MANIFESTO CONTRA O PENSAMENTO SENTADO
b i a n c a c e s c h i V i n i c i u s s e n a
MANIFESTO CONTRA O PENSAMENTO SENTADO
PROPOSIÇÃO EDUCATIVA
C O N T R A
M A N I F E S T O P E N S A M E N T O
O
S E N T A D O
Nem os últimos a se sentar
nem os primeiros se a levantar
Nos ocorre como começar um manifesto? O faremos em pé portanto.
A
f a v o r
d o
p e n s a m e n t o
e m
P É
.
N Ó S
Q U E
A N I M A I S
T Ã O
L I V R E S ,
S E N T A D O S .
por onde desce a palavra?
por onde escorrem os argumentos? deslizam delírios, deslocam afirmações? por onde escorre o pensamento?
SOBRE GLUTEOS E A SENT AÇÃO DO PENSAMENTO
0 Meu corpo dói, não sei bem onde e nem por quanto tempo. Meu corpo está cansado, mas não sei de onde vem. O corpo cansado se senta, o corpo com dor se senta, o corpo se senta mas não se sente. Anestesiado, já, com sua imobilidade constante, se senta para descansar o cansaço. E tudo a sua volta se senta também. Durante quatro horas diárias se senta um corpo obrigado a pensar. Durante oito horas diárias se senta um corpo obrigado a produzir. E mesmo que durante oito horas ou mais este corpo esteja produzindo em pé, seu pensamento está sentado, porque o corpo em pé está reproduzindo ideias sentadas. O corpo em pé está cansado. O corpo em pé está com as ideias sentadas porque está apenas reproduzindo, e onde não há criação, o pensamento está imóvel, sentado, sedado. Durante horas incontáveis e incabíveis, sentamo-nos.
Sentamo-nos, antes de tudo, porque fomos treinados. Temos de sentar para esperar, para escutar, para aprender, para viajar, para brincar ou para assistir. Os mais diversos tipos de assentos foram desenvolvidos - do mais tolo banquinho de apoio à poltrona estrategicamente moldada para o conforto das nádegas e a eficiência de um corpo sentado. Para o controle e a condescendência de um corpo sedado.
Sentar e sedar compartilham da mesma raiz latina do verbo e ambas as palavras querem nos dizer para nos acalmarmos - para acalmarmos nosso corpo e nosso pensamento excitado. Para que não tenhamos espasmos ou ideias intuitivas. Para que não nos saltem os pensamentos.
Na escola, por exemplo, a inquietude foi patologizada. É preciso se sentar e se calar, caso contrário recorre-se ao sedativo, pois NÃO CONSEGUE FICAR QUIETO SENTADO PARECE QUE TEM FORMIGA NA CADEIRA. Então é HIPERATIVA e não presta atenção nas aulas, está perdendo conteúdo porque não sabe ficar sentada. Crianças “hiperativas” são sedadas. Quando não por medicamento, por punição social. A aluna obediente é aquela que ganha na brincadeira da estátua. Estátua do corpo e mecanização da mente. A obediência é uma das filhas do biopoder, o poder que se dissolveu feito açúcar nos co(r)pos de água. Num copo, sua aparência continua incolor mas seus sabor está completamente alterado. Estamos todes adocicades, docilizades, sentades. A inquietude foi patologizada, à não obediência recorre-se à medicalização, que aqui temos enquanto sinônimo de sedação. Sentar foi o remédio da civilização?
Mas por que sentar a civilização?
Um pesquisador apontou, em 1993, que a proporção da Terra estava entre 24 bilhões de cadeiras para 6 bilhões de pessoas. Mas se faz recente na história da humanidade a universalização do banquinho - o trono, a posição sentada era, antes, associada à posição social. Nas ig rejas, por exemplo, tão comum a cadeira aos fiéis, foram mudanças experimentadas só com a Reforma Protestante. Antes disso, somente papas e bispos podiam se sentar. Da igreja para os nobres, dos nobres à burguesia, mas não ao Jeca Tatu. Nessa época as cadeiras não faziam parte da práxis corporal das pessoas do campo. Por isso Jeca Tatu acocorava-se, isto é, se sentava sobre os próprios calcanhares.
O Objeto, ao ganhar popularidade, perdeu seu sentido originário: quem senta, agora, obedece ao poder, que está sentado também, em algum lugar. No nosso lugar? A civilização compulsoriamente se sentou, de preferência em fila, num quadrado, numa ordem, nalgum número. Pois tal como a produção de objetos se expandiu e se intensificou com os avanços tecnológicos, também a produção de corpos e subjetividades tomaram proporções institucionais. Pois sentados ouvimos quais são as regras que já foram feitas. As regras que foram feitas muito antes de nós por alguém como nós que está sentado também como nós mas não sabemos quem.
Excedendo os limites da cadeira e do ato de sentar-se, queremos também falar da postura.
Enquanto pensamento sentado, como se emancipar quando o único movimento possível para o aprendizado é a inércia? O nosso modelo de educação é rígido de tal modo a tornar nossas ideias sedativos. Pensamos fraco o suficiente para sedar nossa imaginação - estamos fatigados. Justamente o esforço de aprender e continuar as etapas de escolarização/ensino é o que corrobora para uma prática sedativa. Nossas amizades e círculos de socialização automaticamente - nesse modelo escolar - implica uma separação de grupos, organizados e sedentários. Se configuram e manipulam em quais espaços da escola o corpo se sente confortável ou não.Dessa forma a cartografia do espaço também acaba por delimitar onde se aprende - com ou sem medo. São diversas as realidades de um sentado. De que forma se assentar? Seu corpo assente a desenvoltura corporal? Mas antes de tudo, de onde sento, tenho uma boa visão?
É sobre isso, perspectivas. Manifestamos contra uma paisagem de aprendizado que não se altere ao longo da caminhada - dos saltos. Quando propomos uma reflexão da aprendizagem através do pensamento em pé , queremos no fundo brincar com os protagonistas do aprendizado. Deveria a sala de aula ser palco protagonista da aprendizagem? Manifestamos sobre a possibilidade de saltar pensamentos e delirar verbos, à convite já de Manoel de Barros, reclamamos ao deleite de uma atuação energicamente corporal e mental. Não manifestamos à violência do dinamismo meritocrata escolar, que submete seus fazedores de conhecimento às mais ardilosas técnicas de memorização, repetição motora para desenvolvimento de capacidade extremamente específicas, repetição barata de conteúdos e informações sedando mais uma vez a imaginação.
Manifestamos o pensamento em pé, pela capacidade de EXPLORAR, DESCOBRIR novos CENÁRIOS por onde também podemos APREENDER lições do mundo - social e natural ; E acima de tudo, pelos DESAFIOS enfrentados e assim SUPERANDO-OS. Manifestamos contra um horizonte inerte que somente dispõe de soluções inflexíveis a uma realidade em constante TRANSformação.
(Não abominamos aqui o ato de sentar - mas nos questionamos sobre todas as relações de poder tensionadas a partir deste gesto que parece tão adorável, tão calmo, tão descansado, e tão universal. Questionamos o sentar compulsório dos corpos e o sedar sutil dos pensamentos.)
(Não abominamos aqui o ato de sentar mas nos questionamos sobre todas as relações de poder tensionadas a partir deste gesto que parece tão adorável, tão calmo, tão descansado, e tão universal. Questionamos o sentar compulsório dos corpos e o sedar sutil dos pensamentos.)