VITOR MORAES
ENTRE O URBANO E O CINEMATOGRÁFICO: CINEMA DE RUA EM LONDRINA
Trabalho Final de Graduação apresentado ao departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual de Londrina, como obtensão ao título de Arquiteto e Urbanista. Orientadoras: Profª Ma. Elisa Roberta Zanon Porfº Ma. Olívia Orquiza de Carvalho Zara
LONDRINA 2019
Trabalho Final de Graduação apresentado ao departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual de Londrina, como obtensão ao título de Arquiteto e Urbanista. BANCA EXAMINADORA:
Profº Componente da Banca 1
Prof Componenete da Banca 2
Profº Componente da Banca 3
Londrina, de
de 2019.
AGRADECIMENTOS Primeiramente, agradeço minha família pelo apoio incondicional, em especial a meus pais, que nunca mediram esforços para que eu pudesse realizar meus sonhos. À minha orientadora Elisa Roberta Zanon, que ao longo não só deste trabalho, mas de toda graduação, sempre me guiou de forma entusiasta e receptiva. Levarei todo conhecimento e experiência adquirido com você para a vida. Você é inspiradora! Agradeço ainda à Prof. Olívia Orquiza de Carvalho Zara, que majestosamente me guiou nas etapas finais do trabalho. À minha família da UEL, da qual sempre juntos, crescemos, nos divertimos, choramos e rimos (inclusive de nervoso). Acredito piamente que cada minuto que passei nesta fase foi mais fácil ao lado de vocês. Aprendemos muito uns com os outros e agora gosto de pensar que ao fim desse ciclo, levamos um pedaço de cada um consigo mesmo. Vocês sempre terão um lugar especial no meu coração. Ana, Malu, Kaw, Geo, Marj, Miga, Susan e Tati, amo vocês! Aos meus amigos Bianca, Mari, João, Paloma e Isa. Amigos de longa data e amigos que de certa forma, a arquitetura me dera. Obrigado pela paciência, e espero poder compensar todos os momentos em que não pude estar com vocês durante esse processo. Ao grupo Contemporar e o professor Rovenir Bertola pelas discussões sempre instigantes e certeiras em nutrir a minha vontade pela arquitetura – muitas vezes testada –, me abrindo os olhos para a interdisciplinaridade fundamental desta arte. Por fim, a todo educador que ao longo da minha constituição de ser, da escola a universidade, me inspirou de alguma forma ou outra. Este trabalho é também fruto da atuação de vocês sobre mim. A vocês, todo o meu estimo. Obrigado.
MORAES. Vitor Hugo da Silva. Entre o Urbano e o Cinematográfico: Cinema de Rua em Londrina. 2019. Trabalho Final de Graduação Interdisciplinar do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual de Londrina. Londrina, 2019.
RESUMO
A investigação deste trabalho centra-se na relação entre cidade e cinema, com foco nas tipologias de exibição cinematográfica, sendo os antigos cinemas de rua presentes no centro da cidade de Londrina, o objeto de estudo. Estabelecidas as referências, propõe-se a recuperação de um dos cinemas ainda remanescentes na malha urbana de Londrina, o Cine Augustus, visando uma proposta que procure negar a nulificação da arena social realizada pelos multiplex. Palavras chave: cinema, cinema de rua, centro, espaço público.
MORAES. Vitor Hugo da Silva. Between Urban and Cinematographic: Street Cinema in Londrina. 2019. Final Interdisciplinary Undergraduate Work of the Architecture and Urbanism course at the State University of Londrina. Londrina, 2019.
ABSTRACT
The investigation of this work focuses in the relationship between city and cinema, with focus in the typologies of cinemathografic exibitions, where the old street cinemas presents on the downtown of Londrina are the object of study. Stabilished the references, propouses the recovery of one of the storefront theatres still remaining on the urban mesh of Londrina, the Cine Augustus, aiming the propousal that looks up to deny the nullification of the social arena performed by the multiplexes. Key words: movie theaters, storefront theatres, downtown, public space.
LISTA DE ABREVIAÇÕES ANCINE – Agência Nacional de Cinema; APL – Arranjo Produtivo Local; CCBB – Centro Cultural Banco do Brasil; CONCINE – Conselho Nacional de Cinema; CTNP – Companhia de Terras do Norte do Paraná; FILO – Festival Internacional de Londrina; KINOARTE – Instituto de Cinema e Vídeo de Londrina; IPPUL – Instituto de Pesquisa e Planejamento de Londrina; NAV – Núcleo Audiovisual de Londrina; NPD – Núcleo de Produção Audiovisual; PROMIC – Programa Municipal de Incentivo à Cultura; SEEC – Secretaria de Estado de Cultura; SMDU-SP – Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano de São Paulo; UEL – Universidade Estadual de Londrina;
SUMÁRIO 1. 2. 2.1 2.2 2.2.1 2.2.2 2.2.3
INTRODUÇÃO TEMÁTICA ACERCA DAS RELAÇÕES ENTRE CIDADE, ARQUITETURA E CINEMA ARQUITETURA DE ESPECTAÇÃO: O CINEMA COMO ESPAÇO CONSTRUÍDO UMA ARTE ESSENCIALMENTE URBANA E MODERNA VAUDEVILLES E NICKELODEONS: AS PRIMEIRAS SESSÕES DOS MOVIE PALACES AOS MULTIPLEX: A NULIFICAÇÃO DA ARENA SOCIAL
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3. 3.1 3.2 3.2.1 3.2.2 3.2.3 3.2.4 3.3
LEITURAS URBANAS BREVE HISTÓRICO O CENTRO DE LONDRINA: CENÁRIO DOS CINEMAS DE RUA OS PROGRAMAS DA LONDRINA PIONEIRA OS ANOS DOURADOS A DECADÊNCIA DOS CINEMAS DE RUA DO CENTRO: O PROCESSO DE “SHOPPINIZAÇÃO” OS REMANESCENTES UM BREVE PANORAMA DA CULTURA AUDIOVISUAL EM LONDRINA
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4. 4.1 4.2 4.3 4.2.1
APONTAMENTOS PROJETUAIS ESCOLHA DO LOCAL DE INTERVENÇÃO ANÁLISE E DIAGNÓSTICO O CINE AUGUSTUS ANALISE DE CORRELATOS
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5. 5.1 5.2 5.3 5.4 5.5
PROJETO DIRETRIZES GERAIS RECUPERAÇÃO DO CINE AUGUSTUS CONCEPÇÃO DA GALERIA SALA DE EXIBIÇÃO SOLUÇÕES TÉCNICAS E PROJETUAIS DIRETRIZES PARA INTERVENÇÃO NA PRAÇA GABRIEL MARTINS
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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 8. APÊNDICES
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1. INTRODUÇÃO
Como os cinemas foram parar dentro dos shoppings centers? A premissa do seguinte trabalho parte do objetivo de destrinchar a trajetória das tipologias de exibição cinematográfica, desde sua criação na Paris caótica e superestimulante do fin-de-sieclé, até sua chegada aos grandes complexos comerciais, respaldada na nulificação do cinema como arena social.
A proposta do trabalho baseia-se justamente na recuperação de uma dessas salas de exibição remanescentes visando criar um espaço de cinema que que se impunha como uma alternativa a narrativa do mercado de exibição cinematográfica, pautado na supressão de qualquer programa ou discussão que interrompa a lógica comercial.
Dado esse contexto, a pesquisa constitui uma abordagem feita a partir da cidade, ou seja, parte da existência de cinemas no tecido urbano. A fundamentação se apoia a partir do método histórico , em um pensamento constituído do macro para o micro, buscando inserir esse contexto na cidade de Londrina.
A escolha do cinema a ser recuperado se constituiu de uma leitura do seu entorno, elencando suas potencialidades e particulariades de se gerar um espaço de intrínseca relação com a cidade, e mais especificamente, com o centro da cidade, criando uma experiência que os multiplexes não podem ofercer.
Essa mescla de contextos entre o mercado exibidor e a cidade de Londrina se da a partir da interpretação da realidade, realizada a partir de um levantamento histórico, onde constatou-se que a maioria dos cinemas de rua que já existiram em Londrina, estavam implantados no centro da cidade. Da realização desse
Sendo assim, a proposta final resulta de três campos de análise: a interpretação da realidade, a análise e diagnóstico do local e entorno do cinema escolhido para intervenção, e por fim, da analise de projetos correlatos, escolhidos a partir da similaridade entre contextos e condições de projeto.
levantamento são descobertos dois antigos cinemas de rua ainda existentes na malha urbana do centro.
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2. TEMÁTICA 2.1. ACERCA DAS RELAÇÕES ENTRE CIDADE, CINEMA E ARQUITETURA
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ão é novidade que o cotidiano do espaço urbano sempre tenha fornecido matéria para o imaginário das artes, e tratando-se da sétima arte em especial, uma coisa é certa: o cinema não existiria como conhecemos hoje se não fosse por sua relação mútua construída com as cidades e com quem as habita. Mas afinal, o que torna as cidades tão atraentes ao cinema? Traçando um paralelo entre o mundo das artes, o teórico Walter Benjamin (1987), em seu texto A Arte na Era de sua Reprodutibilidade Técnica, de 1936, ressalta o poder do cinema como uma arte da massa em detrimento das artes plásticas – dotados de aura¹ , algo único e autêntico na qual existe uma dicotomia distância-proximidade entre arte e indivíduo –, que restrita ao grande público, não permite, de forma plena, a contemplação coletiva. Para ele, o cinema permitiria, assim como a arquitetura sempre permitiu. Mais afundo neste paralelo, o autor define dois tipos distintos de recepção para ambas as artes, onde a arte tradicional se dá de forma óptica – através contemplação, pela concentração, atenção, etc –, e o cinema, de forma tátil – através do habito, pela dispersão, observação casual e uso – (BENJAMIN, 1987). A arquitetura sempre transitou entre ambos os tipos de recepção elencados pelo autor. Segundo Solfa (2008), Benjamin encontra no modo de recepção da arquitetura, uma forma de adequar a produção artística a percepção das massas, e assim, descarta convenções artísticas
convencionais (pintura e escultura), defendendo uma nova arte (o cinema) que se mantenha vinculada a sociedade a partir da reprodutibilidade técnica. A arte conseguirá resolver as mais difíceis e importantes [tarefas] sempre que possa mobilizar as massas. É o que ela faz, hoje em dia, no cinema. A recepção através da distração, que se observa crescentemente em todos os domínios da arte e constitui o sintoma de transformações profundas nas estruturas perceptivas, tem no cinema o seu cenário privilegiado. (...) É na arquitetura que ela está em seu elemento, de forma mais originária. (BENJAMIN, 1987, p. 193-194)
Em outras palavras, para Benjamin, o cinema mudou o comportamento do espectador perante as artes a partir da reprodução da técnica, comportamento esse pautado em uma maior atividade e engajamento, possibilitando a transformação da arte e do seu modo de percebê-la. Solfa (2008) ressalta que nos anos que seguem a esse texto de Benjamin, a arte haveria de passar por mudanças radicais com “o declínio do modo de contemplação tradicional e da herança renascentista de representação do real tornando-se cada vez mais visível. ” (SOLFA, 2008, p. 3) Benjamin acreditava no cinema como uma força catártica, que permitiria o encontro da verdade, diferente da arte aurática, presa no mundo das aparências. Essa catarse proporciona um despertar para além da tradição como um fardo opressor. Nesse sentido, o cinema pode ser visto tanto como superação, quanto construção de novas realidades e imaginários (SELIGMANN-SILVA, 2013). Essa ilusão de verdade foi provavelmente a base para o sucesso do cinema: a prática cinematográfica representava a união entre técnica e arte para reproduzir a realidade.
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Frames de A chegada do trem à estação Ciotat, dos Irmãos Lumiére.
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17 Tomemos como exemplo a primeira exibição dos irmãos Lumiére, na qual a imagem de um trem avança do fundo da tela para o primeiro plano, fazendo com que as pessoas fugissem apavoradas da sala de projeção, como se o espaço da tela fosse uma extensão do espaço real e esse pudesse ser transposto, como um truque de ilusionismo. É o espectador quem atribui à imagem características de realidade, imerge nos frames fornecidos à sua percepção, e distraídos, são convencidos de se tratar de realidade, e não de um processo de significação. É necessário um distanciamento desse fenômeno para favorecer o reconhecimento das possibilidades que se abrem com essa linguagem. (SOUZA, ROCHA; 2007). A linguagem cinematográfica alias nasce justamente da ideia de que um filme, assim como a arquitetura, é um meio de expressão; consequentemente, necessita de meios e métodos para manifestar-se e simbolizar-se assim como todas as outras. Para Bernardet (1985), a linguagem cinematográfica passou então a ser organizada em estruturas narrativas e suas relações com o espaço.
espacial do fenômeno arquitetônico urbano, uma vertente de representação que ultrapassa as barreiras abstratas do bidimensional – plantas, cortes e fachadas, que segundo o autor, são incapazes de proporcionar uma leitura completa do espaço, já que não inclui a escala humana. Para Zevi (1996), a melhor forma de aprender um lugar ou edifício é caminhar por ele, estabelecendo relações pela vivência, num percurso arquitetônico. Em uma película, a câmera percorre o espaço como uma extensão do olho; essa relação de identificação do olho do espectador com a lente da câmera apresenta sentido claro sobre a captura de fragmentos da realidade: filmar pode ser entendido como um ato de recortar o espaço em imagens de um determinado ângulo, com determinada finalidade expressiva. (BERNARDET, 1985).
Sendo assim, o cinema faz, a partir do vídeo, a mediação da multiplicidade de imagens no tempo e diversos pontos de vista, conduzindo a retratação de incontáveis percepções de um mesmo lugar utilizando-se de uma linguagem própria em recursos como a manipulação de ângulos, iluminação, elaboração de É importante ressaltar que o cinema não é es- planos-sequência e diversos artifícios que modificam sencialmente uma arte do espaço, mas deve ser levado o ambiente real e acrescentam o espaço físico a traem consideração o valor do espaço fílmico, pois o espaço ma – ao ponto de em alguns casos, a própria cidade do filme só tem sua temporalidade reconhecida ao passo se tornar um personagem da história, como vemos que também se assimila a sua dimensão temporal na tela, em Medianeras (2011), dir. Gustavo Taretto, onde a visto que o tempo é o dado mais imediato reconhecido em cidade de Buenos Aires é o centro da história, e mais nosso esforço de apreensão do filme (SANTOS, 2010). recentemente em Roma (2018), dir. Alfonso Cuaron, gravado em Roma, vilarejo mexicano. Arquitetos e urbanistas desde os primórdios da prática dispuseram de inúmeras variações e meios para representar o espaço. Bruno Zevi (1996), historiador e crítico de arquitetura, vê na linguagem cinematográfica um meio capaz de inserir a temporalidade na percepção
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Frames dos filmes Medianeras e Roma: a cidade protagonista. Fonte: Cuaron (2018), Taretto (2011).
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Importante ressaltar que a cidade se impõe como uma força geradora de conteúdo para o cinema, e este constrói mecanismos capazes de explorar versões e retratos da mesma: a figura do cotidiano, a constituição histórica, a distopia futurística, o espaço de conflito, de encontro, etc. Assim, o cinema nos conduz não só a diversas percepções, como também ao imaginário de cidades e lugares distantes, seja qual for o viés exposto em sua linguagem.
As duas versões de Los Angeles contrastante, por Chazelle em La La Land e Ridley Scott em Blade Runner. Fonte: Fox Studios, Warner Bros.
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Um exemplo são as duas versões de Los Angeles, nos Estados Unidos, retratadas pelo diretor Damien Chazelle e sua visão romântica, colorida e saudosista aos musicais da época de ouro de Hollywood, presente em La La Land (2016); e Ridley Scott em sua distopia caótica e negativista, Blade Runner (1982), em uma Los Angeles escura e sem vida. Em imagens e situações distintas, convergem sua narrativa no mesmo espaço geográfico, em espaços fílmicos completamente opostos.
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2.2. ARQUITETURA DE ESPECTAÇÃO: O CINEMA COMO ESPAÇO CONSTRUÍDO 2.2.1. UMA ARTE ESSENCIALMENTE URBANA E MODERNA
O
e valores estão sujeitos a questionamentos, o cinema surgiu como a expressão mais completa dos atributos da modernidade, que por sua vez, residiu de uma imersão total no cotidiano. (CHARNEY, SCHWARTZ; 2001).
Georg Simmel , em 1903, escreve em “A metrópole e a vida mental” que a cidade moderna ocasionou a “rápida convergência de imagens em mudança, a descontinuidade acentuada no alcance de um simples olhar e a imprevisibilidade de impressões súbitas”. Assim, como o cinema, a vida na cidade moderna não somente era visual e móvel, mas também fugaz e efêmera. Imerso nesse contexto, o cinema Paris iniciou a transformação da cidade moderna em um local de exibição, visualidade e distração, nasce como uma forma de entretenimento essencialjá a congestionada Nova York da virada do século mente urbana e deve muito de sua natureza ao desendeu o tom para o frenesi e para a superestimulavolvimento das cidades – o cinema necessitava tanto ção. (CHARNEY; SCHWARTZ, 2001). de seu aparato industrial, quanto de seu adensamento.
cinema surge em Paris, que segundo Walter Benjanmin, no fin-de-sieclé, detinha para si a imagem da cidade moderna, a “capital do século XIX”. A cidade francesa representava, neste momento, o resultado em forma e volume crítico das mudanças tecnológicas e sociais decorrentes da revolução industrial (SINGER, 2001).
Segundo Charney e Schwartz (2001), essas relações não podem ser entendidas fora do contexto da cidade, que proporcionou espaço para “circulação de corpos e mercadorias, a troca de olhares e o exercício do consumismo”. A vida moderna pareceria urbana por definição, contudo as relações sociais e econômicas remodelariam a imagem da cidade em pleno desenvolvimento do capitalismo industrial.
A relação com adensamento provém não só da demanda de público, essencial para uma arte de reprodução de massa, mas justamente também da busca por conteúdo; o cinema necessita da cidade para produção de narrativas. Vale ressaltar que a sociedade moderna nasce acompanhada da sociedade de consumo¹, resultante das consequências do capitalismo industrial. O poder das massas, nesse momento, é uma força a ser reconhecida, criando bases para o surgimento de uma Segundo Charney e Schwartz (2001), essas rela- audiência que abriu caminhos para novas formas de enções não podem ser entendidas fora do contexto da cidade, tretenimento. (CHARNEY, SCHWARTZ; 2001). que proporcionou espaço para “circulação de corpos e merVale ressaltar que a sociedade moderna nascadorias, a troca de olhares e o exercício do consumismo”. ce acompanhada da sociedade de consumo , resulA vida moderna pareceria urbana por definição, contudo as tante das consequências do capitalismo industrial. O relações sociais e econômicas remodelariam a imagem da poder das massas, nesse momento, é uma força a ser cidade em pleno desenvolvimento do capitalismo industrial. reconhecida, criando bases para o surgimento de uma Em meio ao desamparo ideológico de um mundo pós sagrado-feudal em que as antigas normas
audiência que abriu caminhos para novas formas de entretenimento. (CHARNEY, SCHWARTZ; 2001).
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2.2.2. OS NOVOS PROGRAMAS DA MODERNIDADE
A
metrópole moderna sujeitou o indivíduo a um bombardeio de estímulos, onde ele se confronta com uma nova intensidade de informações sensoriais. O voeyrismo1 e a espetacularização do cotidiano dão tom para a popularização de programas baseados na distração, entre eles, destacam-se as exibições mundiais, os espetáculos de variedades nos famosos vaudevilles, os cabarés, museus de cera, além do apreço do público pela caricatura e os fait divers – fatos diversos – publicados pela imprensa. (SINGER, 2001).
A mais bela cortesã do Moulin Rouge, Satine. Moulin Rouge!, dir. Baz Lurhmann, 2001. O filme, que se passa ao final do séc. XIX, traz como elemento cenográfico central o famoso cabaré, emblemático na noite boêmia parisiense.
primeiros registros dos irmãos Lumiére, captando com o cinematógrafo, cenas do cotidiano industrial, como também da experiência da cidade, como o tráfego de pedestres, veículos e trens, como a Saída da Fábrica Lumière em Lyon e a Chegada de um Comboio à Estação da Ciotat. 2.2.3. VAUDEVILLES E NICKELODEONS: AS PRIMEIRAS SESSÕES
E
m 1895, acontece a primeira exibição pública na primeira sala de cinema do mundo, o Eden em La Ciotat; posteriormente, esses pequenos registros foram apresentados ao público com grande divulgação e entradas pagas no Grand Café, em Paris. O ingresso Em sua maioria relacionados à vida boêmia custava 1 franco, e o programa previa dez filmes de das grandes cidades, esses programas proporciona- aproximadamente quatro minutos de duração. vam ao espectador a simulação e recriação de diverSalas de exibições dedicadas exclusivasas situações das quais lhe eram restritas na vida real: mente para filmes são um fenômeno um tanto quanto um acontecimento histórico, lendas antigas, reconstirecente. Inicialmente, filmes eram exibidos de forma tuições de fatos e lugares emblemáticos, etc. (NAME, “marginal”, como curiosidades ou peças de entreato 2003). nos intervalos de apresentações circenses, feiras ou Para Singer (2001), baseado nos argumen- carroças de mambembes, prática que permaneceria tos de Siegfried Krakauer, esses divertimentos base- viva em zonas suburbanas e rurais. Nos grandes cenados na “distração”, são “compostos da mesma com- tros urbanos as exibições se concentravam em casas binação de dados exteriores que caracteriza o mundo de espetáculo de variedades, conhecidos popularmendas massas urbanas”. Ou seja, a plateia se reconhece te como vaudevilles (MACHADO, 1997). Foi nesses pela exterioridade. Georg Simmel, Walter Benjamin e lugares que o cinema encontrou espaço para floresciKrakauer viam esse sensacionalismo do mundo mo- mento na cultura com maior vigor. derno como a contrapartida estética das transformaDe acordo com Machado (1997), essas cações radicais do espaço, tempo e indústria; estimusas de espetáculos proviam serviços diversos, como lando as primeiras experiências cinematográficas em comer, dançar, beber, etc. Eram locais bastante popuretratações do cotidiano. lares e um tanto quanto mal falados, devido à atmosfeMarcam esse momento os já mencionados ra plebeia e o “baixo nível” dos espetáculos burlescos 1. Forma de curiosidade mórbida com relação ao que é privativo, encenados. O cinema era então uma atração entre tantas outras que os vaudevilles ofereciam, já que a privado ou íntimo.
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própria duração (não mais que cinco minutos) impedia que se pensasse em sessões exclusivas de filmes. Ou seja, durante as primeiras exibições cinematográficas, o cinema não havia se assentado em um espaço fixo, tanto que boa parte das sessões tratavam-se de exibições itinerantes. O lugar e a imagem de cinema como conhecemos hoje foi sendo criada aos poucos pela indústria cinematográfica, na medida em que a mesma se consolidava como uma prática econômica rentável.
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dentro das sessões. Boblitz (2002) expressa bem o comportamento da plateia nas primeiras exibições cinematográficas: A primeira fila é sempre cheia de crianças dando pontapés, rindo e conversando sobre as imagens. Toda a plateia se levanta em palmas fervorosas durante os frequentes intervalos. Os meninos adoram assoviar acompanhando a música, independente da sintonia ou momento. (BOBLITZ, 2002, p. 138)
Superada a fase a qual muitos chamam de Estabelecimentos exclusivos para a exibições primeiro cinema – fortemente embasada no espetáde filmes só começaram a aparecer a partir da virada do culo, cultura popular e desprezada pela burguesia –, século. Esses ambientes eram improvisados e locados em filmes com narrativa eram cada vez mais comuns, inespaços como grandes depósitos ou armazéns – sujos, terferindo consequentemente no aumento da duração pouco confortáveis e sem segurança – adaptados para das exibições. (LANDIM, 2008). Com público e produto receber o maior número de pessoas: os chamados nicke- que os justificassem, os nickelodeons encontram, nesse momento, espaço para consolidação. lodeons, ou storefront theaters. (MACHADO, 1997). Graças ao custo acessível dos nickelodeons, seu público era basicamente formado pelas camadas proletárias dos cinturões industriais. (MACHADO, 1997). Esses lugares logo foram convertidos em uma espécie de refúgio para a população dos guetos, tanto no sentido de uma forma de escapar da insalubridade das fábricas, como também uma maneira de conviver com o outro. Os nickelodeons tornaram-se um espaço de socialização: não importava o que estava sendo exibido, o que importava era estar ali. (MERRITT, 2002, p.23, apud. MENOTTI, 2012, p.4).
Em 1910, já existiam cerca de 10 mil nickelodeons por todo EUA (MENOTTI, 2012); o cinema, tanto a produção, quanto a distribuição e exibição se impunha cada vez mais como um braço do mercado de mídia e entretenimento, gerando empregos e movimentação da economia. Dado esse contexto, não demoraria até que à classe média se rendesse a atividade.
Incialmente, devido à curta duração dos filmes, as imagens do cinematógrafo apresentadas nos nickelodeons não podiam ser consideradas mais do que um número de vaudeville; e a postura leviana dos vaudevilles, inclusive, parecia ter sido exportada para
quanto dos produtos cinematográficos; estratégias de censura e controle moral também foram utilizadas. Era necessário sofisticar o cinema, já que o apelo novidade já não era mais efetivo para atingir o público almejado. Essa sofisticação causou uma reorganização na indústria cine-
Para atrair o público burguês, alguma coisa precisava ser mudada nas salas de exibição, e a mudança deu-se efetivamente na “higienização” tanto dos espaços,
25 matográfica. Menotti (2012) explica que: (...) com a complexificação do drama, uma nova disposição cognitiva é criada na sala de projeção. Se antes o público dividia as atenções entre a tela e seu vizinho, agora precisava focar-se no filme, para compreender o que se passava. (MENOTTI, 2012, p.39)
Essa dinâmica, corroborada com as demais estratégias higienistas, anula a presença do outro – de comportamento leviano – no ambiente dos cinemas; tanto pela repressão, quanto a partir da exclusão seletiva causada pela nulificação dos demais sentidos que não serviam para o consumo do filme, configurando um novo formato ao espaço de exibição: existe agora uma separação entre a sala de projeção e a arena social. Embora os nickelodeons tenham sinalizado a genisis da dinâmica de consumo cinematográfico como conhecemos hoje – conquistando mérito não só por consolidar a exibição de filmes em um espaço fixo, mas também por reunir e educar seu público específico –, o que consolidaria a importância da produção cinematográfica enquanto produto seriam os espaços de exibição que viriam posteriormente.
Exterior e interior do nickelodeon da Smithfield Street, em Pittsburgh (PA), a primeira sala de exibição dos Estados Unidos, 1907. Fonte: The Implet, 1911.
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2.2.4. DOS MOVIE PALACES AOS MULTIPLEX: A NULIFICAÇÃO DA ARENA SOCIAL
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pós as estratégias de higienização – de espaço, indústria e público –, a burguesia esperava ansiosa pelo moviegoing1, agora mais formal, estruturado e pautado no formato longa-metragem. Os espaços de exibição dessa época não deixam dúvidas sobre a consolidação da produção de cinema como prática rentável. Os movie palaces eram tudo aquilo que os nickelodeons jamais poderiam ser: luxuosos, extravagantes, enormes e intencionalmente ostentadores. O diferencial dos movie palaces para com sua concorrência era justamente o investimento em conforto: o objetivo era fazer com que o espectador se sentisse em casa. Aspectos como localização, arquitetura, serviços, atrações de palco e ar-condicionado eram essenciais para o sucesso dessas salas de exibição, procurando atrair público. Até o momento, este era o seu diferencial. Füller (2002, p.46) menciona que os donos dos estabelecimentos, motivados pela competição, adicionavam cada vez mais conforto aos palácios, como lounges, fumódromos, móveis luxuosos, tapeçarias, ornamentação, etc. Os programas duravam cerca de 3 horas, compreendendo a exibição de um longa-metragem, variados curtas e até mesmo apresentações ao vivo (como pequenos entreatos, números de mágica ou dança; que acabam após a chegada da sonorização). Ir ao cinema passou a se tornar um programa caro, mais elitizado e principalmente, mais seletivo. 1. A prática ou ato de ir ao cinema assistir filmes.
Sala de exibição e lounge do movie palace Loew’s Palace Theatre em Bridgeport, CT. Tinha capacidade para quase 1500 pessoas pagantes. Fonte: Cinema Treasures, 2018.
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27 A maioria dos movie palaces comportavam um público pagante de até 6000 pessoas, o que interessava os estúdios, fazendo com que seu estoque tivesse o maior alcance possível, de modo a aumentar a arrecadação por exibição. Essa dinâmica de consumo era evidentemente influenciada pelos realizadores, que ao presenciarem o crescimento do mercado cinematográfico, buscavam se aliar às empresas de exibição. Nos anos de 1920 já existiam diversos cinemas de rua first run1 controladas por estúdios e distribuidoras como a Paramount, Fox, Warner e Bothers First National; cinemas que embora representassem 20% do total de telas dos Estados Unidos, geravam a maior parte da renda provinda do mercado de salas de exibição (MENOTTI, 2012).
a isto, é observado o processo de desvalorização da experiência em detrimento de uma súbita valorização do produto – o filme –, que ganhava cada vez mais importância enquanto a convivência social desaparecia em mais uma etapa da “domesticação” e anulação da presença humana nas salas de exibição.
Com a queda da bolsa de valores de 1929, a indústria em ascensão se vê travada. Os donos dos palácios não haviam mais como manter o padrão dos serviços oferecidos, resultando em um encolhimento do circuito exibidor, além da falta de público, que limitados economicamente, também já não se sentiam atraídos pela experiência de ir ao cinema, já que não tinham muito o que oferecer além de um único filme A ação dos estúdios em torno dos movie pa- sonorizado. laces coloca o circuito dos nickelodeons em segundo O quadro se complica ainda mais a com a enplano. A propaganda da experiência de exibição dos trada dos televisores nos lares americanos a partir da palácios de cinema resultava ainda na demanda pelos década de 1950, que assume o papel de principal formesmos filmes em cinema menores, que a essa altura, ma de entretenimento familiar, decretando o fim do moacabavam recebendo cópias precárias e com atraso vigoing regular. Para Menotti (2012), nesse momento, de semanas (MENOTTI, 2012). A experiência cinemaa qualidade da experiência cinematográfica volta a ser tográfica inclusive – embora o filme fosse o centro das uma preocupação, uma vez que é a própria experiênatenções do público – em sua essência, ainda se bacia que diferenciará o consumo audiovisual na sala de seava no evento social, na oportunidade de “sair de projeção daquele na sala de estar; promovendo uma casa”. reorganização da indústria de distribuição e exibição Esse contexto muda justamente com a chega- pautada em uma nova forma de fruição cinematográda da sonorização, ainda na década de 1920. A publici- fica. dade em torno da nova tecnologia evidenciava o anseio Na contramão dos movie palaces, marcado em destruir as barreiras entre espectador e a distância: pela opulência social e uma série de programas alheios “O vitaphone (o vitascópio sonorizado) transforma cada ao filme, a experiência dessa vez perseguida se baseia cadeira do estabelecimento em uma cadeira da primeira na supressão dessas e outras distrações (já perseguifila” (HALL, apud. MENOTTI, 2012, p.46). Consequente das nos nickelodeons). Menotti (2007) explica que: 1. Cinemas que exibem filmes recentemente lançados.
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(...) em acordo com o valor conquistado pelo filme de longa-metragem, o foco de ir ao cinema passa a ser a fruição ideal da obra. A televisão era relacionada a uma forma de visão distraída, que não fazia justiça à experiência do filme. A sala de cinema passa a ser vendida como o lugar excelente dessa experiência. (MENOTTI, 2007, p. 9)
A exemplo da propaganda feita para vender a experiência do cinema, surgem uma série de tecnologias de projeção imersivas, como o widescreen, som estéreo, e o 3D. Criado para diferenciar-se e sobressair-se de forma qualitativa sobre a televisão – a televisão foi criada com o mesmo formato de imagem tradicional do cinema (4:3) –, com o widescreen as telas se esticaram e aumentaram a tal ponto – proporções até 1.66:1 (VistaVision) ou mesmo 2.35:1 (Cinemascope) – que embora ela não se tornasse completamente imersiva, aumentava o campo de visão de expectador de forma panorâmica, criando um forte sentimento de participação, como no teatro.
Após o fim da Segunda Guerra Mundial os cinemas locados na região central das grandes cidades perdem espaço para as salas construídas em subúrbios distantes. Buscando um público mais constante, as cadeias de exibição começam a migrar para as zonas mais periféricas das cidades, ocupando novas centralidades. Inicialmente essas salas seguiam a lógica dos movie palaces, possuindo entre 1000 e 1500 lugares, com uma única tela. (MENOTTI, 2012). É nesse Para o autor (MENOTTI, 2007) o cinema cria momento que nickelodeons e movie palaces começam assim um vínculo com o expectador oprimindo-o com o a fechar as portas massivamente, cedendo lugar ao próprio filme, buscando destacar uma experiência partium novo conceito de exibição cinematográfica. cular e a criação de uma sensibilidade entre expectador em obra, chamada por Hugo Mauerhofer em seu livro A A dinâmica da situação cinema, aliada a Psicologia da Experiência Cinematográfica, de “situa- produção blockbusters 1, agora distribuídos a partir ção cinema”: uma nova dinâmica de consumo baseada do mass realease – modelo baseado no lançamenno cinema como um arranjo cognitivo, que aliado a am- to simultâneo de um filme no maior número possíbientação da sala de exibição, cria condições em favor vel de salas –, cria bases para a constituição dos de tal sensibilidade. Consequentemente, a situação multiplexes, grandes complexos de cinema dotacinema expõe o triunfo da nulificação do espaço e do dos de duas ou mais salas de exibição distribuídas corpo, suprimindo qualquer tipo de distração na sala de em torno de um foyer, onde localizam-se bilheteria exibição, que agora coloca a percepção do filme acima e bomboniere – as concessões –. da percepção e presença do outro (MENOTTI, 2007). 1. Indica um filme (ou outra expressão artística) produzido de forma exímia, sendo popular para muitas pessoas e que pode obter elevado sucesso financeiro.
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Aspect ratio, ou proporção de tela, é a relação entre a largura e a altura da imagem ou do vídeo. Fonte: Vimeo.
“O maior passo em 59 anos de história de filmes”. Propaganda acerca da experiência do CinemaScope, que de configuração panorâmica, criava uma relação imersiva com o público. Fonte: Widescreen Museum, 1953.
O mass realease motivou a exibição massiva que transformou a arquitetura de exibição. O cinema, agora com várias telas disponíveis, coloca o filme a disposição do público como qualquer outro produto de massa, tornando o consumo mais imediato possível. A programação nos cinemas a partir daí se daria um modelo chamado opening wide, onde os lançamentos são distribuídos em diversas salas, em horários distintos, de forma a ficarem amplamente disponíveis ao público até que sua presença vá diminuindo a medida em o mesmo deixa de ser uma novidade, não atraindo mais público. Esse sistema perdura na maioria das cadeias de exibição até os dias de hoje. Um exemplo recente desse modelo é o filme Avengers: Endgame (2019), que em sua estreia chegou a ocupar 80% das salas de cinema do Brasil (segundo a Ancine, mais de 2700, das 3300 salas do circuito exibidor brasileiro), ocupação que muitas vezes se impõe como “predatória”, homogeneizando a oferta
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e comprometendo a diversidade do mercado (GIANNI- tador, endossando a propaganda da “situação cinema”, NI, 2019). como por exemplo a distribuição das poltronas em formato stadium, configurando uma sala de exibição mais Segundo Menotti (2012), a partir de 1980, alta, escalonada e que proporciona melhores conditodo cinema construído era um conglomerado de váções de visibilidade. rias salas de exibição, com alguns chegando a reunir vinte salas ou mais. Os movie palaces que ainda se As vendas de concessões também represenmantinham abertos foram divididos em diversas salas, tam papel sólido nos multiplexes, já que a presença dando adeus também a suas ornamentações pompo- de mais de uma tela proporciona um público maior, sas, substituídas por um interior racional e corporativo. e consequentemente, um maior fluxo da lanchonete, O autor ainda discorre sobre a sala de exibição dos uma maior venda de pipocas, refrigerantes, etc. Memultiplex como um espaço neutro, desprovido de qual- notti (2012) explica que é devido as concessões que a quer característica espacial ou ornamental específica, grande maioria das salas de cinema terminam por se como um produto descartável; e faz menção a rigidez deslocar para dentro dos shopping centers; que a pardo espaço físico, procurando reduzir imprevistos e tir do momento que se insere nesses espaços, ganha anular resquícios de interação social que possam vir papel de catalizador, um programa âncora, que atrai a atrapalhar o fluxo consumidor. Era procurada uma consumidores e funciona como um imã para promoção otimização comercial do espaço de exibição justificada de outros negócios. O circuito exibidor assiste um crespela situação cinema. cimento abismal com esse deslocamento, perdurado até os dias de hoje, já que não mais depende da apliÉ inegável, porém, o avanço dos multiplexes cação direta de recursos da indústria cinematográfica. em relação a tecnologia voltada ao conforto do expecSala de exibição padrão de um complexo multiplex em Londrina, PR. Fonte:Cinemark, 2013.
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2. LEITURAS URBANAS Procurou-se nesse capítulo inserir o leitor no contexto da cidade de Londrina. Novamente a abordagem tomada é a partir da cidade, mais especificamente, na região central, onde estiveram presentes a maioria dos cinemas de rua que existiram em Londrina. Abrangendo individualidades a respeito de sua origem, como também transformações marcantes da região, é elaborado um levantamento acerca desses ambientes de exibição cinematográfica, cultura que um dia já fora bastante popular na cidade. Durante esse levantamento é procorado estabelecer relações entre a temática (capítulo 1 deste trabalho) e o contexto da cidade de Londrina, buscando estabelecer o papel desses espaços na pioneira cultura londrinense, e consequentemente, qual fim levaram esses nos dias de hoje, considerando que a maioria se localivam no centro da cidade, e que Londrina seguiu a tendência emergente dos espaços de exibição dentro de shoppings centers. Questões sobre como se deu esse processo de migração do mercado de exibição em Londrina são fundamentais para ententer o potencial da cidade perante a tendência emergente da recuperação desses espaços, e assim, traçar possibilidades para o exercício de projeto.
3.1 BREVE HISTÓRICO Londrina surgiu em 1929 como parte de um empreendimento da CTNP - Companhia de Terras do Norte do Paraná, subsidiária que agia em nome da empresa britânica de colonização, Parana Plantations Limited. Razente (1983), afirma que a área escolhida para a implantação da cidade atendia aos critérios padrões da companhia: a presença de espigões e a ausência de barreiras físicas significativas. O que se considera atualmente a área central de Londrina, corresponde à maior parte da cidade que foi desenhada em 1932 por Alexandre Razgulaeff. Embora hoje abrigue mais de 560 mil habitantes (IBGE, 2018) em apenas 84 anos de desenvolvimento, a cidade inicialmente foi projetada idealizando perspectivas de uma cidade bem menor do que conhecemos que hoje. O método de colonização adotado pela CTNP é expressado pela planta de Rasgulaeff (1932), baseada na divisão do território em pequenos lotes regulares organizados em uma malha ortogonal. A morfologia, segundo Razente (1983), foi determinada pelas vias de acesso regionais, de Jataí, no sentido leste, e do Heimtal, no sentido norte. O perímetro da cidade tangenciava os fundos de vale, a fim de evitar áreas de declividade acentuada. (SUZUKI, 2011). Situação do município de Londrina, localizado no norte do Paraná. Fonte: Prefeitura de Londrina (2012). Editado pelo autor (2019).
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Suzuki (2001), vê a “planta azul” como um 3.2 CENTRO DE LONDRINA: O CENÁRIO DOS CINEMAS DE RUA modelo universal, elaborado provavelmente para faci- 3.2.1 PRIMEIRO MOMENTO DE ESTRUTURAÇÃO litação do parcelamento, tornando-a mais regular posLondrina foi a primeira cidade implantada por esse sível: grande empreendimento da CTNP, que inicialmente estava mais ligado à questão da venda de terras para cultivo agríA malha urbana segue um padrão ortogonal cola em si, do que ao assentamento de cidades. As cidades com ruas de 12 metros de largura, dispostas no sentido leste-oeste e norte-sul. As quadras surgiram justamente em decorrência desse empreendimenforam projetadas com 110 metros de comprito, com função de intermédio entre as transações comerciais mento, divididas em 20 ou 24 lotes. (SUZUKI, e rurais. Surgem aproximadamente 60 novas cidades nesse 2001, p. 34-35). processo, incluindo os distritos. (ZANON, 2014). Yamaki (2003, p. 11) descreve a planta iniNas primeiras décadas, Londrina era tida como a cial de Londrina como uma “malha regular, que tem no “cidade polo” dessa rede urbana que se formava, impondocentro uma elipse tangenciada pela avenida, que por -se, em alcance regional, como local de convergência e fluxo sua vez se projeta em diagonal pelo espigão”. O autor de negócios, pessoas e mercadorias. É nesse contexto onde ressalta ainda que “no centro da elipse, no ponto mais acontece, segundo Zanon (2014), o primeiro momento de está localizada a Catedral, margeada por quadras esestruturação da cidade, entre as décadas de 1930 e 1940, paços livres. ” decorrente da expansão da malha inicial em bairros pioneiros As praças e os espaços públicos surgiram abaixo da linha férrea. Ao final da década de 1940, Londrina depois de reflexões do desenhista acerca do que se já tinha mais de 40 mil habitantes. (BORTOLOTTI, 2007). fazer com os espaços residuais resultantes do traçado A foto aérea do vôo de 1949 (Fig. 9) ilustra esse viário. Já as vias em diagonal, por sua vez, surgiram de primeiro momento, onde já é possível identificar o início do caminhos preexistentes; paralela à rodovia, já se pode processo de centralização do que hoje conhecemos como identificar a previsão do eixo ferroviário no sentido lescentro histórico. te-oeste. (YAMAKI, 2003). A foto aérea do vôo de 1949 ilustra esse primeiro Outro aspecto da malha é a clara diferenciação momento, onde já é possível identificar o início do processo entre as áreas de habitação e o centro comercial, diz Suzuki de centralização do que hoje conhecemos como centro his(2011). Essa relação é notada inclusive no desenho da plantórico. ta. As zonas residenciais apresentam uma distribuição de lotes igualitária por todos os lados, já nas quadras centrais e no eixo diagonal, há outro tipo de parcelamento, sugerindo um tipo diferente de ocupação, ressalta a autora. As quadras centrais foram projetadas com jardins e alamedas, tendo o alto Primeiro momento de estruturação de Londrina, década de 1930-40. da colina rodeado por espaços públicos. (YAMAKI, 2006). Fonte: IPPUL (1949). Editado pelo autor (2019).
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O centro representava o local onde estão as atividades ligadas às diversas demandas da população; tanto no nível público, tais quais instituições do governo, saúde, educação, igreja matriz, etc; como ainda, atividades comerciais voltadas não só ao consumo básico, mas também, aos negócios em nível regional, concentrados em sua maioria na Av. Paraná e nas proximidades da Praça Willie Davids, na Rua Minas Gerais. A aerofoto (Fig. 9) explicita ainda a consolidação dos primeiros espaços públicos do centro de Londrina em plena vitalidade – respectivamente na figura, no sentido sul-norte: o Passeio Público – hoje, Bosque Municipal –, a Praça Floriano Peixoto e a Praça Rocha Pombo; destaque também para os resíduos de parcelamento provindos da configuração central da malha urbana, resultando no que se tornou posteriormente a Praça Willie Davids e Praça Gabriel Martins –.
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café, fazer compras, ou simplesmente dar um passeio depois da missa; era o local oficial do footing londrinense, e, de certo modo, também onde se desenvolveu uma tímida cultura boêmia. O ato de ir ao cinema era uma das principais práticas geradoras do footing em Londrina. A maioria dos cinemas, por muito tempo, concentraram-se nos arredores da região central, voltados para as praças. Embora a memória de alguns pioneiros remonte a ideia de que já existiam sessões pelo chamado Cine Teatro Nacional, entre 1932 e 1933, que funcionava em uma pensão na Rua Heimtal; em Londrina, a sétima arte chegou pouco tempo depois da CTNP, surpreendentemente, por volta de 1934, com o Cine Londrina – o primeiro, de três –, na rua Quintino Bocaiuva. O filme exibido foi Daniel na Cova dos Leões, cinema mudo sonorizado por músicos alemães do Heimtal. Em 1938, surge o tímido Cine São José, na rua Minas Gerais.
No esquema também são expostas as vias principais, tanto as de acesso à cidade – de Jataí e Ir ao cinema não era um hábito apenas da do Heimtal –, como as de circulação do próprio centro, elite, mas de toda população, como reforça Freitas e impulsionadas pelas atividades comerciais, tal quais as Bartelli (2006). Uma das primeiras atividades culturais avenidas Rio de Janeiro e São Paulo, que direcionam o a se difundir na cidade, as pessoas viam o cinema para fluxo entre o centro e a estação ferroviária. além de um meio de comunicação; enxergavam na prática, assim como nos primórdios dos nickelodeons 3.2.2 OS PROGRAMAS DA LONDRINA PIONEIRA estadunidenses, um potencial de socialização comuA localidade da Av. Paraná e suas proximida- nitária e até mesmo de construção de cidadania: uma des passaram a representar o centro de Londrina, que, oportunidade para poder se divertir, namorar, paquedevido à grande concentração e diversidade de ativi- rar e encontrar com amigos; o filme era só um detalhe dades comerciais e de lazer, instituiu-se como o princi- aliado ao passeio, à ida aos bares do entorno, dentre pal lugar de encontro social da cidade. Era ali onde as outras atividades. pessoas encontravam-se para ir ao cinema, tomar um
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Fila da bilheteria do primeiro Cine Londrina, na Rua Quintino Bocaiuva. Fonte: Acervo do Museu Histรณrico de Londrina Padre Carlos Weiss.
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O surgimento de novos cinemas nas próximas décadas reforça isso. Na década de 1940, o Cine Londrina da Rua Quintino Bocaiúva, depois de adaptações, torna-se Cine Avenida. Surgem ainda o Cine Theatro Municipal, na Av. Rio de Janeiro, e um novo Cine Londrina, na Av. Paraná. Esses três cinemas marcam o que podemos chamar de um primeiro momento do circuito exibidor londrinense. Mesmo que vendessem a ideia de luxo e certa sofisticação – que por si só já era um luxo por existir, dado o pioneirismo na região – eram locados
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em edificações de tipologia semelhante à ideia dos nickelodeons: grandes espaços, chegando a abrigar uma audiência de 800 a 2000 pessoas; ocupação de todo o lote; e fachada voltada diretamente para a rua, fachadas estas, bastante referenciadas pelos traços geométricos da arquitetura Art Decó.
Tipologia dos cinemas de Rua em Londrina - 1930 - 1950. Fonte: IPPUL (1949). Elaborado pelo autor (2019).
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Ainda que suas estruturas não cheguem a ser comparadas a ostentação dos palácios de cinema – na época, a estética difundida nas salas de exibição pelo mundo –, é importante ressaltar a visão desses empreendedores.
públicas, visto que, assim como a maioria das cidades brasileiras, até o final da década de 1980, a maior parte dos cinemas de Londrina eram cinemas de rua.
Existe um certo luxo contextualizado para a Londrina daquela época, o “luxo do interior”. As salas de exibição já chegam na cidade bastante alinhadas com a implementação de tecnologia de projeção de ponta, impressionante para uma cidade com pouco mais de uma década de história. Em termos arquitetônicos, as fachadas Art Decó reforçam isso: os cinemas com suas linhas geometrizadas se destacavam em meio as construções vernáculas da Londrina pioneira.
Dia de desfile na Av. Paraná. Em segundo plano, a fachada do segundo Cine Londrina exibindo o filme Tarzan, O Vencedor. Fonte: Acervo do Museu Histórico de Londrina Padre Carlos Weiss.
A prática do footing intensificou-se com a pavimentação da avenida Paraná em 1943, além dos prósperos anos que Londrina havia de passar. A atividade do cinema surge como uma forma de socialização bastante ligada ao externo, ao circuito das vias
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Av. Paraná, esquina com Av. São Paulo, década de 1950. Fonte: Autor desconhecido.
em dados do IBGE, ressalta ainda que, durante a década de 1960, a população urbana da cidade praticaAnos dourados não só em contexto nacional, mente dobrou, e pela primeira vez, era maior que a mas também para Londrina. Nas décadas que se sepopulação rural. guiriam a partir dos anos de 1950, Londrina, com saldo positivo da safra cafeeira, buscava o novo. IntensifiOutro fato a ser destacado é a implemencou-se neste período uma nova configuração do tecido tação de regulamentações mais específicas quanto a urbano do centro, com destaque para modernização e urbanização, como o Plano Urbanístico realizado por verticalização da arquitetura da cidade, bastante enrai- Prestes Maia, ex-prefeito de São Paulo, para Londrina. zada na escola paulista, de bases racionalistas: volu- O plano, apesar de criar novos parâmetros para produmes prismáticos, uso de concreto armado e vidro, jogo ção e ocupação espacial da cidade, segundo Razente de rampas, revestimentos em pastilhas cerâmicas, etc. (2011), alargou a desigualdade, consagrando a distin(CASTELNOU, 2000). ção espacial das classes sociais. 3.2.3 OS ANOS DOURADOS
Essa modernização chega a Londrina pioA lei divide Londrina em zonas de uso e ocuneiramente pelas mãos dos arquitetos Vilanova Artigas pação urbana em acordo com as classes sendo que a zona destinada a abrigar as “clase Carlos Cascaldi, convidados por Hugo Cabral para ses superiores” é o centro da cidade. Nela realização de um projeto para Rodoviária de Londrina proíbe-se a construção de casas de madeira consideradas como símbolos do atraso. (RA(1948), atual Museu de Arte da cidade. Outros projeZENTE, 2011). tos que marcam essa onda moderna são: o complexo constituído pelo Edifício Autolon (1950), o Cine Ouro É nesse contexto de valorização do solo Verde (1952) e o Restaurante Caloni (1950), já desano centro em que se criam as bases para um intenso tivado; e a Casa da Criança (1953); todos locados na adensamento verticalizado – que iria se estender até a região central da cidade. década de 1980 –, visando aproveitamento máximo e Os projetos desenvolvidos nessa época tor- resultando em uma nova configuração de ocupação do naram-se marcos da arquitetura moderna em Londrina tecido urbano (SUZUKI, 2011). e referência para outras cidades da região, ganhando relevância inclusive em nível nacional.
É certo que a tipologia da quadra quadrada e regular proporciona uma maior legibilidade, no enPara Zanon (2014), é nesse momento que tanto, resulta em lotes estreitos e longitudinais – no acontece a consolidação do centro da cidade – que se caso de Londrina, de aproximadamente 15 metros de estenderia até os anos de 1970 –, aproximando-se em frente e 50 metros de largura (IPPUL, 2013). De fato, termos de iconografia da configuração da qual somos o loteamento da planta azul de Razgulaeff (1932) não familiarizados hoje. Ao mesmo tempo, o município ex- fora pensado de modo a abrigar edifícios verticais, ou pande-se a norte, noroeste e sul. A autora, com base seja, essa nova configuração do tecido urbano baseia-
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-se justamente no assentamento de edifícios verticais a ociosidade dos meios de quadra, resultando em um em uma malha urbana que não estava preparada para menor aproveitamento do solo urbano. recebê-los. De início, esses empreendimentos imobiliáAté aquele momento, era comum a ideia de rios concentravam-se majoritariamente na Av. Paraná, vila, proporcionando a implantação de mais de uma em edifícios de apartamentos – residenciais ou mistos residência no mesmo lote. Com a chegada dos edifí- – e térreo comercial. Impulsionados pela diversidade cios verticais, os prédios construídos na época assen- de usos e atividades que a via oferecia, esses térreos tavam-se por todo o lote, utilizando-se das empenas configuravam-se muitas vezes em lojas e sobrelojas cegas para aproveitamento da área do recuo lateral. voltadas diretamente para a calçada, e posteriormente, na configuração de galerias comerciais, que em alguns Dadas essas características do processo de casos como nos Edifícios Centro Comercial e Conjunto verticalização em Londrina, é importante ressaltar que Folha de Londrina, possibilitam fluxos alternativos. a tipologia do microparcelamento, aliada aos parâmetros de ocupação, resultou pouco a pouco, além de Destaque para os edifícios: o já citado Auuma baixa permeabilidade da quadra, pela ausência tolon (1950), o Sahão (1950), União (1958), América dos recuos, na concentração de áreas residuais em (1958), Comendador Caminhoto (1961), Ribeiro Pena seu interior, conhecidas como “miolo de quadra”. Es- (1967), entre outros, todos implantados na Av. Paraná. ses miolos, devido ao lote comprido e estreito, levou
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Complexo Ouro Verde-Autolon, projetado por Artigas e Cascaldi. Fonte: Acervo do Museu Histórico de Londrina Padre Carlos Weiss.
Edifícios verticais em construção na Praça Gabriel Martins. Fonte: Acervo do Museu Histórico de Londrina Padre Carlos Weiss.
Essas obras, aliadas às construções de Artigas e Cascaldi, afetaram de forma direta e bastante significativa não só a paisagem urbana do centro, como também na imagem que Londrina queria passar para o resto do país: Londrina queria ser moderna. Importante ressaltar ainda a diversidade de usos que essas construções trouxeram para o centro naquela época, enriquecendo-o como um espaço heterogêneo. Surgem nesse período três novas salas de exibição em Londrina, o já citado Cine Ouro Verde, em 1952, o mais luxuoso cinema da cidade até então, o Cine Augustus, em 1963, e o Cine Vila Rica, em 1968; ainda na década de 1960, o segundo Cine Londrina, da Av. Paraná, torna-se Cinerama, e o Cine Avenida tenta um último fôlego com o Cine Brasília. Esses cinemas alinham-se ao contexto da Londrina moderna.
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Fonte: Hemeroteca Digital da Bilioteca Nacional.
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Num segundo momento, os novos cinemas chegam à cidade como parte de um empreendimento. Tanto o Ouro Verde, quanto o Cine Augustos e o Cine Vila Rica assentam-se na região central como frações de complexos imobiliários: o Ouro Verde, como parte do complexo Autolon – Caloni, na Rua Maranhão; o Cine Augustus, anexo ao Edifício Comendador Caminhoto, ambos na Av. Paraná; e o Cine Vila Rica, do Edifício Conjunto Folha de Londrina, na Rua Piauí e Av, Rio de Janeiro.
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Essa nova dinâmica altera de certa forma a tipologia vigente dos cinemas de rua na cidade até então. Se antes os cinemas faziam parte do circuito direto das vias, agora, com a ressalva do Ouro Verde, eles encontram-se dentro de galerias de térreos comerciais, configurando uma nova relação com a quadra.
Tipologia dos cinemas de Rua em Londrina - 1950 - 1960. Fonte: IPPUL (1974). Elaborado pelo autor (2019).
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Bilheteria do Cine Augustus. O acesso se dava pela galeria do edifício Comendador Caminhoto. Fonte: Acervo do Museu Histórico de Londrina Padre Carlos Weiss.
No caso do Cine Augustus, o acesso era feito pela galeria do edifício na Av. Paraná, direcionando o público à sala de exibição anexa ao imóvel, com saída para a Alameda Miguel Blasi, atravessando a quadra; já no Cine Vila Rica, existiam acessos tanto pela Av. Rio de Janeiro quanto pela Rua Piauí, resultados da volumetria do edifício, que se dá em dois volumes em “L” implantados em ambas as vias; os volumes são interligados por uma base, onde estão locadas galerias comerciais e o cinema, no miolo da quadra.
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O Cine Ouro Verde foge das estratégias de acesso adotadas pelo Cine Augustus e Vila Rica, conformando-se a tipologia tradicional, ocupando todo lote, com fachada exclusiva e acesso direto voltado diretamente para a Rua Maranhão.
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da acomodação dos cinemas nos shoppings centers, introduzindo a atividade em um ambiente comercial além de si própria. Em 1973, Londrina ganha seu primeiro cinema nessa modalidade, o Studio Com-Tour no Shopping Com-Tour, o primeiro do ramo no sul do país.
O Cine Ouro Verde foi adquirido pela Universidade Estadual de Londrina em 1978, e fora utilizado A implantação do shopping na Av. Tiradentes, ao longo anos para atividades acadêmicas diversas segundo Zanon (2014), reflete numa valorização imoalém da exibição de filmes. Em 2002, através do pro- biliária da região, como também, trouxe novas possibijeto “Velho Cinema Novo”, idealizado pela gestão do lidades de consumo, conformando uma nova centralientão governador Jaime Lerner, o cinema fora sele- dade na estrutura urbana. cionado para passar por reformas. Durante a reforma acontece a adaptação efetiva do Cine Ouro Verde para receber apresentações teatrais, decisão possivelmente facilitada devido ao fato da sala de exibição projetada por Vilanova Artigas se amoldar a tipologia tradicional, próxima ao formato teatral. Importante ressaltar essa mudança de contexto espacial dos cinemas de rua como um prelúdio
Grande fila para sessão de O Cangaceiro Trapalhão no Cine Vila Rica. Fonte: Acervo do Museu Histórico de Londrina Padre Carlos Weiss.
47 Cine Augustus buscava atrair o público com propaganda de ar-condicionado e tecnologia de ponta. Fonte: Autor Desconhecido.
Sessão lotada na galeria do Edificio Conjunto Folha de Londrina para sessão de Flashdance. Fonte: Acervo da Folha de Londrina
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3.2.4 A DECADÊNCIA DOS CINEMAS DE RUA DO CENTRO: O PROCESSO DE “SHOPPINIZAÇÃO” DOS CINEMAS
início da década de 1980, na região sul, próximo a barragem do Lago Igapó.
A década de 1970 marca um segundo momento de estruturação na cidade. Segundo Zanon (2014), inicialmente, o processo de crescimento urbano de Londrina é marcado fortemente pela centralização e consolidação do centro; no entanto, outras áreas de centralidade estabeleceram, com a descentralização, novos modos de organização do espaço intra-urbano.
Os cinemas não fogem desse processo. Cada vez mais intensificada a migração das salas de exibição (agora complexos multiplex) para dentro dos shoppings centers, seria uma questão de tempo até que os cinemas de rua do centro de Londrina desaparecessem.
Até os anos de 1970, basicamente todas as atividades gravitam em volta do centro, configurando o processo de centralização da cidade. Esse processo concentra-se nos arredores da igreja matriz; sendo assim, com a força da centralização, tudo se concentra também, ao redor da catedral de Londrina: os espaços e principais serviços públicos, a implantação dos primeiros edifícios verticais, as atividades mais atrativas – e isso inclui os cinemas –, etc.
Esse processo chegou a dar pistas com o surgimento de cinemas fora do centro, em bairros populares de forte centralidade. São os casos do Cine Marabá (1940 - 1954), na Vila Casoni; o Cine Espacial (1970 - 1980), na Vila Nova; o Auto Cine Shangri-lá (1975), no Jardim Shangri-lá, e os Cines Vitória 1 e 2 (2000 - 2001), nos Cinco Conjuntos.
Dado esse contexto, aliado à popularização da televisão e posteriormente do formato VHS, os anos de 1980 em Londrina já começam com três baixas: se A descentralização muda estruturalmente vão, quase que de uma vez só, o Cinerama em 1974; o essa dinâmica. O desenvolvimento da cidade gerou, Cine Jóia, consumido por um incêndio, em 1975; e em portanto, outras centralidades para atender à demanda 1981, o Cine Augustus, outrora pioneiro, fecha suas da população. O centro principal, aos poucos, se rea- portas após sucessivas sessões sem público. firma pela diversidade de funções que abriga, como a Para Freitas e Bartelli (2006), outro fator que oferta de atividades do setor terciário, pela referência dos empregos, além do reuso de edifícios de outrora. contribuiu para essa “falência cinematográfica” foi a censura do regime militar, que na época, obrigava os (ZANON, 2014). cinemas a exibirem filmes nacionais de gênero pornoDe acordo com a autora, essas novas áreas chanchada – liberada pela censura por não promover de centralidade estão associadas às vias comerciais pensamento crítico – em detrimento das grandes proe prestação de serviços, como também a instalação duções estrangeiras. O Cine Vila Rica chegou a ser de shopping centers e equipamentos de abrangência fechado por cinco dias pelo CONCINE, órgão responsetorial – como a inauguração do campus da Universi- sável pela fiscalização de conteúdo. dade Estadual de Londrina, na porção oeste, em 1971, e a construção do novo Centro Cívico, inaugurado no
49 Em processo de ascensão e na contramão dos cinemas de rua, chega em Londrina, nos primeiros anos da década de 1990, os grandes complexos multiplex: o primeiro, no Shopping Catuaí, na zona sul, com 3 salas no formato stadium; e posteriormente, em 2000, são inauguradas mais 2 salas no Shopping Royal Plaza, na região central. Em 2001, o Cine Vila Rica, com sua capacidade de público já dividida em duas salas – uma do Cine Vila Rica, e outra, uma terceira empreitada do Cine Londrina –, fecha as portas após ser esquecido pelo grande público, que a essa altura já havia migrado para os shopping centers. Hoje, segundo dados da Ancine (2017), existem 31 salas de exibição na cidade (Tabela 1), todas locadas no contexto dos shoppings centers – inclusive o Cine Com-Tour UEL, que administrado pela Universidade Estadual de Londrina desde 2005, oferece uma programação diferenciada do circuito comercial dos multiplex, focado nos blockbusters estadunidenses. O centro de Londrina, que ao longo de sua história chegou a abrigar 13 salas de cinema, hoje conta apenas com a estrutura do Shopping Royal Plaza, localizado na rua Mato Grosso, com cinco salas de exibição.
O Shopping Catuaí, já inaugurado, no início da década de 1990. Ao lado se inicia a construção de uma rede de supermercados.
Fonte: Acervo do Shopping Catuaí. Matéria do Correio de Notícias, 13 de agosto de 1992: “O que foi desativado em Londrina”.
Salas de exibição em Londrina, 2018. Fonte: Ancine (2018). Fonte: Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.
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3.2.5 OS REMANESCENTES Em levantamento realizado (Tabela 2), de 13 cinemas de rua existentes em Londrina ao longo de sua história, foram descobertos 2 cinemas ainda remanescentes, porém inativos, no contexto urbano: o Cine Augustus e o Cine Vila Rica. Os demais, depois do fechamento, foram demolidos e substituídos por novos usos e novas construções, com exceção do Cine Ouro Verde, que foi tombado como patrimônio histórico e arquitetônico do Paraná em 1999.
usos, como uma loja de departamentos, durante a década de 1990, e, posteriormente, nos anos de 2000, uma espécie de camelódromo; já o Cine Vila Rica, depois do fechamento definitivo em 2001, passou anos disponível para locação, sediando nesse período, aulas de um curso preparatório para vestibular, algumas apresentações teatrais do FILO, e ainda, exibições da Mostra de Cinema de Londrina, realizada pela Kinoarte.
No sentido oposto dos antigos cinemas que foram demolidos ou cederam espaços para novos usos, os remanescentes Cine Augustus e Cine Vila Rica, mesmo depois de quase 20 anos de seu fechamento, mantêm suas estruturas até os dias de hoje – no caso do Cine Augustus, parcialmente.
Respectivamente, o interior do Cine Vila Rica, abandonado; e a fachada do Cine Augustus nos dias de hoje.
Esses espaços estão diretamente ligados aos empreendimentos imobiliários nos quais estão inseridos: Edifício Conjunto Folha de Londrina e Edifício Comendador Caminhoto; ou seja, ambos fazem parte de um complexo arquitetônico comercial, sendo dependentes não só dos edifícios, mas principalmente das galeria comerciais. A tipologia desses cinemas diz muito sobre sua remanescência: em uma tipologia, existe o contato direto com as ruas, enquanto a outra, no caso do Cine Augustus e Cine Vila Rica, está diretamente relacionada ao empreendimento. Isto é, mesmo obsoletos, a relação desses espaços com o empreendimento – mais especificamente, a galeria comercial – não os deixa visíveis no contexto urbano, escondendo o desuso. O Cine Augustus, pela relação parcial com o circuito das vias públicas, não escapou de abrigar novos
Fonte: Lirica Aragão; acervo pessoal.
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Síntese do levantamento: Cinemas de rua na região central de Londrina, 1930 – 2001; Fonte: do autor (2019).
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3.3 UM BREVE PANORAMA DA CULTURA AUDIOVISUAL EM LONDRINA Desde os tempos da Londrina pioneira, é evidente o apreço de seus ilustres moradores pela sétima arte. Segundo Cesaro (1995) os registros cinematográficos mais antigos feitos na região se deram no início década de 1930, pelas mãos do japonês Hikoma Udihara, com imagens que retratavam uma colheita de algodão. As películas de Hikoma Udhara, um registro singular feito pelo alemão Karl Otto Müller durante uma
mesmo como instrumento de colonização, Londrina sempre esteve ligada a este braço de produção cultural.
Dada a fase documentalista e o contexto de desenvolvimento com forte otimismo em relação à cidade, a produção cinematográfica em Londrina cresceu com a chegada de cineastas dispostos a fazer cinema ficcional. Se destacam nomes como o do médico Orlando Vicentini, diretor de Um Dia Qualquer (1954), primeiro curta ficcional gravado em Londrina – viagem de trem e as produções de Renato Melito – que e possivelmente no Paraná –, e Londrina 1959, uma chegou a ter uma empresa cinematográfica na cidade, homenagem ao jubileu de prata da cidade exibido pela a Rilton Filmes – são os vídeos mais antigos feitos na TV estadual em especial sobre a cidade; se destaca região, marcados por um olhar documental. (GROTA, ainda o diretor Vicente José Lorenzo Izquierdo, que 2009). após experiências em gravações de curtas no formato Agenciador da CTNP encarregado pela ven- Super 8, com o avanço da tecnologia, vem a produzir da de terras para a comunidade japonesa que já mora- obras mais maduras, coloridas e sonorizadas, como va em São Paulo, Hikoma era adepto dessas películas Fausto (1976), O Cego (1978) e Genesis (1983), filmes documentais como um forte instrumento de propagan- que projetaram Londrina para além das fronteiras do da das terras do norte paranaense, além de recurso município e do estado, sendo exibidos em festivais em de convencimento para adquirir apoio das autoridades Curitiba e São Paulo (GROTA, 2009). estaduais para investimentos em infraestrutura na reAté esse momento todas as produções se gião, como a construção de estradas para escoamento baseavam curtas-metragens, não ultrapassando mais da produção agrícola; o cineasta se sentia responsável de 30 minutos de duração. O primeiro longa-metragem por tal missão, já que ele, como agenciador, tinha con- gravado em Londrina, segundo Grota (2009), fora o vencido seus conterrâneos a vir para o norte central do filme Legal Paca, produzido e interpretado por londriParaná (BONI; FIGUEIREDO, 2010, p.49-53). nenses, em especial Antônio Pereira Dias, que dirigiu, Segundo Boni e Figueiredo (2010) essas películas somavam por volta de 10 horas de filmagens, incluindo panorâmicas de várias regiões da cidade, lavouras de café, o núcleo urbano e capturas do cotidiano do jovem município, como eventos sociais, inaugurações, desfiles, etc. Seja apreciando, provendo e até
roteirizou e atuou no longa. O filme teve sua pré-estreia em 1988 no Cine Ouro Verde e fora exibido e distribuído somente na região. Após alguns anos mornos, a cena audiovisual local ganha sobrevida após uma oficina de Super 8 – em um contexto de revalorização do formato – or-
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ganizada pelo atual secretário de cultura de Londrina, Caio Cesaro, e realizada por profissionais de São Paulo, em 1998, como conta o produtor Guilherme Peraro para a Mario Trigueiros (2019) em artigo para a Folha de Londrina. O produtor ressalta que do contato com a oficina surgiram profissionais interessados em dar continuidade ao projeto, resultando na criação da Mostra Londrina de Cinema – que posteriormente se tornaria o Festival Kinoarte de Cinema –, que além da programação de filmes, oferecia também oficinas de formação. Para o produtor, nesse momento surgiu o trabalho da formação de público, mas acima de tudo, da mão de obra profissional, visando fortalecer o setor.
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noarte Mostra Curtas – exibição de curtas em escolas e centros culturais –, o Kinoclub – exibição semanal de filmes –, a Revista Taturana e o Kinoarte Vila Cultural.
Embora muitos filmes londrinenses sejam produzidos de forma independente, profissionais da área ressaltam a importância do engajamento da gestão municipal em torno do setor, que acontece efetivamente desde 2002 a partir de editais do PROMIC, programa do munícipio responsável pelo incentivo à cultura – impulsionado pela gestão federal, que a partir da década de 1990, passou a financiar leis de incentivo à cultura. Essa política de investimentos já trouxe para a região projetos como Gaijin 2 (2003), dirigido Em 2003, foi criada a Kinoarte - Instituto de por Tizuka Yamazaki, orçado em aproximadamente R$ Cinema e Vídeo de Londrina, associação sem fins lu- 9 milhões – o filme foi rodado em Londrina e região e crativos em âmbito público municipal que visa atuar recebeu apoio financeiro da prefeitura local. na produção, exibição, distribuição e preservação de filmes londrinenses, além da oferta de formação para profissionais do audiovisual, trazendo profissionais renomados a cidade para realização de oficinas, cursos, palestras, entre outras atividades. A geração de cineastas londrinenses que hoje cria e produz conteúdos na cidade provem da mobilização da instituição em torno da realização desses cursos e oficinas. Em dez anos, a Kinoarte realizou mais de 42 filmes nos mais variados suportes (35mm, HD, mini-DV, Super 8), conquistando mais de 50 premiações nacionais e internacionais, projetando o cinema londrinense para além das fronteiras. O instituto realiza ainda o circuito de Festivais Kinoarte, que conta com 2 festivais de cinema nas cidades de Londrina – festival mais antigo do Paraná, que em 2019 chega a 21ª edição – e Marília; além de outros projetos como a Ki-
Cartaz de divulgação da 20ª edição do Festival Kinoarte de Cinema, evento já tradicional na cidade. Fonte: kinoarte, 2018.
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Atualmente, Londrina vive conquistas significativas para o setor audiovisual. A articulação de profissionais do setor em ações como o fortalecimento do NAV (Núcleo Audiovisual de Londrina) e a constituição da APL (Arranjo Produtivo Local) de audiovisual possibilitou nos últimos anos um cenário próspero, permitindo produtores independentes a tirar suas ideias do papel, e consolidar o segmento audiovisual como uma das áreas mais férteis da economia criativa local.
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audiovisuais locais, como curtas, longa metragens e séries, como também, a formação de produtores. Esse incentivo acontece ativamente por meio da concessão de equipamentos, de modo a ampliar o acesso do cidadão a infraestrutura de produção audiovisual.
Vale ressaltar a existência do núcleo como uma medida de qualificação de atividades de técnicos, editores, cineastas e demais profissionais da área em formação, além de sua inserção no mercado audioviAliada ao recente incentivo da gestão mu- sual, que segundo a Prefeitura de Londrina (2019), age nicipal, essa articulação vem abrindo caminho para como impulso não só para iniciantes do ramo, como produtores locais. Um exemplo é o recente lançamen- também produtoras já estabelecidas, de forma a gerar to do NPD (Núcleo de Produção Digital), iniciativa da renda, emprego e consequentemente, a movimentaprefeitura que busca não só dar suporte a produções ção da economia local. audiovisuais locais, como curtas, longa metragens e O núcleo não só fortalece Londrina no mapa séries, como também, a formação de produtores. Esse da produção audiovisual, como também em uma rede incentivo acontece ativamente por meio da concessão nacional de núcleos semelhantes – mantidos em acorde equipamentos, de modo a ampliar o acesso do cidado entre prefeituras e o extinto Ministério da Cultura dão a infraestrutura de produção audiovisual. –, podendo viabilizar possíveis ciclos de investimentos Vale ressaltar a existência do núcleo como nesse setor (Londrina, 2019). uma medida de qualificação de atividades de técnicos, Como fruto dessa força tarefa realizada por editores, cineastas e demais profissionais da área em produtores e poder público, se sobressai a facilitação formação, além de sua inserção no mercado audiovida participação de profissionais locais em editais nasual, que segundo a Prefeitura de Londrina (2019), age cionais e estaduais lançados por órgãos como a SEEC como impulso não só para iniciantes do ramo, como e a Ancine, a exemplo de seis curtas-metragens aprotambém produtoras já estabelecidas, de forma a gerar vados pelo edital de Produção e Distribuição de Obras renda, emprego e consequentemente, a movimentaAudiovisuais pelo SEEC, em 2017, além do recurso ção da economia local. histórico de R$ 4,8 milhões aprovados em 2018 pelo Aliada ao recente incentivo da gestão mu- edital “Co-investimentos Regionais” da Ancine, por nicipal, essa articulação vem abrindo caminho para meio de investimentos do FSA (Fundo Setorial de Auprodutores locais. Um exemplo é o recente lançamen- diovisual) e contrapartida do município¹, para produto do NPD (Núcleo de Produção Digital), iniciativa da ção de filmes, séries e documentários em 2018 e 2019. prefeitura que busca não só dar suporte a produções
59 O edital “Co-investimentos Regionais”, segundo o secretário de cultura de Londrina, Caio Cesaro, em entrevista para a Folha de Londrina (2018), era destinado apenas a estados e capitais, ou seja, Londrina consequentemente estava excluída do processo por não se enquadrar nos parâmetros de seleção do edital. Foi proposto a Ancine, órgão responsável pelo setor audiovisual no Brasil, em nome do município, que reavaliasse a possibilidade de que cidades de médio porte e de potencial – a que diz respeito ao mercado audiovisual –, como Londrina, pudessem participar da seleção do edital, se beneficiando de seu orçamento e financiamento.
Figura X - Cartaz do filme Leste Oeste (2019), dir. Rodrigo Grota. o filme local produzido a partir de patrocínio de orgãos de incentivo. Fonte: Kinopus, 2019.
Esses dados trazem à tona uma questão fundamental para a discussão do trabalho: Londrina está de forma ativa se mobilizando ao longo dos anos na construção de uma gestão de incentivo em torno da cultura audiovisual e claramente enxerga o setor como um catalizador investimentos. Mais recentemente, se destacam projetos orçados pelas já citadas parcerias entre gestão municipal e nacional, como o filme Leste Oeste (2019) e Passagem Secreta (filmado em resolução 4K, se encontra em etapa de pós-produção, com estreia prevista para o segundo semestre de 2019), ambos dirigidos por Rodrigo Grota e produzidos pela Kinopus Audiovisual.
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Contextualização da quadra 37 no tecido urbano do centro de Londrina.
4. APONTAMENTOS PROJETUAIS A proposta surge da retomada da arena social e coletiva trazida pelo cinema, fundamental para O eixo norteador da proposta se da na recugeração de reflexões e discussões acerca da própria peração de um dos cinemas remanescentes do centro arte cinematográfica, como também, da sociedade, asde Londrina. Após os estudos a respeito das tipologias pecto fundamental para uma arte de cultura de massa. de exibição, que resultam nos multiplex, símbolo da nuTendo em vista a efervescência em que vive atualmenlificação do cinema como arena social; aliada a grande te o mercado audiovisual local, uma das diretrizes é vocação da localidade do Cine Augustus e a carência também propor um espaço para capacitação e aparedo centro de Londrina por espaços culturais, é proposto lhamento voltado para profissionais do setor. a recuperação da sala de exibição e sua galeria como um equipamento cultural. A escolha pelo Cine Augustus Outro eixo de intervenção visado na proposta se deu devido sua relação próxima e fluida com o es- é ainda a posição priveligiada do complexo Ed. Camipaço público, possibilitada pela sua implantação, que nhoto-Cine Augustus com o espaço público, procuranatravessa a quadra 37, da Alameda Miguel Blasi, em do potencialiizar a área, a partir essa relação, como direção a Praça Gabriel Martins. 4.1 A PROPOSTA: ESCOLHA DO LOCAL DE INTERVENÇÃO
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um aglutinador de usos, gerando vitalidade ao espaço. 4.2 ANÁLISE E DIAGNÓSTICO
cultural e o calçadão de Londrina. O estudo se apoia em metodologias de análise como a morfologia urbana e a percepção ambiental, procurando entender a realidade dessa área de modo estrutural, mas também a partir da vivência do pedestre. Os tópicos analisados neste capítulo se concentram em aspectos quantitativos, qualitativos e de organização funcional, estabelecendo uma leitura mais completa entre forma e contexto, de modo a reforçar parte do raciocínio já desenvolvido nas Leituras Urbanas.
A delimitação da área de diagnóstico é composta pela quadra 37 – localizada no quadrilátero central e delimitada pelas vias: Av. São Paulo, Av. Paraná (Calçadão de Londrina), Rua Prof. João Cândido e Alameda Miguel Blasi –, onde estão localizadas as instalações do Cine Augustus e seu entorno imediato, que inclui espaços e edificações emblemáticas do centro de Londrina, como: o Calçadão, a Praça Gabriel Martins, a Catedral Metropolitana, a Praça Floriano Peixo4.2.1 UMA ÁREA DIVERSIFICADA to, entre outros. O espaço ocupado pelo Cine Augustus foi tratado como área de intervenção pontual, visando a proposição de um projeto arquitetônico – um equipamento cultural – que objetiva a incorporação do cinema e atividades comerciais e de serviço complementares, incorporação essa baseada em uma reinterpretação do espaço, visto que o mesmo não se encontra mais edificado como sala de exibição. A leitura do entorno imediato é realizada em duas escalas: a da quadra e a do edifício. O objetivo é vir entender a morfologia urbana, como também a ambiência e relação da quadra com o Cine Augustus, conformando diretrizes e possibilidades para a implantação do projeto; além da busca por permanências so-
A quadra 37 e entorno imediato é caracterizada pela diversidade de usos. Predominam-se edifícios verticais, constituídos de galerias comerciais, lojas no térreo e pavimentos superiores dotados de apartamentos residenciais; edifícios de uso exclusivamente comercial e de serviço também são comuns, voltados em sua maioria para locação de escritórios ou sedes corporativas. A presença de extensões de galerias comerciais no interior da quadra também é digna de nota.
Na quadra de estudo estão presentes pelo menos seis edifícios que abrigam o uso residencial, sendo que apenas um deles é exclusivamente residencial, o que reforça o domínio do uso misto na região, provavelmente impulsionado pela prática comercial breviventes ao intenso processo de descaracterização consolidada da Av. Paraná: as lojas térreas se incluem pelo qual o cinema passara ao longo dos anos, bus- em uma dinâmica de espaço fluido, tornando-se atracando referências da antiga sala de exibição na me- entes no meio urbano por diversos fatores, como o mória da cidade. Outro ponto importante é o caráter acompanhamento da escala do pedestre, a existência da Praça Gabriel Martins, elemento, que no projeto, se de fachada ativa e a constituição de novos caminhos, impõe como espaço de transição entre o equipamento atalhos e encontros, possibilitados pelas poucas gale-
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rias comerciais. Esses aspectos criam meios favorá- trada nenhuma atividade no raio do entorno imediato, veis para o desenvolvimento de um ambiente comer- sendo as mais próximas, o Cine Teatro Universitário cial de qualidade. Ouro Verde, no início do calçadão, sentido leste-oeste e o Teatro Zaquel de Melo, na Av. Rio de Janeiro, hoje As atividades comerciais destacam-se em lofechado devido a danos na estrutura. Ambos não projas varejistas, em sua maioria dos setores de moda e porcionam um fluxo noturno constante, visto que um farmacêutico, além de moveis e eletrodomésticos; outro funciona sob demanda –em sua maioria da universiuso observado é o de serviços bancários. É perceptível dade e esporadicamente de eventos como o FILO –, a concentração dessas atividades de maior demanda e o outro encontra-se interditado. Em termos de uso – com exceção do setor moveleiro e de eletrodoméstisimilar ao da proposta, o cinema mais próximo seria cos, que ainda que exista uma alta demanda, não são o Cine Lumiére, no Shopping Royal, localizado na rua de uso básico – voltadas para a Av. Paraná, onde há Mato Grosso. um maior fluxo de pessoas transitando; à medida que nas outras vias do entorno como a Av. São Paulo e A situação reflete uma carência do centro Alameda Miguel Blasi, estão locadas atividades mais de Londrina em relação a espaços culturais públicos, específicas, como comércio especializado, de serviço, que começaram a aparecer com o processo de dese uso institucional – entre eles, uma locação do edifí- centralização da cidade, utilizando os antigos edifícios cio Comendador Caminhoto, espaço que antes era do públicos do centro para usos culturais. Exemplos desCine Augustus, ocupada pela sede da 17ª Regional de sa prática são o Museu de Arte de Londrina, antiga Saúde, órgão do governo estadual, na Alameda Miguel estação rodoviária; o Museu Histórico, antiga estação Blasi. ferroviária; a Biblioteca Municipal, antigo fórum; a Casa da Criança, hoje, Secretaria de Cultura, etc. Outro ponto a ser ressaltado, é que a região apresenta funcionamento das atividades comerciais até 18 horas, o que seria de extrema importância proporcionar usos noturnos ao local, gerando fluxo neste período e proporcionando uma maior vitalidade ao espaço, que no momento se restringe ao horário comercial. Esse incentivo ao uso noturno pode ser realizado a partir da locação do térreo, que no caso da proposta do cinema de rua, visa uma integração fluida com a praça. O próprio cinema, como uma âncora do projeto, pode vir a criar demanda para outros tipos de atividade como lanchonetes, bares, etc. Em relação ao uso cultural, não fora encon-
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Esquema de Uso e Ocupação: quadra 37. Fonte:Elaborado pelo autor.
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4.2.2 AS CONTRUÇÕES: CONFIGURAÇÃO DA QUADRA Na década de 1960, a cidade assistiu um boom de crescimento vertical, fruto de uma expressiva safra cafeeira entre os anos de 1960 e 1965 (SUZUKI, 2011); com exceção do Conjunto Edifício Sahão, construído nas primeiras décadas dos anos de 1950, a maioria dos edifícios verticais da quadra 37 surgiram resultantes desse período; é o caso dos edifícios: União (1962), Cinzia (1966), Comendador Caminhoto (1967); Ribeiro Pena (1967), entre outros. Os arredores da Av. Paraná é o núcleo pioneiro dessa verticalização, e até hoje, é nessa área que está localizada a maior porção de edifícios verticais do centro histórico de Londrina. Na quadra 37, a maioria desses edifícios apresentam entre 10 e 17 pavimentos, assim como os edifícios do entorno imediato, resultando em uma certa regularidade vertical. Fogem da regra algumas edificações comerciais mais baixas (lote 3 e lote 8, na quadra 37), de aproximadamente 2 ou 3 pavimentos, espremidas entre os edifícios verticais. Diferentemente de outras vias do centro, por estarem voltados para uma praça – Praça Gabriel Martins, que surge aliada ao projeto de Jaime Lerner para o Calçadão, na década de 1970 –, na Av. Paraná, a sensação de enclausuramento causada pelos prédios é reduzida, não só pelas dimensões do calçadão – aproximadamente 20 metros –, que já são apropriadas para escala do pedestre, mas principalmente pela amplitude que a praça proporciona ao se ramificar da via de pedestres. O traçado de Razgulaeff se impõe como elemento fundamental na implantação e resolução formal das fachadas dos edifícios da quadra 37, já que os mesmos seguem, sem recuo, o alinhamento curvo do desenho urbano.
Como visto nas leituras urbanas, o processo de verticalização de Londrina enfrentou algumas adversidades de implantação, vencidas a partir da utilização de empenas cegas para aproveitamento da área do recuo lateral. O resultado disso é uma quadra pouco permeável e fechada para seu interior, algo que fica ainda mais evidente quando analisamos a quadra 37, onde os edifícios Ribeiro Pena, Comendador Caminhoto e União, praticamente se mesclam em um único volume edificado.
Praça Gabriel Martins; em segundo plano, respectivamente da esquerda para direita: Edifícios União, Comendador Caminhoto e Ribeiro Pena. Fonte: acervo pessoal.
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Esquema de Gabarito de Altura: quadra 37. Fonte: Elaborado pelo autor.
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Vale ressaltar os lotes 3 e 8 como possibilidades de acesso ao projeto e de permeabilidade da quadra 37. Os dois lotes estão no mesmo nível da galeria e estacionamento do edifício e uma vez que abrigando edificações mais baixas – ambas de uso varejista, onde é possibilitado uma maior rotatividade –, o lote 3 e o lote 8 quebram com o ritmo dos edifícios verticais e possibilitam uma incorporação mais prática ao projeto. Outra questão é a necessidade de uma entrada para carga e descarga de mercadorias e equipamentos e saídas de emergência, levando em consideração que ainda existirão atividades, não só no pavimento térreo, mas também nos demais pavimentos, que necessitarão desta demanda.
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No esquema gráfico de figura-fundo podemos observar os dois lotes, sua formatação na quadra e ligação com o lote do Cine Augustus. Ambos submetidos ao traçado curvo da quadra 37, resultam em um tipo de lote que se afunila em direção ao centro da quadra: enquanto o lote 3 é voltado diretamente para a Praça Gabriel Martins, elemento espacial de transição da via pública e a galeria; o 8 lote esta localizado próximo ao cruzamento da Alameda Miguel Blasi com a Rua Profº João Cândido, a frente de uma ramificação da via idealizada para carga e descarga. Estudo de acessos ao lote do Cine Augustus e permeabilidade da quadra 37. Fonte: Elaborado pelo autor.
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Esquema grรกfico de figura-fundo: quadra 37. Fonte: Elaborado pelo autor.
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Esquema grรกfico de figura-fundo ampliado e detalhado: quadra 37. Fonte: Elaborado pelo autor.
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71 Mais afundo na relação de ambos os lotes com o lote do Cine Augustus, vale a pena ressaltar a ligação fisica de ambos. A natureza do lote tipo das quadras do centro de Londrina, estreito e comprido, viabiliza a concentração de extensões e “puxadinhos” ao fundo dos lotes, normalmente utilizados para loPossibilidades de acesso: Forma dos lotes 8 e 3. Fonte: Elaborado pelo autor.
cação de áreas de serviço. Concentrados no interior da quadra, essas extensões proporcionam ao lote 3 uma ligação estreita, labiríntica e quebrada ao projeto. O mesmo não é notado quando analisamos o lote 8, dotado de uma configuração que o afunila diretamente ao lote do Cine Augustus, facilitando sua incorporação.
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4.2.3 ASPECTOS FÍSICOS E BIOCLIMÁTICOS A análise de aspectos bioclimáticos se concentra em torno do Cine Augustus. Através desta, percebe-se um índice de insolação excessiva apenas na face voltada para a Rua Profº João Cândido (face oeste), presente ao longo de todas as estações. A noroeste, temos a fachada do Edifício Comendador Caminhoto, onde mesmo recebendo a maior parte da insolação diária, não há maiores problemas, visto que uma marquise bloqueia boa parte dos raios solares. Devido a lateral do terreno voltada para leste possuir emprena cega em razão de ambas as construções – o Cine Augustus e a construção adjacente – não possuirem recuo lateral, a fachada leste não recebe insolação.
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zado em uma quadra com uma grande quantidade de edificios verticais – que ainda recebem o reforço das árvores de grande porte presentes na Alameda Miguel Blasi – em suas delimitações e entorno, os mesmos atuam como um bloqueio sobre a incidência solar no projeto.
Outro elemendo a ser levado em consideração são os ventos predominantes, que de acordo com o IAPAR (2009), são provindos, em grande parte, de leste para oeste, como também, com uma frequência considerável de nordeste para sudeste. Levando em consideração a implantação do edificio na quadra podemos constatar que há uma deficiencia quanto a ventilação natural, visto que as diversas barreiras físicas e a ausencia de recuos impedem a passagem dos Dada a situação, constata-se que as precauventos de suas direções predominantes, se fazendo ções a respeito dos estudos de trajetória do sol restrinnecessário estratégias projetuais voltadas para climatigem-se em grande parte ao tratamento das fachadas zaçao natural dos ambientes. –voltadas para noroeste, na Av. Paraná, e sul, na Alameda Miguel Blasi –, visto que pelo projeto estar locali-
Site Analysis da quadra 37: insolação, trajetória do sol e ventos predominantes. Elaborado pelo autor.
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Anúncio de inauguração do Cine Augustus no Jornal Última Hora, em 19 de setembro de 1963. Fonte: Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.
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4.3 O CINE AUGUSTUS Projetado pelo arquiteto Luiz César da Silva, o Cine Augustus surge junto ao empreendimento do Edifício Comendador Caminhoto, pensado para abrigar nos pavimentos inferiores uma galeria comercial com 6 lojas (ocupando a posição central da planta), além de um cinema e uma torre residencial de 13 andares, com 42 apartamentos (SUZUKI, 2011). O cinema tinha capacidade para 1500 pagantes e era equipado com equipamentos de alta tecnologia, se fazendo pioneiro no Paraná. A forma irregular do terreno – um “I”, bifurcando-se na metade de sua extensão – com frentes para Av. Paraná e Alameda Miguel Blasi, conectando as duas ruas paralelas, proporciona a divisão do programa em dois blocos: setor comercial e residencial, voltado para Av. Paraná; e outro bloco abrigando o cinema, que funcionava como um anexo ao edifício, com saída para Alameda Miguel Blasi. A entrada para o cinema se dava pela galeria comercial, com acesso principal pela Av. Paraná, atravessando um extenso corredor, onde ao final, se localizavam a bilheteria e uma grande escada de acesso ao hall da sala de exibição, localizada no 1º pavimento do edifício. Toda galeria e estacionamento do edifício se encontram ao nível da Av. Paraná. O acesso para o cinema pelo mezanino se dá aproximadamente 7 metros acima do térreo, no primeiro pavimento, onde funcionam 2 apartamentos tipo e a administração do cinema, em fluxos distintos. A saída do cinema se dava por de baixo da tela, 1,20 metros acima do nível da Alameda Miguel
Blasi. Uma pequena escadaria compensa a diferença de nível até calçada da via, onde também acontece a saída da garagem em uma das laterais da fachada. O projeto se aproveita ainda do desnível entre o pavimento do cinema e a saída pela Alameda Miguel Blasi para determinação da inclinação da plateia, bastante suave em relação a extensão da sala de exibição.
Anúncio de divulgação do empreendimento imobiliário Edifício Caminhoto. Fonte: Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.
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Vista aérea da Alameda Miguel Blasi, em destaque, a fachada do Cine Augustus. Ao fundo, o Edifício Caminhoto ainda em construção. Fonte: Acervo Folha de Londrina.
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Setorização do Edifício Caminhoto. Fonte: Elaborado pelo autor.
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Relação de níveis entre a galeria comercial do Edifício Caminhoto e o Cine Augustus. Fonte: Elaborado pelo autor com base no cadastro municipal da Prefeitura de Londrina.
O acesso do Cine Augustus abre uma vertente curiosa dentro da tipologia dos cinemas de rua: diferente do Cine Vila Rica – sem fachada e locado integralmente no interior de uma galeria comercial – e na contramão da maioria dos cinemas de rua “tradicionais”, o acesso do Cine Augustus não se dava por sua fachada, e sim pela galeria, impulsionado pela a dinâmica e visibilidade proporcionadas pelas atividades do footing na Av. Paraná, para onde estava voltado o aceso da galeria, de modo a induzir o usuário a se utilizar desse espaço para desfrutar o uso do cinema, fazendo com que as duas atividades funcionem articuladas uma a outra.
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Alameda Miguel Blasi na déc. de 1970, em destaque, a fachada plissada do Cine Augustus, onde acontecia a saída do cinema. Fonte: Acervo Folha de Londrina.
81 Interior do Cine Augustus, visto da entrada pelo mezanino em direção a tela. A saída acontecia abaixo da tela, na Alameda Miguel Blasi. Fonte: CLR.
Interior do Cine Augustus. Vista da saída em direção ao mezanino. Fonte: Acervo do Museu Histórico de Londrina Padre Carlos Weiss.
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Tais mudanças, configuraram em uma alteração drástica na fachada voltada para a Alameda MiApós o fechamento do cinema, o mesmo foi guel Blasi: com a criação de um 2º pavimento, foram locado para atividades comerciais de varejo (onde abriabertas janelas de blindex voltadas para via. A fachagou a loja de Departamentos Mesbla e uma espécie da ainda apresenta o emblemático formato plissado, de camelódromo). No começo da década, o Cine Auagora revestido de novos acabamentos, como azulejos gustus passou por investidas fracassadas do governo cerâmicos e pintura texturizada. municipal no início da década para tombamento e revitalização do cinema (FOLHA DE LONDRINA, 2012) A garagem antes exclusiva para moradores 4.3.1 DESCARACTERIZAÇÃO DO CINEMA
Com mudanças na administração da galeria do Edifício Comendador Caminhoto, o Cine Augustus passou por um processo de reformas que veio a culminar em uma intensa descaracterização do projeto original; descaracterização essa, concentrada principalmente nos espaços internos e fachada. Todo o fluxo entre galeria comercial e cinema foi interrompido, acabando com os espaços de hall e bilheteria que ali existiam; hoje, esses espaços funcionam como locação de serviços, como lanchonete e barbearia. A conexão entre os dois blocos foi eliminada, fazendo com que o mezanino que dava acesso a sala de exibição fosse incorporado ao programa de atividades do edifício. Em relação ao bloco do cinema, a espacialidade de sala de exibição já não existe mais, visto que a laje inclinada da plateia fora destruída, criando-se uma laje nivelada; o pé direito de 12 metros foi dividido em 2 níveis, procurando um maior aproveitamento do espaço. Esse redesenho do projeto resultou também em uma modificação da malha estrutural, se fazendo necessário o reforço da estrutura com apoios centrais na planta, de modo a sustentar o peso da nova laje e cobertura.
do condomínio hoje funciona como uma locação de estacionamento privado, com entrada e saída pela Alameda Miguel Blasi. Sua conexão com a galeria ainda é existente, permitindo um acesso direito ao calçadão, na Praça Gabriel Martins. Hoje, o edifício do Cine Augustus funciona como uma locação privada, que no momento, atende a demandas do governo estadual. Loja de departamentos Mesbla, que ocupou o espaço do Cine Augustus e a galeria do Edifício Comendador Caminhoto após o fechamento do cinema. Fonte: Autor desconhecido.
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Fachada do antigo Cine Augustus, maio de 2019. Vista sentido Rua Profº João Cândido - Alameda Miguel Blasi. Fonte: acervo pessoal.
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Fachada do antigo Cine Augustus, maio de 2019. Vista sentido Alameda Miguel Blasi - Rua Profº João Cândido. Fonte: acervo pessoal.
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Interior do antigo Cine Augustus, 2017. Respectivamente, vista da Alameda Miguel Blasi sentido ao o que antes era os fundos da sala de exibição, e vista dos fundos para Alameda Miguel Blasi, onde acontecia a saída. Fonte: autor desconhecido.
91 volvimento de estratégias projetuais. Ao final do capítulo, é visada uma síntese sistematizada desses conceiForam escolhidos dois projetos para estudo: tos e intenções a partir de um infográfico, responsável a Praça das Artes e Centro Aberto de São Paulo. A por catalogar essas estratégias e elaborar uma base abordagem de estudo dessas propostas pautou-se na para tomada de decisões da proposta. determinação de similaridades em relação a situações de contexto, com especial interesse em suas ligações com o espaço público – e usuário –, na qualidade dos 4.4.1 PRAÇA DAS ARTES espaços criados e diferentes estratégias de espaciali- Ficha Técnica Projeto: Brasil Arquitetura (Marcelo Ferraz, Francisco Fanucci e zação da forma arquitetônica. 4.4 ANÁLISE DE CORRELATOS
Ambos os projetos apresentados e analisados a seguir tratam-se de propostas implantadas no centro da cidade de São Paulo, abordando, com protagonismo ou não, a questão da recuperação de áreas centrais, tendo em vista entender a relevância dessa região na estrutura urbana das cidades. De modo geral, a premissa da escolha destes dois projetos como correlatos dá-se na importância dos espaços públicos como elementos de articulação das áreas centrais.
Luciana Dornellas em parceria com Marcos Cartum da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo); Local: Centro de São Paulo, Brasil; Av. São João, 281; Ano: 2012 (iniciado em 2006, abertura completa da praça em 2019); Área: 28500 m².
4.4.1.2 PROGRAMA
Durante anos, diversas atividades ligadas ao Teatro Municipal ocuparam espaços precários espalhados pelo centro de São Paulo. “Só a Escola de Bailado ficou 70 Vale ressaltar a diferença entre ambos os anos embaixo do Viaduto do Chá”, lembra Marcos Cartum projetos quanto a sua natureza: enquanto no projeto (SAYEGH, 2012). Perante a isso, a iniciativa da Praça das da Praça da Artes é desenvolvida uma visão voltada Artes era simples: responder a uma demanda do Teatro à escala e forma da quadra, em um equipamento cul- Municipal por espaços adjacentes para suas atividades, tural que ao expandir a superfície da calçada para seu visto que sua construção do início do séc. XX não possibiinterior, mescla conceitos de espaço público e privado; lita grandes expansões. no Centro Aberto buscou-se uma compreensão das O edifício deveria comportar até duas mil pessoas entre necessidades do usuário baseada em sua relação com artistas, alunos, professores, técnicos e administradores, espaço público, seguindo um raciocínio claro: não exisincorporando atividades como: a Orquestra Sinfônica te espaço público vivo, se não há estrutura necessária Municipal e Instrumental de Repertório, os Corais Líricos para que haja vitalidade nesse espaço. e Paulistano, o Balé da cidade e o Quarteto de Cordas, Importante ressaltar o mérito desses correla- além dos programas educacionais e administrativos, tos para o filtro de conceitos e diretrizes que podem vir como as Escola de Dança e Música, do Museu do Teatro, a contribuir na construção de subsídios para o desen- e o Centro de Documentação Artística. (NOSEK, 2013).
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Dramático e Musical do município, edifício histórico do séc. XIX. Na visão da prefeitura, tal situação impedia Após a definição do programa, a Secretaria que aquela região atraísse um uso “sadio” por parte da Municipal de Cultura inicia a procura de um lugar para população, como já acontecia em algumas regiões do implantação do projeto nas proximidades do Teatro Mucentro com a instalação do CCBB e outros pontos de nicipal. Na época, foram encontrados alguns terrenos vida cultural e boêmia. com possibilidade de desapropriação, porém nenhum apresentava capacidade para receber um projeto daCartum e Ferraz evidenciam a relevância da quele porte. (SAYEGH, 2012). Foi neste momento que quadra, que antes do projeto da praça, fora, durante surgiu a estratégia da quadra 27, paralela à testada anos, alvo de estudos acadêmicos e de gestão. “É um do Teatro Municipal na região do Vale do Anhangabaú. exemplo emblemático do abandono da margem direita 4.4.1.2 SITUAÇÃO
do Anhangabaú, o centro novo, irradiador de decadênA quadra 27, nas palavras do ex-secretário cia e abandono” (...) “Mexer na quadra 27 foi empreende cultura de São Paulo, Carlos Eduardo Calil: “era der uma ação de requalificação que pode reverberar uma quadra doente”, ocupada por um conjunto de em todo o conjunto do Anhangabaú e Ipiranga”, comprédios deteriorados em torno do antigo Conservatório pleta Cartum (SAYEGH, 2012).
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O local de implantação do projeto, delimitado em vermelho, em verde, a área de extensão do passeio do Vale do Anhangabaú. Fonte: MapBox (2019). Editado pelo autor.
Acesso ao complexo pela Av. São João. Fonte: Brasil Arquitetura, (2012)
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4.4.1.3 IMPLANTAÇÃO
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De fato, a quadra apresentava muitos edifícios heterogêneos com gabarito baixo, de pouco aproveitamento construtivo e péssima qualidade arquitetônica. Em seu miolo, destacava-se o ponto que motivou sua ocupação: uma praça municipal completamente subutilizada (servia de transbordo de lixo), mas com uma área generosa que encontrava os fundos do conservatório musical, criada a partir da demolição de um quartel do exército nos fins da década de 1970. ” (SAYEGH, 2012)
O projeto se desenvolveu dentro da Operação Urbana Centro, que abrange as áreas dos chamados Centro Novo e Centro Velho. Essas operações buscam promover a recuperação da área central de São Paulo, de modo a atrair incentivos para investimentos imobiliários, comerciais, turísticos e culturais. O projeto da praça aproveitou-se da possibilidade de construir sem recuo frontal, de fundos e lateral, já que Acomodados em lotes que se fundem no inseu potencial construtivo atendia aos padrões da re- terior da quadra a um miolo aberto, essas unidades fogião. (SAYEGH, 2012). ram incorporadas ao projeto – o conservatório tombado e o antigo cinema, que estavam em situação precária, O complexo parte da consideração de unidasofreram intenso processo de restauração. O terreno des de interesse de conservação presentes na quadra, em sua forma final, é de aproximadamente 8.400 m², entre elas, o edifício do extinto Conservatório Dramáresultante do miolo de quadra e uma somatória de detico e Musical de São Paulo e o Cine Cairo. O estudo sapropriações do governo municipal, indicados como de ocupação da quadra da Secretaria Municipal de lotes com potencial de requalificação urbanística. Cultura já previa a reabilitação do Conservatório como (SAYEGH, 2012). “âncora” do projeto, e as novas edificações deveriam dispor-se em torno do edifício histórico. (CALIL, 2013). .
Relação de lotes desapropriados pelo município para implantação do projeto. Fonte: Sayegh (2012).
95 Fanucci e Ferraz (Brasil Arquitetura, 2012) veem o centro de São Paulo, mais especificamente a região na qual o projeto se insere, como um lugar rico em urbanidade:
A maior ocupação de massa edificada se dá na porção do terreno voltada para a Av. São João e Vale do Anhangabaú. Já no sentido longitudinal, privilegiou-se um eixo de espaços abertos descobertos entre blocos, que agem como “respiros da quadra”. A proporAssim como em quase toda a região central ção do eixo evidencia o centro do lote como um ponto da cidade, tal lugar tem uma vizinhança predial caótica do ponto de vista volumétrico, das focal, onde estão locados os itens programáticos que normas de insolação e ventilação saudáveis. dão ao local o caráter de praça, evidenciando também Entretanto, possui uma situação privilegiada de humanidade ao seu redor, pleno de diver- a vocação pública da obra. (COSENZA, 2016). sidade, vitalidade, mistura de classes sociais, de usos, de conflitos e tensões característicos da grande cidade – espaço da convivência e da busca de tolerância. (BRASIL ARQUITETURA, 2012).
Croqui da proposta volumétrica do complexo da Praça das Artes vista do encontro da Av. São João com o Vale do Anhangabaú. Fonte: Brasil Arquitetura (2012).
O lugar é dotado de marcas e memórias retratadas em épocas distintas; e, diferentemente do Teatro Municipal, de implantação monumental, imponente e visível em meio à massa urbana impressionista, o projeto da Praça das Artes é ditado por essas singularidades, acomodando-se em situações adversas: porções de terrenos comprimidos por construções existentes, desníveis, empenas cegas, etc. 4..4.1.4 PARTIDO ARQUITETÔNICO O partido arquitetônico da proposta busca tirar proveito dessas condições para melhor aproveitamento do espaço disponível. Para Ferraz (Brasil Arquitetura, 2012), a Praça das Artes é um projeto que se almolda ao terreno, não nasce de uma forma pronta. O programa dá-se em blocos monolíticos de gabarito variado, sendo o maior de nove pavimentos, e o menor, de dois; a circulação entre eles acontece por passarelas e outros blocos menores.
É facil notar a valorização do térreo dada ao projeto, visto que a disposição dos blocos ocupa o mínimo possível do mesmo, principalmente junto às divisas, onde acontecem as ramificações e reentrâncias do terreno, vindo a gerar espaços livres ao longo dos eixos centrais e uma grande área coberta. (COSENZA, 2016). Segundo Ferraz, é do vazio que nasce a conexão com o entorno, os espaços coletivos e de convivência, e o térreo livre, onde se proporciona uma travessia aos pedestres. (Brasil Arquitetura, 2012).
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Acessos de ligação à praça central, respectivamente, pela Av. São João e o eixo da praça sentido Anhangabaú. Fonte: Brasil Arquitetura (2012).
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Incorporação de unidades de interesse histórico. Hoje, o antigo Conservatório Dramático e Musical de São Paulo abriga em seu andar térreo uma Sala de Exposições; no andar superior funciona a Sala do Conservatório, sede oficial do Quarteto de Cordas da Cidade de São Paulo. Já o Cine Cairo teve sua fachada preservada e restaurada. Fonte: Elaborado pelo autor. Implantação final do conjunto. Fonte: Brasil Arquitetura
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4.4.1.5 ENTORNO A primeira relação do projeto com o entorno gabaú. Essa conexão poderá futuramente contribuir na dá-se na ampliação e continuação da rede de espaços tentativa de requalificação do Vale, espaço de elevado públicos nessa região do centro de São Paulo – que potencial de lazer e convivência. Relação com o entorno: complexo visto da região do Vale do Anhanformam hoje uma rica malha de percursos de pedesgabaú. A praça foi aberta no início de 2019. tres, compostos por largos, calçadões, viadutos públiFonte: Brasil Arquitetura, 2019. cos e diversas galerias – a partir da permeabilidade da quadra. Outra forma de relação com o entorno utilizado pelos arquitetos fora a “camuflagem” a partir da concordância de alinhamenos e alturas do objeto arquitetônico, que procura fundir-se à massa existente, a “vizinhança predial caótica”. Percebe-se aí uma preocupação com a escala do pedestre, como também um respeito às edificações históricas agregadas ao projeto, que determinam a altura das novas edificações que as envolvem. A ausência de recuos laterais e frontais permitiu também a continuação do alinhamento predial 4.4.2 CENTRO ABERTO DE SÃO PAULO Ficha Técnica: da quadra. Projeto: Gestão Urbana SP em parceria com os escriApesar de todas as concordâncias com seu tórios METRO Arquitetos Associados e Gehl Architects; entorno, a Praça das Artes agrega à região um confinanciamento do Banco Itaú; siderável contrate visual, principalmente pelo trataLocal: Centro de São Paulo, Brasil; mento de suas fachadas, de concreto aparente bruto Ano: 2014. e aberturas irregulares – em disposição e formato. Os arquitetos defendem a ideia de especificar um material que proporcionasse identidade ao projeto e insere-se 4.4.2 .1 CONTEXTUALIZAÇÃO ao contexto por meio de uma relação de contiguidade A proposta do Centro Aberto nasce da iniciativa de ene contraponto, assemelhando-se a algumas obras da contrar alternativas para nova dinâmica dos centros urarquiteta Lina Bo Bardi (COSENZA, 2016.) banos, a fim de desenvolver projetos para qualificação Vale lembrar que, em 2019, fora concluída e dos espaços públicos da área central de São Paulo. O aberta a última etapa da obra, deixando livre o percur- promove a transformação de espaços públicos preeso que corta a quadra em direção ao Vale do Anhan- xistentes, permitindo atividades de celebração e a ativação desses espaços através da renovação de suas
99 formas de uso.
A experiência da metodologia adotada evidenciou a urgente necessidade de se promover debates e estabeMas por que o centro? Segundo a cartilha do Projeto lecer ações coletivas que irão gerar instrumentos para Centro Aberto (SMDU, 2016), disponibilizada pela prequalificação de espaços públicos, provando-se como feitura, a escolha pelo centro parte do seu atual caráter uma ferramenta fundamental para se pensar o planejade passagem, e não de permanência, resultado dos mento urbano nos dias de hoje (SMDU, 2016). diversos processos históricos de desvalorização e degradação da área. Esses processos resultam no desperdício das potencialidades, qualidades históricas e simbolismo desse setor tão privilegiado, considerando toda sua infraestrutura que o faz um lugar singular na cidade. 4.4.2.2 PROCESSO PARTICIPATIVO A conceitualização do Centro Aberto surgiu em um processo colaborativo e participativo, a partir da realização de três workshops realizados em 2013 pela SP Urbanismo, sob consultoria do escritório Gehl Architects. Os eventos abrageram estudantes e profissionais arquitetos e urbanistas, como também entidades da sociedade civil e gestão municipal. Durante os workshops foram analisados espaços públicos da área central da capital paulista utilizando-se a metodologia desenvolvida por Jan Gehl, baseada em doze critérios de qualidade. Discutidas e levantadas algumas considerações e ideias para primeira fase da proposta, chegou-se ao consenso de dois lugares para implementação dos projetos piloto: o Largo Paissandu e o Largo São Francisco. Num primeiro momento, foram concebidos para serem testados pelo uso efetivo e ativo da população (SMDU, 2016). Esses espaços devem estar aptos a receber as mais diferentes manifestações, usos e vontades que cada cidadão tem ao se utilizar da infraestrutura da cidade.
Parâmetros criados por Gehl para metodologia de análise de espaços utilizada nos wokshops do Centro Aberto;
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A SP Urbanismo propõe uma caixa de ferramentas, que funciona como um “cardápio” de elementos de ativação dos espaços públicos. As estratégias e elementos de ativação garantem a coerência e unidade do projeto Centro Aberto. Cada espaço conta ainda com uma unidade container, onde atua o operador do espaço, responsável pela: zeladoria, monitoria, operação do mobiliário portátil, como também, ao apoio às equipes de campo. 4.4.2.4 PROJETOS: LARGO PAISSANDU E O LARGO SÃO FRANCISCO Locais de implantação dos Projetos Piloto.
Ambos os projetos, tanto no Largo Paissandu, quanto no Largo São Francisco, pautaram-se na melhora das condições de permanência e acesso ao 4.4.2.3 OS PROJETOS PILOTOS local, antes em condições de isolamento do espaço Os projetos pilotos pautaram-se na experi- interior. No caso do Largo Paissandu, o acesso era dimentação de soluções em escala 1:1 antes das alte- ficultado pela região ser um ponto de confluência de rações permanentes. Os projetos priorizaram três es- transporte público; e o Largo São Francisco, pela antratégias para ativação do espaço público, sendo elas: tiga grade que antes cercava de forma hostil a Praça 1. Proteção e priorização de pedestres e Ouvidor Pacheco e Silva. ciclistas; introdução de ciclovia e faixas de pedestres, A estratégia utilizada em ambos os lugares visando um aprimoramento da acessibilidade, aces- foi a reelaboração de um conjunto de sinalizações e sos, passagens, sinalização; adição de outros elementos controladores de tráfego – 2. Suporte a permanência em espaços públicos: criação de locais de encontro e lazer, visando promover um convívio entre usuários, como também, o senso de comunidade e a apropriação do espaço;
balizadores de trânsito, vasos de planta, monolitos, paraciclos e bicicletas compartilhadas –; como também a criação de áreas de priorização de pedestres, garantindo travessias de pedestres seguras e diretas, a fim de melhorar a experiência da mobilidade ao longo da rua.
3. Fomento de novos usos: três tipos de Entre essas intervenções realizadas por esações: cultural (cinema ao ar livre, artistas de rua, coletivos), comercial (comida de rua, floriculturas, feiras) e sas áreas de priorização do pedestre, destacam-se: a extenção de faixas de pedestres existentes, novas atividades físicas (esportes e brincadeiras). faixas em cruzamento e pontos estratégicos, implanta-
101 ção de faixas diagonais em cruzamentos, anteparos as travessias, áreas de espera, e ainda a implantação de cicliovias, de maneira a incentivar o uso de transportes alternativos.
Para dar suporte à permanência nos espaços públicos, o projeto visou ainda atrair para o interior do largo os usos de seu entorno, como a oferta de comida de rua.
Foram instaladas também estações de permanência, visando não só a consolidação e qualificação de um espaço público de encontro e descanso ao ar livre, no caso do Largo São Francisco; como também, a criação de condições de espera do transporte público de maior qualidade, com assentos, sombra e atividades adicionais, como no Largo Paissandu. Nos dois lugares, a intenção era de que as pessoas que ali esperam ou simplesmente aproveitam um momento de ócio, possam vivenciar um espaço mais vibrante e ativo.
4.4.2.5 RESULTADOS De acordo com a cartilha do Projeto Centro Aberto (2016), as intervenções foram amplamente aceitas pelos usuários. O playground instalado é de uso contínuo pelas crianças, inclusive a noite, contribuindo para o aumento da sensação de segurança no local, também reforçado pela grande diversidade de grupos de usuários.
No Largo Paissandu, com a melhoria no sistema de sinalização, a média de travessias fora da faixa apresentou queda de 49,5% comparada à situação anterior à intervenção. No comércio, 100% dos comerciantes locais Em ambos os largos foram instalados um avaliaram a intervenção como “boa” ou “muito boa”, e 18% deck – equipado de mobiliário portátil: cadeiras de desses comerciantes afirmaram um aumento nas vendas praia, dobráveis e ombrelones, o que caracterizou o após a intervenção. Houve ainda um aumento de 36% na projeto, e, mais tarde agraciou-lhe com o apelido de permanência de pessoas (SMDU, 2016). Já no Largo São “praia urbana” –, um playground para crianças, além Francisco houve um aumento de 215% no número de pesda estação de manutenção, estruturas para prática soas sentadas, influenciando o índice de permanência do esportiva e um espaço para apresentações artísticas local, que chegou a aumentar 122%. planejadas, como apresentações de teatro, rodas de 94% dos entrevistados aprovam a intervenção música e dança, eventos de empréstimo e troca de lido Centro Aberto Paissandu; já no Centro Aberto São Franvros, entre outros. cisco, o índice sobe para 95% (SMDU, 2016). Na Praça Ouvidor Pacheco e Silva, devido à Em ambos os lugares, os mobiliários fixos e porgrande quantidade de atividades comerciais em seu entorno, o local sofria com o esvaziamento noturno e nos táteis são o maior destaque nos índices de aprovação, com finais de semana. Devido a isso, a programação prevista 62%. Oferecento conforto físico e visual para permanência para o Largo São Francisco acontecia de modo a incen- – seja descansando, almoçando ou esperando pelo transtivar o uso durante esses períodos. Cinema ao ar livre, porte público – os mobiliários permitem configurações karaokê a noite e festas de rua abertas nos finais de se- espaciais diversas para diferentes atividades. mana foram algumas das atividades realizadas.
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Largo Paissandu: Apropriação dos mobiliários portáteis pelas pessoas. Fonte: Metro Arquitetos
Cinema ao ar livre no Largo São Francisco. Fonte: Metro Arquitetos
Arquibancada criada pelo deck no Largo São Francisco. Fonte: Metro Arquitetos
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Síntese: Praça das Artes; Fonte: do autor.
Síntese: Praça das Artes; Fonte: do autor.
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5. O PROJETO: GALERIA CINE AUGUSTUS 5.1 DIRETRIZES GERAIS O projeto surge resultante da combinação das 3 fases de análise: leituras urbanas, análise e diagnóstico e os estudos de caso, formulando as seguintes diretrizes de uso e implantação:
original, buscando não destoar do contexto da quadra, implantada no alinhamento predial, padrão das construções do centro histórico de Londrina, onde o projeto está inserido.
5.1.1 LOCAL E IMPLANTAÇÃO Resultado dos estudos de acesso e programa, o projeto se acomoda em 3 lotes da quadra 37: o lote do Cine Augustus (com acesso pela Alameda Miguel Blasi), a galeria comercial do Edifício Comendador Caminhoto (com acesso pela Praça Gabriel Martins) e do lote 8 (com acesso pela Rua Professor João Cândido), totalizando uma área de 2121,22 m². Essa configuração resulta na permeabilidade em 3 pontos da quadra, criando uma rede de passagens entre o nível da praça (nível 00,0, a partir dos acessos da galeria cultural e do lote 8) e o acesso do cinema pela Alameda Miguel Blasi (nível +5,00, desnível esse vencido por escadas). O terreno é plano, e todo assentado em um único nível, acompanhando o calçadão. O complexo assenta-se sobre todo o terreno, deixando livre apenas o lote 8, que se comporta como uma expansão do espaço público, conduzindo o pedestre até a galeria. A viabilização da incorporação deste lote ao projeto, além de um acesso de pedestres, dá-se ainda a medida que o mesmo proporciona a carga e descarga – parada já existente – de objetos, mercadorias, equipamentos, etc, à galeria. É proposto que o projeto assuma os mesmos recuos da edificação
Eixos de intervenção da proposta da Galeria Cine Augustus. Fonte: do autor.
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107 já que está voltado para o calçadão, a diretriz primária para tratamento desse ambiente foi a criação de um A ideia do projeto em si, assim como o proespaço atrativo e flexível, sem usos completamente grama de necessidades, nasce não só do recente definidos e que não restrinjam a liberdade de ação. A contexto de ressurgimento de espaços voltados para premissa é que o térreo possa comportar espaços de exibição fora do ambiente dos shoppings centers, exposições – fixas ou itinerantes –, aliados a ilhas de como também, a partir da interpretação da realidade e lazer (bilheteria, café e bomboniere), comércio e servianálise do ponto de intervenção específico, no caso, a ços culturais (livraria, lojas de conveniência, e cabines localização do Cine Augustus. de serviço de vídeo on-demand, os famosos serviços Feita esta leitura, os usos apontaram para de streaming). A cabine de serviço streaming surge da necessidade de um programa que além da sala de exi- premissa de democratização dos conteúdos digitais de bição, busque prover um espaço de capacitação para vídeo, como também, visa se impor como um programa profissionais da cena audiovisual local, setor da econo- de lazer e descontração momentânea à população flumia em efetivo crescimento; além de aparelhar a rede tuante do centro, que o tem como espaço de trabalho. de equipamentos culturais do centro da cidade de LonO tratamento do layout da galeria exige uma drina – carente do tipo – se impondo como elemento flexibilização das estruturas e móveis que compõem os chave de regeneração de um espaço urbano, capaz de usos, visando proporcionar a efemeridade do espaço gerar e aglutinar usos diurnos e noturnos, proporciomencionada. Essa estratégia possibilita também a posnando vitalidade ao centro, mesmo após o às 18 horas sibilidade de uso do espaço para a recepção de even(horário comercial). A elaboração do programa parte tos, como palestras, conferências, mostras e exibições da leitura e da bagagem de referências consultadas do ramo audiovisual, possibilitando uma projeção do ao longo do trabalho, referências estas traduzidas em setor local ao cenário nacional. espaços como o Cine Passeio em Curitiba e o Espaço Itaú de Cinema, em São Paulo. O cinema se dá no 1º pavimento, ao nível da Alameda Miguel Blasi. A concepção da sala de exibição se Partindo desta contextualização, o programa deu a partir de adequar as dimensões do Cine Augustus ao se divide em três setores: galeria cultural, cinema e caformato das salas e tecnologia de exibição produzidas nos pacitação (respectivamente térreo, primeiro e segundo dias de hoje, pautadas em normas técnicas específicas. pavimento). Foram utilizadas como parâmetro as “salas tipo” dos mulA galeria cultural localiza-se no térreo do Edi- tiplex, padrão seguido inclusive pelos shoppings da cidade: fício Caminhoto, ao nível da Av. Paraná (Calçadão de formato stadium e proporção de tela americana (1,85:1). A Londrina, nível 0,00), estabelecendo uma conexão di- nova configuração resulta em uma sala de 343m², com careta e privilegiada com a Praça Gabriel Martins. Visto pacidade para 230 lugares, na média das salas de exibição que a galeria é o local de maior visibilidade do projeto, dos grandes complexos multiplex analisados. 5.1.2 PROGRAMA DE NECESSIDADES
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É importante ressaltar que a proposta do cinema se impõe como uma alternativa aos multiplex, pautados no circuito comercial e seriado. Com uma sala de exibição única, o sistema de exibição do Cine Augustus se dá na elaboração de uma curadoria, garantindo ao público uma seleção diversificada (de clássicos a atuais), com produções locais, nacionais, internacionais, comerciais, artísticas, e ainda, capacitado a receber cineclubs, mostras e festivais, como o Festival Kinoarte, já tradicional na cidade. Importante ressaltar o potencial do Cine Augustus de modo a projetar as produções local para própria população, hoje desconhecidas.
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expositivas; 1 sala de oficinas, prevista para atividades práticas e coletivas; além de sala de informática e estúdio de gravação, para fins tanto de capacitação, quanto pós-produção (edição, montagem, dublagem, etc). Foram projetadas também uma sala para armazenamento dos equipamentos, sala de reuniões, administração e uma biblioteca, para fins de acervo de referência.
Vale salientar a vocação e potencial do edifício para democratização da arte audiovisual e o ato de ir ao cinema – muitas vezes visto como inacessível – agindo como ponte entre a população e a sétima arte, podendo traduzir-se em ações como palestras abertas e sessões gratuitas ao ar livre; como também, No 2º pavimento estão locados os espaços em atividades de caráter educativo, a partir de progravoltados para capacitação. A proposição deste setor se mas sociais em parceria com ensino público e a gestão dá em aparelhar o mercado audiovisual local em dois municipal. São inúmeras as possibilidades para tornar âmbitos: primeiro, em prover capacitação para profis- o acesso ao cinema menos seletivo. sionais da área, iniciantes ou não, a partir da realização de cursos e oficinais; e segundo, em fornecer espaço físico e equipamentos – fornecidos pelo município a partir do NPD – Núcleo de Produção Digital – para o trabalho de produtores, diretores, roteiristas, e etc, funcionando como um ambiente aberto para esses profissionais e estudantes em formação. Incentivos como este fortalecem o setor – algo que a cidade já busca fazer acontecer – e capitalizam para a cidade recursos dos órgãos públicos, como editais da Ancine. Os espaços do setor de capacitação se basearam em programas semelhantes ao proposto, como o Cine Passeio, em Curitiba, além das estruturas e grade curricular do curso de cinema da FAAP – Fundação Armando Alvares Penteado. São propostos 1 sala de multimídia, voltada para realização de cursos e aulas
Distribuição do programa de necessidades. Fonte: do autor.
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5.2 RECUPERAÇÃO DO CINE AUGUSTUS O desenvolvimento do projeto iniciou-se através de levantamentos históricos baseados em imagens, registros jornalísticos e relatos de ex frequentadores. O redesenho do corpo do edifício e sua relação física com a galeria do Edifício Comendador Caminhoto foi desenvolvido a partir de desenhos do cadastro municipal da Prefeitura e Londrina e visitas e conferências in loco, visto que o projeto original se encontra bastante modificado, e o cinema, foi demolido. O ponto norteador para recuperação do Cine Augustus foi criar uma fachada de acesso para o cinema preservando sua conexão com a galeria do Ed. Comendador Caminhoto, de modo a constituir ambos os espaços intrínsecos um ao outro, o que é reforçado pela presença da bilheteria ao nível do térreo, ou seja, a galeria é passagem obrigatória para quem usar o cinema. Sendo assim, a primeira diretriz para o espaço foi transformar a antiga saída do cinema, por baixo da tela, na Alameda Miguel Blasi, em acesso, estabelecendo assim um eixo de ligação entre as ruas que circundam o edifício. Essa estratégia faz alusão a uma mescla das duas tipologias de salas de exibição encontradas em Londrina antes da chegada dos multiplex: cinemas de rua e cinemas de galeria. Agora, o Cine Augustus é um cinema de galeria, voltado para a rua.
Dentro da proposta de amarração dos elementos de intervenção julgou-se de suma importância para essa conexão com o contexto urbano a posição privilegiada do projeto em relação a Praça Gabriel Martins e o Calçadão de Londrina. Voltado para um espaço público onde há um intenso fluxo de pedestres e uma atividade comercial ativa, a fachada da galeria cultural ganha grande visibilidade – elemento vital para um equipamento cultural –, destacando-o em meio as construções vizinhas e tornando-o atrativo. Esse aspecto é fundamental para funcionamento e vitalidade da galeria, garantindo o sentido do fluxo de pessoas. Esse eixo de ligação entre a Alameda Miguel Blasi e Av. Paraná é possibilitado pela incorporação do piso do estacionamento do Edifício Caminhoto (localizado abaixo do cinema, hoje, um estacionamento privado), que em mesmo nível e em fluxo contínuo da galeria do edifício, resulta em um grande espaço fluido que se mescla a Praça Gabriel Martins e o lote 8 (lote desapropriado), permanecendo como uma extensão da cidade ao nível do térreo. O anexo do lote 8 ao projeto, além de acesso de pedestres e carga e descarga, também age de modo a minimizar a sensação de enclausuramento
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causada pelo espaço do antigo estacionamento (estreito e de pé direito baixo), vindo a oferecer uma maior amplitude visual, como também a chegada de ventilação e iluminação natural a esse espaço, presente no interior da quadra.
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Distribuição do programa de necessidades. Fonte: do autor.
5.3. CONCEPÇÃO DA GALERIA E DA SALA DE EXIBIÇÃO A premissa para a concepção dos espaços internos foi o seguimento dos fluxos contínuos do espaço público – possibilitado pela implantação, toda sob um mesmo nível –, criando um espaço fluido que rasga a quadra em dois sentidos. Essa estratégia possibilitou a criação de percursos dinâmicos e atrativos aos usuários do edifício, fazendo do térreo, um imã do projeto. Ao adentrar pela Praça Gabriel Martins, o mesmo se depara com a ala de exposições, que o guia pela galeria, até a intercepção do Edifício Caminhoto com o cinema, onde estão localizados os acessos pelo lote 8 e a escada que o conduz a sala de exibição, no nível da Alameda Miguel Blasi, possibilitando essa rede de passagens. O mesmo acontece no acesso do cinema, que dá continuidade ao fluxo da Alameda a partir de rampas e passarelas.
forros e a projeção da sala de exibição, que faz com que o térreo ganhe em pé direito devido a sua configuração em formato stadium, fazendo com que o ângulo de visão vertical se alongue a medida que o usuário se adentra ao percurso que atravessa a quadra, de modo a criar sensação de amplitude visual. Com o objetivo de alongar o pé direito da galeria, o mezanino antes presente fora demolido, resultando em pé direito de 6,80 metros de altura. Outra questão de espacialidade da galeria cultural foi ter evitado o uso de paredes e layout fixo, seguindo a lógica do espaço flexível e rotativo, buscando sempre uma nova atratividade.
O princípio de dinamicidade do espaço se da ainda na implantação da sala de exibição nas delimitações do lote, que recuada das laterais, cria uma sensação de leveza, como se “flutuasse” acima da galeria, Procurando acrescentar maior complexidade criando efeitos de ótica que estimulam e enganam o ao percurso, fora trabalhada uma dinamicidade na de- observador, aguçando suas percepções. terminação dos pés direitos da galeria, com o uso de
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Planta do pavimento tĂŠrreo e lote 8. (Planta ampliada em ANEXOS) Fonte: do autor.
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Planta do primeiro pavimento (cinema) e segundo pavimento (capacitação), respectivamente. Fonte: do autor.
113 Proposta de térreo atrativo para Galeria Cultural: Café. Fonte: do autor.
Proposta de térreo atrativo para Galeria Cultural: área expositiva. Fonte: do autor.
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O mesmo preceito foi aplicado na sala de exibição, que se encontra em nível intermediário entre a Alameda Miguel Blasi e a galeria. A diretriz inicial para concepção da sala de exibição se baseou em criar uma fachada voltada diretamente para o circuito das vias. Sendo assim, o projeto assume a antiga fachada de saída do Cine Augustus como fachada principal, um dos acessos a Galeria Cine Augustus. Dada a descaracterização total da fachada do Cine Augustus, tendo sido mantido apenas a forma original, plissada, ao longo dos anos, é proposta uma reinterpretação desse desenho.
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De forma a trazer à tona discussões como a democratização do cinema e os processos de individualização da experiência de consumir cinema, da qual hoje existe uma conexão egoísta com o filme, é proposto uma fachada interativa na sala de exibição, revestida com placas ACM. A ideia consiste em captar sons no interior da sala de exibição com sensores de microfone e transmitido-los a partir de sistema Arduino para luzes de LED instaladas na fachada, que piscam de acordo com a intensidade do som.
115 O objetivo da proposta visa estender as relações entre expectador e cinema, espaço construído, que hoje funciona como uma caixa preta descartável: as pessoas vêm, usam, e vão embora, situação criada justamente devido a nulificação da arena social nos cinemas. Fachada de acesso pela Alameda Miguel Blasi. Fonte: do autor.
Acesso ao cinema, ao fundo, a fachada interativa da sala de exibição Fonte: do autor.
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Interior da sala de exibição. Fonte: do autor.
5.3 SOLUÇÕES TÉCNICAS E PROJETUAIS
5.3.1 SAÍDA DE EMERGENCIA Dado o caráter acumulativo de público de uma sala de exibição cinematográfica e as particularidades do edifício trabalhado (de altura e uso), se fez necessária a presença de uma saída de emergência. A realização dessa rota de fuga foi baseada nas normas NBR 9077 – Saídas de Emergências em Edifícios e a NPT 011, baseada nos parâmetros e requisitos mínimos do corpo de bombeiros do estado do Paraná.
Sendo assim, a saída de emergência se dá por uma escada enclausurada, com rota de fuga de três unidades de passagem (1,65 m), localizada no núcleo de serviço do edifício. 5.3.2 VENTILAÇÃO NATURAL Devido fato da edificação seguir o alinhamento predial da quadra 37, a ventilação natural apresenta
117 deficiência em relação ao 2º pavimento (de capacitação), visto que o lote do Cine Augustus faz divisa com dois edifícios verticais. Diante do problema foi procurado criar bolsões de ventilação natural localizados no sentido leste – oeste, passagem dos ventos predominantes (ver planta do 2º pavimento e planta de cobertura em ANEXOS). Esses bolsões criam um terraço voltado para a Alameda Miguel Blasi. O terraço também segue a premissa de um espaço flexível, possibilitando suporte as atividades do pavimento de capacitação, como oficinas externas e realização de cineclubs. 5.3.3 ESTRUTURA
É proposto a concepção de uma nova estrutura visando a sustentação do núcleo central onde está localizado o cinema e o pavimento de capacitação, além da cobertura, possibilitando a soltura das extremidades do lote e evitando pilares no nível da galeria. São locados pilares metálicos de 500x500 mm nas laterais da planta, responsáveis pelo apoio de um vão de 20 metros. A sustentação do núcleo é feita pelo elemento horizontal, uma viga treliçada de 2 metros de altura. De modo a evitar ações de contraventamento, a sala de exibição e capacitação é treliçada, garantindo maior sustentação e estabilidade ao sistema. O uso pela estrutura metálica se deu devido sua alto resistencia em relação a grandes vãos, como também, a facilidade de montagem e e instalação, levando em consideração a localidade do cinema.
Corte esquemático da concepção estrutural Fonte: do autor.
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DIRETRIZES PARA INTERVENÇÃO NA PRAÇA GABRIEL MARTINS
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apresentações teatrais e exibições ao ar livre.
A intervenção na Praça Gabriel Martins é reÉ importante ressaltar que a praça é um ponalizada a partir do diagnóstico da quadra 37 e entorno to de encontro e referência no centro de Londrina, e imediato e as diretrizes coletadas no estudo do projeto serve de palco para as mais diversas atividades, se do Centro Aberto. A partir dessa leitura foram traçadas impondo como um espaço flexível. três diretrizes fundamentais para intervenção: 1. Evidenciar os limites da praça ao propor uma paginação de piso diferente do calçadão, ambos em paver intertravado, diferenciando-os, afim de reforçar o caráter de espaço de pausa e permanência em meio ao fluxo intenso de pedestres provindos do calçadão; 2. Reelaboração do traçado a partir de bolsões de permanência e estruturas que deem suporte para usos diversificados; 3. Elaboração de um eixo que valorize a localização da galeria cultural, fazendo – a visível e reforçando sua atratividade. Dadas essas intenções, é previsto para a praça uma paginação de piso diferenciada do calçadão, em pedra portuguesa, buscando fazer alusão também ao seu caráter histórico. O desenho da paginação baseia-se em criar eixos entre o calçadão e as fachadas dos edifícios da quadra 37. A galeria comercial segue o mesmo tipo de piso proposto, evidenciando a continuidade do espaço público, o mesmo acontece com o acesso pelo lote 8. São propostos ainda alguns bolsões de permanência, dotados de mobiliário urbano; e um deck, que implantado voltado para o calçadão, abre espaço para diversas possibilidades de apropriações, como
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Implantação do galeria e sua relação com a Praça Gabriel Martins. Fonte: do autor.
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