Visor Fotografria

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JULHO 2015 - 32 PÁGS. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

O Haiti é aqui



NESTA EDIÇÃO 22 O maior circo do mundo A cultura do circo mambembe registrada por Melvin Quaresma.

05 Rompimento Joseane Daher – rompendo o olhar no resquício da natureza do corpo de prova arquitetônico – um possível vislumbre.

14 Atemporal O tempo (ruim) pelas lentes de Daniel Castellano.

16 O Haiti é aqui Brunno Covello registra a vida dos imigrantes haitianos em Curitiba.

27 Pra onde vai a Roda Perspectivas da Roda de Fotógrafos para 2015

28 Projeto: Águas para a vida

08 Sineiros A tocada de sinos na Catedral Basílica Menor de Curitiba. Por Henry Milléo.

Joka Madruga e o desafio do financiamento coletivo

15 Albari Rosa Entrevista com um dos grandes nomes do fotojornalismo paranaense. Ficha técnica

Redação: André Rodrigues Colaboraram nestes edição: Joka Madruga e Marcos Xreda (DRT 8761) Foto Capa: Brunno Covello Email: visorfotografia@visor.com visorfotografia@gmail.com Os artigos assinados e imagens não expressam necessariamente a opinião do jornal. Trabalho de Conclusão apresentado ao Curso de Comumicação Social, com Habilitação em Jornalismo, do Centro Universitário Internacional (Uninter). Orientador: Prof. Dr. Guilherme de Carvalho


CARTA DO EDITOR

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Visor, um jornal em prol da fotografia.

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sta é a primeira edição do jornal Visor. Uma publicação em prol da fotografia. Há quem diga que se trata de uma iniciativa arriscada em tempos de hiper conexão e que todos reclamam da inconstância dos impressos. Mas, para quem acredita na Fotografia – e já passou alguns obstáculos nesse mercado – sabe que as coisas precisam ser plantadas e que se feita com carinho, dedicação e paixão, o fruto vem com certeza. Viabilizar um impresso com distribuição gratuita é mais uma paixão do que uma investida comercial propriamente. Afinal, em tempos de foto no computador não há fotógrafo que não se delicie com sua foto no impresso. Particularmente, acredito que um ensaio, reportagem ou uma foto única ganha ainda mais “punctum” (no empréstimo de um conceito de Roland Barthes) – e, assim, atingir sobremaneira o público quando materializada no impresso. Não estamos aqui para ensinar a

fotografar, criar linguagens ou vender produtos. O propósito é registrar os projetos, os ensaios, fomentar a prática da fotografia, promover e divulgar os diversos talentos que temos no Paraná e, porque não, de outros eixos. Independente da área da fotografia, seja na fotografia de casamento, autoral, fotodocumental, fotojornalismo, comercial e até mesmo amadora. No que diz respeito em divulgar ou tratar acerca das informações relativa ao universo fotográfico, a ideia é somar aos grandes exemplos como o de Alberto Mello Vianna, que editou o jornal “FotoGrafia” e o “Paspatur”, além de se espelhar em modelos nacionais e internacionais. Também convém dizer que atualmente Curitiba tem se tornando solo fértil para iniciativas individuais, coletivas e privadas em prol da fotografia. É um bom momento para plantar e arriscar. Bons cliques! Vocês fazem a fotografia.

André Rodrigues


PENSANDO FOTOGRAFIA

Rompimento O

título do presente projeto, Rompimento, caracteriza, antes de mais nada, o ponto de chegada de uma pesquisa fotográfica. Concebo, deste modo, que meu trabalho atual tem um duplo sentido. Por um lado, este mantém certo matiz antropológico advindo do trabalho anterior e por outro, consequência da evolução da minha fotografia em seu conjunto. Assim, ela já não é mais a mesma. É rompimento. Pictoricamente se apresenta em um objeto insólito da engenharia e da tecnologia de construções.

Percebi que há muito a ser explorado pelo meu olhar nesta segunda espécie de natureza que é o espaço urbano. O mencionado objeto tem o nome de corpo de prova. Um nome bastante sugestivo. Trata-se de uma amostra retirada na obra durante o lançamento do concreto. Após 7 e 28 dias a amostra é ensaiada em laboratório para verificação da resistência. O ensaio de resistência consiste na aplicação de uma carga de compressão até o rompimento do corpo de prova. O rompimento do concreto, que resiste até um dado momento, a compressão da carga é dialógico

ao momento de ruptura em meu trabalho imagético. Tudo isso encontra respaldo em uma pesquisa de mestrado anteriormente realizada. Tratava, neste caso, de situar no campo da antropologia visual, aspectos de relevância sobre os povos indígenas e a preservação de suas culturas, em meio a sociedade envolvente. Nessa dissertação, discorro sobre a idéia do selvagem ecologicamente nobre, criticado por Kent H. Redford, na qual, o índio ser superior no trato com os recursos naturais não passa de um mito originário do Jardim do Éden. Redford desconstrói o mito do nobre selvagem alegando que, no mundo contemporâneo, os índios podem ser forçados, tentados, ou mesmo seduzidos a adotar novos métodos e tecnologias para melhorar seu estilo de vida, sem barreira cultural que os impeça até de ameaçar a sustentabilidade dos recursos naturais disponíveis para sua sobrevivência. Na mesma linha de pensamento do selvagem ecologicamente nobre de Redford,o homem, nas cidades, tem se apropriado das novas tecnologias e locais, para dar espaço a outros lugares, e a outros tantos, na profusão das construções que vão tomando forma, todos os dias. Tenho fotografado extensivamente garagens, áreas comuns e apartamentos, casas, imóveis habitados e lugares que foram abandonados. Esses locais se encontram nos mais variados estratos de classes sociais. Diante da necessidade de materializar na imagem fotográfica essas

observações, e assim como, nos corpos de prova, o rompimento do concreto ocorre, minha pesquisa direciona-se, agora, para o rompimento com as imagens realizadas na Amazonia, durante os anos de 1991 a 2000, ou do Jardim do Éden, conforme Redford. Os materiais que fotografo ora estão em perfeito estado de conservação, ora com inúmeras patologias, espaços depredados, abandonados, sem manutenção, e sinto a presença de quem lá habitou um dia, os ‘vestígios de vida’ em meio aos materiais degradados. Entretanto, é o olhar para a anterioridade disso tudo, que meu olhar visa alcançar. Assim, as formas dos corpos de prova chamam-me a atenção, pela plasticidade quando intactos ou rompidos, pela cromia dos materiais, assim como, na pureza do concreto. A abstração, a forma pura na literalidade do concreto, busco deste modo, mostrar que é exatamente isso que nos faz tão paradoxais.

Joseane Zanchi Daher - Cursou Fotografia na Tish School of the Arts da New York University e New School for Social Research, em New York. Mestre em Antropologia Social pela UFPR. Realizou trabalhos fotográficos e antropológicos para o Museu Americano de História Natural de NY, ONU, AP, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico.

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RESENHA

Salgado por Salgado (filho)

Por André Rodrigues

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ara quem procura assistir o documentário “O Sal da Terra” em busca de bastidores de como Sebastião Salgado produziu suas impactantes imagens, vai encontrar muito pouco – pouco mesmo. Questões técnicas e as dificuldades da captação das imagens são pontos secundários. O fio norteador do filme dirigido por Wim Wenders e Juliano Salgado (filho do fotógrafo) é a análise das imagens e as impressões deixadas na vida do fotógrafo. O filme, que ganhou o Prêmio Especial na mostra Un certain regard do Festival de Cannes de 2014, foi indicado ao Oscar de melhor documentário este ano, e recebeu ainda o prêmio César, dado na França ao melhor documentário do ano, começa com as cenas de Serra Pelada e segue de forma cronológica apresentando a trajetória do fotografo. Salgado assume o papel de ator e narrador de sua história. Comenta como a cobertura de vários fatos envolvendo garimpeiros, sem-terras e vítimas da

guerra, modificou sua forma de ver o mundo. Aliás, numa determinada altura, Salgado conta que o genocídio de Ruanda (África), em 1994, foi uma experiência forte na vida dele e que depois disso voltouse às fotografias de natureza. O documentário está centrado na avaliação reflexiva da obra do fotógrafo, além é claro, do contexto do material produzido por Salgado – principalmente dos conflitos étnicos que presenciou. Análise corroborada e sustentada na voz de Wim. Perdeu-se uma boa oportunidade de romper com o estigma de fotógrafo que explora a estética da miséria – que muitos outros fotógrafos também exploram, mas de repente sem tanto casuísmo. Isto é, tudo continua encenado, milimetricamente pensando (tal como o roteiro do filme). Apesar de mostrar fatos já bem conhecidos do fotógrafo como o papel da esposa no apoio dos projetos e sua história sua história e apreensões acerca das imagens produzidas, o longa recupera apenas a “jornada” de Salgado e não vai muito além – proposta já realizada em outros filmes. A história de um fotógrafo ativista que retorna para sua casa (Minas Gerais) e se preocupado com as questões ambientais, reflete abaixo de uma árvore – uma bela encenação cinematográfica. Tem de tudo um pouco, drama, dificuldades, redenção e superação. Tratase da boa e velha construção do mito.

Ficha Técnica

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O Sal da Terra Título Original: The Salt of the Earth Direção: Juliano Ribeiro Salgado / Wim Wenders Produção: França / Brasil / Itália Ano: 2014


SHOTS Eventos, personagens, publicações e as últimas novidades de Visor

Mostra do MAC

Foto Innovation

O Museu de Arte Contemporânea do Paraná (MAC) promove até 23 de setembro a “Mostra do Acervo Fotografia”. Boa oportunidade para ver fotografias de João Urban, Nego Miranda, Vilma Slomp, Macaxeira, Orlando Azedo, Juliana Stein, e outros. Entrada free. Local: Desembargador Westphalen, 16 – Centro – Curitiba.

Para quem gosta de feiras e workshops rola em Curitiba nos dias 28 de setembro a 1º de outubro a Foto Innovation. Entre os palestrantes há nomes como o de Clício Barroso, Brasilio Wille, Paulo Cibin, entre outras atrações. Local: Espaço Torres – Jardim Botânico.

San Lázaro BabalúAyê

Trata-se de mais um livro que compõe a biblioteca da produção fotográfica paranaense. Iniciativa do fotógrafo Leandro Taques que documentou a festa religiosa em Cuba. Por meio de um projeto de financiamento coletivo (crowdfound) editou o livro que pode ser adquirido pelo valor de R$ 65 reais. Saiba mais: leandrotaques. com.br

Periscópio Urbano

Olhos do Pampa

O fotógrafo Daniel Castellano expõe o trabalho Periscópio Urbano na Biblioteca Pública do Paraná (BPP). Uma seleção de 20 imagens produzidas no período de 2008 a 2015 que apresentam a cidade de Curitiba vista de cima. A exposição, viabilizada por meio de um projeto de financiamento coletivo, segue até o dia 30 de julho.

Tadeu Vilani lança seu primeiro livro no qual a cultura gauchesca é o tema central. Ao longo de cinco anos, Tadeu percorreu o pampa do Rio Grande do Sul e nessas andanças registrou o cotidiano dos gaúchos que vivem na região. A Beira é a responsável pelas vendas do livro. R$ 100 reais. www. beira.me.

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ENSAIO Saiba como publicar seu ensaio entrando em contato pelo e-mail, pauta@visor.com.br

SINEIROS “O ponto alto é a hora do Glória, quando os sinos maiores ganham voz”

Por Henry Milléo

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onge dos fiéis, que se reúnem em frente à igreja para acompanhar a missa, um grupo de garotos aguarda olhando pelas frestas das venezianas das janelas e pelos vitrais a hora de fazer o sino soar. “O ponto alto é a hora do Glória, quando os sinos maiores ganham voz”, diz Milléo. Para compor a série “Sineiros”, Henry Milléo acompanhou por dois anos a manifestação religiosa de Corpus Christi na Catedral Basílica Menor de Curitiba. Este ano foi a última investida e o ensaio é finalizado. “Cada ano eu cobri uma etapa específica”, diz. No primeiro fui para ver como a coisa funcionva e fiz fotos dos meninos tocando sinos pelas cordas, no segundo fiz fotos de planos gerais e no terceiro ano encerrei com os retratos e alguns detalhes.” Henry Milléo conta que o ensaio foi algo sem muitas pretensões. De repente surja uma exposição virtual ou possa concorrer com as fotos em algum concurso. “Pode ser que eu faça uma mostra na igreja”, acrescenta. “Não descarto essa possibilidade.” 08

Henry Milléo - Jornalista de formação, trabalha há 20 anos com fotojornalismo. Atualmente está no jornal Gazeta do Povo, da cidade de Curitiba. Além do fotojornalismo desenvolve trabalhos autorais na área do fotodocumentarismo, abordando temas sociais e manifestações populares. Foi vencedor do Prêmio New Holland de Fotojornalismo em 2012 e um dos premiados no POY Latam em 2013, na categoria retratos.


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ENSAIO

Por Daniel Castellano

Atemporal

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onsta que Curitiba é uma das cidades mais chuvosas e de céu nublado do mundo. Há quem diga que o tempo ruim não colabora para um passeio com a câmera. O que não é o caso do repórter fotográfico Daniel Castellano, que desde 2008 edita o ensaio “Atemporal”, com flagrantes desses dias chuvosos. Guarda-chuvas quebrados, beijos molhados. Tempo ruim, mas de boas fotos...

Daniel Castellano - Iniciou a carreira em 2001 como auxiliar na fotografia do jornal Gazeta do Povo e em 2006 passou a integrar o quadro de repórteres fotográficos. Possui diversos projetos autorais e cobre o cotidiano na capital paranaense. Esteve presente na cobertura das enchentes de 2008 em Santa Catarina e 2011 na região serrana do Rio de Janeiro, na Copa América 2011 na Argentina e nos jogos olímpicos de Londres 2012.

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ENTREVISTA

A Síntese de Albari Rosa Por Joka Madruga

Albari Rosa é um dos nomes mais conhecidos do fotojornalismo no Paraná. Em seu currículo constam duas Copas do Mundo (2006 e 2010) e a Copa América de 1999. Foi diplomado em 2012 como “Jornalista Amigo da Criança”, pela ANDI – Agencia de Noticias dos Direitos da Infância. Quem é Albari Rosa? Em 1988 iniciei minha carreira de fotojornalista como freelancer para as revistas da Editora Abril (Revista Veja, Veja Paraná, Revista Placar e Exame) e para os jornais do eixo Rio/São Paulo, além do Diário Lance. Tive uma passagem pela assessoria de imprensa da prefeitura municipal de Curitiba. Em 1996, passei pela equipe do Jornal Folha de Londrina, onde cheguei ao cargo de editor de fotografia. Atualmente, sou repórter fotográfico do Jornal Gazeta do Povo. Como começou no fotojornalismo? Tenho orgulho de afirmar que comecei na Editora Abril em 1986, quando fui contratado como motorista da sucursal da Revista Veja em Curitiba e tive a sorte de conhecer e aprender muito com Nani Góis, o melhor repórter fotográfico do Brasil (atualmente ainda tenho esta opinião). Desde o inicio, encarei a minha função de motorista como provisória. Sempre tive vontade de evoluir

profissionalmente. O Nani reconheceu meu interesse no fotojornalismo. Incentivou-me a comprar uma câmera, porque ele me daria aulas, enquanto eu o acompanhava e o ajudava nas produções das pautas da Revista Veja. Deste modo, comecei a fotografar as mesmas pautas que ele fazia e todos os dias aprendia um pouco. Lembra-se qual foi sua primeira capa na Gazeta do Povo? Não me lembro da primeira capa da Gazeta do Povo, mas lembro da minha primeira foto publicada que recebi um pagamento por ela. Foi uma foto feita para a Revista Veja Paraná, do Risotão do Xaxim. Era um jantar dançante. A matéria era sobre locais que eram tradicionais da gastronomia, mas desconhecidos para as pessoas do centro e de outros bairros. O repórter era o atual famoso blogueiro do Paraná Zé Beto. Como ele sabia que eu estava iniciando na profissão resolveu me dar uma chance. Além disso, Zé Beto sabia que eu conhecia o bairro, pois morei

a vida inteira lá. O que você aprendeu sobre si mesmo sendo um repórter fotográfico? Ser uma pessoa mais consciente da importância para mim e para a sociedade do meu trabalho. Sou um autodidata e mesmo não tendo passado por uma academia (acho importante uma faculdade), sempre tive ética como ponto fundamental no resultado de todos os trabalhos que já fiz até hoje. Em toda profissão há obstáculos, você enfrentou muitos? Quais? Concordo que existam obstáculos, mas tenho certeza de que são eles que separam os profissionais dos amadores e dos aventureiros de plantão. Quem tem olhar fotográfico voltado para a informação sempre vai achar a melhor maneira de registrar a imagem. Nossa profissão exige que você prove todos os dias ser capaz de fazer bem feito. O bom fotojornalista é aquele que tem boas fotos todos os dias para as reportagens pautadas. A dinâmica de um

jornal diário não permite refazer trabalhos e as pautas de coberturas factuais (protestos, jogos de futebol, greves entre tantas outras) é praticamente impossível (errar, refazer?). O que você procura dizer com a sua fotografia? Procuro provocar nas pessoas uma reflexão mais profunda sobre assuntos do cotidiano que retrato. Fotojornalismo tem obrigação de trazer a público a realidade dos assuntos mesmo que a imagem remeta a dor, fome, indignação ou que choque e cause comoção. Em assuntos positivos a leitura tem que ser da mesma forma retratando explosão de alegria e emoção. Fico feliz quando consigo captar e transmitir nas minhas fotos as mesmas sensações que senti quando estava fotografando. Tem algum projeto documental ou autoral no momento? Qual? Desde 1988, quando comecei no fotojornalismo, tenho absoluta certeza de que meu trabalho é documental porque meu (continua na página 30) 15


ENSAIO

O Haiti é aqui Por Brunno Covello

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Haiti é um país afetado por problemas econômicos, políticos e sociais. Como se não fosse razoável, em 2010, um terremoto destruiu de forma avassaladora o país e mais de 300 mil haitianos morreram. A alternativa para alguns foi buscar uma nova terra para recomeçar. O Brasil foi um dos destinos e a capital paranaense tornou-se um das principais rotas da região sul. Segundo dados da pastoral do migrante de Curitiba quase 5 mil haitianos vivem na cidade e região metropolitana. A (nova) vida dos haitianos em Curitiba chamou atenção do fotógrafo Brunno Covello e tornou-se tema de um projeto fotodocumental. “Este projeto visa registrar os primeiros passos destes imigrantes em terras desconhecidas”, diz. “Os sofrimentos, as conquistas, as novas relações criadas, as dificuldades para conseguir emprego, o preconceito, a religião, enfim, todas as complexidades enfrentadas pelos haitianos neste recomeço.”

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Brunno Covello - Começou a fotografar aos 19 anos e atualmente trabalha no jornal Gazeta do Povo. Fora as pautas do jornal, dedica-se ao fotojornalismo com especial gosto pelo retrato. Foi Finalista do prêmio Conrado Wessel (2015), levou o 1º e 2º lugar do prêmio Fiep de Fotojornalismo e segue se destacando


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ENSAIO

O maior circo do planeta

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“E sejam bem-vindos ao maior circo do planeta”, disse Elizeu, palhaço do Circo Dentinho. E já completou: “Nunca lota”.

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Por Melvin Quaresma

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elvin Quaresma presta atenção na arte circense desde a infância. Assistiu seu primeiro espetáculo no “Le Cirque”, um grupo francês com considerável estrutura e espetáculos bem produzidos. Mas, foi um circo pequeno, no qual não se falava francês, inglês, nem espanhol, “malemá” o português, que chamou a atenção para iniciar um documentário fotográfico. “Descobri certo desapontamento quando constatei que a minha curiosidade não era sobre os circos fabulosos e colossais. Eu queria buscar a essência do segundo circo que conheci na vida, o espírito de um espetáculo que, apesar de extremamente precário, era fantástico.” E foi em 2012 que Melvin começou a fotografar o circo “Dentinho”, em São José dos Pinhais. Um circo de bairro, de poucos assentos e

apresentações clichês. “Ganhava na simplicidade, na alegria dos palhaços e na interação constante com o público”, observou. Com a intenção de mostrar a beleza que está por trás das cortinas Melvin acompanhou os ensaios da trupe, formada por seis pessoas, durante três meses. Nas fotos, um pouco dos bastidores de um espetáculo circense simples e de baixíssimo orçamento, mas cheio de alegria. Curiosidade não era sobre os circos fabulosos e colossais. Eu queria buscar a essência do segundo circo que conheci na vida, o espírito de um espetáculo que, apesar de extremamente precário, era fantástico.” E foi em 2012 que Melvin começou a fotografar o circo “Dentinho”, em São José dos Pinhais. Um circo de bairro, de poucos assentos e apresentações clichês. “Ganhava na simplicidade, na alegria dos palhaços e na interação constante com o

público”, observou. Com a intenção de mostrar a beleza que está por trás das cortinas Melvin acompanhou os ensaios da trupe, formada por seis pessoas, durante três meses. Nas fotos, um pouco dos bastidores de um espetáculo circense simples e de baixíssimo orçamento, mas cheio de alegria.

Melvin Quaresma cursa Jornalismo na PUC-PR. Começou a fotografar em 2008 com foco em fotografia de rua. Em Curitiba, onde reside atualmente, atua como fotógrafo freelancer. Venceu o Concurso de Fotografia Canon do Brasil 2013 e o ensaio “Circo – A vida no picadeiro” foi o vencedor na categoria Fotojornalismo do Prêmio Sangue Novo 2015.


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CENÁRIO

Pra onde vai a Roda...

Foto: Daniel Castellano

Por André Rodrigues

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Roda de Fotógrafos é uma iniciativa singular no meio fotográfico de Curitiba. Evento realizado periodicamente capaz de realizar o feito de reunir a galera da fotografia para um momento de partilha de conhecimento, referências e principalmente uma boa troca de experiências. As cadeiras do auditório Potty Lazzaroto, no MON, ficam praticamente todas ocupadas. Um feito muito legal para quem começou modesta – num encontro realizado pelo fotógrafo Daniel Caron no qual cinco a 10 cabeças participaram. A Roda ganhou corpo, parceiros e segue com o intuito de crescer ainda mais. A iniciativa já colheu alguns frutos, como a publicação do livro, aparições em festivais como o Paraty em Foco, Tiradentes, mas a galera visiona mais além.

“A ideia geral é tornar a Roda sustentável para que ela cresça e todos possam dar mais atenção e energia para ter ainda mais novidades”

Daniel Caron diz que a expectativa em relação ao futuro da Roda é muito boa, principalmente pelo fato de ela ser espaço consolidado de discussão do fazer fotográfico. “Propor reflexões sobre a fotografia não é algo novo, mas manter os encontros acontecendo com regularidade e alto nível nas apresentações é o desafio que nos propomos e temos conseguido”, salienta. Lucas Pontes diz que a proposta é tornar a Roda um projeto viável em tempo e financeiramente para todos. “A ideia geral é tornar a Roda sustentável para que ela cresça e todos possam dar mais atenção e energia para ter ainda mais novidades”, diz. Algumas iniciativas já estão em andamento como a venda do livro e a confecção de camisetas. E a mais importante: a busca pelo financiamento por sistema lei de incentivo.

Para ajudar a Roda continuar assumiram trabalhos direta e indiretamente Leo Flores, Tchê Vinicius, Macaris, Shumman, Isabela Lanave, entre outros como Sérgio Vanalli e Laura. Cada um ajuda da maneira e na área de conhecimento que tem. Ou seja, um ajuda no design, outro na divulgação, seleção do material, viagens e assim vai. Quem já entrou na roda Muita gente bacana e de boa produção já deu o ar da graça na Roda. O evento abriu espaço para personas da fotografia local como Henry Milléo, Antonio Costa, Leandro Taques, Lucas Pontes, Nego Miranda, Marcelo Almeida, Alexandre Mazzo, Lineu Filho, Daniel Castellano, Osvaldo Santos Melo, Sérgio Vanalli (só para citar alguns nomes), compartilharam experiências neste espaço. 27


PROJETO

Um projeto chamado

Ă guas para a V 28


Vida

Por Joka Madruga

A produção fotográfica local vive bons momentos e propostas de mais fôlego vêm ganhando espaço. Projetos que se tornam realidade por meio de iniciativa de financiamento coletivo – o tal do crowdfunding. “Águas para a vida”, encabeçado pelo repórter fotográfico Joka Madrgua, é um exemplo dentre os que estão rolando.

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projeto ainda está em andamento, p r i n c i p a l me n t e pelo fato de o financiamento não ter arrecadado na integra. Joka Madruga explica que ao elaborar a ação já tinha em mente que o tema não possuía todo aquele apelo. Questão que influenciou, inclusive, na escolha da plataforma para buscar a arrecadação. “Porque eu fechei com o Kickante? Porque o Kickante tem a opção que é flexível, ou seja, mesmo que você não atinja o 100%, você pode resgatar o dinheiro”, diz. Então com os 9 mil que arrecadou de 144 boas almas preocupadas com a situação das famílias que vivem à beira dos rios atingidos pela construção de barragens, Joka Madruga reestruturou as pautas, reformulou o roteiro e pegou o que tinha para contar a história. Opção boa foi focar no Rio Xingu e ir pensando em outras maneiras de financiar as outras viagens. A onda do financiamento coletivo é atrativa, mas Joka Madruga ressalta que a coisa não é assim tão simples. Além

de precisar ter uma boa rede de contatos (virtual e físico), também vão ser necessárias outras ações se você quer ter sucesso na campanha. Dedicar tempo para divulgar a ação é uma delas. Joka disse separou no mínimo 3 horas por dia na função de apelar para a contribuição, publicar posts, mandar emails e sair para convencer a galera a doar. “Durante a campanha você não pode depender só da internet, de Facebook e das redes sociais”, diz. “Tem de gastar sola de sapato”. Joka diz que teve 60 dias de campanha, entretanto, desse período 20 dias que foram praticamente nulos devido a uma crise de gota que impediu o fotógrafo de dar aquela boa gastada na sola do sapato. Esta foi a primeira vez que o fotógrafo participou de um sistema de crowdfunding, avaliando positivamente a experiência. Não por menos dá o toque para a galera investir nas grandes reportagens. “Tem que sair do comodismo, se desafiar”, diz. “Como repórter fotográfico não dá mais para depender dos jornais. É elaborar o projeto e correr atrás.”

O que é Crowdfunding Trata-se de uma espécie de “vaquinha” para viabilizar um projeto, ideia ou negócio. Uma forma colaborativa de arrecadar dinheiro para a coisa do papel. O autor explica a proposta, coloca numa plataforma, define os valores – geralmente pequenas quantias – e as contrapartidas para quem for contribuir. Sites de crowdfunding estão se estabilizando, entre eles: o Catarse, Kickante, Startando, ComeçAki, Benfeitoria, entre outros.

Em relação ao projeto, de repente outro apelo seja necessário, mas a história dos atingidos pelas barragens segue sendo contada. Alguns contatos com parceiros já foram feitos, o que já garantiu a financiamento da passagem para a próxima viagem – falta correr atrás dos custos com estadia e alimentação. Águas para a vida O projeto fotográfico teve início em 2013 quando Joka Madruga, a convite do Movimento dos Atingidos por Barragens, registrou a população atingida por barragens em Altamira e Itaituba, no Pará. Surge a ideia de registrar os efeitos da construção de barragens das usinas hidrelétricas de Jirau, Santo Antônio, Complexo Tapajós e Belo Monte. A proposta e trazer à tona os impactos sociais que as obras acarretam no cotidiano das pessoas atingidas e também ambientais na natureza ao redor destes locais. “Não é um projeto contra o progresso, mas a favor da vida”, ressalta o repórter fotográfico Joka Madruga.

Joka Madruga fotografa desde 1988. Como repórter fotográfico produziu imagens para agências de fotografia, políticos, secretarias de governos, empresas, sindicatos e movimentos sociais de esquerda. Para saber mais: http://www.terrasemmales. com.br/ http://www.jokamadruga.com/

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(continuação da pág. 15) compromisso é com a realidade e já esta pronto. Venho retratando cidades e pessoas e costumes por onde passo. Meu outro projeto no momento está ligado à fotografia sim, mas não é autoral nem documental e sim o de ensinar fotografia de maneira simples eficiente. Qual é o fator mais importante em fazer uma boa foto? Para mim, que trabalho com jornalismo, é imprescindível que a imagem tenha informação clara e objetiva (poder de síntese). O profissional tem que ser perspicaz e ter uma visão periférica desenvolvida. Outra questão muito importante também é ter pleno domínio técnico da fotografia e do equipamento que esta manuseando. O que significa para você

fotografia de reportagem e o papel dela para a justiça social? A foto-reportagem tem o poder de denunciar e promover discussões sobre assuntos que muitas vezes ficam à margem da sociedade. Quando você consegue “escrachar” falcatruas, irregularidades, injustiças, desmandos, é como se você desse um soco no estomago da sociedade e provocando discussões e cobranças nas pessoas que trabalham no enfrentamento das questões sociais. Depois, ver isso ser corrigido é fantástico. Com toda sua experiência, acredita que uma imagem pode transformar uma realidade? Já viveu alguma experiência assim? Como foi? Sempre acreditei no poder da imagem. Tenho uma experiência profissional que comprova e sempre me da força para

continuar acreditando nisso. Em 2004, o repórter Mauri König e eu, fizemos uma reportagem com uma família que morava às margens de uma estrada no sudoeste do Paraná, município de Mangueirinha. Esta matéria contava a vida de uma das centenas de milhares de famílias que vivem abaixo da linha da miséria no Brasil. A matéria recebeu o titulo “Devorados pela Miséria” e a foto principal era dos pés do menino Luiz Gabriel, cheio de feridas provocadas por bichos de pés. A reportagem provocou imediata indignação das instituições governamentais e não-governamentais. De imediato o menino foi levado para um hospital para ser tratado, o restante da família recebeu ajuda e doações surgiram de todos os lugares e pessoas. Passado cinco anos voltamos na região para encontrar a família, e claro que os encontramos vivendo numa casa de alvenaria, doada pelos comerciantes e empresários da cidade, em um bairro na periferia. O Gabriel veio correndo em nosso encontro e logo nos contou que tinha acabado de ganhar uma medalha no campeonato de futebol da escola. Luiz Gabriel estava ameaçado de ficar aleijado, porque sem os dedos qualquer pessoa fica impossibilitada de ficar em pé por falta de equilíbrio. Leia matéria publicada na Gazeta do Povo. Você acha que é necessário repensar o papel do repórter fotográfico no cenário das comunicações virtuais e do avanço tecnológico? O papel não! Acho que os veículos de comunicação e os profissionais é que tem que rever alguns conceitos fotográficos. Com os avanços tecnológicos nos equipamentos e nos softwarers fotógrafos empresas tem que ter bem definidos qual a finalidade do pós-foto, tratamentos e manipulações. A fotografia sempre gozou de um conceito de muita credibilidade e temos a obrigação de zelar isso tomando

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“Para mim, que trabalho com jornalismo, é imprescindível que a imagem tenha informação clara e objetiva (poder de síntese)” muito cuidado para não deixar o conceito mudar. O papo sempre foi “se tem foto aconteceu”. Numa reportagem, como a Polícia Fora da Lei, qual o apoio que o jornal oferece para os profissionais envolvidos? Recebemos nesta matéria e em outras reportagens investigativas todo o apoio do jornal, durante a produção da reportagem e depois de publicada também. Houve alguma perseguição contra algum dos jornalistas envolvidos? Sim! E o jornal tomou todas as providencias necessárias não só com os jornalistas mas também com familiares, além de denunciar para os órgãos responsáveis e cobrar providencias do governo. Esta foi a experiência mais intensa de sua carreira ou teve alguma outra? Foi com certeza a mais difícil e tensa de todos os trabalhos que já realizei, mas também foi muito gratificante profissionalmente. Montamos uma equipe de verdadeiros repórteres. O fotojornalismo pode justificar o risco de sua própria vida? Claro que não. Assunto nenhum pode ser mais importante que a vida.No fotojornalismo foto boa é a foto que você consegue trazer para o jornal para ser publicada.


MOBILE PHOTO

Fotógrafo: Marcos Xreda Local: Complexo do Alemão Rio de Janeiro Aparelho: Samsung Galaxy S4 Zoom

SELF

Marcel Sachetti, natural de Presidente Prudente (SP), fotografa desde 2005. Configurou os próprios meios de composição e apostou em liberdade na fotografia, única forma talvez de enfatizar o valor que devidamente atribui aos instantes físicos e humanos, intensificados e enriquecidos pela qualidade e diferenciação de captação/tratamento, sem as prisões intelectuais muitas vezes impostas no dia a dia das profissões. Atualmente produz fotografias autorais e realiza trabalhos com músicos, bandas e artistas, mas considera-se fotógrafo de guerra - guerra para encontrar dinheiro.

“A fotografia deve ser um irrecusável mergulho, ressaltando o caráter real a ser, fundamentalmente, uma memória fiel; uma tradução dos meus olhos registrada para o resto dos tempos.”

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Quando fotografia e literatura se cruzam

Foto: André Rodrigues

IMAGINITUDES

“Se você não tomar cuidado vira um número até para si mesmo. Porque a partir do instante em que você nasce classificam-no com um número. Sua identidade no Félix Pacheco é um número. O registro civil é um número. Seu título de eleitor é um número. Profissionalmente falando você também é. Para ser motorista, tem carteira com número, e chapa de carro. No Imposto de Renda, o contribuinte é identificado com um número. Seu prédio, seu telefone, seu número de apartamento - Tudo é número. [...] E quando a gente morre, no jazigo, tem um número. E a certidão de óbito também. Nós não somos ninguém? Protesto. Aliás é inútil o protesto. E vai ver meu protesto também é número.”

Clarise Lispector

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