O VESTIDO VERDE
Vera Cecília C. Dantas Mota
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O vestido verde Apresentação ........................... 4 O vestido verde ........................ 6 Abestada e dependente .......... 15 Você malha? ........................... 21 Três por Quatro ...................... 27 A mesa de sinuca .................... 31 Cocada com água .................... 38 O Sujeito e Eu ......................... 43 A Mancha de vinho ................. 47
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Tudo bem! Não precisa levar esse livrinho tão a sério... Isso
aqui
é
só
uma
reflexão,
um
questionamento, uma tentativa de preparar alguns homens e mulheres, quem sabe?, para o próximo milênio... É, nesse aqui ainda tá difícil!
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Apresentação Nossa história começa com Milena, a escritora e compositora. Lembra? É, aquela que, mesmo casada, se apaixonou por Vinício. Ela compra um vestido verde, lindo!, ―cheia de boas intenções‖, mas desiste de usar no evento programado. Depois de alguns dias, ela acaba vestindo a roupa num passeio que se torna inesquecível, porque, com aquele vestido verde, lindo!, ela se sente fortalecida para aprontar todas e se sentir muito feliz! Para surpresa de Milena, algumas amigas, outras mulheres, igualmente interessantes e especiais, pedem o vestido verde emprestado em situações muito curiosas. Milena é escritora, ela inventa histórias, mas, na realidade, de alguma forma ela se envolve e participa dessas emoções. Não sei se ela vai sobreviver... Imagina, uma doce guerreira ter que assistir a essa novela toda sem comemorar o final feliz... Também não sei o que ela vai aprontar, mas o vestido verde ela já usou! Hoje é o aniversário de Sabrina. Lembra? É, aquela gatinha, que tem a vida inteira pela frente. Sabrina é muito amada, muito querida: uma mocinha sortuda! Dizem que ela tem a quem puxar. Sabrina estava louca para usar o vestido verde. Kalina é um sucesso, cheinha de fãs! Ela ―pensa‖, analisa cuidadosamente, enxerga as 4
situações com realismo, busca soluções ―sensatas e politicamente corretas‖. Não dá pra acreditar. O vestido verde ficou deslumbrante nela! Débora Virgínia. Ah, essa aprendeu a amar! E aprendeu, ao vivo e em cores, na pele, testemunhando o que Aloísio fazia por amor a ela... Luciana tem uma veia artística, é metida a dançarina! E olha, é um mulherão! Susana é ousada de pai e mãe! Corajosa, valente, destemida... Ela gravou um vídeo! Mônica é persistente... tem uma paciência de Jó! Mas acaba conseguindo o que quer. Você acredita? Não pergunte como... Heloísa é um doce e teve a sorte de viver um romance, com tudo a que se tem direito, com Murilo. Ela mancha a roupa com vinho... - O vestido verde? Não é possível! - Gente, não teria problema algum! Pode aparecer um naturalista, cheio dos conhecimentos químicos, orgânicos, vegetais... Ou um bilionário, carinhoso e desocupado, que manda fazer outro vestido igualzinho, e leva pra Milena usar em Bali! Engraçado, só agora eu reparei que todas elas têm algo em comum: são loiras, ou melhor, ―estão‖ loiras! Mulheres, você sabe, né? Mudam, mudam, mudam... mas permanecem poderosas! Talvez por isso, por terem a luz do sol na cabeça, tenham ficado tão bem naquele vestido! 5
O vestido verde Milena, a escritora e compositora, mesmo casada, se apaixonou por Vinício. Ele não queria nada com ela... mas não tem gente que gosta de desafio? Deve ser inconsciente... Ela merece um prêmio. Essa vida é muito injusta... Qualquer ser humano, normal, já teria caído nos braços dela. O problema é que Vinício não é desse mundo. Nem sei se ele existe de verdade... Não perca seu tempo em perguntar ou querer entender. Nem ele mesmo descobriu em que mundo vive! Eu sei é que Milena entrou numa loja e comprou um vestido verde, lindo, lindo, lindo!!! Ele não tem nada de especial, mas ficou lindo! Sabe aquelas roupas que a gente não tem vontade de tirar do corpo? Pois é, mas esse ela ia tirar... Tava tudo planejado... (―tudo‖, não, porque ela não é ―bem‖ desse tipo que fica planejando: ela nunca tem muito tempo para esses ―requintes‖!) Ia ser de uma vez só: tudo pro chão! E agora o detalhe: não haveria nada mais a ser removido. Imaginou a beleza da cena! Pois é, mas a novela teve outro final. Choveu, não deu tempo de fazer depilação, nem as unhas do pé... Colou? Ou quer a verdade verdadeira?
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Hipótese 1 - Colou Mulher tem essas frescuras de vez em sempre... E homem que se preza entende isso no primeiro beijo. Nem sempre a gente quer que ele remova tudo. Pode prosseguir com o beijo etc., sempre, mas vai devagar para não retirar demais. É pura paranóia de não ―estar pronta‖, preparada para o fuzilamento visual. Não sei quem inventou esse negócio de depilação! Com certeza não foi mulher, e merece pena de morte... Isso não se faz. As exigências ―masculinas‖ quanto à aparência física feminina são a maior prova de que trabalhar fora, ganhar dinheiro, pagar contas... não significam quase nada em termos de liberdade de expressão. O ―modelo‖, além de ainda não ter mudado, está piorando. A mulher, além de ser (o que quiser ou o que deixarem), tem que ―parecer‖, tem que preencher um monte de itens absolutamente ―falsos‖. No dia em que a mulher puder simplesmente colocar um biquíni e sair andando pela praia ou nas beiras de piscinas, como os homens fazem com as sungas e calções de banho, aí, sim, poderemos acreditar que estamos ―sendo o que somos‖: pessoas com pelos pelo corpo afora... Acho tão interessante ouvir os homens reclamarem de fazer barba... Meu Deus, só aquele pedacinho! E pode até fazer com gilete, deixar ficar grosso... Mesmo que seja duas vezes por dia... E mais, isso não tem nada a ver com sexo: homem deixa de transar porque não fez a barba?
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Pois bem, num belo final de tarde Milena entrou no estúdio, onde trabalha Vinício, de saia... Hum, rum! Sem calcinha... Juro que não foi de propósito! Aconteceu um acidente, daqueles da pior espécie. Quem é que gosta de usar banheiro público? Todo mundo fica prendendo... Pois é, sujou, e não dava pra sair com aquela calcinha manchada. Ela não ia deixar de fazer a visita por causa disso, imagina! O jeito foi tirar! Na boa! Não, nesse dia ela realmente não queria que ele removesse tudo... É, só porque não tinha dado tempo de fazer depilação... Do contrário, ela mesma teria mostrado, é claro! Hum, rum... é uma delícia! Não sei se ela vai perdoar o fato de ele nem ter notado... é muita insensibilidade! Pegar pode, sempre! Foi por isso que ela começou a rir quando comprou o vestido verde! Daquela vez ia dar certo... Hipótese 2 – A Verdade Milena caiu no choro, no Domingo à tarde. Sabe por quê? Porque ela desistiu de usar o vestido verde! Ela detesta salão de beleza... e se recusa a ―parecer‖ o que não é. Não vale a pena o sacrifício. Um dia os homens vão entender! E talvez, nesse dia, ela já esteja ―morando no mato‖... Foi bom ter chorado todas! Exatamente naquele momento, depois de tantos e tantos elogios profissionais, conquistas, vitórias, presentes... 8
— Milena, você é uma guerreira, né? — Você acha? Às vezes eu falo demais, com muita veemência... mas juro que eu não mordo. Sabia que eu fiz um treinamento de “zenitude” permanente? Tá dando certinho! — Menina, você é uma guerreira. A gente sente a sua energia! Você reluz! Qual é a sua formação acadêmica? — Eu fiz Relações Internacionais e depois Comunicação... — Qual é o seu cargo na Editora? — No começo eu era revisora. Atualmente estou exilada na Presidência. Não tenho cargo. Nós temos um conselho editorial, e eu trabalho por projeto: vou aonde os Diretores me “convidam”, pra não dizer “convocam”, como hoje, aqui, por exemplo. — Robert, ela está sendo modesta. — Você acha que a gente faz alguma coisa sem a opinião dela? — O aumento vai ser de quanto? Tô trocando por uma vaga privativa em frente à portaria principal... O ―Robert‖ tinha saído lá da mesona dele pra almoçar com Milena, aquela sem cargo definido. Sentou-se bem na frente dela... Sabe quem é o Robert? Ele é um amor, um gênio profissionalmente. Empreendedor, futurista, humanista, sábio... Ele costuma 9
cobrar, mais ou menos, R$50.000,00 por hora de trabalho, em consultoria de gestão organizacional. Se Milena precisasse de um motivo para ser ―convencida, metida, exibida‖... aquele seria suficiente pro resto do milênio. Robert fez a sabatina completa, muito sorridente, descontraído e educado. Salada, prato principal, sobremesa, cafezinho, água... Quando chegou na ―água‖, os coleguinhas de Milena já tinham mudado o rumo da conversa e, é claro, enchido o Robert de questionamentos valiosíssimos. — Milena, me mande o CD que você gravou, por favor! — Robert, a qualidade não ficou boa... — Deixe-me ouvir. Nós vamos recomeçar em cinco minutos. Não se atrasem, por favor. Todo mundo ficou olhando pra ela. Tantos números, tantas interpretações, tantas equações a serem resolvidas, e ele interessado num CDzinho que o Padre pediu a ela que gravasse... O Robert já patrocinou eventos de vários tipos no mundo inteiro! Pois é, Milena, tão festejada profissionalmente, ainda estava lá chorando, desolada, porque tinha desistido de usar o ―vestido verde‖. ―Guerreira‖, eu? Talvez não seja como mulher. Não adianta ser nada, ou querer ser, ou parecer ser... A realidade ―é‖, ou melhor, não foi! A gente não se encontrou. 10
E as lágrimas caindo.... - Mamãe, você me levar amanhã? - Hum, rum! - Mamãe, você é linda!
pro
shopping
Rodolfinho, de apenas cinco anos, sacou que podia fazer alguma coisa... São esses pequenos carinhos que às vezes provocam as grandes mudanças. Não é bom ganhar beijinho espontâneo de filho? E as lágrimas caindo... - Milena, você está emocionada? O que houve? - Estou pensando numa história muito triste. - Vem cá, amor, vamos ver o filme. Marido que se preza também participa do sofrimento feminino, com todo o respeito e discrição. Depois do filme, não teve jeito. Foi todo mundo dormir, e aí Milena caiu mesmo no choro! Desistir do vestido verde era jogar fora meses de ilusão, de cenas e sonhos que ela já estava acreditando que seriam muito melhores que a realidade. Ela não estava mais vivendo nesse mundo. Só o corpo estava aqui. É muita pretensão achar que a gente poderia fazer melhor do que a realidade, concebida por todo o universo. Dizem que isso se chama 11
―teomania‖(pretender ser Deus ou superar Ele). É muita burrice perder o ―presente‖, deixar a realidade passar e ficar só com o pensamento, com o ideal, com o sonho. Milena não quer mais ser personagem. Eram 3h30 da manhã, e ela ainda estava chorando porque era Domingo, porque na Segunda-feira ela não iria usar o vestido verde. - É melhor reagir! Ela se levantou e foi direto aos álbuns de fotografia. - Essas aqui sou eu mesma. Essa aqui é a minha vida. Nessa altura dos acontecimentos eu quis usar o vestido verde (lindo!) e acreditar que ele seria o bastante para me transformar numa mulher que eu não sou, que eu não fui. Eu quis ainda e muito! E sempre... Mas eu não sou pensamento, nem sonho. É claro que eu vou usar o vestido verde (lindo!), só que dentro dele só vai existir a mulher que é, a de verdade, a vera. Foi bom ter chorado todas, porque, das próximas, eu vou achar tudo fácil, com vontade de rir!
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Só não existem duas hipóteses nessa vida, cheinha de voltas. O Robert ensina isso muito bem! E Deus idem! Como Vinício sabe ler pensamentos, não é preciso contar o final da história, né? - Será que ele vai acertar? - Ele diz que adivinha, no chute... - Não, ele vai dizer que não tem que acertar, nem errar, porque não existe história. - O que é, então? - Ele diz que é um “troço”. - Esse é de verdade? - Ainda e muito! E sempre. - Milena, você já notou que você ―conclui‖ do mesmo jeito? Dizendo que desistiu, que vai ficar na sua, mas que vai permanecer de olho, atenta, esperando, como se pudesse haver surpresas... ou seja, o besteirol continua. - Hum, rum. - Então, pra que essa novela toda? Esse episódio já tem umas dez páginas... - O intérprete aqui é ele, meu amigo. Se eu entendesse dessas coisas, cobraria R$ 500,00 a consulta. - (...) - Pensando bem, depois que o Robert se deu ao trabalho de almoçar na minha humilde mesa, acho que devo mudar os temas, escrever sobre “outras cositas”! Tenho certeza de que ele vai querer publicar... 13
- Milena! Você acha que Vinício iria lançamento do seu livro? - Ele não fica bem de vestido verde!
ao
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Abestada e dependente
-
Milena, me empresta o vestido verde? Claro, Susana. Vai viajar com as crianças? Hum, hum... O que houve? Vou gravar um depoimento, em vídeo... Uau! Sobre o quê? Características das mulheres contemporâneas.
―Abestadas e dependentes. Sem dúvida são estas as principais qualidades de uma mulher que queira ter um homem a seu lado neste século XXI. (Bem, se essas são as principais, imaginem aí o restante...) Não sei por quê a gente não lê opiniões desse teor nessas revistinhas femininas. Aquilo deve ser escrito pelos mesmos que inventaram e que mantêm o atual padrão de mulher depilada. Esses aí querem o nosso eterno martírio, o sofrimento mais idiota que conheci nesses trinta e poucos anos. Pra ficar tudo bem, eu deveria iniciar um grande movimento nacional: pelos femininos são imprescindíveis à saúde “da família inteirinha”, ao bem-estar “mundial”, à qualidade de vida “dos casais” e à prevenção do câncer e da AIDS. Sua preservação ajuda inclusive em outras encarnações e incorporações de várias naturezas. É tudo uma questão de energia, captação, circulação, agregação sistêmica: a essência da liberdade e da beleza na nova era, a de Aquário. Será que já entramos na de Peixes? 15
Palestras, mobilização social, artigos, reportagens, panfletagem... ocupariam tanto tempo que nos esqueceríamos do que é usar aliança na mãozinha esquerda, mas não ter um marido ao lado, sobretudo nas férias. A causa é mais do que justa e necessária. Por que nenhuma mulher faz um movimento desses? (Tem que ser eu?) Detalhe: infezlimente o movimento se restringe aos pêlos “femininos”. Os masculinos, meus amores, da região facial, acho que devem continuar sendo retirados, de preferência duas vezes ao dia... enquanto durar a penitência: alguns milênios! Só retomamos o assunto da depilação porque realmente está passando da hora de tomarmos alguma providência!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! Putaquiopariu, ninguém faz nada? Que falta de imaginação! Botem na novelinha das oito, na Globo, cenas periódicas de depilação... talvez mais alguém se sensibilize! Mostrem os problemas de alergia à gilete e à cera, o preço das aplicações a laser, as irritações decorrentes das encravações, as limitações psicológicas e sociais... É claro que as médicas podem ajudar! Já deviam estar falando nisso, em vez de abrirem clínicas de estética e receitarem pomadas!” Susana não é do PT, mas parece... Todo mundo pergunta isso... Ela é inconformada com algumas imposições às mulheres, independentemente de facção política. Não, ela não usa vestidão, chinelo de couro... Ela é uma gatinha, moderníssima, fashion, pelo menos é o que lhe dizem... Ela não é burra, nem 16
dependente... e o mais significativo: tem coragem de expor argumentos discordantes diante de grandes egos masculinos. Foi assim que ela se casou com um sujeito que dormia com a camiseta do Lula e isso foi muito antes de ele se eleger Presidente da República. Repare bem: ―se casar‖ já foi uma conquista e tanto, companheiro, porque — você sabe, né? — o pessoal do PT não é muito dessas coisas... Acontece que Susana, mesmo sem partido, é uma mulher resolvida, daquelas que passa férias sozinha, onde quer e bem entende; quer dizer, ―passava‖... Algo me diz que ela está amadurecendo alguma tese a respeito do drama. “Acho tão interessante ver o meu marido abrir mão da vida pessoal por causa de seus ideais profissionais, político-partidários! (Eu disse “interessante” para tentar me manter no papel que me cabe, porque, pra ser sincera, já estou chegando à conclusão de que devo remanejar minhas expectativas matrimonias ou complementá-las com outros tipos masculinos.) Já vi muitas inversões de valores, mas essa é demais! E quem não conseguir se manter abestada e dependente? Se prepare para o que der e vier. Essa categoria de mulheres — as resolvidas —, infelizmente, não se comunica como deveria. O assunto é “proibido”. Dá pra entender! Ninguém gosta de ficar expondo os maridos... Conheço uma meia dúzia em situação semelhante à minha. 17
Existe maneira mais eficaz de resolver problemas que não seja essa: enfrentar. Entender, examinar, ponderar e mudar a realidade, ou a maneira de enxergá-la? Quando os homens encontram esse tipo de mulher eles se sentem aliviados. Elas não dão tanto trabalho em comparação às outras, mas são justamente elas que pagam o maior preço: o de fazerem as coisas sozinhas, sem eles! Quando se trata de trabalho, atividade de concentração, que exige habilidade especial, tudo bem, dá até pra agüentar o isolamento, mas na hora do lazer... Ah, não! Pra que a mulher se casa? Pra ter companhia, aconchego, sexo... Os homens devem levar suas obrigações mais a sério. É obrigação mesmo! Marido serve é pra isso mesmo, entre outras coisas, é claro... Só pode ter alguma coisa errada. Estou eu aqui com aliança no dedo, casada, mas sem marido... Essa situação é péssima! Quando olho em volta, não encontro desculpas. Não sou viúva, nem separada, nem solteira... o que estou fazendo aqui sozinha? É óbvio que as outras mil mulheres precisam dele: a mãe, a tia, a irmã, a sócia, a secretária, a ajudante, a empregada, a madrinha, a afilhada, a prima... sempre tem “outra” pelo meio; “outra”, com certeza, abestada e dependente! - Se vira, minha filha! Se eu posso fazer, por que você não pode?
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Na verdade, todo mundo se sente aliviado quando encontra esse tipo de mulher, a resolvida! Não são apenas os homens... As pessoas pensam que mulher resolvida é “superhomem”, feiticeira: basta mexer o narizinho e cai tudo do céu... - Vai lá, amor! Eu dou a maior força. Pode ir. Eu tenho que ajudar “fulana”. Você não precisa... Eles pensam que as ins (inteligentes e independentes) podem resolver tudo sozinhas. E podem mesmo!!!!!! Mas não tem graça! E se elas se casaram é porque queriam ter alguém do lado, em cima, embaixo... é bom variar de posição! Não se trata de “necessidade”... mas de opção de vida! Isso é um direito! - Ah, elas podem abrir mão! São sempre as “boazinhas”, as compreensivas... as “babaquinhas” que, no final, saem perdendo o melhor da festa, da convivência, do relacionamento... No fundo, esse tipo de mulher, a resolvida, é mais “abestada e dependente” do que as outras, porque se sujeita a enfrentar essas situações por livre e espontânea vontade, tenta viver junto por escolha própria, não por imposição de qualquer natureza, como as outras. No fundo o abestalhamento e a dependência é até pior, porque é fruto de um saudável desejo: felicidade a dois. 19
Talvez o remédio seja um pouco mais de “egoísmo” ou de “fingimento”, pra não dizer “fraqueza e incompetência”. Eles devem se sentir uns heróis ouvindo isso! Acontece que, nessa historia, os “superhomens que mexem o narizinho” somos nós mesmas. Só eles ainda não perceberam.
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Você malha? ―Fui criada no meio de homens — na infância eram quatro —, fazendo praticamente tudo igual a eles. Não sei se é sina, mas até hoje me vejo no meio deles, fazendo o que eles fazem. - Por que não há mais mulheres aqui? Na faculdade, por exemplo, me matriculei em Prática Desportiva II, turma mista. No horário em que eu podia, só havia aquela turma: musculação e atletismo. No primeiro dia, éramos umas quatro. Na segunda semana só sobrou eu e eles, uns quinze! É claro que eu fui no embalo! No final do semestre minha marca de cooper era a masculina, igualzinha a deles: 2.800m, se não me engano. Nos pesos, o professor me regulava pelos “mais magrinhos”, mas na corrida eu fui indo. Eu ia parar antes e ficar fazendo o quê? Engraçado que tenho excelentes recordações dessa turma. Acho que nunca fui tão “paparicada” na vida. O Professor era meio “general”, metido a severo, rigoroso, e me lembro bem dele em duas situações: Numa ele estava me elogiando, dizendo que eu tinha chegado lá magrinha, sem graça, e que agora, no final do curso, eu estava muito mais bonita! Na outra, ele estava superpreocupado comigo, na chegada do Cross Cerrado.
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O Cross Cerrado era uma corrida que havia na universidade, no final do ano, e todos os alunos de Prática Desportiva tinham de participar. Nossa turma não tinha treinado para o Cross Cerrado. Fizemos um reconhecimento da pista, o professor marcou os tempos, mas ele não disse nada! Na manhã da corrida, eu pedi carona a um amigo que ia participar também. Era bem cedinho, não dava pra tomar café: peguei um iogurte de morango, engoli rapidinho, e ele já estava me esperando no portão, de moto. - De moto?! Definitivamente, não dá pra andar de moto com qualquer um! E eu sei lá se ele sabia dirigir bem aquilo? É o famoso arrependimento que não mata mas aleija! Na largada da corrida, nas primeiras curvas, notei que eu estava na frente, porque havia pouca gente ao redor, mas eu não tinha noção de nada. Lá pelas tantas, o iorgurte de morango voltou com tudo... - Eu vou dar um troço logo hoje, aqui no meio desse mato? Fui parando devagar, me encostei numa árvore e dei um tempo... Eu vi praticamente toda a multidão passar. Todo mundo perguntou se estava tudo bem, se eu queria ajuda... 22
- Tá tudo bem. Eu já estou indo. Eu não dei nem cem passos e avistei a linha de chegada. Eu não sabia que eu estava na última curva... Eu não conhecia o percurso. O professor saiu lá de trás todo esbaforido: - O que houve com você? - Passei mal com um iogurte de morango, fiquei tonta e resolvi parar. - Não dava pra vir andando? Só ali eu percebi que ele estava esperando que eu ficasse nos primeiros lugares. - Eu não sabia que eu estava na última curva. - Não pode comer nada antes das competições... Ele apostou em mim porque quis. Se tivesse ao menos me avisado, eu tinha feito uma forcinha... Só havia uma mulher na minha frente. Se eu tivesse prosseguido “de joelhos”, eu ainda teria ficado com o segundo lugar, porque eu estava muito, muito, muito, muito na frente das outras... Pois é, só saquei tudo isso depois do sucedido. Eu tinha ido à corrida porque era obrigado. Eu não tava nem aí pra colocação... Até hoje não fui ver a minha...
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No dia seguinte, os alunos comentando sobre as dificuldades do percurso, poeira, sol, buraco, ladeira... se gabando das posições... - As notas estão onde? - No mural do bebedouro. Não me perguntem por que eu fui a única que tirei SS. Tenho minhas dúvidas sobre o conceito de beleza do “general”. Não sei se fiquei realmente mais bonita no final do semestre, mas com certeza aquele condicionamento valeu a pena. Um dia, eu estava fazendo depilação, a tal tortura eterna, e a atendente ficou impressionada: - Como você é dura! O médico que me fez lipo disse a mesma coisa, depois de uns vinte anos: - Não deu para tirar tudo porque a gordura dela é muito dura. Tive que anestesiar duas vezes, e foram muitas horas de cirurgia. Um outro homem também falou sobre isso em outras circunstâncias... - Você malha? - Não. Foi ficando assim ao longo dos anos...” Gente, é brincadeira de Luciana! 24
Dos 8 aos 18 ela fez ballet clássico, moderno, contemporâneo, extraterrestre... Até os 28, atividades físicas várias. Foi o suficiente pra criar músculos. - Basta uma caminhadazinha e volta tudo pro lugar! Milena, vim buscar o vestido verde. - Tá no closet. Pode pegar. - Você não vem hoje à noite? - O que vai ser? - Dança de salão, no Frei Caneca. - Eu quero ir também. Cadê os convites? - Vou deixar ao lado da televisão. Leve sua máquina nova, pra gente tirar umas fotos. Dançar sempre foi uma rotina tão natural pra Luciana que só agora, há pouco tempo, ela se deu conta de que não tem praticamente nenhuma foto dançando. Foram montes de apresentações com as academias, às vezes em duas ou três danças diferentes. - Nunca me preocupei com isso... não tenho nenhum filme... encontrei umas fotos da primeira apresentação, na Sala Martins Pena, e duas outras, já grandinha, no Cine Brasília, se não me falha a memória. Às vezes fica difícil contar essas histórias sem ilustrações.
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Você já tirou foto tomando café da manhã? Tire ao menos uma! O cabelo ligeiramente rebelde, aquela cara ainda, assim, meio amassada... em compensação, a alma leve do despertar! Por falar em despertar, cadê o marido? - Luciana, a dançarina, não tem marido. Nem todo homem tem essa sensibilidade! Isso é que dá fazer Prática Desportiva, correr no meio do cerrado, dançar pela vida afora... entre outras coisas...
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Três por Quatro Kalina é um sucesso! Tem gente que fica horrorizada, mas ela não está nem aí! Noventa e nove por cento dos ouvintes acha que ela está brincando, quando conta suas histórias e revela suas convicções. Mas ela não está nem aí! Você pensa que ela deixa de fazer alguma coisa ou de acreditar em seus anjos da guarda? (É claro que ela tem mais de um... pra dar conta de tudo aquilo... E por que ela seria igual aos outros? Se Deus quisesse que ela fosse igual, ela não teria nascido assim, com essa cabeça cheia de idéias... Ele também tem uma quota de responsabilidade.) Kalina não é uma mulher bonita, no sentido estritamente físico. Ela é charmosa, às vezes atraente, interessante, sobretudo quando se movimenta. A beleza estática é muito relativa. Quem tira fotos conhece essa realidade. Kalina realmente não se achava horroroza, mas teve um dia... Ela tinha que fazer inscrição num curso muito importante, e a escola exigia 2 fotos 3x4. Kalina levou todos os diplomas, histórico, curiculum vitae e pulou as fotos... A secretária da escola ligou no celular: - Dona Kalina, se a senhora não trouxer essas fotos até as 18h, nós não vamos aceitar sua matrícula. 27
―Tudo bem. Naquele dia eu não estava lá essas maravilhas, mas o jeito era encara o lambe-lambe. Uma hora depois, eu já fui buscar as fotos assim, digamos, meio deprimida... era óbvio que aquilo não podia ter prestado! Mas, sinceramente, o fotógrafo não precisava ter feito aquela crueldade... Fiquei sem graça até de olhar pra ele: - Pelo amor de Deus! Eu sou isso? Não é possível? Como é que eu consegui tantos namorados? Eu me recuso a acreditar que os outros me vêem desse jeito! - (...) - Eu preciso tomar uma providência: cortar o cabelo, pintar, fazer plástica no nariz, nos olhos, na boca, no ouvido...” Kalina também já tinha feito uma lipo, ou seja, do pescoço pra baixo até que tava mais ou menos, mas o rosto... E a pele? E o cabelo? Aquilo era o atestado da decadência... Realmente, depois de tantos anos você queria o quê? Até os 30 dá pra dar uma enganada, mas perto dos 40, sem cuidados especiais... Kalina foi diretinho pro salão e mandou cortar o cabelo, sem dó, nem piedade. E o pior: naquele salão que cobra R$ 10,00 por todo o serviço: cortar e fazer uma escovinha básica. Salão, não... na verdade era uma barbearia...
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- E daí? Se eu sou feia mesmo — desse jeito aí da foto — não vai ser a conta do salão que vai me deixar mais bonita. Chega de torrar dinheiro com isso. - (...) - Tudo bem! Eu sou feia de cara, mas sou gostosa! Você viu as fotos pra Playboy?” Acredite se quiser! Numa bela manhã ensolarada, nas últimas férias, lá na praia, Kalina decidiu tirar uma fotos nua. Por que não? O marido deu um chilique, ficou bravo uma semana, praticamente sem falar com ela. Os filhos protestaram até as lágrimas: - Mamãe, você não pode fazer isso com a gente? - Por quê? Vocês querem que eu fique totalmente despencada, sem guardar nenhuma lembrancinha? - Mamãe, o que os outros vão pensar de você? - Que outros? A edição vai ser privê, só para os interessados. - E o fotógrafo? - Gente, eu vou contratar um profissional. Ele não vai ligar... - Mamãe, isso é muito vulgar, é ridículo, na sua idade! - Deixa comigo. Eu vou fazer um negócio discreto... - Mamãe, você tem fios brancos, rugas nos olhos, estrias na bunda, celulite nas coxas, 29
cicatriz nos seios... Você acha que vai ficar bom? - Meu amor, qualquer uma fica bonita com um bom fotógrafo. Que ver? - Papai, você tem que tomar uma providência... - Por que ele não pode ter um exemplar da Playboy com a mulher dele? Homem não gosta de ver mulher pelada? E por que as esposas não podem tirar fotos nua? - Milena, me empresta o vestido verde? - As fotos não são nuas? Pra que você quer o vestido? - São 30 poses. Ele faz a primeira série com roupa, a segunda de biquíni e maiô, e a terceira... - Tudo bem! Mas você tem que me mostrar quando estiver pronto. Quem sabe eu me animo... Gente, a revista, edição privê, ficou um show de bola! Realmente, nada como um bom fotógrafo! Kalina não gostou de quase nada. Encontrou todos os defeitos de fabricação. Ela é muito exigente... E o marido? Tá babando até agora...
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A mesa de sinuca - Meu bem, a gente deveria morar na chácara. É pertinho da cidade, não faz calor, e a gente vai acordar ao som dos galos, das guinés, dos passarinhos... - Nós vamos ter que reformar a casa. Está muito estragada. - Isso é o mais fácil. Faça o desenho. Eu chamo o pedreiro na sexta-feira. Se você quiser algum material daí, anote a referência que eu mando buscar. Sentiu firmeza? Isso é noivo competente, bem disposto, doido pra casar... Débora Virgínia se rendeu a Aloísio. Ele realmente era extraordinário. Sabe aqueles solteirões que não conseguem se apaixonar? Ele via detalhes, pequenas observações que derrubaram as melhores candidatas do Estado, e tinham sido várias, numa larga faixa de idade. Virgínia era da Capital Federal, longe pra caramba — na opinião dela, porque na dele... Aloísio tinha pavor a avião. De caminhonete, ele virava o Brasil, sem carteira de motorista, a qualquer dia da hora ou da noite. Parece trocado, né?, mas ele faz isso de propósito, pra confundir as filhas alheias — na opinião dele, é claro, porque Virgínia tirava aquilo de letra! No início, ela não queria absolutamente nada com ele, ao contrário das outras, aquelas que tinham sido derrubadas. 31
Os dois passavam horas a fio conversando, rindo, dançando, cantando, passeando e se divertindo. Eles não conseguiam discutir, brigar... essas coisas que namorados fazem, porque a situação era muito engraçada, não tinha espaço para essas bobagens. No dia em que Aloísio beijou Virgínia, na boca, ele passou a noite em claro. Não conseguiu dormir. Aquele foi o sinal! Ele já tinha beijado o mundo inteiro, mas aqueles ―sininhos‖ ele nunca tinha ouvido! Sininhos, não. Pelo que ele conta, era um carrilhão! Ela viajou no amanhecer seguinte e estaria em Brasília em duas semanas. Pois bem, ela desceu do avião, deslumbrante como sempre, e ainda na sala de desembarque recebeu a notícia: - Aloísio está aqui e disse que vai se casar com você! Virgínia, é verdade que vocês estão namorando? Ele veio de avião!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! Ninguém acreditava que ―aquilo‖ seria possível. Outra cidade, avião, casar... logo com ela, cheinha de predicados, a esperança da família... Nas férias seguintes, Virgínia foi para o interior. A família de Aloísio era dona do Município vizinho, uma hora, em média, numa estradinha de barro, longe pra caramba — na avaliação dela, porque na dele... - O que você vai fazer hoje à noite? - Nadinha. Estou indo pra praça... 32
- Está levando o violão? - Niltinho já levou. - Presta atenção, Dona Virgínia. Eu vou entregar um gado nos pés de Serra, vou em casa tomar banho e me encontro com a senhorita na praça. É pra me esperar, entendeu? - Perfeitamente. Posso fazer uma perguntinha? - Ligeiro porque não quero me atrasar. - Eu tenho que te esperar pra quê? - Depois da praça, eu te levo pra dançar, pago dois chocolates, um sorvete com cobertura... - Tô esperando! Detalhe: Aloísio percorreu três Municípios, no meio daquele pó, um breu... e ainda conseguiu chegar antes da meia-noite, ―banhado‖, perfumado... totalmente agradável... É o amor! Não há explicação para tamanha loucura. E não foi só uma vez não... Pois bem, após algumas férias, Virgínia estava chegando novamente... dessa vez com aliança no dedo, mão direita, para escolher um lugar pra morar. Escolher não, já estava meio decido: na chácara! Pertinho da cidade, sem calor, ao som das galinhas... Por que não? Completamente chique, ela tinha trazido na bagagem várias revistas de decoração (algumas importadas, italianas, carésimas!) para mostrar ao pedreiro os detalhes de cada ambiente. Ah! Nesse aspecto Virgínia bota pra quebrar! Você conhece 33
alguém que constrói uma casa só para usar uma torneira? No trouble: eu lhe apresento a Virgínia! O Pedreiro estava embasbacado com o desenho da reforma (aquilo não se pode chamar de projeto...) e com as reluzentes fotografias das revistas. Tudo acertado! Começariam no final do mês, quando acabassem as chuvas. - Virgínia, a Noite Escura deu cria! Venha ver! Ela jogou as revistas em cima da mesa de sinuca e disparou pro curral. Noite Escura era linda! POI. Sabe o que é isso? Tem gente que não sabe... Pura de Origem Internacional. Vaquinha de primeira! Aloísio não cuidava muito da chácara. Ele gostava de ir pra lá, fazer os pagamentos, se deitar numa rede de corda, tomar água de coco e descansar. Nem sempre ele conseguia, porque chegavam montes de gente ali! Os motivos eram impressionantes: dinheiro emprestado, remédio, leite, carona, cerveja, cachorro pra cruzar... Depois de batizar o filhote de Noite Escura, Virgínia estava voltando para a casa sede, aquela que precisava reformar... De longe mesmo dava pra sentir o drama! - O que os varanda?
bodes
estão
fazendo
na
Ela caiu na risada. Aloísio saiu correndo e xingando tudo o que ele sabia... - Isso é vida rural! 34
Ao se aproximarem da mesa de sinuca, deu pra tomar pé dos prejuízos. Bodes, cabras e cabritinhos já tinham mastigado praticamente todas as páginas das revistas, das italianas inclusive. Algumas estavam no chão, rasgadas, pisoteadas, mijadas, cagadas... - Aloísio, eu não estou vendo o desenho? - Está no meu bolso, amor! Pois bem. Esse mundo dá muitas voltas. Vinte anos após esse incidente, Aloísio ainda está solteiro, esperando por Virgínia... Ela desistiu de se casar com ele. Foi uma bobagem, mas era o sinal de que não iria dar certo... Era um sábado, hora da sesta. Os pais de Aloísio tinham ido pra outra fazenda, e as empregadas já tinham ido embora. Estacionou um carro em frente à casa com uns dez tripulantes! - Eles vieram no colo? Esse carrinho não cabe... - Virgínia, são meus amigos. Entraram, se sentaram, tomaram cerveja, e o papo já estava ficando sem graça... Aloísio, muito hospitaleiro: - Vocês almoçaram? - Ainda não, viemos direto da lagoa... - Fizeram o passeio de lancha? É uma delícia, né? Aquela água friinha... 35
- Virgínia, vá para a cozinha. - Fazer o quê? - Eles vão almoçar com a gente, meu bem. Jorge, você já levou seu gado pra inseminação este ano? - Aloísio, não tem ninguém em casa... e o cozinheiro aqui é você! Todo mundo caiu na risada! Menos ela... Os tripulantes não quiseram incomodar Aloísio, se despediram educadamente e foram embora, na boa, com fome... Alguém já pisou na sua ferida? Aquela era a de Virgínia. Assim como Milena, ela não sabia cozinhar. Nunca tinha passado um café na vida... ainda mais ao lado de Aloísio! Ele escolhia a galinha no terreiro, capturava, depenava, temperava, assava, servia e ainda lavava a louça... Isso tudo no maior bom humor da face da terra! Ele só pedia a ela duas coisas: - Fique aqui comigo. Vamos conversar! Nunca faltou assunto! Mas acontece nas melhores famílias. Atualmente Virgínia é casada, com outro cozinheiro, tem uma penca de filhos e mora numa chácara. Coincidência, né? No último final de semana, ela esteve com Milena. Queria uma roupa diferente pra um batizado às 9h. - Milena, me empresta o vestido verde? 36
Virgínia estava lindíssima! Tinha acabado de chegar do batizado. Quando a campainha tocou, ela nem imaginava... -
Tem almoço nessa casa? Só pão velho... serve? Pegue o facão que eu escolho a galinha. Aloísio, o que aconteceu? Eu queria me dar um presente. Eu tenho que fazer alguma coisa por mim. No mais, tá tudo bem? Meu amor por você é eterno, mesmo que não dure. E a chácara? Eu trouxe as fotos pra você ver. Terminei a piscina no ano passado. Piscina! Que delícia! No lugar em que você desenhou... Eu? Hum, rum! Ficou tudo do jeitinho que você queria. Eu? (...) Você fez a reforma? O desenho está no meu bolso, amor! (...) A mesa de sinuca é nova, bem grandona. Vem ver!
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Cocada com água A avó de Milena, uma matriarca nordestina, com mais de cem quilos, brincos e pulseira de ouro 21, tinha mania de servir um docinho, quando a casa enchia de visitas. Naquela noite, como sempre, ela ordenou à empregada: - Ô, essa menina! Traga as cocadas com água! A bandeja de inox, forrada com um paninho de crochet vermelho fogo, feito pela vovó com linha Anne, ficava perto do filtro de barro, já em prontidão. Lá vem a empregada... Ligeirinho ela entrou na varanda, toda faceira, segurando a bandeja de inox, com o paninho vermelho de crochet e uma jarra de vidro cheinha de água... com as cocadas... boiando... dentro da jarra!!!!!!!!!!!!!! ―Eu era bem piralhinha. Aquilo me deu uma crise de riso e de nervoso: era o último saquinho de cocada. (No popular: fudeu!) Minhas tias correram pra cozinha, atrás da minha mãe, que já ia rebocando ―essa menina‖... Eu achava que elas iam estrangular a empregada: abestada de pai e mãe... Pois elas pegaram uns panos de pratos e, como se estivessem no Exército, ocuparam seus lugares e foram enxugando as cocadas. Juro que elas tiveram a coragem de servi-las, como se nada tivesse acontecido. A linha de frente veio com a bandeja de inox e o paninho vermelho, 38
e, logo em seguida, a artilharia entrou em cena, com outra bandeja (essa era bem redonda, mas aquilo não era inox... parecia a calota da Vemaguete do papai. Sabe panela velha? Que material é aquele?) repleta de copos de vidros e a famosa jarra d’água. Eu fiquei encantada com aquilo: ninguém reclamou! Não deram um piu. Foi um sucesso! Não sobrou nenhuma cocadinha pra contar a história. Já pensou se fosse suco de cajá? Pois é, você já viu algum homem enxugando cocada na cozinha? Uns vinte anos mais tarde, lá estava Milena, em pleno aniversário de Sabrina. -
Tia Milena, posso te contar um segredo? Claro, amor. O que houve? Você sabe o Fabrício? Sei. Não é aquele pequenininho, não. É aquele grande... da Thomas Jefferson. Sei. Aquele de blusa azul marinho. É o Fabrício Presário? É. Olha lá! De cabelo preto? Tô vendo. O que houve? Ele pediu a Sabrina pra namorar. É? E ela já respondeu? Acho que não, porque até agora eles não ―ficaram‖... Tia Milena, ela nunca namorou. Nunca beijou na boca? 39
- Ah, aí eu não sei... mas não pode falar nada, é segredo. Você jura? - Juro. E ele é legal? - Mais ou menos... Ele usa aparelho fixo. - Por quê? - Sei lá, desde a segunda série... - Não, amor! Por que ele é mais ou menos? - Ah, tia, ele está sempre rindo... - Que lindo! -
Mamãe, aconteceu uma tragédia. O que houve, Sabrina? Ele te beijou? Quem? Tá maluca? Você não vai acreditar... Minha, filha, fala logo. Rodolfinho deixou cair o garrafão d’água em cima da mesa dos docinhos... Está um horror, mamãe! Tudo flutuando nas bandejas...
Nisso, entra na cozinha um garoto de blusa azul e aparelho nos dentes: - Tia Milena, eu vou trazendo as bandejas pra cá e a gente enxuga! - Fabrício, não vai dá pra enxugar os babadinhos, as forminhas de papel... e o gosto? (Meu Deus, o que é isso? Esse menino é lindo! Ainda existe essa espécie? Olha só que sorriso, largo, exuberante, emocionante!) Sabe o que ele fez? Largou a bandeja em cima da pia e segurou as maõzinhas de Sabrina: 40
- Calma, menina. Você acha que alguém vai notar, nessa escuridão? E o sabor é o mesmo. Água não tem gosto de nada... - Ai, Fabrício! Ainda bem que você viu tudo! Até minha roupa tá pingando... Mamãe, me empresta o vestido verde? Vestido verde? Milena, já estava em alfa... assistindo àquela novela, apaixonadíssima por Fabrício... Meu Deus, onde ele aprendeu essa espontaneidade, essa iniciativa? Que menino lindo! - Mãe? - Ô, amor, o vestido verde vai ficar folgado em você... Ponha o conjuntinho de couro. - Sabrina, eu fico na porta pra ninguém entrar enquanto você se troca. Vambora! Tia, manda a empregada ir adiantando o serviço, que a gente volta já. Milena mandou recolher as bandejas com os docinhos, as empregadas enxugaram tudo, retiraram os babadinhos, as forminhas... e recolocaram tudo na mesa, como se nada tivesse acontecido. Fabrício teve que ir embora antes do final da festa. O pai de Alexandre tinha marcado de buscálos à meia-noite. Sabe como ele se despediu de Sabrina? (É claro que Milena ficou de olho...) 41
Ele se aproximou dela, com aquele sorriso exuberante, levantou o braço direito... segurou o queixinho dela...bem de leve... e, com a mão esquerda, rapidamente,... despenteou toda a franja de Sabrina! E ela? Ficou lá, parada! Achando lindo tudo o que ele faz! Meu Deus, como ele é brincalhão! Será que ele é canhoto?
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O Sujeito e Eu Mônica é servidora pública, trabalha no Congresso Nacional e é vítima inocente de todos aqueles espantosos vícios que contaminam as instituições, sobretudo as políticas. Confesso que Mônica é a funcionária mais otimista que conheci nos últimos quinze anos, apesar de todas as dificuldades a que se submeteu. Mas essa vida é uma graça. O efeito cascata é impiedoso! Um sujeito baiano brigou com a amante. O novo ―marido‖ da amante fingiu que brigou com o sócio, para ver até onde ia a audácia do sujeito. O sócio, com o apoio do sujeito, se elegeu Deputado e ganhou de presente uma Secretária de Estado. E a gente pensa que não tem absolutamente nada a ver com isso, não é? Pois bem, o suplente do Deputado assumiu o mandato e aprontou um escândalo para conseguir um gabinete com banheiro, perto do plenário, porque é muito adoentado e tem dificuldade de locomoção. Com toda a falta de educação do mundo, pressionou a administração por um novo espaço. Até parece que ele era mais um dos que morriam de inveja daquela salinha bem decorada, iluminada, totalmente agradável, onde Mônica desenvolvia seus projetos estratégicos. Não deu outra! Sobrou pra Mônica! 43
E agora o mais interessante. O sócio resolveu abrir o bico e assumir que a briga tinha sido de ―mentirinha‖. Assim sendo, é bem possível que ele perca o cargo de Secretário de Estado e reassuma o mandato, o que significa que o suplente voltará para casa, com toda a sua doentia arrogância... E a gente com isso, né? Você acha que a salinha será devolvida? Por que um suplente tão adoentado assume um mandato? Lugar de gente doente é em casa, se tratando... Por que a administração sucumbe a uma pressão? São esses, os que gritam e aprontam todas, os que se dão bem! Aquele lugar não é destinado a gabinetes. Esse será o primeiro. Depois que se abre a porteira e que passa a primeira vaca... Você acha que Mônica deve continuar colaborando com a administração e, de certa forma, prestigiando os sujeitos ligados a esse rolo? Quem teria que passar horas e horas num lugar sem ventilação e iluminação adequadas seria justamente ela, Mônica, que a princípio não tem nada a ver com essa merda... Quem iria perder a saúde e a sensação de bem-estar seria ela, Mônica... O suplente, como dizem, tá todo bichado e pelo visto é suicida, porque, mesmo nessa falta de condições físicas, quer ―trabalhar‖... Eu sempre admirei a perseverança de Mônica diante da falência de algumas instituições, mas acho que dessa vez os motivos para resistir estão-se acabando... 44
O que você diria a Mônica? Opção 1 – fica fria, faz corpo mole, picareteia... mas, pelo amor de Deus, não ―cacifa‖ essa gangue. O risco material é perder também a nova sala (sem ventilação e iluminação), o que vai acabar acontecendo no andar da carroagem... Pelo menos a saúde e o bem-estar ficam preservados. Opção 2 – apronta um escândalo de magnitude semelhante ao executado pelo suplente, não na Diretoria, nem na Ouvidora, não! Vai lá na Presidência, que é de outro partido e que tá doida pra ferrar esses sujeitos todos, os grampeadores, alguns grampeados e adjacentes... O risco material seria descobrir que não tem prestígio algum com os ―companheiros―, o que, no andar da carroagem, vai acabar acontecendo, porque nessas horas é o toma-lá-dá-cá entre partidos, e Mônica não tem moeda partidária. Opção 3 – Ligue para aquele seu amigo jornalista, conte tudo, peça o vestido verde emprestado à Milena e convide Ricardo para ir ao motel das garças, aquele perto do Posto Colorado. É o melhor remédio pra esquecer todo esse aborrecimento. Aqui não tem risco. Ele vai aceitar! Você decide. 45
Se você acha que Mônica deve escolher a opção 1, permaneça como se encontra. Se você acha que Mônica deve escolher a opção 2, disque 0800-1234. A ligação é gratuita! Mas se você acha que Mônica deve escolher a opção 3, reze dois Pais-Nossos e duas AveMarias, porque Ricardo é inesquecível, ―digno de um crime passional e eu não quero ser manchete de jornal‖. Lembra dessa? ―Será que essa gente percebeu...‖
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A Mancha de vinho Helô é um doce. Simpática, sorridente, cabeça no lugar, só fica brava quando precisa, mingonzinha, um encanto! Apesar de casada há quase uma década, e bem casada, diga-se de passagem, Helô ainda não teve filhos, mas tem todo o jeitinho de mãe, atenciosa, carinhosa e agradável. Numa bela tarde, Helô estava me visitando, quando Murilo chegou para entregar os originais de um livro que a editora, onde Milena trabalha, vai lançar em breve. Eu nunca tinha visto uma situação daquelas ao vivo e em cores. Parecia que estrelinhas e fogos de artifícios estavam brilhando e estourando entre aqueles dois! Um não conseguia parar de olhar para o outro. Quando me dei conta da situação, me sentei, calmamente, e fiquei apreciando a cena. - Você é a Heloísa Magalhães? Milena já me falou muito sobre você. Suas poesias são lindas! - Obrigada. Eu já tinha lhe visto pelos corredores, mas não sabia que é você o famoso Murilo, dono da Coqueiral Editores e Cia. - Sempre que você passava eu ficava tentando adivinhar aonde você ia, porque eu te achava tão sorridente. - Um dia eu até te cumprimentei. Você se lembra? - Claro, mas eu não sabia quem era você. 47
- Eu também não, mas você era sempre tão simpático, elegante. - Agora estou confirmando minhas suspeitas: você é uma graça! - Obrigada. Você está sendo muito gentil. - Eu estou falando sério. - Eu também. Eu mal acreditava no que estava vendo, ouvindo, testemunhando... Os dois estavam se encontrando e se descobrindo (Que palavra linda! Parece tirando a roupa...) na minha frente. Eu queria ter fotografado aquilo. Era tão evidente, tão óbvio que eles estavam se declarando... Era só esperar. - Gente, a conversinha está ótima, mas eu tenho que trabalhar. - Heloísa, eu te acompanho até a saída. - Então vamos, Murilo. Estou alugando Milena desde as 14h. - Nossa! Então, o papo estava bom. Se eu soubesse que Milena estava livre, eu teria vindo antes. - Ela não estava, né, Milena? Eu fui entrando e até agora não parei de falar. - Eu também adoro conversar... Não preciso dizer que eles saíram praticamente sem se despedir, né? Aposto que naquela noite nenhum dos dois conseguiu dormir. Aliás, nem sei como conseguiram se separar... Era uma questão de tempo. 48
Fiquei na minha, só sacando o enlace. Heloísa, casadíssima, corretíssima. Murilo, casadíssimo, corretíssimo. Engraçado que Murilo também não tem filhos, embora esteja casado há menos tempo que Helô. Não sei qual será meu papel nessa história... mas vi tudo acontecer, cristalinamente, limpidamente, e com o coração partido... Acho que nem eles perceberam que estavam trocando estrelinhas, flechinhas, bolinhas, pontinhos... um negócio que resplandece. No dia seguinte, comentei o caso com meu sócio, obviamente sem citar os nomes dos envolvidos... Este milênio ainda não está preparado para histórias de amor como essa. - Estou impressionada com a afinidade entre aqueles dois. Ela tem muita sorte. Ele é muito gente boa! Inteligente, educado, decidido... - E daí, Milena? - Ué? Ela poderia ter se apaixonado por um pilantra, um sujeito doente, por exemplo, um estrangeiro, que estivesse deixando o Brasil em breve... Já pensou que tragédia? Ele está aqui, bem pertinho dela, tranqüilo, estabilizado, seguro, e ela também. Eles têm tudo para viver esse descobrimento. Você pensa que é fácil? Na semana seguinte, toda a Editora reunida para os lançamentos do semestre, os olhos de Murilo ainda estavam radiantes. 49
- Milena, Heloísa é um amorzinho, né? - Murilo, disfarça, por favor... - Imagina, Milena! Não tem nada a ver. É só uma observação. Ela é muito simpática! - (...) - O que significa esse seu sorriso, dona Mileninha? - Deixe as camisinhas nos bolsos, nas carteiras, no porta-luvas... - Milena!? - Vai por mim. Não comente com ninguém. Esse milênio não está preparado... - Ela é legalzinha, não é? - É, Murilo. Heloísa é um amor. As pessoas apaixonadas têm uma energia especial! Heloísa me apareceu algumas semanas depois daquele primeiro encontro. Linda, rejuvenecida, alegre, de bem com a vida! - Milena, não sei como te contar... - Não precisa, Helô. Eu vi tudo desde o primeiro dia que vocês se olharam, aqui, na minha frente. - Milena, eu preciso conversar com alguém. Não sei o que fazer. Essa vida é muito engraçada! Quem visse Milena falando sobre o assunto, iria pensar que ela era escoladíssima, muito experiente e preparada, logo ela, que nunca conseguiu fazer a fila andar.
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Bem, se isso tudo acontece a uma mulher e a um homem casados, é porque alguma coisa nos respectivos casamentos não está lá bem preenchida... (Marido é um bichinho interessante, né? Ele diz que não quer interferir na minha produção intelectual, mas, quando soube do tema, deu uma esticada de olho pra ler o que eu estou escrevendo... É só pedir pra ler! Eu deixo, na boa! Acho que ele nunca vai aprender!) - Heloísa, vocês vão se entender... já estão se entendendo! Mas vai devagar, são dois casamentos envolvidos. E, pelo amor de Deus, seja discreta! Vocês formam um par lindo, só que a mulher dele é uma fera!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! O vestido verde estava lá, penduradinho no closet de Milena, lindo, lindo! Naquela noite a festa estava de arrasar. Ainda bem que a casa ficou cheia, animada, porque Milena estava muito entristecida. Heloísa não pediu o vestido emprestado. Foi Milena quem ofereceu a Murilo. - Milena, derramei vinho em Heloísa, sem querer. Ela está envergonhada de lhe pedir ajuda. - Tudo bem, Murilo. Leve esse vestido para ela. Talvez fique um pouquinho comprido, Helô é mais baixa que eu, mas ela pode regular nas alças. 51
- Obrigado, Milena. Só você faria isso! Milena, que vestido lindo! Verde musgo! Não demorou muito, Murilo se encarregou de levar Helô para casa. Não me pergunte qual... Nós continuamos na festa. Todo mundo dançou, cantou, tomou banho de piscina ao luar... e já com o sol quase nascendo, Milena ainda se lembrou do vestido. - E se eu usasse no lançamento do livro... De repente vão tirar fotos, publicar em algum jornal... Logo no início da semana, Helô veio novamente me visitar e devolver o vestido, lavado, passado, perfumado... - Milena, acho que eu não poderia me sentir mais feliz! Murilo é muito especial. - Esqueceu de todos os outros problemas, né? - É. Ficaram bem menores. Não consigo parar de rir, é uma sensação gostosa! Me lembro dele a toda hora. - Vocês têm sorte, Helô. Agora vai ficar mais fácil entender o que os dois estão sentindo. Acho que vai dar samba. - Você tem uma varinha de condão! E obrigada, mais uma vez, pelo vestido! - Fique com ele, Heloísa. - Com o vestido? Milena, ele é tão bonito! 52
- Ele não me serve mais. - O que é isso, Milena? Você fica linda nele! Lembra naquela noite? Éramos três casais, o Daniel alugou a balsa pra gente poder atravessar o rio, a lua cheia, os peixes pulando em direção à luz... nós fomos de EcoSport até Pipa pela beira da praia, jantamos juntos... Você estava contando sobre o seu livro novo... na hora de ir embora, você entrou na Pé de Jambo e comprou a blusa vermelha de hibiscos, lembra? Aquela que Kalina picotou quando recebeu a foto 3x4. - Ela ficou traumatizada com aquilo... Kalina tem o maiô e o biquíni da mesma estampa. Você viu a 3x4? Não dá pra acreditar que é a mesma pessoa, com a mesma blusa... E aquela tirando a parte de cima do biquínia? Ficou linda! Não tem nem sombra de cicatriz... - Ela disse que ia ser reprovada no teste de seleção por causa disso. A sorte foi que a banca convocou todo mundo pra uma entrevista, pessoalmente. Quando ela foi chamada e entrou na sala, a professora achou que era engano: tinham convidado a candidata errada. Ainda mais com aquele cabelo novo, estirado e bem curtinho... - Ela cortou na barbearia do Senado, você acredita? - Milena, eu não posso ficar com seu vestido... - Não preciso dele e vou acabar me esquecendo dessa história. 53
- É o título do seu livro. Você devia guardar pra posteridade. As pessoas vão querer lhe ver com o vestido, no lançamento. - Não vai ter lançamento. - Por quê? - A censura já baixou em quase todos os capítulos, e eu tô sem pique pra ficar mudando tudo. É melhor escrever outro. - Dá pra senhora explicar que censura é essa? - Dá. Mulher casada não pode se apaixonar por outro, nem sentir saudades, nem tirar fotos nuas... - Milena, que bobagem!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! - E muito menos dizer o que pensa... Tô cansada de levar bronca e ouvir sermões... e não encontrar, nem descobrir... - Mas você cai na risada toda vez que fala sobre isso... - Pra não chorar! - Milena, você não pode jogar tudo isso fora... Faça pelo menos um exemplar! - Tá bem. Eu vou fazer um! Não sei se vai parar no lixo, mas, se for, estará muito bem acompanhado, porque aquela lixeirinha... - Milena, você está na última curva. Lembra da Luciana? - Eu não preciso ganhar nada. Eu já ganhei há muito tempo... mas tem gente que não percebeu ainda... - Como é que é? 54
- Helô, todo mundo pode dar palpite, falar grosso, decidir sozinho o destino alheio... mas nessa história aqui quem manda sou eu! E os personagens morrem de felicidade... Só não sei se vai ser neste milênio!
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