~o z
-
o
•
-
r
~
o
)t.
.,.li>
-
A. L. DE CARVALHO
•
•
A-L-DE-CARVALHO
')
..........
'ic()tau J()J ~6ttA;Ja(/l;teJ
"...., TRADIÇÓES ESCOLÁSTICAS DE GUIMARÃES ......
2. A EDIÇÃO
11
~
5
®
•
•
•
•
PALAVRAS PRELIMINARES
-
E R A ç O E S acadêmicas se sucederam no ciclo das tradições escolásticas de Guimarães. Nenhum cronista logrou contar-nos à margem das efeméddes vimaranenses, os fundamentos históricos da festa académica - o S. NIcolau dos Estudantes. Contudo. pela Sua anceanidade e originalidade, bem merecia que os moços acadêmicos de hoje soubessem como foi nas gerações pretéritas a sua festa escolástica. Velhos paladinos reuniram, é certo, alguns materiais, confiando-os à guarda da Sociedade MartIns Sarmento. Outros elementos andavam dispersos pelos jornais da terra. Quem se devotaria ao trabalho de coordenar esses materiais e juntar-lhe tantos outros que o Arquivo Municipal de Guimarães po.,ivelmente facultaria a quem manuseasse os seus códices P Com estas perspectivas colaborantes, dei-me à tarefa, com • • SImpatIa. Não logrei - por meu mal- a ventura de frequentar os cursos onde se alcança, a-par do saber, a qualidade ilustre de Estudante. A minha «cátedra» da ensinança - saiba-o quem haja de julgar o meu estofo literário - não foi além do a b c. Destarte, não frui o mel doirado das diversões Nlcollnas. Seu mero observador, do facto advirá a vantagem de tornar mais objectivo e sereno este trabalbo de coordenação histórica.
5
•
•
Em 1943 dei à publicidade a 1. a ediçiio do S. Nlcolau dos
Estudantes. Como, porém, em assuntos bistóricos, não há. obras definitivas, razão é porque esta nova edição se apresenta mais correcta e aumentada_ Nela tomará lu~ar, quanto possivel, a reprodução dos Bandos Escolásticos. Eles, por si, dão-nos aspectos reveladores da função Nlcollna. Mais ainda: Mostram-nos o lirismo poético como uma das características maís impressionantes da festa escolástica. Tornando-se fundamentalmente necessário pôr em destaque o foro tradicional das Nlcollnas, importa esboçar a fisionomia dos tempos idos e reajustá-Ia à sua época. Sem esse enquadramento ló~ico, de retrospecção, as Nlcollnas podem correr o risco de não serem compreendidas. Direi mais: Podem. em certos números do seu programa, serem até mesmo repreensíveis. Aquilatar, pelo espectáculo do presente, a importância das NIcolinas, é cair em erro. O que hoje se observa, é uma vaAa, uma esbatida reminiscência do passado. Para que melhor vejamos qu.nto a função estudantil constituia em nossa terra um acontecimento de vulto, será b.stante ler-se, reproduzido dum periódico portuense de 1854, este comentário que acompanha a notícia da festa académica de Guimarães:
6
•
' ... É uma festa de sumo Interesse local e pela qual todos os anos esperam com ansiedade os estudantes, seus pais e famílias, e na qual multas vezes as donzelas de Guimarães escolhem o jovem que há·de decidir do seu destino.> Esta noticia publícada há. mais de um século no periódico portUfnse. Braz Tizana ('), de passo que nos mostra a importância das Hlcollnas, igualmente nos patenteia que os seus com participantes já. haviam atingido a idade adolescente. Com efeito, ver-se-á. pelos fundamentos históricos das Hlcollnas, quem eram no passado os «escolares.. que mais se evidenciavam nesta função. tão ciosamente adstrita ao foro escolástico. Então não se estranhará. que Minerva, a deusa protectora dos Estudos, andasse de braço dado com M ercúrÍo, o deus da Eloquência e Cupido, o deus do Amor.
•
Não há. documentos que nos precisem a data inicial das Hlco· IInas. Aproximar-nas-emas porém da verdade, prendendo as suas raizes à era de Seiscentos. O dircctor do Braz Tizana foi José de Sousa Bandeira, nascido em Lisboa, em li8? Varias escritores - Sampaio Bruno, Pinho Leal, A. J. Vieira - t dizem.Do vimaranense. Este equívoco deriva do fado deste famoso jornalista ter vivido largos anos entre nós, onde fundou em 1822 o nosso primeiro jornal- O Azemel. Casado com D. Ana do Couto, da Casa da Carreira, de Guimarães, aparentado e n3 convivência com a melhor sociedade vimarancnse, o seu depoimento relativo às Nicolillas - impõe-se. Sousa Bandeira foi, no dizer de Alberto Pimentel, cO criador da imprensa moderna do Porto:t. (1)
7
Para que se possa bem aquilatar o ambiente escolástico onde se desenrolavam as Nlcollnas, ocuparei a~ primeiras páginas desta monografia em descrever quai~ foram. remotamente. os institutos da • • • enSlnança no melO VlmaTsnense. Por eles se podem colher impre~sões justificativas quanto à importância remota do meio escolá;tico. criador do ambiente propiciatório à função Nlcollna. E hoje? .. São outros os tempos. Uma nova mentalidade. um bem diverso conjunto de circunstâncias. arrastam a juventude para fora dos trilhos da tradição. Apesar disso - da corruptela dissolvente -, a juventude escolar de Guimarães quer bem à sua festa I Ê para colaborar com a juventude ~studantil que este livro surge. A própria nostalgia de que se reveste a lembrança do passado. tem neste livro o perfume alacre e forte da mocidade bem vivida. Eu o escrevi. não só por prazer intelectual, mas com o objfctivo de criar estimulo~ novos à manutenção e depuração das Nlcollnas. Vive em mim a convicção de que bem sirvo Guimarães _. a minha terra - . propugnando por que se projecte. para além da nossa geração. uma tradição académica tão bizarra e original, como não há semelhante em nenhum centro e~colar do Pais.
8
•
A ESCOLA DA COLEGlAD,\ NO SÉCULO XIII - ENSINO DA GRAM.ÁTICA LATINA, CANTOCHÃO E TEOLOGIA M.ORALSEUS ltlESTRES E ALUNOS
O
alfobre primário. aquele onde brotou como flor de maravilha a crisálida dos primeiros estudos em Guimarães, foi a Colegiada.
Os fundamentos históricos desta cátedra filiam-se em uma deliberação dos Concilias de Latrão de 1179 e 1215. Cada Colegiada consignaria um <beneficio> destinado ao sustento de um cónego com a dignidade e exercício de Mestre-Escola. É natural que na Colegiada de Santa Maria de Guimarães - a mais antiga e a mais rica de todas as instituições canonicais do reino - já tivesse havido qualquer ensino, anterior ao século XliI. Vejo cítados três Magisteres no Vimaranis Monumenta Histórica: (1042) Racemim. (1104) Bernardus. (1151) Alberitus. (Ob. cito pâgs. 425, 70, 85.) •
Gaspar Estaço, cónego da Colegiada de Guimarães, no século XVII, autor de Várias Antiguidades de Portugal, diz a este respeito:
<Tão antigo é nesta Vila o estudo da lingua latina, que precede em tempo as escolas de Coimbra e Lisboa, ordenadas por el-rei D. Dinis. > p.e Torquato de Azevedo, em Memórias Ressuscitadas da Antiga Guimarães (Ms. do século XVII), referindo-se a esta cátedra capitular, escreve:
<Esta escola se ordenou em tempo de el-rei D. Sancho lI.>
9
•
Aludindo à criação da escola, quer este autor atribuir à iniciativa do cabido da Colegiada o modo de pagamento ao mestre. Porquanto, deliberam:
- •... Se pedisse a S. Santidade a primeira prebenda que vagasse e, enquanto não vagasse, se retirasse de todos os mais uma porção para o leitor da dita gramática, do que resultou haver a conezia Magistral.> Este monógrafo vimaranense foi capelão da igreja Colegiada. Embora não cite os documentos coevos para garantia da sua afirmação, a verdade é que pôde manusear os manuscritos da instituição que serviu. Um pergaminho da Colegiada que se atribui a 1229, dá conta dos termos de uma carla do Legado Apostólico João, bispo Sabinense, cujos termos imperativos parecem indicar que, com efeito, já anteriormente ao século Xlll se exercia o ensino, e que este se havia, por qualquer motivo, interrompido:
.Severamente ordenamos que na vossa igreja haja um mestre que dirija a cadeira de Gramdtica, e ao mesmo atribuimos, enquanto a dirigir, uma prebenda completa . . . . . . . . . •>
o
Vimaranis Monumenta Histórica - que é um repositório de documentos referentes à história vimaranense - insere na integra o teor da ordenação. Por a mesma se vê que o ensino desta cátedra capitular ministrava as disciplinas de gramática latina e cantochão.
o
douto Pro!. catedrático Dl. Joaquim de Carvalho em um estudo referente às escolas das catedrais e colegiadas, assim se refere à escola da Colegiada de Guimarães:
.Aparentada intimamente com as escolas catedrais, eXistiu desde os princípios do século XIII uma escola capitular, na Colegiada de Guimarães, fundada pelo legado pontificío João de Abbeville, bispo Sabinense, que o rei D. Dinis, em 1291, por assim dizer confirmou. ·No estaMo (1229?) do legado pontificio consigna-se à colegiada a obrigação de manter um mestre de Gramática. •Districte precipimus quodin vestra ecciesia semper sit unus magister qui studium regat in gramatica et eidem magistro quandin regerit unam prebendam integram asignamus. (Cf. Vimaranis Monumenta Histórica, lI, 201). (Hist. dt Portugat, Ilustrada, Vol. 11, pág. 600.)
10
•
o
mesmo insigne Prol., em seu estudo incerto na Revista de Guimarães (1945), considera, quanto à provisão régia de 1129, que se trataria da <consolidação e robustecimento> da cátedra vimaranense. Da própria investidura de um dos seus doutos mestres, D. Paio Galvão ('), se vê que a escola da Colegiada bem podia já existir no século XII:
Pedro Amarelo, D. Prior, sabendo da vinda do Mestre D. Paio lhe foi dar as boas vindas e oferecer da parte dos seus cónegos a Dignidade de Mestre-Escola daquela igreja, que vogou pelo falecimento do mestre escolar D. Vasco Vivar.> < •••
•
Este encontro deu-se no convento da Costa, então dos Cónegos Regrantes de 5.'° Agostinho, para onde D. Paio Galvão se dirigiu, vindo do exerci cio da Universidade de Paris. Do resultado da conferência dá conta este relato:
.Não póde o Mestre D. Paio contradizer ao que se lhe pedia, e assim, de licença do seu prelado, houve de aceitar a Dignidade de Mestre-Escola. <E começou a ler no claustro da igreja matriz de Guimarães teologia moral, não só aos cónegos daquela colegiada, mas a todos os mais (sacerdotes) da Vila, que para este fim !e instituiu a Dignidade de Mestre-Escola nas igrejas catedrais e colegiadas.· (Crónica dos Cónegos Regranles de S." Agostinho.)
• A cátedra do ensino na Colegiada marcava a sua decadência nos primórdios do século XV. Em 1439, por ocorrências comprovativas das irregularidades no seu exercicio, a Câmara Eclesiástica dando cumprimento a uma Carta Apostólica, determinava:
Por o dito Senhor Padre Santo era a mim mandado que eu unisse e anexasse ao dito Mestre-Escola da dita igreja de Guimarães uma < • ••
Paio Oa/vão, que Guimarães evoca na toponímia da cidade, foi Mestre·Escola da Colegiada, em 1190, conforme se l~ na Hist. dos Cdn. Reg. do Patriarca S.'" Agostinho, do P.C: D. Nicolau de S.u Maria, pág. 254, 1.1 P. (1)
11
•
das canezias cam sua prebenda quem em ela par qualquer guisa vagasse, par e respandam e façam marte au par cessãa, au all/ra qualquer mada respander cam as rendas e frutas dela aa dita jaãa de Rezende, Mestre-Escala, e aas seus SI/cessares que a dita aficia em a dita igreja depais dele tiverem . .. :. (Arq. MUI!., L.o 1.0 dos Padroados, fls. 55-56.)
Anos sucederam-se. Toma conta da cátedra Lourenço Afonso de Andrade. De tal maneira irregular se desempenhava do ensino da gramática latina e canto; sucediam-se tão frequentemente os seus impedimentos, que levou o corpo capitular, complascentemente, a lavrar o seguinte termo:
<Saibam quantas este instrumenta de cantrata e canvençãa entre partes virem, que na ana da Nascimenta de N. S. J. C. de 1488 anas, aas 17 dias da mês de Abril, na vila de Guimarães, dentra na cara da muita hanrada e devata igreja de Santa Maria da dita Vila, senda hy (ai) reunidas em cabida par sam de campa taugida as Senhares Dignidades cónegas da dita igreja • scillicet (a sabe!) a Bac/wrel Fernãa Alvares, Chantre, Afansa de Freitas, Tesaureira, Laurença Afansa de Andrade, Pratanatária e Mestre-Escala da dita igreja, e Fernãa Carneira, Luís Vaz, Martim Laurença, Luis Anes, Afansa A ues, Pera Afansa, Pera Gançalves, e a mar parte das autras cónegas da dita igreja que ai sãa fazenda cabida, laga par eles fai dita: que era verdade que ele dita Pratanatária e Mestre-Escala era abrigada, pela criaçãa da dita seu Mestre-Escalada, de ensinar as Maças da Cara da dita igreja, de gramática e canta; e sentinda ele par serviça de Deus e da dita igreja, e pera eia melhar ser servida, a eles tadas prazia e queriam que a dita Mestre-Escala, pela abrigaçãa que a si era, aqueles ditas Dignidades e cónegas, cama cabida, a . desabrigavam em sua vida, e mais nam, par esta guisa scil/icet, que ele dê em cada um ana mil e duzentas reis a quatra Moças da Cara que sirvam a dita igreja cantinuadamente scil/icet dais dias cada samana e (nas) festas principais tadas quatra juntas, as quaes Maças da Cara paera (porá) a Chantre as mais idóneas que ele achar pera dizerem as respansetes, segunda as tempas que carrerem pela ana, e assim as versas, e darem as antifanas, as quaes mil e duzentas a dita Pratanatária pagará às terças da ana, au na caba da ana, coma a Chantre quiser.. . . . . . •• IArq. Mun., Códice 584, fi. 57 V.)
Por esta escritura o referido mestre ficou dispensado, enquanto vivo, <e mais nam., de exercer ou fazer exercer o ensino da gramática latina e cantochão.
12
•
•
Os .responsetes', os .versos" as .antifonas" as -orações de finados>, era a preocupação única do corpo capitular. Quanto à instituição escolar, era o menos. Em 1538, ocupava a cadeira prelaticia D. Henrique, Infante de Portugal. Inteirado da maneira irregular como se observava o ensino na Colegiada, deixou consignada esta ordem imperativa, quanto às duas disciplinas: ' ... O Mestre-Escola mandara ensinar a ler e cantar os Moços do
Caro todos os dias da somana, duas horas, sendo uma polia minhãa, outra à tarde, dentlo da claustra, por mestre idono pera isso, sob pena de dez cruzados.> (Arq. MI/Il., Maço 148.)
Em 1643, D. João Lobo de Faro, que vivia junto da Corte, vem de visita à Colegiada, onde era D. Prior. Reparando na insuficiência do ensino, deixou consignada esta ordem:
.0 rev. Chantre tem obrigação de prover quatro moços convenientes ao serviço do coro, pelo que mandamos satisfaça a esta slla obrigação, provendo sempre moços suficientes, para os quaes o rev. Mestre-Escola dará pessoa idónea que os ensine de gramática e cantochão, como lile está mandado.' (Arq. Mil"., Maço 149, doc. 22.)
Em 1651, o cônego Bento da Costa fazendo em cabido reparos quanto ao modo como se exercia o ensino, formulou a seguinte objecção:
•Que era necessário que o Chantre tivesse Cltidado de mandar ensinar o latim e canto do coro, porque estavam nisso muito falhos. E que o sub-Chantre os ensinasse, assim lias versículos como em tudo mais. Entendido, pelo visto, em música sacra, acentuou:
.E qlle se façam pallsas
•
•
•
(Arq.
13
•
MUllo,
•
•
•
Códicc 431, fI. 13.)
• >
CLAUSTRO
DA
COLEGIADA
(CÉLULA .MATER. DA ESCOLA CAPITULAR)
INVESTIMENTO DUM MESTRE TEÓLOGO - MESTRES RELAPSOS AO ENSINO - FRUSTRADAS TENTATIVAS DE REMtDlO
A
Teologia-moral, versada sobre a Sagrada Escritura (Sacra página) denominava as suas lições - ,casos •.
Versavam estas lições sobre casos de consciência, que o mesmo é dizer, lições de casuistica. Exigiam, pois, um sacerdote ,letrado, entendido em teologia •. Em 1566 foi provido na cadeira de Leitor da Sagrada Teologia o cónego Gonçalo Velho. Assim se descreve a sua posse: ' •.. Provemos e confirmamos ao dito Bacharel Gonçalo Velho na dita conezia com sua prebenda, por imposição do Barrete que sobre sua cabeça pusemos, e o investimos em sua posse e de todos os seus frutos, rendas, proventos, direitos, subvenções e distribuições quotidianas; e lerá as ditas Lições da Sagrada Escritura, encarregando-lhe também o serviço da igreja, o qual Gonçalo Velho jurou aos Santos Evangelhos o juramento solito e acostumado. . . . . . . . .• . ,Dada em a dita Vila de Guimarães, em cabido, aos 22 dias do dito més de junho do dito ano de 1566.•
Este auto de posse foi lavrado peJo Notário Apostólico e assinado por testemunhas. É evidente que esta <imposição do Barrete. não tinha, como nos actos do doutoramento dos Lentes da Universidade, grande ritual e solenidade. Mesmo assim observava-se um cerimonial.
15
Só o que não tinha ·cerimonial. eram as admoestações feitas a estes mestres, quando eram remissos no cumprimento da sua obrigação. Decorridos trinta e cinco anos, o Arcebispo, D. Fr. Agostinho de Jesus, visitador, fez registar esta admoestação ao cónego Gonçalo Velho:
• . •. Tendo obrigação de ler casos nesta Colegiada... cumpra com a dita obrigação, sob pena de lilO estranharmos como nos parecer. E nós proveremos que não faltem ouvintes a quem possa ler•• (Arq. Mun., Maço 6/2/7, Doc. 2.)
Em 1619 foi provido nesta cadeira o cónego Bacharel Bento da Costa. Havia, porém, um opositor à sua nomeação. Este facto deu margem a uma cena, em plena igreja. Das 3 para as 4 horas da tarde subia ao púlpito o mestre de Teologia -moral para dar a .lição de ponto •. Comentário ao sucesso:
• . .. E não acabou a lição, té que nós lhe demos sinal que se descesse • • • • • • • • • • • • •
o
escândalo foi retumbante!
Porquanto:
.Ao acto assistiram as Religiões e a Nobresa e povo da Vila .• (Arq. Mun., Maço 273, D.'" 125 126.)
As ,Religiões. eram os frades de S. Francisco e S. Domingos. Por uma .visitação. de 1624 vê-se que a cadeira de Teologia- moral estava afecta a um cónego, que não cumpria com o seu exerci cio. Assim o diz este registo:
.0 Ilustríssimo e Reverendissimo Senhor Arcebispo de Braga, visítando pessoalmellte esta ígreja (Colegiada) achando por informação verdadeira que o L.d, [oão do Vale de Azevedo cÓllego Magistral dela havía allos que não cumpria com esta obrígação, defraudando a dita ígreja e cíerezía da honra e proveito de que tal lição resulta, manda, com penas ao dito cÓllego Magistral. .• , que em certo termo cumprisse com a obrigação do seu beneficio.•
16
o mestre relapso, depois de uma querela
com o Cabido, que demo-
rou alguns anos, desistiu do lugar em 1628. (Arq. Mun., L.o 2.0 dos Padroados, fI. 78.)
Em 1639 foi leitor desta cadeira o cónego Dr. Miguel de Valadares. Como era tão negligente como o seu antecessor, foi transferida a leitura da < Sagrada Teologia. para os frades dominicanos, por prévio ajuste. (Arq. Municipal, Maço 6/2(7, D.to 139.)
Chegados, porém, a 1747, a situação da cátedra está posta neste doloroso quadro, que as Visitações de D. José de Bragança, feitas à Colegiada de Guimarães, assim descrevem: •
E também nos mesmos eeles iásticos muito estranhável a ociosidade em que muitos vivem . .. , e havendo nesta Colegiada uma cadeira de moral, se nos faz presente que raríssimas vezes aparecia algum para assistir à lição dela, {icando deste modo frustrado o fim para que foi instituida, em atenção do que, mandamos a todos que frequentem a dita lição: e, dos que assistirem, fará lembrança o rev. Padre Leitor, para que possa passar certidão da sua frequ~ncia ... e, sem ela, não serão providos a Ordens os preten.' dentes delas • . . . . . . . . . c •.•
(Arq. Mun., Códice 1.549, 11. 46.)
Subsistiu, portanto, na Colegiada, depois da decadência da escola capitular, o ensino da teologia-moral (1).
* Para que se possa colher uma impressão exacta do panorama do ensino público em Guimarães, no século XVI, importa fixar esta efeméride histórica: Em 1562 o Notário Apostólico João Alves, sub-Chantre da Colegiada, dá a este respeito informes esclarecedores, em processo: Provará que D. Lourenço de Andrade foi Mestre-Escola ... e posto que nunca ensinou de gramática, teve, enquanto viveu, muitos mestres dele <
(1)
Pedro Hespano e Paio Galvão _ dois notáveis vultos que destacadamente
ascellciOllaram 113 hierarquia da Igreja e prestigio das letras exercido o ensino na escola c3nónica de Guimarães.
passam por haver
17
•
(ensino), os quaes mestres tinham escola pública e ensinavam quantos queriam aprender a ler e a cantar, assim aos cónegos como aos careiros . . .• Destarte se conclue: a) Que, a par da escola capitular, no século XVI, havia mestres de latim e cantochão, em ensino livre, e era a estes mestres que D. Lourenço de Andrade recorria para o suprir na obrigação da sua cátedra capitular. b) Igualmente se utilizavam da escola da Colegiada, não só os moços do coro, mas os próprios cónegos, pois que os havia falhos no conhecimento de latim, nomeadamente os que não eram ,cónegos de missa>.
Vê-se pelo processo de 1562, que foram notificados 'os moços do
coro da mesma Colegiada, Gaspar, filho da sombreireira, Domingos, filho de [oão Gonçalves, de Pousada, Bartolomeu, filho de António Pires ... , e António, filho de Leonor, viuva, para que na forma do dito mandado vão às horas, tempo e lugar nele mandado, aprender a cantar cantochão de cinco regras, com ele também sub-Chantre, e gramática com o mestre Gaspar Dias, a quem também notificou o dito mandado. > (J. Lopes de Faria, L." Mss. Colegiada, Vais. }.. c 2. 0 .)
Eram os ,Meninos do Coro> alunos obrigados da escola capitular. Assim o vemos do Estatuto da Colegiada, datado de 1662:
,Cap. 29 - O Mestre-Escola é obrigado a ensinar à sua custa os moços do coro que forem necessários para serviço dele, e das missas e oficios divinos, gramática e canto, os quaes o Chantre buscará e apresentará ao Mestre-Escola para os haver de ensinar: e sendo caso que o Mestre-Escola falte em esta obrigação, o Cabido os mandará ensinar à custa das rendas do dito Mestre-Escola: o qual tem nesta igreja duas prebendas, e com cujas obrigações cumprirá, conforme as pautas.> (Bib. Mun. do Porto, Ms.
11.0
314.)
Por todos estes fundamentos está demonstrada a característica escolar que acompanhava os ,Meninos do Coro> ao serviço da Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira. Na função Nicolina os vamos encontrar, dando-nos nela testemunho da sua caracteristica estudantil.
18
•
•
UMA TENTATIVA EM 1512 PARA A FUNDAÇXO DE UM COLt610 - ESCOLAS CONVENTUAIS - O FACTOR DETERMINANTE QUE CRIOU OS ESTUDOS UNIVERSITÁRIOS DA COSTA
F
R. JOÃO DE CHAVES, Padre-Mestre dos frades da Ordem de S. Domingos em Guimarães, saiu um dia a portaria do seu convento e encaminhou-se com destino à casa da Câmara. Estava reunido o Senado Municipal.
Assim falou, na era de Quinhentos, o rev. Padre-Mestre aos homens da governança:
Senhores: Pelo experimento que tenho desta terra dantre Doiro-e-Minha, considerando quanta igllort1llcia !lá nela e quão alollgados ançamos do católico viver e do culto DivillO, e como somos outros do que foram os antigos que nela habitaram, que eram mais ardentes no amor de Deus e instruidos nas causas da Fé, que se demostra pelos muitos ediflcios de Casas de Religião e multidão de igrejas que nela há em muito maior número e quantidade que em nenhuma parte do Reino; meditando que a causa pri(lcipal desta calamidade é a ignort1ncia das ci~ncias e virtudes que por ela se adquirem, diz-me a razão que haveis vós de representar a el-rei, propondo-lhe algulls remédios pera se reduzir a verdadeiro viver esta gente e, semelhantemente, as pessoas da Religião e eclesiásticas, cujo dissoluto viver . .. é em tal maneira, que parece causa miraculosa como se susteem, vivendo em tal cegueira. • • • • • • • • • • • • • • <
Remédio para semelhante descalabro moral e intelectual - tão grande que abrangia <as pessoas da Religião e eclesiásticas. - encontrava-o fr. João de Chaves na debelação <da ignort1ncia das ci~ncias e virtudes.,
19
Eis porque trazia à Câmara o seu parecer, posto nestas palavras de conselho:
,Fazer colégios e escolas onde se lessem e aprendessem as modos de servir e conhecer e acatar a Deus Nosso Senhor.•
ci~ncias
e
A calamidade, resultante da ignorância pública, era catastrófica. Alastrava por toda a parte. Enfrentando o problema na provincia de Entre-Douro-e-Minho, nenhuma terra estava em melhores condições para nela se tentar a criação de um Colégio, como a vetusta Vila de Guimarães, 'por ser
hua das mais nobres do Reino.• Como estimulante à sua iniciativa, lembrava Fr. João de Chaves duas figuras locais: D. Diogo Lopes de Lima, Alcaide-mor do Castelo, e Bartolomeu Afonso, Ouvidor do Duque, donatário da terra, pessoas que, no seu dizer, 'tinham boo respeito da honra dela. (I).
• A representação foi dirigida ao rei em 25 de Fevereiro de 1512, moldada nos termos expressos pelo referido Padre-Mestre do convento de S. Domingos. Nela se indicava estar a Câmara disposta a suportar o encargo de um tributo especial, lançado sobre a carne ou vinho:
, .. , por dous ou achar por bem.•
tr~s
anos ou mais tempo se Vossa Alteza assim o
Mais se prometia, no caso de ser preciso, construir um edificio para esse Colégio, oferecendo para a construção do mesmo ,madeiras e outras
cousas. ~ Não obstante o oportuno e sério empreendimento de Fr. João de Chaves, nada resultou de prático. Mas como podia merecer a atenção de D. Manuel 1.0 um problema de ensino, se o rei andava todo preocupado com a política de expansao Atlântica? É que se estava a pequena distância no tempo do descobrimento do Brasil, por Pedro Álvares Cabral. Então era para as Terras de Santa Cruz que convergia uma forte corrente emigratória, a qual arrastava consigo, por ambição de glória e de fortuna, os valores activos da já parca população portuguesa. Mal se dava pela existência de escolas seculares. (1)
Alf. Pímenta. Guimarães. Reproduz na integra este doc. inc. na Torre
do Tombo.
20
A Histária Seráfica dos Frades Menores da Provincia de Portugal alude a umas escolas públicas no seu convento, .sem estipêndio ou premio, senão só proveito dos discipulos •. Outro tanto informavam os Dominicanos, na exaltação apologetica da sua Ordem. Bem precário, porem, seria este ensino ministrado gratuitamente a alunos seculares, embora os cronistas monásticos falem dele, com desvanecimento. Teriam, pois, os filhos da terra, de procurar o ensino longe de Guimarães.
* Decorrido um quarto de século, reinando em Portugal D. João m, surgiu para Guimarães uma aura venturosa nos dominios do ensino público. Factores de ordem intima sucedidos na vida do rei teriam determinado que fosse escolhido o Convento da Costa, em Guimarães, para nele se criar um colegio, com Gráus correspondentes ao ensino superior, sendo o mesmo confiado a um escol de Professores. Assim o devemos deduzir desta referência incerta na Crónica dos
Cónegos Regrantes de 5.10 Agostinho: Sendo el-rei D. João /lI ainda príncipe, houve um filho natural com hua moça da ctlmara da Rainha D. Leonor... a quem pós o nome D. Duarte. e o mandou criar com todo o segredo no Mosteiro da Costa, junto a Guimarães. > <
(L.o IX, capo XXXV, pág. 285.)
.Com todo o segredo> mandou o rei criar e educar no Colégio da Costa, em Guimarães, um filho que houve de uma donzela ao serviço da rainha. Foi, como se vê, uma razão de natureza intima, do foro particular do rei, a determinante da escolha do convento da Costa para nele se criar um alfobre de estudos que aproveitasse a príncipes e não deslustrasse o rei e a seu irmão. Neste recanto ela Provincia, em ameno lugar, a criação e educação elos príncipes ficava a bom recato.
•
21
r
•
•
MOSTEIRO E CONVENTO DA COSTA ONDE SE INSTALOU, NO SECULO XVI, A UNIVERSIDADE
•
UNIVERSIDADE DA COSTA NO SÉCULO XVI - O ALVARÃ RÉGIO QUE A CRIOU - VISITA DUM CÉLEBRE PROF. ESTRANGEIRO UMA COMUNICAÇÃO QUE FALA DA IMPORTÂNCIA DO ENSINO ALI MINISTRADO
N
A série das Ordens Religiosas em Portugal, distinguiu-se no ensino a Ordem de S. Jerónimo. Um dos seus conventos ficava nos subúrbios de Guimarães, no lugar da Costa. D. João 111 confiou ao instituto monástico, que tinha como Reitor Fr. Diogo de Murça, a educação de seu filho, o príncípe D. Duarte. Por sua vez D. Luis, irmão do rei, igualmente entregara ao colégio da Costa seu filho D. António, que proviera dos seus amores com uma lormosa judia, que ficou assinalada na história com esta rubrica galante: - - a Pelicana >. Foi depois que estes dois moços escolares, de estirpe real, vieram para o colégio dos frades Jeronimistas, que este se elevou com disciplinas universitárias e um corpo docente seleccionado. . Quem nos esclarece quanto ao valor do instituto escolar da Costa, é um insigne Mestre estrangeiro, de nome Nicolau Clenardo. Havendo este douto humanista conhecido na Universidade de Luvaina a Fr. Diogo de Murça, uma vez convidado a vir exercer o ensino em Portugal, propôs-se lazer uma visita ao seu amigo. Era perto da noite quando Nicolau Clenardo passou junto dos muros do burgo Alonsino, a caminho do convento da Costa. Como da sua própria narrativa se vê, Nicolau Clenardo vinha montado em -burro velho>, escarranchado sobre albardão, com alforges. Seu criado, -de origem holandesa>, montava um rocim, seguindo a chouto brando o seu amo. Para além das -Hortas do Prior> eram as poldras do -rio de Fato>. Por entre campos cultivados e hortegos torci colava a azinllaga do caminho que conduzía ao convento.
23 '
Como fosse aguardada a visita do insigne latinista estrangeiro, a portaria se lhe abriu cord~almenle. Descavalgado, mais morto que vivo, tão mocnle c longa foi a jornada, pouco depois lhe era servida uma ceia reconfortante. A seu lado sentou-se Fr. Diogo de Murça, fazendo-lhe .as honras da casa ... Não diz a correspondência que relata csta visita, quantos dias se demorou no convento da Costa o douto ProL Nicolau Clenardo. Ainda assim, o tempo que ali se demorou foi bastante para tomar conhecimento do modo como no instituto da Costa se ministrava o ensino. Descrevendo como as disciplinas estavam distribuidas no Colégio, assim o relata Clenardo:
' ... Tem ele no mosteiro três lentes, todos portugueses. Conheceis já a Bordalo: este ensina ética, logo depois do almoço. e a fisica antes do meio dia; outro ensina dialética; o terceiro, sob ClIjas bandeiras milita um filha de el-rei, de quatorze anos de idade, a retórica. •Assisti ás lições de todos eles, e quiseram-me parecer bastante qesempoeirados no assunto. > (Cardeal Gonçalves Cerejeira. O Renascimento em Porlugal, VaI. 11.)
• Para complemento deste parecer, quanto ao mérito do ensino, voivamos nossa atenção a uma parte dum relato feito por D. Diogo de Murça a D. João 111:
' ... Quanto ao colégio, Nosso SenflOr seja louvado, vai bem ávante, e Jazesse mais fmito do que eu nunca cuidei que se podesse fazer . .. > Depois de dar comunição que havia no Colégio, estudando teologia, quatorze frades, e oito, no curso das Artes, .todos de boas habilidades>, continuava o relatório por este teor:
.Há mais neste curso dezoito leigos, que neste colégio aprenderam a gramática, dela tão latinos e abiles, como nom se acflllr!o em qualquer parte . .. , que nom é pouco pera este monte deserto. > Dando conta dos escoiares leigos, estranhos à vida monástica, dizia Fr. Diogo de Murça:
24
<Leigos haverá nesta escola de cincoenta ate sessenta, e o lente dela e natural desta Vila. (') . . . . • . . • • •• Finalmente pondo em Deus suas esperanças, quanto ao futuro do colégio, assim terminava sua carta-relatório:
<Espero em Nosso Senhor que daqui a poucos anos, haja aqui tão boas lentes de frades e leigos, que nom seja necessário traze-los de fora, do que Nosso Senhor Deus dará a Vossa Alteza galardão eterno e neste mundo muita glória a seu real nome. . . . . . . . .•
• o Alvara
régio que criou o instituto da Costa é do teor seguinte:
.. Eu cl-rei faço saber a quantos este Alvará virem, que por folgar de fazer graça e mcrct! ao colégio que ordenei na Ordem do Bcmaventurado S. Jerônimo,
que está no Mosteiro de Santa Marinha da Costa da dita Ordem, e assim aos lentes e aos colegiais do dito colégio, hei por bem e me praz dar minha autoridade, poder e faculdade para que no dito colégio se d~111 gráos de Bachareis, Licenciados e Mestres de Arfes, os quaes grâos se darão por minha autoridade, que para
isso dou . ...E quero, e me praz, que os que no dito colegio forem graduados nos ditos gráos, tenham e gozem de todas as liberdades, privilégios, proeminências, isen ções que têm, e de que gozam e devem gozar os graduados dos ditos gráos que se graduarem na Universidade da cidade de Coimbra. 4
cE, por este, dou poder ao Reitor do dito colégio que, como Cancelário, seja presente aos exames e d~ as Jicenças aos examinandos que foram aprovados pelos examinadores, para receberem os ditos gráos, e lhes passe deles suas Cartas em forma, nas quais façam menção de como ele dá os ditos gráos por minha autoridade, que pera isso lhe dou. «Este Alvarâ mando que valha como Carta, sem embargo da 9rdenação, no L. 0 11 de minhas Ordenações. no Tomo 11, que diz que as cousas cujo efeito houver de mais de um ano, passam por Carta. "Isto durará sómente enquanto Eu o houver assim por bem, c não mandar o contrário . ..Cumprir-se-ã, posto que nâo seja passado pela Chancelaria, sem embar-
gos da dita Ordenação. -Jorge Roiz o rez em Lisboa, a 6 dias de Junho de 1541. Cal Rey•.
A carta-relatório de Fr. Diogo de Murça a D. João m, é reproduzida, na integra, no livro do Prol. Mário Brandão - Coimbra e D. Antãnio Rti dt Portugal, pág. 162. (1)
25
AZULEJO HISTORIADO NA VARANDA DE S. jERÓNIMO DO CONVENTO DA COSTA CELEBRANDO A ENTRADA DOS INFANTES D. DUARTE E D. ANTÓNIO NA UNIVERSIDADE ALI INSTlTUIDA POR D. JOÃO 111.
AZULEJOS HISTORIADOS - UMA NortclA CRONOLÓGICA GRAVADA EM GR,\NITO - MONÓGRAFOS E ItlsrORIA· DORES QUE SE REFEREM À UNIVERSIDADE DA cosrA
N
ADA mais eloquente para identificar um facto histórico que o documento. Narrativa imersa na nebulose dos séculos, se a não ilumina documento insuspeito, fica de remissa. A História não enjeita o facto não documentado; mas não lhe dá foros de incontroverso. Documentos coevos vividos com o sucesso, são aqueles que mais se impõem à análise critica. O Boletim da Biblioteca da Universidade de Coimbra, (vol. n.O 6, pág.21O) no estudo ali incerto do Pro!. Dr. Joaquim de Carvalho, -Memórias dos Estudos em que se criaram os Monges de S. /erónimo - indica a instituição que guarda o Alvará Régio respeitante à Universidade da Costa. Três documentos iconográficos memoram o sucesso. Na varanda alpendrada de fr. Jerónimo, no antigo convento Jerànimista, existem dois panneaux de azulejo que respeitam à história do memorável instituto Universitário. Ladeiam uma porta voltada ao Nascente. O quadro que fica à O., mostra-nos como figura dominante D. Jaime, 4.° Duque de Bragança e 2.° de Guimarães. Como senhor donatário da Vila, vê-se ali fazendo entrega a fr. António Monis, da Bula do Papa Clemente VII, que transferiu o Mosteiro da Costa. então dos Cónegos de 5.'° Agostinho, para os frades Jerónimistas (').
A Bula tem a data de 1527. Foi alcançada a instâncias de ei-rei D. João m, e O qual havia recomendado este negócio a D. Martinho de Portugal, seu sobrinho, então embaixador em Roma~. (1)
27
Nos dois extremos deste quadro mostram-se alguns págens de farda, segurando cavalos gualdrapados, que serviram para o transporte do senhor Duque e seus criados. Em plano afastado, ao centro. ergue-se um templo com o seu campanário, onde se vê um sino e mais um relógio de sol. Este templo, nada tem de comum com a arquitetura do actual Mosteiro. Como a fundação do primitivo convento se atribue à rainha D. Mafalda, talvez que o autor do desenho visasse a traça primitiva.
* o panneau x
do lado E. mostra-nos ao centro uma sala de aula com um frade Professor em seu exerci cio. Em carteiras de estudo isoladas, sentam-se o Infante D. Duarte, filho de el-rei D. João m, e D. António, filho de D. Luis, irmão do soberano. Na primeira carteira poisam, a par de um livro aberto, a mitra e o báculo da ascendência prelaticia de D. Duarte, aos 22 anos de idade. Na segunda carteira, além do livro de estudo, vê-se uma coroa real, sinal da efémera realeza do infelicitado D. António Prior do Crato. Monges em estudo, na crasta, marginam este quadro. As principais personagens estão identificadas pelo seu nome. O mestre que está ministrando ensino aos dois alunos de régia estirpe, é Fr. Jorge de Belém. A varanda de Fr. Jerónimo sob alpendre apainelado, que tem a dominá-la ao centro um bem trabalhado chafariz de pedra, mereceu ser exalçada como lugar de meditação e estudo na Crónica dos Cónegos Regrantes de
S." Agostinho. Foi iniciativa benemerente do P" Fr. Diogo de Santa Maria, no ano de 1714.
• Descendo agora à cerca do convento, deparamos com uma lápide de granito encrustada na parede exterior da capela-mor do Mosteiro. Esta lápide, que mede 1,13XO,65, atribue-se ao ano de 1678. Nela foi gravada a seguinte inscrição:
28
TENTATIVA FRUSTRADA PARA O R~SSURGIMENTO DA EXTINTA UNIVERSIDADE DA COSTA
M
AIS de um século decorrido sobre a extinção da pequena Universidade que funcionou alguns anos no < Real Convento de S. Jerônimo " o panorama do ensino em Guimarães ficou limitado a uma ou outra célula de Padre-Mestre, frequentada por alguns alunos destinados à carreira eclesi<\stica - que foi, no passado, a mais sedutora profissão dos pais para os seus filhos, nomeadamente os primogénitos. Escreveu um alto espirito, do século XVIII, refugiado em Paris, para se furtar à sanha do Tribunal da Sauta Inquisição: Em Portugal todo o que não nasceu nobre ou não é eclesiástico. deseja vir a ser membro destes dois corpos respeit<\veis, adonde a conveniência, a honra, a distinção, e o proveito têm ali o seu assento. O lavrador, O ·obreiro, O oficial, trabalham dia e noite para fazerem um clérigo, um abade e um Cavaleiro do Hábito de Cristo. . . . . .• <
(Antonio Ribeiro Sanchcs. -Carias sobre a EducaçlJ.o da
Mocidade~)
Atravessado o periodo calamitoso da Guerra da Independência (1640-1668), eis que entrou em elaboração uma tentativa de renascimento desse memorável instituto de ensino. Uma saudade, mista de orgulho, trazendo à lembrança dos velhos o < Real Colégio da Costa., fizera despertar nos governantes locais o desejo de criar em sua substituição um estabelecimento similar. Correspondia essa aspiração a uma necessidade local. Para esse efeito reuniu, em magno senado, a Câmara Municipal com a Nobreza e Povo. Do facto nos dá noticia um termo registado no livro das Vereaçôes, que é do teor seguinte: <
Aos 30 dias do mês de Abril de 1678 em esta Vila de Guimarães
33
na casa da Camera dela, adonde estavam juntos Manuel de Valadares Vieira, vereador mais velho, Juiz pela Ordenação, Gonçalo Lopes de Carvalho e Camões, e José de Sousa Carvalho, vereadores, e João Rebelo de Andrade, procurador do concelho, ai parante eles oficiais da Camera, compareceram Nobreza e Mesteres (I), e Procurador do Povo, abaixo assinados, e por eles foi proposto: < Que nesta Vila havia muitos sujeitos que se perdiam por não terem po sibilidades pera irem estudar fora da terra, e era utilidade do Reino o haver nele muitos homens de letras, com que Sua Alteza ficava mais bem servido: e que já nesta Vila houveram cadeira no Real Convento de S. Jerónimo, nas quais também aprenderam os primeiros príncipes deste Reino e que, suposto estas (cadeiras) estarem destitui das, e visto o grande proveito e utilidade que se seguia de elas se tornarem a conservar, ou no mesmo convento ou em outro que pareça mais conveniente, eles se ofereciam, em nome do Povo, a pagar as custas que fizerem em cada ano. aos Lente, e coisas necessárias a este fim, para que haja escolas de Gramática, filosofia e Teologia: e que o cu to será metido no cabeção da cisa .... por ser uma comum utilidade de todo os moradores deste povo ... e era crédito de uma Vila tão notável, e a primeira Corte de te Reino, e base do primeiro Rei e Senhor D. Afonso Henriques. > (Arq. Mun., Cúdicc 1707, fI. 213.)
É este termo autenticado por 30 assinaturas, alO'umas delas em
+ cruz.
Como se vê desta representação, a Câmara começando por destacar < que havia muitos sujeitos que se perdiam por não terem possibilidades para irem estudar fora da terra>, recordava a antiga Univer idade da Costa onde haviam aprendido < prínâpes deste Reino>. Quanto às despesas inerentes a este ensino superior, inclusivé o pa amento aos < Lentes>, a Cámara as tomaria sobre i. • E de notar a ufania com que a representação alude aos pergaminhos históricos da nossa terra - < primeira Corte deste Reino e base do primeiro
Rei e Senhor D. Afonso Henriques>. Com cfeito, empre que se oferecia ocasião para ostentar esses nobres titulos de mera história lo ai, não deixava a Càmara de os patentear, - tal como ainda hoje o fazemos, tomando por bandeira e escudo a lembrança das glórias passadas.
(l)
Dois mcstrcs dos oHcios, anualmente eleitos, tinham assento na Vcreação.
34
* Ainda nessa emergência resultou sem efeito a tentativa da Câmara de Guimarães para o ressurgimento de um instituto superior semelhante ao que funcionou, durante alguns anos, no ~ Real Convento de S. ]erónimo '. Como efeméride histórica do Convento da Costa se assinala terem ali permanecido < mais de quatrocentos anos, os Cónegos Regrantes de Santo Agostillho', (L.o IX pág. 285); e perto de três séculos, os Monl;es da Ordem
de S. [eróllimo. Certas memórias manuscritas relativas a esta casa monástica publicada na Revista de Guimarães (n.· XXVIII), põem em destaque a manutenção do ensino da Filosofia no Convento da Costa, no século XVIII, acrescentando-se que, ao mesmo, eram admitidos alunos laicos. Os actos finais realizavam-se < com todo o lustre e assistência do melhor de Guimarães" que o mesmo é dizer, com a maior solenidade. Chegados, finalmente, ao século XIX. encerrado o ciclo da existência dos conventos, em 1834, o grande edificio e a sua frondosa e extcmsa cerca j13ssaram Ü propriedade privada.
* Apesar das vicissitudes que cairam sobre este monumento monacal - o último dos quais foi um incêndio, que lhe destruiu uma série de pnllllcallx de azulejo classificados de interesse nacional-, subsistem ali elementos que memoram a vida, há séculos extinta, da 'pequena Universidade da Costa'.
35
IGREJA
DE N.
s..... DA OLIVEIRA
(COLEGIADA)
•
ONDE SE CONTINUA A NARRATIVA HISTÓRICA DO ENSINO EM GUIMARÃES
A
PAGADOS os luseiros memoráveis das primeiras células do ensino público em Guimarães - escola capitular da Colegiada e Universidade da Costa -, ficou entregue o magistério do ensino aos Padres Mestres, cujo tipo singular nos oferece este registo de licença passada pela Vereação de 1742: Foi concedida licença ao P. e Leandro de Castro, morador na RlIa de Gatos, para continllar a ensinar gramática latina, que já ensinava há vinte anos, o que era utilidade pública, pois os esllldantes pobres não podiam ir a . . . . • • .> Braga e serem vigiados pelos pais. <
(Arq. Mun., L.0 IV do, Registos, fI. 149.)
Como este professor, outros havia na terra em regime de 'ensino livre, sendo as lições pagas pelos respectivos alunos. Só mais tarde, no século XIX, com a criação do <imposto literário>, é que alguns professores foram oficialmente nomeados para o ensino primário e secundário. O vencimento anual dos primeiros, era de duzentos mil reis, e o dos segundos, noventa mil reis. Assim o vemos da legislação de 1822. Nestas pequenas células do ensino é que germinaria a ide ia dos escolares se meterem de garra com os <meninos do coro> da Colegiada, os quais vinham de longe mantendo, por tradicional costumeira, e na qualidade de discipulos da escola capitular, uma diversão profana em dia de S. Nicolau.
• Na história dos estabelecimentos de ensino de Guimarães, deve mencionar-se um instituto escolar fundado por iniciativa da Sociedade Martins
37
Sarmento, em 1884, vulgarmente conhecido por Colégio das Hortas. Nele se ministravam as scguintes disciplinas: Portugués, francés" descnho, gcometria, latim, literatura, geografia, história, além da instrução primária.
• Em 1890 foi institui do no edificio monástico do lugar da Costa um estabelecimento de ensino denominado - Colégio de S. Dilmaso. Foram seus Fundadores e nele exerceram o ensino os Rev.o' P.' Domingos Dias de Faria, P.' Firmino Bravo, P.' António Herculano Mendes de Carvalho. A matricula do ano escolar 1897 -98. atingiu o número de 182 alunos. Este colégio publicava periodicamente uma pequena revista. sob o titulo - Crensa e Letras.
• Por Carla Régia de 8 de Janeiro de 1891 foi criado em Guimarães um estabelecimento de ensino, anexo 11 Colegiada, designado Seminário de Nossa Senhora da Oliveira. Nesse diploma se lia: Art.' 3.· - < Haverá para cada ano lectivo duas matriculas diferentes .' a dos aLunos que se destinam à carreira eclesiástica e a dos que se destinam às carreiras c/vis •. '. Decorridos CII1CO anos, este Seminário foi convertido em Liceu Na-
c/onal. (V. ReI'ista de Guimarães, VaI. IX, p:ig. 101.)
Os cónegos da Insigne e Real Colegiada desobrigados da reza do Coro na sua igreja, constituiram o corpo docente do Liceu Nacional de Guimaraes. Assim se criou o alfobrc mais animador das Nicolinas, cujo renascimento se registou no ano dc 1895. Registamos os nomes dos cónegos professores que, complascentemente, assistiram ao novo advento das festas escolásticas: Dr. António Júlio de Miranda, Dr. Manuel Moreira Júnior, Dr. Pedro Gonçalves Sanches, Dr. António Gomes Cardoso, P.' José Maria Gomes, P.' Alberto da Silva Vasconcelos, P.' Manuel da Silva Bacelar.
38
o
Rev. do Or. Manuel de Albuquerque. D. Prior da Colegiada. nâo exerccu o ensino liceal. Esle escul de eclesiáslicos, Cóneç;us pela reslauração da Colegiada de Nussa Senhora da Oliveira, pelo scu saber e austeridade no exerci cio do seu munus, elevaram a alto grau o prestígio do Liceu de Guimarães.
* Nenhuma colaboração cra prestada às Nicotinas pelos estudantes intcrnos çlos colégios - estabelecimentos de ensino que mais se desenvolveIíIm com a criação do Liceu. As diversões escolásticas da velha tradição eram-lhe frulo proibido. A propósito, conta-se: Pouco depois da criação do Seminário-Liceu. surgiu o Colégio de S. 'colau, no lugar do Beringel. Um ano, em pleno fastigio das Nicotinas, os mais azougados alunos deste .olégio deliberaram pôr termo à abstinência que lhes era impostade nãose emiscuirem na função escolástica. E,ta atitude de rebeldia disciplinar, transpirou. Saiu dos conclaves secretos. Jos de Pina, Prol., que sempre andou de braço dado com os Estudantes, ha'Cndo conhecimento deste propósito, aproximou-se dos chefes desla < carbcnária. académica. O qu lhes disse, adivinha-se. Caso é que a conspiração abortou. Sem triunfos I m represálias, à boa paz, abortou. O extin Colêgio de S. Nicolau. depois da pretensa rebel ião dos seus alunos internos, elebrava o dia do patrono com música, luminárias, foguetes,
e rancho melhor o.
• Continuam por sso os académicos Iiceais, no período da função Nicolina, a bordejar os tabelecimentos de ensino onde hajam, em regime interno, Estudantes. Tonitroando bomb s e caixas, assim convocam os companheiros à associação dos folguedos icotinos. Só as Nicotinas, por l, com o seu programa à anliga, correspondem às aspirações gosativas dos a'adémicos.
39
\
•
•
o
CULTO DE S. NICOLAU PELA JUVENTUDE ESCOLARMEMÓRIAS AGIOLÓGICI\S DO Si\NTO PATRONO
s.
NICOLAU, Bispo, foi na Idade-Média um Santo popular. Por graça de um dos seus milagres tornou-se, desde o ensino primário ao superior, o Patrono dos escolares. Na iconografia da sua imagem está o atributo do milagre que o elevou a Taumaturgo. Três meninos, depois de esquartejados por um estalajadeiro mausão, foram ressuscitados pelo Santo. A tradição deste sucesso divino. mostra-nos S. Nicolau nimbado de graça celestial. Depois de entronizado nos altares. as Universidades prestaram-lhe cu! to. Litúrgicamente festejado no seu dia em todo o orbe católico, igualmente o foi em todos os centros escolares, à maneira da juventude. Tão alto subiu a glória deste Santo que, para o solenizar, não bastou a fé dos seus devotos. A Literatura, o Teatro. a Arte, igualmente o preitearam. S. Nicolau, nome tutelar da juventude escolástica, esta o associou à alegria, ao riso, à graça das suas diversões académicas. No vasto panorama da história deste Santo, ele surge-nos algumas vezes transfigurado. A simbolização do Santo proteclor e amigo das crianças, pretende-se em alguns paises que seja o mito do Pai-Natal. Em vez de vestes prelaticias, como no-lo representa o agiológio cristão, surge uma figura veneranda, revestida de garnacha vermelha, gorra de astracã, toda a!jofrada de neve. Em vez de empunhar o báculo da gerarquia da Igreja Católica, traz às costas uma alcofa, portadora de brinquedos. Destarte, esta figura, montada a cavalo ou a pé, percorre os bairros pobres da Holanda, Bélgica e França, na festa da Natividade.
43
Neste {Iltimo país, em certa aldeia .picarda>, observava-se na véspera da festa da Natividade o costume de adjudicar a quem mais desse, o título de .principe da rapasiada>. Esta eleição dava motivo a alegres diversões e jogos de carácter infantil e popular. •
*
Um dos aspectos de devoção a S. Nicolau afirmava-se em alguns países por actos de assistência aos estudantes pobres. Na Universidade inglesa de Oxford-segundo informação obsequiosa do Prof. universitário Dr. Joaquim de Carvalho - observava-se em honra de S. Nicolau este costume: .A cidade palfaria uma quantia de cincoenta e dous xelins, que seriam
distribuidos duas vezes por ano entre estudantes pobres, e serviriam também para dar na festa de S. Nicolau, padroeiro dos estudantes, uma refeição de pão, cerveja, sopa, carne ou peixe, a cem estudantes. > Prosseguindo o douto Pro!., oferece-nos este recorte: • O estudante da Idade Média, provàvelmente, pouco ou nada se divertia. O único descanso que o sistema universitário concedia, estava nas frequentes interrupções dos trabalhos regulares, durante um dia inteiro ou parte dele, para honrar as maiores festas da fgreja ou padroeiros duma nação, ou províucia, ou faculdade particular. Para a faculdade das Artes (letras), os dias solenes eram os das festas de Santa Escolástica e S. Nicolau. > (As Univ. da Europa na Idade Média, VaI.
•
m.
pago 422 )
Na Universidade de Coimbra os patronos dos estudantes - Santa Escolástica e S. Nicolau - eram festejados devotamente com vésperas, missa, sermão e préstito. Neste {Iltimo acto de culto externo - o préstito - tomavam parte os académicos, o corpo docente, os colégios, com grande pompa de vestes e • • • I11slg11las. Os estatutos deste estabelecimento de ensino, dos séculos XV e XVI, registam este culto escolástico. Além desta veneração universitária prestada aos patronos da Academia, é natural que houvesse alguma diversão profana. Não há, porém, noticias descritivas que nos mostrem a natureza des-
44
sas diversões - embora sejam inúmeras as folias dos académicos conimbricenses. O mesmo culto se celebrava na Universidade de Salamanca.
* Na vizinha cidade de Braga, onde os estudos sempre tiveram notável relevo desde os primórdios da Nação, S. Nicolau era celebrado não só no seu altar da Sé, mas também por maneira ruidosa nas ruas. A este propósito ilucida-nos uma efeméride municipal, que diz assim:
<Acordaram (os Vereadores) por verem a grande devassidade e pouca cortezia que há nesta cidade, e pouco temor do Senhor Deus e da Justiça, em atirarem com laranjas, assim aos estudantes de vésperas e dia de S. Nicolau, como a outras pessoas desta cidade e termo, e estrangeiros, de maneira que as pessoas não ousam de andar pelas ruas, nem negociar o que lhe cumpre, e isto fazem assim pelo dito dia de S. Nicolau, como por muitos dias antes do entrudo, o que é grande prejuiso tão mau estilo e costume, porque muitas vezes se levantam arruídos e ódios e malquerenças; e querendo a do (a isto) remediar . . . . . . . . . . . o, qualquer pessoa que atirar com laranjas' fIOS ditos tempos . .. , pague por cada vez da cadeia •.. quatro mil reis.> (Boletim do Arq. Mun. de Braga, VoI. I, fase. I, pago 247.)
* Também na cidade do Porto, na freguesia de S. Nicolau, usavam os rapazinhos das escolas celebrar com magusto o dia do Orago (1). As castanhas eram oferecidas, duas partes pela Irmandade, e outra parte pelo abade da referida freguesia. Na véspera do magusto os rapazinhos percorriam o bairro ribeirinho munidos de campainhas, lançando este pregão pedincheiro:
Quem dá lenfza ou um pau P' rá fogueira de S. Nicolau! Quem dá lenha Oll chamiça (2) Ou a fralda da camisa!
,
Em Guimarães, igualmente o dia de S. Nicolau era festejado. No ano de 1890, por iniciativa da escola de música, que funcionava na Sociedade (1)
(2)
Almanaque de Lembranças. AliO 1858, pago 361. Chamiça - Ramos secos para acender o 1l1me. Carqlleja.
45
Martins Sarmento, a festa subiu de importância. Do programa constava uma distribuição de brinquedos e merendas. Na igreja da Colegiada, no altar de S. Nicolau foi celebrada missa acompanhada no coro pelos alunos da referida escola de música (1). Com os meus nove anos de idade, ajudei a um coral devoto, que começava deste modo: S. Nicolau protector, Protegei estas crianças; Escutai com terno amor, O eco destas esp'ranças.
•
•
•
•
IMAGE 'I DE S. NICOLAlI Que e venera na Igrtja da Oliveira
(1)
V. Revista de Guimarães, da S. M. S., Ano 1891.
46
•
•
•
UM ESTATUTO DO SÉCULO XVII DA IRIIIANDADE DE S. NICOLAU DOS ESTUDANTES
, S oficios e as classes, no passado, buscando um:! forma associativa, fundaram irmandades e confrarias sob o signo da Igreja Católica. Nestas células corporativas, o culto e assistência eram o seu objectivo. Um santo do calendário da Igreja era elcitO como seu patrono. Seguindo esta regra de associação, também os escolares de Guimarães fundaram no século XVII uma corporação religiosa. José Caldas, erudito escritor, aludindo à cxistência desta irmandade, assim se lhe refere:
Foi Guimarães centro duma vasta aristocracia regionalista. " e também terra culta, de galhardia, como no-lo indica a Irmandade do:> Moços de S. Nicolau, constituida exciusivamCllte de escolares.> <
(Inc. Rcv. Arte e Natureza.)
Em um maltratado lote dc livros desta corporaçao encontrei um, datado de 1738, com o titulo - Livro dos Termo!. Manuseando-o. deparei nele actos da administração que atingem, sem ordem cronológica, até 1863. Na colheita de nomes dos Irmãos. deparei muitos que plenamente confirmam o diz.er de José Caldas - quanto à caracteristica de haver sido Guimarães um < centro de vasta aristocracia,. Estão nesse caso os Rochelas, os Alcoforados, os Machados de Miranda, os Távoras e Lemos, os Amaraes e Freitas, os Guimarães, os Soto Maior, os Alvins e Nápoles, os Machados Lobo, além de outros da cepa 1l10rganática. Uma outra aristocracia ali refulge - a das Letras e Ciências. Destaco os Navarros de Andrade, os Oliveiras Cardoso, os Pereira Caldas, os Afonso de Carvalho ...
47
finalmente, para claro testemunho de que foi a Irmandade de S. Nicolau um alfobre de egrégios e clérigos, - antes e depois do seu periodo escolástico, - rebusquei nomes que me deram, no aspecto freirático, esta lista: fr. Tinoco da Piedade, fr. Júlio de S.'a Emerenciana, fr. Manuel dos Prazeres, fr. António de S. Tomaz, fr. Francisco do Rosário, fr. João de Jesus Maria José, fr. Bernardo de S. Joaquim, fr. João Baptista de Sant' Ana, fr. Pedro de S.'a Tereza, fr. José de S.'a Rosa de Lima, fr. francisco da Encarnação, e ... neste apanhado me fico. Nesta. procissão> dos confrades de S. Nicolau, tomam parte muitos clérigos, sem faltarem alguns dignitários da Colegiada Insigne. Não andavam os fins pios e devotos da Irmandade aliados com a festa profana dos Estudantes.
* Quanto a função escolástica era ruidosa e alegre, a festa religiosa ao patrono não passava de uma solenidade modesta, restrita à igreja. Nela tomariam parte os Irmãos, cada um fazendo uso do seu hábito ou insignia. Estudante sem capa e batina, vestiria casaca (I). Sobre ela lançaria uma fita de seda branca, de onde pendia a medalha do Santo. da Irmandade de S. Nicolau. São datados de 1691 os estatutos • Não se tome, porém, esta data, como a primeira manifestação de um culto organizado. Decénios antes, já os escolares de Guimarães dava.m sinais de vida cultural em prol de S. Nicolau. Apreciemos este termo de cunho notarial, registado nos livros da Colegiada: • Em nome de Deus, Amem. Saibam quantos ... como no ano do Nascimento de Nosso Senhor /esu Cristo de 1662, aos 20 dias do més de Maio, foi dito a eles Rev. do. Senhores do Cabido, que de muitos anos a esta parte tinham tensão e devoção de fazerem uma capela da invocação do Glorioso S. Nicolau Bispo, pera nela levantarem Confraria e Irmandade à honra e louvor de Deus e aumento do culto divino; e porque nesla igreja de Nossa Senhora da Oliveira era lugar mais conveniente pera edificação da dita capela, lhe pediam ós ditos Rev. do. Senhores do Cabido lhe fizessem mercé do sitio pera ela. •
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
• E considerado por eles em Cabido, convieram em lhes dar licença
(1)
Tragc acadêmico: capa) batina, calção, sapato de fivela, garra.
48
junto da porta travessa da dita igreja, da parte direita dela, encostada à saneristia, junto à capela de S. to Estevão, no quintal que é do sancristão, na jorma que contratado tinham com o mestre que tomara a obra da dita capela, e lhe largavam o dito sitio, de hoje pera todo sempre.• Este documento cstá assinado pelos seguinte confrades :
Rev. do André Gomes Caveira, Rev. do Padre' !oão da Silva Salgado, Francisco Mesquita da Cunha, !oão Cardoso Soares, Domingos de Freitas, o L.do Marcos de Figueiredo, L.do Francisco Barbosa, P.< Tomaz da Silva, António Ribeiro e !oão Pereira do Lago.• <
(Arq. Mun., Códice 587, fls. 178 a 180.)
*
o
Estatuto de 1691 não representa, pois, a data precursora do culto Nicolino em Guimarães. Aprecicmos alguns dos capitulas do Estatuto] na parte que interessa a este trabalho:
•
I
d'"
t=ullbr do .:W 11O
-_.......
d. ̀91
Capo 1_ < Ordenamos que a festa de S. Nicolau se faça no seu dia, e querendo-a transferir o possam fazer até ao mês de Maio, e não mais adiante. Assistirá na festa o Juiz mais os Oficiais, com suas medalhas penduradas ao pescoço por uma fita branca, e o que não assistir, estando na terra, o Juiz o condenará em uma libra de cera fina.• Não há memória da festa religiosa do Santo ser mudada. O dia con.sagrado pela Igreja a este santo, é, como se vê do Flos Sanctomm. a 5 d.e Dezembro.
49
A faculdade estabelecida em se poder transferir a festa de S. Nicolau • até ao mês de Maio >, funda-se numa efeméride relativa à vida do Santo. Capo VIll - • Todo o Sacerdote, Beneficiado, Letrado e Estudante que assistir em esta Vila e quizer entrar nesta santa Irmandade, dará de esmola quatrocentos e oitenta rcis, e não se admitirão senão os acima referidos. > A frase. os acima referidos >. subcntende-se: Que só podiam ser admitidos. irmãos >, os estudantes ,que frequentassem, ou houvessem frequentado as escolas de Guimarães, mesmo na qualidade de Sacerdote. Beneficiado. Letrado. Prossegue o Estatuto, em forma explicita:
• E se algum Estudante, depois de ser Irmão, casar e exercitar oficio mecânico, a Mesa ... o riscará sem causa mais alguma ser necessária.> Aclara ainda O Estatuto: • O que no principio do Capo dissemos, se entendera nos Clérigos, Bcneficiados, Letrados e Estudantes que vivem na Vila; porque os que • vivem fora, e Estudantes que não estudam nela, a Mesa determinara o por quanto hão-de entrar.> • Advirtimos mais que, todo o Estudante que entrar em alguns dos estudos desta Vila, e dentro de um ano se não fizer Irmão, dará depois a esmola que a Mesa albilrar> (1). No mesmo Estatuto se esclarece a parte relativa à perda da qualidade de Irmão, quando este exerça oficio mecânico:
• Aquele que depois de inscrito Irmão passar porventura a exercer profissão ou oficio mecánico, será contado como Irmão para efeitos dos sufrágios por sua morte; não poderá porém incorporar-se à Irmandade 'em acto algum público ou particular, e mel/os ail/da servir algum cargo dela. > Os homens dos mesteres oficinais eram então designados por • mecânicos. > Contudo, a sua mecânica, consistia no trabalho de mão. O termo que, hoje, têcnicamente se valorisou, era então de efeito pejurativo.
(1) Há outros dizeres lia pâgina do Estatuto, cujo sentido se nflO alcança, por terem sido riscados.
50
-
De todo o trabalho manual, só a lavoura estava distinguida. Platónieaillente distinguida. Na realidade, a lavoura, era servidão. Quando, pois, o antigo estudante tomasse uma profissão oficina!, passaria a ser confrade, apenas, para alcançar os sufrágios. Juntou-se ao Estatuto este aclaramento, para aplicação do Capo VlII:
§ Único - • A Mesa é juiz competente para decidir se a profissão ou oficio a que se alude ..., é ou não mecânico ..., restando-lhe entretantG ao Irmão recurso para o Definitório. > Perdia, eomo vimos, a qualidade de confrade no activo todo o Estudante que se casasse. Esta circunstância, por si, deixa ver a natureza das diversões realizadas por ocasião da festa ao Patrono. Com efeito, só homens, em condições de solteiro, lhes era licito que se divertissem pela forma como se praticava na função escolástica de S. Nicolau. O homem casado ganhava qualidade, prestigio social; mas perdia o direito de folgar ... como um rapaz. E o Estatuto prossegue.
•
51
.
""
t'
,
,
•
, CAPELA PRIVATIVA DE S. NICOLAU. DOS ESTUDANTES ERECTA NA IGREJA DE NOSSA SENHORA DA OLIVEIRA (Ver pág. 48.)
•
REPRESENTAÇÕES E DANÇ,\S DE CARAcTER PROFANO - IRMÃOS AUXILIARES NOS DESE1'tlPENHOS CÉNICOS
o
. Estatuto da Irmandade de S. Nicolau, do século XVII, dedicou alguns dos seus Capo à maneira como obtinha meios de receita para o culto do Santo, sua festividade, e fins pios da instituição. Um dos meios estabelecidos provinha da representação de Comédias e Danças. A cargo dos irmãos estava a sua organização, quando não o seu desempenho. . Assim se expressa o Estatuto:
.
omodo çOinqUJ. seham de,
.. '
~
. e:.'l' os oRiciad dame..:;a no t rnar clascúmedi~s Cnld.is
éBuzas GIl14 houue.r íttilí c19-
.....-
11\
J'"J:.l~'.l
a lrm.lrz dadc .
,
I •
Capo XIV - 'Querendo alguém que se l!le façam Comédias ou Danças, e falando nisso a algum Oficial da Mesa, esse o fará a saber aos mais, para que juntos determinem o por quanto se podem fazer; e ajustando-se no preço, terá cuidado, todos ou a maior parte da Mesa, rogar quem !louver de entrar, e procurar o que for necessário para isso; e repartirão entre si o trabalho dos ensaios, ou aos dias, ou às semanas, conforme IIle parecer.>
53
fecha o Capo com esta recomendação fervorosa: • Nesta parte pedimos aos sen//ores Oficiais, pelo amor de S. Nicolau, que se não eSCllsem cada um com o seu préstimo, e que se hajam nisto com amor de verdadeiros Irmãos. >
Reforçando a recomendação, acrescenta o Estatuto: Capo XV- .Como o aumento desta Santa Irmandade consiste nas esmolas que se dão pelas Comédias e Danças, determinamos que nenhum Irmão entre nelas sem ser a pedido dela. E entrando sem licença. o riscará; e dissimulando essa Mesa, o fará qualquer depois; e riscado ele, o não poderão aceitar outra vez em nenhum tempo. >
Todo o confrade, pois, que não colaborasse lealmente nestes trabalhos, seria riscado. Também seria lançado fora da Irmandade todo aquele que, .dissimulando>, enganando a Mesa, fosse colaborar com grupos que igualmente representavam Comédias e Danças. A concorrência, como era natural, prejudicava a instituição. Demais que, na nossa terra, havia • habilidosos> que se encarregavam de tais diversões. Parece, todavia, que nem sempre os confrades se propunham ser personagens nos espectáculos dramáticos e coreográficos encomendados à Irmandade. • De onde proveIO a necessidade em cnar esta cláusula no Estatuto: Capo XVI - • Considerando nós o grande trabalho na assisUncia aos ensaios das Comédias e Danças, e que por esta causa, e de não haver quem chame aos que faltam, se deixariam de aceitar as esmolas que se dão por elas, no que fica a Irmandade muito prejudicada, ordennmos se aceitem sem esmola, dez Irmãos que não sejam Estudantes, com obrigação de assistirem ou darem pessoa idónea para fazerem o que lhe mandarem nos ensaios ou no que for útil à Irmandade. . . . . . . . . .>
A .assistência aos ensaios das Comédias e Danças> a que eram obrigados estes dez Irmãos não escolares, outra coisa parece não significarque serem os referidos dez Irmãos os intérpretes das exibições cénicas e coreográficas. Vejamos agora alguns efeitos deste expediente.
54
No livro Inventário Geral da Colegiada, relalivo a 1654, lê-se esta passagem:
.A Capela de S. Nicolau fizeram-na os Estudallles desta Vila e outros devotos de dinheiro q. ganharam em comedias e danças q. por devoção do S. t. e augm. t • da Capela aceitavam o dr.· (dinheiro) q. li/e davam.(Arq. MlltI., Códicc 83, fI. 83 V.)
Chegados ao ano 1713, vê-se que foi admitido como Irmão, sem pagamento de propina, um careiro da Colegiada, de nome Bernardo dos Santos, acrescentando-se neste registo: que este novo confrade foi admitido sem joia .pera entrar em um Baile que tomou a Irmandade.Importa explicar: Este .Baile-. (dicionarizou Cardeal Saraiva, Obras, VaI. 9.°) - era uma espécie de combate. Coisa parecida com uma dança de armas. Em 1730 aparece registada nos livros da Irmandade de N. Senhora da Oliveira uma verba de despesa com a sua festividade, do teor seguinte:
•Folia preta dos estudantes e dança preta ... 50$000.Mais tarde, em 1781, a mesma Irmandade registou esta despesa:
·Com os Estudantes Académicos das óperas que se fizeram no galinheiro (1) . 36$800.• • • • • • • A <folia preta., e .dança preta-, desempenhadas por Estudantes, ou seus apaniguados, seriam reminiscências da raça negra, quando esta infestou o reino, após a descoberta da india (2).
• A admissão de Irmãos, sem pagamento de jóia, terminou em 1738, como se vê desta deliberação registada em acta:
(t) Galinheiro. Era um barraco existente que servi:!, à época, de casa de cspcctilculos.
110S
terrenos da Co.sa do Priorado,
(2) Vi na Beira Alta, conc. de Tabuaço, aldeia de Cabaços, uma dança, que era uma espécie de combate. O personagem central, de manto e coroa, tinha como os demais comparsas, a cara c as mãos acarvoadas.
55
<E parecendo ser inconveniente os muitos Irmãos leigos que se tem aceito fOf<! do estilo que dantes se usava, no tempo que izavia Comédias e Festas, conforme o Compromisso, fI. 7 Capo 16.·, determinamos que, visto iá não haver o dito ministério, se escusavam aceitar os ditos irmãos.> (Arq. Ml1n., Mss. da Irmandade, 1738, n. 15.) Em 1738 terminou a prática da Irmandade de S. Nico/au explorar, como empresiiria, as representações cénicas e coreográficas. Nos -cautos"
<mistérios"
cllloralidadcs,., acompanhados algumas
vezes de música, coros e danças, com desempenho nos templos, nos adros, nos páteos, encontramos os fundamentos justificativos das representações cénicas e coreográficas da Irmandade de S. Nico/au dos Estudantes~
•
•
•
56
•
o
TEATRO ELEMENTO DE CULTURA - COMO SE OBSERVAVA- NO ENSINO O SEU EXERCíCIO
A
S representações cénicas e coreográficas de que se encarregava a Irmandade de S. Nicolau, eram, apenas, um meio de angariar receita. A instituição não tinha a preocupação de fazer escola das artes de Talma e Terpsicore. Quanto ao Teatro prôpriamente dito, promanando de um fundo tradicional, não brigava com a instituição do ensino. É que, o teatro de declamação e seus elementos a-fins, constituiam instrumento de cultura intelectual e artistica. Pelo que pedagogistas e historiadores concluiram:
- ,A vida dos escolares nas Universidades dos séculos XV e XVI, favorecia o desenvolvimento da literatura dramática.> Era como que uma forma prática do estudo de Humanidades. Não havia festa académica que não compreendesse no seu programa uma representação de carácter litúrgico ou profano. O estatuto da Universidade de Sa/amanca relativo a 1538, inseria instruções respeitantes a este assunto:
,Cada colégio, cada ano, se representará uma comédia de Plauta ou Teréncio, ou trágico-comédia; a primeira, no primeiro domingo das Oitavas de Corpus Christi, e as outras em os domiugos seguintes. ,E o regente que mel/lOr fizer e representar as ditas comédias ou tragédias, se lhe darão seis ducados da arca do estudo; e serão juizes para dar este prémio, o Reitor e o Mestre-Escola. > O mesmo se observava na Universidade de Coimbra.
,Durante a vida escolástica que decorre de 1539 a 1542, assistia
57 •
Camões na Universidade de Coimbra às representações dramáticas que, segundo os costumes das principais Universidades europeias, eram como que obrigatórias nos seus estatutos, e que os Estudantes compunham e ensaiavam nas férias ou nas festas do Patrono S. Nicolau.> (Tcófilo Braga. Gil Vicente e as origens do Teatro Nacional.)
Um dos temas postos em teatro, era o Milagre de S. Nicolall - a ressurreição dos três escolares infantes mortos por um cstalajadeiro. Certo personagem de auto seiscentista, exclama, aludindo a outrem:
• Til fazes já melhores argumentos que moços de estudo por dia de S. Nicolall. > Alusão é esta ao ensino universitário e às diversões escolásticas de Coimbra, nas eras passadas, em dia do seu padroeiro, S. Nicolau. Ainda por outra referência do Callcioneiro, se vê como as danças tinham lugar na [unção. Afonso Valente, troveiro, diz a Garcia de Rezende:
De traz de S. Nicolau •
•
•
•
•
•
•
•
•
vos vi eu nllma alta dança, com essa pança, mui atento. •
•
•
•
•
•
•
•
•
•
(T. 8., ob. ciL pago 40.)
Destas breves referências se dedus: Haver sido S. Nicolau, patrono dos Estudantes, não só um dos temas postos em cena, como constituir o dia da sua festa ocasião propicia para exibições escolares.
* Em Guimarães, - pelo que nos ilucidam os registos feitos cm livros de Visitações Eclesiásticas, - na própria igreja Colegiada se representavam danças e outras exibições teatrais. Em 1729, o D. Prior alude a esse procedimento, por este modo exprobatório:
• Tendo nós próximamente noticia de que nesta nossa Colegiada se toleravam até agora. " máscaras e bailes dentro da mesma igreja, na vés-
58 •
pera do dia em que se faz a procissão do Corpo de Deus, nós lIaS vemos obrigados a impedir tão indecente e prejudicial abuso.> (Arq. MU/I. de Glftlllarães, Maço 252.) Com efeito, a festa do Corpo dc Deus era, em tal epoca, uma parada de danças e entremezes, muito do gostÇl popular. Na véspera da procissão, alguns grupos deambulariam pelo adro, claustro e naves da igreja, nem sempre sendo seleccionado o género das suas representações. Não faltam, por isso mesmo, ecos de censuras nos livros das Visitações Eclesiásticas. Desferiam algumas destas censuras ameaças de excomunhão contra os comparsas. Tão inveterado estava o gosto, na Academia de Coimbra, de fazer representações de comédias e danças, que um momento caiu contra este uso e abuso um raio fulminador. Comédias e Danças, só teriam lugar fora da cidade de Coimbra. <duas léguas no redor dela, desde Outubro a Maio de cada ano>. A razão determinante que levou a Igreja, no século XVIII, a proibir representações de carácter profano no âmbito sacro, proviera da circunstância de se não limitarem as representações a Autos, Mistérios, Moralidades, correspondentes à vida dos santos e à apologética da fé cristã. A Irmandade de S. Nicolau, dos Estudantes, no capitulo referente a teatro, tinha analogia com as <Irmandades dos Peregrinos> e <Conferências da Paixão>, às quais aludem Teófilo Braga (Hist. do T. Nacional), e Carolina Michaelis de Vasconcelos (Notas ao T. Vicentino).
* P.' António José Ferreira Caldas (Guimarães, VoI. 1.0 pág. 152) escreveu do teatro Vimaranense. Alberto Vieira Braga (Curiosidades - Teatro Vililaranense) mais desenvolvidamente tratou o assunto. Seguindo estes monógrafos vimaranenses, verifica-se que os estudantes de Guimarães, desde sempre, jamais deixaram de levar à cena exibições . . cemcas. No âmbito das Nico/inas por vezes entrava a comemoração histórica do 1.' de Dezembro de 1640. sendo o programa ampliado com um sarau de gala. Neste espectáculo de iniciativa e execussão académica, entravam números de danças, recitativos, discursos. Não há propriamente teatro Nico/ino. Exceptuando o Auto da Saudade, representado no ano de 1920, da autoria do escritor vimaranense P.' Gaspar Roriz, não há teatro de pura tese escolástica.
59
A seu tempo veremos noticias de espeet,\culos N/colinas. •
A tradição do Teatro, nomeadamente em Coimbra, afirma-se nas recitas de Despedida. Mantendo o objectivo cultural que promana da arte de representar, sllrgiu o Teatro Académico, de selecta escola clássica. Acentua-se, por maneira notável. o seu êxito.
Entre nós a tese N/colina seria aliciante para desenvolver em teatro. Constituiria um grande número de programa!
•
00
•
A ALIANÇA DOS PRECURSORES DA FESTA ESCOLÁSTICA COM OS .MENINOS DO CORO- DA COLEGIADA
JOSÉ DE SOUSA BANDEIRA, jornalista portuense, (I) noticiando em 1854 a festa escolástica de Guimarães, antecede-a com esta nota histórica: -Um cónego da Real e Insigne Colegiada ... deixou em seu testamento um legado nos dizimos da freguesia de S." Estêvão de Urgeses, para divertimento anual dos meninos do coro da mesma Colegiada, consistindo este legado em maçãs, nozes, castan/zas, vin/IO, e pallla . .. legado que com a titulo de renda se tem constantemente pagado pelo respectio rendeiro até à extinção dos dizimos (1834), mas que continua à custa dos Estudautes, que !lá muito tempo se ac/zam ligados e associados aos meninos do coro para esta fuução. > (Braz Tizaaa,
11. 0
288.)
Esta efeméride histórica é mais tarde reproduzida num jornHI de Guimarães, por modo UI1l pouco diverso: 'I;
Um antigo cónego legara em seu testamento aos rapazes careiros
uma renda, constante ele certa medida de castanhas e maçãs, imposta numa quinta de S.'o Estêvão de Urgeses. Os coreiros indo ali lodos os anos no dia de S. Nicolau receber a renda, vinham depois a cavalo e em hábitos corais oferecer da mesma às pessoas mais gradas da terra.> (O Vimaral/cl/se, 18-12-1896.)
Há a anotar estes reparos:
(1)
Ver Nota a pago
7.
61
•
Para que pudesse ser verba testamentária de UIl1 dignitário da Colegiada a favor dos ·meninos do coro·. tornava-se necessário que os frutos proviessem de uma quinta, propriedade do aludido dignitário, e não das rendas dos dizimas; que, como ê óbvio, não pertenciam individualmente a um cónego, pois eram receita geral da Colegiada. b) Se. na verdade, a origem da entrega dos frutos aos .meninos do coro>, em dia de S. Nicolau, proviesse da benemerência de um legado, era de admitir a existência de um testamento notarial, onde constasse, sim ultãneamente, o nome do cónego e da quinta, sua pertença. Não há sobre este assunto documentos. Mas nem por isso a costumeira deixou de fixar-se no tempo. a)
* Valia o costume? Sem dúvida. Já o \I1slgne Sá de Miranda nos disse cm seu tempo:
Não valem leis sem costume, Vale o costume sem leis. Prosseguindo a efeméride incerta no jornal portuense de 1854, assim nos conta como se fazia o Icvantamento dos frutos da <renda. :
<No dia seguinte (6 de Dezembro) vão os meninos do coro à freguesia de S.'· Eslévão de Urgeses receber a dita renda: dous vão a cavalo, paramentados de vestes cardinalicias. e um feito bispo. São acompanhados de grande número de estudantes . . . . . . . . . . . . • > (Braz
Ti~afla,
n. a 288.)
Deve destacar-se este pormenor: Alguns rendeiros, aos quais incumbia fazer a entrega das medidas, não procediam ao seu pagamento, sem estarem presentes os <careiros> da Colegiada. Em 1818 - segundo o dizer do Bando correspondente a esse ano - o figurante mor dos <careiros. foi receber a renda, em coche. Exigiam os Estudantes o seu pagamento, por esta maneira percntória:
Mal que à Renda (1), em coche, tremebUlzda, Cflegar Sua Excelência, rubicunda . ..• < •• ,
(1) ~ fOiO
c.Rendat - Nome popular dado fi quinta, na freguesia de S.tO Estêvão, 'onde
dos careiros era pago.
62 •
Esta personagem crubicunda:"
era um dos cIlleninos do coro:., ao
serviço da igreja Colegiada. Substituiria no acto a batina vermell1a e roquete branco do seu trajo vulgar, por vestes à semelhança das usadas pelos purpurados da Igreja (I). Deste abusivo proceder por parte dos .coreiros. e mais dos Estudantes, que andavam de gorra com eles na festa de S. Nicolau, proviera a proibição registada no livro das Visitações da Colegiada, com data de 1575:
,Mandamas ao S. Cilristãa desta See e a qualquer pessaa 'q. tiver jurisdiçãa na S. Christia com pena de Ex. a (excomunhão) per si nem interposta pessoa empreste algúa copa de asperzes pera os estudantes ou outra qualquer pessoa andar a cavallo dia de S. Nicol(1u Bispo em comp. a dos Escolares cauzaado turbações na Vil/a e mt."' indecencias a q. convém por este meio atalhar.• (") (Arq. Mun. Cóc!icc 1522, !I. 61.)
A recomendação, porém, não vingou êxito. Em 1708 registou o D. Prior João de Sousa, esta censura:
·É cousa muito indecente que no dia da festa de S. Nicolau que nesta
Vila se celebra pelos Estudantes, andem os mesmos a cavalo com sobrepeliz e murça, fazeado gravissima ofensa à autoridade do 'lábito carlOnical,. e sendo esta acção muito repugnante à veneração que se deve às vestimentas sacerdotais, pois se convertem em usos sumamente profanos as que foram ardenadas para o culto divino, e detestando tão irreverente abuso, proibimos a todos os nossos súbditos, sob pena de excomunhão maior, ,ipso facto incurrenda., que emprestem murças, sobrepelizes, nem consintam por algum modo que se sirvam das suas para o dito efeito.• (Boi. do Arq. Municipal.)
Quanto à identificação dos ,meninos do coro. com os Estudantes, já isso ficou demonstrado, da página 9 à 18, onde se faz a história da Escola Capitular, que funcionou na Colegiada, desde o século XII até ao século XVI.
(1) ~Bispo de COlllcdia~. As alusões mais antigas a estes Bispos de Comédia, foram encontradas no Sinodo de Constantinopla de 867. O costume estel1dia~sc aos principais paiscs ela Europa . .. " (Revista
ElnoIÔ.!lic~,
VaI. 3.°, p6g. 87.)
(2) O cmprcslimo de paramentos sacros para comédias e jogos, jâ vinha sendo cxprovado, do século XV, pelos Senhores Arcebispos. (Rrq.
63
~.lun.,
Maço 148 Dt.o 7.)
frequentando os .meninos do coro· a escola onde se ensinava gramálica lalina e cantoclião, por esse facto estavam compreendidos no <foro escolástico· . Esta união visava, tão sómente, as diversões Nico/inas. Veremos através desta obra mais alusões à aliança dos Estudantes com os .meninos do coro-o Extinta a escola capitular da Colegiada, depois que a • renda· dos frutos deixou de ser paga, extinguiram-se completamente as relações entre estudantes e careiros. As mesmas tradições escolásticas olvidaram os cil/cO sócios, paramentados de batina vermelha c foquete branco.
64
A RENDA PAGA ANUALMENTE AOS CaREIROS DA COLEGIADA - CaREIROS E ESCOLARES ALIADOS DAS NICOLINAS
N
AS largas rendas que provinham à Colegiada de N. S." da Oliveira figuravam aquelas que eram relativas às igrejas do seu Padroado. Estas rendas seriam pagas em frutos, à maneira de foros. Vulgarmente lhe chamavam - os frutos da dizimaria. Para facilidade desta cobrança, a Colegiada arrendava os dizimas. Os intermediários, na administração do tributo, denominavam-se .rendeiros •. Era a estes .rendeiros. que os lavradores-caseiros entregavam os frutos ou o equivalente do seu valor. O mesmo se observaria com o rendimento do •pé-daltar., se acaso este rendimento não fosse excluido do contrato. No livro do Cabido - Assentos dos Arrendamentos das Igrejas, Capelas e Ermidas -, registam-se os aludidos arrendamentos da dizimaria. Os lançamentos que interessam ao nosso caso. dizem respeito à igreja paroquial de S.'· Estêvão de Urgeses. Nem todos os lançamentos se referem especificadamente à renda que naquela freguesia iam levantar os .moços careiros> da Colegiada, em dia de S. Nicolau. Reproduzirei aqui apenas os registos que dizem respeito à citada renda.
* O primeiro lançamento indica-nos como arrendatário João Francisco, da Caldeiroa, tecelão. E acrescenta esta cláusula da obrigação contratual: ' .. , satisfará aos estudantes do Senhor S. Nicolau, pelo seu dia, a porção que é obrigado com toda a boa satisfação, como é uso e costume e foi sempre.•
65
•
•
foi .sempre', como se vê, .uso e costume., anterior à data do lançamento, pagar aos Estudantes que festejavam S. Nicolau, seu Patrono, uma .porção> dos frutos da dizimaria de S.'o Estêvão de Urgeses. Segue-se outro lançamento, no ano de 1717, referente ao mesmo rendeiro :
'. .• e outro sim ele readeiro satisfará aos estudantes do Seahor S. Nicolau pelo seu dia a porçao que é obrigado com toda a boa satisfação, como é uso e costume.> A insistência com quc se repete - .como é uso e costume. - deixa-nos ver que a renda paga aos escolares era costumeira. Chegados a 1743, o registo determina: que o rendeiro deve pagar .aos estudantes todos os encargos novos e velhos •. Um dos .encargos novos- consistia em abastecer de azeite a lâmpada da Senhora. Em 1744, diz assim o registo:
• Há uma costumeira de dar aos Careiros em dia de S. Nicolau os frulos segaiates: 200 maçãs, '/2 rasa de tremaços cortidos, meia de nozes, 2 alqueires de castaahas assadas, e duas dúzias de paUlO, de grandes molhos.' (Arq. Mun., Códice 390, [I. 19.)
Em 1797 fez-se o seguinte lançamento de despesa:
• Despendeu-se com o que se paga aos Meninos do Coro na função de S. Nicolau que lá vão, trts mil e duzeatos reis. . . . . . . . 3.200.• •
Neste ano, o pagamento do rendeiro foi feito em moeda e não em fru tos. Simultâneamente se precisa: que os .Meninos do Coro. iam lá, a Urgeses, levantar a renda. (Arq. Mun., Códice 405,
n.
19.)
Em 1799 diz o termo do contrato:
• Arreadou-se a dizimaria da igreja de Urgeses e Candoso por tempo de trts anos, que principiam no S. João de 1800 e acabam em 1803. com todos os seus encargos, aovos e velhos . . . . . . . . . . . . . . • (Arq. Mun., Códicc 3S0, O." 285.)
66
Surge em 1800 como rendeiro José Mendes Peneda. Especificada a renda, acrescenta: < •••
e também com o encargo da posse aos estudantes em dia de
S. Nicolau.> Em 1808 é rendeiro João José d'Além. dantes, resava assim:
A cláusula relativa aos Estu-
com mais obrigação de em dia de S. Nicolau (dar) aos estudantes que forem à dita freguesia na forma dois alqueires de castanhas assadas, meio alqueire de nozes. tremoços, duzentas maçãs, dois almudes de vinho e duas de argola.> < •• ,
de cada um ano do seu costume, meio alqueire de dúzias de palha
Quanto à palha da renda, seriam os molhos regulados por um padrão de medida, em forma de argola, aferido na Câmara. Em 1810 o rendeiro passou a ser Manuel António, do lugar da Lage. Volta a especificar-se: que a renda seria paga < ••• aos estudantes em dia de S. Nicolau. > Em 1812 é rendeiro Bento Faria, de Polvoreira. Não se faz no registo menção especificada dos frutos. Apenas se diz: < •••
com obrigação de dar aos Estudantes o que for costume.>
Em 1819-1822 o contrato fecha com esta cláusula: < •• ,
livre de todos os encargos que (se) hão de fazer por conta dele
rendeiro.> (Arq. MUll., Códice 390, D." 423.)
Um dos < encargos> era a obrigação do rendeiro satisfazer aos CorelrOS e Estudantes, em dia de S. Nicolau, os produtos da antiga posse. Em 1823 é rendeiro Manuel Lopes, do Cavalinho. Assim arremata o seu contrato:
e mais com a obrigação de dar aos careiros ou estudantes que f?rem à dita freguesia de S. to Estêvão de Urgeses por dia de S. Nicolau, na forma do costume, duzentas maçãs, meia raza de tremoços cortidos, meia raza de nozes, dous alqueires de castanhas assadas, dous almudes de vinho, < •••
67
e duas dúzias de grandes molhos de palha painça, assim como pagará aos careiros ou estudantes que forem à dita freguesia o que já fica declarado IIOS dias de S. Nicolau, 6 de Dezembro deste ano e do próximo futuro ano, sem falta alguma.> Tem este lançamento a expressa e visada recomendação: de que o pagamento se faça aos careiros ou estudantes. Depreende-se daqui: que os <Coreiros> havendo sido os precursores desta costumeira, a eles ou aos •Estudantes > seriam entregues os frutos referidos no contrato do rendeiro. Em 1831 foi o arrendamento feito a Manuel José Lopes, do Sabacho. Também no seu contrato se alude: que a entrega dos frutos seria feita aos careiros ou estudantes. Em 1833 o contrato alude apenas aos .Coreiros>:
.Há uma costumeira de dar aos COretros em dia de S. Nicolau as • > pilanças (géneros) seguintes. • • • • • • • (Arq. MUIl., Códice 390, fI. 3.)
Esta circunstância, porém, nada significaria. Invariâvelmente se mencionavam, como se vê, Qra os .Careiros>, ora os .Estudantes>, quando não conjuntamente. Era todavia manifesta a má vontade do Cabido em manter o uso tradicional. Até que, em virtude da supressão dos Dizimos, o pagamento da renda cessou. E um pleito judicial eclodiu. •
68
•
JULGAMENTO DA CAUSA NO TRIBUNAL DA COMARCA - COREIROS E ESTUDANTES PARTES NO PROCESSO
S dizimos - 10.· parte dos rendimentos das terras - constituiam um imposto da Igreja. Foram suprimidos por Decreto de 30 de Junho de 1832. Em sua substituição foi criada uma nova tributação, chamada - Côngrua. Em face disso, o Cabido da Colegiada deliberou, depois de 1833, não entregar mais os produtos agricolas aos Coreiros e Estudantes, os quais, por maneira festiva, iam anualmente, em obediência a uma posse tradicional, levantar à quinta de Urgeses, vulgarmente conhecida pela <Quinta da Renda>. Esta atitude não satisfez aos escolares, pelo que deliberaram interpor recurso para o Tribunal. A <Acção de Libelo> foi apresentada em 14 de Novembro de 1835 perante o Juiz de Direito do Julgado de Guimarães, correndo pelo cartório do Escrivão José Maria da Silva Maia. Para que o processo vingasse seu direito, os Estudantes alcançaram que os Coreiros - vulgarmente designados <Meninos do Coro> -, assinassem com eles o requerimento da Acção. Foram estes os Autores da causa: CaREIROS: Manuel José Coelho, José da Silva, Alexandre José (1). ESTUDANTES: José Salgado da Cruz, António Rodrigues Cândido, António Joaquim d'Almeida Gouveia, Jerónimo José da Costa, António de Araújo Guimarães, Aires Murta de Oliveira, João Francisco Guimarães, Manuel Germano Correia, Domingos J.' Silva, Manuel Augusto Mendes, (1) Eram. regra geral, quatro os c Meninos do Coro •. Citam-se aqui, tr~s. Um deles resistiu ao ardil que, segundo é tradição, foi usado com eles para lhe apanhar a assinatura.
69
João Baptista, Domingos J.e Martins da Costa, José Gonçalves Correia, Manuel José da Silva Peixoto, João José Lopes de Carvalho, António Pinto das Neves, José Joaquim de Oliveira, Joaquim José da Silva, José Joaquim Fernandes, Custódio José da Costa Guimarães. A causa do libelo requeria ao Cabido o pagamento, em 6 de Dezembro de cada ano, da seguinte .renda- : Duas razas de castanhas. Dois almudes de vinho. Dois centos de maçãs.
Meia raza de nozes. Meia raza de tremoças.
Vinte e quatro molhos de palha painça.
Alegavam os Autores: que a .renda- lhes havia sido paga até ao ano de 1833. Por sua vez os Réus contestaram a acção, dizendo textualmente:
- <De facto os Careiros estavam no costume de receber pela Dizimaria e São foaneira da freguesia de S.'o Estêvão de Urgeses a pensão inculcada: mas só eles e não aos Estudantes, a quem jamais foi paga.Como semelhante alegação não correspondia inteiramente à verdade, foi acrescentado:
- <Que se os Estudantes a receberam, era dos Careiros, que com eles a repartiam, pois o rendeiro .1 não pagava sem os Careiros chegarem; e que a repartição entre os Careiros e Estudantes não passava de acto de favor e brincadeira.• Alegaram mais os do Cabido:
- <Que os Careiros não juntaram procuração; e os Estudantes, além de partes elegitimas, eram incapazes, por serem menores, e alguns órfãos, e sem autorização paterna ou de tutor.- •Que a inculcada pensão não se baseava em título algum de que haja noticia, e, portanto, não havia posse valedoura.Que, quando mesmo a houvesse (a posse), tinha caducado pela extinção da Dizimaria e São foaneira, acabaI/do por isso os encargos que afectavam aquela renda.' -
<
70 •
Finalmente:
- •Que os Reus nada receberam da Dizimaria e São joaneira no ano de 1834: e, portanto, com a extinção daqucla renda, cessou a obrigação do pagamento da pensão. > Deve, porém, fazer-se menção a uma fórmula regular do processo, que era de uso nestas causas: - a intervenção do Juiz de Paz. Esta diligência conciliatória, não resultou êxito, como se vê do seguinte veredicto: •
•Procurando o dito juiz de Paz e Orfãos conciliar estas partes, e empregando todos os modos posslveis que a prud~ncia e a equidade lhe sugeriram para os levar à concórdia, não póJe totalmente conciliá"-los.> Pelo que o processo teria que ser julgado em audiência de Júri.
• o
rol das testemunhas, a favor da parte dos Estudantes, avultava pelo número e qualidade. Uma das que se distinguia pelo entusiasmo votado ao triunfo da causa, era o fidalgo do Toural, António de Nápoles Vaz Vieira de Melo e Alvim. Outras .dignissimas testemunhas. - como dizia o processo em distinguido trato -, faziam parte das melhores famílias de Guimarães. Uma das mais eloquentes provas da simpatia que acompanhava a causa dos Estudantes, demonstrou-se neste facto: O advogado que representava o Cabido abandonou a causa do seu constituinte.
•
Este facto, só por si, mostra-nos o ambiente de simpatia que acarinhou a causa dos Estudantes. Não só o prestígio dos moços escolares era grande, derivado em parte à categoria de suas familias, mas porque a sua causa se tornou - causa do povo. A função Nicolina vivia radicada em saudade no coração de algumas gerações de escolares. De resto, não faltando Doutores de Leis na terra, todos apadrinhavam a causa dos Estudantes. Sempre o meio vimaranense teve causidicos de destacante valor.
71
Em tal número e qualidade foram os nossos Doutores de Leis, que se tomou Guimarães na Provincia - um centro recomendado de consulta.
• No periodo decorrente da causa - 1835 - 1838 - deram-se sucessos de ataque pessoal a certos elementos do corpo capitular. Compreende-se: muitos dos escolares havendo atingido a idade da barba, acamaradados com os simpatisantes do seu pleito judicial, não lhes sofria o ânimo aguardar, espectantes, o resultado da causa em julgamento. Dai os conflitos. Vejamos como decorreu o litigio no Tribunal da Comarca.
.
.
•
•
72
. SENTENÇA DO TRIBUNAL CONTRA O CABIDO - REGOSIJO DOS ESTUDANTES - RECURSO DO CABIDO PARA A RELAÇÃO
E
IS os termos da sentença:
•Nada do que alegou, provou o R. mo Réu, como lhe cumpría, antes desamparando o juízo, tàcitamente renunciou à sua defesa e reconheceu o bom direito dos Autores. •
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•Acresce a toda a justiça do processado, a simpatia e geral inclinação, maiormente de todo o homem literato, por uma usança que, sendo um pouco em realidade, é todavia muito em seus efeitos, pois que é um incentivo à mocidade preguiçosa para as letras, e uma emulação para a estudiosa; é um brinco inocente que apura o génio e desenvolve os espíritos acanhados; é, finalmente, uma usança consagrada pela sua respeitável antiguidade. • Em vista, pois, da deliberação do júri, e tudo ponderado, julgo procedente a acção intentada, sejam restituidos os Autores à sua pacifica posse,
e condeno o Reverendissimo Réu ao pagamento da pedida pensão, assim do pretérito, como de futuro, na multa da Lei, e custas do processo. • Guimarães, 10 de Março de 1837. (a) Agostinho Vicente Ferreira de Castro•.
* Como se vê da sentença, o Magistrado fez um alto panegírico à função tradicional das Nicotinas. A jurisprudência e o Direito, não contam. Foram letra morta na sentença.
73
Não admira. Sendo a instituição do Júri uma coisa nova nos anais judiciais, o direito popular julgou em obediência às suas simpatias. O povo, repito, amando - sobretudo pelo scu carácter festivo - as tradições escolásticas, acompanhava com simpatia as diversões Nicolinas. Há mesmo exuberantes provas deste bem querer, a ponto de tantas vezes ser preciso conter os ardores delirantes de certos foliões metediços. Por sua vez, o Magistrado que julgou a causa, era filho de Guimarães. foi comparticipante nas funções Nicolinas, como escolar. Influenciado, pois, por gratas e saudosas recordações dos tempos académicos, . julgou - pelo coração! Após conhecimento público da sentença homologada, os sinos das • torres bimbalharam de festa; estralejaram foguetes e morteiros. A noite, muitas casas iluminaram, pondo os clássicos lampeões às janelas. Mas o sol rútilo da vitória, breve mergulharia em penumbra! O Cabido, que era um poder de estado na sociedade vimaranense, não se dando por vencido, interpos recurso para a Relação do Poria.
* Dizia o seu requerimento de recurso, entre outras alegações,:
- ,Que o procurador ... por ameaças que os supracitados (Estudantes) lhe têm feito, ou por respeitos, não tem querido contirlUar na agência da causa . .. , e o mesmo acontece com o advogado. E porque não é justo que o suplicante vá indefeso, e por este motivo deixe de subir ao Tribunal suplicar a apelação ... , requerem a suspenção da pena.Era advogado na causa do Cabido o D.' António Leite de Castro, e procurador Luis Gonçalves. Estes profissionais foram compelidos pelo Tribunal a continuarem no patrocínio da causa. O processo de recurso deu entrada na Relação do Porto, em 28 de Abril de 1837. Após vários incidentes, a que não foi estranha a chicana, o Procurador Régio nomeou Curador aos menores (os Coreiros). E a causa prosseguíu. Em 21 de Novembro de 1838 foi pela Relação proferido despacho, dando provimento ao recurso.
74
• Ao encontro do .inimigo> foram os escolares, de braço dado com os .Coreiros., como se vê do teor duma procuração, que resa assim;
.Saibam os que este público instrumento bastante virem, que no ano do Nascimento de Nosso Senhor !esus Cristo de 1838, aos 23 dias do mês de Novembro do dito ano, nesta Vila de Guimarães, e no lugar das Lamelas, no meu estritório, apareceram presentes Pedro da Silva, da Rua dos Trigais, António !osé Pereira da Silva, da Rua Nova do Muro, !oão de Freitas, da Rua do Sabugal, e Forlunalo António, da Rua de Traz do Mosteiro, todos desta Vila e Careiros da Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira, da mesma; e António Joaquim d'Almeida, da Rua do Sabugal, Luís Beltrão das Sízas, da Rua de S. ta Cruz, Rodolto Martins da Costa, da Porta da Vila, e João Bernardino Coelho, da Praça da Oliveira, Estudantes desta mesma Vila, • reconhecídos de mim e testemunhas abaixo; e disseram faziam por este meio seus bastantes Procuradores aos bachareis Manuel António de Lima Peixoto, Bento António de Oliveira Cardoso, Francisco Leite Pereira, António Leite de Castro, José António Vahia, !osé Alves da Costa e Silva, !osé da Costa Vieira.> Nada menos de sete bachareis, todos trabalhando no foro vlmaranense!
* Ao cabo de tempo, vivido em ansiedade e turbação, a Relação do Porto pronunciou o seu veredictum. Deste recurso de apelação, saiu vencedor o Cabido, Assinaram o acórdão de sentença os Conselheiros: a) Ferraz a) Machado a) Barata a) Vieira da Mota,
•
E àquela- estuante alegria dos Estudantes sentida aquando da sentença homologada pelo Tribunal Judicial de Guimarães, sucedeu-se a tristesa, a desesperação!
75
Deste conturbado estado d'alma, dá testemunho esta efeméride:
<Foi espancado o cónego António José Pires Pinheiro, por causa da demanda com os Estudantes . .. > ! (foão Lopes de Faria. El. VaI. 2.' n. 144. Mss. S. M. S.) Outros incidentes se registaram, como se conclui deste remate poético:
E quando contra nós se deu sentença Sobre a renda em questão, coisa imprevista, Vós jostes à Oliveira, sem detença, Para bater no Cónego Baptista! (faDo de Meira. 1903.)
O azougado escolar a quem a tradição atribui o cometimento de 1838, chamava-se António Joaquim d'Almeida Gouveia, conhecido pela alcunha de - O Roto. Ainda pude conhecer esta figura destacante das Nicolinas - um simpático e honrado velhinho, que desempenhou as funções de <cartorário> na Ordem de S. Domingos.
76
É FUNDADA UMA ASSOCIAÇÃO ESCOLÁSTICA - O QUE NOS DIZ
O SEU ESTATUTO
VENCEU o Cabido o pleito judicial. É certo. Contudo, não ficava bem aos Estudantes a posição de vencidos. Porquanto, a Mocidade é, de seu natural, briosa. O mesmo se observa com certos velhos, quando presos ao passado por recordações saudosas. Eis porque estudantes novos, no activo, e estudantes velhos, < aposentados>, reagiram contra o desaire. . Porque maneira? Se haviam perdido a < renda> de Urgescs - a raiz mais remota das tradições Nicolinas - que iriam fazer os Estudantes como demonstração da sua virilidade? Fundaram a Associação Escolástica. Criando a esta instituição uma base de natureza legal, deram-lhe um Estatuto. Embora sendo este Estatuto produto do século XIX, não deixariam de o fazer com as saudades do passado. A tradição escolástica, com todas as suas caracteristicas de velha usança, seriam coodificadas e respeitadas. Nada teriam que ver as ideias novas, as novas tendências, com o programa das Nicolinas. Só esta divisa teria acatamento: TUDO PELA TRADIÇÃO, NADA CONTRA A TRADiÇÃO!
Quem não estivesse de acordo com este principio estático, escusava de entrar para a instituição escolástica. Destarte o Estatuto, parecendo embora arcáico, foi votado, sem discrepância. O seu inspirador foi - a dei antiga'. O < uso e costume >.
77
•
Registamos o Estatuto da Associação Escolástica; TITULO I Ar!. 1.0 _ A Associação Escolástica Vimaranense é a reunião de todos os Estudantes desta Vila e de todas as pessoas que gozam do foro escolástico. Ar!. 2.· - São estudantes; § 1.° - Os que frequentam qualquer aula pública de latim, filosofia, retórica, ou qualquer outra ciência. § 2.· - Os que frequentam as mesmas faculdades com Mestres particulares, fazendo certa a sua frequência por atestado do mesmo Mestre. Ar!. 3.° - Gozam do foro escolástico; § 1.' - Todos os 'eclesiásticos desta Vila. § 2.° - Todos os individuas nela residentes, que tendo frequentado as aulas da Universidade, não estão compreendidos nas excepções do ar!. 4.°. § 3.° - Todos aqueles que, suposto actualmente não frequentam, contudo igualmente não estão no caso das exclusões do ar!. 4.°. Ar!. 4.° § 1.0 § 2.· § 3.° § 4.° § 5.° § 6." frequência.
- Perde o foro escolástico; O que contrai matrimónio. Os que assentarem praça nos corpos da 1.' linha. Os que abraçarem a profissão do comércio. Os que servirem qualquer profissão mecânica. Os que servirem qualquer cargo público, civil ou militar. Os que deixarem os estudos, sem que tenham seis meses de
Art. 5.° -- O fim desta Associação é promover a continuação, aumento e luzimento dos festejos do dia 6 de Dezembro, e pugnar por todos os foros e regalias que os Estudantes desta Vila disfrutam, desde tempo imemoriaI. Ar!. 6.° - A Associação promove o alcance dos fins a que se propõem por meio da Assembleia Geral, Comissão Directora, e Júri Escolástico. TiTULO II Ar!. 7.° - À Assembleia Geral pertence formar todos os regulamentos, e adaptar todas as medidas legislativas que forem necessárias para se conseguir os fins da Associação.
78
Ar!. 8. 0 - A Assembleia reune-se em sessão ordinária no segundo domingo de Novembro de cada um ano; e extraordinàriamente quando a Comissão Directora o julgue urgente. Art. 9." - A sessão ordinária durará três dias e se prorrogará pelo tempo que a Assembleia julgar preciso, em vista da cópia dos trabalhos. Art. 10.° - Não se poderá abrir a sessão sem que estejam presentes vinte sócios. Ar!. 11.0 - Reunida a Assembleia, se elegerá imediatamente a Mesa, que será composta de Presidente, dois Secretários. Os imediatos em votos exercerão as funções de vice-Presidente e vice-Secretários. Ar!. 12.0 - A estas sessões preparatórias presidirá o Presidente da Comissão Directora, e servirá de Secretário, o mesmo da Comissão Directora. Ar!. 13. 0
-
A Mesa durará por tanto tempo, quanto durar a sessão.
Ar!. 14. 0 - Ao Presidente da Assembleia compete regular os trabalhos e manter a ordem. Ar!. 15. 0 - Ao Secretário mais votado pertence a redacção da acta, e, ao outro, fazer a correspondência. Ar!. 16.0 - Tem a iniciativa cada um dos membros da Assembleia, e, com especialidade, a Comissão Directora. Ar!. 17.0
-
Todas as decisões serão vencidas à pluridade de votos.
Ar!. 18.0 - As determinações vencidas, serão imediatamente comunicadas por escrito à Comissão Directora para as põr em execussão. Ar!. 19. 0 - Têm voto nas deliberações da Assemblcia: § 1. 0 - Os Estudantes que tiverem três anos de frequência. § 2. Os que gozam do foro escolástico, tendo toda a mesma frequência ou 16 anos de idade. 0
-
Ar!. 20. 0 - A Assembleia poderá convidar par.a assistir às suas deliberações. com voto consultivo. aquelas pessoas que, suposto já perderam o foro escolástico, contudo, pela sua instrução e afeição às nossas regalias, disso se tornam dignas.
79
•
TITULO III Ar!. 21.° - À Comissão Directora pertence põr em execussão todas as determinações da Assembleia Cera!. Ar!. 22.° - A Comissão Directora é composta de cinco membros, de entre os quais elege Presidente, Tesoureiro e Secretário. Ar!. 23. 0 _ A sua eleição é feita pela Assembleia Geral em sessão ordinária, e as suas funções duram por um ano, Ar!. 24. 0 - A falta dos membros da Comissão será suprida pelos imediatos em votos. Ar!. 25. 0 - Compete em particular à Comissão Directora; § 1.0 - Convocar a Assembleia Geral ordinária no prazo marcado, e extraordinàriamente quando assim o exigir o interesse da Associação. § 2." _ Arranjar a casa c móveis precisos para este fim; marcar a hora em que há-de ter lugar a abertura da sessão; e noticiá-la aos sócios. § 3.° - Preparar os Regulamentos que julgar necessários e úteis e apresentá-los à Assembleia para serem discutidos § 4.° - Registar todas as determinações da Assembleia, e conservar em seu poder todos os papéis pertencentes à Associação. § 5.° - Continuar a promover o festejo do dia 6 de Dezembro. § 6. 0 - fazer o programa do festejo, e noticiá-lo com antecipação. § 7." - Nomear as pessoas que devem desempenhar os diferentes cargos da função. § 8. 0 - - Procurar por todos os meios que estiverem ao seu alcance manter a boa ordem e superintender na policia da função do dia 6. § 9.° _ Obter as licenças precisas para o festejo. § 10. 0 _ Repartir a <renda de S.lo Estêvão-, sendo coadjuvada para este fim pelos Estudantes mais veteranos que ali comparecerem. § 11.0 - Dispor das sobras da renda a bem dos presos. § 12.° - Promover húa subscrição para fazer face às despesas do festejo; e se por este meio não houver os fundos precisos, lançar húa derrama pelos Estudantes, tendo precedido a aprovação da assembleia; e cuidar da execução da mesma, adoptando aquele arbitrio que para esse fim julgar conducente. § 13.0 -Intentar a exclusão daqueles individuos que dolosamente pretenderem tomar parte neste festejo, só privativo dos membros da Associação.
80
•
•
§ 14. 0 _ fazer aplicar em flagrante contra os estranhos que, ousados, se intrometerem na função, a pena que de uso antigo se acha cominada. § 15.' - Apresentar na Assembleia Geral ordinária a conta da receita e despesa do ano pretérito. § 16. 0 - Pugnar peja conservação dos foros e regalias escolásticas, intentando como Autora e defendendo como Ré todos os pleitos que sobre este assunto se suscitarem. TiTULO IV
Ar!. 26. 0 - Ao Júri Escolástico compete decidir, segundo o disposto neste Estatuto, se tem lugar ou não a exclusão de algum individuo tomar parte na função do dia 6. •
Ar!. 27. - E composto de oito vogais, nomeados pela Assembleia Geral, na sessão ordinária, de entre os membros da Associação que tiverem 25 anos de idade. 0
Ar!. 28. 0 - Neste Júri tudo será decidido à pluridade de votos, e, no caso de empate, o Presidente decidirá. Ar!. 29. 0
-
Das suas decisões não haverá recurso.
Ar!. 30. 0
-
As suas funções duram por um ano.
-
O Secretário da Comissão Directora fará as vezes de
Ar!. 31. 0 Promotor.
TiTULO V
Ar!. 32. 0 - Este Estatuto não poderá ser reformado senão passados dois anos depois da sua aprovação. Ar!. 33. 0 _ Qualquer moção sobre a reforma não será admitida à diEcussão, menos que não seja aprovada pelos dous terços da assembleia. Ar!. 34. 0 - A discussão não terá lugar se não estiverem presentes o duplo dos sócios necessários para a abertura de qualquer sessão. Ar!. 35. 0 - A votação sobre esta matéria só se admitirá decorridos três dias depois da apresentação da moção.
81
Art. 36. 0 , malOna.
-
A votação será nominal, e a aprovação dependerá da
'
* <Aos 23 dias do mês de Novembro de 1837, às 4 horas e meia da tarde, na sala das Lamelas, estando reunidos os membros da Associação Escolástica abaixo assinados, depois de discutida a lei regulamentar que deve reger e governar esta Associação, foi por todos prometido mantê-la, ta! qual se acha, E em testemunho do que, assinaram. E eu que esta subscrevi como Secretário, António José Rodrigues Cándido.
(a) Fran.'o Xavier de Sousa - Domingos de Carvalho e S.' Gui." - P.' Francisco José Vieira- Manuel dos Prazeres S.' - Jerónimo José Costa -Manuel José da S.' Px.'o Lages -'Manoel Joaq.m PeixotoJosé Peixoto da Costa - Joze Leite de Olivr.' Araujo - Rodrigo José Miz."da Costa - Françisco José da Silva - Antonio Fon." - Fran.'O Per.' LinoJoão Bernardino Coelho - João M.' Lopes de Carv. o - Ant.° Jose Peixoto Salgado_Joaq.m J.' da S.' G."-Manoel Antonio Vaz-Jose R. o p.'o_ Antonio Joaquim Rebello - Sebastião da S.' - Antonio de Araujo Guim." - Antonio Joaq.m V.' e Castro - Thomáz Pinto d' Almeida Carvalhaes_ Manoel de Matos - Antonio Joaquim Vr.' da Costa - Joaq.m Ferr.' de Macedo e Cunha de Carv. o Guedes Freitas Figueiredo - João Bernardino V." e Castro - Jose Pinto do Amaral e Freitas - Francisco Pinto do Amaral e Freitas - Manuel Jose de Faria - Aires Murta de Oliv," Vas.'o - Joaquim Jose de Sousa Marinho - Jose Joaquim d'Oliveira - Gaspar Antonio da Silva Guim." -João de Mello - Antonio Joaquim d'Almeida Gouveia.>
82
•
BREVE ANÁLISE AO ESTATUTO DA ASSOCIAÇÃO ESCOLÁSTICA DE 1837
o
Estatuto de 1691 referia-se unicamente ao culto de S. Nicolau. Era um compromisso irmandadeiro. O Estatuto da Associação Escolástica apenas visava a função Nicolina, de carácter puramente profano. Uma simples leitura dos seus capitulos, artigos e parágrafos, logo nos põe em evidência o objectivo da Associação. Criada no rumor de uma questão que havia transitado do Tribunal Judicial de Guimarães para o Tribunal da Relação do Porto, não podia deixar de significar - um baluarte contra todos quantos se revelassem adversários dos tradicionais .foros. da festa Nicolina. Atentemos na letra do art.' 25.', § 16.°, da referida Associação Esco-
lástica: .Pugnar pela conservação dos foros e regalias escolásticas, intentando como Autor e defendendo como Ré, todos os pleitos que sobre este assul/to se suscitarem.Por .foro-, entendia-se: o pagamento pelo Cabido da renda de Urgeses. No mesmo § 16.°, como se vê, alude-se claramente à causa em litigio na Relação do Porto, cuja sentença foi homologada em 1838. Tudo, pois, nos deixa concluir:
a)
A Associação Escolástica nasceu para a luta que se travou no foro judicial entre o Cabido da Colegiada e os Estudantes. b) fundou-se para defender e animar em todas as emergências as velhas prerrogativas da função Nicolina. •
83
Quanto ao culto do Patrono, isso estava afecto à Irmandade. Quase todos os Estudantes - os que haviam sido e os que ainda o eram - estavam inscritos no rol da Irmandade. Da redacção do Estatuto de 1837 se vê: que a ele se transferiu tudo quanto do • foro escolástico. constava no compromisso irmandadeiro de Hi91. Foi em observáncia a isso que ficou subsistindo este principio da antiga lei: Todos quantos pertencentes ao grémio escolástico contraissem matrimónio, assentassem praça, seguissem as profissões do comércio, laborassem nos oficios, servissem cargos públicos, seriam riscados. Igualmente a função Nicolina continuaria horto fecltado aos leigos a todos quantos não tivessem andado nas lides escolares. Aqueles ousados que a tanto se atrevessem, ficariam sabendo pela letra do Estatuto qual a punição que os aguardava. Para tanto, estabelecia o Estatuto da Associação Escolástica no seu art.' 25.°, § 13.°:
.Intentar a exclusão daqueles individuas que dolosamente pretendam tomar parte neste festejo, só privativo dos membros da Associação.• Mais ainda se acrescentou, como aviso:
Fazer aplicar em flagrante contra os estranhos qlle, alisados, se intrometam na função, a pena que de liSO antigo se ac/za cominada.' <
A pena que os Estudantes, em obediência ao .uso antigo •• sempre aplicaram aos intrusos, era - além de outro correctivo que as circunstâncias do momento provocassem - o mergulho do delinquente no Clwfariz
do TOllral. Esta punição é cópia do que se praticava em Coimbra, sempre que um .veterano·, na obediência a uma antipática praxe académica, apanhava um <caloiro:>:
Aludindo o Palito Métrico a este e outros tratos aplicados aos cnovatos:>, diz:
• . .. o mais barato que se lhes fazia, era pôr-1I1es lima albarda 011 meter-lhes palha na boca. dar-llzes lima dúzia de açoites e levá-los com cabresto ao chafariz.• (Ob. cit., pág. 170, Pro Ant.° Duarte Ferrão.)
84
•
A esta regra punitiva que se observava em Guimarães, aludem quase todos 05 Bandos Escoldsticos.
• De toda a letra do Estatuto de 1837 se infere: S. Nicolau, para os escolares do século XIX, passou a ser - um símbolo. Um Bando Escvldstico frisa por maneira libérrima, com rigor de verdade, esse antagonismo: <E tu, Nicolau, perdoa, que afinal, És um pretexto só ao nosso festival. Nós amamos-te muito, ó querido Santo, é certo; Mas julgares só tua a festa, é desconcerto. Não quadra a oração c' o a nossa mocidade; .Os moços querem rir, querem hilaridade, E preferem no mundo (ó desconcerto seu 1) Uma santa ainda viva, a um Santo que morreu 1 (João de Meira, Bando de 1903.)
A <santa ainda vIva. a que alude este Bando Escolástico de há 53 anos - é a Mulher! Nos tempos idos, o fervor santaneiro afirmava-se nos centros académicos por maneira destacante. Em Coimbra, por exemplo, o culto de S. Nicolau era acompanhado de outro semelhante a S." Escolástica. No calendário das celebrações universitárias, as práticas devotas, com préstitos, sermões e missas, tomavam o primeiro lugar. O Estatuto da Associação Escolástica aprovado em 1837, apenas festejava S. Nicolau à maneira daqueles outros santos Taumaturgos do calendário popular, onde se expande, exuberantemente, a alegria de viver. Em Guimarães, no tempo que decorre, a devoção a S. Nicolau chegou a tamanha debilidade, que a capela do Santo - sem nenhum respeito pela sua veneração passada _ está transformada em loja de arrumos. Contudo, no friso do arco da capela está este documento epigráfico: ESTA CAPELLA MANDARÃO FAZER OS ESTUDANTES DESTA VILLA NO ANNO DO SENHOR DE 1663
85
'. 'I
'..
•
•
•
U.'I\ ESTUDANTE .vETERANO.
(Des. de Gil, Est. 2.' ano)
,
•
•
ACTUAÇÃO DE REVERENDOS PADRES NAS EXIBIÇOES NICOtiNAS
A
Associação Escolástica fixou as bases de uma orgânica Nicolina. A
principal condição dizia respeito; a quantos tinham direito a colaborar nas festas. Neste privilégio entravam, além dos escolares da Vila de Guimarães;
Todos os individuas nela residentes que houvessem frequentado as aulas da Universidade.> <
No rol dos componentes que promanavam das classes liberais e da aristocracia do burgo, tomava relevo a classe sacerdotal. Com efeito os padres tinham, no corpo da Irmandade, posição destacada. O Estatuto de 1691 arrematava com 22 assinaturas. Pertenciam à classe sacerdotal, 10. Consultando um Livro dos Termos, datado do século XVIlI, contam-se, a pág. 30 V; - 28 confrades Ieigos c 25 sacerdotes. Tanto a presença do padre se destacava na Irmandade de S. Nicolau que, chegado o momento da elaboração do Estatuto de 1837, nele ficou estabelecido (art.' 3.', § L') - gozariam do foro escolástico -todos os eclesiásticos desta Vila.< Qual seria a actuação do confrade eclesiástico na função Nicolina? A circunspecção devida ao voto sacerdotal, podia embaraçar a colaboração de alguns padres nas diversões Nicolinas - diversões de autêntico carácter profano. Havia, porém, um grande e apreciável número de tonsurados, o qual não punha dúvidas em se promiscuir na função.
87
É que, as sociedades pretéritas, quanto aos ditames da disciplina eclesiástica, foram menos exigentes que as regras observadas em nossos dias. Arranjada certa caracterização conveniente, o padre conquistava uma alforria apreciável para entrar nas diversões Nicolinas de garra com os escolares. Assim, amparados à tradição e ao incógnito, padres e leigos acamaradavam. Nos folguedos histriónicos e galanteios cavalheirescos que constituiam a base das Nicolinas, o nexo unitivo do Sacerdote e do Leigo, confundiam-nos. Pelo mcnos havia, quanto aos Sacerdotes, uma benévola aquiescência no ambiente das Nicolinas. Como resguardo aos respeitos sociais se convencionou - o uso da máscara. . Perante o seu uso, quedavam-se os preconceitos. A tolerância surgia. Pode dizer-se que, a máscara, dava afoitesa àquele que a usava. Outro eu. outra natureza se formava, à margem desse disfarce. Os próprios velhos se metamorfoseavam em novos. A encorajá-los, estavam as saudades da mocidade perdida. Razão porque, mais das vezes, eram os velhos os incitadores dos novos.
* Chegados a 1870, ferem-se dissidios. Havendo na terra. por tal época, mais que uma célula de ensino núcleos escolares de .Padres Mestres. -, certos atritos surgiram. E um rumor de tempestade, entre os escolares do activo e os .veteranos., se levantou na terra. De onde resultou, vir à rua. mais de um Bando Escolástico. Recorto no • Pregão. dissidente dc 1870 esta passagem de remoque aos Sacerdotes;
.Além viu-se a classe rareando, Reforçada, afinal, por contrabando . .. Aqui, rostos enérgicos d' estudo, Bem mostram que não são anjos d'entrudo . .. E eles, que fazer? Tirar as vendas; Amostrar nessas caras reverendas O lugar que lhes cabe nestes dias, Que não 'stão a carácter as folias De quem renunciou a estes fOfiJs.
I
I •
88
I
I
•
•
•
•
•
•
•
Acima disto são sempre os decoros, O escarneo de vestes de profetas, Trocar santa missão pelas caretas. Melhor fora que, em vez deste sudário, Pegasse cada qual no seu rosário, E escondendo essas frases d'arrieiro, Fosse, em coro, rezar ao Padroeiro.•
•
•
Manifesta censura à intromissão dos padres nas folias escolásticas. Esta censura, porém, perdia o seu mérito. por vir dos [mimos aziumados de uma contenda. A dissidência de t870 voltando as suas criticas contra os Reverendos, mostra à evidência, como tinham nas Nicolinas papel saliente os Sacerdotes da Igreja. Depois desse choque, a presença dos figurantes tonsurados nas exibições Nicolinas, continuou.
* Em 1900, alude o Preglio a esses sócios de cabeç"o e batina:
.Padres Caldas, Abreu, Sargento e o Grande .Mico. ('), Esplritos gentis do Nicolau de outrora, Riam como ri, no més de Maio a Aurora /. A este friso, quantos mais se podem juntar! P.' António José Barbosa Pinto Veiga. vem citado, em 1866, no rol dos con[rades de S. Nicolau. Conheci, muito de perto, este venerando Sacerdote. Foi capelão da Santa Casa da Misericórdia. Quando o cortejo do .pinheiro·, em noite cerrada, de frio aspérrimo, dava entrada na cidade, ele vinha inalteràve1mente ao muro do quintal da sua casa para o ver passar. Envolto no seu chale-manta, a sua pupila luminosa fixava-se no cortejo, acompanhando o estridor dos bombos com manifesto encantamento de alma, trautiando em surdina o hino escolástico.
·Graude Mico~ - Chamava-se este brincalhão das Nicotinas! P" J/ Leite de Faria Sampaio. Proveio-lhe a alcunha acadêmica, possivelmente, de haver desempenhado papel inerente à espécie dos simios. (1)
89
Para este velho Sacerdote o cortejo, envolto em saudade, vinha do passado!
* p.e Casimira Machado de Faria Oliveira - cuja silhueta marcava na cidade pelo tipismo da sua 'capa de portas e chapéu alto - foi outro apaixonado das Nicolinas. De igual modo o seu nome figurou em 1860, no caderno dos confrades da Irmandade. Lá em baixo, no lugar da Madroa, o seu vulto surgia ao clarão dos archotes, por detrás duma vidraça da sua casa, sempre que os Estudantes vinham da 'posse> do mato, secularmente mantida pelos oleiros da Cruz da Pedra. Tanto nele foi estuante o seu amor às Nicolinas, que o comunicou pelo seu exemplo aos seus dois filhos - Acácia e Álvaro.
* Circunvagando o pensamento na órbita de meio século, vemos em convivia ameno as figuras de outros Sacerdotes, os quais em noite de 'posses> Nicolinas reuniam, acamaradados a condiscipulos leigos, ora em casa do Padre António Monteiro, ora na residência do arqueólogo Albano Belino. Nesta irmandade amiga de antigos escolares - onde refulgiam pela sua garridice de espírito faceta o Padre Gaspar Roriz e Jerónimo Sampaio-, eram convivas certos os padres Lima, Faria, Assis, Ribeiro e Correia, todos presos por elos fraternos aos bons tempos da sua juventude, no alvor da qual a função escolástica avultava em episódios, recordações, saudades. Para acréscimo desta comunhão entre ,devotos> Nicolinos, eram servidos vinhos e licores, destarte alegrando os corações e fazendo-se mutuamente <saudes:t. Estas reuniões - era da praxe - terminavam por se entoar em coral entusiástico, o hino de S. Nicolau.
•
90
ESTUDANTES TOfl/SURADOS DO SÉCULO XVI - BOÉMIA DOS ESCOLARES DO SÉCULO XVII
H
ENRIQUE DE GAMA BARROS na sua monumental obra - História da Administração Pública em Portugal. escreve:
<Particularidade digna de nota é que nas dignidades. ,;omo noutros benefícios eclesiásticos, eram por vezes providos indivíduos que não eram sacerdotes. Deste facto resultavam inconvenientes, e por isso se procurava remediá-los, obrigando os providos a receberem Ordens.• No Livro dos Assentos do Cabido (Colegiada) relativo a 1544, lê-se este Despacho: <Deliberou (o Cabido) dar licença dous anos ao cónego Gonçalo Dias de Carvalho, para desde o dia de S. João em diante, ir todos os dias à Costa aprender, vindo servir a igreja nos dias em que na Costa se não ler.' Dizia o peticionante <que estava principiado de latino. e era seu propósito • ir estudar cànones· para Coimbra. Entretanto iria à Universidade da Costa apurar-se em latim. (Arq.
Mun.,
Códice 100,
n.
16.)
Era tão acentuada a crise de sacerdotes pouco seguros na lingua latina que, em 1620, um dignitário da Colegiada fez registar esta <lembrança. : <... Qualquer clérigo, diácono ou sub-diácono e o que houver de capitular ou fazer outro qualquer oficio eclesiástico, que gramático nom for, primeiro que comece seus oficios, ao menos aos domingos e feslas, e dias que mais gentes recorram à igreja, chegue-se a um cónego ou beneficiado que entenda latim, e, perante ele, leia e proveja apartadamente todo esso (isso) que houver de dizer e fazer, em guisa (em forma) que quando des-
91
pois chegar a fazcr os ditos actos ou oficios IIOIIl erre em a/gúa co usa, c o melhor é ser apartadamente corregido por um, que ser corregido e doeslado cm presença de muitos, como convém que seja qualquer que vergonha nom há, com perigo de julgar-se por idiota.• (Arq. Mun., L,o de Lembranças de 1lluitas cousas notáveis ... da muito devota Igreja Colegiada.)
Onde mais proliferava o desconhecimento do latim seria na Colegiada, pela circunstância de muitos dos seus membros serem -cónegos beneficiados. e não -cónegos de missa •. Sabido que a admissão de muitos membros da Colegiada provinha da transmissão do cargo, por herança, é evidente que uma boa parte dos mesmos não vinha investida de Ordens Sacras. Este simples registo, respigado de um rol extenso, dar-nos-á ideia • dum sistema observado nestas instituições canol1lcas : •
-o
Dr. Manuel Pinto de Araújo ••• tomou posse aos 4 de Abril de 1723. Ordenou-se em Abril de 1729 de Ordens Sacras. Renunciou em seu sobrinho.• Quer dizer: Só decorridos 6 anos depois de haver sido admitido como cónego beneficiado, é que o Dr. Manuel Pinto de Araújo tomou <ordens sacras.. Por sua morte, renunciou o canonicato em seu sobrinho, um .leigo>,
Esta nota é extraida de um calhamaço manuscrito do século XVIII, da autoria do cónego José de Carvalho Araújo, sob o titulo: - <Elementos para um catálogo de Chantres, Tesoureiros. Mestre-Escolas, Arciprestes, Arcediagos, Magistrais, Cónegos Prebendados e meio Prebendados da Colegiada de Guimarães•. Não faltam alusões aos cónegos sem <ordens sacras. os quais eram continuamente instigados pelos Visitadores a que se provessem do ensino necessário para poderem celebrar missa e praticar os mais serviços divinos. Bastará registar aqui esta nota do prelado visitador D. Rodrigo de Sousa Teles, datada de 1721: <Ordenamos e mandamos aos cónegos que não estão ordenados in sacris . .. que logo dentro de seis meses se promovam de Ordens Sacras.• (Arq. Mun., Boletim n.' 3, VaI. VIL)
92'
Um objectivo tenho em vista ao fazer esta dissertação histórica extraida dos anais vimaranenses: dar a prova de que frequentavam os bancos escolares, em tempos extintos, muitos estudantes adultos. A sua presença nas escolas regidas por velhos Padres-Mestres familiarizados com o latim, devia tornar-se manifesta. Este seria o panorama escolar de épocas passadas. Os folguedos tão peculiares aos discipulos de Minerva, inspirar-se-Iam nos moldes daqueles verificados nos centros universitários. Aliados a estes Estudantes adultos, juntavam-se, por direito estatutário, os antigos escolares.
* Os costumes dos Estudantes boémios nas idades extintas. oferecem-nos este tipo exótico e estrambilhado: o
o
•Brigão, espadachim, arruaceiro, ousado, e de /loite, em sortidas perigosas, bate-se vale/lteme/lte /la sombra das vielas, em dltelos sa/lgrelttos.> (Hipólito Raposo, Coimbra Doutora.)
Não se julgue que este tipo estudantil era limitado aos centros universitários. Sendo o lastro do académico Coimbrã proveniente das terras da provincia, muitos desses elementos, uma vez regressados ao seu meio de origem, eram portadores das tendências corrosivas, observadas e aprendidas durante o estágio nos estudos superiores. Como prova de que também no limitado centro escolástico de Guimarães proliferaram os costumes de uma boémia académica desconcertada, cito aqui em breve extracto, um exemplo do século XVII. Vejamos os termos de uma queixa dirigida ao rei pela Colegiada de Guimarães:
.
.Senhor: Dizem as Dignidades e Cónegos e Cabido da Insigne e Real Colegiada da Oliveira, da Vila de Guimarães, Capelães de Sua Magestade, que movidos da honra e serviço de Deus e do zelo da administração da Justiça, por falta da qual e da frouxidão com que os ministros dela, postos por V. M. na dita Vila, procedem, de que resulta à dita Vila e a todos os moradores dela grande dano, perturbação e pouca segurança de suas pessoas e casas, sem os ditos ministros tratarcm mais que de comodidades próprias, chegando a tal extremo que, nem a continua admoestação que os pregadores lhes fazem dos púlpitos é bastante para a emenda . . . > Como justificação dcsta queixa formulada ao rci, contra o Corregedor e Juiz de Fora, seguia-se o libelo:
93
•
,Provarão que é público andarem todos os estudantes e mancebos desta Vila carregados de pistolas, sendo mais o uso delas, que das espadas, trazendo-as à vista de todos, públicamente, de dia e de noite, nos quais entram os filhos do Corregedor desta comarca. . • . . .> (J. Lopes de Faria, Efemerides, Vol. L', Bib. S. M. S., Mss.)
Estará a parte carregada. Não seriam ,todos os estudantes,. Em todo o caso, subsiste o motivo da queixa, que assenta nisto: Estudantes de Guimarães, no século XVII, aliados a outros mancebos, pandegavam em nocturnas orgias, perturbando o sossego público.
•
Estes Estudantes, brigantes, seriam no seu tempo o mais activo elemento para a função Nicolina. A eles se associavam todos aqueles que, embora fora das lides do estudo, fruiam, à face do Estatuto, os privilégios do <foro escolástico •.
,
94
o
PINHEIRO ANUNCIADOR DAS NICOLlNA~ - SUA ENTRADA FESTIVA NA CIDADE
TODA a festa popular, anunciada à mancira antiga, começa por erguer um mastro, arvorando no seu tope uma bandeira. A bandeira das Nicolinas era um retábulo, onde se via pintada a figura de Minerva. Destarte o Santo dava a alternativa a Minerva - deusa da Ciência e das Letras. Largos anos este retábulo foi içado no alto mastro anunciador da função escolástica. Um dia - desapareceu! Nem por isso deixa de ser erguida em alto mastro uma bandeira, como prelúdio das Nicolinas, no dia 29 de Novembro, sempre que a função tem lugar. Este acto constitui o primeiro número da festa tradicional dos Estudantes. Na formação do cortejo distingue-se a boiada. São os bois conduzidos à mão de lavradores e lavradeiras, fazendo menção de vir puxando os carros onde se estende o .pinheiro>. O seu objectivo está neste verso, que extraio de um Bando: •O pinheiro maior, o mastro mais gigante, Que ao longe e ao largo canta a festa do Estudante!. Era no rossio do Toural, no vasto terreiro fora da muralha do burgo antigo, que o .pinheiro. se erguia, empenachado com a respectiva rama na corucha. O número de juntas de bois que em cambão puxam aos carros onde vem o .pinheiro>, dá a medida do esforço da Comissão dos Estudantes em solicitar a boiada aos lavradores-caseiros. Estes, satisfazendo os desejos
95
dos moços escolares, jamais faltam com a sua ajuda. Alguns ·botam capricho. em enfeitar os jugos, pondo à aguilhada moças de andaima nova. Precede este cortejo ·um bando ruidoso de Estudantes, tocando bombas e caixas, todos envergando camisolas e carapuças à lavresca. O • pinheiro> é enfeitado com fostões, bandeiras, galhardetes, pendendo dos fostões a iluminação dos balõezinhos. O rapazio traquina, colaborando. empunha archotes. Algumas vezes monta o dorso do pinheiro, màis fazendo chiar os carros que o conduzem - caracteristica chiadeira só permitida pelas posturas municipais à festa dos Estudantes. Acompanham o cortejo nocturno da entrada do .pinlleiro. alguns carros com alegorias ao ensino e a qualquer sucesso da actualidade. Fecha o cortejo lima banda de música. Uma efeméride relativa ao ano de 1854, diz assim:
.No dia 29 de Novembro cflegou ao Toural . .. o mastro para a bandeira, pintado de branco e vermelho (cores escolásticas) (I), tel/do I/a sua chegada urna girándola de foguetes, e acompal/flado da mústca do Batalhão de Caçadores 7. > (Jornal do Porto, Braz Tizana,
0. 0
288.)
* O pOVo vimaranense acompanhando de interesse os vários números
do programa das Nicolinas, aguarda nas ruas e janelas a passagem deste cortejo alegre e ruidoso, suportando o frio aspérrimo de Novembro, acompanhado por vezes de aguaceiros. Uma das preocupações de quem assiste a este cortejo nocturno, é a contagem das juntas de bois que o formam em extensa fila. Há memória de nele haverem tomado parte, para cima de cem juntas de bois I Este facto, por si, denota a riqueza da pecuária, que de longe se afirma na Provincia, quanto a gado bovino. Dos pinhais mais próximos da cidade, vem, por oferta, o altaneiro mastro. Pelas ruas por onde passa o cortejo, nota-se que certos moradores exteriorizam o seu aplauso, a sua simpatia às Nicolinas, pondo à janela, entre grisetas ou lâmpadas eléctricas, alegorias chistosas. Destacou-se pela sua perseverança nesta manifestação, um mestre
(1) Cdres escolásticas? ... A fita com medalha pendente, distintivo da Irmandade de S. Nicolau, é branca. A bandeira da Academia Vimarallense é verde e branca. J
96
caldeireiro, com oficina na Rua de S.'o António._ Nos tempos antigos em que esta artéria se designava pelo topónimo Rua de Mata Diabos, já então ali se mostrava à varanda de madeira da modesta casa, qualquer exibição pitoresca, motivo de comentários e risos do povinho que, frente ao prédio, , se postava (I). Depois que nos fins do século XVIIl começou de ser urbanizado o rossio do Toural, outros locais foram escolhidos para neles se fazer a erecção do .pinheiro-, anunciador das Nicolinas. Finalmente. é no Campo da Feira - que a nomenclatura moderna elevou a Praça da República do Brasil- o local onde o .pinheiro. se ergue. Após o que. é servido aos condutores dos bois um beberete, acompanhado de um cordeal - .adeuzinho, até ao ano, se Deus quiser ,.
O primeiro mestre caldeireiro com oficina na loja térrea da Rua de 'Mata Diabos , de nome Stikini, era de origem Napolitana. Fora soldado legionário nas campanhas da Guerra Peninsular. (1)
97
A ENTRADA DO PINHEIRO ANUNCIADOR DAS NICOLlNAS (Oes. do ProL do Liceu ***)
A TRADIÇÃO E ORIGEM DAS .ROUBALHEIRAS. - REFORMA QUE SE IMPÕE •
N
ülTE cerrada. Na miragem do burgo antigo, passa de largo a ronda do sr. Alcaide. Modernamente, a Polícia, fecha os olhos. Grupos de Estudantes disfarçados, conspiram na sombra. Há planos de assaltos. Alguns planos, preconcebidos, chegam a ser cometimentos de audácia. Requerem o escalamento. 'Sem isso não se cometeriam certas proesas das -roubalheiras>. -Roubalheiras> ! ... Nome desqualificante é este, que anda Iígado às diversões de uma noite Nicolina. Consistem estas diversões em fazer mudar de sitio todas as coisas ao alcance da mão e que, pela sua natureza, dão na vista, uma vez expostas em estendal público. Neste propósito de brincar e rir, espalham-se os grupos dos escolares pela cidade, num recato de pé-leve e mão ligeira, conduzindo toda a tralha, sem distinção, para junto do <pinheiro·. Tratando-se de um número de festa, com programa inalterável, múl!i-secular, não é de estranhar que haja da parte dos habitantes da cidade certas precauções defensivas, prevenindo-se contra os cometimentos da juventude escolar, nessa noite de ... diabo à solta I Uma das atracções especiais dos Estudantes, por obediência à tradição, é posta nos vasos das janelas. Sendo estes vasos motivo de zelos femininos, não admira que eles sejam as principais vitimas das <roubalheiras>. Anda a costumeira celebrada nos versos do Bando Escolástico de 1817.
Será sem lei, escolástica folia, As ruas correndo, a juventude solta, Quanto lhe agrade levará d' envolta.
99
No panorama do burgo antigo, foi mais acentuado o gosto dos vasos às janelas. Quem se dê à curiosidade em reparar nas frontarias de certas casas construidas em taipa, de arquitectura tipica, - nomeadamente aquelas onde há trabalhos de entalhador e tomeiro-, nelas deparará com'dispositivos, à maneira de poiais, destinados à jactância mimosa dos vasos floridos. Mercê desta caracteristica, surgiu a costumeira escolástica, em noite Nicotina, de furtar esses vasos janeleiros, os quais vão fazer companhia ao espólio .furtado.: - carroças, bancos, tabuletas, canastras, escadas, enfim , todo um bricabraque de coisas, as quais, uma vez mudadas do seu lucrar b para junto do .pinheiro. da festa Nicotina, ali ficam ... a chamar pelo seu dono. Entretanto, o povinho acorre ao .pinheiro>, atraido de curiosidade, comentando, rindo. Nem sempre, porém, a operação desta convencional .roubalheira> estudantil corre sem incidentes, de entre os quais se destacam protestosalguns justificados pelo maleficio que sofrem certos objeetos levados para junto do estendal assoalhado à volta do .pinheiro>.
* Vem a propósito dizer-se alguma coisa quanto à origem remota deste uso, que passa em julgado complascente, com o ti pico nome de - roubalheiras>. Na série de diversões Sanjoaneiras observadas nas povoações rurais, faz parte a brincadeira, praticada durante a noite, escondendo nas minas, nas poças, nos atalhos, nas mêdas, no alto das árvores, toda a espécie de alfaias agricolas, inclusive escadas e cancelas, que os estúrdios em rusga possam haver à mão. Esta anacrónica costumeira da noitada de S. João, tem caido em desuso. Se ainda se observa, é lá para os lugarejos mais afastados das aldeias. Também os nossos académicos actuais, sem audácia para uma proesa em grande :escala, limitam as -roubalheiras. a uma amostra daquilo que foi, outrora. Há quem desfira suas criticas contra este número das Nicotinas. De minha parte, querendo conceder o maior acatamento às tradições Nicolinas, pondo o maior empenho em propugnar pelo prestigio e dignidadc da festa dos Estudantes, sou levado a reconhecer: que nem tudo corre pelo melhor na execussão das -roubalheiras •. Pelo que, seria de limitar, condicionar, quais as .tomadias> a fazer nessa noite das Nicotillas.
100
E penso: Seriam os vasos janeleiros - pelo sentido que neles põem as donas e donzelas - aqueles para onde deviam ir as folgadas atenções dos moços escolares. Destarte as • roubalheiras., encaminhar-se-iam para a sua reabilitação. O malelicio das .roubalheiras. transformar-se-ia em puro acto de brincadeira. Restringia-se o âmbito deste número das Nicotillas? Mas alargava-se, em seu louvor, o aplauso público. Talvez que, deste modo, se criasse ao malquistado número das .roubalheiras>, um gracioso mito - o do Amor. Com este mito, p;oviria um símbolo, de compleição estética - o vaso lIorido. Pensem nisto os Estudantes. Será a bem das Nicotillas.
101
COMO SERIA O ROSSIO DO TOURAL (Séc. XVII)
102
NOVENAS DA -CONCEIÇÃO- NA CAPELA DO SUBÚRBIO - O CALDO D'UNTO NA TASQUlNHA
o
erudito abade de Tagilde em seu livro Guimarães e Santa Maria, dá-nos cópia de uma escritura relativa a 1513, pela quá! os padres careiros ao serviço da Colegiada - denominados Padres Capinh,ls - tomaram o encargo de celebrar um acto religioso na capela de Nassa Senhara úa Canceiçãa, erecta na freguesia de Azurei, subúrbio da cidade. . O códice n.o 584, pág. 254, do Arquiva Municipal, dá-nos os Títulas sabre a Ermida da Canceiçãa de Fara (1). Por eles se vê que esta ermida andava ligada à jurisdição da Colegiada. Este facto, por si. levaria a assistir, como coadjuvantes de umas novenas que ali se celebravam, os ,Meninos do Coro> da referida Colegiada. Identificados estes com os escolares, davam os mesmos escolares a sua prese,nça ao acto das Novenas. É mesmo possivel que coadjuvassem no coral os moços escolares, alternando com o sacerdote. O que chegou até nós, pela constância ininterrupta duma prática de fundo tradicional, foi o costume de os Estudantes irem à Nassa Senhara da Canceiçãa de Fara, assistir às Novenas. Manhãzinha cedo, ao dialbar da aurora, um bando de Estudantes, cnroupados com camisolas e carapuças à lavresca, saem à rua, tonitroando tambores e caixas. Aqui e ali, junto às casas onde moram colegas académicos, a música da Zé-Preirada irrompe, forte, até que se lhe juntem os dorminhocos, menos lestos em sairem debaixo da manta. E lá segue a ronda escolástica, a caminho das Novenas. Nove dias se sucedem, como contas em rosário, para esta ,devoção> matinal.
Chama-se N. S. da Conceição de Fora, por estar esta captla fora de porias, no subürbio. Foi elevada à categoria de monumento de interesse público. (1)
103
Já o sininho palreiro pendente do arco da torre convoca a gente do lugar a assistir à novena. Entrementes, a ronda académica, para contrapor resistência ao frio aspérrimo das manhãs de Dezembro, entra na tasquinha próxima à capela resolutamente emborcando uma tigela de caldo d'unto, fumegante, migad~ com pão de milho. Como complemento substancial, entra em actividade o cangirão do vinho verde. . Assim o vi e experimentei, há meio século atrás, de súcia com os Estudantes. O olhar rútilo do Sol, espreitando por detrás da cortina de névoa matutina, irisa de luz suave a neve sobre os campos.
* E a ronda dos Estudantes, sempre rija no manejo das baquetas, volta à cidade. Por vezes estes alargam o seu itinerário, indo até ao Mercado. Confiantes nos imprescritiveis direitos da sua juventude, tomam furtivamente hortaliças, com elas enfeitando os seus instrumentos de percussão. Ao surgirem ali os Estudantes, as regateiras pondo-se de atalaia, vão lançando este brado: -
Aí
v~m
os díabos! •..
Na verdade, são tantas as diabruras que eles fazem - benza-os Deus! - que até parecem haver frequentado um lendário curso instalado nos subterrâneos da Universidade de Salamanca, cuja cátedra tinha por mestre o próprio Satanaz (I).
* Uma Irmandade erecta na capela da Conceição, segundo registos de 1738, tinha por confrades alguns cónegos e estudantes. Reproduze este registo:
•
(1) <lAo p,e Suarez, mestre vindo de Salamanca para Coimbra, no século XVI, puseram a elo~iosa alcunha de Doutor Exlmio. Dizia-se que a ciência do grande teó, logo não era humana, mas devida ao espírito diabólico, com quem tinha paeto~. (Te6fllo Braga, Hisl. di! Uno de Coimbra.)
104
R.do Cónego António Guedes A/coforado, do Campo da Feira, o R.do Cónego António de Sousa Mesquita, Rua de S.' ° Maria, o R.do Cónego António Gomes Rióeiro, Praça de S. Tiago, António Cardoso de Menezes, na Quinta do Gaiteiro, António José Monteiro, estudante, depois frade Franciscano. Custódio Vieira Sampaio, estudante, da Ca/deiroa, não deu esmo/a, porquanto é deligente em tocar o rega/ejo.> < •••
0
Há na pequena capela-mor um órgão, de limitadas proporções. Não é certamente a este instrumento de teclado, gaitas e foles, que se faz referência.
<Regalejo>, (ou realejo), é instrumento tocado com manivela. Seja como for, caso é que os escolares antigos legaram às gerações de académicos que lhes sucederam a prática devota de irem, manhãzinha ccdo, assistir às novenas da Conceição. Esta Cdpclinha, tão linda e aconchegada, forrada de azulejos historiados, de tecto apainelado, com sua galilé de quatro águas, fica a dois quilómetros da cidade.
*
o caldo
adubado com unto de porco, que ali é servido aos Estudantes, tem como composição culinária a cebola e o ovo cosido. Pelas calorias que empresta, o caldo d'unto está indicado como suadouro - terapêutica usada na gente do campo para curtir constipações. Os nossos Estudantes, tomando o caldo d'unto nas manhãs frigidas de Dezembro. à hora da novena da Conccição, visam este objectivo mais previdente: melhor que curar constipações, é evitá-las. O caldo d'unto, tcm essa eficácia, scgundo a sapiência caseira dos nossos Estudantes.
* Nos fins do século XVI tiveram os escolares de Guimarães outra corporação irmandadeira, com altar numa capela do culto a Nossa Senhora da Consolação, hoje igreja dos Santos Passos. A esta corporação alude a Obra, Santuário Mariano, dizendo:
. : Tem a Senhora da Conso/açiio uma noóre irmandade; a que deram pnncfplo os Estudantes da mesma Vila de Guimarães, no alIO de 1594..... > (L.' 1. 0 , T. LIV, pago 195.)
165
CAPELA DA CONCEIÇÃO
•
INTERIOR DA CAPELA
106
AS -POSSES· E O -MAGUSTO. SÃO NÚMEROS TRADICIONAIS DAS NICOLINAS
UEM estabelece e dá uma .posse-, não o faz à sobre-posse. É por simpatia. de livre vontade, que as ·posses- são criadas. Esta maneira original de alguns moradores da cidade colaborarem nas Nicclinas, tem raizes antigas. Uma vez estabelecida a .posse-, lá vão os Estudantes à porta dos seus instituidores, bradando em sonoro pregão:
- A posse!. .• Venha a posse! . .. Sucede, por vezes, recuarem os dadores. Mesmo assim, por força de hábito, a ronda escolástica segue o velho trilho, clamando:
-
A posse!... Vm.7a a posse! ...
Para levantar as .posses-, forma-se um cortejo nocturno. Ao fumo dos archotes, ao toque dos bombas e filarmónica, lá seguem os Estudantes de rua em rua, acompanhados de muito povo. Distinguem-se na onda popular os rapazes, formando coro com os Estudantes:
- A posse! . .. Venha a posse! ... Esta oferta voluntária, toma assim uns ares de compromisso. Chegante a ronda académica à porta dos instituidores da costumeira, a filarmónica que acompanha este alegre cortejo irrompe com o hino escolástico. E o rumor das vozes sobe no espaço, clamando e reclamando como se fosse um direito legitimamente contraido:
- A posse!... Venha a posse! ..•
107
Estas 'posse.s. Nicolinas são de vária espécie: H<i. •posses. que descem das casas à rua, pendentes de um cordão, cercadas de lumes, à maneira de lampadário; a)
Há 'posses. que são entregues aos Estudantes no interior das casas ou à porta da rua; b)
c) Há 'posses. em vitualhas, de boca molhada, que logo os Estudantes as petiscam, na acto de as receber; Há, finalmente, ,posses. que são exibidas às varandas dos dadores, como espectáculo público. d)
De todas as ,posses., a que se reputa ser a primeira, pela ordem da recolha, é aquela que oferecem os oleiros de Cruz da Pedra. Um jornal da terra, publicou em Dezembro de 1852 esta noticia:
,Na noite do dia 4 para 5, foram (os Estudantes) à Rua da Cruz da Pedra, como é costume, exigir a posse, um forcado de mato, a cada um dos oleiros da mesma rua, que todos dão, e mandam para o Toural, por um • operário. E da etiqueta que à porta de cada oleiro se toque uma peça de música, porque, sem isto, não se dá o mato (1).• Mais acrescenta a noticia:
,Este mato serve para fazer um magusto no meio do Toural, onde se distribui aos circunstantes castanhas e vinho.• (.. Religião e
Pátria~1 0.0
8.)
Estava no uso dos oleiros, proferir um deles, uma fala. Outros instituidores de ,posses. têm copiado a costumeira da discursata - estilo macarrónico. Há 94 anos o Toural era um rossio de horizontes abertos. Neste campo se realizavam os mercados e se efectuavam diversões de grande vulto: cavalhadas, jogos de canas, corridas de touros. Era neste espaçoso terreiro que se erguia o mastro anunciador das Nicolinas, e que se fazia o Magnsto - número consagrado da mesma função escolástica. Assisti a uma "POSSC~I na Praça de S. Tiago, onde o próprio dador, postado à janela, exigiu o hino. Quando não _ clamava - c;oão vai a posse !•. (1)
108
As castanhas e o vinho, como se viu do capitulo relativo à -renda de Urgeses., fazia parte da mesma. Extinta a celebrada renda, os Estudantes, mantendo o Magusto como número do seu programa, jamais deixaram de o realizar. Limitam, apenas, a distribuição das castanhas e do vinho aos lavradores e lavradeiras que conduzem o gado no cortejo do -pinheiro., associando-se-lhes.
* Outra -posse. que anda registada nos periódicos de há cem anos, foi a da videira, da casa de S. Dâmaso (I). Esta videira, trepava pela frontaria de uma casa de dois andares, em rcss3lto. Na sua loja tinha oficina um albardeiro. Vejo de uma noticia incerta no semanário -Religião e Pátria., do ano de 1862: que as uvas eram oferecidas em açafate (2). Ainda na minha juventude assisti ao acto desta -posse.. Então, os Estudantes teriam de trepar à videira, colhendo nela os cachos de uvas, ali mantidos até Dezembro de cada ano, para efeito da -posse •. Uma vez sêca a videira, extinguiu-se esta - posse. de tão pitoresco efeito.
* Quando o cortejo dos Estudantes vinha das bandas da Cruz da Pedra, trazendo à sua frente os condutores do mato, fazia paragem na Rua de Camões. Na casa do armador Manuel José da Silva Eugénio, exibiam-se figuras em cena parada. Algumas vezes estas cenas tinham actualidade. Em 1905, aquando do célebre feito de Chaimite pelas tropas do heróico Capitão Mouzinho de Albuquerque, foi ali patenteada em figuras de tamanho natural a prisão do régu10 Gungunhana. Este e outros especláculos entusiasmavam o povinho, que, ao descerrar-se a cena, irrompia em aplausos.
* Igualmente no espectácu!o das - posses. tinha representação o grotesco.
(1)
Lê-se no 1.0 Vol. , Obras, d:: Cardeal Saraiva: «Ainda hoje conhecemos em povoações Ilotâvcis da Pruvincia do Millho, parreiras plantadas às portas das casas, subindo ao alto, indo guarnecer as janelas c fazendo assim n50 desagradável perspcctiva~. (2) A mesma noticia vem acrescida com estoutra: «Este ano (1852) !louve nova
posse na mesma rua em casa do sr. Anlóllio José Pereira Martins».
109
Conta-se este feito: Certo folgasão, morador na Rua de Traz do Muro, gerou a bisarra ideia de exibir o trazeiro à varanda da sua casa, pondo de cada lado um castiçal com vela acesa. As crónicas da época, identificaram-no: - João António Teixeira, sapateiro. O Códice n.o 645, fI. 17, da Santa Casa, fez em 1811 o registo desta criatura, que ficou na lista dos doentes conhecida pela alcunha de João
Cucúsio. Esta <posse-, nem por ser estravagante, deixava de ser requerida a altas vozes, por quantos acompanhavam os Estudantes na sua ronda nocturna:
- A posse!... Venha a posse! ... Anos havia, de muitas <posses-o Andam algumas citadas nos Bandos
Escolásticos.
ltO
REMEMORANDO ANTIGAS ·POSSES- DE DOCES FREIRÁl'ICOS - MAIS A .POSSE- DE rtlESTRE VENÂNCIO
o
convento das claristas retinha em suave clausura, muitas vergônteas da cepa fidalga. Por entre lirios de puresa, não seria de estranhar que vicejassem noviças tentadas para o mundo. No convento tinham IlIgar festas de abadessado, outeiros poéticos, chás de palratório - coisas que, para serem deliciosas, eram amimadas com doces, manipulados pelas mesmas freiras e respectivas servas. E havia tratos de toilette como em festa mundana. Para que este preâmbulo não seja tomado à conta de mal dizer, reproduzo aqui um depoimento, que nos mostra como estavam presas às elegâncias femininas tantas das recolhidas do convento c1arista, nomeadamente as religiosas mais novas:
- ... usavam espartilhos, apertando-os de tal modo, que ficavam escandalosas, deixando ver os contornos do seio; traziam na frente os hábitos curtos, com o fim de se lhes verem o pé e o sapato; usavam óleos e polvilhos na cara.(Abade de Tagilde, Rev. de Guimarães, VoI. X.)
Esta referência pertence a uma devassa promovida pela autoridade eclesiâstica, em 1759. Com estes atributos mundanais, é evidente que não seriam as c1aristas indiferentes à função Nicolina, na qual a juventude tinha o primeiro lugar. A comprovar a simpatia das freiras estâ a -posse- por elas oferecida aos Estudantes. O Bando Escolástico de 1868 alude à -posse- das c1aristas, nesta vaga referência:
111
Vão às freiras pedir, encartuchados, Os doces de antiga costumeira.
Cartuchos com variados e deliciosos doces, que ainda hoje gozam fama. É natural que, no largo fronteiro ao convento, os Estudantes fizessem exibir algumas das suas danças, e. ao 10'lgO do mesmo largo, passassem os seus cortejos e cavalhadas, certos que, por detrás das grades, os viam as noviças, tantas delas suas aparentadas. Em época correspondente havia no Largo da Oliveira, frente à Colegiada, a estalagem da .Joaninha. - personagem feminina que anda recordada pelos seus pasteis e morcelas, em romances de Camilo. A esta hospedaria iam os Estudantes levantar uma <posse.. Pelo dizer do Bando Escolástico de 1868, já então ela não era mais que uma saudosa recordação: <Pois tudo tem seu fim; a lei mesquinha, Nem os pasteis poupou da joaninha I.
A <lei mesquinha., seria possivelmente uma alusão critica ao Decreto que extinguiu as Ordens freiráticas. No convento das monjas c1aristas aprendeu a .Joaninha. a receita dos seus pasteis.
* A escola do ensino de gramática, cujos alunos alcançaram mais no:n2ada na festa escolástica, foi aquela que estabeleceu cntre nós, no século XIX, Francisco Pedro da Rocha Viana, vulgarmente conhecido por<Mestre Venâncio •. A rotunda obesidade deste Prof. mereceu a Camilo Castelo Branco. em seu romance <O Eusébio Macário., esta caricatura: <Um mestre de latim, de bucho insondável, comensal obrigado em todos os grandes jantares de Guimarães.•
Esta nota gastronómica de <comensal obrigado em todos os grandes jantares de Guimarães., não quer significar que <Mestre Venâncio· fosse um vulgar papa jantares. O seu carácter, o seu saber, elevavam-no na estima de todos, nomeadamente daqueles que o escolhiam para professor dos seus filhos. Outra faceta impunha este conviva: era a bonomia do seu espirito.
112
Mestre austero, à maneHa do seu tempo, nem por isso carregava o sobrecenho ao ver os seus alunos entregues ruidosamente às diversões
Nicolilzas.
Prova-o esta noticia, que respigo dum semanário da terra, referente a um cortejo da festa realizada em 1862:
_ .•. Seguiram à Praça da Oliveira, a casa do digno professor de latim, que também todos os anos distribue aos seus discipulos doce e licor.• (Religião e Pálrial 1. 11 Série, 0.° 8.)
_Mestre Venâncio., servindo aos seus alunos doces e licores, ministrava-lhes uma das suas melhores <lições. - que era o traço de simpatia estabelecido entre si e os seus alunos, na hora jubilosa da festa escolástica. Este mimo oferecido por .Mestre Venâncio. aos seus alunos, está registado na aludida noticia de 1862, como -posse •. Quando esta aula deixou de existir, com ela esmoreceram as Nicolinas: prova de que os alunos deste latinista seriam os mais azougados nas diversões escolásticas.
• Os vimaranenses da minha geração devem lembrar-se da viúva Cilasca, em Traz do Muro. Também ali iam os Estudantes tomar uma ·posse., de aguardente e figos. Este -mala-bicho. já vinha do tempo do marido, o Cilasco, como me informou uma sua neta. Quando o cortejo académico demorava em ir tomar a -posse., a boa criatura que a dava, preparava o -mata-bicho., metia a chave debaixo da porta e ia deitar-se. Os Estudantes, abordando à casa da Cilasca, tomavam a chave, abriam a porta, e serviam-se do -mata-bicho.. Feito o que, prosseguiam na sua rota, trauteando o hino escolástico.
* O Bando Escolástico de 1896, faz referência a outra -posse. oferecida em casa do Escrivão de Direito, Penafort Lisboa:
Nabiça, couve-penca e flor, e os nabos doces, Que o Penafort dá, por ser das posses.
113
* As -posses. ac!uais, perderam muito do esplendor antigo. Queiram, porém, os Estudantes fomentar a criação de novas -posses. , e, dada a simpatia que de longe acompanha a sua função académica, não lhes será dificil alcançar êxito. Demais que, estas -posses., quando não se cumprem, não metem a vara da Justiça.
A POSSE DAS UVAS NA -CASA DA VIDE. 6ECOU A VIDB. -SECOU- A
114
posse:
VERDADEIRA ORIGEM HISTÓRICA DO «PREGÃO. NICOLlNO
S
OBRE a origem deste número da função Nicolina - também chamado Bando Escolástico - pretendeu-se atribuir-lhe o objectivo de prévio
anúncio da festa.
Dizia o B.lIldo de 1866 pela voz do seu pregoeiro:
.Eu
Vell!1O
anunciar a festa ingente . .. >
Na realidade não é assim. Quando o Bando, em cortejo solene, é apregoado ao povo, já vários números das Nicolinas decorreram. Esta circunstância, por si, bastaria para demonstrar: que outra é a função do Bando Escolástico. Atentemos em fastos académicos de natureza histórica: Na douta e tradicionalista Universidade de Salamanca - segundo o ~cu Estatuto de 1538 - em determinadas festas reguladas pelo calendário da Igreja, saiam a público os escolares de vários Colégios recitando, perante grandes auditórios, discursos que, em certa maneira, correspondiam a .lições. práticas. Este exercicio escolástico verificava-se normalmente nas solenidades segu intes : Páscoa da Natividade, Páscoa da Ressurreição, Pentecostes. Outros dias solenes seriam escolhidos para a prática destas .lições., embora o aludido Estatuto quinhentista não mencione senão as três solenidades da Igreja.
115
Transcrevo textualmente uma passagem da informação que solicitei à Universidade de Salamanca: ' ... Saldiam (saiam) estudiantes de cada ano de los tales colegios a orar y hanr declamaciones publicamente.• Estas .orações· declamadas, eram algumas vezes pautadas ou revistas pelos Lentes. Então, discursar, declamar, impunha-se como disciplina de retórica. A Eloquência era requerida para todas as tribunas: sacra, parlamentar, forense, popular. O mesmo exercicio se observava no Coll!gio das Arles, em Coimbra. Oiçamos o que nos diz o insigne Lente da Universidade, Dr. Joaquim de Carvalho:
.Na aula de retórica, além das lições e exercicios escritos, hovia declamações em dias determinados. Declamavam-se orações de Vieira, assrm como de Cicero e de Bussuet, traduzidas em vulgar, e composições da própria lavra do estudante, depois de corrigidas pelo Profess?r. A algumas declamações assistia todo o colégio.• (<<Apontamentos para a Hist. Contempordnea*, Vol. 1.0.)
Este exerci cio, no Colégio das Artes, limitava-se às aulas. O mesmo exercicio, em Saiamanca, verificava-se na praça pública. Daqui brotou o modelo vivo realizado pelos escolares de Guimarães na sua tradicional festa ao Patrono S. Nicolau.
• Para que se faça uma ideia da notável frequência dos portugueses na Universidade salamantina, basta citar esta passagem da História de Portugal, por Rebelo da Silva, referente à Re\'olução de 1640:
•Os escolares portugueses que frequentavam em Salamanca os estudos superiores, eram mais de quatrocentos.• (Ob. cit., T. 4.'.)
Neste número havia, por certo, alguns escolares vimaranenses. Muitos ali se iam doutorar (1). V. Hist. de la Universidade de Solam anca. Vidal y Diaz. His/ória da Universidade de Coimbra, VaI. I.', pág. 367 e 388. (1)
116
Não é, pois, de estranhar que, da Universidade galega se copiasse o tipo original dos pregões escolásticos, na festa de S. Nicolau em Guimarães.
• A própria contextura do Bando Escolástico não é prelúdio de um programa de festa. Manuseando os antigos Bandos, nenhum deles nos oferece a ideia de um anunciar de festa. Sumariando os assuntos constitutivos dos ,Pregões. Nicotinos, são estes os temas mais visados: . Epigramas satiricos aos costumes; alusões picaras aos sucessos escolares; amavios românticos às damas; coriscadas virulentas aos intrusos; panegíricos camoneanos aos deuses gentilicos; brejeirices picantes às criadas e costureiras; facécias criticas aos governantes municipais; ditirambos graciosos ao Patrono; pançadas risonhas ao burguês; hossanas campanudas à politica do momento - tudo em decassilabos, em louvor das Musas e mais das tradições escolásticas. Tal é a matéria prima, a substância poética dos Bandos Escolásticos. /
117
BANDO ESCOLÁSTICO DE 1955, RECITADO PELO ACADÉMICO DO 5.0 ANO, J. SAMPAIO, JUNTO DA AUTORIDADE, COMO É PRAXE, EM PRIMAZIA. 11 varanda dos Paços do Concelho esl6 o Sr. Presidenlo da C6mllra, Dr. J. M. de Cl13lro Ferreira.
•
ORGANIZAÇÃO DO B.l\NDO ESCOLÁSTICO À MODA ANTIGA _ MINERVA E MERCÚRIO SEUS PRINCIPAIS FIGURANTES
o
cortejo do Pregão tem como arautos - os bombas. Seguidamente, entre um terno de cavaleiros, ergue-se a bandeira da Academia. É a vez do carro, onde, entre colegas, vai o Estudante que lança o Pregiio. Apresenta-se o pregoeiro com o traje académico, de capa e batina, mascarilha no rosto. foi outrora diversa a figura do pregoeiro. Por noticias colhidas, o B,mdo Escolástico de 1814 saiu com duas figuras mitológicas: Mercúrio e Minerva. A primeira destas personagens, fazendo a apresentação da segunda, assim falou: .
•Queridos filhos meus, que a doce vida Gastais em me adorar no templo honroso, Hoje férias vos dou à dura lide, Para entregar.vos ao recreio, ao góso. Mercúrio em sons jocundos anuncia O festejo, o prazer do excelso dia.> Acabada esta breve fala de Mercúrio (deus da Eloquência), Minerva (deusa da Ciência), começava a recitar o Pregão. Neste ano de 1844 - como foi registado em manuscrito coevo _ a figura de Minerva foi interpretada pelo escolar <aposentado> António
119
•
Joaquim de Almeida Gouveia, e a figura de Mercúrio coube ao Estudante Luis Pereira do Lago (1). Uma noticia relativa às Nicolinas de 1854, dá-nos esta ordem do cortejo:
.No dia 5 de Dezembro, depois do meio dia, saiu o Bando da casa do teatro de S. Francisco (2) levando as seguintes figuras: Fama, Apolo, e as duas Musas, Euterpe e Calíope . .. > .0 pregoeiro (ia) de capa curta... à portuguesa antiga, fechando o préstito duas figuras - Portugal e Guimarães, cada uma com Slla bandeira. •Em lugar do tambor-mor (3) ia um cometa, vestido à beduina, montado em um cavalo, logo adiante do pregoeiro, tocando quando era necessário fazer calar os tambores, para se recitar o Bando.• (Jorna! do Porto, Bra. Ti.ana. n.· 286.)'
Como se vê desta composição do cortejo, o figurado variava. Desta vez, Fama e Apolo, seguiam no préstito montados em cavalos com gualdrapas, sendo estes .governados. pelas Musas. Diz outra noticia:
.No domingo saiu o Bando... com todo o asseio e boa ordem, fazendo o clarim calar os tambores, quando o pregoeiro recitava o Bando Escolástico . . , O pregoeiro ia rica e elegantemente vestido, e o carrinho que o conduzia. vistosamente ornado, podendo dizer-se bem de todas as mais caretas, tanto de pé como a cavalo.• (Religião e Pátria - 1852.)
Assim se porl.e concluir: Não havia uma ordem única na constituição deste cortejo. O figurado que o compunha, tinha a sua origem de inspiração no Olimpo - a morada dos deuses mitológicos - destacando-se de entre todos os deuses e seus
Em 1899 desempenhou o papel de Minerva um estudante de nome Joaquim Costa, da freguesia de Brito. Tanto pegam de raiz as alcunhas usadas nos meios es~o lâsticos que, desta feita, Joaquim Costa passou à posteridade com a alcunha aradémica de - «o Minerva~. (2) Neste modesto barracão denominado «teatro», representaram os escolares, (1)
algumas vezes. (8) Tambor-mor - Copiado da antiga milícia armada. Quando em marcha, seguia na frente com um grupo de tambores, lançando ao ar a sua maça, em proesas de acrobacia.
120
•
satélites, aqueles que se ligavam, por qualquer maneira, ao âmbito dos Estudos.
Os Bandos Escolásticos, popularmente denominados Pregões, obedeciam às regras já estabelecidas pelos antigos mestres da arte de bem declamar. A capacidade discursiva do Pregão devia revelar-se nos gestos, nas atitudes, no tom de voz do seu intérprete. O verso alexandrino em que esta peça literária é vasada, já de si ajuda a tirar da sua recitação efeitos campanudos, inchados, altiloquentes. Vem de longe o .estilo· do Pregão. Certa jocosa regra de oratória recomendava aos estudantes da Universidade, no século XVI, estas pitorescas instruções:
.Os dedos pegando na luneta pelo meio, assim a modo de pitada, e alçando o braço em ar de quem incensa (1). 1.0 -
2.° - Arquear as sobrancelhas, segundo o pedir o caso. 3.° -
A boca composta, mas atirando para risonho.
Pedindo a matéria que se grite, dar com o braço para cimn e para baixo, com a desinquietação de sacristão novo quando toca a campainha.• 4.° -
(António Duarte Ferrão. Palito Métrico)
Nesta facécia alegre, puxando à caricatura, está o molde oratório daquele que, em Guimarães, ·recita o Pregão.
(1)
A luneta, com punho de tartaruga, foi muito usada por peraltas e sécias.
Igualmente a caixa de rapé foi consagrada pela moda.
121
•
•
,•
,•, •
••
,
.'
•
-. -0_.-
•
o PREGÃO ESCOLÁSTICO ( D e. 5 de 1895)
A ENTREGA DAS <MAÇÃZINHAS> ÀS DAlIIAS - SEU SIGNIFICADO POÉTICO
D
E todos os números das Nicolinas aquele que mais vale pelos seus efeitos espectaculares, pela sua graça e gentilesa, é a oferta das .maçãzinhas> às Damas ('). O prosaismo da época actual não se apercebe da elegância, do feminil encanto deste <torneio>. Essencialmente consagrado ao Eterno Feminino, não admira que, para ver passar este cortejo as janelas se guarneçam de senhoras, ou mais destacadamente, de meninas, pois são estas, em nossos dias, as que mantêm a tradição, colaborando com a sua presença e a permuta das suas lembranças, na linda festa de cunho medieval. Na verdade, para bem se colher uma idela do encantamento poético destc número das Nicolinas, torna-se preciso reconstituir o panorama romântico dos tempos idos. Nessa visão do passado, a mulher é entrevista por dctrás de janelas com rótulas - <rançoso e melancólico uso das rótulas de pau que os antigos portugueses, no dizer de um monógrafo portuense do século XVIII, se figuravam recatar a honestidade de suas famílias>. Não eram janeleiras as mulheres dos séculos pretéritos. Ao facto se refere um poeta espanhol, dizendo:
Toda a donzela, de casa não sai. ate que se coza.
•
Quando lograva pôr na rua o seu pé, ia sempre acompanhada. O seu próprio guarda-roupa, excessivamente discreto, ajudava a ocultá-la.
(1)
Estas ",maçãzinhas., COIDO em açucarado dinlinuitivo as denominam, tam·
bém sâo conhecidas por
c
maçãs dos estudantes,.
123
A mantilha, a mantilheta, o bioco, a cõca, eram peças dominantes do traje feminino. Nos meados do século XVIII, os bisonhos veladores dos rostos femi. ninas, eram deste modo alvejados por Garrett:
Bioco negro De onde mal se vislumbra Raro lampejo de celeste face: Diz! quem o rasgasse! Só em tardes de procissão, com as ruas juncadas de ervas cheirosas e as varandas guarnecidas de damascos, as cativas donzelas se mostravam. Aliada a esta concepção de liberdade, desenrolava-se o cortejo das 'maçãzinhas., como réstea de sol esbatendo a .sombra. Anda o caso recordado nos versos do Bando Escolástico de 1828:
A mais guardada e tímida donzela, Se concede este dia de janela. ;;:
Já vimos quais foram as ongens e os primeiros personagens na entrega das maçãs às damas. A prática deste acto era da iniciativa dos ,Meninos do Coro. da extinta Colegiada. Visavam um objectivo maneirinho. Davam maçãs, para receber qualquer outra coisa. Por isso as maçãs eram oferecidas, prosaicamente, em açafate. O Pregão de 1870, alude ao acto por este teor:
Ao col/ler, das cestínhas p'rá regaço, Rubicundas maçãs com trémulo braço, Raiava em vossas faces um sorriso, Que nos faz lembrar o Paraizo. O acto dos ,Meninos do Coro. observava-se, sem aparato público, no dia de S. Nico1au. Aqueles ,mocinhos> que o praticavam, tinham em vista, repito, receber mercê. Transferido o costume para os Estudantes, estes revestiram-no, por maneira romântica, de uma grinalda de festa. O acto passou a embelezar-se dos engalhes de galanteria Procurando os antigos escolares na vida social vimaranense um acto
124
«
de inspiração, encontraram-no naqueles esplêndidos torneios que tinham lugar no rossio do Toural - espectáculos elegantes aos quais concorriam os mais adextrados e garbosos cavaleiros do Entre-Douro e Minho. É certo que na oferta das .maçãzinhas> às damas - o número mais
UM ASPECTO COLHIDO NO CORTEJO DAS MAÇÃZINHAS DE 1955
galhardo e gentil das festas Nico/inas-não se observa luta, não há desafios, não se ferem, sequer, competências. Por isso, ao termo da <batalha>, pode dizer-se: todos triunfam! A alegria, as gratas emoções que se experimentam neste recontro, são prémio abonde. A divisa da juventude escolar na oferta das .maçãzinhas>, é esta: -
Ser amável ao belo sexo!
* Há pontos de contacto entre este número das Nico/inas e os antigos torneios de Cavalaria, Vejamos:
125
a) A formação do cortejo escolástico para a oferta das • maçãzinhas >, é constituido por uma cavalgada de faustoso aparato. O mesmo se verificava nos antigos torneios da Cavalaria medieval. b) Os cavalos ajaesados com talises e gualdrapas e os Estudantes vestindo à fantasia, têm semelhança com os .mantenedores> dos aludidos recontros, considerados à velha lei da Nobreza,.flor da cortezia, da honra e do valor>. c) A lança empunhada pelos lidadores deste número Nicolino, ofertando nela a maçã, tem por igual certa analogia com o acto final dos antigos torneios, quando os cavaleiros iam ofertar na sua lança à dama do seu pensamento o troféu alcançado na liça. Os escolares que no cortejo das .maçãzinhas> tomam parte, usam enfeitar a sua lança com fitas multicores. Igualmente a guarnecem com uma espécie de .mascote>. Tanto esta .mascote> como as fitas, com legendas e bordados, são oferta feminina. Aqui se reproduz uma lança, tendo no seu remate um simbolisado coração ofertando a maçã.
126
POR ENTRE FITAS MULTICORES, SONHOS ... COR DE ROSA
PASSAM AO LONGE CORTEJOS DAS MAÇÃS - ECOS E NOTtCIAS QUE OS RELATAM
M
UDARAM os tempos. Só os personagens da cena Nicolina haviam de variar. Nos tempos pretéritos quem mais realçava na função eram aquele~ que já haviam passado pelo estudo. Motivo porque se distinguiam com as designações de - .veteranos-, .aposentados., ou simplesmente .velhos •. Este vocábulo - .velho· queria significar, apenas, .antigo •. A velhice destes comparticipantes das Nicolinas, não contava nos anos. Excluidos os casados - pois ser solteiro era condição do .foro escolástico. _, podia dizer-se que nestes .velhos. brilhava uma centelha permanente de lÍlcida, de esclarecida mocidade. A falange dos antigos escolares, presa às emoções da saudade, correspondia plenamente ao fulgor dos vários nÍlmeros do programa Nicolino. O próprio cortejo destinado à entrega das maçãs às damas - aquele onde o coração parecia reanimar-se pelos encantamentos amorosos da juventude -, nesse mesmo os .velhos. não deixavam de tomar parte activa, condicionada em competição com a gente moça. Para afoitesa de ânimo se amparariam, os adiantados em anos, neste conceito colhido no Cancioneiro de Rezende:
Namorar não é pecado, Onde amor se não demande. Tudo, pois. seria levado à conta de amor saudosista. Mero devaneio romântico. Alguns quadros da entrega das maçãs às dama~, nos tempos idos:
127
<Ontem, a distribuição da 'renda pelas damas começou tarde. Era meio dia quando os cavaleiros se espalhavam pelas ruas, chegando às belas meninas, que ornavam as janelas, as cbradas maçãs e assucarados bolos que cravados, tinham nas pontas agudas das suas lanças douradas.> ' (1852 - Religião e Pátria.)
Pelo que se vê, além das maçãs também eram oferecidos às damas. ou como diz a noticia, às < belas meninas >, - «assucarados bolos >. Decorridos dois anos, um semanário do Porto insere esta noticia do mesmo número das Nicolinas:
• No dia 6, pelo meio dia, entrou pela Cruz de Pedra, rua das Malianas, Taural, Misericórdia, rua Sapateira, Oliveira, rua de S.'a Maria, e recoli/eu-se em S.'a Clara, um carro em que vinhn CupidO e as tr~s Graças. Cupido dava maçãs na ponta de uma seta. > <Este carro era acompan/lOdo da música de Caçadores 7 e de muitos estudantes, todos bem vestidos, que iam distribuindo maçãs.> (Braz Tizalla, N.• 288.)
No ano de 1862, o mesmo periódico, fazendo-se eco da função Nicolina, assim se exprime;
<Reviveu este ano o já quasi obliterado uso de, na vinda de S." Esttvão (Urgeses), serem pelos estudantes oferecidas às damas as maçãs ... <Nos anos passados, um ou outro mais afecto à antiga usança - e talvez preso pelo coração ao delicado sexo feminino - saiu a fazer lembrar este antigo costume. > Assim arrematava a noticia de 1862;
.Este ano percorreram (a cidade) mais de trinta estudantes, todos soberbamente montados, com a música na frente, distribuindo à porfia pelas gentis da terra, a pequena mas valiosa oferta.> AI udem alguns Bandos Escolásticos ao garbo das cavalgadas que eram de uso constituir o cortejo das emaçãzinhas•. Respigo esta referência do Bando, publicado em 18 ••
<Espumantes corceis, assoberbando, Iremos todos, de prazer arfando, Rubros pomos colher, maçãs mimosas, Para vir oferecer às mais formosas. >
128 •
Mais de trinta cavaleiros conslituiam este cortejo. Como nas .justas. dos elegantes torneios, realizavam os Nicolinás, em cavalgata, ã oferfa das maçãs às damas - o grande número da sua festa escolástica. Imagina-se a galharda formação de mais de trinta cavaleiros, em upas e corcovas, assoberbando, dominando os seus corcéis - cavaleiros em trajes variegados, e corcéis gualdrapados e arreados a primor. Nas épocas passadas a arte de equitação fazia parte das .prendas. da juventude. D. Duarte, príncipe português, escrevera um tratado de equitação: Livro da ensinança de bem cavalgar toda a sela. Ainda tinha discipulos entre nós, no século XIX, a arte de equitação. O cavalo, dava qualidade sumptuária aos que ordinàriamente o usavam, por desporto, nomeadamente àqueles que viviam, ou se queriam dar ares de viver, .à lei da nobresa •. Ainda os da minha geração puderam conhecer o uso de carro e cavalos nas seguintes casas de Guimarães: Mínotes, Costeado, Marquês de Lindoso, Conde de Margaride, Barão de Pombeiro, Visconde de Nespereira, Conde do Arco, Visconde de Sendelo, Simães, Vila Pouca, Aldão, Martins Sarmento, Barão de Paçô, Dinis Santiago. Luis Martins de Queiroz (Minotes) que foi cônsul na Inglaterra, distinguiu-se no seu apreço à arte hipica, exibindo montadas de raça, em alta escola.
129
"
,
••
•
,
--, •" -.• ,
•
,, •
'
~
"
,
1
'j
••
'~~' •
,
:~
•
• (oes, do Esl. Gil Azevedo -
1943)
'C
Nicolin3.s 10 de 1942
NOVAS OFERENDAS NO CORTEJO DAS MAÇÃS - MADRIGAIS ÀS DAMAS
A
s
maçãs pequeninas e càradas, eram oferta predilecla e de muito simbolismo. Outros mimos, porém, a acompanhavam. Há 76 anos escrevia um bi-semanário da terra:
• No dia 6, verificada a posse em S.ro Estevão (I), entraram as hostes escolásticas na cidade, cavalgando famosos ginetes, distribuindo pelas damas as rubicundas maçãs ... , castanhas, de mestura com amendoas, uvas de alicante e outras especiarias., (Religião e Pátria, n.• 1.., 7-12-1881)
Estas. castanhas" e <uvas de alicante', eram especiarias da famosa indústria doceira, com origem nos extintos conventos de monjas de Guimarães (2). Além destas açucaradas ofertas, ainda a·< hoste escolástica... cavalgando famosos ginetes', distribuia madrigais às damas. Este chegou até nós, impresso, colhido num espólio antigo: Aceitai a maçãzinlza, Tão mimosa e coradinha, Como ordena a tradição. Esta oferta é prenda minha, Maçã pura, não daninha, Lembrança do coração. (1) Havendo sido extinta a .. renda~ em 1832, o seu levantamento em 1881, foi mero simulacro. (I) Em 1853 ainda havia: 5 freiras claristas, 6 dominicanas, 15 capuchlOhas. (Braz
131
Tiuna. n.- 292.)
o antigo
escolar José António Afonso Barbosa, ainda há pouco tentou recitar-me um outro madrigal NicolirlO, preso de saudade à lembrança de o haver oferecido, nos seus tempos escolásticos, como figurante no cortejo de 1899. Simplesmente a memória, tropeçando, se lhe recusou a fazer-me a exacta construção da sua ode amorosa, dos felizes tempos da juventude. Eram da praxe os madrigais. Já o Pregão de 1828 cantava o seu uso e eficácia:
Suspiros, sorrisos, ditos galantes, São para na lide entrar armas bastantes. Por vezes, a veia satírica brotava, como se vê deste jeito de versejar:
Venho arranjar um namoro. Dar-lhe um ramo de violetas; Pois /lá damas tão bondosas Que até namoram... caretas I (')
* •
Quiseram os escolares de 1902 criar estímulos, dar mais vida ao Cortejo das Maçãs, abrindo concurso para dois prémios, a distribuir aos que melhor se apresentassem. Uma local inserta num jornal da terra, disse a propósito:
.A entrega das maçãs às gentilissimas Senhoras de Guimarães realizou-se, aparecendo alguns estudantes ricamente vestidos em carros luxuosamente postos, sendo conferidos os prémios das Senhoras aos estudantes {oaquim de Menezes e Gualter Martins, constando o primeiro de um bandolim, e o segundo de um alfinete de ouro. (Independente - Dez. 1902)
Joaquim de Menezes e Gualter Martins - que há muito partiram desta vida -, foram dois conterrâneos que se distinguiram nas Nicolinas, amparados não só pela sua mocidade como pelos seus recursos de família. Já então, há 55 anos, rareavam os .famosos ginetes., a que alude a notícia de 1881. De onde havia de resultar que, os comparticipantes dos (l)
Esta quadra, acompanhada de olltras, rcspiguci-a de um impresso antigo,
sem data, que se guarda no espólio dos Pregões, no arquivo da S. M. Sarmento.
132
Cortejos das Maçâs, os substituissem por carros enfeitados à fantasia - como esses que é de uso verem-se em • Batalhas de Flores,. Denunciando a falta dos· ginetes" o antigo estudante Jaime Sampaio venceu em 1926 a dificuldade, substituindo-o, como se mostra pela gravura, por uma prosaica vassoura. Outro antigo estudante - que é hoje Juiz .Conselheiro da Relação do Porto - andou às trancas e às mancas, atraz dum burro, que não se deixou montar ... se não com fiador edóneo.
Neste torneio festivo travado ao geito medieval, uma reciprocidade por vezes se estabelece, permutando-se ofertas. A lança de onde mãos femininas colhem o pomo paradisíaco, é a mesma que se torna portadora de um mimo - qualquer coisa que só não é insignificância, por vir de onde vem. Tantas dessas oferendas constituem .mascotes" que os estudantes trazem por algum tempo nas suas capas, como ostentosos troféus. • Por algum tempo" disse eu, sem olvidar o que do mesmo bisarro torneio disseram os antigos Nicolinos, embalados na lembrança saudosa dos felizes dias da juventude. Assim o rememora o Pregâo escolástico de 1851:
·E por entre mil falas extremosas Mil requebros d' amor, vereis. formosas, Ofertar-vos o pomo lindo e liso Qual o que Eva tentou 1/0 Paraiso., As .falas extremosas" os .requebros d'amor-, verificavam-se, com efeito, na fun~- -.-~ ção Nicolina dos tempos idos em que, a par dos moços escolares, tomavam parte os antigos camaradas _ alegres e expansivos solteirões que, embora fora do ensino, gozavam o privilégio do foro .escolástico" jamais renunciando ao gosto romântico dos amavi os ao belo sexo, como o fazia notar o Pregão de 1866:
----.
Garridos anciões que, em tal festeio, Não querem de brincar perder o ensejo.
133
~
Quanto ao simbolismo da maçãzinha, ele se anunciava no Pregão de 1896 por esta maneira tão explicita: .Eva enganou a Adão com a maçã traidora; Mas às nossas maçãs, ó virgem sedutora, Não são pomos de engano ou pom?s de discórdia; Vossa boca rosada aromatisa-a e morde-a, Libando na doçura amarga essa saudade De um desejo d' amar que tem a mocidade I Cada um de nós é Adão, e a maçã afiança, A árvore é o balcão, e a serpente a lança, Conquistando um sorriso, um meigo olhar bendito, Que nem o próprio Deus acusa de maldito.> (De. Brauliu Caldas.)
'"-':"',o
-. . I, -•
ENTREGA DAS MAÇÃZINHAS NAS FESTAS .NICOLlNAS. DE 1955
134
•
o USO DA MÁSCARA NAS FESTAS «NICOLlNAS» - A .sUA PROIBIÇAo EM 1821 e 1822
A
máscara não era, nos tempos idos, simples atributo da quadra carnavalesca. A máscara afivelava-se no rosto, umas vezes para diversão, outras vezes - quantas! - para cometimentos de assalto e crime. Ainda hoje o disfarce do rosto entra nas diversões que acompanham certos trabalhos agrícolas. Do largo uso da máscara, fala o insigne historiador Henrique de Gama Barros, por esta maneira:
• Pór máscara na cara, mudar de vestes, fazer momices, vem de tempos imemoriais ... Andava a máscara tanto em voga, que até mesmo se usava pó-Ia coma disfarce, fora das diversões.• (Hi5t. da Adm. Ptib. em Portl/gal, VaI. 1. 0
)
Quanto ao uso que da máscara e de -outros disfarces de guarda-roupa se fazia no centro universitário de Coimbra, informa um cronista contemporâneo:
• Em cerlos dias do ano, especialmente pelos Reis Magos, organizavam-se festas noclllrnas - as .soiças. - em que os estudantes apareciam com fatos do avesso ou cobertos de farrapos, mascarados, e livres por antiga praxe, de toda a intervenção das autoridades.' (Hipólito Raposo, Coimbra DOI/tora.)
• Em Guimarães, o uso da máscara na função Nicolina, era também da praxe. .' Somente esta praxe havia de ser interrompida em 1821 por ordem do Juiz de Fora, Bento Ferreira Cabral, em virtude de sucessos politicos.
135
No ano imediato, igualmente a áutoridade proibiu o uso da máscara aos escolares, com o mesmo fundamento. Deu-se, porém, forte reacção por parte dos Estudantes, como do sucesso nos dá noticia um jornal da época:
No dia 28 de Novembro de 1822 o Intendente Geral da Polícia proibiu as máscaras do inocente folguedo escolástico. '. Depois de uma represen_ tação dirigida a Sua Magestade, em Portaria de 2 de Dezembro, concedeu D. João 6.· aos Estudantes licença para se mascararem nos dias 5 e 6 de Dezembro. < Em consequéacia disto, levantaram os Estudantes a sua bandeira no meio do Toural, havendo fogo do ar e repiques de sinos em todas as torres da Vila, iluminando-se parte da mesma Vila, havendo uma encamizada (') fogo e versos, acompanhados por grande multidão de povo, que dava eatu: siásticos vivas às Córtes e a EI-Rei.> <
(Religião e Pdtria. 22·12.1880.)
• Por efeito poético, o sucesso politico que implantou o regime Constitucional de 1822, era alribuido à intercessão de S. Nicolau, como se ve no Bando Escolástico desse ano:.
Tu nos despistes dos grilhões os pulsos; Tu destes ao coração, nobres impulsos. Dos Sábios, protector, Sábios armastes: Com eles, a Vitória coroastes. Leis nascidas no Céu, mandaste à Terra; O Mundo, agora, um paralso encerra. Oh Portugal J• • ' Oh Reino venturoso J Como te ergues ufano e glorioso J Este Bando Escolástico, de exaltação à Liberdade, foi escrito pelo D! João Evangelista de Morais Sarmento, portuense, discipulo de Esculápio e amigo das Musas, que viveu entre nós largos anos. Em 1825 foram novamente proibidas as máscaras nas festas Nicolinas.
(1)
Diversão popular, com máscara, exibida, por antigo costume, no rossIo
do Toural.
136
Como, porém, o Estudante Agostinho Vicente de Castro e Freitas, que recitava o Pregão, não acatasse a ordem da autoridade, foi o mesmo levado para a cadeia. No registo da prisão quanto a este preso, está aposta a seguinte nota:
.Fui com homenagem para sua casa, que lhe concedeu o D.' Corregedor desta comarca, em atenção às suas qualidades, de que se fez termô em 18 de Dezembro de 1825.> (Cadeia da Correição. L. 0 dos Assentos dos Presos. fi. 12 v.)
137
,
ACADEMICOS, MEMBROS DA COMISSÃO DAS FESTAS NICOLlNAS DE 1956, OFERTANDO MAÇÃS As DAMAS NO ANTIGO SOLAR DO FIDALGO DO 'roURAl.
•
•
UM -TRIBUNAL> ESCOLÁSTICO DE 1838 - DUAS SENTENÇAS HOMOLOGADAS
E
stabelecida a Associação Escolástica, em 1838, destinada a promover a manutenção das festas Nicolinas, chegaram até nós alguns elementos pelo teor dos quais se vê a maneira como, à face do Estatuto desta Associação, se apurava o .foro escolástico> dos seus comparticipantes. Este apuramento era proclamado em sentença de Júri, à maneira de um tribunal de classe, onde tinham lugar a acusação e a defesa, com recurso para a assembleia da classe, nos termos e condições estatuídas. Vejamos uma acta referente a um dos julgamentos efectuados:
.Aos dez dias do mês de Novembro de 1838, na sala das Lamelas, aOl/de reul/iram todos os memóros do Júri Escolástico Vimaranense, para se proceder a averiguação, conforme a Lei, art. 2.· § 1.·, sobre a acusação feita pelo promotor, para se mostrar se sim ou I/ão era estudante Rodrigo Martins da Costa (I), o que o lúri, em virtude da Lei, determinou o seguinte: - .Rodrigo Martins da Costa, absolvido à pluridade de votos>. Esta ·sentença. é autenticada por estas assinaturas:
·Joaquim José da S. a Guim."; Gaspar AI/tol/io da S. a Guim."; AI/tonio de Atol/seca; loaq. m Mor. a Pinto; Dom.·' FiareI/tino da S. a PedI'. a.; José do Espirito S. to Ribeiro; leronimo losé da Costa. ·E para constar, a Comissão mal/dou fazer a presente acta, para cons-
(1) Este nome indica um membro da Casa de A/dão. Como se vê nos registas da Irmandade, era ,coofrade" o~ que. dçmonstra o seu cioro escolástico_..
139
.
t
tar a todas as Comissões e júris - que ele Rodrigo Martins da Costa, é considerado como estudante desta vila. •Guim. eI, li de Novembro de 1838. •Eu Antonio [oaq. m de Almeida Gouveia, secretário ... , esta escrevI
. . e assIne/o
(a)
Domingos de Carv.· e Silva, Presidente. Fran." Per.' Lino Antonio [oaq. m de Almeida Gouveia.•
o
-acusado. fez-se acompanhar de um certificado abonatório da sua qualidade de Estudante, passado pelo seu Professor: --.Certifico em como o Estudante Rodligo Mar/ins da Costa frequentou perante mim a Aula de Latim, matriculando-se no dia 3 de Novembro de 1836, e, segunda vez. em 28 do meslllO (mês) em 1837, em ambas as épocas com assiduidade; portando-se (e, segundo me consta, continua) de modo decente, e conforme ao caracteristico e nobre decoro Escolástico. Guim. eI, 16 de Novembro de 1838. (a) O P.' Francisco José Vieira •.
Testemunho é este da aliança reinante entre alunos e mestres, no âmbito das Nicolinas.
• No referido mês reuniu novamente este .Tribunal Escolástico-, ao qual foi presente o seguinte Libelo de Acusação: .Cumprindo com o disposto na Lei regulamentar, art.' 25.' § 13.', e satisfazendO (ao) Ministério, acuso o reu [osé Manuel da Costa perante o [uri Escolástico, na conformidade do art." 26.', por se achar exercendo um modo de vida totalmente oposto ao decoro e nobresa escolástica, pois que, pública e escandalosamente, se acha servindo no Botequim de seu pai (1). Portanto, se deve considerar, como desde já o considero, exc/uso, conforme o ordena a Lei regulamentar no art.' 4.' § 4.'.
Este botequim, instalado numa casa do Toural, ficou célebre na história da terra. Porque o seu p~oprietário, JOSé Joaquim da Costa, havia desempenhado o papel de .. vivandeiro. num regimento de milícias no periodo da Guerra Peniosular, de$se facto lhe proveio o título que, com mais ou meDOS corrupção, se fixou em Vago-mestre. (1)
140
·E, muito mais ainda, porque ele, se algúa vez cursou a aula de gramática latina. foi só com o péssimo fim de iludir a Lei, e usurpar foros e direitos pertencentes aos verdadeiros escolásticos. ,Tanto assim que, depois de diminuta, ou an/ts, nenhúa frequéncia, desamparou a aula, e continuou no seu modo de vida. •E tanto ele, reu, conheau ter iludido a mesma Lei. que, sendo intimado da acusação deste libelo, pa", que ele se defendesse, por si ou algum defensor, ele desamparou totalmente (a causa) e bem ainda (não) quiz aceitar o duplicado. ,Portanto, peço e insto que o reu seja excluido, porque, do contrário, protesto perante a reunião escolástica. Guimarãcs, 16 de Novembro de 1838. (a) Antonio Joaquim de Almeida Gouveia (Promotor). (I) •
• As cópias do processo chegadas até nós não nos i1ucidam qual foi a sentença que recaiu sobre o reu José Manuel da Costa, filho de Botequineiro da terra, e ao serviço na loja de seu pai, - ,modo ae vida tota:mente oposto ao decoro e llObresa escolástica>, no dizer do libelo da acusação. Com efeito. segundo a hierarquia da época e conforme o estabelecido no Estatuto regulador da Associação Escolástica, o estudante José Manuel da Costa havia perdido o direito de tomar parte na função Nicolina. Botequinciro, servir fregueses em botequim, era oficio servil, se não vil. Havia, por esse facto profissional, perdido as características inerentes ao <foro escolástíco>. Era do Estatuto!
(1) São inúmeras as provas do entusiâstico fervor Nicolino deste filho de Gui· marãcs, que cu ainda conheci em sua provecta idade, desempenhando a função de Cartorario na Ordem de S. Domingos.
141
•
OFERTA DAS MAÇÃZINHAS ÀS DAMAS NAS .NICOLlNAS. DE 1955.
•
00
•
•
o O
MAIS JULGAMENTOS DO ·TRIBUN,\L. ESCOLÁSTICO - MESTRES E DIscípULOS ACAMARADADOS
,
A
audiência de Júri presidiu Manuel José da Silva Peixoto Lages, tendo como secretário Gaspar António da Silva Guimarães. No acto do julgamento foram apreciados dois certificados de matricula. Vejamos o seu teor:
-Jose foaquim Antunes, Presbitero secular: Atesto que o'senhor Gaspar Pinto Saldanha foi matriculado nesta aula, no ano de 1836, e por todo o tempo que frequentou se portou magni{icamente, tanto Civil como Moral, o que passo por verdade. Guimarães, 19 de Novembro de 1838. (a) fase Joaquim Antunes> o
Segue o reconhecimento notarial:
_Reconheço a letra da Attest. am e Signal retro do Proffessor mencionado. Em test.· (I) de verdade O Es. am Nicolao Teix." de Abreu> Diz o segundo documento:
-Certifico em como o Estudante Gaspar Pinto Saldanha se matriculou e frequentou a Aula de Latim, nesta casa do Bom R!tiro, principiando aos 18 de Novembro de 1837, e continuando com assiduidade; e q.' me consta se tem portado sempre de modo q.' não deslustra o nobre caracter Escolástico. -Casa do Bom Retiro, 19 de Novembro de 1838. (a) O P.' Francisco fase Vieira> (1)
o documento insere o respectivo sinal tabelionario. 143
Protegido por estes dois certificados dos mestres de latim, o Estudante obteve o seguinte veredicto: • Gaspar SaldanilO, a maioria de votos, absolvido.Não alcançou o antigo aluno da escola de latim a unanimidade de votos do Júri. Como não chegaram até nós outros elementos processoais, quanto às razões determinantes deste julgamento, fica-nos vedado entrar na sua apreciação.
• Ainda assim, mostra-se à evidência: tanto os Estudantes como os seus Mestres, tomavam a sério o •Tribunal Escolástico,. Estas cenas de audiência não se passavam à porta fechada. Aqui se reproduzem os termos dum requerimento, pelo qual se dedus: que as audiências de julgamento eram realizadas em assembleia escolar. •Caros Colegas, /lustres RepresentQntes da Sociedade Escolástica: • Francisco António da Silva, sendo ontem um dos espectadores deste Augusto e Magestoso Tribunal, nele observou, d'umas e outras partes, as palavras mais enérgicas e veementes, discursos os mais soberbos e empola-
dos.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
Sentiu desde então reviver em si todo o fogo abrasador da festividade do 6. 0 dia de Dezembro, fogo este que se achava em si um pouco amortiçado pela inaudita e funesta interpolação dos tempos; motivo porque traz o presente memorial perante vós, oferecido a vossas mãos, com matéria fácil de decidirdes, que são os seguintes quesitos ou objectos:
- Se pode ir ou não ao S. Nicolau, livre de insulto, isto se, ter sido Escr. am, (escrivão) é arresto, argueiro e obstaculo que IlIe obste e embarasse a não ser considerado na Sociedade Escolástica. . . . • . . - Ergo, se depois de desprovido do oficio, tornou ou não ao grémio escolástico, explicando-se melllor, adversativam.": se quizer ordenar-se, ou dirigir-se a outro fim igual, (está) dependente da lavagem (I) de ir de novo ao estudo . .. Enfim, se pode ou não ir ao S. Nicolau, independente da lavagem, e se está ou não degredado da Sociedade Escolástica. . . . . . . . E. R. M."(1) Esta "lavagem. refere-se ao mergulho no Chafariz do Toucal, punição aplicada aos intrusos} estranhoo ao ciora escvlástico-.
144
Este curioso requerimento do Escrivão, antigo escolar, não é o próprio original. É uma cópia. Como tal, não lhe faltam erros. Não tem data, nem assinatura. À margem, foram expressos os seguintes termos de despacho; <A Comissão. atendendo ao Reqm. to supra, deliberou q.' o Sup."
tomasse parte nos festejos do dia 6 de Dezembro. (aa) Carvalho e S. a, G. ", p.ra Uno, Coelho, Almeida.' (Mss. na BibJ. da S. M. S.)
* Em 1844, segundo os termos de uma Acta, foram aprovados para conslItuirem o Júri deste .Tribunal, académico os seguintes·antigos escolares: R.da Francisco José Vieira, Manuel dos Prazeres e Silva, Antúnio Rodrigues Cândido, Jerónimo de S. Carlos, Manuel Salgado, Antero José Branco e Silva, José Joaquim Peixoto da Costa. Estes nomes vêem-se nos registos dos confrades da Irmandade de S. Nicolau, relativos ao século XIX.
145
•
o CHAFARIZ DA TRADIÇÃO NICOLlNA - Que se erguia no Rueio do Toural (Sée. NELE MERGULHAVAM OS INTRUSOS (!J À MANEIRA COMO USAVAM OS ESTUDANTES DE COIMBRA (!J CASTIGANDO OS FUTRICAS METEDIÇOS. BSTA
ACTUALMENTE
NO
JARDIM
DO
CARMO.
XVI-XIX)
CORTEJOS NICOLINOS DE HÁ MAIS DE 100 ANOS - PARADAS DE GOSTO CLÁSSICO
C
ONSTITUIAM verdadeiras paradas escolásticas os cortejos Nicolino$ de antigamente. fazendo então parte do ensino a literatura grega e latina, nela se inspiravam, para dar ao figurado e carros alegóricos dos referidos cortejos um acentuado cunho didáctico. A civilização helénica contribuia para o aparato destes préstitos civicos com um apreciável contingente de elementos representativos do mundo Mitológico. Colaborando com estas lições vivas de grande teatro, aqui e ali se viam legendas camoneanas de sentido épico, tudo realçado por um guarda-roupa de bom efeito cénico, algumas vezes confeccionado por costureiros do teatro portuense. Para que o objectivo escolástico ressaltasse mais ainda, desenrolava-se numa teoria espectacular a simbologia dos estudos académicos, realçados com os atributos correspondentes. Em 1852 fizeram parte da função dois cortejos cujos argumentos, como se vê dum jornal da época, assim foram esplanados: DIA 5 I - -Irá na frente a figura da fama montada num bem ajaesado cavalo, vestida de cor celeste, com uma trombeta na mão direita, em acção a querer tocar. II - -Atrás desta figura. dois cavaleiros ricamente ajaesados. No cavaleiro da D. irá montado Hércules, vestido de cor carne, coberto com a pele de Nemeu, levando às costas vários despojos do seu valor. . . . . No cavaleiro da E. irá Heitor, vestido em grande uniforme de príncipe troiano,
147
levando na mão E. uma lança ... e 'às costas vários despojos das batalhas alcançadas contra os gregos, e vestido de Patroclo. amigo de Achiles. III - - Duas figuras montadas em bons cavalos, vestidas de azul e branco, levando nas mãos duas bandeiras escolásticas, com as seguintes legendas; . •
- O gente forte d' altos pensamentos, Que também dele Mo medo os elementos /,
-Cesse tudo quanto a antiga musa canta, Que outro valor mais alto se levanta /,
IV -
-O tambor-mor ricamente vestido e acompanhado de oito tambores e dois zabumbas, vestidos de calças brancas, nizas, bonés da mesma cor e faixas encarnadas.
V-
<O Corpo dos Estudantes, vestidos ad libitum, mas limpos e asseados, com tambores pequenos, ou quaisquer outros apropriados ao Bando. •
VI -
<A Comissão Directora vestida de Archontes gregos e com varas das diferentes cores das Ciências.
VII -
-O pregoeiro, a cavalo, ..estido de Mercúrio.
VlJl _ <Um carro majestoso em que irá Minerva ... e recitará alguma poesia. <Este carro será tirado pelas ciências, que são a filosofia, a Jurisprudência, a Matemática, a Medicina e a Teologia: e pelas Belas-Artes, que são a Gramática, a Retórica, a Lógica, a História, a Geometria, a Aritmética . . . . . . .' e a Poesia, vestidos de branco.
DIA 6 - Além das exibições que os Estudantes particularmente arranjarem, haverá; I - <Um carro aparatoso em que irá Apolo e as nove Musas. Apolo recitará alguma poesia alusiva à função, e as Musas cantarão um hino em louvor do deus. <Depois, descendo do carro, executarão um baile.
148
.0 carro será tirado por quatro máscaras, imitando Homero, Vergilio, Tasso e Camões. 11 - .Oito gondoleiros de Veneza conduzirão em uma gôndola uma Dama e Cavaleiro, que vêm de visita. Enquanto a gôndola navega, os gondoleiros falarão a fraseologia própria e, a intervalos, cantarão uma canção adequada à sua profissão. • Desembarcada a Dama e o Cavaleiro para fazerem as suas visitas, os gondoleiros executarão um baile. III - •Determinou-se haver mais duas danças: uma composta de 12 Sátiros, completamente vestidos, e outra de Argelinos. IV - .Tanto o carro como a gôndola e as danças, serao acompanhados de bandas de música.> (O Braz Tizana, 3-1-1953.)
Não há que acrescentar nada a este descritivo dos dois cortejos Nicolinos, realizados há mais de 100 anos. Impunham-se pelo aparato, pelo figurado, pelas danças. Razão havia para que as festas Nicolinas tivessem concorrência de forasteiros. Em 1856, dizia um jornal com publicidade na cidade do Porto, recordando as Nicolinas de épocas passadas:
• Outrora, na véspera daqueles dias 5 e 6, se achava esta cidade apinhada não só de povo do concel/ro, como dos circunvisinhos; e razão tinham, porque os filhos de Minerva, de talento menos acanhado, faziam abrilhantar essa função• •Exibições, atacando os vícios e as acções anti-sociais, eram postas em prática com maestría; e, correndo as ruas da cidade, entretinham o povo até alta noite, que os seguía, retirando-se depoís satísfeito a suas casas. •
•
•
•
•
•
•
•
• • • • • (O Periódica das Pobres, N.' 287)
• >
* Desenrola-se em 1857 outro vistoso cortejo de significado histórico, assim descrito em um jornal da terra:
·0 Corpo escolástico representava a entrada de Vasco da Gama, em Lisboa, na sua volta da descoberta da india. O préstito do nosso heroi era
149 •
composto dos seus homens d' armas, todos vestidos no trajo da época, 1500, e de quatro melindanos, representando estes o bom acolhimento que Vasco da Gama teve, em Melinde, e a amizade começada entre o Rei daquele pais, e o Rei de Portugal. • • • • • • •• • • • • • • • (Tesoura de Guimarães,
o mesmo
0.°
120)
cortejo noticiado por um periódico portuense:
No dia do Santo, saiu da casa da Renda, em S. t. Estevão, (1) e percorreu as ruas da cidade, Vasco da Gama na volta da India, acompa.nhado de vários fidalgos portugueses, de indios e pretos, levando na frente a figura de Portugal, indo todos a cavalo, acompanhados de música, e distribuiam maçãs às damas que se achavam nas janelas, como fruto que trouxeram da In dia .•. > <o ••
(O Braz Tizana,
n.·
281.)
Casa da Renda. Nome que proveio a uma quinta de S.to Estevão, por ser aí que se entregava a crenda. aos Estudantes l em dia de S. Nicolau. (I)
150
REPRESSÃO AOS INTRUSOS QUE METESSEM -BICO- NAS NICOLINAS
N
A cidade universitária de Coimbra foram peculiares os choques entre os académicos e a gente do povo conimbricense. Por chasco, usam os Estudantes chamar aos do povo - <futricas •. A imitação do que. se passava outrora, em Coimbra, também em Guimarães, sempre que os estranhos se intrometiam nas diversões Nicolinas, as ocorrências tomavam feição tumultuosa. Porquanto, acentuavam os Nicolinos:
Entre nós e os futricas, há diferença: Uma distância pasmosa! Imensa! •
Por vezes intervinha a força armada, para obstar que pequenos conflitos se transformassem em tumultos sanguinolentos. Em 1842 dá-se um incidente, cuja noticia fecha por este modo:
Mas quando a força (soldados do 14 de Infantaria) levava presos os Estudantes, ao passar no Largo de s/a Clara, Opovo, em grande massa, começou a soltar morras à tropa deixando esta os Estudantes em liberdade.' < •••
(Mss. Bib. S. M. Sarmento)
Em 1856, um jornal do Porto (Java a seguinte noticia em correspondência de Guimarães:
Fez-se este ano a função de S. Nicolau, sem maior novidade, bem que ia pegando desordem por causa de umas pancadas que Estudantes deram num fulano Matos. .. O Administrador do Concelho ... pós logo patrulhas fora, que andavam escoltando cada turno de Danças. E o sossego não pengou • .. ' <
(O Periódico dos Pobres, n. a 292.)
•
151
-
•
Muitos outros incidentes se verificaram na longa jornada dos tempos. Como prova disso, está a sistemática alusão feita nos Bandos Escolásticos, avisando os intrusos dos riscos que corriam em intrometer-se nas festas Nicolinas. A classe mais atingida de motejos e ameaças, era a dos caixeiros. Etn 1870 os caixeiros sairam à rua com um Pregão, feito nos moldes daqueles que os escolares apresentavam na sua festa ('). Anteriormente, porém, já eram visados por este modo no Pregão de 1817:
•
<O sórdido taful, audaz caixeiro, Que na função se meter prazenteiro, Há-de limpar-nos com a lingua as botas E levar as costas meias rotas.>
•
•
Estes remoques, continuando invariàvelmente pelos tempos fora, haviam de levar os caixeiros a um desforço: não contribuir para a subscrição pública que recolhia donativos destinados à festa escolar. A esta atitude de hostilidade responderam os Estudantes, chistosamente, como se vê do Bando de 1902:
Negas a Nicolau dinheiro para a festa? Acaba o teu rancor; perdoa aquela troça; Não te zangues connosco,. a culpa não é nossa. É Nicolau quem manda o Bando, lá do céu. Quem manda é Nicolau I Foi ele quem escreveu. Por isso, dá cá a mão, abraça os Estudantes, E fiquemos, este ano, amigos ... como dantes! < •••
Mera convenção, de efeito Iirico, pois de novo foram alvo de chalaças os caixeiros, tanto pode a força de um hábito.
* Outras classes andavam citadas, por cometimentos da sua intromissão disfarçada nas festas Nicolinas de antigamente.
(1) Este Pregão, sob o titulo Bando Comercial, faz parte da calecção que se guarda na Bib. da S. M. Sarmento. Estas paródias caixeirais exibiam-se de preferên~ia pelo Carnaval.
152
Clamava o Pregào de 1843:
•Casqui/1lOs, alto lá, vào eSClltando; Respeite-se aman!lã, o nosso mando: •
•
•
•
•
•
•
•
•
•
Qualquer outro que seja delinquente, Mergul!lado 110 tanque t, de repente 1.
o
.casquilho., como é sabido, era o janota aperautado, que vestia pelos figurinos estrangeiros. Também os homens dos oficios, nomeadamente o sapateiro, mereceu destaque exprobatório no Pregão de 1854:
•
.Sectário do cerol (') que eutre na festa, Ai dele 1 Não !lá quem à pena o arranque, Int'rino bacal!lau, ir para o tanque! Um dos atributos de disfarce que encorajava os intrusos das Nicolinas, era - como já foi dito e redito - a máscara. O peralvilho, enamorado, querendo comunicar-se com a dama dos seus pensamentos, por vezes utilizava a máscara, indo oferecer a maçãzinha à maneira dos escolares, aproveitando o feliz ensejo de lhe dirigir amavios querençosos. Contra este ollsio erguiam-se, em tom de protesto e ajuste de contas, os Estudantes. Exemplo é este, que se lê no Bando de 1859:
Ai, dele! .. . se tiver o atrevimento Em dar execussão ao louco intento • De, em traje demudado e de careta, As damas propalar rançosa treta! Ciumeira foi esta que se manifestou nas festas Nicolinas de antigamente. O namoro, instituição nacional, aguardava a celebração desta festa escolástica para, à sombra da mesma, praticar seus derriços. Dai, surgirem intrusos, metediços, contra os quais embatiam, sem se darem tréguas. todos quantos fruiam a ventura de gozar os privilégios
(1)
Cerol - A cera que o sapateiro dá à linha, destinada a coser as solas.
153
•
concedidos pelo .foro escolástico>, sendo o maior de todos aquele preceito convencional de, por galanteria, prestar culto às damas. Poético culto de que só os encardidos de neurastenia desdenhavam. Diga-se, porém, em abono da verdade: Nem sempre era o intruso, o .futrica>, quem provocava desordens. Algumas vezes feriam-se rivalidades entre os alunos das escolas de latim, como se vê desta noticia inserta no jornal da terra O Vimaranense, relativa a 1868:
• Oxalli que a deusa concórdia visite os irritados discípulos do sr. Vemlncio. > A aula deste mestre era uma das maiS frequentadas. Nesse ano de 1868, dizia o Pregão, visando certo grupo escolar dissidente:
Vós vereis, homens magros e pançudos, Fazendo mil gaifonas, como Entrudos. Esta alusão a personagens .Entrudos>, tinha aqui intenção pejorativa. Fosse como fosse, caso é que a sociedade vimaranense, embora embiocada, fradesca, beata, tinha com o advento das Nicolinas o seu arraial de expansão.
•
154
o RENA.SCI1I1ENTO DAS < NICOLlNAS > EM 1895 - NOTÁVEL CORTEJO DAS < 1I1AÇAzINHAS >
•
N
A longa jornada dos anos, vários colapsos sofreram as Nico/inas. Em 1887, um bi-semanário da terra dando conta desta morte aparente, escreveu:
<S. Nicolau ainda existe no seu altar; mas aqueles festejos ruidosos que remoçavam os velhos e enlouqueciam os novos, desapareceram, foram-sei> ( Comércio de Guimarães, Dezembro.)
Nesta singela notícia está o melhor elogio da função escolástica. Sete anos decorridos, fez-se o renascimento do S. Nicolau dos Estudantes. E para não se dizer que só as folias profanas animavam os obreiros deste renascimento, começaram por eleger a Mesa da Irmandade de S. Nicolau, erecta na igreja da Oliveira. Era constituida pelos seguintes confrades, todos representantes da velha geração: p,e António Augusto Monteiro, P. e António Mendes Leite, p,e Domingos Ribeiro Dias, p,e António Barbosa Pinto Veiga, José Mendes Salgado, António Joaquim d'Almeida Gouveia, Francisco José Barbosa. <
Simultâneamente foi nomeada a Comissão dos < velhos> e < novos> Estudantes, que tomaria sobre si o encargo de realizar as Nico/inas: Alberto Cardoso Martins de Menezes (Margaride), Fernando Afonso de Bourbon (Lindoso), Jerónimo Ribeiro da Costa Sampaio, Gaspar de Sousa Mascarenhas, José Luis de Pina. Vogais: < Adelino Leite de Faria, Aurélio Correia Machado, António Leite de Castro, Augusto Alves Pereira, Domingos Ribeiro, Francisco Martins
155
Ferreira, Francisco Neves Pereira, José de Almeida Júnior, José Sarmento, Luis Ribeiro Martins da Costa (Aldão), Manuel Bernardino Gonçalves da Cunha, Rodrigo António de Sousa Barbosa, Serafim Fernandes de Lima.> Votados à tarefa das Nicolinas, logo se traçaram as linhas mestras do seu programa: Novembro - 29 : > 30: Dezembro 4: > 5:
•
>
Entrada do Pinheiro. Novenas de Azurei. Magusto e Posses. Pregão Escolástico. 6 : Danças e Exibições.
* Nesse ano de 1895 decorreram os vários números das Nicolinas por este modo: .Não há dúvida / Temos de dar os mais sinceros e cordeais parabens à mocidade académica de Guimarães, pelo modo brilhantissimo como realizou. fazendo-os renascer, os tradicionais festejos do S. Nicolau. Parecia que nos briosos rapazes ressurgiram e se encarnaram as passadas gerações escolares, e que estavamos ainda nos bons tempos da idade de oiro daquelas festas.>
E o cronista fecha por esta maneira a sua noticia, quanto ao Cortejo das Maçãs: • A mais de um velho ouvimos dizer que nunca se havia feito uma cavalgata assim, tão numerosa, tão viva, tão alegre, tão elegante e ricamente vestida /> (Religião e Pdtria,
11.'
11-12-1895.)
* Outro periódico da terra, afinando pelo mesmo diapasão, diz-nos: .Iá há muitos anos que Guimarães não presenceava essa ruidosa festa dos Estudantes, que em tempos idos entusiasmava, e como que alucinava os corações. ainda os mais frios, das Damas vimaranenses, deslumbrando a cidade inteira. A efervescéncia e o delirio que, outrora, a festa académica do S. Nicolau aqui causava, estão ainda indelevelmente gravados com caracteres bem vivos na memória de todos nós . . • . • • •>
156
Aludindo o cronista ao Bando Escolástico, informa, quanto ao fôlego e modo como o recitou o antigo escolar. Jerónimo Ribeiro da Costa Sampaio:
<O Snr. Sampaio, apezar de ter recitado o Pregão mais de quarenta vezes, desempenhou magistralmente o seu papel até final, sempre com o mesmo calor e entusiasmo, sempre com muit,r graça e com toda a correcção. >
• Finalmente, descreve o Cortejo das Maçãs:
<No dia imediato, pela uma IlOra da tarde, principiou a distribuição das maçãs às Damas, que nas suas varandas as disputavam à porfia, e cujas <toileltes> vistosas imprimiam um <cachet> alegre e encantador a esta festa juvenil. Antes da distribuição das maçãs, o Bando Académico, vindo de S.'o Estêvão, andou em cortejo pelo centro da cidade, ostentando as sua< luxuosas vestes. O seu aspecto era realmente deslumbrante! cEra formado por quarenta ca'valeiros e cinco carros.'"
(Vimaranense, 10-12-1895.)
• As Danças que neste ano do renascimento das Nicolinas se realizaram, tiveram como seus intérpretes os seguintes escolares, <velhos> e <novos> : <Francisco Pinto de Queiroz, Duarte Roriz, António Guimarães, Francisco Neves Pereira, José Neves Pereira, Luis Augusto de Freitas, Abel Rebelo, Francisco Martins Ferreira. > (') As Danças, além de se exibirem nos largos da cidade, Teatro O. Afonso Henriques, e na Assembleia Vimaranense, foram recebidas nas seguintes casas particulares: Conde de Margaride, Barão de Pombeiro, Or. Francisco Martins Sarmento, Or. António Coelho da Mata Prego, Or. Alfredo de Matos Chaves, Albano Belino. Fecho o relato das Nicolinas de 1895 com este depoimento, que tem a autoridade de um veterano:
<Porque não havemos de dizer, nos nossos anos já maduros e com A todos estes nomes - com excepção do ultimo - se pode apor uma cruz, sinal do trespasse. (1)
157
obrigação de sérios, que sentimos ainda, perante aquele folião aparato, uns estremecimentos fortes de sal1dade, e uns como que veementes impulsos dos anos verdes, fazendo renascer em nós a alegre, descuidosa e viva mocidade? (ReligiDo e Palria - 1895.)
• o
grande animador deste renascimento, foi Jerónimo Ribeiro da Costa Sampaio. O Pregão que ele recitara com notável êxito, representou outro renascimento: o do poeta vizelense, Dr. Bráulio Lauro Pereira Caldas. Rememorando Jerónimo Sampaio este belo empreendimento da sua mocidade, sempre que a propósito viesse, nos recitava passagens emotivas, como esta. do Bando Escolástico de 1895: •
O grande Nicolau, da Lycia filho amante,
Das Virgens protector, amigo do Estudante! - Tu és maior no Céu, que o grande Taumaturgo. Na terra, muito mais, aqui em no'so burgo. Por isso, ó muito amado, em nós ten3 um sacrário: Havemos de fazer-te, em breve, um Centwário • .•
FOLGADO FIM DE ACTO DAS DANÇAS DE 19:;-1
158
•
DANÇAS - ESPECrÁCULOS - EXIBIÇÕES PÚBLICAS •
S
em que houvessem danças ti picas, de invenção estudantil, ainda assim andam citadas duas danças do gosto escolástico, que se denominam; - .Dança Preta. e .Dança Militar •. Deste último número coreográfico, dizia encomiàsticamente o Pregão de 1844:
' ... Dança Militar, que o amor desperta, A todos deixará de boca aberta I A dança .dos pretos., igualmente anda lembrada nos livros da Irmandade de S:Nicalall das Estudantes. O uso desta dança, à maneira de .batalha., demandava dos tempos em que a Nação, depois da era dos Descobrimentos e Conquistas, foi enxameada de gente negra, pelo que espalharam por toda a parte as suas danças típicas. As danças Nicolinas começavam por se apresentar em cena pública. Depois, percorriam algumas casas dos maiorais da terra. finalmente, vinham exibir-se no palco do Teatro, constituindo parte de um espectãculo, com entrada gratuita. Três noticias, insertas no periódico portuense - O Braz Tizana: 1855 - ' ... À noite, cstarrdo o Teatro todo iluminado. os camarotes e plateia cheios, ai se dirigiram todos os Estudantes com a3 suas exibições e danças. Corrido o pano, ap"receu Minerva em um trono, e todos os Estudantes. mascarados, principiaram a cantar o hino escol:istico. Seguiram-se as danças, e depois vár;as contradanças, bem como lindos e preciosos quadros vivos, que os Estudantes perfeitamente dcsempcuharam. > 1857 _ •... Houveram mais três danças, o que tudo se reuniu à noite no Teatro, onde apareceram Vasco da Gama, de joelhos, aos pés da deusa Minerva ... , seguindo-se o hino escolástico, cantado pelos Estudantes ... '
159
Fecha a noticia com o titulo das peças representadas, e das poesias recitadas, - recilativos muito na voga, em que se evidenciavam poetas e poetastros.
• Assinalando-se em 1901 a decadência das festas Nicotinas, sairam a público os antigos estudantes com umas Danças, que ficaram memoráveis, sob o titulo - OS VELHOS. Foi como que, enf gracejo, uma admoestação paternal aos -novos •. Razão porque das cinco partes em que se dividiam as Danças de 1901 a primeira clamava, com música de metais e vozes: Nós somos dez, Apenas dez, Os mandamentos da antiga Lei. E vimos em bicos de pés, Ver o que fazem, os novos e a grei.
Depois, olhando-se os pares, clamavam, vibrantes e iracundos: Estes pichotes do diabo, Andam-se a rir cá dos velhotes! Estes pichotes, são o diabo! São o diabo!
O guarda-roupa deste grupo dançante (') era luxuoso. Foi como que uma exposição de alfaias ricas, saidas dos arcazes das casas nobres .
• Mereceram destaque outras Danças, nomeadamente aquelas que apresentava o infatigável entusiasta das Nicotinas, P! Gaspar da Costa Roriz. Ainda há pouco tempo um Limiano muito culto, honra das Letras e da Magistratura, - o Dr. Anlónio Ferreira, Conselheiro do Supremo Tribunal Militar-, desfiando recordações dos seus tempos académicos passados no Liceu de Guimarães, me dizia, saudoso, ter sido personagem de uma (1) Dos seus figurantes, regisio os nomes: Álvaro Casimira, Carlos Abreu, Francisco Queiroz, Gaspar .~ascarel1has. Oomingos Agra, António Pâdua, José Roriz, Januârio de Sousa, José Lopes (o Lopisio), Rocha Lima. Destes vimaranenscs, só sobrevive o ultimo.
,
160
Dança Chinesa da autoria do .Padre Comissário., em casa de quem foi comensal com Manuel Gonçalves Cerejeira, - aquele que por suas qualidades morais e talento havia de atingir a proeminência eclesiástica de Cardeal Patriarca. Chegou um dia que, fatigado o Padre Gaspar Roriz, entendeu dever repousar da tarefa. Nem por confessar a minha insuficiência poética, falha de engenho coreográfico e mais partes, escapei de ser o autor das Danças, nas festas Nicolinas de 1906. Inspirado numa Lei da época, relativa à cobrança das chamadas .pequenas dividas., dai proviera a exibição dançante, - OS .PEQUENOS. NO DECRETO DAS ,PEQUENAS •..• DIVIDAS. Um dos números musicados, arrematava assim:
Seja um Rei, Ou mesmo um Papa, A História é Lei, Ninguém Ih' escapa; Só o estudante A Lei adora, Pois está livre Duma penhora! E tão à letra os académicos se desempenharam desta Dança, que no seu autor fizeram a prova real do cantado estribilho:
Só o estudante a Lei adora, Pois está livre duma penhora! As Danças Nicolinas de 1906 foram não só exibidas em público, como em casas particulares. Nos palácios do Conde de Margaride e Vila Pouca, - onde houve profusão de vinhos e doces - a presença dos académicos levou aos respectivos salões, como era de uso, muitas famílias.
161
•
•
PERSONAGENS NO CORTEJO DAS MAÇÃS DE 1919 De pé: Sentados:
(I)
Alberto Sarmento e Castro José Carmona Gonçalves José Sarmento e Castro Fernando Lage jordão
(7.0 ano) (1) (5. 0 » ) (3. 0 . ) (3. 0 . . ) .
Médico - radiologista, na cidade do Porto, a quem devo a gentileza da
fotografia.
162
GERAÇÚES NICOLINAS -PAIS E FILHOS ABRAÇADOS NA FUNÇÃO
PUDE consultar um apodrecido Códice da Irmandade de S. Nicolau onde se registam actas que alcançam desde os principios do século XVIII aos fins do século XIX. Os dizeres das actas são estranhos à função escolástica; referem-se à vida religiosa e pia da Irmandade. Como, porém, as actas estão assinadas pelos • irmãos> - que, pelo "isto, assistiam às reuniões da • Mesa> - por essas assinaturas se fica sabendo quem, nessas épocas passadas, tomaria parte nos folguedos
Nicolinos.
Nem todos, e evidente, se sentiriam dispostos a enfileirar ao lado dos fulgasões. Por temperamento, por caducidade, por respeitos sociais, alguns se retrairiam, contentando-se em ver e aplaudir os outros. Mas, o que é certo, sem sombra de dúvida, e que nem sempre a idade, a posição social, os melindres da critica, impediam os • veteranos> de vestirem o dominó, porem a mascarilha, e saltarem para o meio da gente moça; Destes folgasões falou o Pregão de 1866:
Garridos anciões que, em tal festejo, Não querem de brincar perder o ensejo. É que o sortilégio das Nicolinas - destacadamente nos escolares vimaranenses - não se extinguia. Como herança se transmitia às gerações. Esta psicose dos naturais anda comprovada em muitas familias, sendo edificante dar aqui, deste facto, alguns exemplos.
* Seja o primeiro exemplo, aquele que nos oferece a familia do Snr. Presidente da Câmara, Dr. José Maria de Castro Ferreira.
163 •
Socorrendo-me do citado Códice irmandadeiro, dele resplgo nomes da sua ascendência e afins: 1788 1790 1837 _ 1862 -
Joaquim José Ferreira da Paz, Vicente José da Paz, Domingos Mendes da Paz, José Ferreira Mendes da Paz.
Seguindo na esteira da sucessão, topamos em nossa época a projecção da continuidade Nicotina desta familia, representada deste modo: Francisco Martins Ferreira (Ten. Coronel), José Maria de Castro Ferreira (Médico), José Manuel da Veiga Castro Ferreira (Estudante). Nada se pode aqui dizer, quanto à maneira como se comportaram nas remotas festas Nicotinas, os < Ferreiras da Paz., de onde promanou a geração actua1. Ainda assim, do 4.<> • Ferrcira da Paz. se sabe esta efeméride: Foi ele qne pagou do seu bolso particular a despesa feita com as Danças da função escolástica de 1895. (I) Este gcsto foi testemunho da sua alegria por ver ressurgir em 1895 uma função obliterada pelos • novos. - rcssurgimento em que entrava a mocidade de seu filho, o Estudante Francisco Martins Ferreira. Envolto nestas relembranças, quando o giro do tempo havia chegado ao ano de 1951, era de ver-se este belo quadro: - pai e filho, envoltos nas alegrias dum festim memorável, zabumbando, tocando bomba, ao termo dum repasto, que reuniu perto de trezentos convivas.
É de salientar aqui este facto de ordem histórica:
o
avô paterno do D.' José Maria dc Castro ferreira, nem por ser profissional ouriveseiro estava inibido de entrar na função NicolinG. A arte
(1) Ainda conheci este venerando ancião de forte arcaboiço, com loja de ourives na Rua da Tulha, estabelecimento que passou para a Rua da Rainha, popularmente designada c Rua dos Orires ~.
164
de ourives, era então reputada de • nobresa,. (') A circunstância de estes mestres laborarem cruzes, cálix, e outras peças destinadas aos serviços divinos, dava-lhes qualidade, distinção. Quando, pois, um escolar do século XVIJI enveredasse para a profissão de ourives, não perdia por esse facto o seu doro escolástico,. Ferreira da Paz, confrade Nicolino em 1852, como se vê do Códice irmandadeiro, estava no pleno goso da sua prerrogativa escolástica. Seu filho e seu neto, bem podem dizer, ufanamente, que entraram na função de S. Nicolau dos Estudantes, seguindo na esteira dos scus mais remotos progenitores. Lindo atributo de familia, que não quebrou a sua linha hereditária.
(1) V. ,-Os Mesteres de Guimarães», Vol. 1.°, pág. 93.
165
•
•
Este estimado vlmeranense. passando pelos estudos licellls, alcançou direito
ao 'foro
escol6stico~.
Sempre
qUI!
os
• Velhos. aparecem! ribalta Nh:oJlnil. ele surge, radIante de Juventude. em· bora llVÓ de netos. O Cuslmiro ê, como se utá vendo pela amostra, boa culmin. Ou nao seja, merclldor de panos.
(Nas Danças dL 1939)
JERÓNIMO SAMPAIO - SUA ASCENDtNCIA E DESCENDtNCIA "NICOLINA"
N
o calendário Nicoli/lo a data de 1895 é memorável. Nesse ano - como já foi dito - renasceram das próprias cinzas as tradições da velha função escolástica. Este <milagre. de renascimento teve como seu obreiro máximoJerónimo Ribeiro da Costa Sampaio.
JERONIMO SAMPAIO, NA FRATERNA COMPANHIA DE SEU FILHO E SEU NETO, NO CORTEJO DAS MAÇÃS DE 1945. EMERGEM, TRIUNFANTES, DO BOMBa "NICOLlNO"
167
•
•
•
Rebuscando a progénie dos seus ·maiores. no livro encardido da Irmandade de S. Nicolau dos Estudantes, lá topamos estes nomes: 1837 _ António Ribeiro da Costa Sampaio, 1839 - João Ribeiro da Costa Sampaio, 1857 - Domingos Ribeiro da Costa Sampaio. Alimentados à mesma raiz Nico/ina, nova geração brotou: Jerónimo Ribeiro da Costa Sampaio, Jaime Ribeiro da Costa Sampaio, Jaime Manuel Ribeiro da Costa Sampaio. , Neste ciclo se' projectam como continuadores do fulcro inicial - pai, filho, neto. Na .dinastia. dos Ribeiros da Costa Sampaio avultam como recitadores do Bando Escolástico, quatro dos seus membros. (') '. Havia de ser, porém, em nossa geração, o .veterano. Jerónimo, aquele que deixaria de si maior renome como eximio recitador do Pregão. É que nele tudo se conjugava para esse êxito: figura, voz, gesto, graça !latural. Além deste destaque oratório, o que mais assinalou este vimaranense no âmbito das Nico/inas, foi o seu excepcional empenho pela conservação das tradições escolásticas da nossa terra. Havendo sido em 1895 o seu precursor, em si conservou sempre a paixão por tudo quanto servisse para o engrandecimento da função escolástica, ora sendo seu comparticipante, ora anImando e guiando os novos, para que estes não a olvidassem, acatando, quanto possível, o fõro tradicional. Até ao remate da sua existência, - que ultrapassou os dois carros - e), deu provas de um inegualável fervor pelas festas Nico/inas. O maior testemunho desse grande amor - que nele foi uma obsecante paixão -, observou-se em 1945 aquando a celebração do quinquagésimo aniversário do renascimento das Nica/inas. Basta atentar na fotogravura que acompanha este capítulo. Nela se exibe em carro triunfal, destinado ao Cortejo das Maçãs, Jerónimo Sampaio, juntamente com seu filho e seu neto.
Domingos Ribeiro da Costa Sampaio, recitou o Bando Escolástico no ano de 1862. (O Braz Tizana, n.· 285). (2) Provincianismo que, aluctindo:aos anos, encontra semelhança na medida de um carro de cereal, ou sejam, 40 razas. (1)
168 •
Este notável exemplo de apego às tradições Nicolinas, foi em nosso tempo um caso de excepção. • E que, toda a vida de jerónimo Sampaio - à parte um periodo raiado de sombras - , toda ela decorreu à maneira descuidada de um estudante em férias. Afora, porém, esse quadrante de tristura e melancolia, jàmais este filho da terra deixou de manter, em alto grau, um manancial de humorismo. de esvoaçante chiste. Espirito sempre moço, tudo nele havia de sacrificar ao gosto de viver - viver à sua maneira, folgada e risonha. Nas ceduções dum convivio académico seleccionado, ocorrido nos meios escolares de Guimarães e Braga, càbulamente comprometeu o êxito do seu curso, - ele que possuia suficientes predicados de inteligência para brilhar. Este tipismo marcante da sua vida, a - par das suas qualidades de carácter, tomavam-no popular, benquisto, apreciado. Possuidor de naturais predicados cénicos, foi jerónimo Sampaio um dos grandes animadores das representações teatrais, que constituiam outrora um dos números das festas Nicolinas. Escolhendo para si os papéis de galã, desmentiu amplamente na cena o amadorismo dos furiosos do palco. Foi, sem favor, um autêntico artista dramático - pela máscara, pela dicção, pelo talento interpretativo. Várias gerações académicas tiveram em jerónimo Sampaio, pelo seu companheirismo e ajuda, um servidor e um amigo. Ele foi, na continuidade dos seus progenitores, um notável exemplo Nicolino - tão exuberante de provas, que nele se encarnou a própria tradição escolástica. No pólen doirado da sua vivacidade, da sua alegria, do seu riso, fecundará, em perene graça juvenil, a linda festa vimaranense dos nossos escolares liceais.
169
•
UMA CARICATURA DE I~gó, ONDE SE Vt: JERÔNIMO SAMPAIO RECITANDO O .PREGÃO. Ii DAS VARANDAS LANÇAM-LHE FLORES Ii O POVO, RODEANDO O CARRO, ATENTAMENTE O OUVE, RINDO À SUA GRAÇA Ii O .PREGÃO. FOI ESCRITO PELO DR. BRÀULIO CALDAS.
(Ou. do Prol. J. Pina
170
«SILVAS RIBEIROS« - «LEITES DE CASTRO««MARTINS DA COSTA« - «ARAUJOS ABREUS - - FELGUEIRAS >
A
familia dos -Silvas Ribeiros. anda ligada às Nicofinas, desde os séculos XVllI, se não anteriormente. Rebuscando elementos comprovativos no Códice da Irmandade, dele se extraem estas achegas quanto à referida familia: 1788 - Jerónimo da Silva Ribeiro (Padre), 1799 - João Anlónio da Silva Ribeiro, 1839 - José Nepol11uceno da Silva Ribeiro (Bacharel), 1845 - Joaquim Nepomucepo da Silva Ribeiro, 1857 - JOão Fernandes da Silva Ribeiro. José Nepomuceno Ribeiro, foi o autor dos Bandos Escolásticos de 1845 e 1848. Seu irmão Joaquim, recitou-os. Uma patente prova do apêgo dos -Silvas Ribeiros- às tradições Nicofinas. está neste facto; Quando os Nicolinos da nossa geração ignoravam o paradeiro do pergaminho de 1599, relativo ao Estatuto da Irmandade de S. Nicolau, os descendentes dos velhos -Silvas Ribeiros>, com morada na casa das Lages (I) expontâneamente fizeram entrega à Sociedade Martins Sarmento do apreciado documento. É evidente que se este manuscrito do século XVIl estava na posse dos -Silvas Ribeiros., foi porque um deles desempenhou funções directivas na Irmandade. Com efeito, Jerónimo da Silva Ribeiro teve na Irmandade o cargo de 1.0 Secretário, ao qual competia a guarda do Estatuto.
(1)
.Lages~J
era a nomenclatura da rua) por ser calçada de lages.
171
•
Projeetou-se na função Nicolilla dos nossos tempos uma vergôntea desta familia: João Artur Baptista Sampaio.
* LEITES DE CASTRO - Têm nas tradições Nicolinas um antepassado que muito se evidenciou na questão judicial sustentada pelos Estudantes, em 1830, aquando a impugnação da Colegiada em manter o pagamento da <renda· dos frutos aos escolares. Foi o Dr. António Leite de Castro, Advogado na comarca, quem primeiro se colocou na defesa da causa dos escolares, por maneira entusiás~ tica. Recusando-se a aceitar o encargo que a parte contrária lhe oferecia como ctiente, aparece ao lado dos seus colegas no foro vimaranense, no recurso da Relação do Porto, interposto pelo Cabido. Na Irmandade de S. Nicolau, o nome deste confrade aparece, em 1837, na qualidade de Juiz. , Em 1895, um descendente directo dos <Leites de Castro. toma parte ao lado daqueles antigos escolares que fizeram surgir do limbo a festa
Nicolina. Assim continuou á tradição Nicolina no seio da família: António Leite de Castro. Domingos Leite de Castro, António José Leite de Castro (Major), José Manuel Leite de Castro. •
* MARTINS DA COSTA - A familia <Aldão. tem estes remotos filamentos na Irmandade de S. Nicolau: 1805 - Rodrigo Martins da Costa, 1862 - José Ribeiro Martins da Costa, 1870 - Francisco Ribeiro Martins da Costa. Das gerações pretéritas continuaram a tradição Nicolina: Luis Ribeiro Martins da Costa (Dr.), João Martins da Costa, Francisco Martins da Costa (Pro!.).
172
"-------~-_.-
* ARAÚJOS ABREUS- Tomo ao acaso mais este ramo da cepa vimaranense onde vicejam confrades da Irmandade de S. Nicolau: 1830 _ Manuel Bernardino de Araújo Abreu, 1830- Anlónio Inácio de Araújo Abreu, 1854 - Domingos Maio de Araújo Abreu, 1856 - José Maria de Araújo Abreu, 1863 _ Carlos de Castro Araújo Abreu. Este escolar recitou em 1864 o Pregão. Na sucessão Nicolina tomaram parte: Manuel Bernardino de Araújo Abreu (Dr.), José Bernardino de Araújo Abreu. Finalmente: Raul de Araújo Abreu Roque Figueiredo.
* FELGUEIRAS (') - Três figuras de Vllllaranenses que avultam nas tradições Nicolinas: Nicolau Máximo Felgueiras (Médico), Francisco Pedro Felgueiras (D.'), José Baptista Felgueiras (D.'). Como estes nomes andam ligados aos Bandos Escolásticos de 1866 e 1867, na devida altura serão focados os seus méritos. Havendo os três irmãos frequentado entre nós os estudos, desde a escola primária aos cursos de latim, não podiam deixar de ser, como foram, uns apaixonados colaboradores das Nicolinas. segundo nome desta trindade, fundou no seu solar armoriado um estabelecimento de ensino, o qual singelamente ficou na história de Guimarães com o titulo _ Colligio das Hortas.
°
(1) A genealogia dos ~ Felgueiras. tem 113 sua origem essa notavel figura de liberal, o Conselheiro João Baptista Fclguciras , que exerceu altos cargos na Magistratura c no Parlamento, entre eles o de Secretário das Cortes Constituintes de 1820.
173
•
* Na geração actua! registam-se estes dois nomes, nos quais recaiu a herança Nicolina: Antãnio Baptista felgueiras (O.'), José Maria felgueiras (P.').
174
ONDE SE FALA DOS .AMARAIS E FREITAS. - .MATOS CHAVES· - .VAZ VIEIRAS·• CASIMIRaS·
A
linha de sucessão dos. Amarais e freitas., vem do seculo XVIII ate aos nossos dias. Desdobremos, sem preocupações genealógicas, - apenas pela ordem como surgem no referido Códice irmandeiro, os membros desta familia, cujo solar armoriado se vê na antiga Rua de Trás-as-Oleiros: 1788-José Pinto de Carvalho de Sousa da Silva do Amaral e freitas. 1843 -Jose Pinto de Sousa do Amaral c freitas, 1857 -Gaspar de Freitas do Amaral Pinto, 1863 - Gaspar Pinto de Carvalho do Amaml e freitas. Este último • Amaral e freitas., confrade da Irmandade de S. Nicolau dos Estudantes, deu-nos mais três da sua geração, afecta às Nicolinas: JoãO Maria Peixoto de Carvalho do Amaral e Freitas, Duarte do Amaral Pinto de frei tas (Coronel), . António Maria do Amaral e frei tas (Advogado). O João Amaral, como singelamente era tratado, foi estudante no Colégio das Hortos, fundado e dirigido pelo Do' Pellro felgueiras. Recitou o Balldo Escolástico das Nicolillas de 1882. Se irmão, António Amaral, igualmente se desempenhava mais tarde desse papel, com assinalado êxito, não só pela dição primorosa dos versos, como pela figura e simpatia que o exornava. Estas qualidades viriam a evidenciar-se na Tribuna do fôro, como distinto advogado que foi. finalmente: das vergônteas Duarte e Antônio, provieram seus respectivos filhos.
175
•
Do primeiro grupo: Duarte do Amaral Pinto de Freitas (Eng.'O), Gaspar do Amaral Pinto de Freitas (Capitão). Do segundo grupo: Francisco Bourbon do Amaral, António Bourbon do Amaral, Gonçalo Bourbon do Amaral. Nas efemérides Nicolinas de 1857 há uma noticia relativa a um espectáculo, onde se diz: ,
- Após o hino escolástico cantado pelos estudantes, seguiram-se trés poesias recitadas pelo sr. Amaral, Ajudante de Caçadores 7, que tiveram as honras de bis. > (O Braz Tizana.
11 •• 281)
• MATOS CHAVES - No rol irmandeiro destacam-se estes dois confrades: 1862 - António Peixoto de Matos Chaves, 1863 _ Augusto de Matos Chaves (Médico). Esta herança Nicolina, projecla-se em nossos dias: José Teles de Matos Chaves (D.'), Francisco de Matos Chaves (Prof.), Fernando de Matos Chaves (D.'). Este último - Matos Chaves> transmite o facho Nicolino a seu filho: Fernando do Quadro Flores Matos Chaves (Eng.'O). Na lista das casas onde os estudantes levantavam a -posse" destacava-se, no Carmo, a casa do Médico Augusto de Matos Chaves. Assim perdurava na familia a tradição da festa escolástica.
176
* VAZ VIEIRAS - No ramo dos • Vaz Vieiras. colho estes dois antepassados. confrades que foram da Irmandade de S. NicoIau, e nela desempenharam cargos de Mesa: 1843 - António Augusto da Costa Vaz Vieira. 1854 - Domingos da Costa Vaz Vieira.
A estes Nicolinos se sucederam em nossa geração: José da Costa Santos Vaz Vieira, Eugénio da Costa Vaz Vieira. Em vergôntea nova: Domingos José dos Santos Vaz Vieira (01'.). Não se interrompeu a sucessão Nicolina, antes se projectou para além de uma centúria.
* CASIMIROS - Já se fez referência a este ramo famílial das Nicolinas. Seja, porém, COm ele que se encerre o quadro demonstrativo das fundas raízes Nicolinas na grei vimaranense: 1862 - Casimira Machado de Faria Oliveira (P.').
Que se projecta em seus filhos: Acácia Casimira de Oliveira Álvaro Casimiro de Oliveira Do antigo escolar Álvaro Casimiro, há muitas e saudosas lembranças nos vimaranenses da minha geração. Seu ridente espírito e bom-humor, faziam deste simpático conterrâneo um excelente companheiro. Destacou-se em todos os papéis dos programas Nicolinos: recitando Pregões, representando nas récitas académicas, sempre fixe nas serenatas e ceias. Um boémio! Em 1920 escreveu o Padre Gaspar Roriz o Auto da Saudade, que foi representado por quatro dos antigos estudantes: Álvaro Casimira, Carlos
177
Abreu, Jerónimo Sampaio e José Roriz. Erá com olhos húmidos de saudade que o Álvaro suspiradamente dizia:
Ai que saudade eu tenho! Ai tempos que já lá vão! Aperta-se-me a alma, estallI o coração, Ao ver morta, perdida, a alegre mocidade, Transformada a alegria em prantos de saudade! ...
* Claramente se patenteia no panorama desenrolado dos tempos idos até à nossa geração, que as Nicolinas são uma herança. Passaram e voltaram a passar suas gratas lemhranças, - dos avós aos pais, dos pais aos filhos, dos filhos aos netos. Se não fosse a seiva da herança, já há muito quê a função se teria, difinitivamente, soterrado. •
ALVARO CASIMIRa NAS • NICOLlNAS, DE 1895
178
SERENATAS QUE PASSAM NA NOITE - CEIAS OR6fACAS - COMEMORAÇÕES ANIVERSÁRIAS
--
E
STAVAM as serenatas nas tradições Nicolinas. Em 1886 foi escrita música e letra para uma serenata. João Machado (Pindela), de lira votada às diversões da antiga festa escolástica, deixou-nos uma balada que assim começava:
-
..
Somos {ilhas da fada mimosa, Deste Minha formoso, sem par, Somos jovens, sentimos no peito, Santo amár da citncia vibrar.
E um coral subia na noite, cantando: A sombra é luz, A noite é dia; • E sol das trevas Nossa alegria!
Outros grupos, aqui e ali se exibiam, com acompanhamentos de gUItarras, bandolins, violões. Na hora do ressurgir das Nicolinas, em 1895, uma serenata fizera as delicias das damas, as quais, no dizer das noticias do tempo, se manifestaram por maneira acolhedora, vindo às varandas saudar os • troveiros, Nicolinos. Destarte imitariam as serenatas -dos académicos conimbricenses, as quais balsaminavam de poesia o Choupal, S.'o António dos Olivais, Penedo da Saudade, as escadas da Sé Velha, sumindo-se ao dealbar da madrugada nas ruelas do Bairro Alto, onde os académicos tinham suas < repúblicas,. Estavam as serenatas nos costumes dos centros académicos. Mesmo fora do âmbito das Nicolinas, eram vulgares as serenatas entre nós.
179
Para o seu emotivo encanto ser mais completo, nem sequer lhes faltava o cenário vetusto do casario, de passo que as artérias percorridas por estas rondas nostálgicas, tinham, a preceito, uma iluminação de pirilampos (1 ). Deixo aqui alguns nomes de velhos estudantes, para os quais os trenos líricos de Bernardim Ribeiro e Soares de Passos não foram estranhos, espargindo-lhes na alma quimeras de felicidade. Destes me lembro, por algumas vezes haver andado na sua companhia: . - José Roriz, Francisco Queiroz, Bernardo Azenha, Fernando Lindoso, Jesualdo Andrade, Delfim Guimarães, sem olvidar José Lemos, da Vila de S." Tirso, cuja voz se sobrelevava a todas com gorgeantes harmonias, em diatanas sonoridades.
* Apagaram-se em nossos dias as toadas plangentes e amorosas das serenatas. '.. Já não há - nem a policia as consente - essas saudosas baladas às estrelas. A guitarra - que parecia andar oculta na capa do estudante boémio foi acompanhada dos violões e bandolins para junto das liras e alaúdes dos remotos trovadores medievais. Os tempos são outros. Mecânicamente, prosaicamente, é outra a nossa época I
* Com as serenatas, vinham as orgiacas ceias, sempre tão saborosas. Nestes repastos noctívagos, tomavam parte .velhos- e .novos-, em franca camaradagem, - com excepção daqueles escolares distinguidos com o diploma de ursos. Estes,. no dizer dum cronista coimbrã, • nunca se associam a comesainas, passeatas, e motins nocturnos -. A ceia, frugal e bem bebida, era nas festas Nicolinas um número extra, mas sempre certo. Há tasquinhas que mereceram ser citadas nos antigos Bandos Escolásticos: o • Amoado-, o .Roupeiro-, o • Dionísio " a .Joaninha,. Em nos-
A primeira iluminação publica da Vil~l inaugurada em 1844, foi de azeite. Vinte anos depois surgiu a iluminação a petróleo. Os poucos candeeiros dispenos Ra Vila, lucilantes, mal lhe quebravam a escuridão. (1)
180
dias passaram à celebridade as tasquinhas do • Térrinha>, .Pescocinha>, c Cabreira:' c Quita ~, c Bravo ~, c Zé-Maria •. A parte mais apreciada destes repastos não era tanto a petisqueira (1), como o convivio entre camaradas. A parte hilariante, alimentada com ditos e facécias, salpicadas de licensiosidades amorosas, era o melhor acepipe destas reuniões nocturnas. ' As seduções gostativas destes festins, - onde mais se bebe, que se come, - tinham a sua hora alta na fase das Njcolinas. No acre-e-doce das recordações académicas mais vividas, essas horas pandegadas subsistem. Por tantos modos avultam nas lembranças académicas, que não há um só cronista do meio escolar conimbricense que lhes deixe de consagrar em saudade, prosa e verso. Ao ponto de se haver escrito, em 1879: • Coimbra, é a amplificadora do célebre quadro Os Borrachos >. 50S
1
• Por vezes tange o sino grande, convocando quantos passaram pelos estudos de Guimarães e deram seu concurso às Nicolinas. A maior de todas essas reuniões em banquete fraterno, realizou-se em 1951. Eis, em súmula, o que nos diz um jornal da terra: • A festa de confraternização dos estudantes • velhos> do Liceu de Guimarães, que reuniu no amplo e confortável restaurante Jordão quase 300 antigos alunos do nosso primeiro estabelecimento de ensino, pessoas de todas as idades e de todas as posições, foi sem dúvida uma notável afirmação de solidariedade, que permitiu a todos o recordar saudosamente os já afastados e alegres tempos de sua mocidade. • Estiveram presentes professores ilustres, como o Cónego Alberto da Silva Vasconcelos, José Luis de Pina, dr. Aventino Leite de Faria, dr. Filinto Elisio Vieira da Costa, nicolinos dos das primeiras horas, como Jerónimo Sampaio, Tenente Coronel Francisco Martins Ferreira e p.e José Gonçalves. Entre a assistência que ocupava nove extensas mesas viam-se: professores universitários, magistrados, médicos, oficiais do exército, sacerdotes, industriais, comerciantes, funcionários públicos, engenheiros, publicistas, etc. • Durante o repasto predominou sempre uma comunicativa alegria,
Os petiscos favoritos, eram: arrozadas com penosas, rojões de porco, papas de sarrabulho, sardinhas assadas, bolinhos de bacalhau, caldo verde com tOTil. (1)
181
Contaram-se 'episódios curiosos, houve ditos espirituosos e todos deram largas à alegria que experimentavam. < Havia entre' a assistência muitas pessoas que, tendo feito parte dos mesmos cursos do Liceu, se não viam há muitas dezenas de anos. Ao encontrarem-se agora, graças à feliz iniciativa da reunião dos < velhos>, estreitaram-se os braços em fortes amplexos de amizade e, falando de tempos idos, com verdadeira emoção foram recordados os condiscipulos, os Mestres, todos quantos a morte já levou ... < Na altura própria fizeram-se brindes. António Faria Martins falou em nome da Comissão promotora do almoço. < Depois o Rev. Cónego Alberto da Silva Vasconcelos ergueu-se para falar. E foi demoradamente aplaudido e escutado com respeitoso silêncio. < Entretanto fez-se a leitura de telegramas recebidos de muitos antigos alunos que não puderam comparecer, entre os quais se destacava o que o Embaixador de Portugal no Brasil, dr. António Faria. endereçou ao seu amigo e condiscípulo dr. José Pinto Rodrigues. < Surgiram então alguns' < pregoeiros> dos Bandos Escolásticos, desde 1895 até 1950, que recitaram algumas passagens dos mesmos. < Por último falaram, com grande calor. os drs. Balbino de Carvalho, Gomes de Almeida, Artur Anselmo e Albano Eurico Fernandes Basto. , <
•
•
E todos se dirigiram, então, ao som ruídoso de Zés P'reiras, até junto da artéria a que foi dado o nome _ Travessa da Senhora Aninhas, Madrinha dos Estudantes, cuja placa foi descerrada, numa cerimónia singela mas bem significativa. Proferiu breves palavras António Faria Martins e agradeceu, em nome da Familia homenageada, José Felix da Silva e Sousa. A concluir a saudosa evocação da vida escolar no Liceu de Guimarães, fez-se a visita ao mesmo, cujos mestres aetuais foram saudados, agradecendo, em nome de todos e do próprio Reitor, ausente por doença, o Prof. dr. Joaquim de Oliveira Torres. < Efectuou-se ainda breve visita ao Internato Municipal, onde teve seu termo a memorável festa de confraternização, que a todos deixou as mais gratas recordações. > <
(Noticias de Guimarães, o.• 1083)
, ,"
182
BOMBOS - CAIXAS - TAMBORES ... E O MAIS QUE A SEU PROPÓSITO SE CONTA
A
música, como não podia deixar de ser, toma parte em todos os números da lunção Nicolina. Nenhuma composição, porém, sobreleva aquela onde dominam os instrumentos de percussão: bombos, caixas, tambores. Ainda a lunção vem longe, e já os académicos se metem a ensaios, nos intervalos das aulas. Há quem, de nervos doentes, dê ao diabo este despertar. Reputando-se tais instrumentos demasiado ásperos aos ouvidos, relegam-nos, e aos executantes, para lora dos centros urbanos. Na verdade, os campos e as serras, são os seus mais adequados meios - aqueles onde porventura encontram a sua caixa de ressonância apropriada. Falando do uso rural destes instrumentos de pancadaria, diz um escritor do século XIX:
-Os tocadores destes instrumentos levam em brio, qual entre eles há-de fazer ouvir mais o seu tambor ou zabumba, de maneira que causa um horrorOso estampido, que ressoa pelas montanhas visinhas.> (Ant. o J.' Leite Sampaio. Mem. da Ribeira de Vize/a).
,
Com eleito, os campos e as serras, ajustam-se melhor ao eleito retumbante, atroador, desta música tão dilecta aos escolares. Não obstante os bombos lerirem os tímpanos sensíveis, gosam os seus executantes o privilégio policial de os poderem tocar, sem restrições. E que prazer sentem os moços escolares no manejo das baquetas, procurando seus eleitos rítmicos!
183
É de ver o garbo, o aprumo, a alegria como se desempenham desta música infrene, variando de .peças>, no mais bem combinado compasso.
Não oferece novidade-o uso e abuso desta .filarmónica> pelos nossos estudantes. O centro universitário de Coimbra, logrou mesmo a importância de ver esta bizarra música tamborileira el1l destaque nos antigos livros de memórias:
.Eu, Estrondo, Algazarra, Barulheira, Com grau de bacharel na Bela Orgia, Mestre da ftlarmónica Zé - Preira, Lente efectivo da cabulogia. •
•
•
•
•
•
• • • • • • • • • (A. Duarte Ferrâo. Palito Métrico. Coimbra.)
Pode afirmar-se: Os bombos são parte componente de todas as festas escolásticas de marca tradicional. Quase todos os remates dos Bandos Escolásticos fecham por uma ordem do Pregoeiro aos moços escolares, que seguem na vanguarda dos cortejos Nicolinos, com ou sem máscara, tocando bombos, rufando caixas e tambores. Colho do Bando Escolástico de 1831 este brado estimulante:
-Mãos que só mereceis colher flores, Rufai com alegria nos tambores, P' ra que dé eco em todo o mundo, Este, o mais fausto dia, o mais jucundo I E o bando aiacre da juventude lá segue, de olhar claro, cabeça erguida, espinha direita, maçanetando, rufando com donaire e arte nos seus instrumentos de percussão, tão favoritos e calhados à sua festa. Por sua vez, os .velhos>, aqueles outros estudantes que demandaram a vida, tomando nela os rumos mais variados, esses para os quais a função deixou neles como que uma recordação latente, emotiva, ao ouvirem o atroar estridoloso dos bombos, das caixas e dos tambores, nem sempre resistem à tentação de não regressarem ao manejo das maçanetas e baquetas, quando mais não seja, para ginasticar o braço e matar saudades J Na hora afectiva, cordeal, em que os -velhos> se juntam aos -novos>, é prato obrigado voltarem-se para os bombos, tocando-os com vontade tão acesa, que as peles esticam e estoiram ao ímpeto doataque.
184
• Passam as Nicolinas, apagam-se os ecos atroadores dos infernais instrumentos, mas fica pela vida fora dos nossos estudantes uma como que memória auditiva, ressoante, a lembrar os tempos felizes em que foram tamborileiros na .filarmónica Zé - Freira,. Há um símbolo antígo criado pelos académicos da Universidade de Coimbra, em que entra _ a maca, a colher, a tesoura (I). Mais consentâneo com os temJlos modernos e as alegrias saudáveis da juventude, será a composição de U11l outro símbolo académico em que, sem prejuízo da guitarra, t011le nele parte - o bomba.
* Prendeu-se-me gratamente ao espírito este diálogo intimo: - Filho: escolhe. Bomba ou caixa? -Bomba! E o neófito, primeiranista do Liceu, assim entrou nas funções Nicolinas, com um instrumento quase do seu tamanho. Por sua vez a Mãe, colaborante, trabalhou à agulha as duas peças indu'nentais do tipo lavresco : a camisola e mais a carapuça. Esta cena doméstica, é comum nos lares vimaranenses com filhos nos estudos.
A maca para .. desmocar novatos~1 a tesoura para lhes cortar a gafurin3, e a culher, que outrora serviu para a sopa dos estudantes pobres, viria a fazer de palmatória. felizmente, para dignidade do foro académico, desapareceram das Tundas nocturnas de Coimbra, os estudantes brigões e espadachins. (1)
185
• Há em freguesias rurais quem fabrique e conserte estes instrumentos de percussão. Os estudantes tomam-nos de aluguer. Caso lhes rebentem as peles, têm de as pagar. O aluguer, regra geral, é pago adiantadamente, se não tem fiador edóneo. Na casa dos Amarais (Largo da Misericórdia), havia um destes instrumentos, propriedade privativa dos seus descendentes, com andança nos estudos. No seu bojo pintalgaram o brasão da família.
•
•
186
•
UM
N
<
HINO> QUE SE OUVE E SE RECORDA GRATAMI!.NTE
o
hinário vimaranense figura o l/ino de S. Nicolall dos Estudantes. É possivel que ele não promane das raizes remotas das Nicolinas. Só nos meados do século XIX vejo nos jornais, onde se noticia a festa, referências ao hino, cantado pelos Estudantes. Quando, pois, não se possa remontar mais longe, podemos fixar aqui a data de 1852 à partitura e à letra desse hino escolástico. Nessa data estava em Guimarães um batalhão de Caçadores 7 e respectiva banda. Seria a composição do hino obra do regente dessa banda de música? A letra é atribuida a Sousa Benevides. C.omo toda a estrofe exaltante, o verso abre por uma nota viva:
Ó nobre pátria d' Afonso, Ó berço da monarquia, EXlIlta formosa tura, lá raioll tell fausto dia I
Só a li, ó Guimarães, Foi votado este dia, Como mimoso presente De paz, ventura, alegria I Nobre filho de Minerva Quem te pode hoje igualar; És livre I Hoje, só tu, Podes, Nicolall, saudar! Mas sem vós, formosas damas, • Que valem festas, folias! Vinde. pois, com terno olhar, Verter tudo em alegria.
187
•
Folgar, rapazes I Folgar, folgar I Que só para o ano Torna a voltar I Não sei o que se pensaria desta letra, há 105 anos. Hoje que a não cantam, talvez com isso se queira significar o desagrado da letra. Em 1945, por ocasião da festa Nicolina que celebrou o 50. 0 aniversário do seu renascimento, o antigo escolar Torquato Mendes Simões_ fraterno companheiro das Musas - compôs estes versos, que a malta cantou:
Nobre falange do Estudo, O' briosa juventude, Que a Ciência em ti seja tudo, Na santa p.1Z da Virtude I Rapazes, folgar I Folgar, folgar I Que só para o ano, Tereis que voltar I
•
Uma coisa é certa, relativamente ao hino escolástico: é o encantamento que leva 11 alma dos rapazes. Que digo! Tanto esse hino se fundiu no ouvido dos nossos estudantes, que nenhum deixa de se sentir atraido aos eflúvios das suas notas musicais. Pode dizer-se, sem figura de retórica: o hino de S. Nicolau dos Estudantes, é como que a Marselhesa dos moços escolares. Dois estados d'alma produz este hino escolar de bem modelada orquestração: aos. novos> comunica· alvoradas de alegria, e aos. velhos> ministra-lhes em viático de conforto. relembranças saudosas dos tempos felizes da mocidade! Ainda mesmo que os • velhos> escolares sintam humedecerem-se-Ihe os olhos de melancolia, a verdade é que lhes é grato ouvirem esse bisarro hino escolástico da sua simpatia. A consagração deste hino, de resto. está feita. não apenas pelos estudantes, mas pelo povo. A • rua> o acompanha, - trauteando-o, assobiando-o, cantando-o. Esta é a melhor consagração que godia ter o hino do S. Nicolau dos
Estudantes.
188
A auditiva popular registou-o. Ou não fossem as Nicolinas uma festa que leva atraz de si a alma vimaranense. À frente de todos, como arautos, vão os escolares. Esta é a força singular, o poder magnético da Música. Posta a música ao serviço de uma ideia, o seu influxo sensorial sacode os nervos, _ para o bem ou para o mal. O hino, em referência, é salutar! Quando se faça em nossa terra o registo do hinário vimaranense, o hino de S. Nicolau tem ali posição destacante, mais que pela sua arte, pelo somatório de recordações que aviva. Assim o querem as pretéritas gerações dos estudantes.
'>
>
189
•
•
•
•
•
A SENHORA ANINHAS MADRINHA DOS ESTUDANTES
•
UMA FIGURA DE MULHER QUE VALE PARA OS ESTUDANTES UM POEMA
C
RIARAM os nossos estudantes um simbolo vivo a quem outorgaram o lindo titulo de - < Madrinha dos Estudantes,. O seu nome, em trato famBial, é - a • Sr.' Aninhas,. Trata-se, como é evidente, de uma boa mulher. Talvez mesmo lhe devamos chamar - uma santa mulher. Vem de longe esta consagração de sentido maternal. Gerações de estudantes passadas pelo Liceu de Guimarães se habituaram, em convívio, a tratar a • Sr.' Aninhas, pelo carinhoso cognome de • Madrinha dos Estudantes, . Para bom governo da sua vida, exercia a mercância: troca de farinhas e estanque de tabacos. Uma tendinha. Era na sua lojeca de limitado espaço e escassas transacções, que a ,Sr. a Aninhas, acolhia os estudantes, alternando-se estes por ali nos intervalos das respectivas aulas. A modesta boceta da Rua de Santa Maria, visínha do Liceu, tinha uma só porta. Porta esganada, atranquilhada com um banco, onde tomavam lugar, a-par da ,Sr.' Aninhas" os seus • meninos,. Tal era o trato, amimado, açucarado, que a • Sr.' Aninhas. dava aos estudantes, sem distinção de idade. Este convivia fraterno entre os componentes da Academia e a dona da·locanda, vinha do tempo em que seu marido desempenhava as funções de continuo no Liceu. Que digo! O • Sê-Zé André, foi no Seminârio-Liceu, criado em 1895, o único empregado ao serviço da secretaria, ao serviço dos mestres, ao .serviço da portaria. Dai os fundamentos que ligam os estudantes à • Sr.' Anínhas', E estes filamentos de amizade, provindo de longe, afirmaram"se na viuvês da < Sr.' Aninhas., até ao termo da sua velhice.
191
Esta amizade - pendor da boa criatura pelos estudantes -, transcendia o vulgar. De onde se gerou em seu coração uma confiança ilimitada pelos seus • meninos '. Vejam isto! Quando a • Sr.' Aninhas, tinha de dar as suas voltas à vida, - pois que não linha rapazinho no estanque, nem mocinha na lide doméstica - eram os estudantes quem servia os fregueses, nomeadamente na venda do tabaco. E tudo isto se praticava em confiança. Em troca desta coadjuvante ajuda ao negócio, alguns dos seus • meninos ' apelavam da • Madrinha dos Estudantes, pequenos empréstimos, - sem onsena, sem penhor, sem conta corrente, sem rol. Igual à olimpica generosidade da • Sr.' Aninhas, era a sua paciência. Naquela <tertúlia, da Rua de Santa Maria, pejada de estudantes até à porta, flamejava o pa!ratório, por vezes mesmo a zaragata. Em contra-partida, para devaneio lirico, dedilhavam-se violas e guitarras, ensaindo as < aves canoras, seus trilas trovadorescoõ. Na ronda extensa de quantos passaram pelos estudos de Guimarães e foram acarinhados pela < Sr.' Aninhas" a todos conferiu, sem discrepância, • honoris causa" carta de Doutor. Ainda meu filho andava sujeito às forcas ClIudinas dos exames, e já ela, a < Sr.' Aninhas., sempre que eu passava à sua porta, se me dirigia, sorridente, nestes termos repassados de ternura:
- E o • menino, ?.. O Sentlor Doutor? .. Não era, não, por amavi o de adulação que a < Sr.' Aninhas. assim se interessava pela felicidade dos estudantes. No seu canhenho de memórias - ai, se ela as escrevesse! - seriam inumeras as provas de afecto internecido que, de sua parte, sempre dispensou aos seus • meninos·. E estes, tantos destes, chegados ao termo da viagem escolástica, não olvidando a • Madrinha dos Estudantes., escreviam-lhe, mandavam-lhe saudades e abraços, não deixando de a visitar sempre que passavam por Guimarães. Na ordem sentimental destas relações entre a • Sr.' Aninhas, e os moços escolares, destacam-se algumas notas intimas, dignas de relevo.
* Quando a Academia celebrava solenes efemérides Nicotinas, reunindo-se em garrida festa, a • Sr.' Aninhas. era trazida ao seio dos rapazes. E no repasto, então, erguiam-se os copos em saudações e estrepitosos vivas à· < Madrinha dos Estudantes >. Nesses momentos ditosos para os moços escolares, a < Sr.' Aninhas.,
192
toda vestida no seu traje antigo, de longa sala escura, rodada, vinha até eles aquiesccnte, espargindo sorrisos. Deixando o seu estanque, lenço puchado à testa, lá vinha ela, - para fazer a vontade aos seus • meninos >. Assim, toda sécia, tomava o melhor lugar à mesa. Depois, com aprasimento da malta, não deixavam de a entronizar no grupo fotográfico. Té que um dia, - nebuloso e merencório dia I - a 'Madrinha dos Estudantes> dava a alma ao Creador. Sobre o seu caixão, como um sudário, ia uma capa negra de estudante. E a bandeira da Academia, deitava crepes. Para que ficasse às novas gerações académicas uma lembrança da santa velhinha, entendeu a Academia Vimaranense solicitar à Cámara que lhe consagrasse o seu nome em uma artéria humilde da cidade - homenagem esta que uma lápide em granito, nestes dizeres singelos a rememora:
TRAVESSA DA
SNRA ANINHAS MADRINHA DOS ESTUDANTES
193
NOTA
PRÉVIA
Esta obra sô verdadeiramernte se cpmpIeia com a publicação dos Bandos EscoldsUcos. Naquela época em que não se faziam em Guimarães trabalhos de impressão, os Bandos EscoldsUcos eram manuscritos.
Em 1905 publicou a Revista de Guimarães (VaI. XXII), em artigo assinado por Joâo de Meira, uma série desses Bandos manuscritos. Com estes elementos e aqueles que nos faculta o arquivo da Sociedade Martins Sarmento, é possível fazer·se uma interessante colectànea dos referidos Bandos. Para tornar mais acessível o texto dessas publicações Nicotinas, forna-se indispensável fazer acompanhar os Bandos de notas i1ucidativas. Igualmente convirá juntar ao nome dos seus Autores, algumas notas biográficas.
Para que a reprodução dos Bandos caiba dentro de um 2.0 VoJ., forçoso é sujeitar essas produções liricls a algumas restrições .
• • • E, vamos à tarefa, - enquanto !Já vida C saú.de!
194
•
íNDICE I PÁG.
PALAVRAS PRELIMINARES
•
5
A Escola da Colegiada no século XIII- Ensino de Gramática Latina, Cantochão e Teologia Moral - Seus mestres e alunos
9
Investimento dum mestre teólogo - Mestres relapsos ao ensino - Frustradas tentativas de remédio
15
Uma tentativa em 1512 para a fundação de um Colégio - Escolas conventuais - O factor determinante que criou os estudos universitários da Costa
19
Universidade da Costa no século XVI - O alvará régio que a criou - Visita dum célebre Prof. estrangeiro - Uma comunicaçào que fala da importância do ensino ali ministrado .
23
Azulejos historiados - Uma notícia cronológica gravada em granito - Monógrafos e historiadores que se referem à Universidade da Costa
27
Tentativa frustrada para o ressurgimento da extinta Universidade da Costa
33
Onde se continua a narrativa hist6rica do ensino em Guimarães
37
I I
o
culto de S. Nicolau pela juventude escolar - Memórias agiológicas do Santo Patrono
43
Um estatuto do século XVII da Irmandade de S. Nicolalt dos estudantes .
47
Representações e danças de carácter profano - Irmãos auxiliares nos desempenhos cénicos
53
O Teatro elemento de cultura - Como se observava no ensino o seu exercfcio.
57
A aliança dos precursores da festa escolástica com os «(meninos do coro» da Colegiada . '
61
A renda paga anualmente aos careiros da Colegiada - Careiros e escolares aliados das Nicotinas
65
Julgamento da causa no Tribunal da comarca - Careiros e estudantes partes no processo. ... • • • • • • • •
69
195
PAG.
Sentença do Tritunal contra o C6birio -
do Cabido para a Relação
.
Regosijo dos estudante5 -
Recurso
....
73
E' fundada uma Associação Escolástica - O que nos diz o seu estatuto
77
Breve anãlise ao estatuto da Associação Escolástica de 1837
.
.
83
Actuação dos Reverendos Padres nas exibições Nicolinas.
.
.
.
fSl
Estudantes tonsurados do século XVI - Boémia dos escolares do século XVII
91
O pinheiro f.lOunciador das Nicolinas - Sua entrada festivo. na cidade.
•
95
A tradição e origem das «roubalheiras» - Reforma Que se impõe
•
99
Novenas da «Conceição» na capela do subúrbio - O caldo d'unto na tasQuinha
103
As «posses» e o «magusto» números tradicionais das Nicolinas
107
•
•
Rememorando antigas «posses» de doces freiráticos - Mais a «posse» de Mes.., tre Venâncio.. . .... .
111
Verdadeira origem histórica do «Pregão Nicolino»
115
.
•
Organização do «Bando Escolástico» à maneira antiga seus principais figurantes ,
l\:\inerva e Mercúrio •
A entrega das «maçãzinhas» es Damas - Seu significado poético.
.
Pnssam ao longe cortejos das maçãs - Écos e noticias Que os relatam Dam~s
Novas oferendas no cortejo das maçãs - Madrigais às
.
•
119
•
123
.
127
.
131
O uso da máscara nas festas Nicolinas - Sua proibição em 1821 e 1822 Um «tribunal» escolástico de 1838 - Duas sentenças homologadas.
.
•
.
135 139
.l\'\ais julgamentos do «Tribunal» escolástico - Mestres e discípulos acamaradados . .. '" . .
143
Cortejos Nicolinos de há mais de 100 anos - Paradas de gosto clássico
147
Repressão aos intntsos Que metessem «bico» nas Nicotinas
.
.
•
O renascimento das Nicolinas em 1895 - Notável cortejo das «m,açãzinhos»
Danças - Espectáculos -
E~ibições
públicas.
..
•
Gerações Nicotinas - Pais e filhos abraçados na função
•
•
•
Jerónimo Sampaio - Sua ascendência e descendência «Nicolina»
151 155
•
159
•
183
.
167
Silvas Ribeiros - Leites de Castro - Martins da Costa - Araújos Abreus - Felguelras . ... . '"
171
Onde se fala dos Amarais e Freitas - Matos Chaves - Vaz Vieiras - Casimiras.
175
Serenatas que passam n.9. noite - Ceias orgíacas - Comemorações aniversárias.
179
Bambos - Caixus - Tambores •.. e o mais que a seu propósito se conta
183
Um «hino» Que se ouve e se recorda gratamente
.
..
Uma figura de mulher que vale para os estudantes um poema. NOTA PRÉVIA
.
.
.
,
.
196
.
.
,
.
•
•
187 191
•
•
•
•
•
•
194
-
GUIMARAES EM CEUTA
Na Revista «OCIDENTE», mereceu o nosso estudo anterior a seguinte apreciação: tA. L. de Canalha narra lealmente todas as circunstâncias que envolveram
o pleito. criticando com vigor quantos negaram uma verdade que durou mais de tr~s séculos e foi, ri face dos testemunhos e documentos transcritos, um aut~ntico facto histórico •. (Vol. LLIX-N.O 44)
• • • Na Revista «BROTÉRIA», o erudito
r,e
Domingos .l\'\aurício honrou o nosso
tmbalho com a apreciaç.ão Que segue:
«Na conquista e defesa de Ceuta intervieram os Terços de Guimarães e de Borcelas (entre 1415 e 1419). Neste ano, durante um ataque dos mouros, o Terço de Barcelos cedeu ao impeto do inimigo. O de Guimarães, sem abandonar a própria posição, acudiu ao reboJiço destemidamente, logrando conter o inimigo e manter a posição. Sem isso talvez o praça sucumbisse. Segundo certa tradição, D. João I, para premiar os valentes e castigar os medrosos, teria passado provisão para que os vereadores de Barcelos, nove vetes no ano, fossem, em dias de festas solenes, varrer o Açougue e a Praça Maior do burgo vimal'anense. Sendo os vereadores tirados dn nobreza, que gozava seus privilégios, é de supor que o tributo da vassoura nunca fosse desempenhado por eles. Em data e condições ignoradas, a servidão parece ter sido transferida, primeiro, para os momdores de Santa Eugénia do Rio Cavo i depois, para os moradores de Cunha e Ruilhe, intervindo nesta transferência de obrigações o conde D. Afonso, bastardo de D. João I. Em 1608, este privilégio de Guimarães foi contestado. Os tribunais ordinários e a Relação do Porto confirnHIram a legitimidade do direito vimaranense. Em 1731, os povos de Cunha e Ruilhe representaram a D. João V que os libertasse do infamante tributo. Em virtude da não existência de original ou cópia da provisão de D. Joilo I, o monarca Magnífico, em 1743 extinguiu a servidão. A realidade histórica, em que esta se dizia fundamentada, sofreu últimamente contestação. Este volume reune uma soma notável de materiais para demonstrar o seu fundamento, não por despique bairrista, em que o tema não elevaria a obra acima de um moderno Hissope, mas para honesta desafronta de quem atribuísse a servidão a inver:cionice ou lenda dos vimarnnenses. Nestes termos, é uma apreciável contribuição para o esclarecimento histórico de um episódio local, que ninguém pode levar a mal, sobretudo quando a ele se procede com o comedimento e isenção de que dá evidentes provas o Autor. - D. M.» (VoI. LXI, n. o 5 - 195.5)
OBRAS
DO
AUTOR:
«DE MEU FILHO ». • CONFISSÃO AURICULAR •. • ROTEIRO DE GUIMARÃES ». • CASTELO DE GUIMARAES •. • POETAS VIMARANENSES» . • PENHA». • ALJUBARROTA E SANTA MARIA DE CUIMARÃES». «AUTO DAS FLORES" (Teatro Infantil. Músico de A. Leça). 1- «OS MESTERES DE GUIMARÃES» (Ollrives, Cuteleiros e Ferreiros). 1I-«OS MESTERES DE GUIMARÃES» (O linho na lavoura-Labor doméstico - Mercância - Etnografia). 1II - «OS MESTERES DE GUIMARÃES» (Curtidores, Surradores e Sapateiros). IV -« OS MESTERES DE GUIMARÃES» (Oleiros, Penteeiros, Armeiros, Som-o breireiros, Correeiros, Carpinteiros. Ensambladores e Violeiros). • V -« OS MESTERES DE GUlMARAES» (Cereiros, Pintores, Entalhadores, Sineiros,
Caldeireiros, Organeiros, Relojoeiros, Serigueiros, Pnpeleiros,
Alfaiates e Barbeiros.
VI - . OS MESTERES DE GUIMARÃES. (Mercadores e Mesteirais). VII -« OS MESTERES DE GUIMARÃES» (Moleiros, Pedreiros, Pasteleiros, ferradores, Ourives na Galiza, Tintureiros e TosBdores). «GUIMARÃES DE TEMPOS IDOS ». • ANTIGAMENTE». 1- • SANTA CASA». II - «SANTA CASA •. «GUIMARÃES EM CEUTA •. «S. NICOLAU DOS ESTUDANTES. (L' e 2.' edição).
•
ACABOU DE SE IMPRIMIR AOS 21 DE SETEMBRO DE IM' NAS ESCOLAS GRÁFICAS DAS .OFICINAS DE S. JOSÉ, DE GUIMARÃES,.