Cartas a Renado Cohen

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CARTAS A RENATO COHEN

Naira Cio= – Rita Cavassana – Vicente Martos – Sylvio Ekman – Michael Nicássio – Kako Guirado

RESIDÊNCIA ARTÍSTICA – CONDOMINIO CULTURAL – MARÇO A JULHO 2015








Carta como corpo, onde escritura é performance Prof. Dr. Naira Cio= Bolsista PNPD CAPES 2013 MAC USP PPGARC UFRN 2014 Resumo A base comum de toda relação estabelecida pelas cartas é a separação, essa separação pressupõe uma relação logicamente anterior de junção. E, embora a presença que a relação de co-­‐presença enunciaava, seja puramente virtual, mas ao mesmo tempo atualiza os parceiros no ato semióaco que consiste em “se escrever”. A parar da valorização da experiência que afeta o possível campo de epistemologia das operações da consciência convertendo mediações e recepções. Introdução Talvez, se quisermos, podemos começar este arago com um boa historia de performances autobiográficas com a cena onírica (HEUVEL, 1997) de Robert Wilson sobre o texto de Samuel Beckeo, Krapp`s last Tape, que foi apresentada em São Paulo e estreou dia 14/4/2012 no SESC Belenzinho (com ingressos esgotados). A úlama gravação de Krapp -­‐ o arasta assina a direção, desenho de cenário, concepção de luz, além de atuar solitário com os objetos da cena, foi assim apresentada quando em turnê pela Europa: the American director and true pioneer of the arts returns to Luxembourg with one of Beckeo's most autobiographical works, the legendary monologue Krapp's Last Tape. Robert Wilson not only directs and designs, but also performs the work, his first appearance as an actor in nearly a decade. O que acontece na performance aubiográfica de Bob Wilson? Krapp é um sujeito asqueroso que vive em sua toca guardado da realidade pelo álcool e outros rituais que ele determina a si mesmo, como a comemoração do seu septuagésimo aniversário ouvindo uma fita que gravara em sua juventude. Esse sujeito com uma fita e sua relação com o gravador, ele liga, desliga não se deixa falar... singular personagem que fala consigo mesmo através de arquivos de som magnéaco: As lembranças servem de esvmulo para um solitário e desiludido Krapp ridicularizar a si mesmo com uma boa dose de escárnio, sem compreender as transformações de uma fase de vida para a outra, como se esavesse ouvindo fitas de outras pessoas, irreconhecíveis. Conhecido pela criação de complexos e inovadores processos cênicos sonoros, desde Einstein on the Beach, na montagem de Wilson para a obra de Beckeo:


The sound of a rain storm, created in Krapp's mind, symbolically expressed his subtle emoaons prior to his tape-­‐recording for his sixty-­‐ninth birthday. Echoing Krapp's senamental stream of consciousness about his old love, lost passions, present loneliness, and fear for the future, the varying intensity and frequency of the rain created an unusual harmony with Krapp's movement. For the first fiween minutes of the hour-­‐long producaon, Krapp silently strolled about the stage, Krapp é universal pois se trata de uma travessia através da vida desde sua juventude, seus amores. Robert Wilson cria um sonho ao qual todos nós viveremos ou já vivemos, no meu caso. Segundo a cronista do The Guardian: Krapp’s Last Tape is Samuel Beckeo’s study in loneliness and isolaaon. As is his ritual, every year on his birthday he talks about himself to the recorder, as well as reviewing tapes made on his previous birthdays. Cartas São Paulo, 23 de abril de 2014. querido amigo Meu Cérebro tentou Contato Com Você traçando mapas efêmeros Cartas de performance endereçadas a uma ausência SUA apresentado Fotogramas Atenciosamente Naira CioN Quero comparalhar com você, aquilo que aprendi sobre as cartas. A palavra carta, de acordo com CUNHA (1998), veio do laam charta, derivado do grego chártes, assim como a lexia epístola que chegou até nós vindos do laam epistúla que derivou do grego epistole, desde o século XIII quer dizer: “comunicação devidamente acondicionada e endereçada a uma ou várias pessoas”. Na semióaca greimasiana, ao chegar a nossa casa uma carta qualquer, ela imediatamente desencadeia um processo comunicacional de ordem performaava, pois envolve a presença de um objeto que subsatui ou feachiza. O discurso epistolar tem caracterísacas muito interessantes para uma performer, como eu. Permite-­‐me, ao escrever cartas, me relacionar com aquilo a que eu não posso ter acesso diretamente. Quando decidi estudar a obra de Renato Cohen, a possibilidade de lhe escrever cartas foi uma apesar da distância como um regime de palavras que me projeta em “duas posições atoriais disantas” (LANDOWSKI, 2002, p. 173) uma distância variável a entre os enunciadores, ora ela é máxima, mas ora, suposta como mínima: a práaca da carta implica não uma, mas de fato, duas espécies de distancias, de entre correspondentes, e correlaavamente a não-­‐coincidência de seus presentes respecavos; ela tende também a impor uma distancia mais irreduvvel ainda, separando cada um, não mais do outro, mas de si mesmo enquanto instância discursiva. (idem) A carta associa-­‐se à ideia de semióaca da presença, escrever se torna um ato de geração de senado, ou seja, de presenaficação. Essa presença toma caminhos heterogêneos que vão do não si, a alteridade; ou então, compõem-­‐se de regimes de alteridade como presença, que nos levam ao encontro de si:


Olá, como vai? Eu vou indo e você, tudo bem? Tudo bem, eu vou indo, correndo Pegar meu lugar no futuro, e você? Tudo bem, eu vou indo em busca De um sono tranquilo, quem sabe? Quanto tempo... Pois é, quanto tempo. (PAULINHO DA VIOLA, 1969) Esse trecho do poema de Paulinho da Viola inatulado “Sinal Fechado” é maravilhoso para exemplificar a discussão sobre os regimes epistolares da escritura performáaca. A presença do discurso inicial do poema nos lembraria o começo de uma carta. ou de um diálogo de um apo diferente de enunciadores distanciados pela situação. O poeta do Rio de Janeiro fala de presença e ausência. Quando é que você telefona?” eu estou aqui diante de você , mas prefiro falar ao telefone porque estão os dois parados em seus respecavos carros, em “sinal fechado”: O sinal... Eu procuro você... Vai abrir! Vai abrir! (idem) O desejo de presença é representado por uma imagem de subjeavidades em crise: "Eu preciso beber.” Paulinho da Viola escreveu um poema sobre o intempesavo: "Eu preciso beber alguma coisa, rapidamente”. A falta de contato que o outro me faz me levará a procura-­‐lo após a pressa ter passado, após o sinal, após a semana passar-­‐se. Como afirma Landowski, provavelmente falando de outro poeta: E o mesmo acontece ainda com as relações entre os sujeitos. Na roana da comunicação que organiza como que por capricho a não-­‐presença para o outro, tanto quanto para si mesmo – “Como vai?-­‐ “Vou indo e você...”, só uma práxis enunciaava capaz de ressemanazar a expressão das relações inter-­‐ ou mesmo intra-­‐ subjeavas pode subsatuir uma forma de presença do outro (em geral) para si, de si para o outro (este ou aquele em paracular) e finalmente de si para si. (LANDOWSKI, 1997, X) Assim como, no nosso caso, Renato Cohen, ao ser enunciatário de minhas lembranças remetendo-­‐me aos trabalhos que realizamos, os afetos desenvolvidos entre os pesquisadores daquela tão incipiente área da performance, faz dela uma Ausência inteiramente presente. A carta em si mesma não é, evidentemente quase nada, ou pelo menos ela é apenas uma coisa, mas uma coisa cuja presença, a única presença real, tem o poder de atualizar a relação com o valor propriamente dito que aí se investe figuraavamente, ou seja, de atualizar o “elo existencial” que reúne seu leitor ao seu autor ausente. Então, diante dessa coisa, cuja transforma-­‐se, por um momento talvez efêmero-­‐ mas singularmente intenso-­‐, numa relação atual (LANDOWSKI, p. 176)


Deixando de ser um discurso para se tornar um ato, o enunciador da carta perde sua idenadade original, torna-­‐se estrangeiro para se dedicar a informar ao seu desanatário seu próprio presente e, em ulama instância, produzir senado mediante o simples fato de enunciar. Transforma-­‐se o regime de co-­‐presença, que passa a ser um estatuto de actantes cuja existência construída “resultará de sua própria práaca de enunciação em lugar de a preceder.”(Landowski, p. 181) Afinal, o que pode uma carta, senão performance? Conclusão A base comum de toda relação estabelecida pelas cartas é a separação, essa separação pressupõe uma relação logicamente anterior de junção. E, embora a presença que a relação de co-­‐presença enunciaava, seja puramente virtual, mas ao mesmo tempo atualiza os parceiros no ato semióaco que consiste em “se escrever”. A parar da valorização da experiência que afeta o possível campo de epistemologia das operações da consciência convertendo mediações e recepções Nota Final Para nós o sinal não está fechado, está muito aberto. Referências

BECKETT, Samuel. Krapp's Last Tape, and Other DramaWc Pieces. NY: Grove Press, Inc., 1957. BORGGREEN, Gunhild and GADE, Run Performing Archives/ Archives of Performance. Copenhagen: Museum Tusculanum Press, 2013. DAMÁSIO, António R. (2011) E o cérebro criou o Homem. São Paulo: Companhia das Letras. PHELAN, Peggy (1993). Unmarked: The poliWcs of performance. London and New York: Routledge. LANDOWSKI, Eric. (1997) Presenças do Outro. São Paulo, Perspecava, 2002. VANDEN HEUVEL, Michel (1991). Performing drama/dramaWzing performance: alternaWve theater and the dramaWc text. Manchester: Manchester University Press, 1994. O meu projeto, chamado Musealizacão da Performance: Cartas para Renato Cohen, pesquisa financiada pela CAPES-­‐ PNPD 2013, agradeço ao Mac USP para hospedá-­‐lo. o diretor americano e verdadeiro pioneiro das artes retorna à Luxemburgo com uma das obras mais autobiográficos de Beckeo, o monólogo lendário Krapp Last Tape. Robert Wilson, não só dirige e desenha mas também executa a obra, é a sua primeira aparição como ator em quase uma década”. Disponível em hop://www.theatres.lu/Krapp_s+Last+Tape-­‐p-­‐4691.htm acesso KIM, Jae Kyoung University of Georgia
























































PROJETO CARTAS A RENATO COHEN

Performance mulamídia de Naira Cio=, Rita Cavassana e Vicente Martos, Videoarquitetura: Sylvio Ekman Música: Michael Nicássio Desenho de som: Kako Guirado Preparação Corporal: Mônica Augusto Comunicação: Jaqueline Vasconcelos Fotografias: Paulo Pereira, Paloma Klein Produção: Géssica Arjona Condomínio Cultural: 25, 26 e 31 de julho / 01 de agosto, 20h00 Oficinas Cultural Oswald de Andrade: 11 a 14 de novembro, 19h15 Este projeto foi realizado com o apoio do Governo do Estado de São Paulo e Secretaria de Estado da Cultura, através do Programa de Ação Cultural – PROAC Artes Integradas II Realização:


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