TFG - Territórios no discurso arquitetônico

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TERRITÓRIOS

no discurso arquitetônico

Victor Próspero orientador José Lira


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Territórios no discurso arquitetônico Victor Próspero orientador José Lira Trabalho Final de Graduação FAUUSP junho de 2014


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ao meu irmรฃo, Raphael Prรณspero, imagem de semelhanรงa e diferenรงa


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Este trabalho tornou-se possível e prazeroso graças ao contato com algumas pessoas. Agradeço especialmente ao professor José Lira, por orientar o trabalho, pela sinceridade e atenção nas importantes críticas ao longo de todo o processo; seu papel de orientador, desde 2009, foi decisivo para minha formação. Aos professores Ricardo Fabbrini e Guilherme Wisnik, por aceitarem o convite para participar da banca e debater as questões aqui colocadas. Ao professor Jorge Bassani, pelos comentários feitos nas pré-bancas. A Angelo Bucci, referência fundamental na forma de como articular universidade e prática profissional da arquitetura, agradeço pelo aprendizado e pelo apoio ao trabalho; pelo mesmo motivo foram fundamentais os arquitetos Nilton Suenaga, Tatiana Ozzetti, Juliana Braga, Ciro Miguel e Giovanni Meirelles. Agradeço especialmente às interlocuções quase diárias com Guilherme Minarelli e Cadu Valadão, representantes dos dois lados da balança em que este trabalho procura se equilibrar. Aos amigos e companheiros de FAU e de TFG presentes de 2008 até hoje, que estiveram presentes neste trabalho intensa ou indiretamente, João Miguel Silva, Mariana Carvalho, Gabriel Rochetti, Thais Marcussi, Clara Laurentiis, Julia Tranchesi, Flávio Barossi, Beatriz Brandt, Marinho Velloso e Luis Tavares. Pelas conversas e interesses compartilhados, Bruno Schiavo e Raphael Grazziano. Pelas ajudas fundamentais e cumplicidade a todo momento, Bruna Keese e Rodolfo Chapchap. À Paula Fazzio pelo apoio à escrita e as revisões de diversos textos. Em última instância, pela inspiração, devo muito a professores constantemente presentes e centrais ao longo dessa graduação, fora os já citados: Alexandre Delijaicov, Jonas Malaco e Vladimir Safatle. Por fim, agradeço à presença infalível dos amigos de décadas que não deixam o mundo escapar de vista, do historiador ao físico, do contador ao publicitário: Fernando Pássaro, Cícero Nardini, Vinícius Marino, Rafael Verdasca, Marcos Campos, Rafael Campos, Gustavo Piccirilo, Thiago Botana, Bruno Pereira, Felipe Faria, Vitor Agnello, Gabriel Rolim e Martha Casalaspro. À Beatriz, pela beleza do passado. Ao Donato pelo espírito crítico e humorístico e à família pelo apoio. Especialmente Sérgio e Rita, pelo apoio incondicional às escolhas feitas. E ao irmão Raphael, por compartilhar a vida, seus espaços e interesses.


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TERRITÓRIOS NO DISCURSO ARQUITETÔNICO TERRITÓRIOS NO DISCURSO ARQUITETÔNICO Motivações Motivações ................................................................................... 01 I. Território entre espaço, poder e subjetividade I. Território entre espaço, poder e subjetividade Amplitude do conceito Amplitude do conceito ................................................................ 01 Para além da dimensão física, suas apropriações Para além da dimensão física, suas apropriações ........................ 02 Capitalismo, desterritorialização e desejo Capitalismo, desterritorialização e desejo ..................................... 03 Agenciamentos, regras e máquinas Agenciamentos, regras e máquinas ..............................................04 Desterritorialização pós-moderna e estética da globalização Desterritorialização pós-moderna e estética da globalização ........ 05 Multiplicidade e reterritorialização Multiplicidade e reterritorialização .............................................. 06 II. Apropriações do conceito pela arquitetura II. Apropriações do conceito pela arquitetura Território, extensão e unidade 1960-1970 Gregotti, Megaestrutura e Ungers Território, extensão e unidade .................................................. 04 1960-1970 Gregotti, Megaestrutura e Ungers Território síntese e discurso 1990-2000 Megaforma, Landform e mimese Território síntese e discurso ...................................................... 06 1990-2000 Megaforma, Landform e mimese Desterritorialização 1970-2000 Eisenman, Tschumi, Koolhaas e FOA Desterritorialização .................................................................... 07 1970-2000 Eisenman, Tschumi, Koolhaas e FOA Considerações finais

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Citações originais e traduções Considerações finais .................................................................... 07

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Bibliografia Citações originais e traduções ..................................................... 07

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Bibliografia .................................................................................. 08


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“dentro da sua lata de lixo ou sobre o banco, os personagens de Beckett criam para si um território.” Deleuze & Guattari. Mil Platôs. 1980. “Criticism, in other words, finds itself forced to assume a “repressive” character, if it wishes to liberate all that which is beyond language; if it wishes to bear the brunt of the cruel autonomy of architectural writing; if it wishes, ultimately, to make the ‘mortal silence of the sign’ speak.” Manfredo Tafuri. The Sphere and the Labyrinth. 1980


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Motivações (contexto, historiografia e reprodução) Este trabalho nasceu devido à vontade de debater elementos presentes em meu contexto de formação. Desde de o primeiro ano de graduação, a palavra território parecia estar presente ao tratar dos mais diversos temas. Ao mesmo tempo que me envolvia com um determinado discurso sobre arquitetura e território, e uma determinada estética, bastante difundidos no contexto da FAUUSP, entrei em contato com textos sobre Rem Koolhaas que levantavam o problema da desterritorialização, já no segundo ano do curso. A dualidade em torno da ideia, e a multiplicidade de significados que ela podia carregar, me instigaram desde então; mas principalmente o fato de gerarem objetos e abordagens radicalmente distintas. Mais adiante, em uma disciplina sobre historiografia1, quis abordar o tema em um trabalho de análise crítica que pretendia focar-se por um lado em um projeto de Paulo Mendes da Rocha, e por outro em suas falas envolvendo o conceito de território, bem como alguns textos historiográficos que também se valiam do termo para descrever a obra do arquiteto2. A tarefa mostrou-se mais complicada do que o esperado, e o problema da relação entre discurso e projeto de um grau de complexidade muito maior que o imaginado. A partir dessa mesma disciplina, até o presente, o contato com o curso de filosofia da universidade passou a ser constante e mostrou uma gama de possibilidades para a abordagem de problemas como este. A questão passaria a ser formulada como um problema estético, de transposições entre conceito e forma, ao mesmo tempo que um problema político que – para além da forma – se constitui na criação de espaços e de territorialidades que estes proporcionam. Trabalhar em um panorama, um mapeamento, de formas como o conceito foi abordado me pareceu o melhor caminho. No entanto, ao longo do processo, ficou claro como o termo é 1  Ministrada pelo professor José Lira, em 2011. 2  Foram importantes, nesse momento, os textos de Sophia Telles, Guilherme Wisnik e Hélio Piñón.


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mobilizado muitas vezes de forma indireta ou complementar a outras ideias. De todo modo, ao tomar um conceito como objeto, a pesquisa foi traçando desde o início um caminho que me parecia mais interessante que o foco em um estudo de caso local; abordar uma gama mais ampla de situações poderia funcionar como um trabalho crítico muito mais profícuo, no sentido de relativizar um uso do conceito que se reproduz muitas vezes sem reflexão.3 O trabalho, no entanto, não deixa de se localizar em um contexto de formação específico – o da FAUUSP – que parece carregar alguns regimes de discurso suspensos em grande parte das atividades. No limite, o que se deseja fazer está dentro de uma forma de autocrítica da racionalidade dentro da qual trabalho e dentro da qual me formei, a partir do foco em um dos conceitos que a constituem. Como Sophia Telles já disse, há um saber-fazer técnico que se reproduz e se desenvolve, ao passo que os discursos permanecem estagnados, sem acompanhar esse desenvolvimento. Seria dedicar o momento deste trabalho a uma forma de revisão discursiva, partindo de um ponto muito bem recortado e ao mesmo tempo muito amplo. A passagem do discurso sobre o mundo ao discurso sobre arquitetura, das interpretações mais amplas para as soluções práticas, da escala mais abrangente para a menor escala, é sempre um movimento de salto. É muitas vezes feita por síntese, e transposição, daquilo que foi pensado em um âmbito, para o outro. Trata-se aqui de mapear formas de como é feita essa transposição em diferentes casos, focando particularmente no conceito de território. Este conceito é geralmente associado à grande escala e ao espaço, mas também dissociado dessas noções em muitos casos e entendido como forma de apropriação e de subjetivação, para além do espaço. 3  É interessante como, no caso dos trabalhos sobre arquitetura paulista, esse movimento de cuidado com o conceito já começa a aparecer recentemente em trabalhos como o de Catherine Otondo, sobre Paulo Mendes da Rocha. Um captíulo chamado O Desenho do Território, começa pela reflexão a respeito do termo e seus possíveis significados, por mais que não mostre um deslocamento da forma como o conceito já havia sido usado para explicar a obra do arquiteto. OTONDO, Catherine. Desenho e espaço construído: relações entre pensar e fazer na obra de Paulo Mendes da Rocha. Tese de Doutorado. FAUUSP. São Paulo. 2013


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Portanto, um conceito que é muitas vezes usado para designar uma larga extensão física, será apropriado pela arquitetura diversas vezes como objeto de referência, citação, para justificar projetos de menor escala. Trata-se de um dos focos do trabalho: a análise estética de momentos da arquitetura como representação daquilo que lhe é externo. A pesquisa foi desenvolvida em duas frentes, que se complementaram de maneira fundamental: da revisão bibliográfica em torno dos conceitos de território e desterritorialização, e da revisão bibliográfica da produção e crítica da arquitetura dos anos 1960 até o presente. 4 As experiências de apropriação do termo, geralmente, refletem aquelas dinâmicas que estão contidas na temática do território: domínio, ordem, apropriação, formas de circulação de poder e do desejo. Configura-se aí outro foco de interesse: já que se trata de território, que tipo de territorialidade é proporcionada por estes espaços. Outro foco é o uso que a arquitetura faz de território como conceito que excede o espaço, principalmente nas concepções de desterritorialização. Configurando um contraponto às experiências que buscam no conceito um amparo de conexão com a grande escala de intervenção. Procura-se passar por formas como a arquitetura tentou dar um desenho à escala da região, para além da cidade, e como esse tipo de projeto influenciou experiências contemporâneas de projeto que pretendem se referir à grande escala, localizandose, no entanto, como edifícios pontuais. Da megaestrutura à megaforma, do landscape urbanism ao landform building, até as experiências de arquitetura como representação fiel de elementos da natureza. São diversas as formas que a arquitetura encontrou para fazer uma referência ao território, enquanto extensão física. 4  A revisão bibliográfica focada no conceito levaria a um aprofundamento (enviesado) na teoria de Deleuze e Guattari e de Michel Foucault. Se estes apareceram em grande medida como parte do objeto estudado, como mediação rumo aos usos do conceito feitos pelos arquitetos, posteriormente ajudariam a configurar também uma forma de olhar para os projetos. Mesmo assim, considera-se que a análise dos projetos guarda uma abordagem embasada (até certo ponto) em Theodor Adorno, na medida em que procura olhar para a arquitetura também em seu caráter de obra de arte, autônoma por um lado, como construção formal, de lógicas estéticas e espaciais.


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Veremos como outras experiências se focaram na articulação de territorialidades simbólicas na cidade, sem que isso significasse um desenho fortemente ordenador do espaço; até as interpretações da desterritorialização como fenômeno político, rumo a uma arquitetura que represente esse novo período, ou o uso de um pensamento desterritorializante abstrato rumo a experiências de autonomia formal. Tais abordagens da arquitetura são derivadas de formas como o conceito já havia sido elaborado em outras disciplinas. Território, de ordenação e domínio, a apropriação, a fronteiras em coexistência, agenciamentos entre objeto, contexto, corpo, agenciamentos subjetivos, territorialização psicológica. Desterritorialização de forma material deslocalizada e conjuntura a forma política abstrata, ligada ao pensamento e ao desejo.


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I.

territ贸rio: entre espa莽o, poder e subjetividade


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Território: entre espaço, poder e subjetividade . amplitude do conceito

A noção de território é alvo extensos debates, por parte da geografia, das ciências sociais, da filosofia e da arquitetura. Para esta última, no entanto, parece ter servido mais de suporte às apropriações estéticas e discursivas - além das abordagens pelo planejamento urbano - que propriamente de debates conceituais. Contudo, tem ficado claro como este conceito serviu de formas muito diferentes à produção teórica e à atuação prática dos arquitetos; seja em sua relação com a natureza, seja em sua dimensão política. Território pode ou não remeter ao espaço. Pode se referir à cidade, àquilo que não é cidade, àquilo que não é físico ou exatamente a uma extensão física. É interessante que coloquemos em discussão algumas dessas matrizes de entendimento desse conceito, para então mais adiante verificarmos como elas vêm sendo apropriadas pela arquitetura. Se para o arquiteto Vittorio Gregotti1, o território está numa gama de coisas que não são cidade, como a natureza e a paisagem, outros usam a noção de território como larga extensão urbana, como ‘região metropolitana’. O filósofo Massimo Cacciari2, por outro lado, faz uso do termo cidade-território, para ele habitamos territórios indefinidos e não mais cidades; há uma geografia de acontecimentos, uma ativação de ligações, que atravessam paisagens híbridas. Há momentos históricos, como contraponto, em que a cidade serve como demarcação de território, quando território era sinônimo de soberania, como estudado por Michel Foucault.3 Entre tais noções de meio físico e estruturas de poder, também a subjetividade emerge como definidora de territórios. O geógrafo Milton Santos oferece contribuições fundamentais no estabelecimento de mediações entre geografia e suas apreensões 1  GREGOTTI, Vittorio. Território da Arquitetura. Perspectiva. São Paulo. 2  CACCIARI, Massimo. A Cidade. Gustavo Gili. 3  FOUCAULT, Michel. Segurança, território e população. Martins Fontes. São Paulo.


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subjetivas, consequentemente, como estruturadoras de relações sociais: “O território é o lugar em que desembocam todas as ações, todas as paixões, todos os poderes, todas as forças, todas as fraquezas, isto é, onde a história do homem plenamente se realiza a partir das manifestações da sua existência”.4 Aqui, o geógrafo ainda fala em lugar. Já para o filósofo Félix Guattari: “Os territórios estariam ligados a uma ordem de subjetivação individual e coletiva e o espaço estaria ligado mais às relações funcionais de toda espécie. O espaço funciona como uma referência extrínseca em relação aos objetos que ele contém. Ao passo que o território funciona em uma relação intrínseca com a subjetividade que o delimita. A partir daí, dá para colocar uma série de questões. Como é que se pode fazer um território num certo tipo de espaço ou inversamente, como no decorrer da história ou por ocasião de algum procedimento atual a gente desterritorializa territórios existenciais, distendendo-os em espaços lisos”5. O filósofo introduz uma série de conceitos que definem bem formas de apropriação subjetiva do espaço, ao mesmo tempo que se relacionam de certa forma com conceitos como o de “rugosidade do espaço” de Milton Santos, e também com aquilo que Foucault chamará “gorvernamentalidade”. A discussão sobre a desterritorialização, abordada por Deleuze e Guattari, levará a importantes debates na arquitetura, principalmente na linha desconstrutivista, bem como fortes tendências discursivas na arte contemporânea como a do filósofo Nicolas Bourriaud e sua ideia de arte radicante como produto de 4  SANTOS, Milton. “O dinheiro e o território” in SANTOS, Milton. Org. Território, territórios: ensaios sobre o ordenamento territorial. 5  GUATTARI, Felix. Espaço e Poder: A criação de territórios na cidade. Espaços & Debates. N. 16.


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uma estética da globalização6. Este conceito passa a ser recorrente nas tentativas de definir o momento contemporâneo seja para a política, seja para a geografia ou mesmo para a cultura. Paul Virilio7 é citado por diversos autores ao afirmar que a questão central a partir do século XX seria a desterritorialização; Massimo Cacciari em seu ensaio A cidade afirma que vivemos em um território desterritorializado, já definindo este conceito como relacionado ao espaço - haveria para ele uma inexistência de dimensionamento e se aproximando muito do conceito de não-lugar, de Marc Augé8. O geógrafo Rogério Haesbaert, para introduzir uma reflexão sobre a desterritorialização, se dedica antes à sistematização dos diferentes tipos de abordagem do conceito de território. Para uma concepção naturalista de geógrafos como Friederich Ratzel, no século XIX, território teria sentido eminentemente físico, material, inerente ao homem na medida em que se constitui como raiz de sua relação com a natureza. Para esta geografia tradicional, os fixos seriam mais importantes que os fluxos. Há, segundo Haesbaert, uma certa tendência de a dimensão simbólica e identitária dos espaços vividos na criação de territorialidades ser simplificada pela abordagem política e econômica de território. Pode-se dizer, melhor, que se trata de um produto desigual de relações de forças, envolvendo o domínio ou controle político-econômico do espaço, bem como sua apropriação simbólica, ora conjugados ora mutuamente reforçados, ora desconectados e contraditoriamente articulados.9 Ele procura tratar constantemente desse tema ao estudar a desterritorialização10 e as redes como parte de um discurso político, econômico e social contemporâneo: “As redes do capital financeiro, da sociedade de consumo, e tantas outras criadas, implicando um mundo cada vez mais extrovertido e desterritorializado, não significam um 6  BOURRIAUD, Nicolas. Radicante. Por uma estética da globalização. Martins Fontes. São Paulo. 2011. 7  VIRILIO, Paul. Espaço Crítico. Editora 34. São Paulo. 8  AUGÉ, Marc. Não Lugares. Editora Papirus. 2007. 9  HAESBAERT, Rogério. O mito da desterritorialização. Bertrand Brasil. Rio de Janeiro. 2004. 10  ibid.


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processo inexorável e generalizado como algumas leituras mostram; rumo a um mundo sem territórios. Isso seria feito a partir de uma ênfase nas minorias privilegiadas e conectadas às redes do capital financeiro, por exemplo (em franca expansão).” Para além do caráter restrito de redes dos setores produtivos e de comunicação, se o espaço foi importante historicamente como estruturador de relações de poder na forma da soberania territorial, ou no estabelecimento de novas ordens urbanas como no higienismo do século XIX, hoje continua a se impor, mas como um meio mais refinado de ordenação dos fluxos. Esta ordenação assume um caráter extremamente flexível, que direciona e setoriza o uso da liberdade individual. Há uma sensação de potencialização da liberdade ao mesmo tempo que uma funcionalização cada vez mais intensa do espaço, fruto de um tipo de controle que assume aparência cada vez mais leve.11 Este é, talvez, um dos importantes assuntos ao falar de construção de território na arquitetura. Como veremos ao longo deste trabalho, há ainda um forte desejo de construir um território renovado, em certos partidos arquitetônicos, que tem como característica possível o desejo de enraizamento, ordem e hierarquia. Por outro lado, o que parece existir em muitos casos é uma certa estetização da desterritorialização, como desejo de descolamento, ou de compressão da relação espaço-tempo, o que por sua vez, tem como ramificação possível a conivência – e até certo deslumbre – com um modo de produção do capitalismo avançado que emite o mesmo discurso. O desejo de ordem ou de desordem, a criação de novas lógicas espaciais ou mesmo a imitação da natureza, impulsionados por visões diversas de território, são concretizados formalmente na arquitetura. A partir disso, além da participação da arquitetura objetiva e fisicamente no espaço social12, ela constrói imagens de 11  BIGO, Dirier. Freedom and Speed in enlarged borderzones In The Contested Politics of Mobility. Borderzones and Irregularity, edited by V. Squire, Routledge, 2010. 12  Há uma definição de “espaço social” que interessa particularmente a este trabalho, feita por Pierre Bourdieu em texto republicado pela revista do Instituto de Estudos Avançados, Espaço físico, espaço social e espaço físico apropriado. “O espaço social se encontra assim inscrito simultaneamente na objetividade das estruturas espaciais e nas estruturas subjetivas que são, em parte, o produto da incorporação dessas


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subjetivação e de realidades possíveis, por meio da constituição de sínteses estéticas do discurso. . para além da dimensão física, suas apropriações

De início, podemos nos debruçar sobre algumas das formas fundamentais a que se refere o conceito de território, de meio físico à apropriação política ou subjetiva. Como colocado há pouco, essas categorizações serão de grande utilidade no mapeamento deste conceito em seus usos pela arquitetura. Haesbaert13, trabalha com a necessidade de se discutir o conceito de território não exatamente para definir “o que é”, mas a que problemáticas tem levado e, também em outras disciplinas que não a geografia, que fins têm usado o conceito de território para se sustentar. Há nisso uma convergência com os objetivos deste trabalho, no campo da arquitetura. Ele resgata então a reflexão de Gilles Deleuze sobre os conceitos como ação na realidade: “... a criação de conceitos é uma forma de transformar o mundo; os conceitos são as ferramentas que permitem ao filósofo criar um mundo à sua maneira. Por outro lado, os conceitos podem ainda ser armas para a ação de outros, filósofos ou não, que dispõem deles para fazer a crítica do mundo, para instaurar outros mundos. (...)Que não se faça uma leitura idealista do conceito: não se trata de afirmar que é uma ideia (conceito) que funda a realidade; num sentido completamente outro, o conceito é imanente à realidade, brota dela e serve justamente para fazê-la compreensível (...) o conceito é sempre uma intervenção no mundo, seja para conservá-lo, seja para muda-lo.”14 Trataria-se, portanto de um entendimento do conceito a partir de seu contexto, de saber o que se faz com ele e não estruturas objetivadas.” 13  SAQUET, M. e SPOSITO, E. Orgs. Territórios e territorialidades: teorias, processos e conflitos. HAESBAERT, R. Dilemas e conceitos: espaço-território e contenção territorial. 14  DELEUZE, G.. O que é filosofia? Editora 34. São Paulo.


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propriamente o que ele é por natureza. Diferentes noções de espaço podem implicar abordagens diversas a respeito de território, por exemplo. O território, como será discutido aqui a partir do filósofo Felix Guattari, pressupõe formas de apropriação, seja concreta ou simbólica. Quando ligado ao espaço, território seria uma apropriação deste, segundo uma análise lefebvriana de Haesbaert; diferencia-se espaço como noção e território como conceito. Território estaria, então, associado a relações de poder. Citando ainda o geógrafo: “...o território pode ser concebido a partir da imbricação de múltiplas relações de poder, do poder mais material das relações econômico-políticas ao poder mais simbólico das relações de ordem mais estritamente”15 O foco nas relações de poder, entre ordenação e apropriação, como contitutivas de territorialidade, pode servir como bom referencial para as posteriores análise da arquitetura. A teoria do poder de Michel Foucault, é fundamental para esta discussão, não por fornecer modelos conceituais de território, mas por abordar sempre a forma como o poder é exercido no espaço, fazendo uso do espaço e implicando em formas de apropriação territorial. Para além da sociedade disciplinar, descrita pelo filósofo em parte de seu trabalho, Foucault chega a apontar desdobramentos contemporâneos de um refinamento nas relações de poder que levariam àquilo que Gilles Deleuze chamou de sociedade de controle16. Um desses desdobramentos é o conceito de governamentalidade, que pode servir de referência à forma como os corpos são geridos no espaço. Foucault conclui o texto a que se dedica na definição deste conceito, em Microfísica do Poder, explicando esta transição e dizendo:

15  SAQUET, M. e SPOSITO, E. Orgs. Territórios e territorialidades: teorias, processos e conflitos. HAESBAERT, R. Dilemas e conceitos: espaço-território e contenção territorial. p.105 16  DELEUZE, Gilles. Conversações. Editora 34.


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“Talvez se possa assim, de maneira global, pouco elaborada e portanto inexata, reconstruir as grandes formas, as grandes economias de poder no Ocidente: em primeiro lugar, o Estado de justiça, nascido em uma territorialidade do tipo feudal e que corresponderia, grosso modo, a uma sociedade da lei; em segundo lugar, o Estado administrativo, nascido em uma territorialidade de tipo fronteiriço nos séculos XV-XVI e que corresponderia a uma sociedade de regulamento e de disciplina; finalmente, um Estado de governo que não é mais essencialmente definido por sua territorialidade, pela superfície ocupada, mas pela massa da população, com seu volume, densidade, e em que o território que ela ocupa é apenas um componente. O Estado de governo que tem essencialmente como alvo a população e utiliza a instrumentalização do saber econômico, corresponderia a uma sociedade controlada pelos dispositivos de segurança.”17 Percebe-se a partir dessa elaboração de Foucault uma indicação de relação do espaço e do território com a forma como se exerce o poder. Não mais como espaço a ser dominado, mas como instrumento e meio para o governo da população. O espaço é fundamental na constituição de direcionamento dos fluxos, de restrição ou privilégio nas formas de ocupálo – é fundamental nas formas de organizar dispositivos de segurança e, consequentemente, formas concretas de gestão da liberdade.18 No trecho citado, há um momento em que a relação de territorialidade poderia ser interpretada como momento de desterritorialização. Fica apontada também a direção tomada por Deleuze posteriormente, já no uso dos termos controle e segurança para caracterizar um novo estágio. Foucault está descrevendo, nesse momento, a governamentalidade. Esta ideia de governo da população como um novo elemento, aparece a partir do século XVIII, segundo o filósofo. Vale aqui uma digressão à construção histórica desse conceito. Segundo o filósofo, o saber sobre o governo se dividia 17  FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. 18  LANDAUER, Paul. L’architecte, la ville et la sécurité. Presseis Universitaires de France. 2009.


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anteriormente entre três diferentes esferas (moral, economia e política), para depois sofrer mudanças como no nascimento de uma economia política: a forma de governar o Estado passaria a ser baseada na forma “economia” de governar os bens de uma família. A economia como gestão dos bens, passa a ser forma de governo do Estado e de gestão das “coisas” da sociedade. No caso, uma nova noção surgiria para tomar lugar principal em meio às coisas a serem governadas: a noção de população.19 Uma vez que o foco da arte de governar agora são as “coisas”, perde importância o governo propriamente do território como extensão física – a extensão territorial passa a servir de instrumento, e não mais como foco daquela soberania que, segundo o filósofo, tinha como finalidade a si mesma.20 A sociedade que passava a tomar forma com o esgotamento do paradigma da soberania seria uma sociedade disciplinar, como Foucault descreve de forma extensa em sua obra21. Ao mesmo tempo, o governo da população, como gestão, vai tomando forma: “(...)dirigir para uma determinada região ou para uma determinada atividade os fluxos de população... A população aparece, portanto, mais como fim e instrumento do governo que como força do soberano; a população aparece como sujeito de necessidades, de aspirações, mas também como objeto nas mãos do governo; como consciente, ante o governo, daquilo que ela quer e inconsciente em relação àquilo que se quer que ela faça”22 A partir do ponto em que a população aparece como objeto e finalidade do governo, do governo das coisas, a estatística apareceria como elemento decisivo na nova forma de exercer o poder. O desbloqueio entre a economia e a política, se dá efetivamente devido a ela, como fator técnico ligado à racionalização do exercício de poder desempenhada pelo mercantilismo no desenvolvimento de um novo saber sobre o Estado. Assim, a governamentalidade 19  FOUCAULT, Michel. Space, Knowledge and Power. Entrevista a Paul Rabinow. Skyline. 1982 20  FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. GRAAL. São Paulo. 21  FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. nascimento da prisão. Vozes. Petrópolis. 2010. 22  FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. GRAAL. São Paulo.


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parece tomar forma. Ela transforma a liberdade em dispositivo do poder. A forma como se faz uso de sua própria liberdade é o que entra em foco; “o governante não deve ter necessidade de ferrão, isto é, de um instrumento mortífero, de uma espada, para exercer seu governo; deve ser mais paciente que colérico (...)”.23 Passa-se, ao longo do século XX, a constituir esta outra forma de poder, uma sociedade de governo, de controle e de segurança, na qual soberania e disciplina, que foram elementos centrais nos modelos anteriores de formas de poder, não são, entretanto, eliminados da nova equação: “Mas nunca a disciplina foi tão importante, tão valorizada quanto a partir do momento em que se procurou gerir a população. E gerir a população não queria dizer simplesmente a massa coletiva dos fenômenos ou geri-los somente no nível de seus resultados globais. Gerir a população significa geri-la em profundidade, minuciosamente, no detalhe. A ideia de um novo governo da população torna ainda mais agudo o problema do fundamento da soberania e ainda mais aguda a necessidade de desenvolver a disciplina. (...) Trata-se de um triangulo: soberania-disciplina-gestão governamental, que tem a população como seu alvo principal e os dispositivos de segurança como seus mecanismos essenciais”.24 Tudo isto posto, temos uma referência, construída historicamente e bastante atual, do conceito de território; não exatamente uma definição, mas um parâmetro de como se faz uso dele, ou de como ele se constitui. A territorialidade, como levantado por Foucault, nessa sociedade do controle consolidada ao longo do século XX, seria algo passível de indefinição. O território como apropriação política se dá de acordo com grandes formas de gestão da população, como na setorização da cidade, como na gestão dos fluxos de forma estritamente funcional. O que fica sugerido, na lógica de segurança estabelecida é que o espaço tratado como meio fundamental de gestão da população é 23  Ibidem. 24  ibidem.


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submetido à lógica de evitar conflitos25. Foucault chega a afirmar que a arquitetura pode ser constituída como elemento ordenador ou dominador, ao mesmo tempo que isso não seria verdade no sentido contrário; não há arquitetura que implique liberdade, a liberdade é uma prática26. De fato, a sociedade de controle ou de segurança parece colocar em prática uma gestão, e um ordenamento constante da diversidade que o mesmo modelo econômico e social vigente pretende exaltar. No entanto, a liberdade não poderia ser positivamente definida simplesmente a partir da construção de um certo tipo de espaço. Mas, como talvez fique sugerido por Foucault, a partir de certo tipo de apropriação, a que se poderia chamar também certo tipo de territorialidade.

. capitalismo, desterritorialização e desejo

Parece oportuno lembrar a abordagem do conceito feita por Deleuze e Guattari, pois pensar os processos de territorialização seria um movimento constante entre Estado, capital, sujeito, formas de poder e formas de desejo. A dupla de filósofos define bem os movimentos de reterritorialização capitalística, que acompanham o movimento desterritorializado de algo que veio antes, apresentando uma nova carga simbólica, agora definida nos moldes do capital. A partir de definições de território como apropriação do espaço, ou como construção identitária e política, somos levados àquilo que Felix Guattari explica como espaços estriados para designar uma segmentaridade e multiplicidade da vida social, uma gama de possibilidades e de pequenas formas de apropriação, que entra na determinação de territórios subjetivos; territórios existenciais, segundo o autor.27 Guattari exemplifica os territórios existenciais com 25  GRAHAN, Stephen. Cities under the new military Urbanism. 26  FOUCAULT, Michel. Space, Knowledge and power. Skyline. Paul Rabinow enterview. In. HAYS, Michael. Org. Architecture Theory since 1968. The MIT Press. 27  GUATTARI, Felix. Espaço e Poder: A criação de territórios na cidade. Espaços & Debates. N. 16.


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grupos de jovens rockeiros e a forma como se apropriam de espaços residuais em grandes conjuntos habitacionais nos anos 1980. Este seria o espaço estriado, que junta uma série de territórios existenciais em sua multiplicidade, mesmo em um ambiente uniformizador como um conjunto habitacional da época. A desterritorialização, neste caso, geraria espaços lisos, ou territórios lisos; sem sobreposição de diferenças ou estriamento do espaço.28 Daí, a reterritorialização como preenchimento, mas agora por processos de outra natureza, que geralmente implicam em sobrecodificação e uniformização; o autor exemplifica com a chegada de marcas globais em substituição a mercados locais.29 Daí a afirmação em que, com Deleuze, Guattari sugere que o planejamento territorial resulta, muitas vezes, em transformação de toda territorialidade em simples espaço – “do mundo em cidade” – pois significaria um alisamento, uma substituição ou uniformização, uma sobrecodificação daquilo que não tinha necessariamente “cadastro”30. Mais adiante veremos como a dupla descreve Estado e Capital como dois principais agentes desterritorializantes. “Mas é sempre exatamente o fluxo mais desterritorializado, conforme o primeiro aspecto, que opera a acumulação ou a conjugação dos processos, que determina a sobrecodificação e serve de base para a reterritorialização, conforme o segundo aspecto (encontramos um teorema segundo o qual é sempre sobre o mais desterritorializado que se faz a reterritorialização)(...) A tarefa do historiador é assinalar o ‘período’ de coexistência ou de simultaneidade dos dois movimentos (de um lado, descodificação-desteritorialização e, de outro, sobrecodificação-reterritorialização). É nesse período que se distingue o aspecto molecular do aspecto molar (...) A política opera por macrodecisões e escolhas binárias, interesses 28  Esta interpretação do conceito de liso e estriado terá um contraponto mais claro no capítulo sobre as apropriações conceituais pela arquitetura, pois aqui se fará referência mais ao conceito como delineado por Felix Guattari em debate feito em São Paulo, 1986, que ao desenvolvimento da ideia na obra Mil Platôs, de início. 29  Ibidem. 30  DELEUZE, Gilles & Guattari, Felix. Mil Platôs. Editora 34. São Paulo.


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binarizados; mas o domínio do decidível permanece estreito. E a decisão política mergulha necessariamente num mundo de microdecisões, atrações e desejos, que ela deve pressentir ou avaliar de um outro modo”.31 Tal definição da política entre macro e micro decisões, se desenrola na discussão de Deleuze e Guattari em torno dos conceitos de molar e molecular, que diz respeito também às territorialidades subjetivas, políticas e físicas, como rede de constante interação e interdependência. Felix Guattari32 trata dos conjuntos habitacionais ou intervenções de grande escala para falar de formas de alisamento do espaço, entre atuação macropolítica e apropriações micropolíticas. O filósofo levanta uma consequência constante dos grandes equipamentos coletivos, muitas vezes pensados como concentração de atividades diversas, acabam por setorizar e restringir os usos àqueles que se enquadrem em determinadas classificações; assim, o espaço antes mais dinâmico pelas diferenças passa a ser uniformizado pela regra, pela setorização, e pela descodificação33. Por outro lado, a cidade para Guattari tem o potencial de uma máquina de subjetivação coletiva, de modo que as diversas tentativas de equacionar as relações de multiplicidade em setores específicos ou espacialidades determinadas implica na descodificação e sobrecodificação das relações. “O espaço liso é um espaço desterritorializado (onde não há mais os mesmos tipos de circunscrições ou delimitações por emblemas étnicos ou religiosos, por exemplo). Antes estriado, depois liso – o Mediterrâneo é exemplo, com suas diversas 31  Ibidem. 32  GUATTARI, Felix. Espaço e Poder: A criação de territórios na cidade. Espaços & Debates. N. 16 33  ibidem. “(...)esses equipamentos coletivos, de certo modo, são instrumentos para fabricar espaço e tornar liso o território.(...). O que é importante ressaltar é que essa inversão da relação entre equipamentos coletivos e circunscrição urbana tem por dom recalcar completamente os territórios individuais, desencantar as relações urbanas (...) E é algo que precisa situar em grande escala, a afirmação da subjetividade. E os arquitetos e urbanistas se dão conta disso da mesma forma que se dão conta do constrangimento de territórios.”


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fronteiras em dada época, não só políticas e econômicas mas também mágicas e mitológicas, que depois passou a ser desterritorializado. (...) A operação de tornar territórios lisos, como o efeito de uma bomba-atômica, pode ser desempenhada por fatos como a Coca-Cola e a TV Globo (...) O alisamento capitalístico é contemporâneo a uma reestriação, a uma reterritorialização artificial. (...) dá muito para imaginar que o Club mediterraneé instale uma unidade numa dessas cidades, ou que se instale, por exemplo, numa tribo Yanomami. Dá muito bem para imaginar uma articulação, uma conjugação e recuperação de antigos signos, de antigas máquinas parciais de subjetivação, para fazê-las trabalhar a serviço da reestriagem, da redução da subjetividade capitalística.”34 A reterritorialização capitalística cria territórios sem espaço para iniciativa, segundo o autor. Levando em conta a descodificação dos espaços que se tornam hiper-equipados e setorizados, por outro lado, Guattari lembra que a criação de territórios existenciais se dá mesmo nas piores situações. Sobre o espaço descodificado, ainda se subvertem as finalidades e se reconstituem territórios de subjetivação35: 34  ibidem. p.113 35  A condição de territórios de subjetivação e de condensadores semióticos faz lembrar o problema levantado por Jean François Lyotard sobre a necessidade de atenção para a economia libidinal do sujeito, problema retomado agora no Brasil pelo filósofo Vladimir Safatle. O problema que colocam é a relação entre pulsões individuais e reprodução econômica, “A análise dos processos de racionalização social deve, necessariamente, submeter-se a considerações mais amplas sobre a onto-gênese das capacidades práticocognitivas dos sujeitos” Trata-se de uma proposição de compreensão do fundamento dos processos de racionalização social a partir de problemas ligados à socialização do desejo. Tal ligação das formas de subjetivação ao processo de racionalização social foi muito desenvolvida por Max Weber no intuito de compreender o capitalismo e uma estrutura moral, ética e cultural que o impulsionasse. Esse tipo de abordagem foi usado para um estudo atualizado a respeito do capitalismo contemporâneo e seus imperativos de flexibilidade, por exemplo, chamado “novo espírito do capitalismo” de Luc Boltanski e Eve Chiapello. SAFATLE, Vladimir. Cinismo e Falência da Crítica. Por uma crítica da Economia Libidinal. Boitempo. São Paulo. p.114


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“superar os espaços para construir territórios existenciais – só que nunca é a cidade nem o espaço que desempenha esse papel de condensador semiótico”.36 Guattari sugere, aqui, como Foucault, que o espaço não servirá, sozinho, de elemento definidor daquilo que cabe à apropriação subjetiva. Insiste, por meio desse assunto, na possibilidade de resistências micropolíticas. Já nos anos 1980, o filósofo comentaria a respeito dos shopping centers como bolhas de multiplicidade forjada37, em consonância com a análise dos usos da multiplicidade como instrumento da valorização de qualquer objeto em circulação para Deleuze, todo objeto seria apenas ocasião para a passagem do fluxo ilimitado do capital que perverte todos os códigos e identidades38 - além do caráter de aparente multiplicidade e flexibilidade assumido pela economia e pelo mundo do trabalho39. Sobre tais dispositivos de flexibilidade aparente, discussão já indicada aqui a partir da ideia de governamentalidade de Foucault e algumas de suas leituras por outros autores, Deleuze e Guattari têm uma afirmação precisa a respeito: “Nossas sociedades continuam banhando num tecido flexível sem o qual os segmentos duros não vingariam”40 Deleuze ainda usaria a imagem de flexibilidade para a definição de sociedade do controle, que será desenvolvida mais a frente. Ao mesmo tempo, desterritorialização do sujeito e a descodificação dos fluxos são duas características fundamentais da leitura que a Deleuze e Guattari fazem do capitalismo como estrutura econômico-social, mas principalmente como forma de 36  GUATTARI, Felix. Espaço e Poder: A criação de territórios na cidade. Espaços & Debates. N. 16 37  ibidem. 38  DELEUZE, Gilles & Guattari, Felix. O Anti-Édipo. Editora 34. São Paulo 39  ver BOLTANSKI, Luc & CHIAPELO, Eve. O novo espítiro do capitalism. Martins Fontes. São Paulo. 40  DELEUZE, Gilles & Guattari, Felix. Mil Platôs. Micropolítica. O contexto em que esta afirmação aparece no desenvolvimento dado pelos autores será ainda tratado aqui.


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circulação do desejo. “Capitalismo e seu corte não se definem simplesmente pelos fluxos descodificados, mas pela descodificação geral dos fluxos, a nova desterritorialização maciça, a conjunção de fluxos desterritorializados”41 O capitalismo aparece como forma de codificar o desejo, e de estabelecer um modo de ser do desejo que funcionará como princípio de hegemonia social. A desterritorialização colocada como processo de valorização econômica, a princípio, atua também nos sujeitos. As identidades são flexibilizadas. Capitalismo estaria, então, entre o impacto de um processo de circulação e de mecanismos de controle e disciplina. “Do capitalismo, diremos que ele não tem limite exterior e ao mesmo tempo tem um; ele tem um que é a esquizofrenia, ou seja, a descodificação absoluta de fluxos, mas ele só funciona ao repelir e conjurar esse limite. E também tem limites interiores e não tem; ele tem nas condições específicas de produção e circulação capitalistas, ou seja, no próprio capital, mas o capitalismo só funciona ao reproduzir e alargar tais limites para uma escala cada vez mais vasta.”42 “O capitalismo tende em direção a um limiar de descodificação que desfaz o socius em prol de um corpo sem órgãos e, sobre esse corpo, libera o fluxo do desejo em um fluxo desterritorializado [...] A descodificação dos fluxos, a desterritorialização do socius formam assim a tendência mais essencial do capitalismo. Ele não cessa de apropriarse de seu limite, que é um limite propriamente esquizofrênico. Ele tende com todas as suas forças a produzir o esquizo como o sujeito dos fluxos descodificados sobre o corpo sem órgãos [...] O capitalismo, em seu processo de produção, produz uma formidável carga esquizofrênica sobre a qual ele deve impor 41  DELEUZE, Gilles & Guattari, Felix. O Anti-Édipo. Editora 34. São Paulo. p.266 42  ibid. p297


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todo o peso de sua pressão, mas ele não cessa de reproduzi-la como limite do processo”43. Vladimir Safatle, lendo Deleuze e Guattari, coloca como questão se esta ontologização da diferença que tem poder disruptivo não perde poder quando confrontada com uma sociedade cuja reprodução material depende da produção de uma outra diferença: “A afirmação da polimorfia criativa do desejo teria realmente a força de quebrar o gelo do capitalismo?”44 Deleuze afirmaria em outro momento que, de fato, a dinâmica do capitalismo teria levado à dissolução de estruturas disciplinares, configurando a passagem para uma sociedade do controle: “Os controles são uma modulação, como um molde autodeformante que muda continuamente de um instante a outro, ou como uma peneira cujas malhas mudam de um ponto a outro”45. Não são mais instituições normativas próprias a uma sociedade disciplinar, mas dispositivos de controle que absorvem, no interior de sua própria dinâmica, a multiplicidade, a flexibilização e a diferença.46Deleuze escreve sobre a sociedade de controle a partir das ideias de Foucault que, como comentado anteriormente, indicara esta passagem a uma sociedade de segurança para além da disciplina. Esses moldes auto-deformantes, descritos por Deleuze, nos trazem de volta à ideia de liberdade como dispositivo do poder, que excede a sociedade disciplinar, assumindo aparência cada vez mais flexível: “todo este controle é tão leve, que nos soa como um reforço de nossa liberdade”47. 43  idem, p.42 44  SAFATLE, Vladimir. Cinismo e Falência da Crítica. Por uma crítica da Economia Libidinal. Boitempo. São Paulo. 45  DELEUZE, Gilles. Conversações. Editora 34. São Paulo. 46  SAFATLE, V. Cinismo e Falência da Crítica. Por uma crítica da Economia Libidinal. Boitempo. São Paulo. p.144 47  BIGO, Dirier. Freedom and Speed in enlarged borderzones In The Contested Politics of Mobility. Borderzones and Irregularity, edited by V. Squire, Routledge, 2010.


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As análises de Deleuze e Guattari, pensadas em conjunto com a teoria das formas de poder de Michel Foucault, parecem colaborar muito para pensar as formas de apropriação do espaço e de resistência àquilo que parece descodifica-lo. Guattari, ao falar dos territórios existenciais, como citado anteriormente, sugere a arquitetura como possível condensador entre espaços lisos e territórios existenciais, ou como “condensador semiótico”, dizendo: “o que é arte se não, justamente, o condensador subjetivo para produzir mutações, conversões de produções de subjetivação?”48. Frente a todo o processo descrito acima, Guattari explicita, finalmente, que entende a criação de territórios como elemento fundamental de resistência49; entende-se por isso a criação de territórios existenciais, da subjetividade em detrimento da reterritorialização pelo capital. . agenciamentos, regras e máquinas

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Para além dos conceitos trabalhados há pouco, e tendo em vista a compreensão de capitalismo como forma de circulação do desejo, Deleuze e Guattari possuem uma definição de território como integração de agenciamentos coletivos de enunciação e agenciamento maquínico de corpos. Este conceito de território diz respeito ao pensamento, à ação e ao desejo – entendido como força “maquínica”, produtiva. Movimento entre campos de interioridade e linhas de fuga.51 Na definição de agenciamentos, a dupla coloca que “de todo meio extraem um território”. Todo agenciamento é, em primeiro lugar, territorial. Sua primeira regra concreta é descobrir a territorialidade que envolvem, pois sempre 48  GUATTARI, Felix. Espaço e Poder: a criação de territórios na cidade. Espaço&Debates. N.16. 1986. 49  idem. 50  “Regras concretas e máquinas abstratas” é o nome dado ao capítulo de conclusão do livro Mil Platôs de Deleuze e Guattari. Este item parte de uma leitura principalmente deste capítulo e de O Anti-Édipo. 51  DELEUZE e GUATTARI. Mil Platôs. Editora 34. São Paulo. (esses conceitos permeiam toda a obra). Se o Rizoma é composto por linhas, que ligam todos os pontos em direções mais variadas possíveis, as linhas de fuga são aquelas que escapam a este emaranhado de relações entre os pontos.


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há alguma: “dentro da sua lata de lixo ou sobre o banco, os personagens de Beckett criam para si um território.”52 Em cada agenciamento, na definição dos filósofos, é preciso encontrar o conteúdo e a expressão, sendo conteúdo um sistema pragmático, de ações e paixões, e expressão um sistema semiótico, um regime de signos. Seria a dupla articulação rosto-mão, gestofala, e a pressuposição recíproca entre ambos. Agenciamento maquínico, por um lado, e agenciamento de enunciação, por outro.53 Acrescenta-se a essa dualidade uma outra; o agenciamento teria, além do aspecto de sua territorialidade, um outro que diz respeito às linhas de desterritorialização que o atravessam e o arrastam, nas palavras dos autores. Essas linhas são diversas. Umas abrem os agenciamentos territoriais a outros agenciamentos, enquanto outras “trabalham diretamente a territorialidade do agenciamento, e o abrem para uma terra excêntrica, imemorial ou por vir”, e outras ainda, os “abrem para máquinas abstratas e cósmicas que estes efetuam”54. Deleuze e Guattari continuam: “Assim como a territorialidade do agenciamento tinha origem em certa descodificação dos meios, também se prolonga necessariamente nessas linhas de desterritorialização. O território é tão inseparável da desterritorialização quanto o era o código da descodificação” “O território excede ao mesmo tempo o organismo e o meio, e a relação entre ambos; por isso, o agenciamento ultrapassa também o simples ‘comportamento’ (...)”55 Do corpo do agente às multiplicidades que o atravessam. Nas palavras da dupla, a mão cria um território na ferramenta que faz uso, assim como a boca cria um território ao ser acopalhada ao seio, e: 52  DELEUZE e GUATTARI. Mil Platôs. Volume 5. Conclusão: Regras concretas e máquinas abstratas 53  ibidem. 54  Ibidem. 55  Ibidem.


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“... cada um dos termos se reterritorializa sobre o outro. De forma que não se deve confundir a reterritorialização com o retorno a uma territorialidade primitiva ou mais antiga: ela implica necessariamente um conjunto de artifícios pelos quais um elemento, ele mesmo desterritorializado, serve de territorialidade nova ao outro que também perdeu a sua.”56 Há ainda, dentro dessas linhas, desterritorialização relativa e desterritorialização absoluta – e ambas perpassam uma a outra - sendo esta segunda aquela que se refere ao pensamento e à criação. O próprio pensamento se faz como um processo de desterritorialização; pensar é desterritorializar.57 Para se criar algo novo é necessário romper com o território existente, criando outro. O que nos leva também à afirmação da dupla de que toda territorialização é acompanhada de uma reterritorialização. É nesse sentido que a desterritorialização aparece como linha de fuga, na concepção dos autores. Como possibilidade de ruptura58. Mais adiante veremos como, na arquitetura, Peter Eisenman faz a leitura de Deleuze e Guattari, exatamente desse viés do conceito, para construir sua defesa da deslegitimação dos signos na arquitetura e propor seu processo generativo de projeto. Assunto que abre caminho para uma discussão a respeito da autonomia das artes e da arquitetura, e para abordagens que visavam a ruptura de estruturas de racionalidade e criação de novos modos de subjetivação59. Assim, a desterritorialização relativa, trataria dos fenômenos concretos como o surgimento do Estado e as dinâmicas de acumulação e circulação de capital, ou questões propriamente espaciais. As linhas de fuga, possibilidades de ruptura efetiva, 56  Ibidem. 57  HAESBAERT, Rogério. O Mito da Desterritorialização. Território e desterritorialização para Deleuze e Guattari. (p.130) 58  Como comentado há pouco, as linhas de fuga se definem por escaper ao emaranhado de conexão de pontos; não se trata exatamente de uma ideia de ruptura como nas abordagens dialéticas. De todo modo, essa aproximação sera feita algumas vezes neste trabalho, tendo em vista as formas de aproximação feitas com estas ideias no âmbito da arquitetura. 59  DELEUZE, Gilles. Conversações. Editora 34. 2010.(p.145)


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seriam entendidas como parte do campo do pensamento, da criação e do desejo, antes de representarem acontecimentos socialmente partilhados. Algo interessante na dualidade ‘regras concretas e máquinas abstratas’ - como intitulado o último capítulo da obra Mil Platôs - ou desterritorialização relativa e absoluta - é como se coloca a dimensão concreta como regra e a abstrata como máquina; como somente na dimensão abstrata e absoluta é possível encontrar linhas de fuga60. Para Deleuze e Guattari, a máquina abstrata mais potente que pode mostrar linhas de fuga, é a mesma que pode descarrilhar para tornar-se máquina de morte. A ideia de morte parece, muitas vezes, estar próxima às possibilidades mais libertadoras de rompimento com a ideia construída de humano 61, como é o caso de aspectos presentes na ideia de desterritorialização. Considerando o caráter relativo e concreto do conceito, 60  Esta imagem de dimensão política entre relativo e abstrato, entre política estratégica e política real, utilizada por Deleuze e Guattari parece estar em consonância com uma ideia presente na experiência intelectual de Theodor Adorno – apesar da assumida divergência das escolas de pensamento que representavam – de que há um peso fundamental da dimensão estética, e da construção da subjetividade, na esfera política; seria possível fazer distinções entre dimensão estratégica da política e sua dimensão ‘absoluta’, por assim dizer. Por isso, no caso de Adorno, mais da metade da obra do filósofo teria sido dedicada à discussão estética, principalmente musical, sendo isso grande parte da construção de seu pensamento político. A desterritorialização de Deleuze e Guattari parece ter algo em comum por sua definição dividida entre relativa e absoluta, remetendo à interação com o meio por um lado e às linhas de fuga, possibilidades de ruptura, por outro. 61  DELEUZE e GUATTARI. Mil Platôs. Vol.5. p. 244. “A máquina de guerra (daí seu nome) está, pois, muito mais próxima da máquina abstrata do que, desta, está o aparelho de Estado, aparelho que a faz perder sua potencia de metamorfose. A escrita e a música podem ser máquinas de guerra. Um agenciamento está tanto mais próximo da máquina abstrata viva quanto mais abre e multiplica as conexões, e traça um plano de consistência com seus quantificadores de intensidade e de consolidação. Mas se afasta dela na medida em que substitui as conexões criadoras por conjunções que criam bloqueios (axiomática), organizações que formam estrato (estratômetros), resterritorializações que produzem buraco negro (segmentometros), conversões em linhas de morte (deleômetros).” Se para Adorno “a arte permanece fiel aos homens unicamente pela inumanidade a seu respeito”, e, na mesma época, para Georges Bataille uma sociedade capaz de entender o erotismo seria aquela que vai ao limite da inumanidade, compreendendo como semelhante aquilo que enxergava como inumano, um erotismo próximo ao mesmo tempo do sagrado e da morte. Para Deleuze e Guattari, a máquina abstrata mais potente que pode mostrar linhas de fuga, é a mesma que pode descarrilhar para tornar-se máquina de morte. A ideia de morte aparece sempre próxima às possibilidades mais libertadoras de rompimento com a ideia construída de humano.


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para Deleuze e Guattari, o Estado e a dinâmica do capital operam ambos por desterritorialização e descodificação. As sociedades pré-capitalistas seriam, então, efetivamente territoriais. Por mais flexibilidade que pudesse haver em certas sociedades ‘primitivas’, segundo os autores, seus agenciamentos maquínicos de corpos e agenciamentos coletivos de enunciação, ou seja, sua territorialidade, estaria fixada à terra62. Para os autores, entretanto, tais sociedades seriam de fato dotadas de flexibilidade – o que Haesbaert lê como uma “condescendência com o socius pré-moderno” – por não existir nelas um aparelho de poder transcendente que delimitasse de forma rígida e despótica a organização social. Esse raciocínio leva os autores à constatação, já citada ao longo deste capítulo, de que as sociedades capitalistas modernas possuem uma segmentaridade dura, onde a organização social é sobrecodificada por um aparelho despótico e transcendente de poder, uma máquina despótica que desterritorializa e disciplinariza os corpos. Deleuze e Guattari, a partir de uma leitura de Marx, mostram uma situação de desterritorialização do trabalhador, que recorre à venda de sua força de trabalho, e à descodificação do dinheiro, transformado em capital – valor que se valoriza. Estes fluxos implicariam diversos processos de desterritorialização e descodificação de diferentes origens. “Para o trabalhador livre: desterritorialização do solo por privatização; descodificação dos instrumentos de produção por apropriação; privação dos meios de consumo por dissolução da família e da corporação; por fim, descodificação do trabalhador em proveito do próprio trabalho ou da máquina. Para o capital: desterritorialização da riqueza por abstração monetária; descodificação dos fluxos de produção pelo capital mercantil; descodificação dos Estados pelo capital financeiro e pelas dívidas públicas; descodificação dos meios de produção pela formação do capital industrial etc.”63

62  DELEUZE & GUATARRI. Anti-Édipo. Editora 34. 2010. São Paulo. 63  ibidem. p. 298-299


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A desterritorialização operaria aqui no sentido de reduzir o trabalhador à força física, e ao mesmo tempo nos mecanismos de abstração para acumulação.64 O Estado também representaria um primeiro grande movimento de desterritorialização, ao contrário da relação que parece estabelecer sempre com a fundação de territórios. Não haveria promoção de territorialidade, e sim uma apropriação centralizada dos elementos materiais que servissem de base a comunidades externas àquela instituição, por exemplo. Trata-se de um caso típico de desterritorialização como exercício de domínio e de poder, implicando uma reterritorialização ordenadora. No caso, o Estado é também agente de sobrecodificação, tratandose por exemplo de sociedades pré-capitalistas. Configuram-se novos agenciamentos maquínicos de corpos e agenciamentos coletivos de enunciação: o corpo atravessa um contexto em nova codificação, surge uma nova relação de territorialidade.65 Este movimento de sobrecodificação sugere o mesmo que o já citado alisamento do espaço estriado, das segmentaridades e fronteiras. Relações de dicotomia e contrapontos são constantes no tipo de dinâmica como a descrita a respeito do Estado. Ordenação e apropriação, liso e estriado, territorial e desterritorializado. Para a arquitetura esta é uma discussão fundamental. A arquitetura que se impõe com força, na intenção de construir o território, formalizada por uma ordem hierárquica que organize o espaço a seu redor, coloca um conflito entre a ordenação e as formas de apropriação que promove, bem como as formas de territorialidade possíveis naquele espaço criado. Da mesma maneira que o Estado é agente de desterritorialização na medida em que se impõe como sobrecodificador, a arquitetura e o planejamento urbano são a concretização maior dessas formas de reterritorialização.66

64  HAESBAERT, Rogério. O Mito da Desterritorialização. Território e desterritorialização para Deleuze e Guattari. (p.138) 65  ibid. 66  A noção presente em Mil Platôs, de que todo planejamento territorial parece correr o risco de transformar os territórios em simples espaço, é concordante com essa lógica.


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. desterritorialização pós-moderna e estética da globalização

A ideia de desterritorialização é relacionada muitas vezes à condição de pós-modernidade. Diversos elementos dessa categorização remetem à condição menos fixa e mais fluida, como deslocalização, imaterialidade ou desconstrução. Vale lembrar uma frase, que não se referia a este momento histórico e cultural, mas à própria modernidade: “tudo que é sólido desmancha no ar”, de Marx e apropriada por Marshal Berman67. Já estaria aí uma imagem de imaterialidade, indicando possíveis continuidades entre modernidade e pós-modernidade68. As leituras a respeito do pós-modernismo estão carregadas de compreensões de um quadro político pós anos 1960. A mesma negação de um pensamento binário, hierárquico e da racionalidade instrumental moderna, que levaria à exaltação da complexidade em detrimento de respostas utópicas unilaterais, poderia ser lida como traço conformista69 em alguns de seus resultados. É fato que esse regime estético e discursivo que se dissemina no campo da cultura acabaria por corroborar um regime econômico apoiado na mesma negação de narrativas totalizantes, em favor da livre iniciativa, agora cada vez mais fictícia, de uma flexibilidade e uma multiplicidade que se submetessem à estrutura material oligopolizada em escala global70. O pós-modernismo estaria, de certa forma, em oposição a uma característica dos modernismos que era um certo recurso à origem. Segundo Nicolas Bourriaud, o modernismo era radical, palavra que vem de raiz.71 Há, nessa ideia de raiz, um apego à terra e, no caso, não à terra como tradição, mas um retorno à origem como utopia e proposição de um recomeço ideal, segundo o filósofo e curador. 67  BERMAN, Marshall. Tudo o que é sólido desmancha no ar. Companhia das Letras. São Paulo. 2007. 68  Paul Virilio seria mais um exemplo de caracterização da modernidade como desmaterialização, “desrealização”. Ver VIRILIO, Paulo. Espaço Crítico. Editora 34. 69  HAESBAERT, Rogério. O Mito da Desterritorialização 70  ver MARTIN, Reinhold. Utopia’s Ghost. Architecture and postmodernism, again. University of Minnesota Press. 2010. 71  BOURRIAUD, Nicolas. Radicante. Por uma estética da globalização. Martins Fontes. São Paulo. 2011.


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Sobre a territorialidade e a ideia de enraizamento, presente ou não no modernismo, Haesbaert mobiliza duas referências para exemplificar visões opostas. Por um lado Serge Latouche, tratando a desterritorialização como “natureza e essência” da acumulação do capital, sem ligação com uma ‘pátria’: “a modernidade é talvez a primeira civilização que faz da desterritorialização seu princípio. É des-centrada (o que não quer dizer fragmentada, como pretendem alguns autores)”72

E por outro lado, Anthony Giddens: “Em certo sentido, portanto, a sociedade moderna seria a mais territorializada, uma verdadeira ‘sociedade territorial’, ou seja, com fronteiras mais definidas e um mesmo padrão de ordenamento territorial, o do Estado-nação, efetivamente universalizado, ao contrário da multiplicidade e da flexibilidade territorial (às vezes bastante relativa) das sociedades pré-modernas. Como veremos, esta crise do domínio de uma territorialidade universal e padronizada é uma das marcas fundamentais da assim chamada desterritorialização ‘pós-moderna’ contemporânea.”73

Dentre as explicações teóricas para o pós-modernismo, é recorrente o uso de David Harvey e Frederic Jameson, pela via do materialismo histórico. No entanto, no caso de Jameson principalmente, encarando certa inversão no paradigma infraestrutura-superestrutura (como já antecipado por Benjamin e Adorno). A cultura é claramente um peso a mais na balança do capitalismo tardio ou avançado, como denominam. Jameson desenvolve esse tema em sua relação com a arquitetura em textos como O tijolo e o balão: arquitetura, idealismo e especulação imobiliária74, e a descrição do Hotel Bonaventure, que 72  Citação de Serge Latouche (L’Ocidentalisation du Monde; 1989) feita por Haesbaert em: HAESBAERT, Rogério. O Mito da Desterritorialização. 73  Citação de Anthony Giddens (Modernização reflexive: política, tradição e estética na ordem social moderna) feita por Haesbaert, Ibidem. 74  JAMESON, Frederic. O tijolo e o balão: arquitetura, idealismo e especulação


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faz em seu livro A virada cultural: reflexões sobre o pós-modernismo75. Tijolo e balão parece configurar uma oposição instigante entre materialidade e imaterialidade, enraizamento e descolamento. É interessante perceber uma possível recorrência de oposições como esta; Manfredo Tafuri, por exemplo, tem como título de um de seus principais trabalhos - e no qual desenvolverá mais uma relação dialética entre ordem e complexidade com intuito de analisar as manifestações da arquitetura contemporânea a ele – A Esfera e o Labirinto. Trata-se de uma figura estética do objeto acabado frente àquele dificilmente definível. Transitar entre território e desterritorialização parece ser uma questão de dicotomia muito próxima a estas. Vale lembrar ainda as oposições carregadas no interior da própria ideia de território: domínio e apropriação, ou pela via de Deleuze e Guattari, agenciamentos maquínicos de corpos ou de enunciação coletiva, bem como as linhas de desterritorialização relativa e absoluta – concreta e abstrata. O pós-modernismo, surge como auto nomenclatura, a partir de um desejo de negação da estrutura de racionalidade moderna. Um desejo de polarização. Robert Venturi em seu livro Aprendendo com Las Vegas faz uso de uma tabela que opõe itens de classificação estética entre moderno é pós-moderno, da mesma forma que o faz com fotografias de projetos seus em contraponto a um edifício de Paul Rudolph, que considerava moderno76. Como veremos mais adiante neste trabalho, o crítico e arquiteto Alejandro Zaera Polo fará uma transposição dos conceitos de Deleuze e Guattari de desterritorialização, rizoma e maquínico, entre outros, para a abordagem arquitetônica possivelmente classificável como pós-moderna, na medida em que faz relações diretas com o regime de acumulação flexível, até mesmo usando como pano de fundo Harvey, no entanto sem qualquer questionamento a este regime e fazendo dele mais como referência infraestrutural à qual a arquitetura deve corresponder. Sobre este contexto ao qual o pós-modernismo procura corresponder, Jameson falará em espaço fragmentado, ou imobiliária. In A cultura do dinheiro: ensaios sobre a globalização 75  JAMESON, Frederic. A virada cultural. Reflexões sobre o pós-modernismo. Civilização Brasileira. Rio de Janeiro. 2006. 76  VENTURI, Robert. Aprendendo com Las Vegas. CosacNaify. São Paulo.


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deslocado, tornando o mundo globalizado como irrepresentável. “As transformações do hiper-espaço pós-moderno transcendem definitivamente a capacidade do corpo humano individual de autolocalizar-se, para organizar perceptivamente o espaço de suas imediações, e para cartografar cognitivamente sua posição num mundo exterior representável”77 Haesbaert, ao fazer a leitura de Jameson relaciona esta crise de representação à desterritorialização; entende que há uma ideia de ‘representar-se em movimento’. Nicolas Bourriaud também trabalharia com a ideia de esgotamento das formas de auto-representação modernas78. A globalização em si implicaria, para Bourriaud, uma alteração em nossas formas de representação do mundo. As relações de figuração e abstração seriam ainda vinculadas a um determinado modo de vida e de produção já não correspondente ao atual. “Pois o modernismo é vinculado à máquina capitalista justamente no nível da representação do mundo, no nível em que se fabrica a imagem geral que temos dele, e as inúmeras imagens produzidas pelos artistas que irão repercutila, confirma-la ou contestá-la. Agente propagador de um vírus abstrato (“desterritorializante”, para usar um termo deleuziano), a globalização substitui as singularidades locais por suas logomarcas, fórmulas e recodificações pelos seus organogramas.”79 Bourriaud se refere ao processo de globlalização, para além do pós-modernismo. A questão da auto-representação, no entanto, se aproxima, de certa maneira, àquilo que Peter Eisenman tratará como um de seus principais temas: a deslegitimação dos signos – questão que associada ao conceito de maquínico, de 77  JAMESON, Frederic. A virada cultural. Reflexões sobre o pós-modernismo. Pósmodernismo e sociedade de consumo. Civilização Brasileira. Rio de Janeiro. 2006. (p.37) 78  BOURRIAUD, Nicolas. Radicante. Por uma estética da globalização. Martins Fontes. São Paulo. 2011 79  ibid.


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Deleuze, e diretamente associada à ideia de desterritorialização, será fundamental ao percurso teórico feito pelo próprio arquiteto. Permeando todas essas ideias de deslocalização e descolamento, há uma imagem de desencaixe que se refere à relação espaço-tempo. Resumidamente, haveria uma compressão da relação entre tempo e espaço, na medida em que tudo se torna mais fluido e menos apegado a um só contexto espacial. Seria simplista, no entanto, atribuir à desterritorialização uma definição restrita a esta relação. Para Haesbaert, se há uma compressão do espaço-tempo ela deve ser pensada em conjunto com as geometrias do poder que a definem: “Desterritorialização como ‘fim das distâncias’, por exemplo, nada mais seria do que um enfoque muito parcial que, além de confundir territorialidade e espacialidade, vê o espaço tão somente a partir dos processos de compressão tempoespaço, ou seja, da sua ‘forma’ ligada à presença-ausência. Ela nada nos diz da intensificação dos processos de diferenciação (’desigualização’) e de exclusão sócio-espacial em curso”80

Vale ainda retomar Bourriaud, sobre a esta passagem da modernidade ao pós-modernismo e à globalização, como processos de desterritorialização em curso:

“A metamorfose do capitalismo no final do século XIX, e em seguida sua inconteste dominação sob a forma presente da globalização, aperfeiçoou um trabalho de desenraizamento que representa, de acordo com Deleuze e Guattari, seu projeto em si: a máquina capitalista substitui os códigos locais por fluxos de capitais, deslocaliza o imaginário, transforma os indivíduos em força de trabalho; trabalha, em última instância, na realização de um quadro abstrato. (...) O pós-modernismo estético se distingue, assim, por instaurar um imaginário da flutuação e da fluidez que remete ao amplo movimento de desterritorialização através do qual se realiza o capitalismo.”81 80  HAESBAERT, Rogério. O Mito da Desterritorialização. 81  BOURRIAUD, Nicolas. Radicante. Por uma estética da globalização. Martins Fontes.


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O tema do modernismo como busca de retorno a uma origem, ou desejo de um recomeço, é recorrente – Haesbaert chega a citar Octavio Paz em uma definição muito parecida de utopia e modernidade como origem possível. Em contraste a essa ideia, e para além do pós-modernismo, Bourriaud traz a postura do artista radicante como manifestação contemporânea paradigmática. “(...) A hera é um radicante, porque faz nascer suas raízes à medida que avança, ao contrário dos radicais , cuja evolução é determinada pelo ancoramento em algum solo. (...) Onde o modernismo procedia por subtração, de modo a desenterrar a raiz-princípio, o artista contemporâneo procede por seleção, acréscimos e multiplicações”82 Há, nesse caso, a aceitação de diversas prerrogativas da realidade com qual o artista trabalha, e principalmente em relação a deslocamentos espaciais ou culturais; na forma de lidar com um outro, de executar uma obra artística em um determinado território enquanto cultura e espaço desconhecido. Ele cita, por exemplo, o artista Rirkrit Tiravanija como forma de atuar que busca interagir com um novo conhecimento sobre determinado lugar onde irá intervir, produzindo uma síntese. Nesse sentido, há uma certa concepção da possibilidade de multiterritorialidades como o defendido por Haesbaert, no entanto com um conteúdo de atuação extremamente ocasional dependendo dos circuitos da arte, no caso. “De um lado, a criação de relações entre o sujeito e os territórios singulares que ele percorre; de outro, a produção industrial de imagens-tela que permitam desprender os indivíduos e grupos de seu ambiente e impedir qualquer relação vital com um local específico.”83 “A radicantidade altermoderna mantém-se alheia a tais figuras de dissolução: seu movimento espontâneo consistiria São Paulo. 2011. 82  Ibid. 83  ibid.


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antes em transplantar a arte em territórios heterogêneos, em confrontá-la com todos os formatos disponíveis (...) O radicante apresenta-se como um pensamento da tradução: o enraizamento precário implica a entrada em contato com um solo de acolhida, um território desconhecido.”84 Está exatamente aí, entretanto, um importante foco de críticas, às formulações de Bourriaud, feitas por Ricardo Fabbrini em artigo sobre o livro Radicante85. Segundo ele, Bourriaud indica que a orientação ética da ‘arte contemporânea’ – parafraseando o filósofo – não estaria mais em busca da ‘reconciliação entre arte e vida’, na ‘forma utópica da obra de arte total’, mas trabalharia inserindo signos, pragmaticamente, no ‘cotidiano vivido’, produzindo ‘alteridades possíveis’86: “O investimento da arte de vanguarda na “transformação do mundo” segundo “o esquema revolucionário” orientado por uma “utopia política”, foi substituído, no diagnóstico do autor, por um “realismo operatório” voltado para a “utopia cotidiana, flexível” (ou heterotopia) da arte pósprodução.”87 Na medida em que esta pode ser entendida como “gesto” ou “evento”, a arte radicante parece sucumbir, muitas vezes, às exigências de comunicação impostas pelo mercado e pela própria indústria do entretenimento.88 Para Bourriaud, o artista de hoje reage à aceleração do capitalismo global com ‘mais movimento’. Fabrinni questiona, ainda, o uso feito por Bourriaud da teoria de Deleuze e Guattari: “pois é preciso distinguir os ‘fluxos descodificados’ e ‘desterritorializados’ que deslizam pelo ‘corpo do socius’, no 84  ibid. 85  FABBRINI, Ricardo. “A Altermodernidade de Nicolas Bourriaud” Revista Trans/Form/Ação v.35, n.3. Marília. 2012. 86  Ibid. 87  ibid. 88  ibid.


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sentido das ‘micropolíticas do desejo’ e da ‘revolução molecular’, na língua de Deleuze e Guattari, do ‘relato dialogado entre sujeito e as situações que ele atravessa, e nas quais prende suas raízes, no sentido das ‘trocas culturais’ de Bourriaud. Em conclusão: o artista radicante não é movido pelo intento de libertar a potência revolucionária do desejo, abrindo-se à imponderabilidade do devir, mas pela ideia de ‘negociação infinita’, enquanto prática intersubjetiva análoga à do agir comunicativo esteticamente motivado, conforme paradigma da comunicação.”89 O parâmetro do gesto, do evento, da troca, ou do ato de solidariedade social, parecem delinear relações, por vezes, superficiais no estabelecimento das multiterritorialidades defendidas por Bourriaud. O uso da globalização como elemento de afeto político central parece se ancorar nisso que Fabbrini chama de “negociação infinita” para, de fato, estabelecer paradigmas da natureza da comunicação em detrimento da experiência artística, seja como potência do desejo ou como forma utópica reestruturadora de relações e racionalidades. Isto parece ser, até certo ponto, análogo ao deslumbre do arquiteto Alejandro Zaera Polo em relação à globalização – como veremos adiante – e, ao mesmo tempo, análogo à forma como ele faz uso dos conceitos de Deleuze e Guattari. O espaço liso e a desterritorialização dos fluxos, para o arquiteto, são ocasião para estabelecer novos paradigmas estéticos e projetuais na arquitetura como mera representação de novas relações conjunturais. Parece ser próxima a posição levada a cabo por Bourriaud em relação à arte. Fica de lado o caráter disruptivo inerente a tais conceitos. A ideia de “negociação infinita” talvez ilustre bem os resultados de experiências que encaram desterritorialização como simples deslocalização e descolamento entre espaço e tempo.

89  ibid.


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. multiplicidade e reterritorialização

Haesbaert, na conclusão do livro O mito da desterritorialização, procura aproximar a problemática tratada até então à situação concreta das dinâmicas sociais que levariam a recorrência do conceito de desterritorialização como discurso. Fica clara, na abordagem do autor, a ideia de território como processo que envolve movimentos conjuntos de desterritorialização e reterritorialização: “Muitas vezes, como ressaltamos, o pano de fundo dos discursos sobre a desterritorialização é o movimento neoliberal que prega o ‘fim das fronteiras’ e o ‘fim do Estado’ para a livre atuação das forças do mercado. Desterritorialização, referida aí à elite planetária, é um mito. Não passa de um rearranjo territorial sob condições de grande compressão do espaço-tempo, em que as transformações nas relações ligadas à distancia e à presença-ausência (o ‘distante presente’) tornam ainda mais intensas as dinâmicas de desigualdade e de diferenciação do espaço planetário. Assim, o que ‘desterritorializa’, de fato, na maioria das vezes, é justamente esse afastamento ou fragilização do Estado e a consequente onipotência de uma economia ‘flexível’, ‘fictícia’ especulativa e/ou ‘deslocalizada’. Aí não são os grandes empresários e os grandes executivos que estão ‘desterritorializados’ – ao contrário, são eles que têm a liberdade de escolher a (multi)territorialidade que mais lhes convém, mais flexível e mutante, é verdade, mas justamente por isso ainda mais prodigiosa. É justamente por meio desta forma versátil de reterritorialização dos ‘de cima’ que se forja, por outro lado, grande parte da desterritorização dos ‘de baixo’ (...).” É interessante que o autor direcione sua crítica objetivamente ao uso do conceito quando relacionado às ideias de flexibilidade e multiplicidade, pois são as imagens às quais ele estará relacionado também em seus usos pelo campo da estética. Constituem exatamente as figuras de um discurso que busca a indefinição como parâmetro de liberdade – liberdade que serve,


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muitas vezes, na prática, à dinâmica do mercado propriamente e não às dinâmicas externas a ela – pois haveria por trás dessa indefinição uma segmentaridade dura já muito bem delineada, como vimos desde o início do trabalho. O conceito de território pode apresentar um embate entre ordenação e flexibilidade, que é na verdade um embate relativo quando se trata de dinâmicas de poder. Pode-se dizer isso porque as estruturas hierárquicas de organização espacial, ou o domínio e ordem como definidores de territorialidade, passam por uma mudança quase só aparente quando o poder econômico assume uma imagem de alta flexibilidade. A dinâmica do capitalismo de acumulação flexível90 é uma nova forma econômica e social, que na verdade se estrutura em uma mesma relação de poder; o espaço para a multiplicidade real é ainda esquadrinhado pela mesma hierarquia que expele os estrangeiros à lógica da mercadoria, a determinadas estruturas de racionalidade, e a modos de subjetivação definidos e limitados pela lógica do trabalho.91 Continuando com Haesbaert: “As velocidades e ritmos da mudança são sempre múltiplos e, com eles, podem ser múltiplas também as possibilidades (“linhas de fuga”, diriam Deleuze e Guattari) que o espaço social nos proporciona para a reconstrução de nossos referentes territoriais, materiais e imateriais, funcionais e simbólicos. Precisamos assim lutar concretamente para construir uma sociedade onde não só esteja muito mais democratizado o acesso à mais ampla multiterritorialidade – e a convivência de múltiplas territorialidades, onde estejam sempre abertas, também, as possibilidades para a reavaliação de nossas escolhas e a consequente criação de outras, territorialidades ainda mais igualitárias.” 90  Categorização de Harvey usada tanto por Haesbaert, para embasar essas hipóteses, quanto por Alejandro Zaera-Polo como veremos no próximo capítulo, e também por Martin Reinhold coloando acumulação flexivel como um bom parâmetro de descrição do sistema produtivo para fazer uma homologia com as “imagens intercambiáveis” da cultura pós-moderna nas quais a arquitetura toma parte. 91  Como desenvolvido por Geoges Bataille, por exemplo, em sua teoria do erotismo, sobre a lógica do trabalho como estruturadora também das relações de desejo no capitalismo.


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Para ele, a questão deixada pelo século XX não é a desterritorialização, como afirma Paul Virilio, mas a complexidade das reterritorializações e a multiplicidade de territorialidades em potencial convivência. A apropriação dos espaços em detrimento da dominação e dos territórios meramente funcionais.92 A desterritorialização estaria sendo simplificada sempre que associada somente à desmaterialização ou uniformização de relações simbólicas e virtuais; à não-presença ou desencaixe espaço tempo; aceleração ou predomínio da fluidez sobre a estabilidade e enfraquecimento dos controles espaciais.93 Haveria sempre uma dimensão de reterritorialização a ser considerada nesses elementos. O território também se constrói em movimento, por isso não se trata apenas de fluidez, assim como a desmaterialização ou compressão do espaço tempo implicam em construção de novas territorialidades concomitantemente. Fica claro como há uma série de interpretações dos conceitos de território e desterritorialização. As diferentes noções se confundem todo o tempo nas diferentes abordagens, pois parece haver certa permeabilidade de seus usos, entre espaço ou apropriação identitária – mesmo quando não referido ao espaço, o conceito usa diversas vezes de um certo aspecto espacial como se estivesse servindo de metáfora em outras situações. Posta essa gama de usos do conceito por diferentes discursos filosóficos construídos, interessa agora debruçar sobre estes usos do conceito apropriados ainda pela arquitetura. Veremos como em grande medida a palavra aparece quando associada a uma construção da paisagem, ou a uma renovação do espaço urbano, ou muitas vezes pressupondo uma ordenação e hierarquização do espaço e suas ocupações; por outro lado, encontraremos recorrentes usos do conceito em seu significado mais abstrato ou ligado à subjetividade, principalmente no que toca à desterritorialização como ferramenta estética. Interessa entender como a ideia de ‘construção de um território novo’, por exemplo, ao servir de imagem de desejo, 92  HAESBAERT, Rogério. O mito da desterritorialização. 93  ibid. p. 367.


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delimita aquilo que será desenhado e construído. Como uma ideia e um discurso, traduzidos em um determinado conceito, passam por uma síntese rumo ao desenho de um edifício. Por se tratar de território, o conceito enquanto abstrato pode se referir a espaços, e sua síntese formal se concretizará também em espaços. Em que medida a “construção do território” não desterritorializa um amplo leque de territórios existenciais antes estabelecidos? Em que medida um desenho que sugere um “novo território” proporciona de fato a criação de novas territorialidades? O desejo de representar a desterritorialização em espaços é um simples mito, uma vez que o que os novos espaços proporcionam novos territórios? Por fim, a desterritorialização como ferramenta estética em relação aos signos da arquitetura, não é acompanhada sempre de uma reterritorialização? Ou é possível coloca-la em um permanente processo de mudanças? Estes temas parecem acompanhar uma série de abordagens arquitetônicas que tratam ‘território’ como uma questão, seja ela espacial, política, subjetiva ou imanente à estética.


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II.

apropriaçþes do conceito pela arquitetura


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Apropriações do conceito pela arquitetura “Na liberação da forma, como a quer toda arte genuinamente nova, encontramos, antes de tudo, a cifra da liberação da sociedade; pois a forma, a coerência estética dos singulares, representa, na obra de arte, a relação social. Por isto, o estabelecido fica escandalizado com a forma liberada.” 1 Grande parte dos usos do conceito de território parece pressupor formas de poder, entre ordem ou apropriação do espaço. Na atenção para como se faz uso do conceito de território ao falar da arquitetura, podemos entender ordenação e apropriação como fatores que geram diversas possibilidades e partidos para a disposição espacial que criam ou mesmo para a intenção formal que se coloca. Entre ordenar e apropriar, podem ser delineados usos mais ou menos determinados e rígidos a partir do espaço desenhado. Um edifício novo pode significar o esquadrinhamento das relações sociais antes vigentes em certo espaço, como já desenvolvido a partir da leitura dos filósofos Deleuze e Guattari sobre o tema. Por outro lado, o próprio Guattari fala da arquitetura como potencial “condensador de subjetividades”2. Esses modos de subjetivação e formas de circulação do desejo estariam então ligados, também, à forma que gera os espaços. Nesse sentido, uma chave importante de análise dos projetos aqui selecionados está na construção da forma enquanto estrutura de racionalidade3, que organiza e impulsiona formas de desejo. Em que medida a arquitetura passa a representar um conceito ou uma referencia a objetos que lhe são externos, ou em que medida se reorganiza a partir de regras internas de sua construção formal e da construção de espaços. Assim, há uma 1  ADORNO, Theodor. Teoria Estética. Edições 70 (Arte & Comunicação) Lisboa. 2011 2  Guattari, Felix. Espaço e Poder: A criação de territórios na cidade. Espaços & Debates. N. 16. 1986. 3  ADORNO, Theodor. Op. cit.; ADORNO, Theodor. Filosofia da nova música. Perspectiva. São Paulo.


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importância dada aqui à discussão da autonomia da forma, que deve ser levada em conta lembrando que a arquitetura pode, ao mesmo tempo, ser considerada a mais pública das obras de arte por seu caráter tectônico, por sua escala e sua presença como construção do espaço. Ou seja, a disciplina estaria entre autonomia e heteronomia. Tal discussão parece ser válida aqui uma vez que o conceito de território faz parte de diversas questões da arquitetura como construção e apropriação do espaço, da cidade, em seu caráter público, mas é usada também, diversas vezes, na justificação da forma. Enquanto a forma pode possuir caráter autônomo, possui a característica também de estar ligada ao espaço que se cria. No entanto, muitas vezes nota-se uma transposição direta do conceito, ou da imagem de uma relação desejada, para a forma final, sem considerar que disposição espacial decorre dela. A arquitetura estaria, assim, fazendo uso de elementos que lhes são externos para estabelecer princípios de sua construção formal. Não como quando se pauta pelo entorno, pela paisagem ao redor, ou pela cidade, mas quando define um referencial externo, “uma montanha” (como veremos adiante); ou mesmo um desejo - como imagem - que se pretende concretizado na forma dada ao edifício, como a construção de uma geografia nova, em abstrato, representada por determinada forma de articular os elementos construtivos do edifício ou os diferentes níveis construídos. É claro que em cada objeto estes problemas aparecem de forma complexa, em meio a contextos específicos e interpretações próprias. No entanto, essa questão parece ajudar na análise de cada caso, para atentar a que nível cada projeto responde a situações concretas, a desejos estéticos mais amplos ou a formas de representação de uma ideia. Em torno do conceito de território aparecem as referencias constantes à paisagem, à geografia ou topografia, que sugerem formas, mais que o primeiro conceito. É muito recorrente o uso dessas ideias como algo que remete à construção física, para além de relações mais abstratas com o projeto. Assim, encontramos casos mais ou menos literais de menção aos conceitos. Em alguns casos, a ideia de mimese parece ser certeira como caracterização


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da constituição da forma. Em outros casos, a elaboração fica em uma interessante dialética entre síntese formal de uma ideia e criação de disposições espaciais novas; quando na verdade não há mimese, propriamente dita, mas uma forma de relação direta entre forma e algo que se deseja dizer, relação que interessa particularmente a este trabalho. O percurso feito aqui não focará exatamente em usos diretos do conceito de território em projetos de edifícios. Há uma parte dos projetos tratados que se volta à intervenção de grande escala, porém pensada em um conjunto e da mesma forma que se pensaria um edifício, por exemplo. O desejo de certo tipo de síntese formal é levado, nesses casos, a um aumento de área construída que guarda uma relação talvez mais direta com a intervenção em escala “territorial” quando o conceito pretende designar extensão física. Desde intervenções na escala do desenho urbano a edifícios menores que representariam uma estruturação possível da grande escala; de edifícios que se dirigem a determinados conceitos tangenciando as ideias de território sustentadas a projetos que mobilizam o conceito de desterritorialização e ideias em torno desse termo. O panorama traçado aqui não se pretende uma análise precisa, obra a obra, mas um mapeamento de aparentes usos do conceito pelos arquitetos, críticos e historiadores da arquitetura.4

4  Se as definições de território passaram pela filosofia de Foucault e Deleuze e Guattari, sendo também as análises de formas de apropriação ou de domínio dos espaços embasadas por este viés, a análise dos projetos de arquitetura passará necessariamente pela estética adorniana sem que isso implique uma mistura de abordagens. Trata-se do uso de construções teóricas diferentes para entrar pelos diferentes caminhos possíveis nos objetos analisados, sendo a concepção de território também um objeto de análise, mais que um meio.


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Território, extensão e unidade . Gregotti, o território e sua forma

Para Vittorio Gregotti, o território aparece sempre vinculado à paisagem, à geografia, como extensão física. O arquiteto parte do conceito de antropogeografia5, remetendo ao ambiente modificado pelo homem e a certa concepção da conexão entre homem e natureza, vista como raiz de territorialidade. Para o arquiteto, há uma questão central de como dar forma ao território enquanto paisagem vivida. Em consequência interessa a ele discutir a paisagem como objeto de sentido estético e a forma urbana de sua estruturação à sua apreensão.6 A paisagem teria papel fundamental na constituição da ideia de lugar, ao passo que é a referencia visual mais marcante na construção de sentido estético do território. Assim, na medida em que a paisagem é, também, a cidade construída, Gregotti busca em abordagens como a de Kevin Lynch7 maneiras de ler a imagem da cidade para além de sua estrutura funcional. Assim, afirma haver interesse em um estudo semiológico das estruturas da cidade como linguagem, de uma “língua territorial”8, que teria papel de construção coletiva de sentido. Segundo ele, em uma leitura estruturalista da cidade como linguagem, enquanto analogia, pode-se dizer que as estruturas criadas são constantemente modificadas pela vivência do conjunto da sociedade, que a deformaria. “Como a língua, a modificação poderá ocorrer segundo a contribuição de obras de alto valor, ou melhor, altamente significantes, pela acumulação em um ponto de pequenos 5  Friederich Ratzel cunhou este temo no livro que levava Antropogeografia como título, lançado em 1882. Gregotti explica que o termo para Ratzel implica “estudos acerca da atividade dos grupos humanos em função do ambiente geográfico”, enquanto em seu trabalho indica “o ambiente modificado pelo trabalho ou pela presença do homem”. O arquiteto busca “fundamentar uma tecnologia formal da paisagem antropogeográfica”, ou seja, da paisagem modificada pelo homem. 6  GREGOTTI, Vittorio. Território da Arquitetura. São Paulo. Perspectiva. 2010. 7  LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. Martins Fontes. São Paulo. 1997. 8  GREGOTTI, Vittorio. Op. Cit


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deslocamentos funcionais ou de amplas reconstituições estruturais.” 9

Vale salientar que Gregotti atua no sentido de uma redefinição do objeto da arquitetura tendo em vista o projeto de grande escala10, que coordenasse uma série de outros agentes envolvidos na planificação de um espaço. O pensamento sobre a cidade e a construção de significados coletivos segundo formas construídas é mobilizado nesse sentido. Há uma busca de estruturas possíveis para o desenho em escala urbana, que leva o termo forma do território, no intuito de designar uma larga extensão física e sua apreensão simbólica ao mesmo tempo. A construção de significado, no entanto, parece se dar com a construção de novas hierarquias e composições para a paisagem. Kenneth Frampton ao tratar da obra do arquiteto chega a lembrar que Gregotti entendia o ato de “marcar o chão” como ato primordial na relação entre homem e natureza; de onde fica implícita uma ideia de domínio, da construção como ordenação da natureza, e daí uma “fabricação de território”, nas palavras do crítico11. Gregotti chega a falar em mínima intervenção, mas ao mesmo tempo o caráter ordenador fica claro em projetos como a Universidade da Calábria.Com 1,8km de extensão, o edifício linear cruza a cidade, atravessando diferentes contextos de ocupação. O edifício central organiza um fluxo principal que se distribui em pequenas ramificações; trata-se de uma hierarquia do tipo “árvore”, que estrutura também aquilo que está ao seu redor. Esse tipo de projeto de Gregotti deixa clara sua intenção de estruturar 9  GREGOTTI, Vittorio. Território da Arquitetura. São Paulo. Perspectiva. 2010. É interessante que haja esse caráter estruturalista de construção de sentido na construção da ideia de Gregotti (segundo o próprio arquiteto), pois ele parece estar próximo daquilo que seria a ideia de territorialização subjetiva para feita por Deleuze e Guattari. No entanto, o arquiteto se limita ao uso do termo território para definir o espaço. Segundo Rogério Haesbaert, o conceito Deleuze e Guattaro teria antes raiz na psicologia lacaniana, de viés também estruturalista. 10  TAFURI, Manfredo & DAL CO, Francesco. Modern Architecture. New York. Rizzoli. 1986. 11  FRAMPTON, Kenneth. Modern Architecture. A critical history. “Architecture in the Age of Globalization: topography, morphology, sustainability, materiality, habitat and civic form 1975-2007”


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Perspectiva da Universidade de Calábria, 1966 (retirada de COHEN, J. L. The Future of Architecture since 1889) à esquerda e acima Possibilidades de expansão para o projeto da Universidade de Calábria (retirada de TAFURI, M. The Sphere and the Labyrinth) à esquerda e abaixo Detalhes de projeto e estrutura em elevação (retirada de TAFURI, M. The Sphere and the Labyrinth) abaixo


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não só a cidade, mas toda uma região em que intervém12. Ao mesmo tempo, a intenção central é dar forma à paisagem, sabendo que não se trata de uma nova paisagem, mas de uma ocupação somada e misturada à paisagem natural e à ocupação antes existente. 13 “Organismos arquitetônicos são constituídos de fluxos contínuos, da coagulação de uma estreita rede de funções sobrepostas que podem constantemente tomar novas configurações, de acordo com uma mutação que tende a fazer do tecido urbano, da estrutura do organismo e da natureza do território, algo contínuo.”14 É interessante situar tal abordagem projetual e disciplinar em seu momento histórico, no ambiente de produção e discussões dos arquitetos. O livro Território da Arquitetura foi publicado em 1966, mesmo ano que o livro de Aldo Rossi, A Arquitetura da Cidade. Gregotti já publicara artigos tratando da forma da paisagem e do território desde 1965, nos quais a temática da cidade e sua forma apareciam (de modo muito diferente de Rossi, que tratava dos tipos, sem um desenho totalizante para o conjunto urbano15). O contexto político parece dizer muito a este respeito, pois havia um forte estado de contestação das experiências de intervenção urbana realizadas até então nas cidades europeias, desde a forma como se renovavam centros históricos até as formas de expansão das cidades com rodovias e conjuntos habitacionais deslocados das regiões centrais16. Essas experiências culminariam 12  GREGOTTI, Vittorio, ed. ‘La forma del território’ Edilizia Moderna 87-88 (1965) apud. COHEN, Jean Louis. The future of architecture since 1889 13  GREGOTTI, Vittorio. “Modificazione” Casabella (498-99; 1984) apud. COHEN, Jean Louis. The future of architecture since 1889 14  GREGOTTI, Vittorio. Território da Arquitetura. 15  HAYS, Michael. Architecture’s Desire. Reading the late avant-garde. The MIT Press. (p.11) Para Hays, a arquitetura de Rossi opera com uma vasta acumulação de significantes em detrimento da sempre inconclusa definição positiva de significados. De acordo com Tafuri, Rossi procurava dar forma à nostalgia, diferente de Gregotti, no qual a nostalgia apareceria no desejo de totalidade e calculabilidade. Ver TAFURI, Manfredo & DAL CO, Francesco. Op. Cit. (p.387-388) 16  COHEN, Jean Louis. The future of architecture since 1889. PhaidonPress.2012. (p.405-406)


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em protestos principalmente no nível político, naquilo que tocava às formas de vida desejadas para a cidade. Dada a situação e o conteúdo muito vinculado às problemáticas comuns à arquitetura, grande parte das mobilizações do ano de 1968 teriam lugar em escolas de arquitetura pela Europa, bem como exemplos expressivos da produção cultural que marcaria aquele momento se refeririam à experiência urbana, aos conjuntos habitacionais, à suburbanização e até à setorização imobiliária de negócios.17 Com a situação das cidades em vista, a retomada da cidade como objeto de projetos pela arquitetura tomava lugar. Agora, no entanto, o objeto de projeto teria de lidar com a multiplicidade defendida pelos movimentos sociais daquele momento, tratando de forma nova a necessidade de restaurar a riqueza do espaço urbano, social e semanticamente, contra os efeitos da modernização uniformizadora das décadas anteriores. Há uma gama de diferentes respostas ao problema de repensar a cidade não apenas como organismo funcional, mas também por seus símbolos e por sua forma, desde a abordagem de Rossi naquele momento, à de Giancarlo De Carlo e dos holandeses Jaap Bakema e Candilis-Josic-Woods18, já desde a década anterior. Gregotti faz parte desse contexto e em 1973 faz a curadoria da Trienal de Milão, junto ao semiólogo Umberto Eco, evidenciando o caráter interdisciplinar de sua abordagem a respeito da significação da forma da paisagem. O tema abordado seria Arquitetura Racional, sendo retomada uma série de projetos dos anos 1920, como de projetos urbanos como os de Frankfurt e Vienna.19 O que talvez seja de maior interesse aqui, é a forma como a cidade passa a ser pensada, diversas vezes, como um só edifício. Por isso alguns projetos de Le Corbusier seriam retomados tantas vezes, como pelo próprio Gregotti, para exemplificar uma relação de simbiose entre técnica e natureza. O exemplo dado pelo 17  ibid. 18  George Candilis, Alexis Josic e Shadrach Woods. 19  ibid.


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Estudo para a cidade de Rio de Janeiro - Le Corbusier (retirada de Le Corbusier. Precis천es)


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arquiteto é o da imagem de um edifício para a cidade do Rio de Janeiro20. Trata-se, para ele, de pensar estruturas-signo inseridas em determinada região geográfica: “Para Gregotti a forma não é absoluta. Seus projetos em escala regional adotam a poética de uma rigorosa definição estrutural como defesa contra aquilo que pretendiam atacar. Mostrar e depois esconder, criar novas portas de entrada e então carrega-las de ‘incidentes’, fechar ‘lugares’ com paredes e, então, fazer deles verdadeiros túmulos (...)”21 Para Tafuri, a busca por saturação na paisagem pela técnica recairia em desenvolvimentos atonais, recitando sua própria contração. Haveria uma pretensão de totalidade suspensa, a ser resolvida, o que seria impossível. Para o historiador, essa pretensão de um desenho totalizante conferiria um tom nostálgico à experiência projetual de Gregotti.22 “O jogo formal que deseja se apresentar como minuciosamente ‘calculável’ e verificável, que deseja impor sua própria ratio sobre a infinitude da natureza, condena mais 20  ver TAFURI, Manfredo. Architecture and Utopia. The MIT Press. 1976 : “From the reality of production to the image and the use of the image, the entire urban machine pushes the ‘social’ potential of the civilization machinist to the extreme of its possibilities” O Plan Obus de Le Corbusier para Argel é central na argumentação de Tafuri sobre a crise da arquitetura moderna e da ideologia do plano, e os projetos para Rio de Janeiro e São Paulo podem ser lidos a partir de mesma ótica. Além de Gregotti, muitos dos projetos tratados adiante tomaram essa abordagem de Corbusier como referência de atuação em grande escala como imagem. Outra observação interessante sobre tais projetos lineares de Cobusiere é de Reinhold Martin, no capítulo Territory de seu livro Utopia’s Ghost: “We can also think here of Le Corbusier’s own long-standing identification of the housing block with the ocean liner. Territoriality open and enclosed at once, these great modern housing estates were surely instruments of corporeal discipline; but they were also diagrams of inclusive exclusion (or exclusive inclusion) on the order of Agamben’s biopolitical topology.” (p.13) 21  TAFURI, Manfredo. The Sphere and the Labyrinth. The MIT Press. 1992. (p.279-280) 22  O foco de Tafuri está voltado a uma crítica que tencione ao extremo os limites da linguagem e de suas analises, e de uma leitura das permanências de relações entre linguagem e ideologia, principalmente da permanência de signos sustentados por relações com realidades externas às daquela linguagem; para ele, Gregotti visava por meio da arquitetura estruturar problemas do real, externos aos signos dela própria.


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uma vez a si mesmo como heterotopia, e dessa vez de modo traiçoeiro. A calculabilidade da arquitetura de Gregotti é ainda uma evasão. Certamente, tenta transformar a ‘grande cidade’ ou a ‘grande paisagem’. Nisso está o mérito de ter feito da arquitetura um produto administrativo. Mas é grande demais o desejo de síntese contido nas ‘pontes’ e nos grids excessivamente transparentes: sua serenidade, seu desejo de ir além da ‘visão trágica’ e das ‘musas inquietantes’ – os mestres italianos dos anos 50 e 60 – estariam imbuídos de uma nostalgia velada.”23 A especulação formal, apontada por desenhos das expansões possíveis para a Universidade da Calábria, começam com um signo inflexível restringindo-as logo de início. Para Tafuri, convivem na prática de Gregotti o cálculo totalizante e uma evasão quase surrealista. Essa evasão é a tentativa de constituir imagens sedutoras de uma imposição de racionalidade à infinitude da natureza. A ideia de território e de conferir a ele uma forma, parecem concentrar tais questões logo de início. Há um desejo ordenador, estetizante, que pretende dar conta do espaço urbano – e para além dele – enquanto forma e enquanto territorialidade. Nesse sentido, a busca da arquitetura por delimitar claramente os contornos de tudo aquilo que pretende abarcar – de subordinar ao cálculo da forma exata toda uma região – parece ter, de fato, seu lado traiçoeiro. . Megaestrutura, utopia e síntese

A necessidade de pensar paradigmas de reconstrução da forma da cidade,no entanto,é abordada das mais diferentes maneiras nesse momento. A influência dos situacionistas em imagens como as produzidas por grupos como Archizoom e Superstudio, e mesmo Archigram, parecem se diferenciar em muito da abordagem megaestrutural adotada por arquitetos como Gregotti. Entre as megaestruturas, algumas se afirmam como elemento ordenador de enorme peso no espaço; outras – as mais utópicas – foram pensadas como elementos móveis, nômades. Delas, no entanto, 23  ibid.


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decorriam experiências construídas que implicavam geralmente em mera representação de movimento. Vide as estruturas utópicas como Plug-in City do grupo Archigram(1964), Cluster City de Arata Isozaki(1962) e projetos construídos posteriormente, decorrência do mesmo pensamento, como o edifício Nagakin Casule Tower de Noriaki Kurokawa em Tokyo (1972)24. Do pós-guerra aos anos 1960, vivia-se uma combinação de fatores como a reconstrução de cidades, a expansão econômica e estabelecimento de estado de bem-estar social em alguns países, bem como a crise dos CIAM’s e dos paradigmas de atuação no desenho da cidade. Ao mesmo tempo um avanço tecnológico exorbitante vinha sendo anunciado, e após desastres de guerra, carregava tanto a imagem de caos quanto a de futuros possíveis. 25 Desse contexto, manifestações como o grupo Archigram, na Inglaterra, surgem com projetos experimentais voltados a um imaginário de novas tecnologias e novos modos de vida. A ideia de nomadismo embasaria parte das reflexões, bem como as ideias de congestão e adensamento. Ao mesmo tempo, no Japão, o pós-guerra seria marcado por experiências que culminariam no metabolismo, e por projetos de grande porte, como os de Kenzo Tange, destaque para o plano para a Bahia de Tokyo. De maneiras diferentes, as diversas abordagens pareciam confluir para um tipo de futurismo estético, desde a concepção de estruturas antes inconcebíveis, até a experimentação gráfica com teor fantástico ou utópico, como no caso do Superstudio. Um pouco antes, as experiências estruturais de Buckminster Fuller – de uma ideologia tecnocrática, segundo Frampton26 – teriam marcado uma geração, fosse com estruturas móveis para abrigos de comunidades hippies ou para pavilhões de exposição, fosse com a concepção 24  O metabolismo teria experiências muito próximas às do Archigram que, no entanto, já vinham sendo experimentadas desde os anos 1950 frente ao problema da superpopulação no país. As células de morar, como no caso do edifício de Kurokawa e do Cluster City de Isozaki, já vinham sendo ensaiadas como nos projetos de Kiyonori Kikutake para cidades flutuantes, ‘Marine City’ 1958. Células pré-fabricadas anexadas a arranha-céus helicoidais. Ver FRAMPTON, Kenneth. Modern Architecture. A critical history. Place, production and scenography: international theory and practice since 1962. Thames & Hudson. London. 25  TAFURI, Manfredo & DAL CO, Francesco. Modern Architecture. New York. Rizzoli. 1986. 26  FRAMPTON, Kenneth. Op. Cit.


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páginas anteriores: Plug inn City, Archigram, 1964 (retirada de BANHAM, R. Megastructure) à esquerda e acima Walking City, Archigram, 1964 (retirada de BANHAM, R. Megastructure) à esquerda ao meio Cluster City, Arata Isozaki, 1962 (retirada de FRAMPTON, K. Modern Architecture: A critical history) à esquerda abaixo Nagakin Tower, Noriaky Kurokawa, 1972 (retirada de COHEN, J. L. The future of architecture since 1889) à direita


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de construções como uma grande bolha de controle climático envolvendo Manhattan.27 A experimentação daquele momento parecia de fato oscilar sempre entre o rígido, incomensurável, e o nômade flexível, como busca de respostas a um momento de crise das narrativas de modernidade antes estabelecidas. “A tecnologia, como ocasião para diversão e espetáculo, tira de cena sonhos de reconstrução global de cidades e territórios, revive a determinação em efetivar a reconstrução futurista do universo, conclamada por Marinetti quase meio século antes. Com obstinação válida de uma causa maior, o desconhecido é novamente elevado a um mito; a vontade de forçar o presente é um indicador de impotência.”28 Tafuri descreve um movimento de abandono das questões de reconstrução da cidade de fato, para uma reconstrução do universo (estético). Nesse sentido, a busca de um futurismo estético parece guardar consigo a característica descrita pelo autor: o desconhecido é elevado à condição de mito. O território parece ser central na justificação dos projetos em sua mega-escala. No entanto, ele parece ser importante como constituição do desejo estético que sustenta o objeto arquitetônico e não mais apenas de uma reconstrução real de algum território.29 Para Kenzo Tange, tratava-se de questionar a bidimensionalidade do planejamento territorial em direção a uma abordagem de projeto tridimensional – grandes estruturas que se adensassem e pudessem ser flexíveis – a exemplo do Plan Obus de Corbusier, segundo Tange30. Esse é um fator que parecia, de fato, ultrapassar o pensamento de planos em nome da concepção de grandes estruturas urbanas. Para Tafuri, no entanto, ignoravam-se aspectos políticos do urbanismo radical dos anos 20 e 30, para contestá-lo apenas 27  TAFURI, Manfredo & DAL CO, Francesco. Op. Cit. 28  ibid. 29  Aqui, a concepção de território, usada por Tafuri, remete objetivamente à extensão física como domínio. 30  TAFURI, Manfredo & DAL CO, Francesco. Modern Architecture. New York. Rizzoli. 1986.


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Projeto para Bahia de Tokyo, Kenzo Tange, 1960 página anterior acima Projeto para Lower Manhattan, Paul Rudolph, 1967-1972 página anterior abaixo Projeto para Turin, Manfredo Tafuri e Studio AUA, 1963 à esquerda e acima Ponte Veccio, Florença, séc. XIV à direita e acima (imagens retiradas de BANHAM, R. Megastructure) Projeto para Argel, Le Corbusier, 1930 à esquerda abaixo (retirada de TAFURI, M. Architecture and Utopia) Projeto para Manhattan, Buckminster Fuller, 1960 (retirada de COHEN, J. L. The future of architecture since 1889) à direita abaixo


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em termos tipológicos e formais, o que colaboraria para deixar essa nova geração de projetos à margem do planejamento como política, afirmando-se simplesmente como manifestações utópicas. 31 Para ele, as megaestruturas como projetos de Kenzo Tange e Paul Rudolf32, de alta visibilidade, são uteis somente como experimentação, e como exercício tipológico, que na medida em que não são construídos, parecem não ter mais qualquer permeabilidade na construção concreta da cidade. Outros projetos dos mais interessantes deste momento, como o projeto de Bakema para Tel Aviv, também não saem do papel. Em um momento de questionamento dos instrumentos projetuais, esta crise é refletida em uma questão interna à disciplina, que não põe em cheque a autonomia do arquiteto na construção da cidade e falha em proporcionar possíveis transformações institucionais nos modos de produção do espaço.33 “A despeito deles mesmos, os arquitetos futuro-utopistas daquela década simplesmente levaram adiante uma mais que tradicional divisão do trabalho; a alardeada individualidade destes é uma última vala que cavam em seus calcanhares para salvaguardar uma autonomia que é, na melhor das hipóteses, 31  ibidem. A separação entre realidade e utopia, entre uma leitura lúcida de componentes estruturais e uma evasão em imagens descontroladas é comprovada ainda, para além das megaestruturas, no pensamento de Kevin Lynch com o desejo de certa totalidade nas referencias coletivas de signos e na ideia nostálgica de ‘comunidade’ que esse pensamento implica, segundo o historiador. É interessante como aqui o desejo de auto-reconhecimento dos indivíduos perante uma forma da cidade, dada em seus signos, pressupõe certa ligação entre uma territorialização enquanto região, cidade, paisagem, e uma territorialização simbólica. Tendo Lynch como exemplo, não é necessária a construção de uma grande estrutura que delimita o território físico e suas apropriações possíveis, mas é imaginado um forte domínio do simbólico, pela delimitação da imagem da cidade em suas referencias pensadas como comuns a todos. 32  Ver projeto para Lower Manhattan Expressway, 1970. Quando questionado sobre as maiores tendências da arquitetura naquele momento (1970’s), Paul Rudolf responde, sem hesitar, Megaestruturas e dá como exemplo a Ponte Veccio em Florença para mostrar que trata-se de uma abordagem já histórica na arquitetura. BANHAM, Reyner. Megaestructure. Urban futures of the recent past. Thames and Hudson. London. 33  TAFURI, Manfredo & DAL CO, Francesco. Modern Architecture. New York. Rizzoli. 1986.


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improdutiva (...) Mais uma vez a imagem total é reduzida ao aprimoramento meramente decorativo do caos metropolitano que uma vez aspiraram dominar.”34 Curiosamente, Tafuri teria feito parte de um momento na arquitetura italiana que, segundo Reyner Banham35, antecipava de certo modo aquilo que seria a “megaestrutura radical”. Trata-se da ideia de città-territorio, tal como definida pelo historiador italiano a partir de alguns projetos de 1960 nos quais ele tomou parte.36 Há algo que parece diferenciar em muito um desses projetos – do concurso para Quartiere direzionale em Turin, por exemplo – exposto como parte da categoria citá-territorio em 1963 que contava com a participação de Tafuri, daqueles projetos por ele criticados. Há nele uma abordagem megaestrutural, enquanto programas conectados em uma estrutura construída em grande escala, sem contudo a busca de uma imagem futurista ou de uma utopia técnica. Parece existir menos o desejo de uma forma totalizante, como em Gregotti, e mais uma articulação de tipologias em co-existência, como exploraria Oswald Mathias Ungers em projetos urbanos para Berlim (e que veremos adiante). A ideia de território pressuposta remete, novamente, a uma ampla extensão física, que vai além da cidade. Trata-se de uma articulação da cidade em sua região imediata. Nesse sentido, o uso do termo parece estar em consonância com o uso feito por Gregotti. Em epílogo do livro Megastructure, Reyner Banham procura questionar o significado desse tipo de projeto para além da escala, perguntando-se que questões estariam colocadas a respeito daquele momento do pensamento contemporâneo, tendo em vista o conteúdo dessas manifestações e sua visibilidade. Usa então como primeiro exemplo um projeto de edifício que cruzaria a América do Norte, chamado Comprehensive City37. 34  Ibidem. p. 363 35  BANHAM, Reyner. Megaestructure. Urban futures of the recent past. Thames and Hudson. London. 36  Tafuri participava de alguns projetos em colaboração com outro escritório italiano, Studio-AUA, como em 1963 para concurso de um projeto urbano para Turin. 37  Projeto da dupla de arquitetos canadenses Mike Mitchell e Dave Boutwell, 1969. BANHAM, Reyner. Megaestructure. Op. cit. p. 197-198


74 Comprehensive City, Mike Mitchell e Dave Boutwell, 1969 (imagens retiradas de BANHAM, R. Megastructure)


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A partir desse projeto, Baham lembra os projetos de Le Corbusier para cidades construídas de uma só vez e reflete: “Megaestruturas, então, contêm alguns elementos de atavismo, uma retomada à ‘era heroica da arquitetura moderna’, e uma constante preocupação com o original movimento do futurismo italiano e croquis de Saint’Elia. Sem dúvida há uma nostalgia de um passado (e um futuro em hipótese) uma questão de gestos nítidos, sem os compromissos e diluições ou reduções de escala que corromperam a pureza e o radicalismo das intenções originais.”38 Tudo estaria localizado em uma estrutura conhecida, estruturadora. Uma estrutura ordenadora do caos de uma população gigantesca. O pensamento de síntese, nesse caso, refletiria perfeitamente o extremo de um ato ordenador. Banham observa que na Europa a esquerda voltava-se contra as formas de ocupação por residências unifamiliares, e portanto costumava defender grandes projetos que envolviam conjuntos habitacionais de massa. A crítica que começaria a vir de determinadas correntes de esquerda, teria se voltado ao fato das megaestruturas não fornecerem real flexibilidade ou reais opções de formas de viver, a não ser aquelas dadas pela arquitetura, como a falsa multiplicidade de opções que é dada em uma prateleira de supermercados. Essa crítica, não com espanto, vinha da geração de estudantes de arquitetura do maio de 1968. Tratava-se de uma crítica interna, de uma nova geração arquitetos que desejavam projetar de outra maneira.39 Ao mesmo tempo, o caráter utópico das megaestruturas guardava em diversos casos um sentido anti-establishment, como promessa de superação da desordem e dos descontentamentos do passado, em favor de um novo mundo criado em sobrevoo, de alguma forma purificado da exaustão das civilizações abaixo. Se esta era a promessa, sua performance efetiva seria menos

38  ibid. 39  ibid.


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empolgante, lembra Banham.40 A imagem de fracasso, no entanto, parece ao crítico uma medida equivocada da importância que a megaestrutura teve como promessa para uma geração. A partir de certo momento, segundo o autor, todo tipo de posicionamento político estaria contra a megaestrutura: ela teria sido condenada antes mesmo de acontecer.41 . Ungers, arquipélagos e territórios existenciais

Durante os anos de 1960, contemporâneo às megaestruturas, o arquiteto alemão Oswald Mathias Ungers lidava também com projetos de grande escala, geralmente de habitação coletiva, mas com uma abordagem que apontava para outra direção. Ungers formulava princípios para os projetos urbanos como crítica ao desenho urbano moderno como aplicação de regras uniformizantes e setorizadoras. Colocava os projetos urbanos como portadores de regras formais internas, que permitissem tanto a evocação de uma ideia de cidade através de uma de suas partes, quanto sua participação na malha urbana como partes de um todo, enquanto artefatos finitos, como arquipélagos.42 Os conjuntos articulavam dentro de si tanto a imitação de dinâmicas da cidade quanto a proposição de novas formas. As pré-existências apareceriam, então, como um dado importante. Algo em comum com Gregotti e com Lynch, pode-se dizer, seria a abordagem da cidade como forma e como portadora de signos coletivos. No entanto, não há uma pretensão totalizante, e os conjuntos de Ungers se infiltram, se confundem, ao mesmo tempo que marcam localizações e se diferenciam na malha urbana. “Ungers artículou os limites e finitude da forma arquitetônica como possíveis ‘cidades dentro das cidades’, como recomposição da definição de traços da cidade, como sua inerente dimensão coletiva, sua natureza dialética, o fato de 40  ibid. 41  Ficariam algumas aspirações estéticas remanescentes para projetos como o Centro Pompidou, e mais adiante formas de abordagem como a de Rem Koolhaas. 42  AURELLI, Pier Vittorio. The Possibility of an Absolute Architecture. The MIT Press. 2011 (p. 177-229)


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ser feita de diferentes partes, de ser uma composição de formas diferentes e às vezes opostas, dentro da crise urbana que afetava muitas cidades entre os anos 1960 e 1970, das quais Berlin era o exemplo mais extremo e paradigmático.”43 Ao mesmo tempo que tratava da cidade como soma de partes que se articulam, como articulação com pré-existências, um traço essencial do projeto mais amplo de Ungers foi sua contraposição a Colin Rowe, com quem deu aulas em Cornell. A diferença entre os dois passaria a ficar evidente com o tempo, e uma oposição forte se configuraria. O projeto de Rowe, segundo a interpretação de Pier Vittorio Aurelli, é de uma abordagem quase neoliberal de cidade, como simples colagem de todo tipo de manifestação arquitetônica, em uma leitura unicamente compositiva. Ungers representaria, para ele, uma aproximação de visão mais estrutural dessas articulações, sempre focando-se no desenho dos conjuntos como estruturas pontuais que teriam papel fundamental na estruturação do tecido sem intervenção ao seu redor. A forma interna do conjunto, as relações criadas pelas tipologias exploradas entre elas mesmas e em sua relação de abertura e fechamento estabelecida com a vizinhança, são elementos da articulação com a cidade. Aurelli se dedica a uma série de análises da obra de Ungers sem se referir a uma concepção de território, mas sempre definindo os projetos do arquiteto alemão como criação de “arquipélagos”44. É notável como esses arquipélagos se constituem por uma série de estudos das pré-existências. No estudo Berlin as a Green 43  ibid. 44  Reinhold Martin, em nota de seu capítulo sobre território no pós-modernismo, diferencia sua compreensão de território daquela que diz ser a de Aurelli. “I do not use the term territory in a scalar sense but in the sense of a variously demarcated or bounded space (…) Rather than associating (as Aurelli does) ‘territory’ with an emphasis on urban infrastructure or open-ended networks, and ‘city’ with descrete urban artifacts or islands of architectonic form, I argue below that networks and islands cannot be understood independently of one another. In the postmodern city, the two terms are not opposed but, rather, conjoined to produce complex topologies in which insides and outsides are multiply enfolded.” MARTIN, Reinhold. Utopia’s Ghost. Architecture and postmodernism, again. University of Minnesota Press. 2010.


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Archipelago, feito em grupo de pesquisa por ele coordenado em Cornell, e do qual Rem Koolhaas participava como estudante, a análise da região como conjunto de valores urbanos simbólicos é substrato fundamental para o desenvolvimento do trabalho. O grupo desenvolveria uma série de mapas focados nisso, bem como desenhos e fotografias que indicariam possíveis direções para o projeto arquitetônico. A imagem de um mapa de elementos de valor na cidade, estruturados pelo grid representando o espaço, mostra como o projeto dessa ‘cidade dentro da cidade’ é enxugado a uma visão de suas partes significantes e irredutíveis.45 Vale lembrar a crítica de Tafuri ao projeto de Kevin Lynch de delimitar uma série de significados coletivos para a cidade e seus elementos – remetendo a uma ideia nostálgica de comunidade – para compreender que o projeto de Ungers não compartilha de mesmo método uma vez que insiste no caráter localizado de suas intervenções; o “arquipélago” criado como artefato urbano, como criação e manutenção de certos regimes de significantes, dentro e para além de um desenho bem definido de conjuntos urbanos. A mesma leitura dos signos presentes na cidade para a concepção de novos projetos, parece implicar em alguns casos em uma operação de mimese. Certos projetos como a proposta para Neue Stadt Housing Complex, de 1964 em Colônia, parecem partir de uma imitação da cidade construída por dinâmicas como a da verticalização descontrolada, por exemplo, somando a lógicas internas ao projeto, como a articulação de positivos e negativos, cheios e vazios, para compor o espaço pelo aglomerado de edifícios mais altos e mais baixos. Seria possível fazer uma comparação entre “construção do território” - como a ideia presente em Gregotti e decorrências dessa abordagem quando um desejo ordenador é traduzido em uma solução estética e planejadora concretizada em um edifício ou conjunto - e uma possível “articulação de Territórios existenciais”, como debatido por Félix Guattari e trabalhado no primeiro capítulo desta pesquisa. 45  ibid.


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A análise cuidadosa das qualidades simbólicas da cidade para a concepção de um projeto urbano, como faz Ungers, parece trazer mais próxima a condição de arquitetura como “condensadora de subjetividades” como desejava Guattari.


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Estudo Berlin as a Green Archipelago, 1977 (imagem retirada de AURELLI, P. V. The Possibility of an Absolute Architecture)


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Proposta para conjunto habitacional Neue Stadt, 1961-1964 (imagem retirada de AURELLI, P. V. The Possibility of an Absolute Architecture)


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Território síntese e discurso . Megarforma

Há uma relação interessante entre certos projetos considerados megaestruturas, como estudado por Banham, e aquilo que Kenneth Frampton chamou de megaforma46. Se de um lado a arquitetura se coloca a tarefa de fazer uma estruturação em grande escala atravessando a cidade e se configurando muitas vezes de forma “regional”, conectando e definindo localizações dentro de seu próprio corpo construído, de outro, o projeto pode ser pontual e constituir conexões internas à malha urbana em uma escala menor. Frampton caracteriza como megaforma os edifícios horizontais, muitas vezes por sua implantação, mas muitas vezes por suas qualidades formais. A horizontalidade que definiria esse tipo de arquitetura remete o autor dessa categoria à qualidade topográfica do projeto. Enquanto, para Frampton, megaforma se referiria a uma ênfase à organização geral da forma e do espaço em suas qualidades intrínsecas – em oposição à expressão da estrutura – apesar de ter características da megaestrutura, a megaforma não tem como principal valor o fato de ser uma intervenção em grande escala. O que seria definitivo para o caso da megaforma é o “caráter topográfico e horizontal” de sua organização programática e sua forma de criar o espaço. “Cunhei o termo Megaforma no intuito de me referir ao potencial dado pela forma de certos tipos de construção horizontal urbana, capazes de efetivar algum tipo de transformação topográfica na paisagem metropolitana” 47 Os projetos a que Frampton se refere são pontuais, localizados, “cidades em miniatura” segundo ele, que, como os de 46  FRAMPTON, Kenneth. Megaform as urban landscape. In. ALLEN, Stan. And McQUADE, Marc. orgs. Landform Building: Architectures new terrain. Princeton University School of Architecture. Lars Müller Publishers. 2008. (p.238-249) 47  ibid.


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Proposta para conjunto L’Illa, Barcelona, 1992 (imagem retirada de GRC Photo)


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Baker’s Dormitory, Cambridge, Alvar Aalto, 1944 (imagem retirada de FRAMPTON, K. Megaform) à direita (foto Hassan Bagheri) abaixo Projeto para Tel Aviv, Jaap Bakema, 1963 (imagem retirada de FRAMPTON, K)


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Ungers, não representam uma intervenção no tecido urbano em escala que vá além do edifício ou conjunto. Ele se apropria de um conceito de acumpultura urbana para exemplificar a função de catalisador que teriam esses projetos. A categoria cunhada por Frampton parece ser fundamental a este trabalho pelo movimento constante do autor entre conceitos como paisagem, topografia, geografia, e a configuração estética dos edifícios. A megaforma é, antes de tudo, uma qualificação estética ligada à implantação dos projetos na cidade. A transposição desses conceitos, mais amplos e abstratos, à leitura direta de formas construtivas ou características morfológicas parece ser uma componente fundamental para a construção de discursos na arquitetura. O crítico usa como exemplo emblemático de megaforma o projeto de Manuel de Solà-Morales e Rafael Moneo para o conjunto L’Illa em Barcelona, tanto em suas comunicações para o seminário de Princeton de Stan Allen, no artigo Megaform as urban landscape, ou em seu livro Modern Architecture: A critical History. Trata-se de um complexo de 800 metros de comprimento que abriga hotel, escritórios e um shopping center, que se diferenciaria das tipologias comuns ao programa shopping pela forma como as lojas se voltam para a rua e dialogam com o comércio do entorno. Em meio à estrutura do Eixample de Cerdá em Barcelona, o corpo horizontal do edifício se destaca como marco na paisagem.48 A megaforma de Frampton algumas vezes parece funcionar como uma parcela de megaestrutura, ou seu encolhimento inserido de uma forma diferente – não mais como totalidade, mas como elemento interno à malha urbana. Um exemplo é o edifício de Alvar Aalto para Cambridge, Baker Dormitory, 1944, que é comentado pelo autor lado a lado à referencia ao Plan Obus de Corbusier (1930) e ao projeto de Bakema para Tel Aviv (1963). É interessante que apenas o primeiro tenha sido construído, e se configure praticamente como um trecho daqueles edifícios de longa extensão, criando relações que remetem à paisagem natural em espaços abertos por sua sinuosidade. O uso do espaço 48  FRAMPTON, Kenneth. Modern Architecture. A critical history. “Architecture in the Age of Globalization: topography, morphology, sustainability, materiality, habitat and civic form 1975-2007”


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criado é, no entanto, nada correspondente à criação de qualquer territorialidade, uma vez que define ali áreas livres de canteirojardim sem apropriação humana (na área externa, para além do pequeno volume cúbico da cafeteria ali disposto). Para Frampton, a escadaria delineada na fachada do edifício possui claro “impulso topográfico”, análise que transpõe minuciosamente as expectativas mais amplas de conceitos geográficos à leitura formal do projeto. Por mais que a tectônica desses desníveis, ou a sinuosidade do corpo único do conjunto, indiquem certa constituição de uma paisagem local dinâmica – como se estivesse se adequando a alguma situação geográfica para além do plano – o contexto de inserção parece inviabilizar de início qualquer territorialização desse entorno sinuoso que vá além de estacionamentos e canteiros arborizados. Resumindo, o edifício parece se constituir muito mais como objeto do que os planos de Le Corbusier, que devem sua forma sinuosa a um diálogo com a geografia real, diferente de uma geografia como conceito que justificaria algumas associações. Embora o termo território não apareça com tanta frequência, ele está sempre vinculado, aqui, aos elementos citados: topografia, geologia, geografia, paisagem. Gregotti é retomado por Frampton para exemplificar uma abordagem “territorial” nos mesmos termos da megaforma, encarando território como domínio em ampla extensão desses elementos utilizados. “O conceito de Gregotti, criticamente estratégico, de uma territorialidade arquitetônica ligada à terra levou-o a propor megaformas panorâmicas e topográficas, começando pela proposta para a Universidade de Florença em 1971.” 49

Frampton ainda usa o termo megaforma territorial para classificar outros projetos, como intervenções em espaços livres. É curioso como, por outro lado, reúne projetos vindos de tradições discursivas completamente diversas em um mesmo tipo de análise da megaforma: o projeto para as Olimpíadas de Paris, de Paulo Mendes da Rocha (2008) é colocado lado a lado com o projeto do Terminal de Yokohama do escritório Foreign Office Architects 49  ibid.


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(1995-2002), de Alejandro Zaera Polo.50 Uma tipologia de megaforma, ainda segundo Frampton, é a desenvolvida por Steven Holl, entre grandes edifícios na paisagem norte americana e enclaves urbanos no Japão ou nas cidades chinesas. O próprio arquiteto teria dado o nome de arranha-céu horizontal ao Venke Center em Shenzhen, que assume caráter de marco na paisagem urbana por sua escala extensa, seu programa híbrido e concentrado, seus desníveis e a forma ondulada do térreo abrigando um parque. A megaforma, aqui, toma dimensões de um monumento, no entanto sua configuração espalhada permite que seja apreendida como espaço cívico genérico e receptivo ao longo do espaço urbano.51 Para Frampton, esse tipo de projeto é fundamental na retomada do espaço urbano dominado pela automobilização e pela ameaça de espaços públicos. Os conjuntos desse porte e dessa permeabilidade teriam um papel de suportar espaços de convivência compartilhados e indeterminados. Tais qualidades não parecem, no entanto, depender tanto da arquitetura quanto da política em suas mais variadas escalas. É interessante, assim mesmo, que o crítico reitere a necessidade de espaços a serem apropriados livremente52, colocando isso em relação dialética 50  Nesse caso, coincidentemente, um único parágrafo reuniu esses dois exemplos que, como discurso, se apoiam em concepções de território exatamente opostas; “construção do território” e “arquitetura desterritorializada” convivem dentro da categoria cunhada pro Frampton. É verdade que o projeto de Zaera Polo, no caso, encaminha as leituras dos conceitos de Deleuze para uma abordagem “topológica” na qual edifício e paisagem se misturam, assim como diversos exemplos que Frampton buscará principalmente quando em diálogo com Stan Allen e Hashim Sarkis. 51  FRAMPTON, Kenneth. Megaform as urban landscape. In. ALLEN, Stan. And McQUADE, Marc. orgs. Landform Building: Architectures new terrain. Princiton University School of Architecture. Lars Müller Publishers. 2008. (p.238-249) 52  Frampton ressalta que a Megaforma deveria favorecer sempre programaticamente o espaço de “aparecer público”, conceito de Hannah Arendt. É interessante que o autor use o mesmo conceito - em seu texto “Architecture in the Age of Globalization: topography, morphology, sustainability, materiality, habitat and civic form 1975-2007” em FRAMPTON, Kenneth. Modern Architecture. A critical history. - e o descreva: “The only indispensable material factor in the generation of power is the living together of people. Only when men live so close together that the potentialities for action are always present can power remain with them, and the foundation of cities, which as city-states have remained paradigmatic for all Western political organization, is therefore indeed the most important material prerequisite for power.” Frampton cita o trecho de A condição Humana, da filósofa, para descrever a importância que vê na ideia de aparecer público para a arquitetura:


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com os volumes de peso quase sempre ordenador que descreve. Edifícios desse porte e com essas características parecem suprir um caráter de referência identitária e morfológica na cidade, ao passo que a horizontalidade representaria acessibilidade e permeabilidade dentro do tecido urbano. Todas as implicações práticas, no entanto, são sintetizadas em forma estética: o regime de desejos que aponta para espaços de convívio permeáveis e simbólicos parece estar sendo perseguido na definição de tais prerrogativas formais. Há uma constante mistura entre conceitos mais amplos, desejo político, programa, uso, e forma arquitetônica. Em debate com Hashim Sarkis e Stan Allen53, os três parecem compartilhar de uma agenda de integração entre edifício e paisagem, apontando, no entando, para objetos diferentes. As referencias citadas estendem-se de projetos como o Plan Obus54 ao edifício da FAUUSP de Villanova Artigas, até exemplos de arquitetura paramétrica. . Landform, paisagem e topografia

Mencionado por Frampton na exemplificação da megaforma, o Olympic Sculpture Park, em Seattle, 2007, projetado por Weiss/Manfredi, é comentado diversas vezes na discussão sobre a relação entre arquitetura e construção da paisagem, como exemplo de Landform Building. O parque de esculturas é, de fato, uma operação entre edificação e construção de uma topografia, envolvendo áreas livres, ruas internas e externas, programas fechados e passagens de infraestrutura. Todo o programa é disposto em um declive que constitui taludes de áreas livres. Parece ser um exemplo de projeto que não se impõe esteticamente “With these words Arendt characterized not only the latent political and cultural potential of civic form, but also the space of assembly whererver this may still be found whithin public institutions in general.” 53  Debate que fez parte da conferência Landform building: Architectures new terrains organizado na Universidade de Princeton por Stan Allen. In. ALLEN, Stan. And McQUADE, Marc. orgs. Landform Building: Architectures new terrain. Princiton University School of Architecture. Lars Müller Publishers. 2008. 54  Ibidem. O Plan Obus representaria o momento em que a megaforma deixa de ser um marco horizontal na paisagem urbana, para se tornar a própria paisagem: landform.


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Olympic Sculpture Park, Weiss/Manfredi, 2007 (imagens retiradas do site do escrit贸rio Weiss/Manfredi)


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Olympic Sculpture Park, Weiss/Manfredi, 2007 (desenho retirado do site do escrit贸rio Weiss/Manfredi)


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como elemento ordenador, mas se adequa à situação dada e conjuga os programas necessários mesmo assim. A passagem de uma linha de trem em seu interior e uma via expressa por baixo do edifício, poderiam lembrar elementos de megaestruturas, no entanto a solução se define de forma completamente diferente. Apesar de espaços articulados de uma forma fluida, as áreas livres com gramados parecem restringir poucas opções de caminhos ao pedestre entre um nível e outro ou a grandes reuniões, como o uso de praça, deixando muitos espaços de talude de certa forma residuais. A mistura entre edifício e áreas livres, volume construído e topografia, parece definir formas recorrentes a esse tipo de projeto. Stan Allen, ao descrever o landform building, afirma que este tipo de projeto guarda diversos pontos em comum com o landscape urbanism, disciplina mais tradicional segundo o arquiteto. Um desses pontos seria a “aspiração territorial” típica desses projetos55. Como ‘aspiração’ talvez possamos entender uma imagem e um parâmetro estético perseguidos. O território como concepção ampla voltada a determinado tipo de espaço físico e determinado tipo de domínio político, é visado como imagem em projetos de diferentes escalas. Ao mesmo tempo, esta aspiração trata, de fato, do desejo de trabalhar em um desenho de grande escala. Outra questão levantada pelo arquiteto, na descrição de tais projetos entre edificação e áreas livres, é a de espaços de indeterminação programática – indeterminação dirigida, segundo ele.56 O desejo de trabalhar em grande escala, formalizado em projetos de escala menor, parece perpetuar determinadas soluções, como o próprio caráter horizontal dos edifícios descritos por Framtpon, a exemplo também da relação guardada entre projetos high-tech dos anos 1980 e os projetos mais utópicos de megaestruturas da década anterior57: persistem elementos da 55  Ibid. 56  Que propicie a mudança do uso do espaço no tempo, como sugerida por Framtpon citando o sentido arendtiano de aparecer público. 57  Sobre a relação do Centro Pompidou em Paris e as megaestruturas, ver FRAMPTON, Kenneth. Modern Architecture. A critical history. Place, production and scenography: international theory and practice since 1962. Thames & Hudson. London. Além de BANHAM, Reyner. Megastructure. Urban futures of the recent past. Thames and


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configuração estética mais ampla desejada. Por outro lado, ainda, essa busca de elementos de um contexto mais amplo ou de grande escala parece resultar, muitas vezes, em associações diretas à forma da paisagem natural, à forma geológica e à topologia. Os projetos orbitariam entre integração à paisagem, representação da paisagem e construção de uma nova paisagem, sendo esta última muito associada à categorização de Frampton desenvolvida há pouco. Os conjuntos que se inserem na malha urbana, megaforma criando novas topografias, fazem espaços internos funcionarem como externos, funcionam entre inserção e forma de topografias construídas. Haveria, segundo Hashim Sarkis, uma forma panorâmica constituída na megaforma, interna e externa, que estabelece ordem pontual na paisagem caótica e densa das cidades. O desejo estético impresso nos edifícios, rumo a uma aspiração de grande escala, mostra-se em alguns casos como um desejo ordenador. As constantes referencias à construção de uma nova topografia parecem estar sempre imbuídas disso, mesmo quando focadas em apenas um trecho de cidade. A integração à topografia promovida pelo projeto de Weiss/Manfredi coloca em jogo uma forma aparentemente menos ordenadora, que pode ou não corresponder a um contexto prático que reafirme tal condição58. O parâmetro de constituição de relações de referência na cidade, ao menos, parece estar sendo posto em questão. Algumas formas de integração à paisagem, no entanto, parecem preconizar formas de representação mimética ou recursos quase literais de representação do discurso. Projetos como o Venke Center, de Steven Holl, o Pavilhão de Osaka, de Paulo Mendes da Rocha, e o Contemporary Music Center em Taichung, de Stan Allen, fazem uso de um elemento em comum, que é a elevação de pequenos morros de terra substituindo apoios do edifício e representam um encontro do volume construído com aquilo que seria o volume natural da topografia. Mesmo Hudson. London. 58  Assunto que aparecerá mais adiante na discussão a respeito do Liso e do Estriado, de Deleuze e Guattari, apropriados pela arquitetura e a confusão entre aparência ordenadora e contexto ordenador: “um espaço liso fortemente dirigido poderá ser confundido com um espaço estriado” ideia presente no livro Mil Platôs.


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aparecendo de maneiras diferentes em cada projeto, essas elevações do chão parecem ter função tipicamente representativa de um desejo de integração com a paisagem, e entre técnica e natureza. No caso de Paulo Mendes da Rocha fica claro como essa relação entre volumes pode ser associada a uma “aspiração territorial” em algumas leituras, para usar as palavras de Stan Allen. Essa aspiração estética que aponta para um desejo de abordar a grande escala é defendida também por Sarkis: “Trata-se também de construir uma nova geografia. Trabalhando a relação entre ecologia e arquitetura, nos esforçávamos para aquilo que é o menos prejudicial do menos transformativo. Hoje estamos começando a perceber que nossa responsabilidade é também de dar nova forma às coisas de modo impactante em uma escala maior. No campo da estética, o movimento no sentido da geografia ou da geologia é uma extensão dessa discussão. Não podemos mais simplesmente sentar e não fazer mal algum; temos que positivamente transformar o território na larga escala.”59

Allen e Frampton chegam a discutir a respeito das associações deste desejo estético às formas geológicas com as ideias de superfícies onduladas como imitação do solo, ou de estruturas cristalinas, de afloramentos topográficos, etc. Há uma escolha metafórica60 que, neste caso, é a forma geológica remetendo à ideia de paisagem e de grande escala (muitas vezes designada como territorial). Frampton lembra, entretanto, que esse tipo de fixação costuma desenrolar-se numa abordagem escultural da arquitetura, como nas obras de Ghery. Este debate explicita um desenvolvimento interessante das associações feitas por cada debatedor entre estética e discurso. A partir de premissas muito 59  ALLEN, Stan. And McQUADE, Marc. orgs. Landform Building: Architectures new terrain. Princiton University School of Architecture. Lars Müller Publishers. 2009. 60  Ibid. Allen coloca a questão de escolha metafórica, entre biologia e geologia, tendo em vista uma série de projetos contemporâneos que tomam como referência estruturas da biologia. Um exemplo seria o escritório FOA de Alejandro Zaera Polo.


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Venke Center, Shenzen, Steven Holl, 2009 (retirada do site de Steven Holl) Pavilhão de Osaka, Paulo Mendes da Rocha, 1969 (retirada da dissetação de mestrado de Juliana Braga) Contemporary Music Center, Taichung, Stan Allen, 2004 (retirada de ALLEN, S. Landform building)


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próximas, Frampton tem em vista uma implantação, uma forma horizontal, enquanto Allen remete a estas estruturas cristalinas, e assim por diante, ficando clara a busca por referências de formalização dos edifícios em algo externo à própria arquitetura. . Mimese, entre natureza e diagrama

“Tratar do caráter geográfico, ainda assim, não significa somente uma mudança de escala. Isso também vem a afetar o repertório formal da arquitetura, mesmo em uma escala menor, com mais arquitetos se interessando por formas que refletem a conexão geográfica da arquitetura por sua habilidade de fazer pontes entre o muito amplo e o muito circunscrito (redes ou enquadramentos), ou por formas que incorporam referências geográficas (superfícies contínuas, por exemplo, ou edifícios integrados ambientalmente).61 Hashim Sarkis, ainda em debate com Frampton e Stan Allen, esboça um encaminhamento estético para a arquitetura que se relaciona com a geografia. As formas arquitetônicas devem incorporar as referências geográficas. Coloca-se uma relação fortemente representacional nessa abordagem. Hashim coloca, em seguida, a importância da silhueta, como conexão entre o geológico, a megaforma, e o urbano. Dizendo que apesar de serem objetos, aspiram estar na paisagem, mais que na cidade. Enquanto a megaforma está inscrita no chão, sua silhueta está inscrita no céu. Para ele, apenas recentemente a arquitetura contemporânea passou de uma lógica de contorno para dar atenção à silhueta (como apontam exemplos que serão tratados a seguir). Ao final do debate, Allen sugere que estamos apontando para uma nova forma de legibilidade, para além da semiótica dos anos 60 e 70 e da forma escultural, retomando o valor de operações fundamentais da arquitetura de “marcar o território” no solo e silhuetas no céu.62 Em relação ao “marcar território” afirmado por Stan Allen, vale lembrar como há uma 61  Ibid. 62  Ibid.


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ideia de domínio implicada nessa concepção. O arquiteto parece se remeter mais ao âmbito simbólico, ao desejo de representar algo e dar sentido a determinado lugar; a aspiração territorial não deixa, no entanto, de transparecer em certas expressões o sentido político que pode carregar. A forma arquitetônica que incorpora referências geográficas e trabalha por representação vai dos exemplos menos literais, como os descritos há pouco, àqueles que se autointitulam segundo elementos da natureza. Desde uma referência sutil a elementos como a água, por Ryue Nishizawa, criando uma estrutura de casca que, para além de representar algo externo à arquitetura, cria um interessante dispositivo espacial e uma situação de profundo diálogo com a paisagem natural; até uma referência no limite do kitsch, como a feita por Bjarke Ingels (BIG) no projeto de conjunto residencial The Mountain. O kitsch presente em um projeto como o de BIG para a cidade de Copenhagen não é difícil de identificar nem mesmo um exagero de classificação, uma vez que a referencia ao nome do projeto é feita duas vezes no edifício construído: uma pelo próprio volume “montanhoso” criado pela sobreposição de andares de casas e quintais em rampa, e outra por um painel que envolve as laterais do edifício com a fotografia de uma cadeia montanhosa feita em chapas metálicas. O volume em declive propicia a situação de pequenas casas com quintais, sem que a verticalização implique na condição de apartamentos como é comum. No entanto, o número de apartamentos é certamente pequeno tendo em vista a projeção ocupada no chão por este conjunto. O espaço que sobra abaixo do volume residencial inclinado recebe programas secundários. A questão que se coloca é como uma referencia à natureza, dessa forma, parece buscar legitimidade em alguma relação estabelecida com a paisagem – qualquer que ela seja – pois a inserção do edifício parece quase descabida para o contexto urbano periférico em que se coloca. A criação dessa pequena montanha não deixa de se apoiar em fortes traços de ironia quando notamos os limites do empreendimento com relação às ruas de seu entorno. Aqui, de fato, a função de objeto se sobrepõe à aspiração territorial da


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silhueta que desenha no céu; para usar mais uma vez os termos de Stan Allen. Se há algo que parece escancarar o descolamento entre processo de projeto, discursivo e realidade construída, são os diagramas de explicação. Fica clara uma pequena série de procedimentos de desenho voltados à natureza representativa da arquitetura. O edifício entendido como um diagrama que gera uma imagem final a ser apreendida como um elemento de marketing (urbano, no caso) não foi pensado a partir das disposições espaciais que poderia criar – a montanha é uma marca, e não um elemento de constituição de espaço. O livro que reúne resultados da conferência Landform Building, organizada por Allen na Universidade de Princeton, reúne ao final alguns esquemas diagramáticos que buscam categorizar a gama de projetos em debate segundo operações compositivas da forma e suas relações com formas da natureza. Esta série de diagramas é uma construção de discurso explicativo, analítico, que, de todo modo, passa pela mimese e pelo caráter representacional como traços definidores da arquitetura contemporânea. Como se esses traço formais ligassem a arquitetura às suas aspirações de intervenção em grande escala. A intervenção da arquitetura na vida social, de certa forma, não se daria apenas no âmbito prático, mas também seria representada por meio dessas formas. A questão que se coloca aqui é de uma oposição entre entendimentos do papel da forma enquanto representação ou enquanto estrutura de racionalidade intrínseca aos objetos. Todo o discurso crítico em torno de projetos com forma geológica, por exemplo, parece estar pautado na relação que a arquitetura em menor escala pode traçar com a paisagem em escala maior, a partir de elementos de referência e citação, ao invés de relações estruturais de constituição da forma a partir de elementos da própria arquitetura. Ao modo adorniano, a questão colocada está entre uma relação paródica com as referencias externas de um lado, e a busca de reestruturação de formas de racionalidade de outro63. A forma estética se coloca como central nas rupturas 63  ADORNO, Theodor. Filosofia da nova música. Perspectiva. São Paulo. 2002. Pode-se pensar na oposição Stravinsky e Schoenberg feita pelo filósofo.


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páginas anteriores: Museu de Arte de Teshima, Ryue Nishizawa, 2009 (fotografia de Iwan Baan) à esquerda Planta de situação do museu (retirada do site de Ryue Nishizawa) à esquerda Conjunto residencial The Mountain, Bjarke Ingels (BIG), 2008 (fotografias retiradas do site do escritório de Bjarke Ingels)


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possíveis com estruturas enraizadas de racionalidade, de formas de circulação do desejo e modos de subjetivação. 64 A exploração de disposições espaciais65 é inerente à arquitetura e, nesse sentido, elemento fundamental das reconstituições possíveis no campo da estética – as experiências de maior experimentação formal, assim, podem ser igualmente experimentais no espaço constituído66. Por mais exagerado que possa ser o exemplo de Bjarke Ingels, nesse caso, ele parece tornar possível uma reflexão em torno do papel da forma entre representação, ícone67, paisagem, objeto e espaço. A representação pode não ser simplesmente a de algo externo à arquitetura, mas uma representação icônica de certo discurso. Uma determinada forma pode criar relações com um desejo discursivo ou funcional – seja pela explicação dos arquitetos ou pela leitura analítica da historiografia – e ficar anexada a ele. Toda vez que for reproduzida, é como se estivesse ali implicado aquele discurso, aquela função, aquele resultado. Na verdade, aquela seria uma solução formal e espacial, que nem sempre geraria os mesmo resultados, e nem sempre faria sentido dentro da articulação daqueles argumentos do discurso. Tratando de território, um conceito múltiplo, essa situação parece ser ainda mais delicada. Um desenho de edifício que representa um “novo território” em certa situação, pode representar uma desterritorialização massiva em outras. A fixação retórica a 64  Na presente análise, não se exclui a leitura adorniana de estética e aquilo que aparece em Foucault e Deleuze como formas de desejos em circulação e formas de subjetivação. 65  BUCCI, Angelo. São Paulo, razões da arquitetura. (o autor explora, aqui, as operações de constituição da arquitetura principalmente como elementos de criação de disposições espaciais) 66  Levando em conta as abordagens da fenomenologia na construção do espaço, como em Merleau Ponty, trata-se também desse campo da estética. Luis Munari em artigo sobre Peter Eisenamn na Revista da Pós, FAUUSP, busca fazer a relação entre o projeto do arquiteto de autonomia da forma e sua possível decorrência em um debate com a fenomenologia. MUNARI, Luiz Américo de Souza. E IZAR, Gabriela. Diagrama, Arquitetura e Autonomia. Revista da Pós. V.20. N.33 Junho 2013. FAUUSP. 67  Between Geology and Politics. A debate with Iñaki Ábalos, Stan Allen, Michael Maltzan, Vicente Guallart, Jesse Reiser, Nanako Umemoto, Nader Tehrani, Marion Weiss, Michael Manfredi, Sarah Whiting, Moderated by Mirko Zardini. In. ALLEN, Stan. And McQUADE, Marc. orgs. Landform Building: Architectures new terrain. Princiton University School of Architecture. Lars Müller Publishers. 2009.


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um desenho parece guardar sempre consigo esses perigos. 68 O diagrama de BIG parece buscar uma forma final que tem “impregnação”, como uma logomarca. Essa função do diagrama ou do desenho é exatamente aquela que pode ser facilmente associada a um discurso que sustente sua reprodução. Bjarke Ingels representa uma decorrência da reprodução do pensamento diagramático descolada de seus motivos iniciais. A função desse tipo de instrumento, desde os anos 1960, esteve quase sempre vinculada a métodos de experimentação com a forma em sua autonomia.69

68  Ver AURELLI, Pier Vittorio. After Diagrams. Log. No.6. Fall 2005. (pp 5-9) Parece haver também, até certo ponto, uma relação disso com a crítica desenvolvida por Sérgio Ferro ao desenho como instrumento descolado da realidade produtiva. 69  MUNARI, Luiz Américo de Souza. E IZAR, Gabriela. Diagrama, Arquitetura e Autonomia. Revista da Pós. V.20. N.33 Junho 2013. FAUUSP. “Enquanto no diagrama representacional, um sistema de códigos pré-definidos possibilita a tradução de elementos/fenômenos em signos e estruturas, a ideia de diagrama generativo sugere a emergência de morfologias que excedem a mera combinação de códigos, originadas por meio de um universo de procedimentos empregados na manipulação das estruturas espaciais e por disposições arbitrarias e/ou aleatórias.” p.170


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Diagramas ilustrativos presentes no livro organizado por Stan Allen (Landform Building). Aqui, o diagrama serve como forma de categorização pela historiografia crítica da arquitetura contempânea ao abordar os tipos presentes na gama de projetos reunidos nos debates organizados pelo evento, no caso. À direita, diagramas do escritório FOA, de Alejandro Zaera Polo, que será tratado mais a frente. Se organiza uma mostra dos projetos do escritório nessa categorização tipológica a partir de diagramas. Trata-se, também de um uso ilustrativo, mostrando as linhas estruturais básicas da forma de cada projeto.(retirada do livro Phylogenesis: foa’s ark)


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Diagramas de Peter Eisenman para o projeto da House IV, 1975. Processo generativo da forma como experimentação a partir do diagrama. (retirado de HAYS, M. Architecture’s Desire)


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Desterritorialização . Eisenman, autonomia, deslegitimação e desterritorialização

O conceito de desterritorialização aparece frequentemente na arquitetura após os anos de 1960, principalmente por sua importância na obra dos filósofos Deleuze e Guattari. A dupla seria tida como referência, junto a Jacques Derrida, da filosofia pós-estruturalista que despontava principalmente no ambiente de 1968 como alternativa às narrativas da modernidade até então consagradas.70 O uso do termo estaria, na maioria das vezes, relacionado a ideias de descolamento e desconstrução; por isso mesmo, em grande parte, associado à arquitetura deconstrutivista. Na arquitetura, seu uso estará muito próximo da avaliação feita no primeiro capítulo deste trabalho para sua relação com a ideia de pós-modernidade. Uma experiência de desenvolvimento teórico para a arquitetura que parece fugir das categorizações mais frequentes que o termo desterritorialização sugere, é a obra de Peter Eisenman. O arquiteto parece de fato dar desenvolvimento à teoria de Deleuze e Guattari e seus conceitos, fazendo deles um uso operativo que desemboca em uma experiência estética. Os resultados podem servir a uma interessante reflexão a respeito de, até que ponto, ocorre uma transposição dos conceitos para uma estetização destes, ou tentativa de representa-los de maneira concreta; ou, até que ponto há um domínio prático em relação a tais conceitos abstratos. Parece ser fato que Eisenman possui um forte traço modernista71 em sua experiência estética, considerando que tem a autonomia da arquitetura como projeto central. O uso do pós-estruturalismo acompanha e se encaixa perfeitamente com os ideais de ruptura e desconstrução de uma estrutura de racionalidade dada – ideia presente na concepção de autonomia 70  Ibid. 71  Supercritical. Architecture Words I. Peter Eisenman & Rem Koolhaas. Edited by Brett Steele. AA Publications. 2010.


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das artes. Assim, a desterritorialização, aparece em seu sentido pleno de linhas de fuga72, como definido por Deleuze e Guattari, e se articula diretamente com uma ideia de deslegitimação dos signos presente tanto na ideia de maquínico desenvolvida pela dupla e por Jacques Derrida, quanto – de outro lado da filosofia do século XX, a princípio - em Adorno73, como já desenvolvido no capítulo anterior. Peter Eisenman parece ter no centro de sua atividade projetual a compreensão de que o objeto base a ser trabalhado por uma abordagem realmente política são as formas de circulação do desejo74. Assim também se desenvolve o trabalho de Bernard Tschumi, como veremos. Eisenman é talvez o arquiteto que mais desenvolveu a ideia de autonomia na disciplina da arquitetura, principalmente no que toca à autonomia da forma e do processo de projeto que a gera. A possibilidade de uma crítica imanente, interna ao objeto arquitetônico, é para Eisenman até mesmo maior na arquitetura do que nas outras artes, devido à carga de seus símbolos75; diferente das ideias mais frequentes sobre autonomia da arte tendo em vista a ideia de abstração que há por trás disso - que tendem para as formas de expressão que por natureza carregam menos símbolos, como a música ou a pintura abstrata. A ideia de autonomia aqui também envolve o sentido da abstração, no entanto opera em uma disciplina calcada fortemente em elementos simbólicos internos. Os símbolos da arquitetura não se referem a algo externo: um pilar representa 72  Ver capítulo 1 deste trabalho. 73  Para a colocação lado a lado, e possíveis convergências, das concepções estéticas de Adorno e Derrida, ver Christopher Menke, The Sovereignity of Art: Aesthetic Negativity in Adorno and Derrida. The MIT Press. 1998. 74  “The possibility of an excess in the object, one that requires a radical change in the existing modes of production and consumption, becomes a political act. To produce a condition of spacing, of interstitiality, of something which cannot be consumed because it is no longer legitimated by utility and significance, is not merely an aesthetic argument, it is a political argument; it is speaking of a different kind of excess. The processes which produce difference can be seen to be resistant to the existing spaces of power.” EISENMAN, Peter. Notes on Zaera-Polo’s Idea of machinic. Processes of the interstitial. (p.71) 75  EISENMAN, Peter. Autonomy and the will to the critical. Processes of the interstitial.


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um pilar, e simboliza sua função estrutural, além de desempenhála simplesmente. O fato dessa carga simbólica dos elementos que constituem a arquitetura – carga que se solidifica com o andar da história – constituir espaço, confere à disciplina uma condição heterônoma também permanente.76 As formas que constroem objetos arquitetônicos são, portanto, definidas e limitadas por elementos que simbolizam disposições estruturais e espaciais; a partir de condições imanentes à arquitetura, a arquitetura se limita e cria suas figuras de linguagem internas.77 Eisenamn vê nessa condição o espaço para uma atividade crítica. Nesse sentido, seu projeto crítico é muito próximo do projeto moderno de autonomia de Theodor Adorno para a música, que supõe a necessidade de superação do sistema tonal como estrutura de organização da forma, por exemplo78. Eisenman busca a desmotivação dos signos em relação a seus valores prévios na arquitetura. Sua busca é a de possibilidades de reestruturação da racionalidade que constrói o objeto artístico, no caso a arquitetura – e consequentemente uma proposta de novas formas de subjetivação através dos modos de expressão gerados nesse processo. Eisenman, no entanto, o faz pela via do pósestruturalismo, pelos paralelos com a linguagem e a semiótica.79 Para Eisenman, a abstração tornou-se também uma figura de linguagem não resistente, um recurso estético já com significado adquirido, com a disseminação da arquitetura moderna. No início do modernismo a abstração era a forma de autonomia que se despia dos ornamentos e das figurações na arquitetura; ela vira, no entanto, uma outra forma de figuração na medida em que suas soluções e seus elementos tornam-se signos com uma carga já referenciada historicamente.80 Eisenman cita Rosalind Krauss: “para preservar a singularidade dos objetos, devemos destituí-los de seus modos prévios 76  Ibid. 77  Ibidem. e MUNARI, Luiz Américo de Souza. E IZAR, Gabriela. Diagrama, Arquitetura e Autonomia. Revista da Pós. V.20. N.33 Junho 2013. FAUUSP. 78  ADORNO, Theodor. Filosofia da nova música. Perspectiva. São Paulo. 2002. 79  MUNARI, Luiz Américo de Souza. E IZAR, Gabriela. Diagrama, Arquitetura e Autonomia. Revista da Pós. V.20. N.33 Junho 2013. FAUUSP. 80  EISENMAN, Peter. Autonomy and the will to the critical. Processes of the interstitial.


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de legitimação”81, e coloca-se como separado dos projetos de autonomia contemporâneos a ele nos anos 1960: autonomia da história (de Rossi e Tafuri) e a autonomia da linguagem e suas estruturas pela semiótica, dos estruturalistas. Para ele, ambos positivam uma autonomia não formal. A partir disso sugere uma atividade crítica que coloque em performance a autonomia da arquitetura, por meio de uma série de processos diagramáticos e formais – o processo é central para sua ideia de possibilidade crítica – que chama de dinâmicos processos de diferença.82 Eisenman ressalta que um projeto de autonomia deve saber como demonstrar de onde se abstrai, diferente de fazer o uso da abstração como recurso e figura final. “A atividade crítica determina como processos disciplinares, tais como abstração e figuração, se desenrolam ou se mostram”83. O ponto de vista crítico é generativo ao invés de meramente reativo ou resistente. A desmotivação do signo, defendida pelo arquiteto, trata de deslocar o motivo, o significado adquirido, a legitimidade. Trata-se de modos de deslegitimar os elementos que constroem o objeto, e a partir de um processo generativo e de repetição, abrir o discurso arquitetônico. Em resposta a ensaio de Alejandro Zaera Polo sobre a obra de Eisenamn e o conceito de maquínico de Deleuze e Guattari, o arquiteto escreve “Notes on Zaera Polo’s idea of machinic”. Ao desenvolver a ideia de maquínico em sua aquitetura, Eisenman usa definição dada por Felix Guattari no texto: “a essência da máquina, ou seja, a ideia de máquina no processo máquinico, não é mecânica; é ligada procedimentos que desterritorializam seus elementos, funções e relações de alteridade [otherness]” 84

81  Ibid. 82  Ibid. 83  Ibid. 84  GUATTARI, Felix. “On Machines” The Journal of Philosophy and Visual Arts, n.6 (1993) apud. EISENMAN, Peter. Notes on Zaera-Polo’s Idea of machinic. Processes of the interstitial.


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O arquiteto relaciona, então, imediatamente o termo desterritorializar à ideia de deslegitimar. Esta é a apropriação feita por Eisenman da ideia de desterritorialização para a arquitetura. A forma é legitimada por significações historicamente agregadas. O processo maquínico de Deleuze e Guattari fornece a Eisenman imagens e processos com os quais pode trabalhar a deslegitimação da forma calcada em significações já construídas e historicamente atribuídas a elementos da arquitetura. A desterritorialização, aqui, faz parte de um processo de autonomia da forma e da prática da arquitetura. “Se a forma segue a função, então a forma já tem significado, e quando a forma segue a função, ela já é subordinada às leis de semelhança e utilidade. Enquanto a forma é subordinada em ambos os contextos, ela sempre teve prioridade em detrimento do espaço. O que Deleuze e Guattai estão falando é que processos maquínicos não subordinam valores, mas são um tipo especial de produção. Corpos vivos e aparatos tecnológicos são maquínicos quando são um tornarse; orgânico ou mecânico quando funcionam em um estado de equilíbrio estável” 85 A partir dos processos diagramáticos de deformação, criam-se espaços intersticiais, excessos e uma nova espacialização, que não podem mais ser legitimados pela utilidade ou por seus significados prévios. Eisenman defende que este não é um argumento estético, mas sim político, uma diferente forma de excesso possível86. Deslegitimar, desterritorializar, são no caso o cerne da tarefa política pensada pelo arquiteto. A escolha feita, no entanto, não é pelo abandono de um sistema de formas e significados, mas por sua deformação como ferramenta: “A ideia aqui é, uma vez que sempre haverá um container que existe a priori com a função e o significado, 85  EISENMAN, Peter. Notes on Zaera-Polo’s Idea of machinic. Processes of the interstitial. 86  Ibid.


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de alguma forma cortar isto de seu corpo, mantendo necessariamente a função e algum significado.” 87 O arquiteto apresenta também o conceito de spacing, que se sobrepõe à ideia de forming. Esta última é aquilo que a arquitetura acaba por fazer baseada em elementos previamente significantes. O spacing busca a construção do espaço como categoria abstrata sem o recurso às figuras determinadas da arquitetura. Não há compreensão literal de espaço – a autonomia e a abstração continuam gerando espaços novos.88 Há necessariamente o momento de uma transposição da teoria do processo para o objeto final, como opção estética. O processo geracional dos diagramas topográficos, por exemplo, culmina em uma forma que é cristalizada em certo momento, para ser construída. Nesse momento, o processo é subvertido, e o diagrama deve buscar a transposição à realidade construída que possui leis típicas daquilo que com os diagramas se procura negar. De todo modo, é isto que Eisenman tem em vista: como fazer algo que ainda continua sendo arquitetura, deformando os signos que significam aquilo que de fato é necessário para constituir arquitetura. Essa ideia fica bem ilustrada com a frase usada há pouco sobre o container que é pressuposto ao pensar qualquer edifício; propõe-se cortar fora o container que existe a priori, e reter a função e um pouco do sentido.89 Há algumas ideias concretas que Eisenman busca nas reflexões filosóficas - partindo das ideias de autonomia e de desmotivação dos signos – que sedimentam processos e formas, rumo a uma estética que necessita se afirmar para que o arquiteto possa concluir projetos. Embora ele afirme que não deseja produzir uma nova figuração, o próprio processo geracional acaba sendo moldado por operações escolhidas já formulando certos aspectos formais possíveis para os edifícios que dessa ideia poderão resultar; blur, spacing, repetition, interstitial, deformation, diagram. 87  Ibid. 88  Ibid. 89  ibid.


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Esses termos usados por Eisenman são retirados da filosofia pós-estruturalista e aplicados ao processo da arquitetura. Nota-se que colaboram para a criação de uma imagem de edifícios possíveis, no entanto são conceitos que sugerem mais operações que propriamente formas. A ideia de “embaçar” (blur), se apoia na imagem inicial do edifício ou do referencial adotado para início do projeto, para gerar “deformações” a partir de um processo diagramático. Este processo de distorções, ligação de pontos, que busca “embaçar” a imagem pressuposta naquela função que está sendo trabalhada (container), gera, além de uma forma, espaços novos. Aí o arquiteto entra em defesa da possibilidade de novas qualidades espaciais de caráter “intersticial”, a favor de reestrturação da ideia de espaços possíveis; o foco seria no spacing em detrimento do forming, geralmente realizado pela arquitetura a partir de elementos pré-significantes.90 Em alguns casos, o container que servirá de base aos projetos, e às deformações e processos generativos, emerge da topografia existente ou de certas formas de arqueologia do sítio e do entorno. No projeto para Cannaregio em Veneza, 1978, toma-se como referencia a situação topográfica, o entorno, e a arqueologia voltada ao projeto não construído de Le Corbusier para aquele local91. No projeto para a Biblioteca de L’Huei, Genebra, 1997, pode-se notar a manipulação da topografia nos diagramas, e a construção de espaços intersticiais em modelos físicos do espaço interno. Tais termos, forming, spacing, entre outros, por mais processuais que sejam, sugerem formas. O mesmo que Eisenman diz a respeito da abstração para a arquitetura moderna, pode acontecer com uma arquitetura de processo geracional: tornar-se mais uma figura com significado contido, como repertório a ser acessado. Como anunciado por Deleuze e Guattari na definição de seus conceitos aqui apropriados: toda desterritorialização é acompanhada de uma reterritorialização. Há um fator a ser levantado frente à prática de Eisenman, 90  ibid. 91  HAYS, K. Michael. Architecture’s Desire: Reading the late avant-garde. The MIT Press. 2010. (p.51-89)


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Projeto para Biblioteca de L’huei, Genebra, 19 Diagrama do processo e foto de modelo físico (imagens retiradas de EISENMAN, P. Processess of the intersticial)


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Projeto para Caraneggio, Veneza, 1978 (retirado de HAYS, M. Architecture’s Desire) à direita e acima: Arnoff Center, Ohio, 1986 (foto - Flickr ‘jiattison’) à direita no meio e abaixo: Columbus Center, Ohio, 1988 (foto - Evan Chakroff)


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a respeito da concretização de seus projetos enquanto inserção na realidade. A preferencia do arquiteto pelo spacing, como processo que gera espaços novos, poderia desviar um pouco o foco da possível crítica de sua abstração como descolamento total do objeto final da arquitetura. Para ele, todo o processo geracional levará, de fato, a uma nova experiência espacial e, como já citado aqui, segundo o arquiteto, isso seria uma experiência política enquanto busca de novas formas de excesso e de espaço. No entanto, tendo em vista a inserção dos projetos, a maioria deles parece se resolver de forma conflitante; os problemas internos à forma arquitetônica geram espaços, mas no que diz respeito ao entorno do edifício, a forma como se relaciona com a cidade pode passar, por muitas vezes, desapercebida. Podemos tomar como exemplo o Columbus Convention Center, ou o Arnoff Center, enquanto projetos que quando concretizados, parecem recair em simples representações de uma vasta elaboração teórica feita pelo arquiteto; a tectônica da construção enfrentada por esses edifícios não deixa de denunciar que funcionam como representação de uma distorção de suas regras estruturais, para desmotivar de algum modo os símbolos que criam. . Tschumi, disjunções, sobreposições e transgressão

O entendimento das formas de circulação do desejo como questão central de uma abordagem política é um traço central também da obra de Bernard Tschumi. Se Eisenman possui uma proximidade, não só com Derrida, mas com problemas adornianos92, por sua exploração do tema da autonomia e da ruptura com o sistema de signos que define uma estrutura de racionalidade também constitutiva do desejo, Tschumi possui uma proximidade – mais assumida que a do outro – com Bataille.93 92  Como é possível defender, e como Michael Hays chega a fazer. 93  Não deixa de estar presente no pensamento de Tschumi a teoria estética de Adorno, como parte do debate naquele momento, por mais que a autonomia não seja sua questão central: “So architecture seems to survive only whenever it negates itself, whenever it saves its nature by negating the form society expects of it. I would therefor suggest that there has never been any reason to doubt the necessity of architecture, for the necessity of architecture is its non-necessity, It is useless bur radically so. Its radicalism continues its very strength in


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Um dos capítulos do livro Architecture and Disjunction, é dedicado ao tema da transgressão, central na obra do escritor junto ao tema do erotismo. A transgressão e o erotismo seriam modelos de oposição às formas de desejo veiculadas na sociedade do trabalho, da funcionalidade94. A partir daí, o pós-estruturalismo será fundamental ao arquiteto também como decorrência dessas ideias. Dentre as imagens constituídas de transgressão, Tschumi inicia sua descrição do projeto para o Parque de La Villette com a ideia de loucura como uma constante em seu raciocínio. De certa forma, o arquiteto explicita uma intenção de ilustrar características típicas do século XX como as disjunções, as dissociações de uso, forma e valores sociais, colocando-as a distância tanto do humanismo do século XVIII quanto dos modernismos do século XX.95 Tschumi explica que não há a intenção de cair em uma fascinação intelectual pela loucura, mas reconhecer um papel importante desta ao articular algo que é constantemente negado em função da preservação de uma frágil ordem cultural e social.96 Dentro da imagem de loucura, a esquizofrenia aparece como figura importante ao arquiteto, que recorre a Lacan em sua definição como algo que perturba completamente a relação entre sujeito e realidade extraindo disso, entretanto, um novo conteúdo. A partir dessas formulações, imagens típicas da arquitetura contemporânea vão surgindo no discurso de Tschumi: dispersão, despersonalização, desapropriação. Há certa analogia com a fragmentação da cidade contemporânea presente no desenrolar de seu trabalho. O arquiteto recorre a Paul Virilio para falar desse caráter desregulado, da ausência de fronteiras e referencias visuais a society where profit is prevalent.” (TSCHUMI, Architecture and Disjunction) Adorno se refere geralmente à arte dessa maneira, como já citado anteriormente, a seu caráter inumano para com o homem. Michael Hays classifica este mesmo trecho escrito pelo arquiteto como uma afirmação adorniada. Para além das referências diretas em outros momentos, esta afirmação de Tschumi continua carregada também do pensamento de Bataille, marcado pela ideia de dispêndio na negação da subjetividade constituída pelo modelo do trabalho. 94  BATAILLE, Georges. O Erotismo. Autêntica. São Paulo. 95  TSCHUMI, Bernard. Architecture disjunctions. The MIT Press. 1994. 96  Ibid. (p.175)


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– às quais ele sugere certa relação de substituição por referenciais de outras disciplinas, como faz com a teoria psicanalítica – e de uma possível perda das referências geográficas para pensar a cidade97. O pensamento de Virilio, nesse aspecto abordado pelo arquiteto, é marcado principalmente pelo conceito de desterritorialização e velocidade como traços contemporâneos98. Para o parque de La Villette há um raciocínio formal que pretende representar essas lógicas, até certo ponto. Pretende-se apreender fragmentos de realidades deslocadas, disponíveis e ligadas por uma estrutura comum, um grid de pontos de loucura individualizados (point de folie). Focos dispostos no espaço dissociado, atuam como denominador comum, constituindo-se como um sistema de relações entre objetos, eventos e pessoas.99 São construídas situações de transferência. Os pontos de folie são ao mesmo tempo objeto e lugar onde isso se dá. A disposição central nesse novo tipo de organização é a de uma nova forma de organização do espaço, que surja como alternativa à hierarquia das experiências modernistas: “O grid de pontos é uma ferramenta estratégica do projeto de La Villette. Ele ao mesmo tempo articula o espaço e o ativa. Enquanto nega todas as hierarquias e ‘composições’, desempenha um papel político, rejeitando o caráter ideológico a priori dos masterplans do passado. O parque urbano de La Villette oferece a possibilidade da reconstrução de um mundo dissociado a partir de um espaço intermediário – folies – no

97  idem. P. 216 98  VIRILIO, Paulo. Espaço critico. Editora 34. São Paulo. No primeiro capítulo do trabalho vimos como Rogério Haesbaert e Massimo Cacciari fazem referência frequentemente a Paul Virilio como teórico da velocidade, e aquele que falará em desterritorialização como questão do século XX. Uma ideia que aparece no capítulo Overexposed City (1984) deste livro, parece ser importante ao pensamento de Tschumi: “Architecture or postarchitecture? In the end, the debate surrounding the notion of modernity seems to belong to a phenomenon of “derealization” which at once affects means of expression, modes of representation and information.” Versão traduzida para o inglês em HAYS, Michael. Architecture Theory since 1968. The MIT Press. 99  TSCHUMI, Bernard. Architecture disjunctions. The MIT Press. 1994.(p.178)


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Parque de La Villette, Paris, 1985 (retirado de HAYS, M. Architecture’s Desire)


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Parque de La Villette, Paris, 1985 (retirado de HAYS, M. Architecture’s Desire)


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qual objetos de transferência podem se dar.” 100

Assim, o projeto é baseado em uma estrutura de sobreposições de diferentes topografias e sistemas. Os pontos de folie, edifícios pontuais, são dispostos em grid e sobrepostos aos outros sistemas, baseados em fluxos ou nas pré-existências. Quando um sistema se sobrepõe ao outro, o sujeito daquela ação se apaga. Tschumi trabalha exatamente na dicotomia entre ordem e outras formas de organização do espaço, como tratado no primeiro capítulo do trabalho. Coloca em questão as tradições de harmonia e composição como regras principais da arquitetura, buscando outras formas de criar relações e sistemas. Esse raciocínio não é exatamente como o de Eisenman, que se refere aos signos mais diretamente, mas também se refere a certo processo de ‘desfamiliarização’, e trata de um sistema de criação de relações e eventos no espaço. Para isso, as ferramentas são frequentemente as ideias de des-construção, dis-junção, explosão, superimposição, ou seja, processos muito familiares à ideia de desterritorialização. Para além da imagem de desterritorialização presente nesses conceitos e processos, a ideia de sobreposição de topografias interessa muito na comparação com outros discursos analisados aqui quanto à ordenação do espaço por meio da arquitetura: a criação de uma nova topografia, a geografia construída, o caráter topográfico de um edifício. Parece ser central a oposição desejada por Tschumi frente a uma forma de pensamento binário sobre o espaço, que define uma hierarquia única e direta; trata-se de mais uma oposição como as já comentadas no trabalho, como aquelas entre a esfera e o labirinto, o tijolo e o balão. “De todo modo, o Parque de La Villette tinha uma meta específica: mostrar que era possível construir uma complexa organização arquitetônica sem recair nas regras tradicionais de composição, hierarquia e ordem. O princípio de superposição de três sistemas autônomos de pontos, linhas e superfícies foi desenvolvido rejeitando a síntese totalizante de restrições 100  idem. (p.179)


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objetivas, evidente na maioria dos projetos de larga escala. De fato, se historicamente a arquitetura sempre foi definida como ‘síntese harmônica’ de custos, estrutura, e regras formais (venutas, firmitas, utilitas), o parque torna-se arquitetura contra si mesma: uma desintegração.”101 A arquitetura estaria constantemente sujeita a reinterpretações. O arquiteto, em suas referências a Virilio, lembra que para o escritor, apesar de o ambiente físico ainda existir, sua aparência de permanência é constantemente desafiada pela representação imaterial de sistemas abstratos, da televisão à “eletronic surveillance”, em diante102. Essa afirmação pode nos remeter ao pensamento sobre a tectônica na arquitetura, como seu oposto. Novamente, o tijolo e o balão. Para Tschumi, a crise das grandes narrativas modernas, e ele lembra Lyotard, seria na verdade a crise de qualquer narrativa; a crise dos limites103. O espaço fraturado tem a imagem de des-integração, para ele. “ Da sensibilidade desenvolvida durante séculos em torno da ‘aparência de imagem estável’ hoje escolhemos a sensibilidade da des-aparência104 de imagens instáveis (...)” 105 Tschumi cita Virilio, sobre a “abolição da permanência” e o “colapso da noção de distância como fator tempo” 106, – exatamente uma das explicações de desterritorialização pelo pósmodernismo, como estudado no início desse trabalho: “Primeiro a desregulação de linhas aéreas, então a desregulação de Wallstreet, e finalmente a desregulação das aparências: tudo pertence à mesma lógica inexorável”.107 Há de se questionar em que medida não se trata, aqui, de uma interpretação da estética – e da cultura - como simples consequência da infraestrutura material e produtiva da sociedade. 101  ibid. 102  Há certa proximidade aqui com ideias de Massimo Cacciari, no ensaio A cidade. 103  Aqui, novamente parece haver um traço forte de sua leitura de Bataille 104  Desaparecer (disappearance) 105  TSCHUMI, Bernard. Architecture disjunctions. The MIT Press. 1994. 106  No amplo leque de referências dado por Haesbaert para compreender as apropriações do conceito de desterritorialização pelo pós-modernismo, uma das ideias centrais é a da interpretação de descolamento entre tempo e espaço. 107  TSCHUMI, Bernard. Op. Cit.


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Na mesma linha, o arquiteto continua, tratando porém por um viés conjunto: “Deve ser lembrado que, inicialmente, as ciências eram uma questão de substância, fundação: geologia, fisiologia, física e gravidade. E a arquitetura era, em grande medida, parte disso, com seu foco na solidez, na firmeza, estrutura e hierarquia. Esses fundamentos começam a enfraquecer no século XX. A relatividade, a teoria quântica, a incerteza: esse salto se deu não só na física, como nós sabemos, mas também na filosofia, nas ciências sociais e na economia.”108 O uso de imagens, entre permanência e dissolução, como decorrência de um discurso, no limite, sobre o mundo, é dos interesses centrais deste trabalho. A articulação dos conceitos de território e desterritorialização no discurso sobre arquitetura servem exatamente dessa maneira – constituem imagens, fazem parte da transposição do discurso à prática e à constituição de objetos como síntese; seja como permanência, seja como dissolução. . Koolhaas, desterritorialização, espaço liso e acumulação flexível

No caso de Rem Koolhaas, a desterritorialização parece ser encarada mais à maneira das leituras pós-modernas de deslocalização e compressão do espaço-tempo, assim como uma associação com um novo estágio do capitalismo, as novas formas de produção e circulação de valor. Ao menos é o que indica a extensa leitura de Alejandro Zaera Polo do trabalho do arquiteto nos anos 1990. As definições de um modelo econômico pretensamente flexível e globalizado são, de certa forma, exaltadas e relacionadas diretamente com leituras do trabalho do OMA, associando-as à desterritorialização e outras categorizações estéticas relacionadas.109 108  Ibidem. 109  Zaera Polo faz uso de definições materialistas como as de David Harvey de capitalismo avançado, para usá-las em conjunto com uma abordagem via Deleuze e Guattari.


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As mesmas definições dadas por David Harvey para um sistema de acumulação flexível no capitalismo avançado usadas por Rogério Haesbaert para pensar o conceito de desterritorialização e sua apropriação pós-moderna, são usadas também por Alejandro Zaera Polo na busca de um contexto no qual inserir a obra de Rem Koolhaas. “O regime de acumulação flexível põe em questão os modelos construídos sobre fronteiras territoriais bem estabelecidas, distorcendo seus parâmetros de espaço-tempo: quanto mais flexíveis e inarticuladas as estruturas locais, espaciais, temporais, materiais ou sociais, maior a estabilidade do sistema.”110 Segundo Zaera Polo, no modo de produção em questão, haveria uma compressão do espaço-tempo111, exercida por técnicas de deslocalização. Isso se integraria às práticas materiais de tal forma que a mutação, os fluxos e a desordem aparecem como partes integrais da acumulação flexível, exatamente contexto no qual o OMA focaria sua atuação; tanto na compreensão desse contexto, quanto na forma de produzir uma atuação coerente com ele, de acordo com a leitura do crítico. As imagens de mutação, fluxos e desordem, aparecem ao longo de toda a análise da obra do OMA feita pelo crítico, recorrendo geralmente a Deleuze e Guattari como teoria que fornece metáforas na compreensão de um contexto abstrato, que podem se transformar em imagens para a arquitetura; pontes entre leitura estética e de conjuntura. O crítico e arquiteto escreve, no início dos anos 1990, o O livro The Sniper’s Log: Architectural Chronicles of generation X reúne uma série de artigos de Zaera Polo e tem como um de seus primeiros textos um que leva o nome The material organization of advanced capitalism, publicado pela primeira vez na revista AD Monographs n. 108 no qual o arquiteto desenvolve mais alguns termos recorrentes neste ensaio sobre Koolhaas. Dentre eles estão ‘morfogênese urbana’, ‘estruturas topológicas’ e ‘acumulação flexivel’, como itens de destaque dado pelo autor. 110  POLO, Alejandro Zaera. OMA 1986-1991. Notas para un levantamento Topográfico. El Croquis. N.53 (Tradução do trecho feita pelo autor deste trabalho) 111  Novamente, o mesmo tema que aquele desenvolvido no primeiro capítulo a partir do trabalho de Haesbaert.


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ensaio OMA 1986-1991: Notas para um levantamento Topográfico. Ali, uma classificação inicial do trabalho dirigido por Rem Koolhaas seria a de que se trata de uma arquitetura operativa, e não representacional. Isso não impede, no entanto, que o autor dedique a maior parte de suas análises às leituras estéticas sugerindo relações claras de representação do contexto, por meio da arquitetura; a caracterização de uma arquitetura mais adequada a seu tempo. É curioso que, no mesmo número da revista, esteja também uma entrevista com arquiteto feita por Zaera Polo112, na qual Koolhaas parece dizer acreditar no contrário dessa forma adequada: “Discordo da conclusão dominante de um espectro amplo de contemporâneos – especialmente os japoneses – que propõem que a arquitetura, por definição, deva ser caótica. Ultimamente as justificativas ou argumentos dessa posição têm sido baseados na analogia: você está em uma bagunça, nós estamos numa bagunça, você está desestruturado, você é vulgar, nós somos vulgares, você está caótico, nós estamos caóticos... Estou começando a achar que isto é um erro: há agora um empolgante potencial para uma arquitetura que resista a esta mimese (...) Parte do recente discurso – todos os ‘de’s’ têm sido uma tentativa muito sofisticada de fazer o inevitável parece glamuroso.Tenho um crescente sentimento agora, de que indo na direção oposta, contrariando o inevitável, pode ser convincente de certa forma, e importante para a arquitetura.” “Meu ceticismo em relação ao desconstrutivismo é baseado em sua presunção de uma analogia naive e banal entre uma geometria supostamente irregular e um mundo fragmentado, ou um mundo onde os valores não são mais ancorados em uma forma rígida (...) isso é para mim, em última instância, decorativo.”

112  Encontrando Libertades: Conversaciones com Rem Koolhaas. Entrevista feita por Alejandro Zaera Polo. El Croquis. N. 53


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O arquiteto demonstra desconfiança frente a uma postura de identificação da arquitetura em relação à realidade que a circunda; no caso, não demonstra enxergar uma relação desejável do objeto arquitetônico como representação de seu tempo, dos conflitos a seu redor, ou de traços culturais da atualidade. A arquitetura deve ir em sentido contrário ao inevitável. Ao mesmo tempo, Koolhaas concorda com o entrevistador de que há um paralelo com o que este chama de estrutura do capitalismo tardio (late capitalism), afirmando serem centrais as buscas por liberdades: de estruturas, de ordens e de ideologias. A ideia de “liberdade de ideologias”, ou superação das ideologias, aparece frequentemente neste debate. Parece tratarse de uma entre as várias associações ao contexto neoliberal em ascensão naquele momento. A rejeição da ideologia teve forte papel nas primeiras formulações do pós-modernismo, com o argumento contra uma linguagem com carga ideológica113. O que Koolhaas faz é próximo, porém substituindo a abordagem da linguagem por uma abordagem operativa, programática e institucional – leitura feita diversas vezes na conversa entre Koolhaas e Eisenman em Londres intitulada Supercritical, e nas palestras posteriores do mesmo evento por Jeffrey Kipnis e Robert Somol.114 Há nesse momento dos anos 1990, um discurso forte de “falência do plano”, que emergia desde os anos 1960 com a crítica marxista e o pós-modernismo. Koolhaas fala de necessidade de retomada do paradigma projeto urbano, levando em conta essa descrença no plano uniformizador e nivelador. O arquiteto fala em “co-existência”, em deixar certos elementos pré-existentes como estão, co-habitando entre si e com as novas intervenções. Aqui ficam subentendidos dois significados: a multiplicidade de territorialidades e a ideia de congestão, como diversidade concretizada. Essa multiplicidade, junto à ideia de congestão, sempre presente em Koolhaas, são comentados por Peter Eisenman115 por um viés que interessa particularmente a este 113  POLO, Alejandro Zaera. OMA 1986-1991. Notas para un levantamento Topográfico. El Croquis. N.53 114  Supercritical. Architecture Words I. Peter Eisenman & Rem Koolhaas. Edited by Brett Steele. AA Publications. 2010. 115  ibid.


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trabalho: os projetos urbanos do OMA, em especial o projeto para o concurso do Parque de La Villette, 1982, trabalham com a ideia de cultura da congestão vinda do estudo dos arranha-céus, virada na horizontal, constituindo uma imagem do espaço estriado.116 A afirmação a respeito de coisas que devem ser deixadas como estão, e sobre a co-existência, faz lembrar a relação do arquiteto com Oswald Mathias Ungers, nos anos 1970. O trabalho desenvolvido com as pré-existências naqueles projetos parece ter sido marcante para a experiência intelectual e de projetos de Rem Koolhaas, e salta aos olhos em projetos como Melun Senart, 1987, e La Villette na articulação de sobreposições. A topografia urbana de Melun-Senart é organizada em linhas, vetores, em vez de pontos, centros ou posições – a estrutura de rizoma é a referência para a descrição do projeto feita por Zaera Polo. Uma multiplicidade de medidas e direções. Trata-se de uma topografia desorganizada que não impõe regulações nas correspondências entre elementos e suas posições. Aqui, a estrutura rizomática parece já fornecer um parâmetro estético em definição. Ela permite, no entanto, o autor classificar a forma do edifício como uma arquitetura sem codificação fomal, dado que “suas fronteiras não são nem significantes, nem dimensionais, sintáticas ou semânticas”117. Constitui-se um discurso contra a hierarquização e sobre-codificação dos espaços, a partir da forma arquitetônica comum, colocando porém um desejo de ausência total de estruturação. O autor parece estar convicto da possibilidade do capital globalizado abrir as portas a uma diversidade em grande escala. É talvez uma postura sintomática de seu momento histórico, pois nem sequer leva em conta a possível sobrecodificação da multiplicidade pelo próprio capital “flexível” – alternativa apontada já por Deleuze e Guattari ao tratar da reterritorialização capitalística, ou de capital e Estado como principais agentes desterritorializadores. 116  O conceito de espaço estriado e o de espaço liso foram trabalhados no primeiro capítulo a partir de Deleuze e Guattari, e aparecerão mais adiante no uso por Alejandro Zaera-Polo. 117  POLO, Alejandro Zaera. OMA 1986-1991. Notas para un levantamento Topográfico. El Croquis. N.53


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acima: Projeto Melun SenĂ rt, 1987 Ă direita: Projeto para o Parque de La Villette, 1982 (imagens retiradas de El Croquis n.53)


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No limite, contudo, Zaera Polo visa a possibilidade de quebrar com o desenho de hierarquia espacial. Uma topografia pensada não a partir da organização objetiva e linear do espaço: “Um rizoma é estranho a qualquer ideia de eixos genéticos ou estrutura profunda” É o que o autor defende fazendo uso da definição da dupla de filósofos. Zaera Polo, em sua descrição de Melun Senart coloca esta forma de pensar a cidade como o maior avanço no projeto urbano nas décadas anteriores. O projeto seria um paradigma de princípios rizomáticos para as práticas materiais. O grande avanço está certamente na afirmação da multiterritorialidade, do espaço de hierarquia menos ordenadora, e na possibilidade de promover apropriações (algo que o autor não cita em qualquer momento). O perigo, contudo, está na simples celebração da diversidade amparada pelo capitalismo global sem ter em vista uma reflexão sobre qual multiplicidade ele promove. Espaço não-linear, fluido e liso são ideias centrais para o autor. A compreensão que faz de espaço liso, no entanto, é peculiar, de certa forma, devido a sua posição e interpretação dos conceitos de Deleuze e Guattari. “Projetos como o Agadir Conference Centre, ou a Biblioteca de Paris ou o Kunsthal ZKM são um avanço em relação ao espaço estriado, uniforme, a modelos de espaço linear, mais característicos da modernidade clássica, mas implicam também o progresso em relação aos modelos de espaço fragmentado da pós-modernidade em direção a um espaço diferencial, variável e vetorial...”118 O autor faz uso aqui do termo espaço estriado como algo uniformizador, típico da modernidade já ultrapassada. É interessante notar que mesmo Peter Eisenman, em sua conversa com Rem Koolhaas, citada há pouco, faça uso da noção de espaço estriado para qualificar um projeto com a habilidade de criar uma congestão horizontal, assim como a co-existência de elementos aleatórios. 118  ibidem.


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Guattari119 explica de forma didática o significado de espaço liso e estriado, sugerindo a mesma situação de co-existência de fronteiras e diversas territorialidades como característica do espaço estriado. Com a desterritorialização, estes espaços tornamse lisos, e tendem a ser ainda reterritorializados, muitas vezes pelo capital uniformizador. Percebe-se que Zaera Polo manuseia estes conceitos para empreender uma defesa do alisamento e da eliminação das fronteiras e territorialidades, de fato uma desterritorialização, tendo em vista os novos fluxos reterritorializados do capital flexível. Para ele, provavelmente, a desterritorialização significaria a eliminação de toda e qualquer hierarquia ou organização e estrutura prévia; sem notar, contudo, que isso poderia implicar também no alisamento de toda cultura pré-existente. Consequentemente, no alisamento das próprias territorialidades a compor o desenho de sobreposições que conclui a imagem que ele mesmo deseja na leitura de Melun Senart e de La Villette. Coloca-se aí uma discussão importante, e mais uma dicotomia dentre as muitas sugeridas já anteriormente: liso e estriado. Esse tema tem papel considerável na teoria de Deleuze e Guattari120. Fica claro, nessa leitura, que os filósofos sugerem uma relação dinâmica entre estes conceitos, como estados intercambiáveis. O estriado é um estado definido, com fronteiras claras, certa estabilidade, enquanto o liso é fluido, poderia estar em qualquer lugar. Um quadro visto de perto, notando-se as camadas de cores e texturas de tinta, poderia representar o estriado, enquanto quando visto de longe representaria o liso, em uma imagem geral e menos definida por sua materialidade precisa.121 “O espaço nômade e o espaço sedentário – o espaço onde se desenvolve a máquina de guerra e o espaço instituído pelo aparelho de Estado”122Nessa primeira frase do capítulo sobre o assunto, a 119  GUATTARI, Felix. Espaço e Poder: A criação de territórios na cidade. Espaços & Debates. N. 16. 1986. 120  A notar por merecer um capítulo da obra Mil Platôs. 121  DELEUZE e GUATTARI. Mil Platôs. Volume 5. Conclusão: Regras concretas e máquinas abstratas. 122  Ibidem.


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dupla já remete diretamente à mesma relação mútua existente no interior do processo de desterritorialização: o relativo e o absoluto, como estado concreto instituído e em movimento e o estado abstrato onde se dão as linhas de fuga como possibilidades de real ruptura123. No caso, a mesma possibilidade de linhas de fuga dada pela desterritorialização, é dada na concepção de um espaço liso. A mesma contradição continua, no entanto: a possibilidade de rupturas radicais dada como desterritorialização pode ser encarada como a simples destruição de territorialidades, ou pela promoção de reterritorializações uniformizadoras, rompendo totalmente com o desejo de uma multiplicidade real. A teoria de Deleuze e Guattari, quando transposta à prática, parece guardar a todo tempo estas contradições. A simples construção de um edifício que tem como desejo estético a imagem do espaço liso, dá conta de uma nova realidade fluida? Em Mil Platôs podemos encontrar a atenção dada para o caráter mutável dessas categorias124, como o espaço liso que se transforma em estriado e vice-versa, ou ainda passando-se por confusão: “um espaço liso fortemente dirigido poderá ser confundido com um espaço estriado”. Um exemplo possível seria um edifício que desejasse remeter à multiplicidade e aos fluxos, mas fazendo parte de um contexto institucional e programático que o tornasse simplesmente um espaço hierarquizado como qualquer outro. Poderíamos imaginar projetos como o museu de Bilbao, de Frank Ghery, ou mesmo o projeto para o Centro de Dança em São Paulo, de Herzog & De Meuron, para além do fato de representarem a extinção de territorialidades pré-existentes em favor de uma reterritorialização sobrecodificada pela imagem da cultura como bem oferecido pelo Estado, ou administrado pelo capital.125 123  Não se trata exatamente de ruptura, como no materialismo histórico, para Deleuze e Guattari a linha de fuga representa de fato uma possibilidade de escape de um emaranhado de linhas em rizoma. 124  Como já dito no primeiro capítulo, este caráter é no limite, dialético, se levarmos em conta o princípio de contradição da dialética como algo que contém em si mesmo sua negação, ao invés de uma simples contradição de fatores externos. 125  No caso este segundo exemplo, uma irônica imagem de espaço alisado, o edifício não construído deixa livre a grande quadra desterritorializada e livre das formas de ocupação indesejadas para aquela região.


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Em suma, como já repetido exaustivamente, o novo espaço de fluidez proposto pode ser elemento de destruição de realidades diversas em co-existência. É interessante a forma como os conceitos servem à arquitetura - à historiografia e à crítica, no caso – para formular imagens de uma atuação possível no campo da estética e na construção do objeto arquitetônico. O Agadir Conference Centre, 1990, e o Lille Congrexpo, 1988, seriam exemplos de espaço liso, para Alejandro Zaera-Polo. Paradigmas de realidade esculpida por fluxos de capital e informação; exemplos de uma crescente mobilidade e desterritorialização dos lucros, que impedem sua identificação tectônica e colocam o ‘objeto’ em questão. “Ambos os edifícios tornam-se corpos desorganizados, supercondutores, capazes de serem reconfigurados, cruzados por fluxos de natureza e direção heterogênea.”126 A eliminação do grid estrutural, e de toda codificação formal – ambos muito presentes também em Eisenman – são elementos de um desejo de “espaço diferencial”127. A ideia de diferença e heterogeneidade teria papel central na filosofia francesa do século XX, e principalmente no pós-estruturalismo, atingindo diretamente arquitetos como Eisenman e Tschumi, e tendo em Zaera-Polo uma continuidade e re-interpretação. Por isso, a problemática do liso e estriado, e suas implicações na eventual destruição de territorialidades, quando empreendida pela arquitetura, são tão importantes como análise das consequências da passagem de conceitos abstratos ao campo da estética e sua concretização em determinada realidade. Agadir seria um exemplo também de “geometria de mudanças de fase”, de uma “epistemologia de turbulência e instabilidade”, segundo a análise do autor. Daí talvez um motivo de as elevações dos edifícios remeterem a organizações naturais: ondas, dunas, nuvens. É intrigante como, de repente, por conceitos totalmente diferentes, chega-se ao mesmo ponto da mimese na construção da forma arquitetônica, como já contemplado aqui 126  POLO, Alejandro Zaera. OMA 1986-1991. Notas para un levantamento Topográfico. El Croquis. N.53 127  ibid.


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anteriormente a respeito de outras manifestações da produção contemporânea de arquitetura. A leitura da obra de Koolhaas empreendida por Zaera Polo remete constantemente aos sistemas constituídos pelos espaços como topografias: topografias da indeterminação, ou topografias da acumulação flexível, ou ainda o título do ensaio “OMA: Notas para um levantamento topográfico”. Nesse sentido, há a mobilização do mesmo termo que em experiências de projeto muito diferentes, como os edifícios de caráter topográfico da megaforma tratada por Frampton. No caso, entretanto, Koolhaas veria na cultura metropolitana a incerteza como característica determinante. Portanto, o conhecimento torna-se aqui instrumento para a produção da experiência de indeterminação. “As topografias propostas pelo escritório desde 1985 referem-se diretamente a questões de organização material similar àquelas às quais as teorias do caos pretendiam investir: uma nova abordagem das dualidades textura/figura, simetria/ assimetria, estrutura/informação, dimensão/medida, escala, irreversibilidade de processos morfogênicos...” “Um modelo que, novamente, refere-se ao regime de acumulação flexível, do qual a estabilidade mais geral depende da habilidade de integrar flutuações locais em nível global. Melun Senart é obviamente um dos melhores exemplos desses modelos. A aceitação da incerteza em que o fenômeno urbano é produzido, e a renúncia de um controle formal sobre tais desenvolvimentos é medida com o estabelecimento de limites operativos.”128 Melun Senart é a estratégia de controle dos vazios, ao invés de uma sobrecodificação do tecido urbano. Tem um conceito fluido de realidade. Nele, é apresentada uma topografia na qual predomina a informação, mais que a estrutura. “topografias em um estado entrópico avançado, no 128  ibid.


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pรกgina anterior e imagem acima: Agadir Conference Center, 1990 (imagens retiradas de El Croquis, n.53)


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qual cor e diversidade material impõem-se à necessidade de uma estável codificação formal (...) A realidade como um compósito de fluxos, mais que uma série de objetos: uma coleção de topografias operativas mais que significantes.”129 Na defesa desse tipo de topografia operativa, Zaera Polo busca sugerir geometrias que aparecem em substituição à forma euclidiana, como formas topológicas e projetivas. Na possibilidade de destituir uma estética já excessivamente sobrecodificada, o autor escapa para a tentativa de classificar as novas práticas materiais já por uma possível apreensão estética, enveredando para uma outra forma também representacional de algo externo aos processos de projeto. “medida e proporção, os instrumentos básicos da arquitetura clássica, são rearranjados por relações topológicas fundamentais, geometrias de conexões, adjacências ou distâncias, ao invés de medições, magnitudes ou propriedades . (...) ciências do eventual em detrimento do essencial, problemas em detrimento de teoremas, geometrias da deformação e distorções mais que de conservação.”130 Constituem-se corpos, ao invés de objetos. E ainda delineando em contornos claros uma outra forma para novos projetos: “nem formas puras nem fragmentadas, mas vaga essência: redondo, alongado, retangular... Não mais constantes, nem formas ideais, nem fragmentos mas suas deformações”131 Toda essa classificação formal é então definida pelo autor como pertencente a uma lógica operativa que substitui uma codificação linguística e formal. Há uma tentativa de resistir a formas facilmente redutíveis à tradução em plantas e cortes. É 129  ibid. 130  ibid. 131  ibid.


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interessante o quanto isso pode ser contrastado com as abordagens da arquitetura que define de forma “organizada” o território, pois em alguns casos há a presença crucial do corte como essência da operação desempenhada pela arquitetura. Zaera-Polo nomeia Topografia Inarticulada, Corpo desorganizado, a parte do texto em que define linhas gerais da forma trabalhada por Koolhaas. Flutuações de escala, ruptura de sequências lineares, simultaneidade, uniformidade espacial e deslizamento funcional, são algumas imagens às quais o autor recorre e classifica como desterriotorializantes.132 “Ferramentas capazes de desmantelar a articulação entre diferentes domínios da realidade material ou social, permitindo recombinações, adensamentos ou dissoluções de uns nos outros. A geração de um corpo uniforme e desorganizado em detrimento de uma composição estruturada de partes como ocorria na arquitetura moderna ou clássica.” 133 Embora seja parte do discurso sustentado por Zaera Polo aqui, tais construções estéticas na leitura do trabalho do OMA parecem ser ainda de uma forte conexão linguagem-ideologia. A ideologia em questão, no entanto, já incorpora como parte de si a afirmação do fim das ideologias com vistas a um mundo globalizado; afirmar que as escolhas formais da arquitetura não conformam uma linguagem e nem se relacionam com uma afirmação ideológica parece ser parte de uma mesma postura. Analisando os projetos Karlsruhe ZKM, 1989, Biblioteca de Paris, 1989, Agadir e Lille Congrexpo, Zeebrugee Terminal, 1989, e Rotterdam Kunsthal, 1987, nota-se uma decisão inicial de uma tática desterritorializante, segundo o autor: “o isolamento da maior parte do volume construído no interior do edifício. Determinando as plantas e cortes dos edifícios em uma sensível proporção não-direcional, a relação entre volume edificado e superfície de fachada é reduzida a um 132  ibid. 133  ibid.


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página anterior: ZKM Karlsruhe, 1989 (imagen retirada de El Croquis, n.53) imagem acima: Imagem usada por Deleuze e Guattari no capítulo “Tratado de nomadologia: a máquina de guerra” com a legenda “carruagem nômade inteiramente em madeira, Altai, séculos V-IV a.C”


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mínimo, aspirando à desconstrução do espaço, recolocando suas determinações naturais com técnicas artificiais.” 134

“Coleções de containers, no gel, ou mecanismos hidropneumáticos, mais que uma série de pilhas ou formações geográficas”, explica Zaera Polo. Há uma liquefação dos espaços que configura corpos sem forma, que flutuam sem conexão urbana ou geológica alguma. A própria concepção espacial aponta rumo a espaços inarticulados desde seu partido inicial. Essa desorganização, de uma corporeidade inarticulada, é, para o autor, uma clara ressonância da desorganização da estrutura “pós-capitalista”.135 São levantados os pontos da estrutura como agente desterritorializante em seu potencial “capaz de mudar completamente a ordem geológica e gravitacional, a ordem natural, elevando a presença material da estrutura da base do edifício à sua coroação” Esta transgressão significaria uma afirmação radical da artificialidade. Tais estratégias estruturais vão desde a viga vierendel no Karlsruhe ZKM, até o uso de pilares inclinados no Kunsthal de Rotterdam, acompanhando a nova topografia criada no projeto, “em uma afirmação radical de liberdade frente às ordens naturais”136. Em conjunção com tantas imagens associadas ao trabalho de Koolhaas, uma delas parece percorrer o texto de Zaera Polo. O autor fala em “epistemologia nômade”, recorrendo mais uma vez a Deleuze e Guattari para compreender seu objeto. O espaço liso é nômade137. O nômade possui caráter central também na filosofia da dupla de franceses. Esta ideia parece entrar de forma bem articulada com a ideia de globalização e a busca de uma atividade em consonância com esse novo contexto produtivo e cultural. A mesma associação aparece na leitura de Nicolas Bourriaud para a arte, com a proposta de uma estética da globalização e o conceito de arte radicante, como desenvolvida no primeiro capítulo deste 134  ibid. 135  ibid. 136  ibid. 137  DELEUZE e GUATTARI. Mil Platôs. Volume 5. Conclusão: Regras concretas e máquinas abstratas.


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trabalho. . FOA, fluxos e pensamento topológico

Alejandro Zaera Polo, que nos anos 1990 fazia análises como a da obra de Koolhaas comentada neste capítulo, funda com Farshid Moussavi o escritório Foreign Office Architects. Algumas das constantes presentes em seus textos, como o uso de conceitos de Deleuze e Guattari, serviriam de embasamento às atividades como projetista, com destaque para a abordagem topológica que decorre da leitura de conceitos da dupla de filósofos.138 O projeto construído por este escritório de maior evidência é o Terminal do Porto de Yokohama, 2002. Segundo Frampton, esse projeto mostra uma abordagem muito diferente do uso da forma como superfície, do que aquele feito por arquitetos como Greg Lynn e Frank Ghery: para ele, enquanto estes arquitetos projetavam com uma abordagem escultural, pensando a superfície como forma final do edifício descolada dos espaços criados, Zaera Polo e Moussavi apresentam uma forma topológica que ao criar a superfície e a forma curva, cria também os espaços. A operação entre desenho do chão e desenho da cobertura definem o projeto.139 Os arquitetos afirmam que o projeto buscava definir o desenho dessa superfície por meio também do desenho da estrutura que a suportava, de maneira que o espaço interno fosse definido pelas mesmas ondulações.140 Segundo Frampton, isso confere ao projeto um destaque enquanto caráter fenomenológico de criação do espaço: “Diferente de quase todos os trabalhos ‘morfológicos’ 138  O conceito topológico, nesse contexto, está, geralmente, mais próximo das referências à biologia e à computação, que ao meio físico, embora seja manipulado para os dois fins. DE LANDA, Manuel. Deleuze and the use of the Genetic Algorithm in Architecture. In. MOUSSAVI, Farshid. Phylogenesis. Foa’s Ark. Actar. 139  FRAMPTON, Kenneth. Modern Architecture. A critical history. “Architecture in the Age of Globalization: topography, morphology, sustainability, materiality, habitat and civic form 1975-2007”. Thames & Hudson. London. 140  MOUSSAVI, Farshid. Phylogenesis. Foa’s Ark. Actar.


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citados anteriormente, essa superestrutura proporciona não só a articulação precisa do espaço interior, mas também o caráter fenomenológico do trabalho, incluindo no caso espaços de alto trânsito de passageiros cobertos por grandes vãos em estrutura metálica revestida por chapas dobradas.” 141

O programa definiria a forma, que se mistura entre chão e cobertura, ao invés de um delineamento escultórico da superfície curva de modo arbitrário.142 O processo de projeto teria dado prioridade aos diagramas de fluxos internos e externos ao edifício143, de modo que, mais que o programa, o movimento fosse constitutivo da materialização do projeto. É interessante relacionar esse foco dado aos fluxos como imagem final do edifício à abordagem de Zaera Polo na análise sobre Koolhaas: “o espaço liso definido pelo cruzamento de fluxos desterritorializados” é uma constante na análise feita pelo autor. Ao mesmo tempo, relacionava o espaço definido por fluxos à conjuntura de uma “economia da acumulação flexível”, à qual os modos de representação e de construção do espaço deveriam se adequar.144 As leituras feitas de Mil Platôs levam a possíveis interpretações do conceito de topológico, e uma delas retoma a ideia de mimese discutida anteriormente. No livro Phylogenesis, que reúne trabalhos do escritório FOA e textos sobre sua atividade, o crítico Manuel de Landa escreve sobre a relação entre Deleuze e o uso de algoritimos na produção técnica da arquitetura145. Ele explora as analogias entre arquitetura e estruturas biológicas como 141  FRAMPTON, Kenneth. Op. Cit. 142  ibidem. 143  MOUSSAVI, Farshid. Op. Cit. 144  Vale notar que no artigo The material organization of capitalism, Zaera Polo aborda ao mesmo tempo “acumulação flexível” e “forma topológica” como assuntos centrais no texto. “Density, size, and topological structure are much more important in contemporary urbanism than the traditional relationships of scale, measurement, and proportion. (For example, scale relates to a fixed reference –man, state, place – and is consequently a non-reliable approach within the unstable geographies of late capitalism). The loss of an organic and hierarchical structure for both city and territory (as complex) produces the fragmentation of the urban system into singularities.” p.35 145  DE LANDA, Manuel. Deleuze and the use of the Genetic Algorithm in Architecture. In. MOUSSAVI, Farshid. Phylogenesis. Foa’s Ark. Actar.


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Terminal de Yokohama, 2002 (imagem retirada de FRAMPTON, K. Modern Architecture: a critical history) à direita (imagens retiradas de Phylogenesis: foa’s ark)


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o DNA, e em certo momento se vale da interpretação do filósofo para falar de espaços definidos por uma geometria não euclidiana. Os termos “diagrama abstrato” ou “multiplicidade virtual” se refeririam a entidades como o “plano corpóreo” vertebrado, conceito que também se voltava para um “plano corpóreo” não orgânico como nuvens ou montanhas146. Percebe-se a busca do uso da teoria para oferecer formas à arquitetura. Para além dos fluxos como definidores de um espaço ondulado, como Zaera Polo faz, há parte do olhar topológico que faz uso também das analogias com a natureza para conferir forma e significado aos edifícios. As soluções projetuais que decorrem da lógica estabelecida pelo FOA, parecem constituir uma família de formas sempre repetida como raciocínio, como abordagem dos problemas dados; nota-se a ideia de continuidade em todo edifício projetado, de formas onduladas que decorrem em outras formas, sem uma divisão brusca entre espaços funcionalizados, mas sempre baseada nos fluxos de ligação entre os programas. É interessante como a abordagem topológica, neste caso, esta relacionada a um pensamento permeado pela ideia de desterritorialização, enquanto em outras experiências críticas e de projeto vimos que o topológico, o caráter topográfico, ou a analogia com elementos da natureza, estão diretamente ligados a uma ideia de “aspiração territorial”. Pode-se dizer que o pensamento de Zaera Polo está permeado o tempo todo pela ideia de desterritorialização, uma vez que a ideia está presente em todos os textos do arquiteto sobre dinâmicas mais amplas da sociedade, para além da arquitetura, mas também porque seu foco no espaço determinado pelos fluxos é uma busca de concretização do conceito de espaço liso, desterritorializado, da forma como é interpretado por ele147. A afirmação de um presente que define espaços pelo cruzamento de fluxos descodificados, 146  De Landa cita trecho de Mil Platôs para explicar essa ideia: “An abstract machine in itsel is not physical or corporeal, any more than it is semiotic; it is diagrammatic (it knows nothing of the distinctions between the artificial and the natural either). It operates by matter, not by substance; by function, not by form… The abstract machine is pure Matter-Function – a diagram independent of the forms and substances, expressions and contents it will distribute.” A citação feita pelo autor não foi encontrada na versão brasileira do livro Mil Platôs. 147  Como foi discutido algumas vezes em itens anteriores.


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em detrimento de funções estanques bem determinadas, está diretamente vinculada à interpretação e o uso que o arquiteto faz do conceito de desterritorialização. Para ele, trata-se de adequar a prática à dinâmica de uma “morfogênese urbana” do “regime de acumulação flexível”, no qual a globalização é a marca maior da produção de diferença.148

148  ZAERA POLO, Alejandro. The material organization of capitalismo. A produção de diferença é entendida pelo autor como questão central e compreendida a partir da filosofia francesa, continuando sua base em Deleuze.


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Considerações finais O uso que Frampton faz do projeto do Terminal de Yokohama e do projeto de Paulo Mendes da Rocha para as Olimpíadas de Paris, como exemplos de megaforma, tratados no mesmo parágrafo de seu artigo, não deixa de trazer algumas questões sobre o possível paralelo entre arquiteturas do território e da desterritorialização. O crítico chega a mobilizar também esses exemplos em seu livro Historia crítica da arquitetura moderna, no qual desenvolve mais uma análise a respeito do papel das grandes coberturas que definem um espaço de “aparecer público”149, de uso irrestrito e programas indeterminados. O jogo entre desenho de uma grande estrutura definidora de uma sombra150, e o desenho do chão, marcariam articulações que conferem à arquitetura o papel de construção de topografias. No caso de Yokohama a cobertura e o chão se fundem, a cobertura seria definitiva na construção topográfica, segundo Frampton. Já em projetos de Paulo Mendes da Rocha que o autor cita, como o Poupatempo de Itaquera, ou o Museu de Escultura de São Paulo, a cobertura segue rígida e marca o vão livre como espaço indeterminado. É interessante notar como, nessa comparação, há transposições entre desejo e espaço: do espaço livre como entidade rígida, que se impõe como vazio, ao espaço livre que se formaliza em caminhos, fluxos, e como forma orgânica. A arquitetura não deixa de representar de forma profícua as relações políticas desejadas, nesses exemplos, sem contudo se valer de operações de representação direta como aquelas da forma geológica.151 Persiste, por outro lado, a questão a respeito de que territorialidades são promovidas por cada espaço desses. O mesmo discurso que sustenta o vão-livre como cobertura de espaços abertos à livre apropriação e à indefinição programática, muitas vezes defende edifícios que se constroem sob o mesmo signo 149  FRAMPTON, Kenneth. Modern Architecture: a critical history. “Architecture in the Age of Globalization: topography, morphology, sustainability, materiality, habitat and civic form 1975-2007”. Thames & Hudson. London. 150  WISNIK, Guilherme. Estado Crítico. Arquitetura do Território. Publifolha. São Paulo. 151  Há, sim, a representação do discurso, a formalização dele, sua espacialização – no caso, o mais interessante é que seja transformado, de fato, em espaço, e não em simples forma representativa


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pågina anterior: corte transversal, Poupatempo de Itaquera, Paulo Mendes da Rocha, 1998 (imagen retirada de ARTIGAS, Rosa. Org. Paulo Mendes da Rocha) corte transversal, Terminal de Yokohama, FOA, 2002 (imagem retirada de Phylogenesis: foa’s ark)


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do território, concretizando, no entanto, realidades ordenadas em desenhos rigorosos ou desterritorializadas em nome de um programa único. Da mesma forma, o edifício que se pretende a formalização dos fluxos desterritorializados, parece ser em grande medida a concretização de um só território muito bem determinado. Como Peter Eisenman bem notou, a abstração na arquitetura moderna representava uma superação das antigas figuras de linguagem em que se apoiava a arquitetura, para tornarse em seguida, ela mesma, a principal figura de linguagem como vocabulário enraizado da disciplina. Entre os desejos de construir ou de suspender territórios, a arquitetura parece eleger formas finais aos discursos que constrói, sem que elas possam significar o sucesso da síntese a ser aplicada em qualquer realidade dada. Os modos de dar forma à “aspiração territorial” são muitos. Se as megaestruturas foram uma tentativa de dar forma a grandes extensões físicas, por meio do desenho prospectivo da arquitetura, as megaformas parecem guardar esse desejo na forma com que lida com objetos de menor escala. Para além dessa abordagem estética que remete à construção de uma nova geografia, o recurso à imitação da natureza aparece como outra maneira de fazer referência à paisagem como objeto de escala maior, como desejo de lidar com um escopo que excede ao edifício circunscrito. Por outro lado, vimos como Ungers abordou a multiplicidade de signos na cidade como elementos a serem assimilados e manipulados enquanto parte do projeto, mais que controlados. Se essa abordagem chega a lançar mão do pastiche, ela ao mesmo tempo se propõe a colocar em diálogo os territórios existenciais presentes na cidade. Os arquipélagos por ele criados funcionam como expressão do desejo de manter uma co-existência de fronteiras simbólicas na cidade, como típico espaço estriado. Tendo em vista essas reflexões sobre território, seu peso nos desejos exprimidos nos desenhos da arquitetura, e suas decorrências, desde os anos 1960, na mesma época o questionamento das formas de pensamento binário, hierárquico e totalizante, desenrolava-se nas interpretações do mundo contemporâneo como processo de fragmentação. Para além das


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multiplicidades de territórios possíveis, vimos como a abordagem de arquitetos como Tschumi e Koolhaas voltava-se para questões de indeterminação, ou de representação de um momento histórico com referenciais em desmantelamento – descolamento da relação espaço-tempo, desconstrução como parâmetro estético ou necessidade de tensionar as estruturas de organização (da geometria ou da organização social) pensadas pela modernidade clássica. Se tais interpretações críticas levaram ao tema da desterritorialização, de uma maneira ou de outra, este conceito parece encontrar sua maior contundência em Peter Eisenman, na medida em que o arquiteto leva o conceito ao extremo pensado por Gilles Deleuze e Félix Guattari: a desterritorialização abstrata, absoluta, como máquina, como deslegitimação dos signos, como linha de fuga. O percurso traçado neste trabalho procurou estabelecer algumas referências de como o conceito de território e de desterritorialização apareceram – mobilizados pelos arquitetos ou pela crítica a seu respeito – de modo que fosse possível pensar paralelos como o sugerido entre Zaera Polo e Paulo Mendes da Rocha, por exemplo, pelo fato de orbitarem em torno de conceitos intimamente ligados, de configurarem possíveis oposições radicais e, ao mesmo tempo, possíveis aproximações (como feito por Frampton). Na medida em que se buscou discutir o que significava território para cada situação, as análises guardam também o desejo de pensar em que medida a forma e o espaço proporcionam territorialidades ou as limitam. Para além disso, o conceito escolhido serviu de objeto de estudo a uma intenção de discutir as transposições entre conceitos abstratos e formalizações concretas, para refletir sobre como a disciplina da arquitetura delineia desejos (políticos) de determinadas relações e passa por uma síntese destes no momento em que busca traduzi-los em forma e espaço. No limite, o trabalho foi feito entendendo a discussão sobre a forma como algo que diz respeito às estruturas de racionalidade e do desejo, bem como aquilo que define o espaço e se abre a apropriações socialmente partilhadas.


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Sabe-se que um trabalho final de graduação não poderia dar conta de uma gama tão ampla de problemas, mas a intenção aqui foi a de colocar questões, visando talvez a possibilidade de desenvolver pesquisas com focos mais bem recortados e aprofundados em trabalhos futuros.


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Citações originais e traduções (p. 63 – TAFURI, M.) “For Gregotti form is not absolute. And yet his projects on a regional scale adopt a poetics of rigorous structural definition as a ‘defense’ against that which they intend to assault. To show and then to withdraw, to create new thresholds and then to load them with ‘incidents’, to wall up ‘places’ and then to make them visible tombs (...)” “Para Gregotti a forma não é absoluta. Seus projetos em escala regional adotam a poética de uma rigorosa definição estrutural como defesa contra aquilo que pretendiam atacar. Mostrar e depois esconder, criar novas portas de entrada e então carrega-las de ‘incidentes’, fechar ‘lugares’ com paredes e, então, fazer deles verdadeiros túmulos (...)” (p. 64 – TAFURI, M.) “The formal play that wishes to present itself as thoroughly ‘cauculable’ and verifiable, that wishes to impose its own ratio upon the infinite of nature, condemns itself once again to heterotopia, and this time in a deceitful way. The caulculability of Gregotti’s architecture is still an evasion. Certainly, it attempts to play/transform the ‘great city’ or the ‘great land’. In this lies the merit of having made architecture into a managerial product. But too great a desire for synthesis is contained in those ‘bridges’ and in those excessively transparent grids: their serenity, their desire to go beyond the ‘tragic vision’ of the ‘disquieting Muses’ – the Italian masters of the fifties and sixties – imbued with hidden nostalgia” “O jogo formal que deseja se apresentar como minuciosamente ‘calculável’ e verificável, que deseja impor sua própria ratio sobre a infinitude da natureza, condena mais uma vez a si mesmo como heterotopia, e dessa vez de modo traiçoeiro. A calculabilidade da arquitetura de Gregotti é ainda uma evasão. Certamente, tenta transformar a ‘grande cidade’ ou a ‘grande paisagem’. Nisso está o mérito de ter feito da arquitetura um produto administrativo. Mas é grande demais o desejo de síntese contido nas ‘pontes’ e nos grids excessivamente transparentes: sua serenidade, seu desejo de ir além da ‘visão trágica’ e das ‘musas inquietantes’ – os mestres italianos dos anos 50 e 60 – estariam imbuídos de uma nostalgia velada.”


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(p. 69 – TAFURI, M.) “Technology, regarded as occasion for play and spectacle, sets off dreams of global reconstruction of cities and territories, revives the determination to effect the Futurist reconstruction of the universe called for by Marinetti almost half a century earlier. With an obstinacy worthy of a better cause the unknowable is once again raised to a myth; the will to force the present is an index of impotence” “A tecnologia, como ocasião para diversão e espetáculo, tira de cena sonhos de reconstrução global de cidades e territórios, revive a determinação em efetivar a reconstrução futurista do universo, conclamada por Marinetti quase meio século antes. Com obstinação válida de uma causa maior, o desconhecido é novamente elevado a um mito; a vontade de forçar o presente é um indicador de impotência.” (p. 72 – TAFURI, M.) “despite themselves the utopian-futuristic architects of the last decade have simply gone along with a more-than-traditional division of labor; their vaunted individuality is a last ditch where they dig in their heels to safeguard an autonomy that is, at best, unproductive. (…) Once again the total image is reduced to a mere decorative enhancement of the metropolitan chaos it once aspired to dominate” “A despeito deles mesmos, os arquitetos futuro-utopistas daquela década simplesmente levaram adiante uma mais que tradicional divisão do trabalho; a alardeada individualidade destes é uma última vala que cavam em seus calcanhares para salvaguardar uma autonomia que é, na melhor das hipóteses, improdutiva (...) Mais uma vez a imagem total é reduzida ao aprimoramento meramente decorativo do caos metropolitano que uma vez aspiraram dominar.” (p. 75 – BANHAM, R.) “Megastructure, then, contains some elements of atavism, a harking back to the ‘heroic age of Modern architecture’, and a constant preocuppation with the original Italian Futurism movement and with the sketches of Saint’Elia. There was undoubtedly a nostalgia for a past (and a hypothsized future) in which Modern architecture had been (and could become once more) a matter of large clear-cut gestures, without the compromises and dilutions and scalings-down that had corrupted the purity and radicalism of the original intentions”


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“Megaestruturas, então, contêm alguns elementos de atavismo, uma retomada à ‘era heroica da arquitetura moderna’, e uma constante preocupação com o original movimento do futurismo italiano e croquis de Saint’Elia. Sem dúvida há uma nostalgia de um passado (e um futuro em hipótese) uma questão de gestos nítidos, sem os compromissos e diluições ou reduções de escala que corromperam a pureza e o radicalismo das intenções originais.” (p. 76 – AURELLI, P. V.) “Ungers articulated the limits and finitude of architectural form as possible ‘cities within the city’, as a recovery of defining traits of the city, such as its inherent collective dimension, its dialectical nature, its being made of separate parts, its being a composition of different and at time opposing forms, within the urban crisis that was affecting many cities in the late 1960’s and 1970’s, of which Berlin was the most extreme and thus paradigmatic example.” “Ungers artículou os limites e finitude da forma arquitetônica como possíveis ‘cidades dentro das cidades’, como recomposição da definição de traços da cidade, como sua inerente dimensão coletiva, sua natureza dialética, o fato de ser feita de diferentes partes, de ser uma composição de formas diferentes e às vezes opostas, dentro da crise urbana que afetava muitas cidades entre os anos 1960 e 1970, das quais Berlin era o exemplo mais extremo e paradigmático.” (p. 82 – FRAMPTON, K.) “I’ve coined the term Megaform in order to refer to the form-giving potential of certain kinds of horizontal urban fabric capable of effecting some kind of topographic transformation in the megalopolitan landscape” “Cunhei o termo Megaforma no intuito de me referir ao potencial dado pela forma de certos tipos de construção horizontal urbana, capazes de efetivar algum tipo de transformação topográfica na paisagem metropolitana” (p. 86 – FRAMPTON, K.) “Gregotti’s critically strategic concept of an earthbound architectural territoriality led him to posit with his associates one panoramic, topographic megaform after another, beginning with their proposal for


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the University of Florence in 1971” “O conceito de Gregotti, criticamente estratégico, de uma territorialidade arquitetônica ligada à terra levou-o a propor megaformas panorâmicas e topográficas, começando pela proposta para a Universidade de Florença em 1971.” (p. 93 – SARKIS, H.) “This is also about constructing a new geography. In crafting the relationship between ecology and architecture, we have srtived for what is the least harmful of the least transformative. Today we are beginning to realize that our responsability is also to reshape things in a manner that is impactful on a larger scale. In aesthetic realm, the move toward geography or geology is an extension of this discussion. We can no longer just sit there and do no harm; we have to positively transform the territory at the larger scale” “Trata-se também de construir uma nova geografia. Trabalhando a relação entre ecologia e arquitetura, nos esforçávamos para aquilo que é o menos prejudicial do menos transformativo. Hoje estamos começando a perceber que nossa responsabilidade é também de dar nova forma às coisas de modo impactante em uma escala maior. No campo da estética, o movimento no sentido da geografia ou da geologia é uma extensão dessa discussão. Não podemos mais simplesmente sentar e não fazer mal algum; temos que positivamente transformar o território na larga escala. (p. 96 – SARKIS, H.) “Yet engaging the geographic does not only mean a shift of scale. This has also come to affect the formal repertoire of architecture, even at a smaller scale, with more architects becoming interested in forms that reflect the geographic connectedness of architecture by its ability to bridge the very large and the very small (networks and frameworks), or to provide forms that embody geoghraphic references (continuous surfaces, for example, or environmentally integrated buildings)” “Tratar do caráter geográfico, ainda assim, não significa somente uma mudança de escala. Isso também vem a afetar o repertório formal da arquitetura, mesmo em uma escala menor, com mais arquitetos se interessando por formas que refletem a conexão geográfica da arquitetura por sua habilidade de fazer


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pontes entre o muito amplo e o muito circunscrito (redes ou enquadramentos), ou por formas que incorporam referências geográficas (superfícies contínuas, por exemplo, ou edifícios integrados ambientalmente). (p. 109 – KRAUSS, R.) “to preserve the singularity of objects we must cut them off from their previous modes of legitimation” “para preservar a singularidade dos objetos, devemos destiruí-los de seus modos prévios de legitimação” (p. 110 – EISENMAN, P.) “The critical determines how disciplinary processes such as abstraction and figuration are deployed and displayed”. “A atividade crítica determina como processos disciplinares tais como abstração e figuração se desenrolam ou se mostram.” (p. 110 – GUATTARI, F.) “On machines”: “the essence of the machine, that is, the idea of the machine in the machinic, is not mechanical; it is linked to procedures which deterritorialize its elements, functions and relations of alterity [otherness].” “a essência da máquina, ou seja, a ideia de máquina no processo máquinico, não é mecânica; é ligada procedimentos que desterritorializam seus elementos, funções e relações de alteridade [otherness]” (p. 111 – EISENMAN, P.) “If form follows function, then form already has meaning, and when form follows function, form is already subordinated to the laws of resemblance and utility. While form is subordinated in both of these contexts, it has always had a priority over space. What Deleuze and Guattari are saying is that machinic processes do not subordinate values, but rather are a special type of production. Living bodies and technological apparatuses are machinic when they are becoming; organic or mechanical when they are functioning in a state of stable equilibrium”


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Se a forma segue a função, então a forma já tem significado, e quando a forma segue a função, ela já é subordinada às leis de semelhança e utilidade. Enquanto a forma é subordinada em ambos os contextos, ela sempre teve prioridade em detrimento do espaço. O que Deleuze e Guattai estão falando é que processos maquínicos não subordinam valores, mas são um tipo especial de produção. Corpos vivos e aparatos tecnológicos são maquínicos quando são um tornar-se; orgânico ou mecânico quando funcionam em um estado de equilíbrio estável” (p. 111 – EISENMAN, P.) “the idea here is that since there will always be a container that exists a priori with a function and a meaning, somehow to cut this from its embodiment, while necessarily retaining function and some meaning” “A ideia aqui é, uma vez que sempre haverá um container que existe a priori com a função e o significado, de alguma forma cortar isto de seu corpo, mantendo necessariamente a função e algum significado.” (p. 120 – TSCHUMI, B.) “The point grid is a strategic tool of the La Villette Project. It both articulates space and ativates it. While refusing all hierarchies and ‘composition’, it plays a political role, rejecting the ideological a priori of the masterplans of the past. The Urban Park at La Villette offers the possibility of a reconstructing of a dissociated world through an intermediary space – folies – in whinch the grafts of transference can take hold” “O grid de pontos é uma ferramenta estratégica do projeto de La Villette. Ele ao mesmo tempo articula o espaço e o ativa. Enquanto nega todas as hierarquias e ‘composições’, desempenha um papel político, rejeitando o caráter ideológico a priori dos masterplans do passado. O parque urbano de La Villette oferece a possibilidade da reconstrução de um mundo dissociado a partir de um espaço intermediário – folies – no qual objetos de transferência podem se dar.” (p. 123 – TSCHUMI, B.) “However, the Parc de La Villette had a specific aim: to provide that it


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was possible to construct a complex architectural organization without resorting to traditional rules of composition, hierarchy, and order. The principle of superimposition of three autonomous systems of points, lines, and surfaces was developed by rejecting the totalizing synthesis of objective constraints evident in the majority of large-scale projects. In fact, if historically architecture has Always been defined as ‘harmonious synthesis’ of cost, structure, use, and formal constraints (venutas, firmitas, utilitas), the Park became architecture against itself: a dis-integration” “De todo modo, o Parque de La Villette tinha uma meta específica: mostrar que era possível construir uma complexa organização arquitetônica sem recair nas regras tradicionais de composição, hierarquia e ordem. O princípio de superposição de três sistemas autônomos de pontos, linhas e superfícies foi desenvolvido rejeitando a síntese totalizante de restrições objetivas, evidente na maioria dos projetos de larga escala. De fato, se historicamente a arquitetura sempre foi definida como ‘síntese harmônica’ de custos, estrutura, e regras formais (venutas, firmitas, utilitas), o parque torna-se arquitetura contra si mesma: uma desintegração.” (p. 124 – TSCHUMI, B.) “From a sensibility developed during centuries around the ‘appearance of a stable image’, today we favor a sensibility of the disappearance of unstable images (...)” “ Da sensibilidade desenvolvida durante séculos em torno da ‘aparência de imagem estável’ hoje escolhemos a sensibilidade da des-aparência1 de imagens instáveis (...)” (p. 124 – TSCHUMI, B.) “First deregulation of Airlines, then deregulation of Wallstreet, finally deregulation of appearances: it all belongs to the same inexorable logic.” “Primeiro a desregulação de linhas aéreas, então a desregulação de Wallstreet, e finalmente a desregulação das aparências: tudo pertence à mesma lógica inexorável”

1  Desaparecer (disappearance)


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(p. 125 – TSCHUMI, B.) “One must remember that, initially, the sciences were about substance, about foundation: geology, physiology, physics, and gravity. And architecture was very much part of that concern, with its focus on solidity, firmness, structure and hierarchy. Those foundations began to crumble in the twentieth century. Relativity, quantum theory, the uncertainty principal: this shakeup occurred not only in physics, as we know, but also in philosophy, the social sciences, and economics.” “Deve ser lembrado que, inicialmente, as ciências eram uma questão de substância, fundação: geologia, fisiologia, física e gravidade. E a arquitetura era, em grande medida, parte disso, com seu foco na solidez, na firmeza, estrutura e hierarquia. Esses fundamentos começam a enfraquecer no século XX. A relatividade, a teoria quântica, a incerteza: esse salto se deu não só na física, como nós sabemos, mas também na filosofia, nas ciências sociais e na economia.” (p. 127 – KOOLHAAS, R.) “I disagree with the dominant conclusion of a broad spectrum of contemporaries – especially the Japanese – who propose that architecture by definition has to be chaotic. The ultimate justification or argument f this position has been that of analogy: you are in a mess, we are in a mess, you are unstructured, you are vulgar, we are vulgar, you are chaotic, we are chaotic... I am beginning to think that this is a mistake: there is now an exiting potential for an architecture that resists this mimesis (...) Part of the recent discourse – all the “de’s” has been a very sophisticated attempt to make the inevitable seem glamorous. I have an increasing feeling now, that going in the opposite direction, contradicting the inevitable, may be convincing at some point, important for architecture” “Discordo da conclusão dominante de um espectro amplo de contemporâneos – especialmente os japoneses – que propõem que a arquitetura, por definição, deva ser caótica. Ultimamente as justificativas ou argumentos dessa posição têm sido baseados na analogia: você está em uma bagunça, nós estamos numa bagunça, você está desestruturado, você é vulgar, nós somos vulgares, você está caótico, nós estamos caóticos... Estou começando a achar que isto é um erro: há agora um empolgante potencial para uma arquitetura que resista a esta mimese (...) Parte do recente discurso – todos os ‘de’s’ têm sido uma tentativa muito sofisticada de fazer o inevitável parece glamuroso. Tenho um crescente sentimento agora, de que indo na direção oposta, contrariando o inevitável,


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pode ser convincente de certa forma, e importante para a arquitetura.” (p. 127 – KOOLHAAS, R.) “My skepticism about deconstructivism is based on their presumption that this naïve, banal analogy between a supposedly irregular geometry and a fragmented world or a world where values are no longer anchored in a fixed way (…) that is ultimately for me decorative.” “Meu ceticismo em relação ao desconstrutivismo é baseado em sua presunção de uma analogia naive e banal entre uma geometria supostamente irregular e um mundo fragmentado, ou um mundo onde os valores não são mais ancorados em uma forma rígida (...) isso é para mim, em última instância, decorativo.” (p. 132 – ZAERA-POLO, A.) “Projects such as the Agadir Conference Centre, the Paris Library or the Kunsthal ZKM are an advance on striated, uniform, linear space models, more characteristic of classical modernity, but also imply progress from the fragmented space models of postmodernity towards a differential, variable, vectorial space...” “Projetos como o Agadir Conference Centre, ou a Biblioteca de Paris ou o Kunsthal ZKM são um avanço em relação ao espaço estriado, uniforme, a modelos de espaço linear, mais característicos da modernidade clássica, mas implicam também o progresso em relação aos modelos de espaço fragmentado da pós-modernidade em direção a um espaço diferencial, variável e vetorial...” (p. 135 – ZAERA-POLO, A.) “Both buildings become <disorganized bodies> <superconductors>, able to be reconfigured, crossed by flows of heterogeneous nature and direction” “Ambos os edifícios tornam-se corpos desorganizados, supercondutores, capazes de serem reconfigurados, cruzados por fluxos de natureza e direção heterogênea.” (p. 136 – ZAERA-POLO, A.) “The topographies proposed by the office since 1985 refer directly to


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matters of material organization similar to those which the theories of chaos attempt to tackle: new approach to the dualities of texture/figure, scale symetry/assymetry, structure/information, dimension/measure, irreversibility of morphogenic processes...” “A model which, again, refers to the regime of flexible accumulation, whose overall stability depends on its ability to integrate local fluctuations on a global level. Melun Senart is obviously one of the best examples of these models. The acceptance of the uncertainty in which the urban phenomenon is produced, and the renouncement of formal control over such developments is levelled with establishment of operative limits” “As topografias propostas pelo escritório desde 1985 referem-se diretamente a questões de organização material similar àquelas às quais as teorias do caos pretendiam investir: uma nova abordagem das dualidades textura/ figura, simetria/assimetria, estrutura/informação, dimensão/medida, escala, irreversibilidade de processos morfogênicos...” “Um modelo que, novamente, refere-se ao regime de acumulação flexível, do qual a estabilidade mais geral depende da habilidade de integrar flutuações locais em nível global. Melun Senart é obviamente um dos melhores exemplos desses modelos. A aceitação da incerteza em que o fenômeno urbano é produzido, e a renúncia de um controle formal sobre tais desenvolvimentos é medida com o estabelecimento de limites operativos.” (p. 139 – ZAERA-POLO, A.) “topographies in an advanced entropic state in which color and material diversity impose over the need for a stable formal codification. (…) Reality as a composit of flows rather than a series of objects: a collection of operative topographies rather than significant” “topografias em um estado entrópico avançado, no qual cor e diversidade material impõem-se à necessidade de uma estável codificação formal (...) A realidade como um compósito de fluxos, mais que uma série de objetos: uma coleção de topografias operativas mais que significantes.” (p. 139 – ZAERA-POLO, A.) “measure and proportion, the basic instruments of classical architecture, are replaced by fundamentally topological relationships, geometries of connections, adjacencies or distances instead of measurements, magnitudes or properties. (...) sciences of the eventual rather than the


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essential, problems rather than theorems, geometries of deformation and distortions rather than conservation.” “medida e proporção, os instrumentos básicos da arquitetura clássica, são rearranjados por relações topológicas fundamentais, geometrias de conexões, adjacências ou distâncias, ao invés de medições, magnitudes ou propriedades . (...) ciências do eventual em detrimento do essencial, problemas em detrimento de teoremas, geometrias da deformação e distorções mais que de conservação.” (p. 139 – ZAERA-POLO, A.) “neither pure nor fragmented forms, but vague essences: rounded, elongated, oblong,... No more constants, no more ideal forms, nor their fragments but instead their deformations” “nem formas puras nem fragmentadas, mas vaga essência: redondo, alongado, retangular... Não mais constantes, nem formas ideais, nem fragmentos mas suas deformações” (p. 140 – ZAERA-POLO, A.) “Tools capable of dismantling the articulation between different domains of material or social reality, permitting recombinations, densifications or dissolutions of some in others. The generation of uniform and disorganized body rather than a structured composition of parts as occurred in classical or modern architecture” “Ferramentas capazes de desmantelar a articulação entre diferentes domínios da realidade material ou social, permitindo recombinações, adensamentos ou dissoluções de uns nos outros. A geração de um corpo uniforme e desorganizado em detrimento de uma composição estruturada de partes como ocorria na arquitetura moderna ou clássica.” (27) (p. 140 – ZAERA-POLO, A.) “the seclusion of the majority of the constructed volume in the interior of the building. Determining the ground plans and sections of the buildings in sensibly non-directional proportion, the relationship between edified volume and facade surface is reduced to a minimum, aiming at a destructuration of space, replacing its natural determinations with artificial techniques”


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“o isolamento da maior parte do volume construído no interior do edifício. Determinando as plantas e cortes dos edifícios em uma sensível proporção não-direcional, a relação entre volume edificado e superfície de fachada é reduzida a um mínimo, aspirando à desconstrução do espaço, recolocando suas determinações naturais com técnicas artificiais.” (p. 145 – FRAMPTON, K.) “Unlike almost all of the morphological Works cited above, this superstructure provides not only for the precise spatial articulation of the interior, but also for the phenomenological character of the work, including in the instance large passenger-transit halls covered by widespan, steel-framed folded-plate roofs.” “Diferente de quase todos os trabalhos ‘morfológicos’ citados anteriormente, essa superestrutura proporciona não só pela organização espacial interior, mas também pelo caráter fenomenológico do trabalho, incluindo no caso espaços de alto trânsito de passageiros cobertos por estruturas metálicas de amplos vãolivres” (29)


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