IMAGINÁRIOS URBANOS: A cidade e os sentidos

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O p ro jeto A C IDADE E OS S ENTIDOS foi realiza do a través de recursos da LEI A LDI R BL ANC e fa z pa r te do IMAGINÁRI OS URB ANOS , uma inicia tiva da s arq uite t a s-urba nista s- cen ógra fa s que co m p õ em a VERS O: C larissa Caldeira e Marina Aravani.


É preciso ter espírito vagabundo, cheio de curiosidades malsãs e os nervos com um perpétuo desejo incompreensível, é preciso ser aquele que chamamos flâneur e praticar o mais interessante dos esportes – a arte de flanar.

João do Rio A alma encantadora das ruas


APRESENTAÇÃO Aq u i a p re s e nt am os n os s o c am inhar p e l o s p ro ce s sos e expe rim e nt a çõe s e m t rê s d i fe rente s te m pos : da refle xã o, d a ex p l ora çã o e da i m a g i n a çã o. Co m pa r t i l h a n do n os s as de rivas , c urio s i d a d e s e d e s e j os que t rans bordam e m ex p l o ra çõe s s e ns íve is e vis uais d a c i d a d e , d o s s ent idos e do s e nt ir, te n d o u m p o nto de par t ida: afe tos e e n co n t ro s q u e at rave s s am o Es pa ço Co m u m Lu i z Es trel a . Es te é u m conv ite para con tem p lar e ex p l o ra r a s ub jet iv id a d e u rban a.


O cartógrafo é, antes de tudo, um atropófago. Suely Rolnik


OS IMAGINÁRIOS URBANOS O p ro j e to I MAGI N ÁRI O S U RBAN O S par te das reflexões so b re a s m ú l t i pl as v i vê n c i as pe ssoais - in dividu ais e/ou co l e ti va s - e do de se jo de const ruç ã o de cotidian os m ai s s e n s í ve i s , ge nt i s e i n cl usi vos. Neste sen tido, a ci d a d e co n fi g ura- se com o um ampl o campo de investig a ç ã o e d e a tua ç ã o, se n do e l a ce nt ro da vida social e p ol í t i c a : u m l oc al de e n cont ros, t rocas, m em órias e a fe ti vi d a d e s . N a l u ta p o r u ma c i da de mai s human a, par ticipativa e d e m o c rá t i c a , propom os o de se nvol vim en to de u m p ro j e to q u e que st i on e a ra c i onal i da de urban a e cotid i a n a , a pa r ti r da e st rut ura ç ã o de processos ar tísticos co l a b o ra ti vo s e da expe ri m e nt a ç ã o prática de ou tras l in gu a ge n s d e re pre se nt a ç ã o i ma géticas da cida de. D e s e nvo l vi d o pe l a VERSO e conte mpla do pela Lei Aldir Bl a n c ed i ta l n° 2 5/ 2020 , e ste proje to tem com o obj etivo ce n t ra l i l u st rar al gumas das nuan ces su bj etivas e a fe ti va s d a c i da de de B e l o Hori zonte, ten do com o p on to d e pa r t i da o Espa ço Comum Lu iz Estrela. B u s c a n d o, a par t i r de proce ssos ar t ísticos sen síveis, evi d e n c i a r a s ubje t i v i da de cot i di ana da cida de e evi d e n c i a r s u as di ve rsas v i vê n c i as, m em órias e n arrativas , ex p l o ra m os as fase s de de se nvolvim en to do proj eto e d a o fi c i n a at ravé s de ve rsos l i terários evoca dos p e l a s d i s c u s s õe s, assi m com o i l ust ra ções desses proces s o s .


AS CIDADES INVISÍVEIS Este p ro j e to é re sul t a do de at rave ssam en tos e in quiet a çõ e s d e ri va das do l i v ro “As Ci da des Invisíveis” escrito p o r Í ta l o Ca l vi n o. Ne l e , o v i ajante M arco Polo descreve pa ra Ku b l a i K han as c i da de s do i mpério m on gol, pelas q u a i s pa s s o u , de forma oní ri c a e , muitas vezes, u tiliz a n d o - s e d e um real i sm o fant ást i co. D essa forma, ex p o n d o pa ra o l e i tor com o os di ve rsos símbolos, du plicid a d e s , p o n tos de v i st as e m e m óri as sã o u m espelh o d a re l a ç ã o d e c a da i n di v í duo com a cida de. Com o o diz o p ró p ri o Ma rco Pol o: “de um a c ida de n ão aprove itam o s s u as s e te o u s eten ta e s ete m aravilh as, m as a re s po s ta qu e ela dá à s n o ssa s p erguntas”. Ass i m co m o o v i ajante t ra duzi a as su as subj etivida des pa ra Ku b l a i K han, c ri am os e sse projeto com o obj etivo d e e n te n d e r essas i n di v i dual i da de s den tro da ra cion alid a d e d a c i d a de e t ranspor e ssas i nforma ções de man eira vi s u a l , s e n sí ve l e ar t í st i c a, para além da ra cion alidad e.

AS CARTOGRAFIAS AFETIVAS Pen s a n d o e m out ras man e i ras de análise do espa ço, vo l ta m o s o o l har para as c ar tografias afetivas e su as p rovo c a çõ e s , busc an do ampl i ar a compreen sã o das ca ma d a s s u b j e t i vas da c i da de para elabora çã o de um p ro j e to q u e tem com o obje t i vo mapear de forma visual o s i m a gi n á ri o s que se de sdobram n o espa ço en tre o co t i d i a n o e o de se jo.


Pa ra o s g e ógra fos , a c a r togra fi a - dife re n te m e n te d o ma pa : re p re s e n t a ç ã o d e u m to do e stático - é um d es en h o q u e a com pa n h a e se faz a o m e sm o temp o q ue os m ov i m e n tos de t ran sfo rm a çã o da pa is a g em . Pa i s a ge n s p s i cos s oc i ais tam b é m sã o ca r to g ra fáve i s . A c a r togra fi a , n e sse caso, a co m pa n h a e s e fa z a o m e s m o te m p o q u e o de sm an ch a m en to d e ce r tos m u n dos - s u a p e rda de se n tid o - e a form a ç ã o de ou t ros m u n do s q u e se criam pa ra exp re s s a r a fe tos con te m p orân e o s, e m re laçã o a o s q u a i s os u n i ve rs os v i ge n te s to rn aram - se o b s o leto s . S e n do t a re fa do c a r tógrafo dar lín gu a pa ra a fetos q u e p e de m pa s s a ge m , de le se e sp e ra ba s ica m en te q u e e s te j a m e rgu l ha do n as in te n sid a d es d e s e u te m p o e q u e , a te n to às lin gu a ge n s q u e en co n t ra , devore a s q u e l h e pare ce re m elem en to s p os s í ve i s pa ra a com p o siçã o das car to g ra fia s q u e s e fa ze m n e ce s s á ri a s. O car tó grafo é , a n tes d e t u d o, u m a t rop ófa go.”

Suely Rolnik Cartografia Sentimental


Escolhi fazer a arte caminhando, utilizando linhas e círculos, ou pedras e dias. Richard Long


D i f í c i l foto g ra fa r o s i l ên ci o. Ent re t anto ten tei . Eu co n to : M a dr ug a da m i n h a a l d ei a es t ava m o r ta nã o s e ouv i a u m ba r u l h o, n i n g u ém passava e ntre as c as as . Eu e s t ava s a i n d o d e u m a fes t a . Eram quas e q u a t ro d a m a n h ã . Ia o S i l ê n c i o p el a r u a ca rreg a n d o um b ê ba d o. Pre pare i m i n h a m á q u i n a . O s i l ê n c i o era o ca rreg a d o r ? Es t ava c arreg a n d o o b êba d o. Fotog rafe i es s e ca rreg a d o r. Ti ve out ras v i s õ es n a q u el a m a d r u ga d a. Pre pare i m i n h a m á q u i n a d e n ovo. Ti nha um p er f u m e d e ja s m i m n o b e iral d e um s obra do. Fotog rafe i o p er f u m e. Vi uma l e s m a p reg a d a n a ex i s tên c ia m ais q ue na pe dra. Fotog rafe i a ex i s tên ci a d el a . Vi ai n da um a z u l - p erd ã o n o o l h o de um m e n d ig o. Fotog rafe i o p erd ã o. Ol h e i uma pa i s a g em vel h a a d es a bar so b re um a c as a. Fotog rafe i o s o b re. Foi di f í c i l fo to g ra fa r o s o b re. Por fim e u en xerg u ei a N u vem d e calça. R e pre s e nto u pa ra m i m q u e el a a n d ava na ald e ia de bra ços co m M a i a kovs ki — s eu cria d o r. Fotog rafe i a N u vem d e ca l ça e o po e ta. Ni n g ué m o u t ro p o et a n o m u n d o fa ria um a ro upa mai s j us t a pa ra co b ri r a s u a n o i va . A foto s ai u l eg a l .

Manoel de Barros Ensaio Fotográficos


A CIDADE E OS SENTIDOS Para i l u s t ra r e sse te rri tóri o de afe to e m em ória, desen vo l ve m o s u m a ofic i na de se nsi bi l i za çã o ar tística foca da na ex p l o ra ç ã o das m e m óri as e pe rcepções da cida de. Rea l i z a d a a o l on go de doi s e n cont ros vir tuais, em abril d e 202 1 , e m conjunto com pe ssoas do Espa ço Com u m Lu iz Es trela , foi de se nvol v i da e mi ni stra da por Bian ca Fu r ta d o, a r ti s t a v i sual , pe squi sa dora e ar te - educa dora. A pa r t i r d a p ossi bi l i da de de expl ora çã o m etodológica, fo ra m p ro p o s tos exe rc í c i os ar t í st i cos de forma a possib i li t a r a s e n s i bi l i za ç ã o dos se nt i dos n a percepçã o da ex p e ri m e n ta ç ã o cot i di ana do e spa ço urban o, sen do os par t i c i pa n te s conv i da dos a expre ssarem as sen sa ções, m e m ó ri a s e a fe tos.


BIANCA FURTADO Co m fo rm a ç ã o pe l a Escol a de De si gn da Un iversida de d o Es t a d o d e M i nas Ge rai s (U EM G) e gra dua çã o em J o rn a l i s m o - Comuni c a ç ã o S oc i al pe la Un iversida de Fe d e ra l d e S ã o Joã o de l - R e i (U FS J) em 2017. Atuou co m o a r te - e d uc a dora e nt re feve re i ro de 2020 e fevereiro d e 202 1 n a Jean Pi a ge t Escol a Con ceito. Atu alm en te, d es e nvo l ve p esqui sas sobre ar te - e cologia e design de b io m a te ri a s por m e i o de te c n ol ogi as têx teis, matérias e p igm e n to s n a t urai s n o Grupo Casul o CED GEM/ED -U E M G . A l é m di sso, par t i c i pou de proj etos de dem ocrat i z a ç ã o d e c u l t uras e e spa ços urban os, com o o “Mudem os ! ” n a revi tal i za ç ã o de ruas at ravés do plan tio, pin tura m u ra l n a “ Nossa h or t a” do CR AS e a ex posiçã o “ Di m a s , o p ri m e i ro” e m S JDR / M G .

O ESPAÇO COMUM LUIZ ESTREL A O Es pa ço Co mum Lui z Est re l a é um cen tro cul tu ral a u to ge s t i o n a do com at i v i da de s e proj etos em torn o de a r te , c u l tu ra , educ a ç ã o e pol í t i c a, sempre de forma co l a b o ra t i va , ori e nt a dos pe l os pri n c ípios do Comum. A e s co l h a d o col e t i vo com o ponto de par tida para este p roj e to, d eve -se à potê n c i a da oc upa çã o e ressign ificaçã o d o c a s a rã o hi stóri co da R ua M an aus, possível atravé s d a a r te , d o afe to e da col abora ç ã o - pilares que est r u t u ra m n ossa vont a de de expl orar o sen sível, o a fe t i vo e o co t i di an o.


A multidão é seu universo, como o ar é o dos pássaros, como a água, o dos peixes. Sua paixão e profissão é desposar a multidão. Para o perfeito flâneur, para o observador apaixonado, é um imenso júbilo fixar residência no numeroso, no ondulante, no movimento, no fugidio e no infinito. Estar fora de casa, e contudo sentir-se em casa onde quer que se encontre; ver o mundo, estar no centro do mundo e permanecer oculto ao mundo, eis alguns dos pequenos prazeres desses espíritos independentes, apaixonados, imparciais que a linguagem não pode definir senão toscamente.

Charles Baudelaire O pintor do mundo moderno


AS A par tir do s exercí ci os real i zad os e das di scussões susci tad a s duran te as di nâmi cas, reunimos

e

i l ustram os

pontos

q u e n o s ma rcaram, i n qui etara m e s e n s ibi l i zaram.

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A minha forma de arte é a viagem feita a pé na paisagem... A única coisa que temos de tomar de uma paisagem são fotografias. A única coisa que temos de deixar nela é o rasto dos passos.

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Hamish Fulton



O caminhar condiciona a vista e a vista condiciona o caminhar a tal ponto que parece que apenas os pés podem ver.

Robert Smithson


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É nessa medida que a realidade prevê um suporte imaginário com uma sólida estratégia com vistas para o futuro. Não se concebem imaginários individuais e não há construção pública se estes não vão além do íntimo e do privado.

Armando Silva Imaginários, estranhamentos urbanos


(...) Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio. Carlos Drummond de Andrade A flor e a náusea


Co m o po d e m os reim a g in a r a c ida d e e m que vive m o s? Fre n te a os i ma gi nári os urban os ex isten tes e o va l o r d a s ex p eri ê n c i as e m e m óri as afetivas ú n icas, b u s c a m o s d e spe r t ar o de se jo pe l a reelabora çã o do espa ço u rba n o e com o forma de poten cializar a iden tifi ca ç ã o d o s i n di v í duos com o produtores do espa ço em q u e s e v i ve . Em Esmeraldina, cidade aquática, uma rede de canais e uma rede de ruas sobrepõe-se e entrecruza-se. Para ir de um local a outro, pode-se sempre escolher entre o percurso terrestre e o de barco: e, como em Esmeraldina a linha mais curta entre dois pontos não é uma reta mas um zigue-zague que se ramifica em tortuosas variantes, os caminhos que se abrem para o transeunte não são dois mas muitos, e aumentam ainda mais para quem alterna trajetos de barco e transbordo em terra firme. Deste modo, os habitantes de Esmeraldina são poupados do tédio de percorrer todos os dias os mesmo caminhos. E não é tudo: a rede de trajetos não é disposta numa única camada; segue um sobe e desce de escadas, bailéus, pontes arqueadas, ruas suspensas. Combinando segmentos dos diversos percursos elevados ou de superf ície, os habitantes se dão o divertimento diário de um novo itinerário para ir aos mesmos lugares. Em Esmeraldina, mesmo as vidas mais rotineiras e tranquilas transcorrem sem se repetir.

Ítalo Calvino As cidades invisíveis


I M A G I N Á R I O S

U R B A N O S

@ v e r s o e s t u d i o c r i a t i v o

V E R S O

V E R S O

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C I D A D E

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O S

S E N T I D O S


AGRADECIMENTOS N o s s o s a g ra d e c im e ntos à B ian ca Fur@ v e r s o e s t u d i o c r i a t i v o

t a d o p e l a pa rce ria, pe las re flexõe s e p e l a co n s t r u ç ã o de um a ofic ina que t a n to n o s s e n sibilizou. Ao Espa ço Co mu m Lu i z Est relas que n os re ce bo u e p e l a s t ro c a s que n os e nrique ce ram e to rn a ra m e s s e proj e to ain da m ais e sp ec i a l . E a o s pa r t ic ipante s da ofic ina, q ue co n t ri b u í ra m para e s s e proce s s o: Ana Lu í z a D i n i z , A r t u r L isb oa, Elisan g e l a M a ri a d e J e s us, Lu cian a L an za, Mat h e u s G u e d e s d e Pau la, N a d ian a Carva l h o , S i l v i a Her val, S ilv ia Ferreira e Ya s m i n e R o d rig u es.


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@vers o es t u d i o c ri a t ivo

C I D A


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