.


Eu vou dizendo as palavras antes que eu perceba quão verdadeiras elas são. Corro a escova devagar até suas pontas e continuo: – Ele protege... Se preocupa com isso... E se dedica a isso. É tudo verdade. Concentro-me no cabelo da Sra. Jax enquanto penso em minhas palavras. Estou tentando tranquilizá-la do amor de seu filho. Porque eu sei o que parece quando Carter ama alguma coisa. Eu o vi dar tudo para sua mãe. Eu vi seu amor pelo trabalho. Seu cabelo vai cedendo a cada escovada. – E Carter... Ele é fiel quando ama. Ele sempre aparece e deixa tudo melhor. Ele escuta, é paciente... – meus olhos começam a encher de água e eu engulo forte. – Ele é gentil com quem ama e faria qualquer coisa para protegê-la. Eu engulo de novo, porque acabo de entender, pela primeira vez em todos esses anos, que Carter ME ama. Eu continuo, porque mesmo que sua mãe não possa entender o amor de Carter, eu entendo. – Ele é cuidadoso com o que ele ama e está sempre com medo de perdê-lo. Continuo correndo a escova lentamente através de seus cabelos, tentando manter a minha voz sem rachar com a emoção. – Mas há alguns tipos de amor que você não pode perder, não importa o quão duro você tente. Portanto, não há necessidade de ele ter medo. Seu cabelo está liso agora. Corro meus dedos por ele e desejo que a mente da Sra. Jax estivesse tão saudável quanto seu cabelo. Eu olho para ela e ela caiu no sono. Vejo uma lágrima cair do meu rosto até o piso marrom. Corro para limpar meu rosto antes que eu perca completamente o controle e inunde a casa com lágrimas. Acho que sempre soube que eu amo Carter. Mas agora eu sei que ele também me ama - mesmo que ELE ainda não saiba disso.


Carter Estou em silêncio no corredor, não porque estou tentando ser sorrateiro, mas porque me esqueci de como falar. Posso ver Sophie - a doce e linda Sophie - tentando secar o rosto com as mãos minúsculas. Eu só quero abraçá-la. Como se ela fosse uma boneca ou algo assim. Eu quero abraçá-la, beijá-la, alimentá-la, dançar com ela e passar a noite toda com ela. Ela escovou o cabelo da minha mãe. É a garota mais incrível que já conheci. Estou quieto porque estou tentando me impedir de gritar algo estúpido como: ‘– Sophie, eu morreria por você! Você poderia, por favor, sempre segurar minha mão no balanço?’ Eu sou patético. Limpo a minha garganta e entro na sala de estar. Sophie olha para mim como se não existisse nada de errado. Como se ela apenas não tivesse acabado de escovar o cabelo da minha mãe louca e falar sobre o quão grande é a minha capacidade de amar. Meu peito dói. – Oi. – Ela diz, e eu entro em seu jogo. – Oi, – olho para minha mãe dormindo e então para Sophie, – Obrigado.


Ela acena com a cabeça, porque o que mais se pode dizer? Sophie vai para a cozinha enquanto eu levo minha mãe para seu quarto e a coloco na cama. Ela murmura algo sobre roedores com espátulas, mas eu ignoro. Quando volto para a cozinha, Sophie está esperando por mim. Eu paro de andar e olho para ela por um longo tempo. Em vez de me perguntar ‘o que há de errado?’, ou ‘o que há?’, ou ‘por que você está me olhando feito um maluco?’, ela simplesmente fica parada e em silêncio, me convidando a entrar. Ela é a coisa mais linda que eu já vi. E não só porque tem um corpo quente e pele impecável e tem cheiro de maçãs. Mas porque ela está na minha cozinha. Sem julgamento. Sem medo. Ela está em minha casa, onde me conhece e a todos os meus demônios, olhando para mim com nada além de amor. Eu estou apaixonado por Sophie Hartman, e isso me assusta como o inferno. – Nós deveríamos ir. – Ela diz baixinho. Aceno com a cabeça e suspiro. Então nós partimos. Entramos em minha picape velha e vamos para o centro. Nós ficamos quietos durante todo o caminho até lá. O ar é tenso dentro da picape, então deixamos o silêncio flutuar entre nós. Eu quero segurar sua mão, mas agora é diferente. Sinto como se eu tocar sua mão, não vou ser capaz de soltá-la. Nunca. Estou com medo da minha mente. Dirigimos quilômetros e quilômetros em silêncio. – Você está nervosa? – Eu pergunto. É uma pergunta redundante. É claro que ela está nervosa. Ela suspira. – Sim. Estou mais assustada por vê-la, sabe, em seu domínio. Concordo com a cabeça. Não posso imaginar como seria isso. – Vai ficar tudo bem. Você vai ficar bem. – Eu digo, e quero realmente dizer isso. O sol está começando a desaparecer quando entramos no centro. Low Lou’s é um lugar escuro na primeira rua. Eu estaciono o carro e nós dois ficamos sentados lá, sem nos mover, por alguns minutos.


Sophie está tentando se preparar mentalmente. Está tentando fingir que não se importa. Ela está quebrando o meu coração. – Sophie... – Eu falo, ela olha para mim com os seus olhos de menina. E eu sou um caso perdido. Limpo minha garganta. – Não importa o que aconteça lá dentro, não importa o que você veja ou sinta, quero que você saiba que é incrível. Você é corajosa, sábia e forte. As escolhas da sua mãe não são sua culpa, não tem nada a ver com você, tudo bem? Você é sua própria pessoa. E, no final deste dia, você ainda vai ser a Sophie. E eu ainda vou estar aqui para você. Sempre. – Faço uma pausa, porque estou perto de dizer ‘eu te amo’ e estou completamente em pânico. – Tudo bem? Uma lágrima cai em seu rosto e eu não posso me impedir. Deslizo meu dedo em sua bochecha molhada, tocando seu rosto em minha mão. Esta é a primeira vez que toco o seu rosto. Se eu morrer agora, morrerei feliz. Ela

inclina

a

cabeça

na

minha

mão

e

fecha

os

olhos.

Respira

profundamente tentando acalmar suas lágrimas. Eu a puxo para o meu peito, pressionando-a contra o meu coração. Ela não resiste. Dobra-se em mim, como se pertencesse ali e suspira. Ela é tão pequena e quente e frágil. Envolvo meus braços em torno dela, não querendo deixá-la nunca mais. Bem aqui, na minha velha picape, no meio do centro decadente da cidade, é o melhor momento da minha vida. Porque Sophie está segura. Sophie está em meus braços. E eu já não tenho demônios. Beijo o topo de sua cabeça, porque parece o certo. Eu nunca a beijei antes. Por que eu nunca a beijei antes? Por que nunca a puxei para os meus braços como agora? Por que nunca toquei em seu rosto macio antes de hoje? O que eu estava esperando? Um minuto passa. Ela olha para mim e seu rosto está seco. – Ok, eu tenho que fazer isso.


Nosso momento acabou, então eu a solto lentamente. Ela se move para longe e um pedaço de mim morre.


Sophie Tocar Carter faz tudo ficar melhor. Meu coração tem rachaduras, cicatrizes e histórias de horror, mas Carter me faz esquecer a dor. Eu preciso dele. Eu o amo. Não posso me sentir completa sem ele. Relutantemente me afasto de Carter e de seu familiar cheiro de mar e saio da picape. Ando a pé até o segurança da Low Lou’s, tentando parecer que quero estar lá, Carter está logo atrás de mim. – Identidades, – O segurança rosna para a gente. Ele é um gigante careca, com um cavanhaque escuro e há tatuagens cobrindo toda a sua garganta. Pelo menos a minha mãe trabalha em um lugar onde pedem as identidades. Isso tem que ser um pouco mais seguro do que a política de ‘fique à vontade’ que Pete tinha. Carter e eu mostramos nossas identidades. E são legais. Yay! Entramos no bar de strip e tudo dentro de mim grita: CORRA! CORRA! CORRA! Mas eu não corro, é claro. Eu tenho crianças para alimentar. Tenho uma família para cuidar. Ugh.


Demora um minuto para que nossos olhos se ajustem à escuridão do lugar. O ar é denso de fumaça e cheiro de... alguma coisa. Eu posso ver silhuetas de pessoas no canto de trás, mas não seus rostos. Carter assume a liderança e eu apenas o sigo como um cachorrinho. Sinto-me segura desta forma. Ele caminha até o garçom e pergunta se a minha mãe está trabalhando esta noite. O barman acaba de limpar o balcão superior com um pano sujo antes de responder. Ele é um homem acima do peso e que parece estar na casa dos cinquenta, mas provavelmente não tem mais do que 35 anos. Ele está usando anéis de ouro berrantes em seis de seus dedos gordinhos e tem um cigarro na boca. Quando ele acaba com o pano todo manchado com a sujeira do balcão, olha para cima e nos dá uma palestra sobre a lista de espera, sobre as entradas, e sobre os preços. Em seguida, tenta nos vender uma stripper, que ele diz ser muito diferenciada, chamada Algodão doce, tudo isso enquanto mantém o cigarro aceso e o equilibrando no canto da boca. Uma mulher semi-vestida - que eu presumo ser Algodão Doce - passa pelo bar e pisca para Carter. Eu me sinto doente. – Na verdade, – eu respondo, porque começo a perder minha paciência e também meu estômago – Eu sou a filha dela. Preciso vê-la. O garçom me olha sugestivamente. Carter então se coloca em minha frente. – Pensando em montar um número de dança entre mãe-e-filha, doçura? Lou ama esses tipos de shows. Aposto que ele pode arrumar um horário nobre para um corpo como o seu. Ele está olhando para o meu peito e eu me sinto exposta - mesmo que minha camiseta mais do que me cobra. Ouço Carter rosnando ao meu lado então rapidamente digo: – Não. Eu só preciso falar com ela. O barman diz: – Nós não temos nada disso de drama familiar por aqui, você entendeu? Vou dizer a ela que tem visitantes, mas se você causar uma cena, vou te expulsar daqui, entendeu?


Eu não gosto do barman imensamente, mas aceno de qualquer maneira. A mão de Carter de repente está na parte de trás do meu braço e eu me sinto segura novamente. Nós não falamos, provavelmente porque eu estou prestes a vomitar, mas nos entendemos. Sua mão lentamente corre pelo meu braço e encontra minha mão. Ele entrelaça seus dedos entre os meus e eu quero pular em seus braços. O barman nos leva a uma porta escura e aponta para as traseiras. Desta vez, durante o caminho, Carter e eu estamos conectados pela minha mão. Passamos o barman e entramos no que eu só posso supor que seja um camarim. Em torno de nós há strippers nuas correndo para todos os lados experimentando roupas, há maquiagens e lingerie espalhadas por todo o chão. E à direita, bem no meio da bagunça, está a minha mãe. Usando um colete de paetês minúsculo que aperta seus peitos, os deixando bem juntos. A única outra coisa que está vestindo é uma tanga. E um sorriso perdido. – Sophie, bebê! O que está fazendo aqui? – Ela vem e joga seus braços em volta de mim. Está me abraçando como se eu fosse uma amiga que não vê há muito tempo - não sua cansada e morta de fome garotinha. Ela cheira a fumo e baunilha. – Ei, mãe. Eu, uh… – Ruby! Venha até aqui! Venha conhecer o meu bebê! – Ela está feliz. Muito feliz. O que significa que a heroína está entre a gente. Ou a metanfetamina. Ou a cocaína. Eu deixo a mão de Carter para que possa esfregar minha mão suada em minha calça. – Troféu, eu não sabia que você tinha uma garota! – Ruby aparece no canto, de topless. Ela olha para Carter e ronrona. – Oh, querida, por favor, me diga que esse garoto não é seu também, porque você sabe como eu gosto dos novinhos! Eu quase cuspo em Ruby. Em vez disso olho para minha mãe, confuda. – Troféu?


– Sim, querida. Esse é o meu nome artístico. O que acha? Agora nossos nomes rimam3! – Ela está animada com isso. Acha que isso é divertido. Ruby sai da nossa conversa e eu estou grata por ela levar seus peitos nus com ela. Olho para a minha mãe. Seu corpo está magro demais, machucado e tem um bronzeado muito falso. Quero pegá-la, dar-lhe um banho e envolve-la em um cobertor. – Huh. – Isso é tudo o que eu digo. Odeio que minha mãe tenha um nome artístico. – Então, Sophie, querida. O que te traz aqui? Como você sabia onde me encontrar? Ela é agradável. Não percebe que trocou de profissão sem me deixar o endereço. – Pete, mamãe. Ele me disse que eu poderia te procurar aqui. Ela acena para mim com a mão. – Aquele Pete não era bom. Ele era um completo perdedor. Não me diga, duh. – Uh, mãe. Eu vim ver você, porque o aluguel está vencido e as crianças precisam de roupas novas… – Crianças? Troféu, você tem mais crianças em casa? – Ruby está de volta, mas desta vez está vestida com um top. – Sim, Rubes. Eu tenho dois garotos. Eu tento esconder meu desgosto pelo seu esquecimento. – E Chloe, mamãe. Ela suspira: – Oh, é mesmo! Também tenho a Chloe lá em casa. – Ela ri como se fosse hilário que ela esqueceu sua própria filha – Quantos anos têm a pequena Chloe hoje em dia? Dois? Três? Eu odeio a minha mãe. – Seis, mamãe. – Seis! Nossa, o tempo voa. Eu retrocedo um passo e sinto o peito de Carter atrás de mim. É reconfortante. É a única coisa que me impede de gritar. 3

No original, ‘Trophy’ faz rima com ‘Sophie’.


Eu continuo. – Certo, então, as crianças, todas elas, precisam de roupa e o aluguel está vencido… Ela acena para me interromper de novo. – Não diga mais nada, docinho. – Ela procura ao redor por sua bolsa falsificada e tira um maço de notas. Enfia o dinheiro na minha mão e sorri. – O dinheiro é grande dançando, querida. – Mamãe está sendo muito boa este mês. Aperto meu estômago, tentando manter meu interior lá dentro, sem derramálo para fora. Pego as notas, aliso-as para que se encaixem na minha carteira. E então observo todas as centenas. – Mãe... aqui tem... – Eu conto o dinheiro. – Tem três mil dólares aqui! – Eu sei querida. – Ela chia. Ela dá um grande sorriso e eu noto que seu dente da frente está quebrado – Eu disse que o dinheiro dançando é bom. – Então ela me olha de cima a baixo, como se nunca tivesse me visto antes. – Sabe... Você poderia fazer muito dinheiro aqui, Sophie! E eu quero dizer MUITO DINHEIRO! Você e eu juntas poderíamos conseguir uns cinco mil por noite. Ela está falando sério. – Quer que eu fale com Lou, docinho? – Ela está olhando para mim com um entusiasmo genuíno e meu coração se parte completamente. Ela não é mais a minha mãe. Ela é uma mulher que deu à luz quatro filhos, e deixou três deles em meus cuidados. Ela é só algo que eu uso para pagar as contas. Isso é tudo. Decido que vou arranjar um bom trabalho assim que eu me formar, porque nunca mais vou tomar seu dinheiro sujo. – Uh, não, mamãe. – Minha voz racha e eu estou perto de lágrimas. – Querida, o que há de errado? Você está doente, bebê? É claro que ela pensa que eu estou doente. Está muito amarrada a outras coisas para enxergar que estou assim porque estou sofrendo de um coração partido. Carter fala e acalma meu coração. – Acho que temos que ir. – Oh, eu sou tão rude. Sophie, quem é o seu amigo aí? – Olho para cima, não vendo mais a minha mãe, vendo apenas uma stripper. – Este é Carter. – Eu falo. Ela não reconhece o nome. – Da casa ao lado?


Ela levanta as sobrancelhas, surpresa. – Oh, Carter! Seu pai costumava bater em você, certo? Coisa terrível aquela sobre sua mãe perdendo a cabeça. Como ela está aguentando, tadinha? Nenhum osso quebrado, posso ver. Eu a odeio. Se eu ficar mais um minuto aqui, vou estrangulá-la. – Não, Sra. Hartman. Nenhum osso quebrado. – Ouço a voz controlada de Carter. Tenho certeza de que estou à beira de um colapso mental. – Eu tenho que ir. Não falo ‘adeus’. Não a chamo de ‘mamãe’. Só me viro e saio. Eu nunca mais vou vê-la e isso me liberta. E também me mata. Carter está atrás de mim quando saio do clube. Ele me leva até a picape e nos leva para longe. Os edifícios são um borrão enquanto deixamos o centro da cidade. Está escuro lá fora. Nós dirigimos por um longo tempo e eu posso ver as estrelas contra o céu negro. Eu não chorei ainda. Estou muito entorpecida para chorar. Carter entra em uma estrada de terra e eu sei onde ele está indo. Eu o amo por isso. Agora eu começo a chorar porque ele é tão maravilhoso e me conhece tão bem. Ele alcança minha mão e a cobre com a sua. Ele acha que estou chorando por causa da minha mãe, mas não estou. Estou chorando porque o vizinho do lado me ama, e essa é a melhor coisa que já me aconteceu.


Carter Estou dirigindo para as antigas cavernas de mineração. É o único lugar que a gente sente como se nos pertencesse. Está vazio de pessoas e cheio de céu. Eu não consigo levar Sophie de volta para casa ainda. Então eu paro no meio da sujeira, estaciono e silenciosamente dou um beijo no topo da doce cabeça de Sophie. Ela está chorando e eu estou desconsolado. Não posso fazer nada para melhorar as coisas difíceis para ela. Então eu faço a segunda melhor coisa. Saio da picape, abro a porta, puxo-a para fora e sento-a na parte de trás da picape. Como costumávamos fazer. Antes. Estamos sentados na parte de trás do meu carro e olhamos para as estrelas. Nós não vínhamos aqui há um longo tempo. Não há cigarros, desta vez. Apenas mais corações partidos. Mas há algo mais, também. Amor. Não o tipo de amor que você vê nos filmes ou escuta no rádio. O tipo real. O tipo que fica abatido e machucado, mas persevera. O tipo que espera até mesmo quando a esperança parece tola.


O tipo que perdoa. O tipo que acredita na cura. O tipo que pode sentar-se em silêncio e ainda assim se sentir renovado. O tipo verdadeiro de amor. É raro e nós o temos. Nossos pés estão balançando para fora da borda da picape, enquanto olhamos para a escuridão. Sophie suspira e inclina-se contra mim. Ela cheira como maçãs e lágrimas. Eu a deixei terminar de chorar antes de falar. – Sinto muito... por essa noite Ela acena com a cabeça. – Eu também. Nós envolvemos nossas mãos e não falamos mais. Sentamos assim por horas. Sophie encostada em mim, respirando suavemente, e eu esfregando o polegar em toda a sua pequena mão. É um bom final para um dia ruim. Não é um final feliz, mas é bom. Algum dia eu vou me assegurar de que seja feliz.


Sophie Os Pequenos estão hiperativos nesta manhã de segunda-feira, animados para o carnaval de fim-de-escola esta semana. Estou animada também. Não para o carnaval, mas para o fim da escola. Eu vou estar pronta. Estarei livre para fazer uma nova vida para todos nós. Estou correndo feito uma galinha frenética, arrumando os almoços e mochilas, enquanto faço o café da manhã. Carter não vai poder vir esta manhã. Ele ligou para dizer que sua mãe teve um ataque e tinha quebrado todos os vidros que encontrou na casa. Ele estava ocupado vasculhando a casa a procura de cacos de vidros esquecidos em que ela poderia cortar seus pés descalços. Ele é um bom garoto. Coloco todos para fora de casa, pego uma caneca cheia de café quente e tranco a porta. Os Pequenos seguem seus caminhos e eu ando até a porta de Carter. Abro e dou uma olhada lá dentro. Carter está de quatro no chão, em suas mãos e joelhos, olhando embaixo da mesa de jantar. Ele suspira e eu limpo a minha garganta. Ele olha para cima e não parece surpreso em me ver. – Bom dia, Raio de Sol. – Eu falo exibindo um sorriso. Isso faz com que ele sorria de volta e eu me sinto vitoriosa. – Bom dia. – Ele responde.


– Trouxe café. – Entrego a ele enquanto se levanta. Está bem quente e eu coloquei em sua caneca favorita. Ele olha para o café, olha para mim e então mexe a boca. Acho que ele vai dizer alguma coisa, mas ele é interrompido pelo grito estridente de sua mãe. – Carter! Os alienígenas estão de volta! Eu preciso de mais vidro! Eu preciso de mais vidro! Carter parece derrotado. – Já volto. Eu o impeço: – Não, deixa que eu vou. Ele está balançando a cabeça, pronto para discutir. Então eu coloco a minha cara de teimosa e uso minha voz de mãe: – Eu conheço o jogo, Carter. Posso fazer isso. Apenas sente e beba seu café. Finja que é apenas um cara normal que lê o jornal pela manhã e realmente gosta do sabor do café. – Sorrio enquanto corro para a sala de estar. A Sra. Jax está agachada no canto, armada com um vaso de plástico. – Ei, Sra. Jax. Carter disse que você está tendo um problema com os alienígenas? – Eu falo isso com sinceridade. Zombar dela não é bom. – Sim, sim. Eles estão por toda a parte e me querem! Concordo com a cabeça e olho ao redor propositalmente. – Ok, vamos fazer o seguinte. Vou dizer para Carter ir pegar mais vidro e enquanto isso, vou escovar seu cabelo, ok? Aliens odeiam cabelos escovados, não vão chegar perto de você. – Sorrio para ela. Ela acena com a cabeça e eu fico aliviada. Acho uma escova e começo a domar seu cabelo selvagem. – Os extraterrestres são reais, você sabe, – ela diz. – Eu sei. – Eles estão na minha cabeça por anos. Dizendo-me mentiras. Isso me deixa triste. De certa forma, eu tenho certeza que é verdade. – Isso é terrível. Você pode pedir para eles que te deixem em paz? Seu cabelo amolece em minhas mãos. – Ah, com certeza. Mas eles não me escutam. Eles estão bem lá, sabe? – Sinto muito, Sra. Jax. Isso deve ser frustrante. – É! Quer dizer, eu poderia expulsá-los, mas então onde eu estaria?


Eu não sei como responder a isso, então não digo nada. A Sra. Jax continua. – Eu estaria de volta para o monstro, é onde eu estaria. E eu não quero nunca mais ver o monstro de novo. Ela provavelmente está falando de alguma coisa peluda e alaranjada que dorme debaixo da cama, mas eu respondo como se estivesse falando sobre o pai de Carter. – Ele era um monstro mau. – Eu digo e quero chorar por todos os danos que o monstro fez. – Sim, – ela diz baixinho, – Ele era. – De todos os jeitos, você é uma boa mulher, Sra. Jax. Esse monstro não pode te pegar agora. Seu cabelo está quase concluído. Ela suspira e inclina a cabeça para trás em mim. – Os coelhos gostariam de você. Eu sorrio e aceno de cabeça.


Carter Eu estou olhando para a xícara de café como se fosse um objeto estranho. Sophie me trouxe café. Não é grande coisa. Mas é. Ela me ama. Não é o café. Ou o fato de que ela está escovando o cabelo da minha mãe. Não são as notas que ela deixa cair para mim no caminho da escola para casa. Ou o jeito que ela me espera no balanço. São todas essas coisas. E mais. Sophie entra na cozinha e seus olhos estão em mim com curiosidade. Eu pareço um bobo, porque estou ali de pé, olhando para a minha xícara de café, sem fazer nada. Sorri para mim com seu rosto bonito e meu coração bate mais rápido. Ela sabe tudo sobre mim. E ainda me ama. Momentos se passam entre nós, sem palavras. – Eu te amo. – Ponho para fora. Não tinha a intenção de dizer isso, mas não me arrependo. Meu rosto está quente e minhas mãos estão dormentes porque todo o meu sangue correu para o meu peito. Seu sorriso não vacila, ela está olhando diretamente para mim. – Eu sei, – ela diz.


E nós ficamos assim, olhando um para o outro, por incontáveis segundos. O silêncio é pesado, mas de uma maneira confortável. Sophie abre a boca como se fosse responder, mas a voz da minha mãe corta o nosso momento. – Carter! Acho que tem um aqui! Nós quebramos o nosso olhar e eu exalo. Lentamente, eu digo: – Tenho que ir checá-la. Sophie assente e dá um passo em minha direção. Ela coloca sua mão na minha e aperta. Em seguida, sai. Eu estico meu pescoço e, silenciosamente, entro na sala de estar para ajudar minha mãe, meu coração ainda está batendo acelerado.


Sophie CARTER JAX ME AMA. CARTER JAX ME AMA. Eu sei que ele me ama. E ouvi-lo dizer isso em voz alta faz meu coração pular. Eu ando até a escola saltando, porque não consigo manter os meus pés no chão. Eu não disse de volta. Por que eu não disse para ele também? Eu o amo. Mais do que qualquer coisa. Por que não disse isso a ele? Eu sou uma idiota. Uma idiota com pés saltitantes. O dia na escola se arrasta. Sério, é o dia mais longo da história da escola. Estou impaciente para sair. Vou correr para casa e... fazer o quê, exatamente? Bater na porta de Carter e declarar meu amor? Não, vou esperar até o balanço. Vou esperar até que estejamos longe dos nossos problemas e então vou dizer a ele. A aula finalmente acaba e eu saio correndo para casa. Faço minha lição, faço o jantar e espero com impaciência pela hora de dormir. Mas leva uma eternidade até que consiga colocar os Pequenos na cama. Chloe está pedindo um copo de água a cada 15 minutos, Abram está reclamando porque quer assistir mais TV e Michael fica com essa conversa repetitiva de que ele já é quase um ‘rapaz crescido’ agora.


– Ouça Michael, se você está se referindo a si mesmo como um ‘rapaz crescido’, então você ainda é totalmente uma criança. Os crescidos se chamam de ‘adultos’. Minhas palavras fazem uma loucura em Michael, então ele entra em seu quarto como uma tempestade e empurra seus fones de ouvidos para seus lugares. Estou correndo pelo corredor para que eu possa chegar ao balanço primeiro, quando o telefone toca. É Carter. – Ei, Sophie. – Ei. – Eu sei o que ele vai dizer. Ele só liga por uma razão. – Minha mãe está pirando, então não vou poder ir, pois tenho que ficar esta noite em casa... Sinto muito. – Ele soa como se realmente sentisse. Meu coração se parte porque eu tinha esse ótimo plano-de-declarar-o-meuamor. – Sinto muito. – Eu falo. O que eu quero dizer é ‘Eu te amo’. Mas não falo. Porque sou uma covarde. – Posso ajudar em alguma coisa? Posso ouvi-lo sorrir. – Não. Mas obrigado. Desligamos e eu me sinto perdida. Caminho em torno da casa por cerca de uma hora porque o meu coração não está em paz. Algo está errado. Eu me sinto errada. Eu me sinto... vazia. Estou triste. Estou triste porque o vizinho do lado me ama e ele não sabe que eu o amo. Eu tento me acalmar e chego a um plano de trotar até sua casa na manhã seguinte com um ‘Eu amo Carter Jax’ escrito na testa. Apago as luzes e subo na minha cama. A cama está em frente da minha janela de propósito. Para que eu possa ver o quarto de Carter. Eu sempre deixo minha janela aberta porque isso me faz sentir mais perto dele. Parecem passar horas antes que eu veja Carter entrando em seu quarto. Ele olha para a minha janela. Ele não pode me ver, não sabe que eu estou acordada, mas está encarando de qualquer maneira. Porque ele me ama. Eventualmente, a luz se apaga e ele cai em sua cama. Olho para seu quarto escuro por um longo tempo antes de perceber que estou tremendo.


Meu coração está batendo tão forte que eu posso senti-lo martelando em meu peito. Quase como se ele estivesse tentando percorrer todos os metros que estão nos separando e pular dentro do peito de Carter. Tum-tum, tum-tum, tum-tum. Meu pulso acelera ainda mais e eu me sento, e percebo que meu coração inquieto não vai aguentar atravessar uma noite inteira desse jeito. Levanto e decido me esgueirar na ponta dos pés para fora da minha casa até sua janela. Eu vi isso sendo feito na TV, então tenho certeza que é fácil. Em vez de usar minha porta da frente como uma pessoa normal, sensata, não uma pessoa louca de amor, decido que vou sair pela janela do meu quarto. A execução é mais difícil do que o meu cérebro atingido pelo amor imaginava. Para começar, minha janela faz tanto barulho que parece um animal uivando enquanto a abro somente o suficiente para passar meu corpo completamente. Não exatamente a manobra furtiva que eu esperava. E a queda de um metro e meio da janela até o chão teria sido muito mais agradável se eu estivesse usando sapatos. Eu pensei em trocar de roupa? Claro que não. Estava muito ocupada tentando manter meu coração pulando dentro de meu próprio peito ao invés de ir até o quarto de Carter sem meu corpo. Então, não. Eu não planejei um traje de fuga especial. É por isso que agora eu estou em pé, com os pés descalços na lama pegajosa debaixo da minha janela, vestindo apenas um par de shorts de ginástica e uma fina camiseta do Snoopy. O vento sussurra através das árvores, momentaneamente ultrapassando todos os outros sons produzidos pela noite, enquanto eu olho pelo quintal escuro onde está a janela de Carter. Seu quarto parece mais distante do que nunca e por alguma razão, eu começo a entrar em pânico. Não porque a escuridão é assustadora e as sombras estão se movendo por vontade própria. Mas porque eu não posso esperar mais um minuto para dizer a Carter que eu o amo. Então, eu faço o meu caminho através de nossos jardins, enquanto o vento chicoteia o meu rosto, me lembrando que da próxima vez que eu queira brincar de Garota Ninja, deveria trazer um casaco.


A grama e o cascalho entre nossas janelas estão úmidos e frios nos meus pés descalços, mas eu não me importo. Eu andaria sobre brasas quentes apenas para assistir o sono de Carter. Quando chego até sua janela, percebo que está totalmente aberta, como a minha. Ele provavelmente deixa assim há anos. Não estou surpresa. Mas comovida. Mantemos nossas janelas abertas para que possamos ouvir um ao outro, ver, sentir o outro. Porque nós nos amamos. Felizmente, sua janela é baixa, tornando minha entrada mais fácil. A última coisa que eu preciso agora é de escalar um paredão e de outra janela ruidosa. Eu calmamente coloco meus pés para dentro de seu quarto e espero um momento para meus olhos se ajustarem. Eu o vejo sentado em sua cama. Ele está acordado e tem um sorriso torto em seu rosto, não está surpreso em me ver. Provavelmente porque o chiado de minha janela o acordou. Nada de entrada sorrateira hoje, então. Eu sorrio, principalmente de mim mesma, por ter sido tão boba, mas também porque meu coração está aquecido e feliz agora que estou perto de Carter. Nós não dissemos nada por um minuto, e o silêncio é quebrado apenas pelo vento sussurrante vindo da janela. Eu lentamente subo em sua cama, com os pés sujos e tudo, e vou para onde ele está. Ele olha para mim com curiosidade... apreensivo... mas ainda assim eu não digo nada. Estou muito nervosa, feliz e ansiosa e apaixonada. E isso está me deixando maluca - mas de um jeito bom. Dobro os meus joelhos debaixo de mim e olho para ele por um longo tempo, que ele me permite fazer, sem questionar. Finalmente encontro minha voz. – Eu também te amo. – Digo, sem quebrar o nosso olhar. Meus batimentos estão irregulares no coração. – Eu sei. – ele diz, e sorri lentamente.


Meu coração voa. Meu mundo acaba de se tornar completo.


Carter Eu nunca estive mais feliz em toda a minha vida. Sophie Hartman me ama. Eu não sei o que fazer. Beijo-a? Posso beijá-la? Esta é Sophie. Ela é a pessoa mais importante na minha vida. Não posso estragar tudo. Então eu chego mais perto e pego a mão dela na minha. Ela sorri. Eu olho para nossas mãos entrelaçadas e calor inunda meu coração. Levanto a mão para a boca e começo a colocar beijos suaves em seus dedos perfeitos e sem cicatrizes. Ela está me observando, provavelmente pensando que eu sou um idiota. Que eu sou. Mas, então, ela puxa a mão da minha e uma parte de mim morre. Eu sinto que não posso respirar e tenho certeza que o meu coração parou. Mas ela sorri novamente. – Carter, – diz ela, e eu prendo a respiração. – Por favor, posso apenas... Ela me olha atentamente e franze os lábios. Ela é a coisa mais maravilhosa que eu já vi. Então ela me beija. Não o tipo de beijo molhado que você vê nos filmes.


Não, ela pressiona seus lábios na minha sobrancelha, aquela com a cicatriz de uma garrafa de cerveja. Em seguida, ela beija a ponta de meu queixo, o que ficou tão inchado na sexta série que eu só podia comer líquidos. Em seguida, a ponte do meu nariz, quebrado mais vezes do que eu posso contar. Então, meu queixo, com a cicatriz deixada por uma bota com biqueira de aço. Ela continua beijando minhas cicatrizes. Cada cicatriz. Ela conhece todas elas. Assistiu todas aparecerem e curarem. – Eu nunca... – diz ela entre beijos, – pude beijar a sua dor para ela ir embora... – outro beijo, – quando éramos pequenos... – ela move seus lábios na minha testa, – … e eu sempre quis. Eu poderia morrer de felicidade. Seus lábios se movem para baixo para o canto da minha boca. O homem que é meu pai abriu o canto da minha boca com uma faca uma noite porque queria me ver sorrir. Deixou uma cicatriz branca permanente. Seus lábios a tocam suavemente. Os lábios de Sophie em mim fazem cada soco, cada pontapé, cada ferida, cada cicatriz valer a pena. Ela se afasta do canto da minha boca um pouco e eu estou perfeitamente imóvel. Com medo de que se eu me mexer vou acordar. Sua respiração acaricia meus lábios, minhas respirações são irregulares e quentes. Ela inclina a cabeça para o lado e olha para a minha boca. Então eu beijo-a. Neste momento, tudo de ruim, tudo de doloroso e injusto desaparece. Sou só eu e Sophie. Conectados. E eu nunca me senti tão inteiro.


Sophie Três dias depois, eu estou sentada entre os meus colegas de turma, todos nós vestidos com roupas brilhantes, à espera de ser chamados para o pódio grande criado na área da cesta de basquete no ginásio. O dia da formatura chegou. Outros do meu ano estão sentados ao meu redor, sussurrando e cheios de emoção. O Sr. Westley está tentando, sem sucesso, ganhar a atenção da multidão inquieta e realizar um discurso sobre "aproveitar o dia" e "talhar o seu próprio caminho" e "perseguir seus sonhos". O sonho que eu quero perseguir agora é o sonho de tirar esse manto grosso e pesado. Minha camiseta e shorts embaixo estão colados à minha pele. E a minha pele se sente abafada e presa sob o material sufocante. Eu realmente não gosto da roupa de formatura. O ginásio está cheio de pessoas, tornando o lugar quente e abafado. Pais, irmãos e outros familiares diversos enchendo as arquibancadas. É um dia crucial para a maioria das pessoas. Estudantes em torno de mim estão acenando para os entes queridos no meio da multidão. Entes queridos que vieram para testemunhar o dia tão significante de graduação. Não existem entes queridos sorrindo para mim, no entanto.


Os Pequenos estão na escola e minha mãe (que já não é a minha mãe) provavelmente nem sabe em que ano está, muito menos o fato de que sua filha mais velha está se formando na escola hoje. Eu não estou triste por isso. Apenas consciente. Olho para baixo, para a linha de colegas sentados ao meu lado. A quinze cadeiras de distância está Carter, esticando o pescoço e assistindo o Sr. Westley com indiferença. Ele não tem familiares aqui por ele também. Mas tem a mim. Eu olho para o rosto bonito e inclino minha cabeça. Ele parece um homem hoje. Não por causa da beca - definitivamente não é a beca. Mas porque seu rosto está cheio de confiança e força. E hoje ele parece... satisfeito. E satisfação parece fazer bem para ele. Ele olha para baixo da linha e nossos olhos se encontram. Ele sorri, sem hesitação, e meu rosto sorri de volta como uma colegial tonta. Eu amo o jeito dele. A cerimônia continua. Os nomes são chamados. Diplomas são entregues e há muita alegria por aqui... ou o que seja. Quando o último nome é chamado, todos jogam seus capelos para o ar e vibram em aplausos. Bem, quase todos. Carter e eu nos olhamos e fazemos o nosso caminho em direção ao outro. Em torno de nós, pais orgulhosos estão tirando fotos de seus filhos graduados e os cercam com flores e abraços. O caos é alegre e cheio de esperança e poder. Estou feliz por todos ao meu redor. Tenho um pouco de inveja pela fé que eles sentem no futuro, mas realmente quero que eles “aproveitem o dia”, ou o que seja. Chego do lado de Carter e olho para seu rosto. Ele sorri para mim e tenta enfiar as mãos nos bolsos. A beca atrapalha seu movimento, no entanto, e suas mãos deslizam pelo tecido. Eu rio baixinho: – As becas são uma merda. – Sim. – Diz sorrindo para mim – Ela são.


– Quer arrancá-la? – eu falo meio brincando, mas ele leva a sério e tira a sua, revelando uns jeans desbotados e uma fina camiseta branca por baixo. Rio de novo enquanto tiro a minha beca também e, finalmente, minha pele e minhas roupas respiram. Nós deixamos as roupas cair no chão do ginásio e começamos a caminhar em direção à saída. Carter respira profundamente. – Então... nos formamos. Concordo com a cabeça. – Sim. – Você se sente diferente? Olho para ele de lado, – Sim... – Meus olhos caem em seus lábios. – Mas não porque me formei. Os olhos dele estão em mim. – Eu também. Continuamos caminhando E então, no meio de todos os nossos colegas - no centro do ginásio lotado, onde os professores, os pais, as Whitneys e Evans estavam em torno de nós fazendo bagunça - Carter pega minha mão e a prende, como se pertencesse a ele. E pertence. Sorrio enquanto saímos de nossa formatura, juntos.


Carter Eu fiz uma coisa meio brega esta manhã, antes da formatura. Espero que Sophie goste. Ela pode pensar que é estúpido, mas eu não me importo. Sou louco por ela e os loucos fazem coisas loucas. Estamos caminhando, de mãos dadas, na calçada em direção a nossas casas enquanto a brisa sopra. Sophie está me provocando isto-e-aquilo enquanto conversamos sobre o ensino médio, os professores e assuntos que esperamos nunca ter de estudar novamente. Isso é normal. É maravilhoso. O caminho a pé da escola até minha casa nunca foi tão... feliz. Nós chegamos em nossas casas e pausamos, as mãos ainda estão entrelaçadas. – Certo. – Eu digo e tenho certeza de que soei como um idiota. – Tenho uma surpresa para você... mais ou menos. Quero dizer, não é grande coisa... eu sei... Aqui, vem comigo, quero lhe mostrar uma coisa... Sim, idiota total. Mas Sophie apenas sorri e entra na brincadeira. Ela me deixa levá-la entre nossas casas, através dos jardins e para a parte de trás, onde o grande carvalho guarda nossas casas e segredos. Debaixo do grande carvalho, estendi um cobertor e montei um piquenique. É totalmente brega. E tenho certeza que Sophie vai rir de mim.


Mas ela não ri. Não no primeiro momento, de qualquer maneira. No início, só me olha, inclina a cabeça para o lado e sorri. Em seguida, ela dá uma risada. Não como se estivesse sendo irônica, mas de um modo feliz. – Eu amei, amei, amei isso! – Sophie está saltando para cima e para baixo e eu me sinto vitorioso, logo estou rindo junto dela. Nós nos sentamos e comemos enquanto falamos, suspiramos e rimos, também ficamos em um silêncio confortável. Quando a comida se foi e o sol estava passando em cima de nós, a gente se deitou, lado a lado, de costas, olhando para as folhas do carvalho e para o céu. Assim como fazíamos quando éramos pequenos. Só que agora é diferente. É melhor. A mão de Sophie atravessa por todo o cobertor e se envolve em torno da minha. Nós ficamos assim, deitados, olhando para o céu e para o movimento das folhas pelo que me pareceram horas. Nunca fomos para o grande carvalho durante o dia antes. Algo como isso é... promissor. Por alguma razão, parece que hoje, neste momento, debaixo do grande carvalho e o céu azul, é o começo de algo novo e eterno. Sophie toma uma respiração profunda e exala lentamente com um sorriso. – Isso é muito melhor do que fugir para Hollywood. Eu ri. – Totalmente. Aperto-lhe a mão para me lembrar de que não estou sonhando. Eu amo Sophie Hartman, e isso não me assusta em nada.


Sophie Dois dias depois, o sol maçante da manhã cai silenciosamente sobre os restos da cozinha escurecida de Carter. Nosso piquenique de graduação parece ter acontecido a uma eternidade atrás. Estou sentada de pernas cruzadas no chão da cozinha danificada, rezando para que o barulho de meu coração batendo não perturbe o silêncio que sei que ele precisa agora. Carter está sentado ao meu lado, olhando para o nada, e eu me sinto completamente inútil. Não sei o que fazer, então eu somente vou para perto dele. Um minuto se passa. Ponho meu cabelo atrás da minha orelha e chego ainda mais perto. Mais um minuto se passa e a sala parece esfriar. Eu me movo para ainda mais perto, até que nossos joelhos estejam se tocando. Muito melhor. Eu respiro fundo e espero em silêncio.


Carter Na noite da formatura, minha mãe deixou a cozinha em chamas. Depois de Sophie e eu terminarmos nosso piquenique, levamos seus irmãos para o carnaval da escola. Enquanto estávamos lá, recebi um telefonema da polícia e corri para o hospital para encontrar minha mãe com marcas de queimadura em todo o corpo e pontos em sua cabeça. Ela queimou duas paredes e quebrou a janela da nossa cozinha, jogando-se contra ela com uma raiva delirante. Ela está enfaixada e machucada, mas vai ficar bem. Fisicamente, pelo menos. Os médicos insistiram para que fosse transferida à um hospital de saúde mental, submetida a uma avaliação psiquiatra e que ficasse lá... Indefinidamente. Os assistentes sociais estavam lá também, assegurando que ela estaria mais feliz e mais segura sob os cuidados do Governo. Eu concordei com a cabeça, apenas porque eles queriam que eu o fizesse, mas meu estômago ficou oco. Fiquei sem fala e sem força dentro de mim. Minha mãe parecia animada com a ideia de sair. Ainda ontem, quando a levaram em uma van do Governo, não parecia estar com medo. Ela sorriu para mim como se estivesse indo passar férias em algum lugar tropical. Eu não chorei, mas meu coração doía.


Os médicos há anos falam que isso aconteceria um dia. Não deveria estar surpreso. Deveria estar feliz por ela finalmente estar cercada por indivíduos qualificados que possam dar a ela o tipo de cuidado que realmente precisa. Eu deveria me sentir bem com isso. Eu deveria me sentir aliviado. Mas em vez disso, me sinto... anestesiado. Estive sentado no chão da minha cozinha queimada por três horas. Em silêncio. Sem chorar. Sem me lamentar. Apenas... chocado. Está pesado aqui. Sophie está sentada perto de mim, no entanto, me ajudando a suportar o peso. Ela não disse uma palavra durante toda a manhã. Não precisa dizer. Eu deveria estar triste e cheio de desespero. Deveria estar me sentindo vazio e escuro por dentro. Mas não estava. Não há nenhuma escuridão dentro de mim. Porque Sophie está aqui. E eu posso sentir sua bondade penetrando em mim. Está passando pelo chão cheio de vidro e todo bagunçado, flutuando acima das paredes carbonizadas. Atravessando toda a fumaça que ainda está por aqui e se fixando em minha volta, me envolvendo em esperança. A esperança de uma vida nova. De um novo começo. Para mim e para minha mãe. Esperança de um futuro melhor e o sentimento de agradecimento pelo que eu tenho agora. Tipo a Sophie. – Eu te amo. – Falo sem olhar para ela – Eu sei. – Ela se move um pouco, seu pequeno joelho roça no meu – Também amo você. Eu sorrio lentamente e me sinto real. Estou bem. Vou ficar bem. Nós dois vamos.


– Eu sei. – Falo e encontro sua mão com a minha. Nós ficamos sentados em silêncio por sabe-se lá quanto tempo, apenas sentados lá. Joelho a joelho. Mão na mão. Ouço as risadas de Michael, Abram e Chloe vindo da casa ao lado. Eles estão brincando, alheios e felizes. Sorrio novamente. Porque sei que tudo vai ficar bem com a gente. Hoje... amanhã. Todos os dias. Eu me viro para Sophie, olhando-a por um minuto, e pergunto lentamente: – Você gostaria... gostaria de fugir? Apenas começar de novo? Ela me olha e sorri suavemente. – Totalmente. O peso que estava na sala vai embora, e a cozinha - e meu coração - se enchem com... Esperança.


Sophie Nós vamos ficar bem, eu e Carter. Nós realmente não temos um plano, mas sei que vou ficar bem de qualquer maneira. Porque a gente tem a picape batida, três mil dólares e os Pequenos todos juntos. E nós temos amor. O tipo verdadeiro de amor. Nós vamos para algum lugar. Algum lugar longe do sofrimento, mas perto o suficiente para visitarmos a Sra. Jax. Eu, Carter e os Pequenos. Nós vamos ser pobres e teremos que trabalhar duro, e provavelmente vamos lutar e querer desistir. Mas no final do dia, ainda teremos um ao outro, e isso é tudo o que precisamos. Os Pequenos estão espremidos no banco de trás da picape de Carter, todos de cinto, enquanto eu espero no banco de passageiro e respiro fundo. O tipo de respiração que te dá uma sensação boa. Aquela que te enche de esperança e paz. Carter entra e liga o motor. Está bonito hoje. Ele é bonito todos os dias, mas hoje ele é o meu herói, então está consideravelmente extra-bonito.


Ele me olha e sorri. Um sorriso verdadeiro. O tipo de sorriso que eu raramente vi ao longo dos anos. Espero que a nossa nova vida lhe traga muito mais daqueles sorrisos. Ele pega a minha mão, beija brevemente e sorri para os Pequenos. – Prontos para uma aventura? Chloe grita: – Sim! Uhuuuuu! – Enquanto os meninos assentem com a cabeça e tentam não rir. Eles estão felizes. Nós todos estamos felizes. Carter anda com o carro e eu me sinto livre. Sim, nós não temos muito para começar esta nova vida. Mas nós teremos nós. Vamos ter amor. Vamos ter família... Olho para a parte de trás da picape, para todas as coisas que embalamos, uma coisa em particular prende o meu olhar. ... E nós teremos o balanço velho da varanda. Como poderemos ser qualquer coisa, se não felizes com tudo isso? Respiro fundo, sinto o cheiro de oceano e abro um sorriso, o maior que eu já dei, enquanto passamos de carro por Penrose Street. Carter Jax já realizou todos os meus sonhos. E é só o começo.


Tradução e Revisão Inicial

Nathy

Revisão Final e Formatação

RedB.


Eu escrevo romances YA contemporâneos e paranormais. Leio, pinto, canto... mas não danço. Sou uma droga em dança. Sou obcecada por super-heróis e café. E adoro escovar os dentes.

Email chelseafinebooks@gmail.com



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