Este trabalho busca estabelecer um processo criativo através de princípios da evolução do percurso inventivo da “caixa” na arquitetura, demonstrados através da análise de alguns projetos que ressaltem o próprio conceito da caixa, demonstrando sua enorme variabilidade e mutabilidade ao longo das eras arquitetônicas. Consequentemente adentra-se na complexa discussão de liquidez da contemporaneidade, tanto na esfera arquitetônica, quanto na esfera social e cotidiana. Assim fundamenta a realidade do conceito de arquitetura liquida como uma esfera útil de aplicabilidade na sociedade contemporânea. Uma vez que esta impulsiona cada vez mais o desejo pela liquidez.
Como resultado prático de tal discussão, desenvolve-se e realiza-se uma experiência de arquitetura liquida, pensada e projetada pelo autor. A qual se trata de uma intervenção arquitetônica intitulada por B E L A (Box Experience of Liquid Architecture). Seu processo de criação fundamenta-se a partir da lógica de raciocínio teórica relativas à caixa e a liquidez. Partindo da simplicidade da caixa como elemento base estético, o qual se liquefaz a partir de ações imateriais voltadas a interatividade e mutabilidade. Em suma, o trabalho passeia de forma fluida indicando todas as fases de pensamento ao longo da graduação que pontuaram o desejo por uma experiência real de arquitetura. Inicia-se através da simplificação da forma como elemento de caracterizar a dinâmica aplicação de liquidez sobre qualquer existência.
No principio criou o homem um lugar para se abrigar. E viu que isso era bom. Chamou isso de lar, casa, moradia, habitação, residência. Segundo Marc-Antonie Laugier (1753), umas das primordiais necessidades do homem fora a de se abrigar1. Criar ou estar num espaço que o protegesse e o camuflasse dos perigos naturais2. De intemperes à predadores. Do sol ou da escuridão da noite. Fora um dos primeiros momentos em que o ser humano necessitou de criatividade. Nascendo então, uma das primeiras criações humanas: O abrigo.
1
Laugier, Marc-Antonie, Ensaio sobre arquitetura. P.2, 1753. “O homem em suas origens primitivas, sem qualquer ajuda, sem outro guia além do instinto natural de suas necessidades. Ele desejava um lugar para acomodar-se” 2
Rebello, Yopanan; Leite , Maria Amélia D’azevedo. As primeiras moradias. 2007. Revista AU, editora Pini. (Http://www.au.pini.com.br/arquitetura-urbanismo/161/artigo58415-4.aspx, acesso em 26/07/2017)
Surge, portanto, na manifestação do hábito de morar, a criação da primeira cabana3. Segundo Laugier (1753), como maior sinônimo de “abrigo”. Joseph Rikwert (2003)4 retoma o homem primitivo de Laugier e aponta a primeira cabana: “Assim, a cabana é construída a partir de tronco de arvores como colunas, sem a necessidade de qualquer obra de argila ou trançado. Um exemplo de primeira moradia a qual diante necessidade biológica de abrigar-se faz surgir o a primeira arquitetura. A primeira casa6. A primeira CAIXA. 3
Laugier, Marc-Antonie, Ensaio sobre arquitetura. P.2, 1753.
Rikwert, Joseph, A casa de adão no paraíso. P.41, editora perspectiva, 2003. 4
A personificação da Arquitetura e a cabana primitiva, segundo Laugier [RYKWERT, Joseph. “La casa de Adán en el Paraíso”, 2ª edição, colección GGReprints, Gustavo] fonte: Vitruvius, editado pelo autor
6
Bachelard, Gaston. A poÊtica do espaço. P.200
Quando Bachelard (1969) expõe como “nosso canto no mundo”, assume-se a característica de separação entre o que seria a primeira arquitetura/casa com o resto do universo. Iniciamos um processo onde conecta-se a ideia de arquitetura como criação de espaços ao processo de limitar espaços, inicialmente através de funções6, como a da necessidade de proteção. Atualmente, além das necessidades funcionais, a discussão sobre público x privado, tão recorrente, em diferentes esferas, por nomes como Richard Sennett, David Harvey, Ermínia Maricato e Nabil Bonduki revela-se como um enorme limite da sociedade contemporânea.
6
Blondel, Jacques-François, Cours d’ architecture. vol 1, p.3. “ Indubitavelmente, no principio os homens fizeram para si abrigos contra os rigores das estações e os ataques dos animais ferozes. “
7
”limite”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://www.priberam.pt/dlpo/limite [consultado em 27-07-2017].
Quando passamos a interpretar o conceito semântico de caixa como um modo de de criação de LIMITES, solidificamos o percurso inventivo de aproximar a caixa e a arquitetura. Ao se entender que cada arquitetura determina o fim de um espaço e o começo de um novo/outro, passa-se a enxergar a conexão da linha conceitual de caixa e arquitetura, através da ideia do limite. A partir do momento em que são criados limites, surgem Espaços. Seja o limite entre o que é está dentro ou fora (como a caixa) ou mesmo o limite entre. Arquitetura é Limitar de forma que surjam novos espaços. E esses espaços possam ser feitos por interação e vivência humana. A caixa conecta-se à essência da arquitetura. A qual existe na relação do espaço e ações humanas, conforme Maria Lucia Malard:
“Mas a gênesis da arquitetura, sua razão de ser, decorre da espacialidade inerente ao ser humano. Todas as ações humanas ocorrem no espaço. Homem e espaço são entidades indissociáveis no mundo, conforme nos ensina HEIDEGGER (1962) O espaço pertence à essência do ser e incorpora todas as necessidades, expectativas e desejos que fazem parte da existência humana. “ 8
9
Malard, Maria Lucia. Forma, Arquitetura. Rio de Janeiro, 2003. (Http://www.arq.ufmg.br/eva/art010.pdf). Acesso em 29/06/2017.
Na fusão dos conceitos CAIXA e LIMITE obtemos uma interessante combinação: “ Qualquer receptáculo, de madeira, papelão, metal etc., destinado a guardar ou transportar um momento ou espaço que corresponde ao fim ou ao começo de algo. “ A Caixa transporta limites. Cria começos e determina fins. Encarar a “caixa” como limite não se dá somente na relação espacial. A famosa frase “pensar fora da caixa” é mais uma forte relação conceitual entre como a ideia de caixa se fundamenta sobre a interpretação de limite. A frase característica surge de um desafio em que a partir de 4 linhas, deve-se passar por 9 pontos.
.. .. .. ...
O pensamento então “limitado” que não resolve a solução se perdura através do alinhamento quadricular. O fugir da caixa se soluciona através de iniciar a partir de uma linha diagonal, a qual passa a extravasar o quadrado lógico de raciocínio inicial.
.. .. .. ...
Enfim, pontua-se que a relação entre caixa e arquitetura vão além do linear pensamento conceitual de limites. A partir da sequência de obras arquitetônicas a seguir, busca-se remeter a conexão da caixa e arquitetura ao longo da história e como a mutabilidade conceitual que tal forma pode abranger eleva, diferencia e caracteriza diversas arquiteturas.
“Deus designou a Caaba como Casa Sagrada, como local seguro para os humanos. “ (Alcorão 5:97) “E quando Abraão e Ismael levantaram os alicerces da Casa, exclamaram: Ó Senhor nosso, aceita-a de nós pois Tu és Oniouvinte, Sapientíssimo. “ (Alcorão 2: 127)
A primeira9 caixa arquitetônica é a Caaba10 ou Kaaba. Principal símbolo arquitetônico da religião Islã. Sua essência e propósitos como lugar sagrado se sobressaem. É em direção a Caaba que os muçulmanos oram. Como elemento arquitetônico, um cubo negro, o qual tem a atração de energia como um aspecto intrínseco ao projeto. É um ponto referencial (arquitetônico e religioso) cúbico de 15m. A beleza de sua simplicidade de forma é admirável. Uma caixa consistente em sua poética de ser um foco, de destacar-se em meio a muros e pessoas.
9
A construção atual é datada do século VII, datada de 634. Jones, Denna. Tudo sobre Arquitetura. Tradução André Fiker, Rio de Janeiro, Sextante, 2014. P.98 10
Caaba significa “cubo”. Jones, Denna. Tudo sobre Arquitetura. Tradução André Fiker, Rio de Janeiro, Sextante, 2014. P.99
O excêntrico racionalismo11 fez o movimento modernista se fundamentar sobre uma enorme onda de simplicidade geométrica. Onde a caixa, além de limite, torna-se um símbolo referencial estético12. Os ângulos retos atraentes13, de fácil produção, a grande aceitação. O movimento moderno buscou “fugir da caixa” do óbvio e tradicional para dentro de “uma caixa de vidro, suspensa por pilotis. 14“ Se a caixa sempre fora associada a simplicidade de formas, e com maestria Mies Van der Rohe resume a arquitetura moderna com “ LESS IS MORE. “, uma das frases mais conhecidas do mundo da arquitetura, (incorporada pelo arquiteto em 1947, todavia escrita por Robert Browning em 1885 em sua poesia15).
11
Charles Jenks, The language of post-modern architecture, London, Academy Editions, 1981, p.10. 12
” “Caracteristicamente, este estilo reduzido era justificado como sendo racional e universal; a caixa de metal e vidro tornou-se a forma mais simples e usada na arquitetura e significa em todos os lugares do mundo edifício de escritórios” Ibid, p. 15. 13
Ortiz, Renato. Reflexões Sobre A Pós-Modernidade: O Exemplo Da Arquitetura. 14
Le Corbusier, Por uma arquitetura, p.11, ed.Perspectiva, 2011. 15
Browning, Robert. Andrea del Sarto, also called ‘The Faultless Painter’”. 1885.
Tal frase agrega-se de forma perfeita aos ideais modernistas pautados por Le Corbusier em seu manifesto “Por uma arquitetura”, e por seus inúmeros projetos onde buscou-se aplicar uma arquitetura que ressaltasse a satisfação humana sobre a geometria simples.16 Na era do “menos é mais”, a caixa se fez simplicidade e saída para uma arquitetura universal e que negava os adornos17
16
Le Corbusier, Por uma arquitetura, p.11, ed.Perspectiva, 2011.
“baniu a decoração dos edifícios, insistindo na tese de que os únicos valores arquitetônicos legítimos são os volumétricos e espaciais” (ZEVI, 1996, p. 27) 17
8
• Arquitetos: Mies van der Rohe • Ano: 1951 • Endereço: Plano Illinois, Estados Unidos da América • Tipo de projeto: Residencial • Status: Construído
1Igor Fracalossi. “Clássicos da Arquitetura: Casa Farnsworth / Mies van der Rohe” 27 Mar 2012. ArchDaily Brasil. Acessado 12 JUL 2017. 18
O projeto de Mies acontece através de 8 pilares e uma caixa de vidro. Elevando-se do terreno, cria apenas o contato dos pilares com o chão. Busca conectar-se e continuar a natureza para a residência. A fluidez da transparência que faz o limite ser menos visível, menos palpável. Mas o limite é exatamente o que acontece através da caixa. Um volume fluido e diluído em seu entorno, através de sua simplicidade e transparência. “Se você vir a natureza através das paredes de vidro da Casa Farnsworth, ela ganha uma significância muito mais profunda do que se fosse vista desde o exterior. Desse maneira, se diz mais sobre a natureza – ela se torna parte de um todo maior.” Mies Van der Rohe.
• Arquitetos:Lina Bo Bardi • Ano: 1968 • Endereço: Avenida Paulista 1578, Bela Vista, São Paulo Brasil • Tipo de projeto: Cultural • Status: Construído
Marina de Holanda. “Clássicos da Arquitetura: MASP / Lina Bo Bardi” 14 Jul 2012. ArchDaily Brasil. Acessado 2 Ago 2017. <Http://www.archdaily.com.br/59480/ classicos-da-arquitetura-masp-lina-bo-bardi> 19
Lina Bo Bardi cria um fantástico projeto, o qual vai além do óbvio da criação dos limites. A caixa suspensa por 4 pilares cria o museu e ao mesmo tempo o vão. Cria o limite entre os espaços dentro de seu próprio desenho. Transmite a ideia de flutuar sobre a cidade. A principal avenida de São Paulo eleva a caixa. Um misto onde obras artísticas flutuam dentro do próprio edifício. E a vida percorre no vão do edifício. “A ideia do vazio, de ar, relaciona-se com a forma de exposição dentro do museu, e expressa, também, um conceito de tempo no qual o espectador é quem domina e gere o espaço, e não o contrário. O grande espaço livre, tanto exterior como interior, é gerido pelo visitante, sem obriga-lo a tomar uma direção ou outra, mas sim permitindo que se mova livremente. 20 “ 20
Idem
• Arquitetos: Renzo Piano + Richard Rogers • Ano: 1977 • Endereço: Beaubourg Paris, França. • Tipo de projeto: Institucional • Status: Construído
Igor Fracalossi. “Clássicos da Arquitetura: Centro Georges Pompidou / Renzo Piano + Richard Rogers” 07 Abr 2012. ArchDaily Brasil. Acessado 2 Ago 2017. <Http://www.archdaily.com.br/41987/classicos-da-arquitetura-centro-georges-pompidou-renzo-piano-mais-richard-rogers> 21
O inovador projeto de Renzo Piano e Richard Rogers tange a quebra da linha moderna para a pós-moderna ao ver no potencial tecnológico contemporâneo a resposta para a demanda arquitetônica do mundo pós-moderno. O projeto se resume a uma caixa exoesquelética, a qual externa e revela toda estrutura e infraestrutura, de forma que ressalte sua liberdade de fluxos interna. Cria-se dois ambientes. A caixa funcional estrutural externa e a caixa fluida interna que só se limita ao tocar a caixa exoesquelética.
O pós-moderno (…) privilegia a ‘heterogeneidade e a diferença como forças libertadoras na redefinição do discurso cultural’. A fragmentação, a indeterminação e a intensa desconfiança de todos os discursos universais ‘totalizantes’ são o marco do pensamento pós-moderno. (HARVEY, 1992).22
HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo: Edições Loyola, 1992 22
O mundo pós-moderno vai além da funcionalidade modernista3. Maria Lucia Malard (2003) pontua a arquitetura como arte, como cultura, como forma moldada através da vivência espacial e do tempo23. Isso contempla o como a caixa pós-moderna e seus limites se expandem a uma pluralidade heterogênea, a qual iniciam um processo de quebra de predefinições. Tudo passa a ser questionado. Nada mais é universal. Não há padrão na arquitetura pós-moderna. Não há um estilo internacional24. Não mais se busca um padrão para a arquitetura. Ortiz, Renato. REFLEXÕES SOBRE A PÓS-MODERNIDADE: O EXEMPLO DA ARQUITETURA. 23
“Os pós-modernos rejeitam o compromisso que o modernismo retinha com o desenvolvimento social; em termos estéticos isto implica a recusa do primado da universalização das formas, em detrimento de seus contextos. Diante da padronização da sociedade industrialista, eles valorizam as diferenças.” 24
Dessa forma a caixa passa a poder se transformar no que for necessário. Venturi (1966), um dos precursores do movimento pós-moderno na arquitetura, ao dizer LESS IS A BORE5, combate diretamente a falta de movimento que existia na arquitetura moderna do “less is more”. Assim, o pós-modernismo se direciona em busca de variações, possibilidades, resgatar o antigo e recriar o novo. A sequência de projetos a seguir elucida a mutabilidade da caixa na era contemporânea. Venturi, Robert. Complexidade e Contradição na Arquitetura, 1966. 25
26
• Arquitetos: Zaha Hadid • Ano: 2 0 1 0 • Endereço: The Hague, Holanda. • Tipo de projeto: Cultural • Status: Não Construído Hadid, Zaha. 2010 (http://www.zaha-hadid.com/architecture/new-dance-and-music-centre-2/) 26
Um dos maiores ícones do Descontrutivismo, Zaha Hadid cria ondas sonoras as paredes da caixa no centro de musica e dança, em Hague, na Holanda. O projeto que não vencera o concurso, traz consigo uma evolução no modo de abstração do volume. Cria uma esfera poética ao entorno da forma geométrica através da beleza orgânica de curvas como se fossem criadas por impacto de ondas sonoras. A caixa não se limita as suas paredes fixas, mas expande-se ao externo com a sensação de movimento. A música e a dança interna se extrapolam aos limites do edifício.
• Arquitetos: SANNA • Ano: 2 0 0 7 • Endereço: New York City, Estados Unidos da América. • Tipo de projeto: Cultural • Status: Construído
“New Art Museum / SANAA” 28 Jul 2010. ArchDaily. Accessed 25 Jul 2017. <Http://www.archdaily.com/70822/new-art-museum-sanaa/> 27
O New Art Museum é mais uma obra contemporânea que revela a caixa como principalmente elemento arquitetônico. Diferente dos projetos anteriores, o SANAA cria através de uma combinação de caixas sobrepostas, com um efeito não padronizado, 6 volumes diferentes, que se combinam verticalmente criando uma linear quebra na vista do projeto. Os volumes geométricos se tornam numa arquitetura repleta de simplicidade e com grande clareza de conceito, o qual é fruto da absorção dos blocos quadrados dos edifícios de seu entorno, com a adição do empilhamento dos volumes. Assim, ao mesmo tempo que se diferencia e destaca, cria um encaixe perfeito da construção ao seu contexto local.
• Arquitetos: Planda Architecture • Ano: 2 0 1 1 • Endereço: New York City, Estados Unidos da América. • Tipo de projeto: Cultural • Status: Não Construído
Hank Jarz. “Museum of Comic and Cartoon Art / Planda Architecture” 07 Jun 2011. ArchDaily. Accessed 2 Aug 2017. <Http://www.archdaily. com/140962/museum-of-comic-and-cartoon-art-planda-architecture/> 28
O projeto do escritório francês Planda, enviado para o concurso do museu de Museu de arte de quadrinhos e desenhos animados se caracteriza como um grande cubo branco dotado de certa opacidade. Buscou-se um aspecto mínimo, uma simplicidade através da forma geométrica. Ao mesmo tempo, o mistério proveniente de sua opacidade, ressalta a obra. O MoCCA procura se adequar a dois outros projetos de seu entorno. O primeiro é o New Art Museum / SANAA, analisado anteriormente. O outro é o Blue Residential Tower / Bernard Tschumi. Assim, assume a geometria de caixa do SANNA e em sua base remete ao azul da obra de Tschumi. Fato é, que a simplicidade da arquitetura como cubo/caixa do Caaba, se destaca novamente no projeto do MoCCA. Duas obras separadas por centenas de anos mostram como o modo de pensar arquitetura através da caixa é independente da época ou cultura.
• Arquitetos: Kodasema • Ano: 2 0 1 5 • Endereço: Talin, Estônia. • Tipo de projeto: Residencial • Status: Construído
”KODA / Kodasema” [KODA / Kodasema] 24 Jul 2016. ArchDaily Brasil. (Trad. Delaqua, Victor) Acessado 2 Ago 2017. <http://www.archdaily.com.br/br/791926/koda-kodasema> 29
• • • • •
Arquitetos: Schemata Architects Ano: 2 0 1 2 Endereço: Tokyo, Japão. Tipo de projeto: Residencial Status: Construído
30
Nagasaka, Jo. http://schemata.jp/paco/
Tanto o mini protótipo de casa móvel KODA, quanto o projeto PACO trazem por si uma nova tendência de arquitetura contemporânea. As minis residências. Projetos normalmente voltados para uma ou duas pessoas viverem. Buscando sempre uma máxima simplicidade. Pensados com uma composição usualmente coletiva dos ambientes tradicionais, em busca de aperfeiçoar atividades dentro do menor espaço possível. Enquanto o projeto do escritório Kodasema se realiza em um volume geométrico de 21m². O projeto Japonês vai além, assumindo a forma de cubo com 9m² de área e 3m de altura. O projeto conta inclusive com a possibilidade de abertura no seu teto.
Ambos projetos lidam com o mínimo. O ápice de simplicidade em busca de um conforto possível. Tal simplicidade retoma novamente a forma de caixa. E a tecnologia contemporânea acompanha o processo de alinhar esses designs aos desejos pessoais. O mínimo e o simples cada vez se tornam mais comuns. Há realidade da discussão por trás desses projetos “mínimos” se dá na esfera da liquidez contemporânea. O mínimo significa simplicidade, praticidade, velocidade. A sensação de lar, casa perdeu seu valor e voltou a ser um mero abrigo (quase provisório). Resultado da enorme mutabilidade, imaterialidade e volatilidade das rotinas sociais do século XXI. O mundo contemporâneo evolui. E junto a ele, a arquitetura explora novos modos de existir, viver e pensar.
Zygmunt Bauman é o grande pensador e criador do termo líquido aplicado adjetivamente para a sociedade contemporânea. Fato é que Bauman fundamenta-se a realidade de seu conceito explorando a metafórica abstração físico-química para fluidez, uma das características de líquidos 31: “Fluidez é a qualidade de líquidos e gases. O que os distingue dos sólidos, […]é que eles “não podem suportar uma força tangencial ou deformante quando imóveis” e assim “sofrem uma constante mudança de forma quando submetidos a tal tensão”. 32
Bauman, Zigmunt. Modernidade Líquida, p.7-8, ed. Zahar. 2001. 32 Bauman, Zigmunt. Modernidade Líquida, p.7, ed. Zahar. 2001. 31
33
33
Bauman, Zigmunt. Modernidade LĂquida, ed. Zahar. 2001.
A modernidade líquida retrata como a vida tornou-se extremamente sensível as constantes diversidades. Tanto ela, quanto nós, desenvolvemos aptidões de adaptação a esses constantes imprevistos. Enquanto a modernidade sólida se desenvolveu repleta de certezas, definições concretas e rigidez social34, a modernidade líquida carrega consigo uma única certeza: a própria incerteza. A vida contemporânea é pautada na liberdade de ideias e pensamentos, reforçados pela pluralidade e diversidade35. Não há nada mais que pareça ser constante na vida liquido-moderna,
34
Bauman, Zigmunt. Em entrevista à Maria Lúcia Garcia Pallares-Burke “A modernidade sólida tinha um aspecto medonho: o espectro das botas dos soldados esmagando as faces humanas. “ (Http://www1.folha. uol.com.br/fsp/mais/fs1910200305.htm) 35
Bauman, Zigmunt. Vida Líquida, p.7-8, ed. Zahar. 2009.
O calor da liberdade de pensamento contemporâneo liquefez conceitos concretos como família, os amigos, a carreira, o trabalho, o gênero, o amor, a casa e até o tempo. Transformou-os em ideais fluídos que pairam em discussão sobre a sociedade atual. Outro fato cotidiano cuja pós modernidade atinge é o modo de se pensar as relações sociais. A vida em comunidade fora substituída por relações em rede36. Onde fazer, desfazer e refazer amizade é um hábito comum e fácil, repleto de fluidez e velocidade37. Assim, Bauman explora o conceito de conexões como a onda de relações interpessoais da era líquida. Fato que surge em resposta no continuo aumento de fragilidade dos vínculos humanos. Os quais, cada vez mais se mostram tendenciosos ao rompimento inesperado.38
36
BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. P.8. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004. 37
Idem
38
Idem
Surge no medo do inesperado e na insegurança perante o estranho (sejam situações ou pessoas) inúmeras reações pautadas numa eventual autoproteção. Bauman diz que “ a companhia de estranhos é sempre assustadora (ainda que nem sempre temida)39 “. As relações sociais contemporâneas não se permitem criar grandes expectativas diante insegurança da eventual ruptura40, a certeza de fim em uma amizade liquida minimiza os prejuízos psicológicos dessa eventual perda. 39 40
Bauman, Zigmunt. Vida Líquida, p.101, ed. Zahar. 2009.
BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. P.15-16. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004.
É assim que se fundamentam grande partes das conexões do século XXI, via Whatsapp, Facebook, Instagram. Todas essas podendo ser voláteis, inconstantes e surgir e sumir quando necessário. As amizades se estabelecem na nuvem, na rede. Compartilhamos a instantaneidade de mensagens e fotos via aplicativos, podemos estar onde quisermos e com quem quisermos, sem que efetivamente estejamos com ninguém.
Nasce uma disposição ao isolamento social. Aquele medo proveniente da intensa liquidez social ativa o comportamento de “modo de segurança”, assim, criam-se pessoas cada vez mais offlines da rotina social e da possibilidade de encontro inesperada41, e os conecta a ciberespaços, onde a realidade é submetida ao desejo de transparecer o que bem entender. Enquanto a globalização se pauta sobre a possibilidade de sempre conectar e aproximar pessoas, seus frutos correspondem ao processo inverso42. Afasta-se daquele que está fisicamente próximo por conta da possibilidade de interação com o que está em qualquer lugar do planeta. Tal fato caracteriza-se devido ao simples poder de decisão de “qual pessoa (já conhecida) posso interagir agora? “. O que permite com que se classifique como desnecessário interagir com estranhos ou desconhecidos. 43 41
Bauman, Zigmunt. Vida Líquida, p.133, ed. Zahar. 2009. 42
BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. P.77. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004. 43
Bauman, Zigmunt. Vida Líquida, p.125, ed. Zahar. 2009.
44
44
Bauman, Zigmunt. Vida LÃquida, p.17, ed. Zahar. 2009.
Bauman explora a liquidez contemporânea sobre os parâmetros da sociedade de consumo atual. O próprio consumo é líquido em sua altíssima velocidade. De meses em meses produtos saem de “ultimo modelo” para ultrapassado. Agrega-se a isso o fato do consumo ser extremamente individual45 e nesse momento voltamos a ver rotinas e cidades voltadas para o consumo. Passamos cada vez mais a somente sair de casa (quando necessário) para consumir, e não mais para nos dar a possibilidade de imprevistos e encontros. E mesmo quando acontecem, se mantém breves e superficiais. 46
Quando Richard Sennett diz que a cidade é “um assentamento humano em que estranhos tem a chance de se encontrar”47 percebemos que a cidade passa a se involuir a partir do desenvolver da “cibercidade”. Quanto mais adeptos da cidade virtual, menos adeptos a reais relações sociais. Perde-se a chance de estranhos se encontrar, perde-se cidade. Bauman, Zigmunt. Modernidade Líquida, p.125, ed. Zahar. 2001. 45
46
Idem
Sennett, Richard. The fall of public man. New York: Vintage Book, 1978, p.39 47
Diante disso os próprios conceitos de viver e morar se tornam totalmente diferentes daqueles pautados pelo movimento moderno na arquitetura. Projetos como o KODA e o PACO, trazem consigo essa reflexão da vida líquida. A velocidade de mudança de trabalho48, cidade residente, de conjugue, parceiros sexuais, a possibilidade de sempre comer fora de casa. A sociedade de consumo49 fez do lar uma escolha. Morar em hotéis, ou em aeroportos. Nada mais é absurdo na atualidade quando se trata de possibilidades líquidas de viver.
48
Bauman, Zigmunt. Em entrevista à Maria Lúcia Garcia Pallares-Burke “Se se pensa, por exemplo, nos dados levantado por Richard Sennett [sociólogo] -o tempo médio de emprego no vale do Silício [localizado na Califórnia, EUA, concentra um grande número de empresas de tecnologia e internet], por exemplo, é de oito meses-, quem pode pensar num projeto de vida nessas circunstâncias?” 49
Bauman, Zigmunt. Vida Líquida, p.17, ed. Zahar. 2009.
Dessa forma, entramos numa temporalidade onde a solidez que entendíamos sobre cidade dá lugar a uma imprevisibilidade diária. Pessoas e suas relações são cada vez mais líquidas. Sentimentos são cada vez mais líquidos. Certezas são cada vez mais líquidas. Cidades são cada vez mais líquidas. É nesse momento em que a arquitetura necessita ser mais líquida.
80
80“
ciberespaço”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://www.priberam.pt/dlpo/ciberespa%C3%A7o [consultado em 09-08-2017].
O conceito de arquitetura líquida (ou transarquitetura) nasce com arquiteto Marcos Novak entre a década de 1980 e 19901. Pautada sobre sua percepção do ciberespaço e da intervenção tecnológica sobre a arquitetura. Novak transfigura seu pensamento em arquitetura a partir do desenvolvimento proveniente da fusão entre informação, arte e tecnologia 51. Sua ideologia aplicada o remete a projetos no ciberespaço, cuja composição é criada por algoritmos genéricos dispostos a partir de uma variação de informações, filtradas para uma criação visível.
51
Silva, Camile A. , LIQUID ARCHITECTURES: MARCOS NOVAK’S TERRITORY OF INFORMATION. P.V
Todavia, é com o escritório de arquitetura e design NOX que a arquitetura líquida se repercute nos dias atuais. Lars Spuybroek é quem dirige o grupo, que passou a introduzir novos modos de pensar, planejar e construir arquitetura52. O NOX adapta-se a um processo de transformações de padrões, não a exclusão destes. Adaptar a grelha rígida e geométrica à liquidez faz surgir a grelha líquida, a qual, segundo Lars Spuybroek “não há 1a. dimensão, 2a. dimensão, ou 3a. dimensão. Ela é uma combinação heterogênea de diversas dimensões, onde algumas forças de flexibilidade e fluidez se unem para criar esta forma híbrida de caráter maleável e mutante.53 “
52
da Silva ,Marcos Solon Kretli. A arquitetura líquida do NOX. 2004. Vitruvius (http://www.vitruvius.com.br/ revistas/read/arquitextos/04.045/615) PELENC, Arielle. Vision machine: interview with Lars Spuybroek. In Archis n. 9, 1997. p.20. 53
O projeto intitulado H2O Pavillion é um dos ícones dessa arquitetura líquida54. Com o intuito de realizar uma exposição sobre a importância da água para o planeta, o projeto uniu espaço de exposição e arquitetura em uma única forma, de forma que se criasse dois ambientes: O da água doce e o da água salgada.55 No qual cada ambiente se comporta de maneira diferente as diferentes reações do espectador e participante da obra. Jones, Denna. Tudo sobre Arquitetura. Tradução André Fiker, Rio de Janeiro, Sextante, 2014. P.524 54
Maiores informações em SCHWARTZ, Ineke. Salt Water Pavilion & Fresh Water Pavilion: a testing ground for interactivity the Water Pavilions by Lars Spuybroek and Kars Oosterhuis. In Archis n. 9, 1997, p. 10. 55
“Uma arquitetura constituída por ambientes poli-sensoriais completamente informatizados e interativos que fossem ao mesmo tempo reais e virtuais. Uma enorme e espetacular obra de arte multimídia tridimensional onde a forma e o conteúdo estivessem intimamente inter-relacionados “56
da Silva ,Marcos Solon Kretli. A arquitetura líquida do NOX. 2004. Vitruvius (http:// www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/04.045/615) 56
Em suma, o projeto cria uma completa ativação dos sentidos. Névoa, efeitos luminosos, sons, imagens, cores, velocidade, fluxos, movimento. Tudo é pensado para agir de forma sinestésica. Explorar os sentidos através de interatividade entre espaço e espectador. Assim, o projeto atinge a quatro princípios básicos da arquitetura liquida de ciberespaço: Imaterialidade. Liquidez. Mutabilidade. Interatividade.57 São essas quatro características que elucidam o percurso inventivo líquido do projeto B.E.L.A. da Silva ,Marcos Solon Kretli. A arquitetura líquida do NOX. 2004. Vitruvius (http:// www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/04.045/615) 57
A caixa líquida resume a abstraçao do B.E.L.A (Box Experience of Liquid Architecture). Criar uma experiencia de troca sensorial entre a arquitetura e as pessoas. Unir a aplicação sobre as faces da caixa de forma que se explore uma dinâmica sensitiva internamente e externamente. Por viés liquidos como projeções, desenhos, videos, imagens, sons, fumaça, luzes, movimento, sombra, etc...
O projeto pressuposto adquire, portanto, um percurso inventivo que se inicia com a forma: BOX/ CAIXA; a necessidade de uma estética simples, agradável, de fácil associação e consolidada dentro da esfera arquitetônica. A caixa por si só é mutável, logo, auxilia a compactuar com os princípios da arquitetura liquida.
Em um segundo momento, a necessidade de se agir sobre a contemporaneidade de forma líquida, de forma a compactuar aos ideais de Bauman e melhor interagir com a realidade contemporanea, faz do experimento uma possibilidade de manifestar relações sociais através da interatividade líquida. Por fim, a proposição de agir frente as quatro esferas de aplicação referenciada ao começo do capitulo para tornar o projeto interativo, liquido, mutável e líquido.
Assumir que toda arquitetura influencia sobre a mente humana reforça a linha experimental do projeto. Todavia, a intevençao buscará ser influenciadora e influenciada ao mesmo tempo. Uma troca onde o espaço será reflexo e intermeio da relação social e consequentemente reforçará as possibilidades de vinculos no espaço da intervençao.
To Share Your Fellings (Compartilhe seus sentimentos) surge como slogan e propaganda de atração para a B.E.L.A. Ao mesmo tempo, entra em congruencia ao conceito, onde busca, através da intervençao, que pessoas compartilhem sentimentos com o espaço ao seu redor, e consequentemente, com as pessoas ao seu redor.
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