TFG - Arquitetura de Resistência - Victor Presser

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arquitetura de resistência : extensão universitária na construção do Complexo Esportivo Dr. Sócrates Brasileiro


Inauguração do Campo Dr. Sócrates Brasileiro, 23 de dezembro de 2017.


arquitetura de resistência : extensão universitária na construção do Complexo Esportivo Dr. Sócrates Brasileiro

Victor de Almeida Presser Trabalho Final de Graduação Orientação Professora Dra. Karina Leitão Coorientador Dr. Francisco Toledo Barros Orientação Metodológica Professora Dra. Raquel Rolnik

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Universidade de São Paulo Dezembro - 2017


Agradecimentos Agradeço à Professora Karina, ao Chico e à Professora Raquel pelas conversas sinceras, sonhadoras e inspiradoras, pelo apoio e dedicação. Ao LAME, ao LCC, ao Romerito, ao Zé e ao Eridan, por viabilizarem a materialização do nosso trabalho. Ao Professor Reginaldo Ronconi, que nos orientou em vários momentos, colocou o LCC à disposição do trabalho, e nos apresentou ao Zé. Ao Labhab, por nos acolher, e ser nossa base operacional para a realização deste trabalho. Ao apoio, colaboração, militância e luta pela extensão, e pela amizade da Professora Luciana Travassos, do Professor Caio Santo Amore, da Professora Beatriz Rufino, do Professor Nilton Ricoy, do Professor Jorge Bassani, Professor Paulo Emílio e da Escola Municipal de Construção Civil de Taboão da Serra, na figura do Arquiteto Eduardo Jorge Canella. Ao trabalho, apoio, ensinamentos e colaboração da arquiteta Tamires Lima, do arquiteto Tomaz Lotufo, do arquiteto Lucas Lotufo Brant, da arquiteta Lílian Lubochinski e da Engenheira Ilse Regina Heydt. Ao Caetés, pelas amizades, aprendizado, trabalho e luta que permitiram o desenvolvimento deste processo: Ana Cristina Morais, Ana Lívia Ruegger Saldanha, Artur Tadeu Paulani Paschoa, Beatriz Mendes, Evelyn Tomoyose, Flávia Tadim Massimetti, Giovanna Piesco, Hudynne Helena, Luiz Gustavo Bertocchi, Maria Luiza Mello, Mateus Büll, Mônica Bertoldi, Roberto Shimoda, Thais Coelho. Também às pessoas que tiveram passagem pelo Caetés e por este trabalho, porém com quem não tive contato: Gabriela Del Valle, Gabriela Oliveira, Isadora Schwartzman, Lahayda Dreger, Maryana Timpani. Ao Grupo de Construção Agroecológica, por dar sentido à FAU.

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À comunidade da ENFF, com quem sempre aprendo a ser mais humano. Em especial à CPP da ENFF, que nos acompanhou neste trajeto, nas pessoas de Rosana Fernandes, Joba Alves, Janailson Almeida, David Martins e Celso Antunes. À AAENFF, que possibilitou o financiamento desse projeto. Aos trabalhadores voluntários da obra, pela amizade e convivência única: Chicão, Alacrino, Andinho, Glauce, Marcelo, Tião, Rodrigo, Raimundo, Jackson, Alef, Claudio, Karine, Chimbinha e Gabriel. Aos companheiros e companheiras do MST regional São Paulo, pelas amizades e formações conjuntas: Kennedy, Tripa, Cláudio, Sheila Rodrigues, Flávio Barbosa, Guilherme Verde, Lucas Ciola, Márcio Santos e Adriana Depieri. Aos amigos e amigas da FAU, do Samba do Matão, do futebol, das várias reps, pelos momentos compartilhados. Aos angoleiros e angoleiras pela melhor parte de cada dia. Principalmente à Mãe, ao Pai e ao Edu por todo amor.

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Caminante, son tus huellas el camino y nada mรกs; Caminante, no hay camino, se hace camino al andar. Al andar se hace el camino, y al volver la vista atrรกs se ve la senda que nunca se ha de volver a pisar. Caminante no hay camino sino estelas en la mar.

ANTONIO MACHADO trecho de Proverbios y cantares, em Campos de Castilla, 1912 9


RESUMO A partir das experiências, práticas e teóricas, vivenciadas em trabalhos de extensão universitária junto ao Grupo de Construção Agroecológica (GCA) e ao Coletivo Caetés na FAU USP, este TFG busca uma síntese de pensamento, tomando como estudo de caso a construção do Complexo Esportivo Dr. Sócrates Brasileiro na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF) do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) pelo Caetés, desde 2016. Para tanto, optou-se por montar uma narrativa em dois importantes momentos. Primeiro, numa síntese teórica utópica desenvolvem-se reflexões acerca de três princípios norteadores desta construção: i) que a obra ocorra no formato de um curso, com caráter educador, pedagógico; ii) que o desenho de arquitetura desta obra fosse aberto e colaborativo; iii) por fim, que as técnicas escolhidas na obra tivessem uma matriz agroecológica. Já no segundo momento, é onde vai se relatar e criticar o processo concreto deste estudo de caso. Nele, insere-se a reflexão sobre como colocou-se em prática os princípios antes mencionados, e as dificuldades e limitações encontradas para tanto. Por fim, uma breve conclusão acerca destes momentos, com uma reflexão sobre a Extensão Popular, e como ela se aproxima da narrativa do presente TFG.

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abstract From the experiences, practical and theoretical, cultivated in university extension work with the Group of Agroecological Construction (GCA) and the Caetés Collective at FAU USP, this TFG seeks a synthesis of thought, taking as a case study the construction of the Sports Complex Dr. Sócrates Brasileiro at the National School Florestan Fernandes (ENFF) of the Movement of the Landless Rural Workers (MST) by Caetés, since 2016. Therefore, it was decided to set up a narrative in two important moments. First, a utopian theoretical synthesis develops reflections on three guiding principles of this construction: i) that the work takes place in the form of a course, with an educative, pedagogical character; ii) that the architectural design of this work was open and collaborative; and iii) finally, that the techniques chosen in the work had an agroecological matrix. In the second moment, it is where the concrete process of this case study will be reported and criticized. It includes reflection on how the principles mentioned above were put into practice, and the difficulties and limitations encountered in doing so. Finally, a brief conclusion about these moments, with a reflection on the Popular Extension, and how it approaches the narrative of the present TFG.

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Sumário 1. introdução

17

1.1. Extensão, Formação e Desalienação

18

1.2. Estudo de Caso

19

1.3. A construção do diálogo

21

1.4. estrutura do pensamento

22

2. Reflexões para uma ‘arquitetura de resistência’ 2.1. Por uma obra Educadora

25 30

2.2. pOR UM DESENHO ABERTO E COLABORATIVO

36

2.3. POR UMA CONSTRUÇÃO AGROECOLÓGICA

42


3. Extensão Universitária Enquanto Assessoria Técnica: Experiência com o Complexo Esportivo Dr. Sócrates Brasileiro

52

3.1. O coletivo Caetés

54

3.2. O Complexo Esportivo Dr. Sócrates Brasileiro na ENFF

58

3.2.1. Captação Financeira

60

3.3. Programa do Complexo Esportivo

62

3.4. Linha do tempo

63

3.5. planejamento da construção da arquibancada

64

3.5.1. Primeiras propostas

64

3.5.2. Estudo de projeto aberto para a construção da

arquibancada

64

3.5.3. Ensaios no Canteiro Experimental

64

3.5.3.1. Técnicas Construtivas

68

3.6. Planejamento dos Vestiários

84


3.7. Campo e Drenagem

88

3.8. Brigada de Construção Oziel Alves

90

3.8.1. Trabalhadores aprendizes voluntários

92

3.8.2. Mestres Construtores de Ofício

94

3.8.3. Frente de Planejamento

96

3.9. Ciclo de debates sobre construção agroecológica 3.10. Oficina de aproximação e reconhecimento

96 100

3.11. Oficina com Maquetomóvel

102

3.12. Oficina com piquetes e linhas

104

3.13. Oficina de desenho

104

3.14. Oficina sobre Construção Agroecológica

108

3.15. Processo construtivo

108

3.16. Dificuldades Enfrentadas

110

3.16.1. Levantamento Topográfico do terreno

110


3.16.2. Distância geográfica entre a FAU e a ENFF

110

3.16.3. Dificuldades financeiras para a atuação do grupo

114

3.16.4. Falta de espaço e tempo para prática da Extensão

Universitária no currículo do aluno de graduação

114

3.17. Memorial do Futebol e Política

116

3.18. Projeto de Macro Drenagem

118

4. notas conclusivas: Extensão Popular

121

5. bibliografia

130


16


1. introdução

17


vos. Não basta, porém, realizar a prática da

1.1. Extensão, Formação e Desalienação

atuação por si só. É a reflexão crítica, acerca da nossa atuação dentro da sociedade, que motiva os trabalhos desenvolvidos pelos coletivos de extensão na escola. A crítica geral destes coletivos atinge: o questionamento da arquitetura enquanto mera ferramenta

Extensão Universitária, sob o princípio

que agrega valor para o mercado; a continui-

constitucional da indissociabilidade entre en-

dade da exclusão territorial existente em nos-

sino, pesquisa e extensão, é um processo inter-

sas cidades, campo, estado e país, pelo mo-

disciplinar, educativo, cultural, científico e po-

do de produção espacial que a reproduz; a

lítico que promove a interação transformadora

alienação do desenho em relação ao trabalho

entre Universidade e outros setores da socie-

despendido na sua materialização; o impac-

dade. [Política Nacional de Extensão Univer-

to ambiental de cada técnica, e a busca pela

sitária (PNEU), 2012]

emancipação frente à dependência de materiais e técnicas pautadas mercado; a domina-

Como estudo de caso para o desen-

ção de uma linguagem técnica específica que

volvimento deste TFG, toma-se como obje-

exclui a participação de leigos no processo de

to o trabalho desenvolvido pelo coletivo Cae-

pensar o projeto; e aproximação do estudan-

tés, autogerido por estudantes da FAU USP,

te às questões concretas ligadas a coletivos

e que formaliza-se institucionalmente como

urbanos, movimentos sociais, e outras orga-

Extensão Universitária. Os estudantes unem-

nizações populares, que possuem determina-

se em torno de grupos de extensão sobretu-

dos projetos de sociedade, em busca de cons-

do por um distanciamento da maior parte da

cientização e emancipação.

graduação FAU em relação às atuações do(a) arquiteto(a) / urbanista / designer no mun-

E aí se inserem os seguintes questio-

do concreto, ainda que existam algumas pou-

namentos: como atuar? Para quê? Com quem

cas experiências contra-hegemônicas que, in-

atuar? Que projeto de mundo buscamos, e

clusive, inspiram a construção destes coleti-

como a materialidade da produção do espa18


ço se insere nisso? Onde estamos dentro da

lo GCA, pode-se citar:

cadeia produtiva da construção do espaço

habitado?

Construção de um banheiro seco em mutirão, e dinâmica para demarcação de lo-

Menos por encontrar respostas, e

tes junto às mulheres em ocupação do

mais pela reflexão destes pontos, é que se

MST em Itapevi, SP - Maio a Julho, 2014.

desenvolve este TFG: a busca da práxis para

uma ‘arquitetura de resistência’.

Construção da Casa das Artes Frida Kahlo na ENFF em Guararema, SP - Agosto a Setembro, 2014. Este trabalho é de estudo de caso da tese doutorado de Barros

1.2. Estudo de Caso

(BARROS, 2017), e tema do TFG do aluno Rainer Grassmann (GRASSMANN, 2014). Estes dois primeiros trabalhos, na ocupa-

O presente estudo de caso se refere

ção de Itapevi e na Casa das Artes, foram

ao projeto e construção do Complexo Espor-

contemplados com duas bolsas de em

tivo Dr. Sócrates Brasileiro na ENFF (Escola

um edital para projetos de Extensão Uni-

Nacional Florestan Fernandes) do MST

versitária na USP, de agosto de 2014 a ju-

(Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem

lho de 2015.

Terra), através da atuação do Coletivo Caetés •

enquanto Extensão Universitária.

Assessoria Técnica para tentativa de acessar verbas federais para reforma de

A escolha deste estudo de caso se deu

28 casas de famílias assentadas no As-

por alguns motivos. De início, esta escolha

sentamento Dom Pedro Casaldáliga em

veio por conta da atuação do autor deste TFG

Cajamar, SP - Novembro de 2014 a Fe-

junto ao Grupo de Construção Agroecológica

vereiro de 2017. A partir deste trabalho,

(GCA) da FAU desde 2014, que também é um

foi escrito um artigo para o XII ENANPUR

grupo de extensão autogerido por estudan-

(Encontro Nacional da Associação Na-

tes, e que trabalha em diversas frentes junto

cional de Pós-Graduação e Pesquisa em

ao MST. Entre trabalhados desenvolvidos pe-

Planejamento Urbano e Regional) que 19


ocorreu em São Paulo, em Maio de 2017

balhos desenvolvidos neste grupo balizaram

(MÜHLE, LOPES e PRESSER, 2017). Con-

a escolha do tema relacionado à atuação da

templado com 7 bolsas no total, ao lon-

extensão universitária enquanto estudo des-

go de dois editais de Extensão Universi-

te TFG. O recorte inicial, contemplado no TFG

tária da USP, entre 2015 e 2017.

1, traria um panorama da atuação dos trabalhos desenvolvidos pelo GCA e pelo Caetés,

Projeto Bambuzeiras: formação de as-

para uma reflexão acerca da extensão univer-

sentadas do MST em técnicas de cultivo,

sitária. Porém, ao longo do trajeto, optou-se

tratamento e beneficiamento de produ-

por focar especificamente no estudo do caso

tos em bambu, conjuntamente com for-

do Complexo Esportivo Dr. Sócrates.

mações de gênero. Curso de formação

desenvolvido com as mulheres do Assen-

Primeiro, esta escolha se deu pelo ca-

tamento Dom Pedro Casaldáliga em Ca-

ráter do trabalho desenvolvido. A ENFF, de

jamar, SP. Desde Março de 2017, em an-

acordo com Barros (2012, p. 405), é um “Ter-

damento. Contemplado com 4 bolsas no

ritório Livre”, ou liberado da lógica do capi-

Programa Unificado de Bolsas (PUB) da

tal, onde pode-se propôr dinâmicas humani-

USP, vigência de setembro 2017 a agos-

zadas e humanizadoras nos processos de pro-

to de 2018.

dução do espaço. É um espaço de formação da classe trabalhadora do MST e do mundo.

Territórios da autonomia: paisagem,

Por isso tudo, é um lugar onde pode-se apro-

acesso à terra e participação social. De-

ximar da prática do que seria uma ‘arquitetu-

senvolvimento de plano de massas pa-

ra da resistência’, termo desenvolvido neste

ra o Assentamento Comuna da Terra Ir-

TFG para contemplar um conjunto de inten-

mã Alberta em São Paulo. Desde Março

ções sobre o processo de se fazer a arquitetu-

de 2017, em andamento. Contemplado

ra, conforme conceitos desenvolvidos no item

com 4 bolsas no Programa Unificado de

2. Reflexões para uma ‘arquitetura de re-

Bolsas (PUB) da USP, vigência de setem-

sistência’.

bro 2017 a agosto de 2018.

Além disso, este estudo de caso tam-

A formação possibilitada pelos tra-

bém foi escolhido pelo tempo de execução do 20


trabalho. A primeira fase da obra do Comple-

a materialização da arquitetura, é o processo

xo Esportivo Dr. Sócrates Brasileiro se deu en-

que leva à sua construção, assim como as di-

tre o segundo semestre de 2016 e o primeiro

nâmicas geradas por aqueles envolvidos nes-

semestre de 2017. No momento da finaliza-

te processo.

ção deste TFG, acontece o planejamento da

Numa reflexão acerca do caráter

segunda fase da obra, programada para o pri-

emancipatório possibilitado pela construção

meiro semestre de 2018. Desse modo, o tem-

coletiva do espaço, seja o espaço de um gru-

po de desenvolvimento deste TFG acompa-

po, comunidade, ou até mesmo sociedade,

nhou o andamento de toda primeira fase, e

pretende-se problematizar a origem das for-

ainda com tempo para refletir sobre a segun-

ças determinantes que levam a construção da

da fase (TFG I finalizado no segundo semestre

arquitetura, assim como os processos envol-

de 2016, e finalização do TFG II no segundo se-

vidos durante sua construção. Como seriam

mestre de 2017). Dessa forma, o trabalho cou-

espaços construídos que priorizassem o valor

be bem dentro da questão prática que envol-

de uso, e não apenas valor de troca? Para tan-

ve o espaço-tempo de um TFG.

to, aqui defende-se que tanto a origem da de-

Por fim, este autor é corintiano e ad-

manda quanto os processos de construção da

mirador do jogador Sócrates, e o desenvolvi-

arquitetura tem grande influência na possibi-

mento deste trabalho não poderia deixar de

lidade desta ser apropriada.¹

ter um significado pessoal forte.

Dessa maneira, buscar o diálogo entre aqueles que ‘pensam’, os que ‘fazem’ e os que ‘usam’ o espaço construído: a beleza de

1.3. A construção do diálogo

uma ‘arquitetura de resistência’, que seja produto de uma reflexão e uma prática coletiva, baseada no diálogo entre os diversos agentes do processo de construção do espaço. Um processo que aproxima aqueles que propõe e

No presente estudo, parte-se da pre-

financiam, daqueles que desenham, os que

missa de que muito mais importante do que

planejam, os que constroem e os que usam e 21


se apropriam. E assim, problematiza as rela-

desenvolvem-se reflexões acerca de três prin-

ções dos seres humanos com o espaço, com

cípios norteadores da obra do Complexo Es-

o mundo, e entre si. Um processo que permi-

portivo Dr. Sócrates Brasileiro: primeiro, que

ta o conflito - afinal, nem sempre existe con-

a obra ocorra no formato de um curso, com

senso - porém não negue-o. E que, através da

caráter educador, pedagógico; segundo, que

construção coletiva do espaço, busca a su-

o desenho de arquitetura desta obra fosse

peração da situação opressora da sociedade

aberto e colaborativo; e terceiro, por fim, que

compartimentada, com a instauração de uma

as técnicas escolhidas na obra tivessem uma

comunidade, ou até mesmo sociedade, em

matriz agroecológica. Em cada tópico des-

processo de permanente libertação, feita de

te item, foi comparado o funcionamento de

sujeitos atuantes e emancipados, que assu-

uma obra hegemônica, ou seja, dentro do mo-

mem seus próprios destinos.²

dus-operandi da atual conjuntura capitalista, com o funcionamento de uma obra que paute os princípios citados. Estas reflexões estão

1.4. Estrutura do pensamento

diretamente ligados a trajetória deste autor junto aos trabalhos de extensão, e traduzem uma síntese teórica de caráter utópico. Já no segundo momento, no item 3. Extensão Universitária enquanto Assesso-

A partir das reflexões anunciadas an-

ria Técnica: Experiência com o Complexo

teriormente, assim como pelas vivências prá-

Esportivo Dr. Sócrates Brasileiro, é onde vai

ticas e formações junto ao Grupo de Constru-

se relatar e criticar o processo concreto deste

ção Agroecológica (GCA), este TFG busca uma

estudo de caso. Nele, insere-se a reflexão so-

síntese de pensamento. Para tanto, optou-se

bre como colocou-se em prática os princípios

por montar uma narrativa em dois importan-

antes mencionados, e as dificuldades e limi-

tes momentos.

tações encontradas para tanto.

Primeiro, no item 2. Reflexões pa-

Por fim, uma breve conclusão acerca

ra uma ‘arquitetura de resistência’, é onde

destes momentos, com uma reflexão sobre a 22


Extensão Popular, e como ela se aproxima da narrativa do presente TFG.

¹ reflexões do autor com base na leitura de Barros (2012, 2017), Ferro (1982, 2006) e Silva (2010) ² reflexões do autor com base na leitura de Barros (2012, 2017), Freire (1980) e Touraine (1999)

23


24


2. Reflexões para uma ‘arquitetura de resistência’

25


Aqui, vai-se refletir acerca dos três

metidos ao desenho. Entende-se aqui que o

princípios que regiram o trabalho do Caetés

arquiteto também é um trabalhador, que con-

sobre a construção do Complexo Esportivo

tribui na cadeia produtiva da construção com

Dr. Sócrates Brasileiro: primeiro, que a obra

uma das etapas práticas, a do desenho. Es-

fosse um curso; segundo, que a construção ti-

te desenho não é decidido integralmente pe-

vesse um desenho aberto e colaborativo; ter-

lo arquiteto, mas por um conjunto de agen-

ceiro, que tivesse materiais e técnicas de ma-

tes que controlam a demanda, e com quem

triz agroecológicas.

ele dialoga para chegar neste produto que é o desenho de arquitetura. Porém, sabe-se que

Estas reflexões são utopias possíveis

este produto pode ser impositivo aos demais

de serem aproximadas dentro da Escola Na-

trabalhadores, como colocado pela crítica de

cional Florestan Fernandes (ENFF), e que par-

Sérgio Ferro sobre a separação entre canteiro

tem de alguns pontos importantes de serem

e desenho, e que o arquiteto, dessa maneira,

explicitados para melhor compreensão do re-

pode-se colocar acima dos demais trabalha-

corte teórico que irá-se tratar aqui.

dores nas diversas camadas de opressão de

I) Primeiro, deixar claro que este tra-

classe da construção civil.

balho parte de uma leitura marxista acerca da

III) Terceiro, que a origem da deman-

sociedade de classes, e da alienação do tra-

da pela construção deste Complexo Esporti-

balho na divisão social do trabalho capitalis-

vo visa a prática da coletividade na ENFF atra-

ta. A questão de classe está contida na cons-

vés do esporte, o fortalecimento do MST e a

trução da arquitetura em diversas camadas,

ampla dimensão política pela repercussão da

e algumas destas serão aprofundadas neste

construção um campo de futebol da esquer-

TFG.

da, que homenageia o jogador Sócrates. Des-

II) Segundo, este trabalho parte da

sa maneira, não é uma demanda que vem da

noção de que o desenho de arquiteutra repre-

inciativa privada com o objetivo de explorar

senta poder nesta sociedade de classes, on-

um mercado, mas, pelo contrário, tem um

de muitos trabalhadores da construção são

sentido prático de valor de uso, e um sentido

separados do momento de proposição e sub-

simbólico importante. 26


IV) Quarto, que este trabalho se de-

te as grandes empreeiteiras e construtoras,

senvolve na ENFF, uma escola que reconhe-

agentes de maior poder político e econômi-

ce o trabalho como atividade humanizado-

co na geração de capital através da constru-

ra, com dimensão pedagógica permanente,

ção do espaço, e que utilizam do produto do

emancipadora e não alienante. Dessa ma-

desenho de arquitetura dentro de sua cadeia

neira, ainda que na pequena e limitada esca-

produtiva.

la das relações de trabalho envolvidas nesta

VI) Por fim, faz-se aqui a comparação

construção, busca-se romper com as diversas

‘didática’ entre uma construção hegemõnica

camadas de opressão de classe, que já tem na

e uma arquitetura da resistência, com inspira-

sua origem o objetivo de uma construção co-

ção nos diagramas de confronto sobre a “Teo-

letiva, em uma escola que busca construir o

ria da Ação Opressora” e a “Teoria da Ação

poder popular.

Revolucionária”, produzidos por Paulo Frei-

V) Quinto, colocar aqui que existem

re em manuscritos recentemente encontra-

diversas arquiteturas em nossa sociedade: a

dos pela pesquisadora Camila Téo da Silva, e

arquitetura produzida pelo estado; a arqui-

que faziam parte do conteúdo do livro Peda-

tetura da auto-construção nas periferias; as

gogia do Oprimido. Paulo Freire nunca publi-

arquiteturas de especulação do mercado; as

cou estes diagramas no livro, ainda que tives-

arquiteturas de espaços produtivos, e tantas

se separado um espaço nas primeiras edições

outras. Na escala da construção deste proje-

para colocá-los. Segundo a pesquisadora, a

to, questionou-se uma arquitetura chamada

“Teoria da Ação Opressora” é “esboçada de

de convencional ou hegemônica, onde o de-

maneira verticalizada, com setas apontadas

senho está separado do canteiro; onde os tra-

para baixo que conduzem à ‘manutenção da

balhadores estão dentro da alienação do tra-

opressão’, indicando o problema da ausên-

balho capitalista; onde os privilégios de clas-

cia de diálogo.” Enquanto a “Teoria da Ação

se são reforçados pelos privilégios de acesso

Revolucionária” é “representada de forma cí-

à educação formal; onde os materiais indus-

clica, em que os líderes revolucionários e as

triais pautam as escolhas ténicas. Esta cons-

massas oprimidas são colocados na mesma

trução hegemônica representa principalmen-

posição e com setas entre si que apontam pa27


ra a existência de diálogo entre as partes.” (DA SILVA, 2017) Sabe-se dos limites da generalização teórica, por isso esta introdução busca precisar os parâmetros dos conceitos, das escalas e das especificidades abordadas nas reflexões das próximas páginas.

Diagrama da “Teoria da Ação Opressora”, elaborado por Paulo Freire em 1968. Fonte: DA SILVA, 2017


Diagrama da “Teoria da Ação Revolucionária”, elaborado por Paulo Freire em 1968. Fonte: DA SILVA, 2017


2.1. Por uma obra educadora Numa obra convencional, existe uma

da obra, além de receberem mais. Os operá-

clara hierarquia presente no canteiro de

rios da construção civil são, em sua maioria,

obras, que sobrepõe os que planejam – os

reduzidos a instrumentos que executam or-

agentes viabilizadores da construção em diá-

dens, tarefas, instruções recebidas dos arqui-

logo com engenheiros e arquitetos – àque-

tetos e engenheiros. São destituídos da possi-

les que colocam a mão na massa – pedrei-

bilidade de proposição, do trabalho criativo.

ros, carpinteiros, eletricistas, encanadores,

Na ausência (intencional) de ensi-

etc. Nesta conformação, os planejadores re-

no formal suficiente, e na urgência da clas-

cebem uma fatia maior do bolo: possuem um

se mais pobre em conseguir um trabalho, no

salário mais alto do que os demais trabalha-

Brasil a maior escola de formação de traba-

dores (operários). Isso reforça a aristocrática

lhadores da construção civil é o próprio can-

visão cultural do trabalho “braçal” como bru-

teiro-de-obras. Estes operários pertencem,

tal, desgastante, sujo, menosprezível, miserá-

normalmente, à faixa da sociedade com me-

vel, e por isso, vale menos. Nesta mesma cha-

nor acesso à instrução, ou educação formal. A

ve, o trabalho “intelectual” do planejador é

construção civil, uma das atividades de maior

edificante, valoroso, respeitável, nobre, e as-

produção de mais valia para o capital, tam-

sim, deve receber mais.

bém é a que explora o operariado mais vulne-

Esta separação faz parte da divisão

rável da sociedade.

social do trabalho capitalista de nossa socie-

No funcionamento do canteiro he-

dade compartimentada (MARX, 2015), e re-

gemônico prevalece a setorização da obra,

produz uma dominação de classe através do

onde cada equipe de operários desenvol-

ensino: arquitetos e engenheiros, privilegia-

ve uma função específica: fabricação de for-

dos por terem acesso ao ensino superior, são

mas, montagem de armação, alvenaria, car-

incubidos de todo o planejamento e criação

pintaria, entre outras. Com isso, os operários 30


tendem a ter uma visão parcial da obra, im-

construção por todos envolvidos.

pedidos de participar do processo como um

Dentro da organicidade da ENFF, cada

todo. Ainda, cada equipe de operários é hie-

grupo de trabalho forma uma brigada. O cor-

rarquizada, de maneira que os integrantes

po de trabalho da obra estudada foi denomi-

têm funções diferentes, de acordo com a ex-

nado Brigada de Construção, e se divide em

periência de cada um, o que diminui ainda a

três grandes grupos:

possibilidade de que todos integrantes com-

I. Mestres Construtores de Ofício: são profis-

preendam o processo de trabalho da equipe

sionais construtores especializados em algu-

como um todo: um operário sem muita expe-

ma(s) técnica(s) do processo construtivo, tal

riência provavelmente vai passar o dia carre-

como construção com terra, bambu, madeira,

gando peso, não vai participar da manufatura

alvenaria, elétrica, etc. Cada um desses mes-

final da sua equipe, e ainda receberá menos

tres será responsável por garantir que a téc-

que os demais.

nica está sendo devidamente empregada na

O trabalho do operário da construção

obra, além de ter o papel essencial enquanto

civil convencional é trabalho alienado, como

educador de compartilhar o seu conhecimen-

todo trabalho no seio do sistema capitalista:

to prático com os educandos do curso.

o operário não se apropria do que é produzi-

II. Trabalhador Aprendiz Voluntário: são, em

do; ele é afastado das tomadas de decisões

geral, assentados e acampados do MST con-

sobre os rumos da obra, distanciado do dese-

vocados pela direção da ENFF, e que ficam

nho e das várias etapas; por fim, é coisificado,

hospedados na escola por um período corres-

tornando-se um componente de uma máqui-

pondente ao seu trabalho. São divididos em

na que ele não opera (MARX, 2015).

grupos A, B, C, etc, para organizar o trabalho

O Canteiro-Escola na construção do

no canteiro.

Complexo Esportivo Dr. Sócrates Brasileiro na

III. Frente de Planejamento: formada por es-

ENFF buscou uma outra forma de operar, pro-

tudantes da FAU integrantes do coletivo Cae-

curando potencializar o trabalho criativo, as-

tés, em colaboração com arquitetos, profes-

sim como a compreensão, apropriação e in-

sores da FAU e outros profissionais, e com a

tervenção nas diversas etapas do processo de 31


participação da Engenheira Ilse, responsável

três grupos é pleno. Um dos fatores importan-

pelas obras na ENFF. Esta frente coordena di-

tes para colocar a horizontalidade em prática

versas oficinas do curso, como: desenho, pro-

é a alternância de funções desempenhadas

jeto participativo, organização de canteiro e

por cada grupo de Trabalhadores Aprendizes

etapas da obra, entre outras.

Voluntários (A, B, C, D...), de modo que todos envolvidos participem de todos os processos

Um dos objetivos do Canteiro-Esco-

da obra, compreendendo as diversas etapas

la é aproximar o desenho e o canteiro, aque-

da construção. Essa integração das ativida-

les que planejam daqueles que constroem.

des produtivas contribui para o conhecimen-

Para tanto, o projeto executivo é decidido na

to da obra como um todo, caminho necessá-

obra, em conjunto com os grupos acima des-

rio para ampliação do processo de desaliena-

critos. A Frente de Planejamento é responsá-

ção do trabalhador.

vel por coordenar oficinas de aproximação de desenho, assim como dinâmicas abertas de

Por fim, o aprendizado das diferen-

projeto participativo, de maneira a possibili-

tes técnicas busca instrumentalizar os Tra-

tar a apropriação do processo de projeto a to-

balhadores Aprendizes Voluntários para que

dos envolvidos na obra. Ainda, o desenho fei-

se apropriem delas, e assim proponham mu-

to no canteiro aproxima concepção e execu-

danças, ou até mesmo para que as reprodu-

ção, com a materialidade concreta da obra,

zam em suas próprias realidades, nos assen-

ao contrário do desenho de escritório, que é

tamentos e acampamentos de onde vêm. To-

finalizado antes da obra sequer começar. A

ma-se aqui a referência da metodologia ex-

questão do desenho será mais profundamen-

pansão camponês a camponês, onde os cam-

te desenvolvida no item “2.2. Por um desenho

poneses que desenvolveram exitosamente

aberto e participativo”.

suas habilidades para inovações agroecológicas são os melhores professores para outros

Outra questão abordada é a horizon-

camponeses, já que eles podem compartilhar

talidade entre os trabalhadores. Os Mestres

seus conhecimentos numa mesma lingua-

Construtores de Ofício e a Frente de Planeja-

gem, dentro de seus próprios contextos cul-

mento tem a responsabilidade de organizar

turais e ecológicos (BRESCIA, 2017). Assim,es-

o Canteiro-Escola, porém o diálogo entre os 32


pera-se que as experiências construtivas na ENFF sejam irradiadoras de conhecimentos acerca de construções agroecológicas, tema a ser desenvolvido no item 2.3. deste TFG. Da mesma forma, a aproximação de estudantes de arquitetura com a prática é essencial para a sua formação, para que entendam o processo da materialidade envolvida e o esforço físico do trabalho despendido na execução de cada técnica. O Canteiro-Escola da ENFF é, portanto, lugar do fazer e do pensar, da teoria e da prática; é o lugar e o momento do diálogo entre os diferentes grupos, todos sujeitos atuantes na obra, decidindo coletivamente os rumos da construção; é onde se trabalha a matéria coletivamente, cada agente em sua especialidade, imprescindível e indispensável ao todo, em busca de uma obra humanizadora.

33


DEMANDA (CLIENTE)

ARQUITETURA ENGENHARIA

ORGANOGRAMA CANTEIRO DE OBRAS HEGEMÔNICO

MESTRES DE OBRAS

Encarregado Carpintaria Equipe Carpintaria

Encarregado Pedreiros

Encarregado Elétrica

Encarregado Hidráulica

Equipe Pedreiros

Equipe Elétrica

Equipe Hidráulica

Auxiliares - Aprendizes - Ajudantes - Serventes - Orelha seca

ações sobre o Projeto no Escritório

Diálogo sobre o projeto

ações sobre a Obra no Canteiro

Ordens Instruções Tarefas

Diagrama 1 - Organograma Canteiro de Obras Hegemônico. Elaboração: PRESSER, 2017


ORGANOGRAMA BRIGADA DE CONSTRUÇÃO

Trabalhadores Aprendizes Voluntários

CONSTRUÇÃO

Mestres Construtores de Ofício

ações dentro do Canteiro de Obras

AÇÃO E REAÇÃO sobre a obra

Frente de Planejamento

1. Trabalho prático (práxis) 2. Aprendizado técnico de ofício 3. Oficinas de desenho DIÁLOGO: 4. Oficinas de projeto coletivo 5. Formações diversas 6. Organização de canteiro 7. Orçamento e materiais 8. Cronograma de obra

Diagrama 2 - Organograma Brigada de Construção. Elaboração: PRESSER, 2017


2.2. Por um desenho aberto e colaborativo O desenho hegemônico, que traduz

tá congelada, imutável, e o erro de projeto é

a maneira que se tornou convencional, cor-

uma penalidade, que pode resultar na demis-

riqueira, dos escritórios de arquitetura traba-

são do arquiteto ou na condenação dos ope-

lharem, resulta numa separação entre o pro-

rários construtores: “pedreiro ruim, não sabe

jeto e o Canteiro de Obras.

construir”. Nas palavras de Francisco, mestre de obras que trabalha na construção dos ves-

Através do diálogo com o cliente pa-

tiários do Complexo Esportivo Campo Dr. Só-

ra compreender a demanda, os planejadores

crates, “a corda sempre arrebenta pro lado do

(arquitetos e engenheiros) fazem no escritó-

mais fraco”. “Engenheiro e arquiteto não en-

rio o projeto preliminar, projeto básico, de-

tendem da prática, fazem projeto errado, de-

pois anteprojeto e, por fim, o projeto executi-

pois colocam a culpa na gente” (Francisco, in-

vo. De modo geral, esse diálogo é possível por

formação verbal, 2017). Francisco quis dizer

uma questão de classe: ainda que seja uma

que dificilmente um arquiteto será condena-

relação de prestação de serviços, o cliente e

do pelo erro de desenho, pois este é quem faz

o escritório de arquitetura normalmente fa-

o diálogo com o cliente; o operário constru-

zem parte de um mesmo meio social, e con-

tor, subordinado ao desenho, que ocupa uma

seguem dialogar sobre soluções para a de-

classe social subalterna, é quem levará a cul-

manda trazida.

pa.

O projeto está separado da obra não

Na construção civil hegemônica, o de-

só no espaço como também no tempo: de-

senho se impõe ao trabalhador, submisso,

pois da última etapa, o projeto executivo, ini-

que nunca poderá modificá-lo. No desenho

cia-se a obra. A partir do começo da obra, o

dos escritórios, a forma arquitetural toma pa-

desenho não pode mais mudar. A ideia es-

ra si uma “aura alienante protetora” (FERRO, 36


2006, p. 381), que repulsa qualquer tipo de in-

possibilitar, desse modo, a integração entre

tervenção durante sua execução. Já no can-

estes agentes? Ou, ainda, como desconstruir

teiro de obras, os planejadores, sejam eles ar-

a separação entre estes agentes, num proces-

quitetos, engenheiros ou até mesmo os mes-

so em que todos sujeitos envolvidos tenham

tres-de-obras, submetem todos os operários

participação plena, em busca de uma nova

ao planejamento estabelecido pelo desenho.

maneira de produzir o espaço? Qual seria o modo de produção do espaço para a eman-

O formato de operação do desenho

cipação?

hegemônico implica na separação entre conhecimento teórico e saber prático: “o proje-

No Canteiro-Escola da Construção do

tista está destituído da execução, manuten-

Campo Dr. Sócrates Brasileiro, propôs-se um

ção e uso daquilo que idealiza.” (SILVA, 2010).

outro processo de desenho, mais democráti-

O abismo entre projeto e obra acarreta na res-

co, aberto e participativo, desenvolvido jun-

trição do conhecimento do projetista acerca

to à obra. Após a determinação de um projeto

de condicionantes futuras: “a capacidade de

preliminar, desenvolvido pela Frente de Pla-

antecipação do projeto fica limitada frente às

nejamento em diálogo com a CPP (Coordena-

exigências e aos interesses de diferentes ato-

ção Político-Pedagógica) da ENFF para a arre-

res sociais envolvidos com o processo de pro-

cadação financeira, o projeto a ser executado

dução.” (SILVA, 2010)

será decidido no momento da obra.

Na busca de um diálogo sobre o pro-

O desenho executivo desenvolvido no

cesso de materialização do espaço, preten-

canteiro, em diálogo com os demais atores da

de-se, sobretudo, questionar e desconstruir

construção, possibilita o maior controle do

a barreira hierárquica existente entre aqueles

processo de produção. Diálogo é o encontro

que ‘pensam’, os que ‘fazem’ e os que ‘usam’

das pessoas no mundo para transformá-lo.

o espaço construído, separados pelo modo de

Na ação dialógica, portanto, procura-se cons-

produção capitalista do espaço (com base em

ciência de sua situação no mundo, e a partir

FERRO, 2006). Estes são, genericamente, os

disto, moldá-lo, modificá-lo, ressignificá-lo,

agentes do processo de construção e de pla-

enfim, transformá-lo. Este encontro, todavia,

nejamento envolvidos nestas práticas. Como

só é um diálogo se existe uma horizontalida37


de pressuposta entre os agentes, e que cada

criativos, artistas livres. Ainda, é um proces-

sujeito possua autonomia para tomar sua de-

so educador, que possibilita a apropriação e

cisão. Um processo que permita o conflito -

a instrumentalização da linguagem de proje-

afinal, nem sempre existe consenso -, porém

to. Pela união da ação e reflexão em torno da

não negue-o. (com base em FREIRE, 1980)

práxis da materialização do espaço.

Esse diálogo para um desenho colaborativo se desenvolve através da realização de oficinas de desenho, de projeto e de implantação, assim como pela prática do trabalho (práxis) junto aos Mestres Construtores de Ofício. O tempo do projeto passa a fazer parte da obra; o espaço de trabalho do operário passa a ser o mesmo do planejador, ambos simultaneamente educadores-educandos, agindo junto aos Trabalhadores Aprendizes Voluntários. Enquanto não estiver construído, nada está decidido, tudo está suscetível a mudanças, e quem decide somos nós, a Brigada de Construção. O tempo de desenho junto ao canteiro permite voltar atrás nas decisões preliminares (por isso o tempo circular, representado no Diagrama 4). Rever um erro não é um problema, mas sim um processo pedagógico de aprendizado, é perceber o erro para melhorar. O desenho aberto e colaborativo no Canteiro-Escola da ENFF é, portanto, uma proposta para uma obra de sujeitos atuantes, 38


39


DEMANDA (cliente)

DESENHO DE ARQUITETURA HEGEMÔNICO

Arquitetura e Engenharia início de outro Projeto

Projeto PRELIMINAR

PRELIMINAR ao

Projeto BÁSICO

EXECUTIVO Projeto

PRELIMINAR ao

ANTEPROJETO

Projeto EXECUTIVO

EXECUTIVO exemplo de tempo projeto: 3 meses

TEMPO CONSTRUÇÃO

exemplo de tempo de obra: 24 meses

OBRA

Todos demais agentes

ações sobre o Projeto no Escritório

Diálogo sobre o projeto

ações sobre a Obra no Canteiro

Ordens Instruções Tarefas

Diagrama 3 - Desenho de Arquitetura Hegemônico. Elaboração: PRESSER, 2017


DESENHO DE ARQUITETURA ABERTO E COLABORATIVO

Arquitetur

Mestres Construtores de Ofício Frente Trabalhadores de Aprendizes Planejamento Voluntários

PROJETO e CONSTRUÇÃO

TEMPO ações sobre Projeto e Obra no Canteiro

DIÁLOGO: Ação e Reação sobre o Desenho

1. Desenho aberto 2. Desenho e canteiro unidos 3. Oficinas de desenho 4. Oficinas de projeto

Diagrama 4 - Desenho de Arquitetura Aberto e Colaborativo. Elaboração: PRESSER, 2017


2.3. Por uma construção agroecológica Este tópico é uma reflexão acerca da

A industrialização dos insumos inside

aproximação dos princípios da agroecologia

sob a produção do camponês justamente na

aplicados à construção civil. Primeiro, uma

compra de sementes transgênicas, fertilizan-

breve introdução sobre o que são o agrone-

tes químicos, agrotóxicos, rações com hormô-

gócio e a agroecologia, com uma comparação

nios e antibióticos, entre outros. Estes produ-

entre agronegócio e construção civil hegemô-

tos são geralmente produzidos para serem

nica. Depois, um ensaio de como e porque os

usados em conjunto, e vendidos pela mesma

princípios da agroecologia podem ser empre-

empresa. A utilização destes insumos tem di-

gados na construção, resultando no que cha-

versas consequências para a vida do campo-

ma-se construção agroecológica.

nês, entre elas: a) Dependência econômica do camponês: a produção passa a depender da compra de in-

Agronegócio e a construção civil hegemônica

sumos industrializados das grandes empresas, o que no limite leva o camponês a ser

O agronegócio é a assossiação entre

praticamente um empregado / consumidor

capital financeiro, grandes corporações e la-

direto destas, pois é ele quem faz a mercado-

tifúndio, e se baseia no modelo de produção

ria produzida circular. Na questão agrícola,

agroexportador, pautado pela negociação de

após a primeira safra utilizando os insumos

commodities. Foi viabilizado pelo acirramen-

vendidos dificilmente seria possível retornar

to da “revolução verde”: industrialização dos

ao modo anterior de produção, uma vez que

insumos necessários para o plantio ou para a

o agrotóxico presente eliminaria qualquer ou-

criação de animais; transgenia; mecanização

tra espécie de planta, a não ser a transgêni-

agrícola e ao avanço tecnológico das agroin-

ca utilizada. Para a próxima safra, portanto, o

dústrias; tudo voltado à monocultura.¹

camponês vai comprar novamente a semente 42


transgênica, e assim por diante, num ciclo vi-

impede que o solo se regenere e se mantenha

cioso que o escraviza.

fértil naturalmente.

b) Dependência técnica: estas grandes em-

e) Saúde: o uso de agrotóxicos é extrema-

presas, por seu lado, se empenham em difun-

mente danoso para o camponês, e ainda é da-

dir os insumos produzidos por elas mesmas,

noso ao consumidor final do alimento.

treinando e persuadindo camponeses para

f) Êxodo rural: o modelo do agronegócio que

que utilizem suas técnicas. O camponês deixa

pauta o latifúndio para monocultura exporta-

de utilizar suas técnicas tradicionais para se

dora, vem tomando conta do campo, expul-

especializar no uso dos produtos oferecidos,

sando os pequenos produtores de suas ter-

apagando conhecimentos milenares de mo-

ras. Hoje, muitos destes latifúndios perten-

dos de cultivos agrícolas.

cem a grandes empresas internacionais. Ain-

c) Perda de biodiversidade: a homogeneiza-

da, aliado a falta de estímulos para continuar

ção da produção, causada pela monocultu-

no campo, não só por conta de todos os pro-

ra e pelo uso de sementes transgênicas, to-

blemas listados acima, mas também pela ne-

das padronizadas geneticamente, acaba por

gligência do Estado em prover habitação, cul-

destruir a possibilidade de qualquer biodiver-

tura, educação, saúde e trabalho digno no

sidade. Mesmo que existam milhares de es-

campo, o campo tem sofrido um êxodo em

pécies de milho originárias na américa, ago-

massa em direção aos grandes conglomera-

ra só se produz um tipo de milho transgênico.

dos urbanos.

Ainda, o uso de agrotóxicos acaba com toda

O MST enquanto movimento de luta

a fauna necessária para um ecossistema pro-

camponesa pela terra, propõe resistir ao mo-

dutivo “vivo”, com a presença de abelhas, mi-

delo do agronegócio, que representa o domí-

nhocas, fungos, etc.

nio territorializado do capital sobre o campo,

d) Impacto ambiental: o uso de agrotóxicos

através da Reforma Agrária Popular. O movi-

na monocultura contamina o lençol freático

mento não mais pauta apenas o acesso a ter-

e os cursos d’água, contamina o solo e exter-

ra, mas a transformação das relações huma-

mina a fauna. O uso de fertilizantes químicos

nas através da reforma agrária. Por uma pro43


dução que não seja simplesmente voltada pa-

e científico.

ra o mercado, mas uma produção diferencia-

Cabe aqui fazer um paralelo da cadeia

da, que leve em conta as relações sociais, hu-

de produtiva do agronegócio e da construção

manas, afetivas, culturais; que paute a saú-

civil hegemônica. Grandes empresas (Voto-

de e a educação, e que respeite o meio-am-

rantim, Gerdau, etc) fabricam a maioria dos

biente. É um projeto pela hegemonia popular,

materiais (insumos) industriais da constru-

a hegemonia da classe trabalhadora, através

ção civil, tais como aço, PVC, cobre, cimento,

de uma matriz produtiva agroecológica.

areia, brita, etc. Estas cadeias produtivas são

A agroecologia, como colocado por

caríssimas e pouco acessíveis, além de terem

ALTIERI (2012), GUTERRES (2006) e PRIMAVE-

altíssimo impacto ambiental. Agora, todos

SI (2008), propõe a autonomia de produção

estes materiais são utilizados nas obras de

do campesinato frente às grandes empresas

grandes construtoras (Odebrecht, Camargo

de insumos pela transformação das relações

Corrêa, Queiroz Galvão, etc...). Engenheiros e

sócio-econômicas, das relações de trabalho

arquitetos se formam para trabalhar com es-

e cooperativismo, com caráter socialista, ho-

tes materiais, como concreto armado, alvena-

rizontal, autogestionário; propõe a diminui-

ria de blocos cerâmicos, estruturas metálicas,

ção do impacto sobre o meio ambiente, com

etc. Ainda, a massa de trabalhadores operá-

a possibilidade de cultivar a biodiversidade,

rios da construção civil é formada para cons-

solos vivos e água limpa, através de sistemas

truir com estes materiais, seja sua formação

agroflorestais, sistemas sintrópicos e outros

em canteiro de obras convencionais – por ve-

sistemas de plantio agroecológicos pelo con-

zes pautados pelas escolhas materiais de ar-

sorciamento de espécies, e, claro, pela ausên-

quitetos e engenheiros, seja em formação ins-

cia de fertilizantes químicos e, muito menos,

titucionalizada, como o sistema S (Senai, Se-

agrotóxicos; e ainda propõe a valorização dos

nac, Sesi). Dessa maneira, a cadeia produti-

saberes e práticas tradicionais dos campone-

va da construção civil hegemônica serve pa-

ses, em aliança com o conhecimento e a siste-

ra gerar mais valia das grandes empresas que

matização científica, com a finalidade de ob-

fabricam commodities, ou materiais direta-

ter uma síntese entre conhecimento popular

mente ligados à produção dessas commodi44


ties, garantindo uma continuidade de espe-

turais extraídos do planeta; no Japão cor-

culação e circulação de capital nas bolsas de

responde a cerca de 50% dos materiais

valores de todo o mundo sobre estes produ-

que circulam na economia e nos EUA, o

tos (BARROS, 2017).

consumo de mais de dois bilhões de toneladas representa cerca de 75% dos materiais circulantes. ¹

Construção Agroecológica

Neste ponto da Construção Agroecológica, pauta-se sobretudo a utilização de

Nos últimos anos, junto à prática do

materiais locais, com menor impacto am-

Grupo de Construção Agroecológica (GCA)

biental, e que sejam de produção acessível à

da FAU, formado por estudantes, professores

classe trabalhadora. Os materiais de origem

e profissionais graduados, desenvolveu-se

mineral, tais como o aço, o cimento, entre ou-

uma crítica alternativa a esta cadeia hegemô-

tros, causam grandes impactos ambientais

nica, pela reflexão dos princípios da agroeco-

devido às escavações e outros dejetos libe-

logia junto à produção material do espaço. A

rados no meio-ambiente, enquanto rejeitos

chamada Construção Agroecológica, já pre-

do processo de produção. Ainda, são cadeias

sente no próprio nome do GCA, é desenvolvi-

produtivas extremamente caras, que exigem

da detalhadamente por Barros (2017), e aqui

grandes investimentos para sua produção,

será apresentada de maneira um pouco mais

impossibilitando a apropriação para a produ-

concisa.

ção local pela classe trabalhadora. Os materiais de origem vegetal, como

I. Pela revisão das relações entre seres-humanos e meio-ambiente, a dimensão ambiental

a madeira, têm um impacto ambiental direto no desmatamento, quando são extraídos sem o devido cultivo e manejo. Grande parte da madeira extraída de florestas nativas é utilizada na construção civil, como serrados,

A cadeia produtiva da construção civil

lâminas, compensados, etc. Por outro lado,

consome entre 14 e 50% dos recursos na-

hoje vivemos a propagação do cultivo de eu45


calipto e pinus, numa cadeia produtiva que

ção civil em Sistemas agroflorestais (SAFs) é

exaure o solo pela agressividade com que é

uma alternativa para a produção local e sus-

feita, chamada pelos agroecologistas de “de-

tentável. As reservas extrativistas manejadas,

sertos verdes”.

com a extração de madeira planejada e não -predatória, também são uma possibilidade.

Outra questão é a racionalização do consumo energético dispendido na fabrica-

O bambu também é um material a ser

ção e transporte dos materiais da construção

destacado, por ser uma planta com alta ve-

civil. Cadeias produtivas do cimento, tijolos

locidade de crescimento. Caso seja maneja-

cozidos e alumínio são grandes consumido-

da corretamente, pode-se retirar anualmente

ras de gás, carvão mineral e vegetal, madeira

diversas varas a partir de um mesmo rizoma,

e eletricidade. O transporte de materiais nu-

sem destruí-lo. É uma planta que pode rege-

ma lógica produtiva centralizada, acaba por

nerar o solo, grande sequestradora de gás

ser responsável pela grande quantidade de

carbônico da atmosfera (CO2), adaptável a di-

combustíveis utilizados, sejam combustíveis

versos climas e variações. Ainda, é altamen-

fósseis ou álcool.

te versátil e multifuncional, servindo como estruturas, vedações, piso, esquadrias, dutos

Por fim, questiona-se também os resí-

de água, entre outros usos (PEREIRA, 2008).

duos gerados pela construção civil. A quantidade de entulho gerado por obra é gigantes-

A construção com terra local também

ca (entre 51% e 70% dos resíduos gerados pe-

tem papel importante na diminuição do im-

las cidades brasileiras)¹, a ponto de existir

pacto ambiental. Primeiro, sobretudo por

um mercado especializado, comandado por

ser um material sempre local e abundante:

grandes empresas, em descarte e destinação

qualquer solo pode ser utilizado na constru-

de resíduos.

ção. Segundo pela variedade de técnicas que empregam a terra “crua”, não cozida: taipa

Por estas questões, o uso de materiais

de mão (pau a pique), adobe (blocos de ter-

locais, descentralizado, deve estar aliado a o

ra crua), hiperadobe (terra ensacada), BTC

manejo sustentável dos recursos minerais e

(bloco de terra comprimida), taipa de pilão,

vegetais. O cultivo de madeira para constru-

cob (terra, areia e fibras naturais), entre ou46


tras. Estas são técnicas que não envolvem o

RE, 1980, p. 160)

dispendimento energético no seu beneficia-

Tomando esta ideia – talvez ambi-

mento, em relação a necessidade de se ele-

ciosa por não propor um rumo único, po-

var a temperatura para fabricá-las, posto que

rém muito mais alinhada à atuação pela prá-

quando secas naturalmente já estão bene-

xis e pelo diálogo -, acredita-se que a mudan-

ficiadas. Por fim, é um material biodegradá-

ça estrutural das grandes contradições do ca-

vel, que não gera resíduos ao meio-ambiente,

pitalismo poderiam ocorrer num estágio em

e que pode ser re-inserido na natureza sem

que as diversas micro-iniciativas de proces-

causar grande impacto.

sos constantes de libertação e emancipação,

Outros materiais poderiam ser aqui

desconstruíssem as grandes estruturas de do-

citados, como o sustentável uso de pedras lo-

minância, ou pelo menos criassem o meio ne-

cais para paredes, e fibras naturais locais pa-

cessário para estas mudanças. Nesse ponto,

ra cobertura, como a piaçaba, o sapé, e a san-

as experiências de construção agroecológicas

ta fé.

são importantíssimas para as revisões das relações de trabalho humanas na dimensão socioeconômica.

II. Pela revisão das relações de trabalho, a dimensão sócioeconômica

Num esforço de organizar o cotidiano, apropriar-se de sua vida social, propõe-se a autogestão como modo de organização cole-

Adota-se, pois, a premissa de Paulo

tiva. Lefebvre (com base em STANEK, 2011) a

Freire de uma “visão dinâmica e não estáti-

define como conhecimento e controle por um

ca da revolução, ela não tenha um antes e um

grupo sobre as condições de sua existência:

depois absolutos, de que a chegada ao poder

apropriar-se desta vida social, ou seja, res-

fosse o ponto de divisão. Gerando-se nas con-

significar, dar sentido, construir valor de uso

dições objetivas, o que busca é a superação

(contrário ao valor de troca), tornando-a pró-

da situação opressora com a instauração de

pria, marcando-a, modelando-a, moldando

uma sociedade de homens [e mulheres] em

-la. É a organização de um grupo de maneira

processo de permanente libertação.” (FREI-

que possa tomar as rédeas de suas decisões, 47


construir a autonomia do sujeito, e seguir seu

matéria prima para construção e artesanato;

próprio rumo. Com isso, propõe a superação

através de vendas de mudas de bambu e ár-

da dependência do aparelho do Estado, que

vores no mercado; e pela produção de broto

homogeneíza as particularidades e a supera-

de bambu para alimentação. Ainda, a produ-

ção do mercado, da lei ; do valor de troca, do

ção de artesanato, pequenos objetos e mobi-

dinheiro e do lucro. Pela possibilidade de au-

liário em bambu e madeira serve como fon-

toprodução do ser humano dentro da comu-

te geradora de renda para comunidades, pos-

nidade.

sibilitada pelo cultivo pulverizado. Entre estes objetos, imaginam-se: cadeiras, mesas,

Aqui propõe-se a humanização das re-

bancos, colheres, conchas, cestos, etc. Por

lações de produção da construção civil, onde

fim, a construção dos espaços através da ma-

o trabalho seja livre, não-alienado, com cará-

triz produtiva do bambu e da madeira: o cul-

ter local de construção de uma comunidade,

tivo e manejo terriotorializado destes mate-

e remunerado de forma privilegiada em rela-

riais possibilita a autonomia construtiva das

ção ao capital pela cooperação econômica.

comunidades, ao não depender da compra

Para isso, propõe-se formas coletivas de tra-

de parte da matéria prima necessária para a

balho associado, na forma da economia soli-

construção. Entre estes espaços imaginam-

dária. (BARROS, 2017, p. 201). Enfim, todas as

se: habitações; infraestrutura para produção

relações de desenho e canteiro, assim como

em geral (galpões, estufas,...); infraestrutura

trabalho colaborativo detalhados nos itens

de equipamentos coletivos (escolas, creches,

2.1. e 2.2. deste TFG, estão também presentes

postos de saúde, casas coletivas,...).

na construção agroecológica.

O desenvolvimento de uma cadeia

Toma-se, como exemplo, a cadeia

produtiva de bambu e da madeira permite a

produtiva do bambu e da madeira. O plantio

formação de redes de troca e comércio soli-

de bambu e madeira em Sistemas Agro Flo-

dário, local e agroecológico. Cooperativas de

restais (SAFs) pulverizados no território po-

construtores poderiam trabalhar, também lo-

de servir como importante fonte geradora de

calmente, para a materialização do espaço fí-

renda: através da comercialização de bam-

sico de suas comunidades, a partir de cadeias

bu e madeira beneficiados (tratados) como 48


produtivas acessíveis. A construção pode-se

ração entre pedreiros, arquitetos e engenhei-

dar inclusive num formato de mutirão, práti-

ros, culturas milenares camponesas e origi-

ca milenar de comunidades latino-america-

nárias constroem (ou construíam) autonoma-

nas, que fortalecem vínculos comunitários. O

mente seu espaço de vida.

gasto material se converte em remuneração

Estas culturas constroem com quali-

local, assim como o gasto com trabalho, e o

dade de conforto térmico, luminoso, com es-

resultado natural é a solidariedade e a igual-

tanqueidade, ventilação natural, eficiência

dade pelo compartilhamento local e equâni-

energética, salubridade e integração ambien-

me pela riqueza gerada com a construção.

tal muito superiores às construções hegemô-

nicas. Ainda, constroem com técnicas e materiais locais.

III. Pela revisão da cultura construtiva, a dimensão do conhecimento

Dessa forma, a cultura construtiva agroecológica deve ser uma síntese entre as práticas da construção popular tradicional,

As relações sócio-econômicas e as re-

com respeito às culturas locais, em diálogo

lações ambientais só podem ser modificadas

com o conhecimento científico da academia,

caso existam práticas construtivas que permi-

para uma sistematização de técnicas de cons-

tam, assim como sujeitos atuantes formados

trução agroecológicas.

que sejam para tanto. Ao contrário da formação heterônoma, submissa aos interesses do capital hegemônico para a divisão social do

¹ Com base na definição de Agronegócio, no Dicionário da Educação do Campo (CALDART, 2012)

trabalho, a formação para uma construção

² Panorama dos resíduos da construção no Brasil. Ministério das Cidades, Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental. 2005 (http://www.mp. go.gov.br/portalweb/hp/9/docs/rsudoutrina_24. pdf)

agroecológica deve ser libertária, para a autonomia. Portanto, o construtor agroecológico deve-se formar para romper com a distinção entre aqueles que ‘pensam’ e os que ‘fazem’, unindo teoria e prática. Ao contrário da sepa49


CADEIA PRODUTIVA CONSTRUÇÃO HEGEMÔNICA

$ COMMODITIES AÇÕES

Fabricantes de Materiais para Construção

Aço Cimento Cerâmica Alumínio Cobre

Empreiteiras Construtoras Universidades

Arquitetos Engenheiros

SESI SENAI SENAC Canteiros - Escola

OPERÁRIOS

Sentido determinante de ações: sobre FORMAÇÃO ações sobre produção de CAPITAL

ações sobre produção MATEIRAL

ações sobre formação HUMANA

sobre produção MATEIRAL sobre hierarquia de TRABALHO

Diagrama 5 - Cadeia Produtiva Construção Hegemônica. Elaboração: PRESSER, 2017.


CADEIA PRODUTIVA CONSTRUÇÃO AGROECOLÓGICA - Técnicas tradicionais e conhecimento científico - Culturas construtivas locais

DIMENSÃO DO CONHECIMENTO

CONSTRUÇÃO AGROECOLÓGICA

DIMENSÃO SÓCIO-ECONÔMICA

DIMENSÃO AMBIENTAL

- Autonomia - Compartilhamento local - Cooperativismo

- Materiais locais - Baixo impacto ambiental - Diminuição de rejeitos

Diagrama 6 - Cadeia Produtiva Construção Agroecológica. Elaboração: PRESSER, 2017.


3. Extensão Universitária enquanto Assessoria Técnica: Experiência com o Complexo Esportivo Dr. Sócrates Brasileiro

52


Figura 1 - Logo da Campanha Financeira. Fonte: AAENFF, 2017.

Este é um relato crítico sobre a expe-

neste relato discutir os problemas e as solu-

riência de trabalho do Coletivo Caetés junto

ções encontradas durante este processo, ex-

à Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF)

plorar o caráter pedagógico e emancipatório

do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem

deste projeto, assim como registrar e criticar

Terra (MST), em Guararema-SP, durante o

as dinâmicas geradas e compartilhadas por

processo de projeto e construção do Comple-

todos envolvidos neste processo.

xo Esportivo Dr. Sócrates Brasileiro. Busca-se

53


balho, através dos projetos, espaços de deba-

3.1. coletivo caetés

te e vivências. Num esboço de estatuto organizativo do grupo, o Caetés propõe como diretrizes:

O Caetés é um coletivo de estudantes

I) Respeitar e incentivar a autonomia dos gru-

autogerido, autônomo e horizontal, que tem

pos com os quais trabalhamos;

a extensão universitária como suas principais

II) Construir coletivamente os projetos atra-

frentes. Iniciado em 2016, atualmente é com-

vés de processos participativos em suas di-

posto por volta de dez estudantes de diferentes anos da graduação dos cursos de Arqui-

versas etapas;

tetura e Urbanismo e de Design da FAU; tam-

III) Buscar formas de desenvolver o projeto

bém conta com a colaboração de professo-

que permitam sua autossuficiência e conti-

res, pesquisadores e profissionais formados.

nuidade após o afastamento do coletivo;

O grupo começou a se formar em uma ro-

IV) Defrontar o caráter excludente e mercado-

da de conversa sobre Escritórios Modelo du-

lógico da arquitetura, urbanismo e paisagis-

rante o segundo semestre de 2015, ativida-

mo;

de envolvendo o Escritório Modelo Mosaico, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, o

V) Buscar alternativas à produção e explora-

Grupo de Construção Agroecológica (GCA) da

ção capitalistas;

FAUUSP e as assessorias técnicas Usina e Pea-

VI) Compreender o processo de produção, da

biru. Consolidou-se como coletivo no primei-

concepção à execução do projeto, utilizando

ro semestre de 2016, no decorrer da Greve na

o trabalho para emancipação, promovendo,

Universidade de São Paulo, como resultado

assim, a não-alienação.

da união de estudantes com interesse comum

O Complexo Esportivo Dr. Sócrates

em atuar diretamente com a sociedade. O co-

Brasileiro foi uma demanda trazida pela di-

letivo também visa promover a formação co-

reção da ENFF, mediada pelo Professor Jorge

letiva, tanto de seus membros quanto de ou-

Bassani e pelo LABHAB (Laboratório de Habi-

tros agentes envolvidos nas dinâmicas de tra54


tação e Assentamentos Urbanos) da Faculda-

O nome Caetés vem da planta tropical

de de Arquitetura e Urbanismo da Universida-

de mesmo nome, que simboliza resistência,

de de São Paulo (FAU-USP). Contudo, foi con-

inspirado na indicação da Professora Cathari-

duzido ao Caetés a continuidade do trabalho,

na Lima e o paisagista Raul Pereira.

sendo este o primeiro trabalho do coletivo. Depois de praticamente um ano trabalhando sem bolsas neste projeto, atualmente o Caetés conta com 4 (quatro) bolsas de Extensão Universitária, obtidas através do edital do Programa Unificado de Bolsas (PUB) da USP, para o desenvolvimento do trabalho com o Complexo Esportivo Dr. Sócrates. A responsável pela coordenação do projeto é a Professora Beatriz Rufino. Hoje o coletivo conta com duas frentes de atuação, uma com este projeto na ENFF, e outra com um plano de massas para o assentamento Comuna da Terra Irmã Alberta. Semanalmente ocorre uma reunião de trabalho da frente que trabalha neste projeto. Além desta reunião semanal, são feitas visitas de campo, mutirões de trabalho, reu-

Figura 2 - Logo do

niões na ENFF, reuniões com outros colabora-

Coletivo Caetés. Fonte: Caetés, 2016

dores, e formações conjuntas programadas. O coletivo Caetés como um todo (conjunto de todas as frentes do coletivo) se reúne a cada duas semanas.

55


Figura 3 - Perspectiva de implantação do Complexo Esportivo Dr. Sócrates Brasileiro. Fonte: PRESSER, 2017 1. Quadra de vôlei de areia (não construída, fase de projeto)

5. Edifícios das salas de aula, auditórios e admnistrativo

2. Campo de Futebol (construído em 2017) - cota 0.00

6. Memorial do Futebol e Política (não construído, fase de projeto) - cota 1.20

3. Arquibancadas (construídas em 2017)

7. Vestiários (construídos em 2017) - cota 3.20

4. Alojamentos

1.

2.

3.


7.

+3.20 6.

+1.20 +0.00

4.

5.


3.2. Complexo Esportivo Dr. Sócrates Brasileiro na ENFF

A ENFF está localizada em Guararema, interior de São Paulo. É um espaço de formação sobretudo político do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST): “surge com o propósito de fazer pensar, planejar, organizar e desenvolver a formação política, técnica e ideológica dos militantes e di-

O Complexo Esportivo Dr. Sócrates

rigentes do Movimento” (PIZZETA, 2007, p.

Brasileiro é o primeiro trabalho do coletivo

246). A construção da escola foi iniciada em

Caetés, tendo sido fundamental para a con-

2000 e realizada por 1115 militantes voluntá-

solidação do grupo. Inicialmente, o Profes-

rios, tendo sido o projeto conceitual e arquite-

sor Jorge Bassani havia sido contactado pela

tônico das edificações de autoria da arquite-

Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF)

ta Lilian Avivia Lubochinski. Segundo Barros

para a construção de um campo de futebol

(2012, p. 405), “a Escola se constitui como es-

e memorial em homenagem ao jogador Só-

pécie de ‘Território Livre’, onde o modo capi-

crates. O Professor Bassani, então, comparti-

talista de produção e suas formas de reprodu-

lhou a demanda com o LABHAB (Laboratório

ção pelo trabalho alienado podem ser ques-

de Habitação e Assentamentos Humanos) da

tionadas, retrabalhadas e, principalmente,

FAU, sob direção da Professora Karina Leitão,

negadas pela prática”. Na escola, o trabalho

que articulou para o desenvolvimento deste

é entendido como uma dimensão pedagógica

trabalho o Coletivo Caetés, com colaboração

permanente, não alienante e emancipatória.

da Professora Catharina Lima, da Professora Luciana Travassos, da Professora Beatriz Ruf-

A demanda pela construção do Com-

fino, da Arquiteta Tamires Lima, do Profes-

plexo Esportivo Dr. Sócrates Brasileiro visa a

sor Reginaldo Ronconi, do Arquiteto Francis-

prática da coletividade na ENFF através do es-

co Toledo Barros, do Arquiteto Tomaz Lotu-

porte, o fortalecimento do MST e a ampla di-

fo, do Arquiteto Lucas Lotufo Brant, do Pro-

mensão política pela repercussão da constru-

fessor Paulo Emílio (Mackenzie) e do paisagis-

ção um campo de futebol da esquerda, que

ta e pesquisador do LABHAB Caio Boucinhas.

homenageia o jogador Sócrates e o futebol 58


1.

3. 2. 4. 6. 5.

7. 10.

8.

11.

9.

1. Entrada da ENFF 2. Refeitório

5. Salas de aula e auditórios

9. Quadra de vôlei de areia (não construída)

6. Alojamentos

10. Memorial Futebol e Política (não construído)

7. Arquibancada

11. Vestiários

COLETIVO CAETÉS

3. Casa das Artes Frida Khalo

4. Biblioteca 8. Campo de Futebol Dr. Sócrates Figura 4 - Primeira implantação do Complexo Esportivo Dr. Sócrates Brasileiro na ENFF. Fonte: Caetés, 2016 59


como patrimônio cultural popular brasileiro.

cal para a prática esportiva, pretende ser um

A concretização desta demanda se deu pela

lugar de pensamento político, coletivo e de-

articulação de diversos agentes importantes,

mocrático, onde esporte, especificamente o

como os jornalistas esportivos Juca Kfouri e

futebol, e política se encontram.

José Trajano, a família do jogador Sócrates, e a direção nacional do MST. Esta obra continua o projeto de uma escola popular, cons-

3.2.1. captação financeira

truída junto com os trabalhadores do MST. Tem uma dimensão funcional por possibilitar o encontro através da prática esportiva, e

Toda a articulação entre apoiadores

uma dimensão simbólica e política importan-

para a campanha do Complexo Esportivo Dr.

te para o MST.

Sócrates Brasileiro foi realizada pela Associação de Amigos da ENFF (AAENFF), sem a qual

Sócrates foi um dos jogadores de fu-

não aconteceria esta obra.

tebol brasileiro mais notáveis, destacandose por sua militância e engajamento político.

Para a captação de recursos e viabi-

Formado em medicina, e por esse motivo cha-

lização do projeto, uma das estratégias da

mado de “doutor”, liderou o movimento co-

AAENFF foi realizar uma campanha online de

nhecido como Democracia Corinthiana, res-

financiamento coletivo através da Platafor-

ponsável por aplicar uma espécie de autoges-

ma Catarse, em que se objetivava arrecadar

tão no clube, tendo como resultado os títu-

um montante de R$ 60.000,00 (sessenta mil

los paulistas de 1982 e 1983 (RIBEIRO, 2009).

reais). Para essa campanha, que teve início no

Além disso, durante a década de 1980, o joga-

dia 21 de junho de 2016 e foi finalizada no dia

dor filiou-se ao recém criado Partido dos Tra-

20 de agosto do mesmo ano, foi produzido

balhadores e participou ativamente da cam-

um vídeo, em que se apresenta a importân-

panha pela redemocratização Diretas Já.

cia e significado do projeto, contendo depoimentos de Rosana Fernandes, coordenadora

Dessa forma, considerando a impor-

da ENFF, Ermínia Maricato, Juca Kfouri, Chi-

tância política de Sócrates, O Complexo Es-

co Buarque, entre outros. Além disso, duran-

portivo na ENFF, mais do que apenas um lo60


Figura 6 - Situação do campo original, antes das obras. Vista do platô dos vestiários.. Fonte: Caetés, 2016

Figura 7 - Situação do campo original, antes das obras. Vista a partir dos alojamentos.. Fonte: Caetés, 2016

61


CONCLUÍDO ATÉ DEZEMBRO 2017

te a campanha, foi realizado na FAUUSP um debate sobre futebol e política, organizado

Campo de Futebol

como debatedores Ermínia Maricato, Rosana

Drenagem do campo

Fernandes e Juca Kfouri. No total, a campa-

Arquibancada

Vestiários

pelo Coletivo Caetés, ENFF e LABHAB, tendo

nha online contou com a colaboração de 602 apoiadores e arrecadou R$ 67.269,00.

PRÓXIMAS OBRAS PARA 2018 •

3.3. Programa

Projeto macro de drenagem do caminho das águas pluviais que chegam ao campo

O programa para o projeto foi discutido junto à CPP (Coordenação Político-Pedagógica) da ENFF em diversas reuniões prévias

Memorial do Futebol e Política

Quadra de Vôlei de Areia

Equipamentos de ginástica fixos

a campanha financeira, e revisado durante o decorrer da obra. No momento de fechamento deste TFG, está concluída a primeira fase da obra, com a construção do campo de futebol, a arquibancada e dois vestiários. Numa segunda fase, que envolverá mais uma campanha de arrecadação de fundos, está prevista a construção do Memorial do Futebol e Política, de uma quadra de vólei de areia, um espaço para ginástica com equipamentos fixos, e a construção de uma infraestrutura de drenagem das águas pluviais. Figura 5 - Cartaz de evento para campanha. Fonte: AAENFF

62


3.4. Linha do tempo Set 2017 - Ago 2018 Vigência do edital PUB para extensão, com 4 bolsas

Estudo de projeto aberto para construção da arquibancada Ago - Dez 2016

Jan 2017 Ensaios no Canteiro Experimental (LCC - FAU)

Campanha de financiamento Jun - Ago 2016

6

7

8

2016

Planejamento do curso para construção da arquibancada Jan - Mar 2017

9

10 11 12

1

2

Estudo de projeto para construção do Memorial do Futebol e Política Ago 2017 - Mar 2018

Mar - Mai 2017 Obra: Terraplanagem Arquibancadas Campo

3

4

5

6

Jul - Dez 2017 Obra: Vestiários Drenagem provisória

7

2017

8

9

A partir de Março 2018 2ª fase da Obra: Memorial do Futebol e Política, macro drenagem

10 11 12

2018 23 Dez 2017 Data do evento de Inauguração da 1ª fase da Obra Elaboração: PRESSER, 2O17

63


se), foram levantadas propostas genéricas de

3.5. A arquibancada

implantação. A proposta acolhida pela CPP (Coordenação Político-Pedagógica) da ENFF, em discussões com o Caetés, foi a de módu-

A construção da arquibancada é o

los prismáticos espalhados numa implanta-

principal objeto de reflexão deste TFG, pois

ção mais orgânica, sem uma forma rígida. A

até a conclusão deste trabalho foi o proces-

técnica inicialmente proposta foi o fibroci-

so em que o coletivo Caetés teve maior par-

mento para a construção destes módulos.

ticipação ativa, na proposição e execução da obra enquanto um curso, de desenho aberto e participativo, e com possíveis técnicas de

3.5.2. Estudo de projeto aberto para a construção da arquibancada

matriz agroecológica.

3.5.1. Primeiras propostas

Após a campanha exitosa de financiamento, iniciou-se o estudo detalhado sobre a arquibancada. A proposta da arquiban-

A partir da leitura de que o espaço do

cada modular permitia a abertura do dese-

campo é lindeiro aos alojamentos e a um dos

nho: a implantação dos módulos poderia ser

blocos de salas de aula, as primeiras discus-

decidida no canteiro de obras, junto aos tra-

sões para a propostas da arquibancada, rea-

balhadores, durante a construção. Um dese-

lizadas junto à CPP da ENFF no primeiro se-

nho mais rígido, com estruturas maiores, não

mestre de 2016, levaram em consideração o

permitiria essa abertura. Portanto, o concei-

entorno do campo, e a necessidade de formas

to dos módulos, apresentados nos primeiros

flexíveis que pudessem abranger a variedade

estudos para a campanha de financiamento,

de usos e apropriações previstos para o mo-

era importante ser mantido, com o objetivo

biliário da arquibancada. Para a campanha

de desenvolver um desenho aberto e colabo-

de financiamento online (plataforma Catar64


Figura 8 - Proposta de arquibancadas modulares. Fonte: Caetés 2016

Figura 9 - Primeiras propostas para o Memorial. Fonte: Caetés, 2016

Figura 10 - Corte sobre o campo para vista das arquibancadas. Fonte: Caetés, 2016

Figura 11 - Perspectiva das primeiras propostas de implantação da arquibancada modular.

65

Fonte: Paulo Emílio Buarque Ferreira, 2016


rativo, questão abordada no item 2.2. Por um

mo, não propomos um lugar para o exer-

desenho aberto e colaborativo deste TFG.

cício das habilidades construtivas, apenas, nem um laboratório para ensaios

Nesse sentido, foram desenvolvidas 4

de corpos de prova. Deva ser um espaço

possibilidades técnicas de construção de ar-

onde o exercício da síntese possa aconte-

quibancadas em módulos, que foram ensaia-

cer. Não um canteiro de tecnologia, mas

das no Canteiro Experimental da FAU-USP. Os

sim um canteiro da arquitetura .

ensaios tinham como objetivos, por um lado,

(RONCONI sobre o canteiro experimental,

o entendimento prático das técnicas constru-

apud MINTO, 2009)

tivas, e por outro, apresentar para os membros da CPP da ENFF algumas possibilidades em escala real, para que escolhessem a(s) téc-

A partir de orientações do Professor

nica(s) que mais lhes agradassem.

Reginaldo Ronconi, coordenador do Laboratório de Culturas Construtivas (LCC), e com

3.5.3. Ensaios no Canteiro Experimental

apoio financeiro da CPP da ENFF, foram en-

(...) uma ‘nova’ sensibilidade será esti-

das as propostas só foi possível pela coorde-

mulada. Talvez pelo peso do tijolo, quem

nação técnica do José da Silva do Nascimen-

sabe pelo cansaço ao misturar a arga-

to, o Zé, mestre-de-obras contratado para au-

massa, na conversa com o técnico que au-

xiliar os estudantes do Caetés nestes ensaios.

xilia o trabalho. Ou então viverá, na repe-

Por sua formação enquanto educador, ao ser

tição infinita do gesto na construção da

técnico concursado do Canteiro Experimen-

parede, o cotidiano do outro, nunca antes

tal do LCC por muitos anos, e por suas habi-

imaginado. E essa sensibilidade que está

lidades práticas, Zé seria posteriormente con-

ausente na formação do nosso jovem ar-

tratado como Mestre Construtor de Ofício pa-

quiteto (…). Portanto, ao falar de um can-

ra o curso de construção da arquibancada na

teiro na escola de Arquitetura e Urbanis-

ENFF.

saiadas 4 (quatro) opções de técnicas possíveis para a construção da arquibancada, com a construção de protótipos. A execução de to-

66


Figura 12 - Montagem das fôrmas para fundação do módulo três apoios, Fonte: Caetés, 2017

Figura 13 - Um dos três pilares de apoio do módulo três apoios. Fonte: Caetés, 2017

67


Buscando sempre a não-alienação do

Os protótipos também permitiram,

processo de produção e construção, a confec-

ainda que de maneira insuficiente, a sistema-

ção dos módulos viabilizou não só a observa-

tização de ensaios, com o teste de traços dife-

ção dos protótipos de projeto, como possibi-

rentes na na execução das argamassas. Algu-

lita um diálogo maior entre os participantes

mas argamassas utilizaram terra, outras utili-

do processo, permitindo abrir margem para

zaram um pó de entulho moído, sempre em

pensar e projetar variações de cada módulo e

combinação com traços de cimento e areia.

suas inserções no espaço da escola.

3.5.3.1. Técnicas Construtivas

Mais que facilitar a compreensão, os protótipos são essenciais para verificar os problemas de confecção e durabilidade que podem surgir ao longo do processo, bem co-

I. Três apoios: esta proposta se carac-

mo implementar técnicas com terra a fim de

teriza por grandes assentos em argamassa ar-

viabilizar uma construção mais ecológica e

mada, apoiados em pilares de BTC (os protó-

com menor custo. Pensar o processo produ-

tipos utilizaram tijolos cozidos).

tivo de maneira não alienada é essencial pa-

a. Processo de construção:

ra pensar a construção coletiva da arquibancada, as dinâmicas de estudo, tempo de tra-

A construção do módulo, assim como

balho e número de pessoas para a realização

nos demais casos, se inicia com a limpeza do

de cada modelo. Posto a proposta de que a

terreno a fim de viabilizar a execução de sua

construção se desse num formato de curso,

fundação. Primeiramente foram abertas três

buscou-se o uso de uma técnica apropriável

valas na terra, para a fundação dos pilares,

pelos educandos, e mais adequada a um tra-

que definem o ângulo formado pelos assen-

balho em mutirão. Ainda, levou-se em conta a

tos do banco. Ao redor das valas, foram colo-

possibilidade de que a técnica fosse reprodu-

cadas as formas de madeirite para a funda-

zida na realidade dos educandos, ou seja, nos

ção. As formas foram então preenchidas com

seus assentamentos e acampamentos de ori-

concreto, depois retiradas com um dia de

gem, de forma autônoma.

cura, por conta do curto prazo. As ferramen68


Figura 14 - Montagem e armação das fôrmas para assento do módulo três apoios. Fonte: Caetés, 2017

Figura 15 - Argamassagem da fôrma do assento na mesa vibratória. Fonte: Caetés, 2017

69


tas utilizadas neste primeiro momento foram

de blocos, enquanto a terceira possui 6, por

enxadas, pás, estacas, barbante e régua.

conta do desnível do terreno do canteiro. Por esse motivo, nivelou-se o protótipo duran-

Uma vez feita a fundação, procedeu-

te o assentamento dos blocos, diferente dos

se à execução dos três pilares de apoio, cons-

demais protótipos. Para o assentamento dos

truídos com tijolos de barro cozido; a utiliza-

blocos duas pessoas trabalhavam ao mesmo

ção de tais tijolos, ao invés dos tijolos de BTC

tempo com o auxílio de níveis, prumos e co-

(Bloco de Terra Comprimida), foi necessária

lheres de pedreiro. Foi utilizada uma arga-

por conta de questões orçamentárias. No en-

massa comum para assentar os blocos, de

tanto, o desempenho dos dois tipos de blocos

traço 1:3 (cimento:areia).

é equivalente nesta estrutura, de forma que a utilização de blocos diferentes do previsto

A forma para os assentos foi executa-

não afetaria a qualidade do teste e a valida-

da no Lame, o Laboratório de Modelos Experi-

de do protótipo.

mentais da FAU-USP, que possui equipamento próprio para trabalhos de marcenaria. As

A preferência pelo BTC na execução

chapas de madeira compensada foram corta-

da arquibancada para o campo, caso este

das na marcenaria com a ajuda dos técnicos

protótipo fosse escolhido, seria pelo fato de

e as partes foram pregadas. Os assentos pos-

os blocos de terra comprimida serem uma

suem uma dobra estrutural em suas extremi-

técnica de construção agroecológica, com

dades, que funciona como uma viga de altura

menor impacto ambiental, e passível de ser

estrutural maior do que o restante do assen-

apropriada pelos educandos. Esta técnica já

to. Esta viga serve também como uma ”pinga-

havia sido utilizada na construção dos edifí-

deira”, a fim de proteger os blocos dos apoios

cios da ENFF, e a própria escola dispunha de

da água da chuva.

maquinário manual para prensagem dos blocos, além de uma reserva de terra num terre-

Em seguida foi executado o primeiro

no lindeiro, matéria prima necessária para a

dos dois assentos que compõem o protótipo.

fabricação destes.

Os assentos foram armados em toda sua extensão com tela de aço soldada galvanizada,

Dois dos três apoios possuem 7 fiadas

a fim de reforçar a estrutura. O traço da arga70


Figura 16 - Argamassagem da fôrma do segundo assento, utilizando terra no traço. Fonte: Caetés, 2017

Figura 17 - Módulo três apoios finalizado com os dois assentos, um com argamassa comum e outro incluindo terra Fonte: Caetés, 2017

71


massa utilizada foi 1:2 (cimento:areia). Após

cução, mas que ainda permite disposições in-

colocar a argamassa na forma, foi utilizada

teressantes na borda do campo. Seus aspec-

uma mesa vibradora para uniformizar a mas-

tos negativos entretanto são a dificuldade de

sa, e assim garantir que todo o espaço da for-

confecção, já que necessita uma mesa vibra-

ma fosse preenchido. Após um dia de cura em

tória para fabricar o assento, e de um espaço

repouso sobre a mesa vibratória, o assento foi

grande para a cura do material imerso, além

retirado da forma e colocado em um tanque

do peso do tampo e dificuldade de locomo-

de água para a cura imersa, onde permane-

ção.

ceu por 3 dias. No entanto, idealmente o as-

II. Hiperadobe: esta proposta se ca-

sento ficaria curando por aproximadamente

racteriza por assentos curvilíneos, maciços e

20 dias, o que não foi possível devido ao cur-

contínuos, em terra ensacada.

to prazo de execução junto às diárias do mes-

a. Processo de construção:

tre-de-obras Zé.

A forma em S do protótipo possibi-

Para o segundo assento, a forma foi

litou testar a capacidade de curvatura des-

desmontada para que as mesmas peças pu-

ta técnica, e avaliar como essa curvatura se

dessem ser usadas na confecção das duas

comporta para uma arquibancada. Não foi

formas. No segundo assento o traço de arga-

possível fazer o revestimento dos bancos. Pa-

massa utilizado foi 1:2:1 (cimento:areia:ter-

ra estes revestimento seria aplicado calfiti-

ra). Julgou-se pertinente utilizar terra no se-

ce (mistura de cal, fibra, cimento e terra) ou

gundo assento enquanto experimentação de

COB (terra pisoteada misturada com palha) e

uma possibilidade técnica mais ecológica. A

seria musado pigmentos naturais para colo-

seguir foi repetido o mesmo processo realiza-

rir o banco.

do no primeiro assento.

A terra, seu principal material, é van-

b. Considerações sobre o módulo dos

tajosa para diminuir custos, se considerarmos

três apoios

a movimentação de terra do terreno lindeiro,

Os principais pontos positivos deste

com terra disponível. Outras opções financei-

banco é seu desenho simples e de fácil exe-

ramente viáveis seriam encontrar canteiros 72


Figura 18 - Escavação da fundação para o módulo hiperadobe. Fonte: Caetés, 2017

Figura 19 - Brita pilada na base da fundação do módulo hiperadobe; ao lado a estrutura do cavalete para apoiar o saco de ráfia durante a construção. Fonte: Caetés, 2017

73


de obra próximos, que doassem terra removi-

baixo custo e das ferramentas simples envol-

da para descarte.

vidas. Ainda, é uma técnica que possibilita o trabalho de várias pessoas simultaneamente,

No protótipo, utilizou-se uma bobina

com simplicidade de execução, o que favore-

de saco de rafia. Este material requer uma ca-

ce o trabalho em mutirão. Sua forma maleá-

mada de arame farpado para a fixação entre

vel permite uma grande variedade de implan-

camadas de terra ensacada. Também é ne-

tação, explorando as curvas de seu formato. A

cessária sua retirada para aplicação de reves-

quantidade de terra envolvida para a constru-

timento, através da queima, com maçarico a

ção é grande, porém isso não seria um impe-

gás. No caso da construção na escola, seria

ditivo para sua construção, dado a disponibi-

utilizado o saco de raschel, para maior prati-

lidade de terra na escola.

cidade e menor custo.

III. Cubos: esta proposta se caracte-

Para a fundação foi escavada uma va-

riza por módulos construídos com BTC, no

la, preenchida com brita e pilada. Esta técnica

formato de cubos fechados, que podem ser

facilita a fundação no caso, pois não necessi-

combinados entre si.

ta de formas nem concretagem, além de faci-

a. Processo de construção:

litar o nivelamento em comparação ao assentamento de tijolos.

A construção dos módulos se inicia

Para as camadas de terra ensacada,

com a execução de sua fundação, após a lim-

foi necessário fabricar um cavalete para segu-

peza do terreno. Para tanto, foram, primeira-

rar o saco de rafia aberto, assim como pilões

mente, escavadas valas na terra seguindo a li-

para compactar a terra.

nha onde seriam levantadas as fiadas das paredes do módulo. Ao redor destas valas, fo-

b. Considerações sobre o módulo do

ram colocada formas de madeirite para a fun-

hiperadobe

dação. As formas foram então preenchidas

Esta é a técnica que teria menor im-

com concreto, depois retiradas com um dia

pacto ambiental, e maior possibilidade de

de cura, por conta do curto prazo. O nivela-

apropriação por educandos do curso, por seu

mento do concreto da fundação foi feito com 74


Figura 20 - Fiadas de saco de ráfia, com arame farpado entre elas, preenchidas com terra e piladas. Fonte: Caetés, 2017

Figura 21 - Módulo do hiperadobe finalizado, sem revestimento. Fonte: Caetés, 2017

75


o uso de estacas e de uma mangueira com

fileira superior, foi testada uma argamassa

água. Na execução da fundação trabalharam,

com terra, com traço 2:3:3 (cimento:areia:ter-

em média, três pessoas ao mesmo tempo. As

ra). A argamassa com terra permite diminuir a

ferramentas utilizadas foram enxadas, pás,

quantidade de cimento utilizada para a cons-

estacas, barbante e régua.

trução do módulo.

Após a cura da fundação, procedeu-

Para os assentos, foi escolhido um

se à execução das paredes do módulo, con-

método de confecção in loco. Ao mesmo tem-

feccionadas com tijolos de barro cozido; a uti-

po que isso simplificou as fôrmas que seriam

lização de tais tijolos, ao invés dos tijolos de

necessárias para a fabricação dos assentos,

BTC (blocos de terra comprimida), foi neces-

também trouxe outra consequência: para a

sária por conta de questões orçamentárias,

confecção in loco, é preciso que exista uma

pois a execução deste módulo não estava pre-

base sobre a qual será colocada a argamassa;

vista em projeto. Apesar disso, no canteiro foi

assim, foi necessário preencher o interior dos

considerada necessária a sua execução, pois

módulos com entulho e brita, materiais dis-

era o módulo que mais se assemelhava aos

poníveis no canteiro. Além disso, a confecção

croquis iniciais do projeto e que haviam sido

das formas exigiu diversos ajustes in loco, e

amplamente discutidos com a CPP da ENFF.

que foram grandemente facilitados pela pro-

Além disso, considerou-se que, neste módu-

ximidade com o LAME, o Laboratório de Mo-

lo, especificamente, a utilização de blocos di-

delos Experimentais, que possui equipamen-

ferentes do previsto não afetaria a qualidade

to próprio para trabalhos de marcenaria.

do teste e a validade do protótipo.

Os assentos foram armados com uma

Para o assentamento dos blocos, fo-

tela de aço soldado galvanizada em suas ex-

ram utilizados níveis, prumos e colheres de

tremidades. Ainda, por sugestão do mestre

pedreiro. Em média, quatro pessoas traba-

de obras Zé, colocou-se tubos PVC cortados

lhavam ao mesmo tempo para o assentamen-

abaixo das extremidades das formas dos as-

to das fiadas. Na fileira inferior de bancos, foi

sentos, de maneira a formar uma curva na

utilizada uma argamassa comum para assen-

parte inferior do assento ao término da cura

tar os blocos, de traço 1:3 (cimento:areia); na

da argamassa, e assim evitar que a chuva es76


Figura 22 - Montagem das fôrmas para fundação do módulo cubos. Fonte: Caetés, 2017

Figura 23 - Levantamento de paredes do módulo cubos. Fonte: Caetés, 2017

77


corra para a parede de tijolos, como uma pin-

cados na ENFF durante o curso podem gerar

gadeira. Para a argamassa do tampo, foi uti-

grande economia na construção destes mó-

lizada uma mistura de cimento com entulho

dulos, possibilitando ainda com uma ativida-

triturado (reciclado) em pó, material existen-

de de formação em produção de BTC. Ainda,

te no canteiro da FAU. Apesar da máquina tri-

também julgou-se necessário o revestimento

turadora de entulhos não existir na ENFF, jul-

das paredes de blocos e dos tampos com al-

gou-se pertinente utilizar este material en-

gum impermeabilizante, como o produto AC-

quanto experimentação de uma possibilida-

QUELLA, que deve ser reforçado anualmente.

de técnica mais ecológica, pela reutilização

IV. Arco: esta proposta se caracteriza

de resíduos da construção civil. Ainda, o en-

por módulos construídos com blocos BTC, no

tulho em pó fornecido pelo canteiro da FAU

formato de arcos que sustentam os assentos,

também resultou numa certa economia na

e que podem ser combinados entre si.

obra. O traço utilizado foi 1:3 (cimento:entu-

a. Processo de construção:

lho em pó).

A construção do módulo do arco tem

b. Considerações sobre o módulo dos

seu início com a execução da fundação de

cubos

concreto. Primeiramente, são escavadas as

O módulo é composto, basicamente,

valas de acordo com a demarcação (feita de

por quatro paredes de tijolos e um assento

linhas amarradas em estacas nos vértices da

de argamassa armada. Ele tem como vanta-

fundação) de onde serão levantadas as fiadas

gens permitir uma maior liberdade de combi-

do módulo. Formas de madeirite são coloca-

nações e composições para a arquibancada e

das sob as valas, e o nivelamento da superfí-

uma execução relativamente simples. Entre-

cie da fundação fez-se através do uso de es-

tanto, a execução da fundação e dos tampos

tacas e mangueira de nível. As formas foram

demandam maior uso de cimento e ferragens

então preenchidas com concreto, depois reti-

em sua composição, além da madeira para a

radas com um dia de cura, por conta do cur-

confecção das formas. Como todos os módu-

to prazo

los, este também é bastante versátil e robus-

Para a execução da fundação, traba-

to. A possibilidade de utilizar blocos BTC fabri78


Figura 24 - Preenchimento do interior do módulo cubo com terra e brita; montagem de fôrmas para os assentos. Fonte: Caetés, 2017

Figura 25 - Módulo cubos finalizado. Fonte: Caetés, 2017

79


lharam duas pessoas na execução da forma,

tampos dos assentos foram construídos in-lo-

mais duas pessoas no processo de demarca-

co, ou seja, foram fabricados diretamente so-

ção, execução das trincheiras e concretagem.

bre a estrutura de BTC. Dessa forma, a fabri-

As ferramentas utilizadas para a execução da

cação das formas foi facilitada, apesar dos

forma foram: régua, trena, serra (máquinas

ajustes necessários no momento de encaixar

elétricas disponíveis no LAME), martelo. Já na

a forma no módulo. Além disso, a construção

execução da fundação, foram usadas: enxa-

dos tampos desta maneira não utiliza a mesa

das, pás, estacas, barbante e régua.BTC

vibratória e o tanque de cura. Os assentos foram armados com tela de aço soldado galva-

Após a cura de um dia da fundação,

nizada nas extremidades do módulo.

iniciou-se o assentamento dos blocos de BTC, considerando-se o vão do arco de acordo com

A argamassa do tampo também foi

o tamanho do gabarito de madeira. Na altu-

feita através da mistura de cimento e entu-

ra onde inicia-se o arco, o gabarito foi posicio-

lho triturado (reciclado) em pó, com traço 1:3

nado e o assentamento dos blocos seguiu sua

(cimento:entulho triturado). A utilização des-

forma curva.

se material permitiu a experimentação de uma técnica mais ecológica, uma vez que fo-

No caso dos testes no canteiro da

ram utilizados resíduos provenientes da cons-

FAUUSP, foi utilizado BTC comprado pronto,

trução civil, entretanto, para a construção na

ao invés de fabricado in-loco, pela questão do

ENFF deve-se avaliar a necessidade de utili-

tempo de secagem. Entretanto, na constru-

zação de uma máquina trituradora (existente

ção da arquibancada na ENFF, considera-se a

no canteiro da FAUUSP). No caso dos testes,

possibilidade de que os blocos sejam produ-

o pó de entulho disponível também permitiu

zidos na Escola. Nos rejuntes, foi utilizada ar-

maior economia de materiais comprados.

gamassa de terra, com traço 2:3:3 (cimento:a-

b. Considerações sobre o módulo do

reia:terra). O uso da argamassa de terra permitiu o menor uso de cimento em sua com-

arco

posição.

O módulo de arco é interessante pela

Assim como no módulo dos cubos, os

sua possibilidade de variedade composições, 80


Figura 26 - Montagem e concretagem das fôrmas para fundação do módulo arcos. Fonte: Caetés, 2017

Figura 27 - construção do arco com BTC sobre o gabarito de apoio. Fonte: Caetés, 2017

81


principalmente quando combinado com o

Triapoiado: R$ 146,91

módulo dos cubos. Porém, a concretagem da

Hiperadobe: R$ 180,18

fundação demanda maior uso de cimento e a

É importante ressaltar que o preço

confecção dos tampos utiliza ferragens e ma-

dos módulos Cubo e Arco foram calculados

deira para a construção de suas formas. Ou-

com a compra de BTC, o que seria barateado

tro aspecto interessante desse módulo é a

caso o BTC fosse fabricado na obra.

possibilidade de confecção dos BTC através do curso na ENFF, o que geraria uma econo-

Em conjunto com a CPP (Coordena-

mia financeira na obra, além de se caracteri-

ção Político-Pedagógica) da ENFF, em reu-

zar por mais uma etapa didática da obra, co-

nião realizada no Canteiro Experimental da

mo já mencionado no módulo dos cubos.

FAU para apresentação do relatório produzido, foram escolhidos os módulos III. Cubos e

3.5.4 Encaminhamentos e planejamento dos materiais

IV. Arco para serem os módulos-base da ar-

Após todos os ensaios, foi produzido

ções da ENFF, também construídas em BTC.

um relatório contendo todos os projetos, cus-

A partir disso, foi planejado junto à escola a

tos e técnicas empregadas descritas detalha-

movimentação de terra necessária para a fa-

damente. O custo da construção dos protóti-

bricação dos tijolos BTC, assim como o pre-

pos foi em torno de 3,5 mil reais, custeados

paro de três prensas manuais para dar início

pela AAENFF, além de mateirias do LCC utili-

à produção dos BTC. Eram previstos o uso de

zados (areia, brita, pó de entulho, terra, ferra-

aproximadamente 10 mil tijolos de BTC na ar-

mentas). Cada um dos módulos teve um cus-

quibancada.

quibancada do campo. A escolha ficou a critério da CPP, que justificou a escolha pela proximidade com a linguagem das outras constru-

to especifico, a saber:

Em paralelo a este planejamento, surgiu a possibilidade da escola receber uma

Cubos: R$ 238,00

doação de tijolos remanescentes da demoli-

Arco: R$ 414,83

ção de um galpão do porto de Santos-SP, ad82


Figura 28 - Montagem e concretagem das fôrmas para os assentos do módulo arco. Fonte: Caetés, 2017

Figura 29 - Módulo arco finalizado. Fonte: Caetés, 2017

83


vindos de uma obra de restauro do IPHAN

3.6. Planejamento dos Vestiários

(Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) financiada pela Petrobrás. Após o diálogo com as instituições responsáveis, foi decidido usar os tijolos desta doação pa-

A construção de dois vestiários não

ra as arquibancadas: seriam poupados tem-

estava prevista no orçamento original do

po e trabalho, já que não se teria que fabricar

campanha de financiamento, nem nos estu-

os tijolos BTC, nem aguardar o devido tempo

dos de planejamento prévios realizados pe-

de cura para serem utilizados. Ainda, o custo

lo Caetés até fevereiro de 2017. A demanda,

dos tijolos - que envolvia as diárias de aloja-

trazida pela CPP da ENFF, chegou ao Caetés

mento e comida dos trabalhadores voluntá-

em um momento muito próximo ao início das

rios, além do cimento, areia e movimentação

obras, o que dificultou o processo de planeja-

de terra com máquinas, - era equivalente ao

mento pelo tempo curto e trabalho intenso.

frete gasto para buscar os tijolos em Santos.

A verba destinada à construção dos vestiários

Ainda, considerou-se que o re-uso de

era incerta, e a quantidade disponível muda-

tijolos de demolição também é uma técni-

va a cada reunião.

ca de matriz agroecológica, como detalhado

Nesse processo um tanto atropelado,

no item 2.3. Por uma construção agroecoló-

o Caetés iniciou o trabalho de projeto dos ves-

gica deste TFG. Os tijolos eram antigos (não

tiários junto ao arquiteto Lucas Lotufo Brant,

foi possível encontrar a data), provavelmen-

especialista em bioconstrução. O vestiário es-

te com quase um século de existência, robus-

taria localizado do lado oposto do campo de

tos, pesados e grandes: cada tijolo pesava por

onde seria construída a arquibancada. O pro-

volta de 5kg, com dimensões de 7,5x13x27 em

grama proposto para cada vestiário se resu-

centímetros; enquanto o BTC pesava 2,6 kg,

mia em: três a cinco boxes para banho; três

com dimensões 6,25x12,5x25. A partir desse

sanitários; mictórios; três pias; armários; e

novo material, o projeto foi remodelado, can-

um espaço com bancos para troca de vestuá-

teiro reprogramado, e os módulos redimen-

rio e reunião dos jogadores.

sionados. 84


Figura 30 - Modelo de estudo na escala 1:50 de proposta para os vestiários em hiperadobe Fonte: Caetés, 2017

Figura 31 - Corte esquemárico de proposta para o vestiário em hipeardobe. Fonte: Caetés, 2017 escala gráfica abaixo

Figura 32 - Planta de proposta para o vestiário em hiperadobe; escala gráfica abaixo. Fonte: Caetés, 2017

0

5

10

11


As primeiras propostas se baseavam

rios, nem a compra de louças, chuveiros, etc.

em uma disposição linear do programa dos

O uso de técnicas de construção

vestiários, pela falta de espaço disponível

agroecológica pautou todo o desenvolvimen-

para a construção. A técnica proposta para

to do projeto, pensando sempre na possibi-

a construção das paredes era o hiperadobe,

lidade de envolver a obra do vestiários num

com uma cobertura em estrutura de bambu e

formato de curso, assim como a construção

fechamento com palha de sapé. O orçamento

da arquibancada. Portanto, além de menor

desta construção foi considerado muito alto

impacto ambiental, as técnicas escolhidas fo-

(em torno de 60 mil reais), o que levou a uma

ram pensadas enquanto passíveis de serem

revisão da proposta.

reproduzidas nos assentamentos e acampa-

Após várias discussões acerca da téc-

mentos de origem dos trabalhadores volun-

nica a ser empregada, e com visitas ao local

tários, educandos do curso.

junto ao arquiteto Lucas, optou-se por um

Contudo, no início das obras em

projeto de dois hexágonos, levantados em eu-

abril de 2017, após as discussões e o desen-

calipto roliço ou bambu gigante (disponível

volvimento do projeto, a CPP optou por não

na ENFF), e com fechamento das paredes em

construir o vestiário naquele momento, por

taipa de mão (pau a pique). A cobertura seria

falta de verba disponível. Em julho de 2017,

feita em calfitice, com a estrutura de vigas re-

após a construção das arquibancadas e do

cíprocas em bambu gigante ou eucalipto, de-

campo de futebol, a CPP da ENFF conseguiu

vidamente trabada com caibros e terças. Es-

um novo aporte de verba, e contratou a En-

ta estrutura seria mais leve, imporante fator

genheira Ilse Regina Heydt, militante do MST,

construtivo pois, após visitar o local de cons-

para a planejar a construção dos vestiários.

trução, o arquiteto Lucas apontou a instabi-

Com uma adaptação do projeto previamen-

lidade de compactação do solo do terreno,

te desenvolvido pelo Caetés junto ao Arqui-

recentemente aterrado, o que inviabilizaria

teto Lucas, os vestiários foram construídos

uma estrutura pesada como o hiperadobe. O

com materiais convencionais, com a contra-

valor disponível era de 20 mil reais, o que não

tação de trabalhadores do bairro da escola.

permitiria o acabamento interno dos vestiá-

Na avaliação do Caetés, todo o potencial pe86


Figura 33 - Modelo de estudo na escala 1:50 de proposta para os vestiários em hiperadobe Fonte: Caetés, 2017

0

5

10

15

Figura 34 - Planta de proposta para o vestiário em hiperadobe; escala gráfica aima. Fonte: Caetés, 2017

VESTIÁRIO | HIPÓTESE 3


dagógico e de exploração de técnicas agroe-

A empresa GRAMAR foi a única que se

cológicas no curso de construção dos vestiá-

propôs a abrir o orçamento da construção do

rios, quando pensado junto ao Lucas, foi per-

campo, de maneira a apresentar as etapas e

dido. Porém, compreendemos a dinâmica in-

materiais envolvidos sistematicamente. Des-

terna do MST, onde os tempos e recursos dis-

sa forma, foi possível encontrar um orçamen-

poníveis nem sempre acompanham a veloci-

to aberto, com diversas opções para o acaba-

dade do diálogo com a universidade - sempre

mento do campo. Além disso, a empresa não

mais lento, de maneira que respeitamos a decisão da CPP.

3.7. cAMPO E DRENAGEM A construção do campo de futebol, com o nivelamento e o plantio de grama, assim como a drenagem específica do campo, foram planejadas e executadas pela GRAMAR, empresa especializada em campos de futebol, contratada pela escola. Parte do trabalho foi realizado por trabalhadores militantes voluntários do MST. Este TFG não entra em detalhes da construção do campo, pois não foi um objeto de curso, de matriz agroecológica, nem de desenho aberto, mas uma relação de contratação de serviços específicos.

88

Figura 35 - Trincheira drenante no platô do Memorial Fonte: David Martins, Setembro 2017


Figura 36 - Vestiários construídos com projeto da Engenheira Ilse, baseados em projeto desenvolvido pelo Caetés. Fonte: Caetés, outubro 2017

Figura 37 - Vista do campo durante obra, desde o platô dos vestiários. Fonte: Caetés, Abril 2017

89


vendia diretamente o material utilizado, co-

O corpo da brigada era formado por

mo a grama, fertilizantes e a areia, permitin-

grupos de trabalhadores, com responsabili-

do a negociação de orçamentos com diversos

dades específicas: os Trabalhadores Apren-

fornecedores.

dizes Voluntários; os Mestres Construtores de

Por fim, a empresa foi importante

Ofício; e a Frente de Planejamento

também para as decisões acerca do uso e manutenção do campo, assim como a irrigação e a drenagem específica. O campo e a drena-

BRIGADA OZIEL 3.8. Brigada de ALVES Construção

gem foram construídos, também com trabalho voluntário de militantes do MST, assim como as demais obras, com a coordenação de um trabalhador representante da empresa.

" Oziel Alves Alves lutou até morrer Oziel

Deixando sua história no MST " Dentro da organicidade da ENFF, de-

terminadas tarefas são designadas para grupos internos da escola. Para a tarefa da construção do campo e das arquibancadas, formou-se então a Brigada de Construção Oziel Alves, em homenagem ao jovem militante mártir, assassinado pela polícia aos 18 anos, no massacre de Eldorado dos Carajás, em 17 de abril de 1996.

BRIGADA OZIEL ALVES 38 -Alves Logo e arte de camiseta da Brigada de "Figura Oziel lutou até morrer Construção, escolhida coletivamente. Deixando sua história no MST " Fonte: Caetés, 2017


Figura 39 - Brigada de Construção na prática do trabalho, da esquerda para direita: Mônica (Caetés - Frente de Planejamento, Alef (Trabalhador Aprendiz Voluntário) e Eridan (Mestre Construtor de Ofício). Fonte: Caetés 2017

Figura 40 - Chicão (esquerda) e Alacrino (direita), Trabalhadores Aprendizes Voluntários, assentando blocos Fonte: Caetés 2017

91


acompanhadas dos processos de forma-

3.8.1. Trabalhadores aprendizes voluntários

ção.

(PIZETTA, 2007, p.25)

O formato do trabalho voluntário, como citado por Pizetta, fez parte de toda a O processo de construção da ENFF com-

construção da ENFF. Este processo de cons-

preende o período de 22 de março de 2000

trução buscou romper as relações de traba-

a 23 de janeiro de 2005 , configurando-se

lho alienadas capitalistas, submissas às rela-

em torno de 12 mil horas trabalhadas por

ções de mercado e ao patrão. O compromisso

1.000 pessoas (927 homens e 63 mulhe-

de construir uma escola dos movimentos so-

res), representando 112 assentamentos e

ciais, que formasse futuramente seus filhos,

230 acampamentos, os quais foram orga-

de forma coletiva e humanizada, era o que

nizados em 25 Brigadas de Trabalhadores

motivava o trabalho.

e Trabalhadoras Voluntários, representando 20, dos 23 estados, nos quais o MST se

Na perspectiva do MST, o trabalho é uma

faz presente.

ação consciente onde o militante é livre

Esta experiência foi possibilitada, a par-

para escolher e para construir as alterna-

tir das vivências no dia-a-dia, destas pes-

tivas, as possibilidades. Quando ele tiver

soas que se desafiaram, no decorrer de

construído essas alternativas, pode-se

cinco anos, a compor as Brigadas, aber-

dizer que conquistou grande parte de sua

tas para o desconhecido, construindo jun-

liberdade. Ao mesmo tempo, através do

tos, “o novo”, deixando registrada a sua

trabalho, ele cultiva e reafirma a sua raiz,

contribuição imprescindível para a his-

alimenta a sua identidade como integran-

tória da classe trabalhadora e, especial-

te da classe trabalhadora, tendo o traba-

mente para o MST, através do exemplo de

lho como um valor, exercido com gosto e

esforço, trabalho (voluntário) e da solida-

com amor, sendo criador de uma nova so-

riedade, demonstrando que os aprendiza-

ciedade.

dos se dão a partir das práticas concretas

92

(PIZETTA, 2007, p. 31)


Figura 41

Figura 42

Figura 39

Figura 43

Figura 44

Figuras 41 a 45 - alguns dos Trabalhadores Aprendizes Voluntários. Da esquerda para direita, de cima para baixo: Francisco (Chicão), Marcelo, Gabriel, Osvaldino e Anderson. Fonte: Caetés, 2017 Figura 45

93


A construção da ENFF também se deu

o grupo dos Trabalhadores Aprendizes Vo-

num formato de curso, onde os trabalhadores

luntários, assim como desenvolvido no item

aprendiam a fabricar o BTC, a construir com

2.1. Por uma obra educadora deste TFG. Es-

taipa de pilão, a ler projetos de arquitetura,

te grupo passaria por diversas atividades de

além de cursos de alfabetização e supletivos

formação propostas no curso, com o objeti-

ao longo da obra.

vo de capacitar tecnicamente quanto a construção civil, e instrumentalizá-los quanto às

Para obra do campo e das arquiban-

ferramentas de desenho e planejamento da

cadas, a escola convocou militantes do MST,

obra, de maneira que pudessem participar e

assentados ou acampados, para uma jorna-

contribuir em todas as etapas da construção.

da de um mês de trabalho voluntário. Foram dois grupos de trabalhadores, que ficaram na escola por um período de um mês cada. O pri-

3.8.2. Mestres Construtores de Ofício

meiro grupo, com (inicialmente) onze pessoas, trabalharam do início de abril ao início de maio de 2017 trabalhando na construção; o segundo grupo, com outras oito pessoas, fi-

Para a obra das arquibancadas, foram

cou todo o mês de maio de 2017, com um pe-

contratados dois profissionais mestres-de-o-

ríodo de aproximadamente dez dias de inter-

bras, o Zé (José do Nascimento da Silva) e o

secção entre os dois grupos, sendo 19 (de-

Eridan (Eridan Silva). Como mencionado an-

zenove) pessoas no total, 17 (dezessete) ho-

teriormente no item 3.5.3. Ensaios no Can-

mens e 2 (duas) mulheres. Nesse período, os

teiro Experimental, Zé trabalhou na constru-

trabalhadores ficavam alojados na escola,

ção dos protótipos dos módulos da arquiban-

com refeições e demais infraestruturas dispo-

cada junto ao coletivo Caetés. Juntos, Zé e

níveis, e podendo participar de atividades co-

Eridan, formavam o grupo dos Mestres Cons-

muns à comunidade da ENFF.

trutores de Ofício na construção das arqui-

Dentro da proposta do Canteiro-Es-

bancada. Cada um desses mestres será res-

cola na obra do Complexo Esportivo Dr. Só-

ponsável por garantir que a técnica está sen-

crates Brasileiro, estes militantes formavam

do devidamente empregada na obra, além 94


Figura 46

Figura 47

Figura 48

Figura 49

Figuras 45 a 49 - alguns dos Trabalhadores Aprendizes Voluntários. Da esquerda para direita, de cima para baixo: Rodrigo, Karine, Alef, Cláudio e Jackson. Fonte: Caetés, 2017 Figura 50

95


de ter o papel essencial enquanto educador

3.9. Ciclo de debates sobre construção agroecológica

de compartilhar o seu conhecimento prático com os educandos do curso, conforme também descrito no item 2.1. Por uma obra educadora deste TFG.

3.8.3. Frente de Planejamento

No dia 8 de abril de 2017, um sábado,

foi realizado um evento na ENFF que marca o

A Frente de Planejamento é compos-

início das atividades de construção do cam-

ta pelo Coletivo Caetés, a CPP (Coordenação

po e da arquibancada. Na escola, alguns sá-

Político-Pedagógica) da ENFF, e colaborado-

bados do mês são destinados à atividades de

res do projeto, como profissionais qualifica-

debate conjuntas, que levam a alcunha “Ci-

dos, professores e pesquisadores universitá-

clo de Debates”. O tema discutido neste dia

rios. No atual momento, esta frente também

foi “Construção agroecológica: cultura e sa-

conta com a colaboração da Engenheira Il-

ber popular na construção e arquitetura da

se Regina Heydt, que faz parte do MST e está

ENFF”. Para tanto, foram convidados quatro

contratada para o gerenciamento de diversas

palestrantes para fazerem falas, três convida-

obras da ENFF, principalmente reformas dos

dos pelo Caetés, e um convidado pela CPP da

edifícios originais. Esta frente coordena tare-

ENFF. Um dos intuitos deste debates seria a

fas organizativas do planejamento da obra,

abertura do curso de construção, enquanto

assim como oficinas do curso de construção,

primeira atividade de formação aberta da Bri-

como: desenho, projeto participativo, organi-

gada de Construção.

zação de canteiro, etapas da obra e cronogra-

A primeira convidada a falar foi a Ar-

ma, entre outras.

quiteta Lilian Avivia Lubochinski, responsável pela concepção do projeto arquitetônico da 96


Figura 51 - Eridan (esquerda) e Zé (direita), Mestres Construtores de Ofício, finalizando o assento da arquibancada. Fonte: Caetés, 2017

Figura 52 - Ciclo de Debates Construção agroecológica: cultura e saber popular na construção e arquitetura da ENFF. Nos fundos, da esquerda para direita: Lucas Brant, Tamires Lima, Eduardo Salmar, Lilian Lubochinski, Rosana Fernandes (diretora da ENFF), Janailson Almeida (CPP ENFF), Karina Leitão e Beatriz Mendes (Caetés). Fonte: Caetés, 2017

97


ENFF, e arquiteta responsável pela obra da es-

ma, reforçou o papel da mulher nos mutirões

cola durante a construção (2000-2005). Lílian,

autogestionários da USINA, que buscam rom-

convidada pelo Caetés, trouxe reflexões sobre

per com a estrutura machista e hierárquica do

a experiência no Canteiro-Escola com os tra-

canteiro tradicional.

balhadores voluntários na época da constru-

O terceiro convidado a falar foi o Ar-

ção da ENFF, reforçando a importância de um

quiteto Lucas Lotufo Brant, especialista em

canteiro educador libertário para emancipa-

bioconstrução e arquitetura de baixo impacto

ção dos operários. Também falou sobre a im-

ambiental, e colaborador na elaboração dos

portância de humanizar a arquitetura, com

projetos dos vestiários para o Complexo Es-

seu caráter sócio-cultural, e não como merca-

portivo Dr. Sócrates Brasileiro. Lucas, convi-

doria. Outro ponto importante abordado foi

dado pelo Caetés, falou sobre suas experiên-

a questão das técnicas e materiais escolhidos

cias construtivas com terra, madeira e bam-

para a obra, como o BTC e a taipa de pilão, de-

bu, debatendo sobre as vantagens materiais

fendendo o caráter local de produção, a di-

sobre estas técnicas, como a possibilidade de

mensão ambiental, e a possibilidade de apro-

construir em mutirão, baixo impacto ambien-

priação das técnicas pelos trabalhadores en-

tal, diminuição de gastos e minoração de resí-

volvidos.

duos de descarte na obra.

A segunda convidada a falar foi a Ar-

O último convidado a falar foi o Arqui-

quiteta Tamires Lima, que fez uma fala en-

teto Eduardo Salmar Nogueira, professor uni-

quanto parte da USINA Centro de Trabalhos

versitário e pesquisador. Eduardo, convidado

para o Ambiente Habitado, assessoria técni-

pela CPP da ENFF, foi o arquiteto responsável

ca que trabalha junto ao MST e outros movi-

por assessorar a obra de construção da esco-

mentos sociais. Tamires, convidada pelo Cae-

la (2000-2005) sobre técnicas de construção

tés, trouxe ao debate a possibilidade educa-

com terra, como a fabricação de BTC e a tai-

dora dos mutirões autogestionários, onde as

pa de pilão. Trouxe para o debate a importân-

relações de exploração de gênero, idade, raça

cia das apostilas técnicas desenvolvidas pa-

e classe são debatidas, e o trabalho organiza-

ra os trabalhadores da obra aprenderem so-

do no sentido de rompê-las. Dentro desse te-

bre construção com terra, e o caráter educa98


Figura 53 - Arquiteta Tamires Lima (USINA), durante fala no Ciclo de Debates. Fonte: Caetés, 2017

Figura 54 - Arquiteta Lilian Avivia Lubochinski, durante fala no Ciclo de Debates. Fonte: Caetés, 2017

Figura 55 - Reunião para desenvolvimento do projeto dos vestiários com o Arquiteto Lucas Lotufo Brant (ao centro).

99

Fonte: Caetés, 2017


dor destas técnicas.

senvolvidas foram oficinas para definir coletivamente a implantação dos módulos da

Com esta primeira atividade de for-

arquibancada no espaço delimitado para a

mação, que fez uma importante retrospec-

construção. A proposta era que justamente a

tiva histórica sobre a construção da ENFF,

implantação dos módulos fosse desenvolvi-

pudemo-nos situar melhor enquanto sujei-

da coletivamente por toda a Brigada de Cons-

tos atuantes no presente da escola. Viu-se

trução.

que muito dos debates pautados pelo Caetés já haviam sido postos em prática durante

A primeira oficina realizada uma in-

a construção da escola, com erros e acertos,

trodução ao curso de construção. A oficina

porém com intenções claras. Esse momento

inicou-se primeiro com uma apresentação

do debate trouxe confiança para iniciar o tra-

geral de todos presentes, contando de onde

balho do curso de construção, ao saber que

veio e como chegou até a escola. Na sequên-

estávamos alinhados à reflexões históricas da

cia, foi apresentada a proposta de pensarmos

arquitetura naquele lugar, traduzidas no con-

a arquibancada conjuntamente, de forma co-

ceito de Construção Agroecológica.

letiva.

3.10. Oficina de aproximação e reconhecimento

são de todos os presentes em pequenos gru-

Logo em seguida, fez-se uma divipos de 4 pessoas, sendo que cada grupo possuía pelo menos um aluno do Coletivo Caetés que organizava a condução da oficina. Para cada grupo, foram distribuídas imagens de diferentes arquibancadas, anfiteatros, plateias e bancos externos, obtidas na internet, de maneira a gerar um debate entre os parti-

Dado o início das atividades da obra,

cipantes. A proposta era que cada pessoa es-

junto ao primeiro grupo de Trabalhadores

colhesse uma das imagens para falar sobre

Aprendizes Voluntários e aos Mestres Cons-

o que gostou, e outra para falar sobre o que

trutores de Ofício, as primeiras atividades de-

não gostou. Ao final, cada um desses peque100


Figura 56 - Oficina de aproximação e reconhecimento, discussão com imagens de arquibancadas trazidas pelo Caetés Fonta: Caetés, 2017 Figura 57 - Painel sobre a Arquibancada, durante oficina de aproximação e reconhecimento. Fonte: Caetés, 2017 ARQUIBANCADA Pode ter: - cores: material? - tijolo: Produzir, proteger, revestir - forma: curva, árvores e terrenos - mesa: jofar damas, reunião, dominó - atividades: estudo, leitura, mística, descanso - processo: mostrar etapas - visual: mural na arquibancada, imagem dos trabalhadores, paisagem - tomadas, bebedouros Não pode ter - madeira - hierarquia - banco de reservas igual aos outros - não dividir o visual - não bloquear a visão


nos grupos de 4 pessoas deveria eleger duas

com peças modulares da arquibancada sol-

imagens que gostassem para apresentar para

tas, para que fosse manuseadas, moldadas,

os demais grupo. Durante a apresentação dos

montadas como exercícios de implantação.

grupos, montou-se um painel na lousa com

Disso, cada pessoa recebeu uma

as qualidades de cada imagem apresentada,

quantidade de módulos-base e fez uma com-

procurando entender o que se esperava da ar-

posição com estes, e depois apresentou pa-

quibancada do campo.

ra os demais sua proposta. Na sequência, as

Esta dinâmica gerou uma primeira

pessoas presentes foram divididas em dois

aproximação entre as pessoas entre si, e en-

grandes grupos, para que cada um destes

tre as pessoas e o trabalho a ser desenvolvi-

montasse a implantação da arquibancada de

do coletivamente. Uma dinâmica de reconhe-

toda uma lateral do campo, e apresentasse

cimento para compartilhar uma construção

para os demais. Essas dinâmicas foram apro-

coletiva.

ximando os envolvidos à proposta da arquibancada desenvolvida pelo Coletivo Caetés e a CPP da ENFF, já colocando a materialidade,

3.11. Oficina com Maquetomóvel

dimensões, possibilidades e limitantes destes módulos. Num segundo encontro, discutimos possibilidades da implantação já consideran-

do as limitantes concretas, como largura má-

Após as primeiras dinâmicas de apro-

xima do corredor das arquibancada, a exis-

ximação, foi apresentada a proposta dos mó-

tência de passagens, árvores que precisam

dulos-base para a construção das arquiban-

ser desviadas, entre outros fatores. Com is-

cadas, prototipados no Canteiro Experimen-

so, fizemos experimentações no maquetomó-

tal da FAU. Para iniciar uma discussão acerca

vel que se aproximassem ainda mais da futu-

do desenho da implantação, o Coletivo Cae-

ra implantação.

tés montou um Maquetomóvel: uma maquete na escala 1:50 do campo de futebol e entorno, 102


Figura 58 - Oficina com maquetomóvel, experimentações. Fonte: Caetés, 2017

Figura 59 - Oficina com Maquetomóvel, implantação final da arquibancada definida coletivamente, com maquete do vestiário aos fundos. Fonte: Caetés, 2017

103


3.12. Oficina com piquetes e linhas

3.13. Oficina de desenho Com o objetivo de aproximar os Trabalhadores Aprendizes Voluntários do ins-

Após as primeiras implantações de-

trumento do desenho arquitetônico, o Cae-

cididas no Maquetomóvel, fomos ao can-

tés realizou uma oficina de desenho. Na aber-

teiro montar a projeção e volumes de algu-

tura da oficina, debatemos a extrema impor-

mas composições de módulos da arquiban-

tância de compreender o desenho enquanto

cada, como forma de compreender a geome-

ferramenta de poder, que todo trabalhador

tria destes no espaço. Para tanto, foram uti-

da construção civil deve dominar para não

lizados piquetes (em bambu) fincados no so-

ser dominado. É a possibilidade de discutir a

lo, unidos por linhas de barbante que forma-

proposição, participar da criação, do planeja-

vam as arestas destas composições, possibili-

mento, do pensar o projeto.

tando o confronto da volumetria da arquibancada com a escala do corpo humano, assim

Num primeiro momento, pediu-se pa-

como perceber outros fatores físicos como a

ra que cada pessoa desenhasse o seu lar, a ca-

presença de árvores, a topografia, a existên-

sa onde morava. Essa primeira atividade ser-

cia de raízes, canaletas e caixas para passa-

viu também enquanto reconhecimento do

gem de fiação elétrica, postes de iluminação,

outro no grupo, com cada um contando mais

entre outras questões.

sobre suas origens. A partir desses desenhos, que se apresentavam em diversas linguagens,

Com isso, voltamos ao maquetomó-

discutimos modelos de representação: o que

vel e juntos definimos diretrizes de uma pos-

é uma planta, um corte, uma elevação, uma

sível implantação definitiva.

perspectiva. Reforçou-se a ideia de que nenhum desenho está errado, pois desenho é 104


Figura 60 - Oficina com piquetes de bambu e linhas de barbante. Representação de volumetria da arquibancada. Fonte: Caetés, 2017

Figura 61 - Oficina com piquetes de bambu e linhas de barbante. Fonte: Caetés, 2017

105


uma linguagem de comunicação; porém, no

com planta, elevações, corte e perspectiva.

meio técnico existem alguns padrões de re-

Desenhar o próprio objeto da construção, o

presentação que buscam facilitar o entendi-

qual decidiu-se a implantação conjuntamen-

mento e a comunicação sobre um projeto. Pa-

te, foi importante para mostrar que o dese-

ra ilustrar, diversos livros de arquitetura com

nho é um instrumento de proposição.

desenhos técnicos e manuais de construção

Obviamente, os Trabalhadores Apren-

foram distribuídos como exemplos.

dizes Voluntários tiveram grandes dificulda-

Então, foram desenhadas na lousa

des em desenhar as representações propos-

(esta oficina ocorreu numa sala de aula), por

tas. Alguns destes trabalhadores, inclusive,

integrantes do Caetés, diversas vistas e pers-

são analfabetos, e não tinham nunca usado

pectiva de um bloco BTC, com elevações,

um lápis. Porém, em discussões futuras sobre

planta e corte. Ainda que a construção das

a definição de parte da arquibancada, alguns

arquibancadas não fossem feitas com BTC, o

trabalhadores se sentiram à vontade para de-

bloco representa o elemento mínimo da uni-

senhar suas ideias, e utilizar o desenho como

dade de construção, assim como do resto dos

ferramenta de comunicação. Para além de ca-

edifícios da escola, objeto-base de todo o tra-

pacitar os trabalhadores em desenho técnico,

balho realizado, e sua representação é simbó-

essa oficina foi uma primeira aproximação

lica enquanto parte fundamental das ativida-

sobre o que é o desenho, etapa da obra que é

des concretas. Mais que isso, é um paralelo da

geralmente afastada dos trabalhadores numa

alfabetização de adultos de Paulo Freire, que

construção convencional.

começava pela palavra TIJOLO: a primeira representação de desenho aqui também foi a de um tijolo. Em seguida, cada pessoa recebeu módulos-base do maquetomóvel, e montaram uma pequena composição com cinco desses módulos. Disso, foi proposto que desenhassem as representações desta composição, 106


Figura 62 - Oficina de desenho com Trabalhadores Aprendizes Voluntários. Fonte: Caetés, 2017

Figura 63 - Oficina de desenho, Marcelo desenhando composição de módulos do maquetomóvel. Fonte: Caetés, 2017

107


3.14. Oficina sobre Construção Agroecológica

3.15. Processo construtivo A maior parte do processo construtivo acompanha os procedimentos descri-

Uma das atividades de formação pro-

tos no item 3.5.3.1. Técnicas Construtivas, de

grama foi um debate sobre Construção Agroe-

maneira que o processo aqui abordado será

cológica, ministrado pelo Arquiteto Francisco

sintetizado nos tópicos abaixo. É importante

Toledo Barros, o Chico, co-orientador deste

ressaltar que todas as etapas aqui descritas

TFG. Nessa oficina, Chico trouxe para os Tra-

foram práticas e realizadas pelos Trabalha-

balhadores Aprendizes Voluntários a proble-

dores Aprendizes Voluntários e por integran-

mática da hierarquização do canteiro hege-

tes do Caetés, sob coordenação dos Mestres

mônico, com a separação entre aqueles que

Construtores de Ofício.

“pensam” e os que “fazem” por uma questão de classe, consequência da separação en-

I. Demarcação das fundações

tre o desenho e o canteiro. Posto isso, colo-

Logo a primeira etapa da construção,

cou para os trabalhadores como este cantei-

proposta pelos Mestres Construtores de Ofí-

ro do Complexo Esportivo Dr. Sócrates bus-

cio, foi a demarcação no chão de uma ‘gre-

cava outras relações de trabalho e produção,

lha’ modular, com quadrados de 74x74cm,

horizontais e humanizadas. Por fim, debateu

equivalentes a um módulo-base da arqui-

sobre o paralelo entre agronegócio e a cadeia

bancada. A partir desta grelha, foram sinali-

produtiva da construção civil hegemônica, ar-

zados os módulos que formariam a implan-

gumentando pela necessidade de uma cons-

tação anteriormente decidida através das

trução também agroecológica. Esta conversa

oficinas de maquetomóvel.

foi feita no próprio canteiro de obras, ao final de um dia de trabalho. 108


Figura 64 - Oficina de desenho, Mônica do Caetés desenha na lousa vistas de uma composição de módulos do maquetomóvel. Fonte: Caetés, 2017

Figura 65 - Francisco Toledo Barros (de vermelho, à extrema esquerda), ministra oficina sobre construção agroecológica para a Brigada de Construção (Caetés, Mestres Construtores de Ofício e Trabalhadores Aprendizes Voluntários). Fonte: Caetés, 2017

109


II. Fundações

a acompanhar as paredes. Os módulos dos cubos foram preenchidos com entulho e ter-

Pequenas sapatas que acompanha-

ra por dentro, para que não ficassem ocos, e

vam as linhas das paredes da arquibanca-

depois receberam a argamassa dos assentos.

da foram construídas para as fundações. Es-

Por fim, os assentos eram levemente ‘quei-

tas possuíam por volta de 15cm de altura, e

mados’, ato de passar uma camada de pó de

ficavam sobre trincheiras escavadas, parcial-

cimento por cima da argamassa, e então ali-

mente enterradas. Para a construção, foram

sar com uma colher de pedreiro.

feitas fôrmas com tábuas de madeira pregadas, preenchidas com concreto.

3.16. Dificuldades Enfrentadas

III. Paredes Para o levantamento das paredes de cada módulo, foram utilizadas 5 fiadas de blocos, assentados com argamassa comum. As ferramentas utilizadas foram colher de pedreiro, prumo, nível de bolha, e régua de pe-

O trabalho desenvolvido pelo coleti-

dreiro.

vo Caetés, aqui relatado, enfrentou diversas IV. Arcos

dificuldades, características do processo de

Para a construção dos arcos foram

tivação, muito distante dos problemas inter-

trabalhos práticos com a necessidade de efe-

feitos gabaritos in-loco, com orientação dos

nos de trabalhos realizados durante a gra-

Mestres Construtores de Ofício. Os arcos fo-

duação, na grande maioria das disciplinas.

ram escorados lateralmente por módulos de

Talvez essa necessidade de enfrentar proble-

cubos, o que anula os esforços horizontais no

mas reais seja um dos pontos mais interes-

sentido de abrir o arco.

santes e formadores de conhecimento da extensão universitária.

V. Assentos

Havia o entendimento da responsa-

Os assentos foram moldados a partir

bilidade que foi assumida com a ENFF e o La-

da estrutura dos próprios módulos, de forma 110


Figura 66 - Construção de um ‘grid’ com estacas de madeira e linhas de pedreiro, para demarcar as fundações da arquibancada. Fonte: Caetés 2017

Figura 67 - Montagem das fôrmas para fundação das arquibancadas. Fonte: Caetés, 2017

111


bHab, e a necessidade da rápida efetivação

monitores não puderam realizar o levanta-

do projeto devido à campanha de arrecada-

mento. Com a pressão de prazos e atrasos no

ção financeira realizada. A campanha deu ao

projeto, o coletivo, juntamente com a profes-

coletivo um entendimento da dimensão e al-

sora Karina Leitão, resolveu realizar por con-

cance do projeto e da importância da ENFF

ta própria o levantamento topográfico. Es-

e do MST na sociedade brasileira. E esse pro-

se processo, da descoberta que não havia le-

jeto com grande dimensão foi o primeiro do

vantamento topográfico do local à realização

Caetés, de maneira que a própria realização

do levantamento, levou mais de dois meses,

do trabalho faz parte da consolidação do co-

sendo responsável por atrasar o andamento

letivo.

do projeto e bloquear o trabalho referente à movimentação de terra para a obra.

3.16.1. Levantamento Topográfico do terreno

3.16.2. Distância geográfica entre a FAU e a ENFF

O primeiro grande problema prático

Outra questão é a distância geográ-

enfrentado foi o levantamento topográfico do campo, que não existia e era fundamental

fica com a ENFF. Guararema está a 80 km de

para o prosseguimento do trabalho. A área

São Paulo, o deslocamento até a escola exi-

da ENFF é resultante do remembramento de

ge, então, além de tempo, dinheiro para o

três chácaras, sendo que apenas em uma de-

transporte. Por falta de preparo de parte do

las há um levantamento topográfico de sua

coletivo, a maioria dos estudantes não pre-

área. O campo está fora desta área, logo, foi

viu janelas na grade horária para dedicação

necessário a realização do levantamento. Em

ao projeto. Dessa maneira, durante a semana

um primeiro momento, foram contactados

devido às atividades acadêmicas dos mem-

ex-monitores de topografia da Escola Politéc-

bros do coletivo, a maior parte destes não

nica da USP (Pedro Chiovetti e Allan Nunes).

poderia se deslocar até a escola. Assim, as vi-

Por dificuldades em conciliar agendas, os

sitas necessárias à área de intervenção para 112


Figura 68 - Desmonte das fôrmas das sapatas de fundação. Fonte: Caetés, 2017

Figura 69 - Marcelo (esquerda) e Tião (direita), ambos Trabalhadores Aprendizes Voluntários, preparando argamassa para finalização da última parte da arquibancada. Fonte: Caetés, 2017

113


o prosseguimento do projeto ocorrem aos fi-

A distância com a ENFF traz a neces-

nais de semana ou feriados, dependendo das

sidade de recursos financeiros para o deslo-

atividades da escola. Essa distância, além de

camento. No último semestre, esse transpor-

atrasar o projeto, dificulta a relação direta

te para visitas foi reembolsado pela ENFF. Po-

do coletivo com a CPP (Coordenação Políti-

rém, no momento, os deslocamentos preci-

co-Pedagógica) da ENFF e com os estudantes

sam ser custeados pelos membros do coleti-

que nela estão alojados. Apesar da vontade

vo. Como alternativa para permanência es-

do coletivo de integrar-se ao cotidiano da es-

tudantil, o coletivo realiza algumas ações pa-

cola, pensando o projeto no local e de forma

ra captar dinheiro e não sobrecarregar seus

coletiva com os futuros usuários, não foi pos-

membros, como venda de rifas ou refeições

sível para todos envolvidos.

feitas pelos próprios estudantes, durante eventos da faculdade. Essa situação, no en-

tanto, é completamente frágil e demonstra

3.16.3. Dificuldades financeiras para a atuação do grupo

a dificuldade, o não reconhecimento e falta de apoio da extensão na formação acadêmica, uma vez que os projetos de extensão não recebem custeio para transporte, estadia ou

Até o início do segundo semestre de

alimentação.

2017, quando já estava finalizada a primeira etapa da obra do Complexo Esportivo, o co-

3.16.4. Falta de espaço e tempo para prática da Extensão Universitária no currículo do aluno de graduação

letivo Caetés trabalhava sem bolsas de estudo. Hoje, o coletivo conta com 4 (quatro) bolsistas, de dedicação 10h semanais, para o desenvolvimento do projeto Construção do Complexo Esportivo Dr. Sócrates Brasileiro: Canteiro-Escola na formação de trabalha-

Outra dificuldade enfrentada é a ne-

dores da construção civil na Escola Nacional

cessidade de conciliar a extensão com a car-

Florestan Fernandes, Guararema-SP.

ga horária das disciplinas da graduação e ou114


Figura 70 - Vista da construção das arquibancadas desde a rampa do auditório. Fonte: Caetés, 2017.

Figura 71 - Assentamento de blocos da arquibancada pelos Trabalhadores Aprendizes Voluntários. Fonte: Caetés, 2017

115


tras atividades. O curso de Arquitetura e Ur-

ta do projeto é a elaboração e planejamen-

banismo da FAUUSP é integral, ou seja, até

to da segunda fase da obra do Complexo Es-

o terceiro ano, há aulas de segunda a sexta

portivo, que contempla uma quadra de vólei,

durante manhã e tarde. Além disso, a maior

equipamentos fixos de ginástica, e uma pra-

parte dos membros do coletivo está envol-

ça para o Memorial do Futebol e Política.

vida com outros projetos: iniciação científi-

A proposta para a construção do Me-

ca, Grêmio da FAU, outros projetos de exten-

morial, assim como a construção das arqui-

são. Muitas vezes o grupo sentiu dificuldade

bancadas, é que a obra ocorra num formato

em prosseguir com o projeto da ENFF devido

de curso, toma os seguintes pontos: 1) Que a

à falta de tempo, situação agravada em pe-

construção aconteça num formato de curso,

ríodos de entrega de trabalhos das discipli-

onde atividades de formação para os edu-

nas da graduação.

candos (Brigada de Construção) estejam integradas às tarefas da obra; 2) Que o projeto seja elaborado em conjunto com os educan-

3.17. Memorial do Futebol e Política

dos do curso no próprio canteiro de obras, de modo que cada trabalhador seja sujeito na obra e que se decida o destino do projeto coletivamente; 3) Que as técnicas empregadas busquem a matriz agroecológica, de maneira

No segundo semestre de 2017, o Cae-

a repensar a relação ser humano e natureza,

tés foi contemplado com 4 (quatro) bolsas de

relações de trabalho, e autonomia frente aos

extensão universitária através do edital do

materiais e técnicas.

PUB (Programa Unificado de Bolsas) da USP,

O Memorial em homenagem ao Só-

pelo projeto Construção do Complexo Es-

crates é o ponto chave para traçar a relação

portivo Dr. Sócrates Brasileiro: Canteiro

entre futebol e política do projeto. Preten-

-Escola na formação de trabalhadores da

de-se que nele esteja presente a carga sim-

construção civil na Escola Nacional Flores-

bólica da figura do Sócrates para a socieda-

tan Fernandes, Guararema-SP. A propos-

de e futebol brasileiros. Além disso, mais do 116


Figura 72 - Assentamento de blocos da arquibancada. Fonte: Caetés, 2017

Figura 73 - Praparação do solo para plantio de grama. Fonte: Caetés, 2017

117


que uma homenagem, é um espaço para sus-

mentos como terra e areia, além de causar a

citar o pensamento político, coletivo e demo-

erosão do solo com a força da água.

crático. O programa do Memorial se resume

Por isso, está sendo planejado um sis-

numa praça aberta, entre os platôs do nível

tema de macro drenagem, que abarca todo o

do campo e o dos vestiários. A CPP da ENFF

caminho das águas até a chegada na área do

trouxe uma demanda para que o Memorial

Complexo Esportivo, para que ocorra o amor-

seja um lugar apropriável, de múltiplos usos:

teamento das água pluviais. O projeto ainda

reuniões, estudo, descanso, oficinas, aulas,

está em processo, mas o objetivo neste tre-

místicas, entre outras possibilidades. Ainda,

cho é conceber um sistema de jardins de chu-

o Memorial deve prever uma expografia, com

va e valetas vivas, em que a presença da água

imagens, textos, e possíveis pertences do jo-

seja utilizada de forma lúdica, fugindo das so-

gador Sócrates que serão doados pela famí-

luções tradicionalmente utilizadas.

lia.

Outra proposta já encaminhada junto à CPP da ENFF é a construção de uma esca-

3.18. Projeto de Macro Drenagem

da hidráulica na passagem do platô entre os vestiários e o Memorial, local de chegada acumulada das águas pluviais, e onde a erosão estava acentuada. A escada seria construída com manilhas de concreto armado, de manei-

Um dos maiores problemas atuais do

ra a formar uma escada por onde a água fosse

terreno nos platôs do campo, do Memorial e

conduzida de manilha em manilha, deixando

do vestiários é a drenagem de águas pluviais.

os sedimentos e diminuindo sua velocidade.

A área está em um vale e, por esse motivo, re-

Todas estas propostas foram encami-

cebe uma grande vazão de águas pluviais que

nhadas juntamente com colaboração e auxí-

chegam das cotas mais elevadas do terreno

lio técnico da Professora Luciana Travassos,

ENFF, desde a entrada. Dessa forma, durante

do pesquisador Caio Bolsinhas e do arquiteto

períodos de chuva, enxurradas de água che-

e pesquisador Francisco Toledo Barros.

gam até estes platôs, trazendo consigo sedi118


Figura 74 - Perspectiva do canteiro de obras da arquibancada e campo. Fonte: Karina LeitĂŁo, 2017.

119


120


4. Notas conclusivas: extensĂŁo Popular

121


Num trabalho autogerido de exten-

do um pouco com cada uma dessas pessoas,

são, os estudantes de graduação são organi-

pois extensão também é formação.

zadores, potencializadores, catalizadores e

Todos os colaboradores envolvidos

planejadores de processos. Contudo, eles não

neste projeto fazem parte de uma rede que

podem se responsabilizar por uma obra, nem

representa a resistência, contra a hegemonia

por um projeto, nem por ministrar um curso,

do capital alienante e explorador, seja den-

sem o devido acompanhamento de um pro-

tro da FAU, seja na sociedade. Seu apoio foi

fissional conhecedor, especialista da área. Ao

crucial neste caminho trilhado, podendo citar

trabalhar com o Complexo Esportivo, os estu-

entre estes colaboradores: as orientações do

dantes extensionistas propuseram que a obra

Professor Reginaldo Ronconi, o apoio do La-

fosse um curso, de desenho aberto e cons-

boratório de Culturas Construtivas (LCC), do

truído com materiais de matriz agroecológi-

Laboratório de Modelos e Ensaios (LAME) da

ca. Garantiram: o cronograma, a listagem e

FAU e todos os seus funcionários, que garanti-

compra de materiais, o projeto e planejamen-

ram toda a execução técnica da obra; os mes-

to das etapas, o estudo das técnicas e prototi-

tres de obra Zé e Eridan, que contribuíram en-

pagem, o desenvolvimento do conteúdo e di-

quanto Mestres Construtores de Ofício na fi-

nâmica das oficinas, e todo o conteúdo peda-

gura de educadores; as orientações da Pro-

gógico contemplado. Porém, para que as qua-

fessora Karina Leitão que, além de acompa-

lidades do conteúdo do curso e da construção

nhar todo o processo ainda tomou parte das

em si fossem asseguradas, os estudantes ne-

tarefas da própria articulação e organização

cessitaram do suporte de arquitetos, técni-

para si; o apoio de toda a comunidade do LA-

cos, construtores, professores universitários,

BHAB, nas figuras do pesquisador Caio Bouci-

pedagogos, pesquisadores, enfim, de todos

nhas, da Professora Beatriz Rufino, do Profes-

os colaboradores que contribuíram com a ex-

sor Paulo Emílio e do Professor Jorge Bassa-

periência e o conhecimento específico que

ni, entre outras; no apoio de arquitetos profis-

possuem. Neste processo, os estudantes en-

sionais como Tomaz Lotufo, Lucas Brant Lo-

quanto articuladores desses conhecimentos,

tufo e Tamires Lima, importantíssimos para o

recursos humanos e materiais, vão aprenden-

desenvolvimento dos projetos e do conteúdo 122


Figura 75 - Perspectiva das arquibancadas recém finalizadas, a partir do campo. Fonte: Caetés, 2017

Figura 76 - Vista de um dos arranjos das arquibancadas. Fonte: Caetés, 2017

123


das oficinas; as orientações da Professora Lu-

PNEU (Política Nacional de Extensão Univer-

ciana Travassos, que trouxe argumentos téc-

sitária) do Fórum de Pró-Reitores de 2012 de-

nicos sobre o projeto macro de drenagem pa-

fine, em linhas gerais, Extensão Universitária

ra a obra; a participação, apoio e orientação

enquanto “processo interdisciplinar, educati-

do arquiteto e pesquisador Francisco Toledo

vo, cultural, científico e político que promove

Barros, o Chico, que acompanhou todo o pro-

a interação transformadora entre a Univer-

cesso; a dedicação do Professor Nilton Ricoy

sidade e outros setores da sociedade” (BRA-

pelas atividades de formação sobre proces-

SIL/MEC, 2012). Processo este que não bus-

sos participativos dentro de uma perspecti-

ca substituir funções de responsabilidade do

va freiriana; os companheiros e companhei-

Estado, mas sim produzir saberes junto à po-

ras do MST na Regional São Paulo e na ENFF,

pulação, sejam eles científicos e tecnológicos

que contribuíram com atividades de forma-

como também artísticos e filosóficos, tornan-

ção dos estudantes sobre questões políticas,

do-os acessíveis para além da comunidade

histórico da questão agrária no Brasil, agroe-

acadêmica.

cologia, projeto de reforma agrária popular e

Posto isso, pergunta-se:

educação popular, especialmente nas figuras

Quem serão os “outros setores da so-

de Kennedy Alexandrino, Sheila Rodrigues,

ciedade”? E por que?

Flávio Barbosa, Guilherme Verde, Lucas Ciola, Márcio Santos e Adriana Depieri; o apoio da

O que qualifica essa “interação trans-

arquiteta Lilian Lubochinski, responsável pe-

formadora”?

la construção da ENFF (2000-2005), e que nos

Aqui, portanto, busca-se refletir sobre

ensinou muito sobre este processo; o apoio

um recorte político que balize e qualifique es-

do Professor Caio Santo Amore e todos de-

sas ações: a Extensão Popular (FREIRE, 1983).

mais envolvidos na luta pela extensão univer-

O termo Popular vêm no sentido de fortale-

sitária na FAU, responsáveis por pautar deba-

cer setores da sociedade explorados enquan-

tes sobre extensão dentro da FAU e em con-

to classe trabalhadora. A Extensão Popular,

gressos como a ENANPUR.

em sua dimensão, deve pautar saídas para as

Retomando o início deste TFG, o

situações de exploração, opressão, alienação 124


Figura 77 - Vista das arquibancadas recém finalizadas, a partir da passagem pavimentada. Fonte: Caetés, 2017

Figura 78 - Vista das arquibancadas recém finalizadas, a partir da passagem pavimentada. Fonte: Caetés, 2017

125


e miséria vividas pelo povo; nisto, coloca-se a

ra a sociedade e para a Universidade; e que

intencionalidade de estar voltado à organiza-

especificamente para os alunos, formam es-

ção destes setores, no sentido de sua autova-

tudantes com maior consciência para enten-

lorização e de sua autorganização.

der-se enquanto sujeito atuante na arquitetura, no urbanismo e no design. Claro que es-

Desta dimensão popular da Exten-

truturalmente o sistema é muito maior e mais

são (MELO NETO, 2005 e 2014), pode-se: re-

forte do que a escala de atuação da extensão,

fletir sobre a origem e o direcionamento das

uma vez que está presente em todas as rela-

questões abordadas; colocar o sentido polí-

ções que tecem nossa sociedade; porém, ca-

tico essencial e norteador destas ações, en-

da pílula de experiência libertadora pode-se

quanto anti-sistêmico, anticapitalista, pelo

tornar uma referência em potencial. Cada pe-

fim das relações de opressão, enfim libertá-

quena conquista é uma semente de possibili-

rio, desalienante; e apontar caminhos, atra-

dades, que pode germinar e dar frutos à luta

vés de metodologias, para ações que expres-

contra-hegemônica dentro do sistema opres-

sem seus aspectos éticos (diálogo, solidarie-

sor.

dade, tolerância, empatia, coletividade, entre outros) e utópicos (autonomia, liberdade,

E qual deve ser o papel da Universida-

igualdade de direitos, entre outros).

de senão este, de ajudar a construir possibilidades para um mundo mais igual, livre e jus-

Obviamente, estas intenções encon-

to, feito por sujeitos atuantes emancipados?

tram dificuldades de se tornarem efetivas em

A extensão deveria ser o motor da Universi-

seus objetivos, dado a complexidade da atua-

dade, ação transformadora que une pesqui-

ção realista nas contradições do sistema ca-

sa, ensino, aprendizado, vivência e experiên-

pitalista. As experiências de extensão, muitas

cia, concentrados, unidos e articulados por

vezes, não dão certo, nem são marcos estru-

uma causa. Pautar a indissociabilidade entre

turadores da sociedade. Não há uma receita

extensão, pesquisa e ensino, significa: articu-

certa, é uma estrada com muitas curvas e bi-

lar conhecimentos interdisciplinares, através

furcações, nunca reta. Mas é o enfrentamento

de práticas substantivas, para produção de

dessa realidade, com questões e sujeitos con-

conhecimentos integrados e coletivos; pau-

cretos, que traz avanços no conhecimento pa126


Figura 79 - Vista aĂŠrea das arquibancadas finalizadas, com o gramado do campo. Fonte: CaetĂŠs, 2017

127


tar a transversalidade entre teoria e prática,

dantes do Caetés não participou efetivamen-

como princípio formador, integrador e desa-

te do trabalho, por vezes por motivos finan-

lienador das atividades de ensino-aprendiza-

ceiros, mas também por falta de compreen-

gem; defender a territorialização e contextua-

são da responsabilidade e comprometimen-

lização dos temas abordados, reconhecendo

to exigido; as oficinas foram planejadas sem-

as relações físicas e sociais, de poder, classe,

pre com urgência, o que fez os estudantes re-

gênero, econômicas, étnicas e culturais das

fletirem sobre a necessidade de ter planeja-

quais resultam; por fim, a interlocução com

do um cronograma de curso mais detalhado,

a sociedade e suas organizações, de manei-

o que fez muita falta; e, por fim, é sempre difí-

ra a promover o avanço nas políticas públicas

cil romper na realidade a hierarquia hegemô-

e tecnologias sociais (D’OTTAVIANO e ROVATI,

nica estabelecida, de modo a fazer com que

2017; UNIFESP, 2016).

os Trabalhadores Aprendizes Voluntários se empoderassem e se apropriassem do proces-

As atividades desenvolvidas pelo tra-

so da obra, mas também, por outro lado, fa-

balho de Extensão Universitária no Comple-

zer com que os próprios estudantes de arqui-

xo Esportivo Dr. Sócrates Brasileiro tiveram,

tetura, urbanismo e design também fossem

de fato, diversos percalços ao se deparar com

trabalhadores da obra, não apenas desenhis-

a realidade: os materiais trabalhados não fo-

tas e supervisores.

ram de caráter local, nem produzidos em cooperativas ou dentro dos princípios da econo-

Ainda assim, este trabalho teve o ca-

mia solidária, apesar do caráter ambiental e

ráter de Extensão Popular. Ao colocar em prá-

econômico de reutilização dos blocos de de-

tica metodologias com intenções de romper

molição; as técnicas empregadas foram de al-

as estruturas de exploração e alienação do

venaria e concreto tradicionais, não havendo

trabalho na construção, direcionadas para a

exploração de técnicas da bioconstrução co-

emancipação de assentados e acampados da

mo a construção com terra, madeira ou bam-

reforma agrária, este trabalho foi sim uma ‘ar-

bu; os vestiários foram feitos com técnicas

quitetura de resistência’ frente à hegemonia,

convencionais, e sua construção não aconte-

mesmo com todos os percalços da realidade.

ceu no formato de um curso; parte dos estu128


Como amostra de uma pequena experiência libertadora, este trabalho é a narrativa de várias vozes por concretizações de sonhos de autonomia, liberdade e felicidade, exprimidos no fazer arquitetônico.

Inauguração do Campo Dr. Sócrates Brasileiro, 23 de dezembro de 2017.


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