vernaculando arte + design zine zero, inverno/2015 editores Renan F. Venancio Aline Jorge colaboradores Bruno de Mendonça convidados Felipe Kaizer Felipe Tomazella Henrique Petrus Janis Joplin Jhonny Rosa Leila Antoniassi projeto gráfico Vermelho Panda Design contato hello@vermelhopanda.com fb.com/vernaculando vernaculando é uma publicação aberta às novas ideias e colaborações: entre em contato e faça parte de nossa história. é proibida a reprodução de textos ou imagens sem prévia autorização dos autores ou dos editores da publicação.
Essa publicação nasce de inquietações a respeito de arte e design e seus cruzamentos e distanciamentos. Sem pretensões acadêmicas, porém com espírito investigativo, o zine zero surgiu para anunciar a chegada da publicação número um, que será lançada no dia cinco de novembro deste ano. Foram meses de diálogos e propostas relutantes, que enfim originaram algo palpável. Um espaço aberto para discussões, diálogos e reflexões sobre design e arte, e sua função na contemporaneidade. Concebemos arte e design como universais. As portas da publicação estarão sempre abertas a todos que queiram dialogar conosco e, assim, contribuir para a construção de um mundo em que a arte e o design façam de nossas vidas um lugar melhor.
EDITORIAL
vernaculando propõe reflexões sobre arte e design, dialogando com áreas como literatura, arquitetura e ciência. Tudo o que produz significado ou se transforma em significante nos interessa. Produção, teoria e práticas multidisciplinares, tendo o design e a arte como ponto norteador. Queremos refletir e buscar cruzamentos interdisciplinares, com espírito investigativo e questionador. Pretendemos produzir aprendizagens fora do discurso oficial, dialogando com o vernacular, como o próprio nome da publicação sugere.
Hoje tornou-se necessário demolir o mito do artista ‘estrela’ que só produz obras de arte para um pequeno grupo de pessoas ultrainteligentes. Deve ser entendido que, enquanto a arte ficar além dos problemas da vida, ela só vai interessar para poucas pessoas. (...) Sem perder seu senso estético inato, ele deve ser capaz de responder com humildade e competência às demandas que seus vizinhos possuam.
O designer de hoje restabelece o contato há muito perdido entre a arte e o público, entre as pessoas vivas e a arte como uma coisa viva. Não deve haver algo como arte divorciada da vida, com coisas bonitas para olhar e coisas horríveis para usar. Se o que usamos todos os dias é feito com arte, e não jogado juntos por acaso ou capricho, então nós não teremos nada a esconder. Bruno Munari Design as Art, 1966
Felipe Kaizer São Paulo / SP
Designer gráfico e pesquisador independente, cujos interesses variam da filosofia política à história do livro. Graduou-se na PUC-Rio em 2006 e em 2009 ajudou a fundar a equipe interna de design da Fundação Bienal de São Paulo.
Perguntas ingênuas originalmente publicado em aplataforma.org
Em 1878, o filósofo norte-americano Charles Sanders Peirce lamentou nas páginas daPopular Science Monthly o mal que uma única ideia obscura poderia causar na mente de um jovem. Como um obstáculo em uma artéria, tal ideia poderia fazer o cérebro padecer. Peirce se referia ao risco, na ciência, de se perseguir conceitos insuficientemente claros. Felizmente hoje, mais de 130 anos após o seu diagnóstico, os jovens parecem estar imunes a esse derrame das ideias. Afinal, não vivemos a paz dos tempos pós-ideológicos? Nossos males agora não são, ao contrário, a obscenidade e o cinismo? Portanto, não tenhamos a vergonha de perguntar mais uma vez “o que é design?”. Passadas as contendas do século 20, é chegado o momento de uma resposta derradeira, que ponha fim a questão.
“Qual é a sua definição de ‘design’, Monsieur Eames?”, pergunta Madame L’Amic ao designer norte-americano Charles Eames, em 1972. Assim se inicia a entrevista produzida na ocasião da exposição “Qu’est ce que le design?” no Museu de Artes Decorativas de Paris que repassa grande parte dos dilemas que assombraram os veteranos da história do design em 29 perguntas. Sem nenhum embaraço, Eames é sumário em suas respostas, a ponto de fazer com que as perguntas de Madame L’Amic pareçam inofensivas, para não dizer ingênuas demais para produzir qualquer tormento na cabeça de pessoas
como William Morris ou Walter Gropius. Porém, quando algumas das questões mais intrigantes do século 20 aparecem sob a forma de verdades óbvias, é preciso desconfiar da própria forma dos questionamentos.
O perigo é que a obviedade das perguntas implique na simplicidade das respostas. Não se deve nunca esquecer que toda pergunta – mesmo aquela nascida da curiosidade sincera – também afirma e pré-determina o espectro das respostas possíveis. Monsieur Eames, contudo, parece confortável com as restrições impostas pelo teor das perguntas. Por isso o diálogo parece ensaiado, e as questões – que foram tão edificantes – se mostram estéreis e carentes de qualquer senso de realidade. Só se pode responder perguntas ingênuas com ingenuidade, o que torna pueril toda a discussão.
Mas, se a verdade é simples e autoevidente – como sugere a leitura de Peirce –, por que cultivar dúvidas? Não basta uma definição de design? Se definições em geral não satisfazem os impasses da prática cotidiana ou suscitam novos questionamentos, então a resposta é “definitivamente não”. Os mais inquietos encontram no máximo pistas interessantes nas respostas de Eames. Por outro lado, diante de uma definição insatisfatória, não há porque tentar responder às mesmas perguntas com outras respostas. Questionemos as próprias perguntas.
Por que, em primeiro lugar, precisamos de definições? Não é possível pensar para além dos limites pressupostos pelas perguntas? Quem se dá a liberdade para prosseguir na busca por algo sem a clareza daquilo que pretende alcançar? Alguém se deu essa liberdade. No trecho de um documentário de 1991, Otl Aicher, um dos fundadores da Hochschule für Gestaltung Ulm, exerce o direito de refletir à deriva.
Há um abismo intransponível entre os discursos do alemão e do norte-americano. No universo sugerido pelas colocações de Aicher, o diálogo entre Madame L’Amic e Mounsier Eames é uma pesquisa de telemarketing. Após as especulações do designer alemão, as fórmulas de Eames não dão mais conta, por exemplo, da relação turbulenta entre o design e a indústria ou da contribuição da experiência de projeto na formação de uma visão de mundo. As respostas de Eames são autoreferentes, por isso ele não está certo nem errado. Isso não é clareza, é vacuidade de pensamento ou, na melhor das hipóteses, uma confissão de fé. Apesar de todas as críticas que se possa fazer ao funcionalismo representado por Aicher, é Eames o dogmático fiel às limitações impostas por um sujeito oculto – sujeito este que poderia muito bem ser o capital financeiro que escolhe a dedo as condições sob as quais todos nós vivemos.
Só é possível criar uma correspondência entre os dois discursos imaginando que Aicher responde àquelas perguntas endereçadas a Eames com perguntas mais pertinentes. Apenas alguém mais acostumado a se indagar do que a responder aventa a possibilidade de que a morte empreste algum sentido ao projetar. Apenas quem tolera por mais tempo as dúvidas intrínsecas ao pensar pode duvidar com mais clareza. O restante sofre do mal de Peirce: crentes de que estão livres de qualquer ideologia, são reféns, sem perceber, da lógica de uma ideia.