EDIÇÃO 1 . 03/2014
Sanatório OS MUROS INTRANSPONÍVEIS DA LOUCURA DEPRESSÃO, ESQUIZOFRENIA E TRANSTORNO BIPOLAR NA LOUCA CULTURA
Editorial Cheguei em casa exausta, louca por um banho e por algo que acalmasse os milhares de pensamentos que rodavam na minha cabeça. Não conseguia parar de pensar nas cicatrizes nas mãos dela, de ouvir a música que a outra cantava, junto com gritos que ecoavam pelos corredores vez por outra. Lembrava dos olhos atentos e mãos esticadas através das grades, dos que livremente vinham até nós, abraçavam, faziam perguntas ou simplesmente sorriam. Sabia que só quando sentasse o pensamento nesta página conseguiria aliviar o turbilhão de sentimentos que uma experiência como a que vivi provocou. Experiência que me fez lembrar como - mesmo há algum tempo longe de uma redação de jornal e exercendo agora a função de professora de futuros jornalistas – é gratificante ver cumprir-se a função social da profissão escolhida com paixão e exercida muitas vezes como sina. Na tarde de uma terça-feira de janeiro cheguei ao Complexo Psiquiátrico Juliano Moreira no calor das 14 horas da capital Paraibana. Cheguei com medo, confesso. Apreensiva com o que ia encontrar, vencendo traumas de infância e reafirmando para mim que não deveria deixar o impulso do eterno repórter atrapalhar a performance dos alunos envolvidos no projeto que foram até lá descobrir e registrar como vivem as pessoas em tratamento de transtornos mentais – afinal eu era apenas a professora responsável acompanhando o que lá chamam de “visita técnica”. Com as pernas bambas entrei na ala dos dependentes químicos, a primeira que visitamos. Observei apreensiva onde cada aluno estava, os grupos que nos olhavam e a atitude do recém chegado que ainda estava agitado. Correu tudo tranquilamente. Com o passar das horas, a cada corredor, a cada ala, grade, boa tarde, abraços, gritos, canções e sorrisos, descobri um universo diferente do que imaginava. Tive assim a certeza de quão acertada havia sido a decisão de tratar do tema na publicação que agora apresentamos.
De todo modo uma questão me inquietava: enquanto divagava pelos os tais milhares de pensamentos quando cheguei em casa, lembrei que não havíamos entrado em nenhum quarto da ala do Sanatório, só observado ao longe enquanto passávamos pelo corredor. A pessoa da instituição que nos acompanhava achou mais prudente. Então me preocupei em como aquilo poderia comprometer a narrativa da reportagem e quase liguei para uma das alunas para dizer que deveríamos tentar voltar lá no dia seguinte e observar cada detalhe: quantas camas haviam por quarto, porta-retratos no criado-mudo, calcinhas penduradas para fora da gaveta e chinelos num canto de parede. Tudo que revelasse o íntimo, a individualidade daquelas pessoas. Mas ai me dei conta que há, de fato, algo de instransponível em um hospital psiquiátrico. Algo que vai além dos quartos que não visitamos, das imagens que não pudemos registrar, das grades que não transpomos. Há algo que até os profissionais que trabalham na área e criticam o preconceito optam por não mostrar, seja lá por qual motivo for. No entanto, mais importante que nos preocuparmos com esses limites intransponíveis, vi que o principal fizemos aqui, que foi refletir sobre essa barreira quase intransponível que separa eles de nós. Barreiras para além dos muros de hospitais sobre cujos lados conversamos nesta publicação. Sanatório vem de “sanar”. É o nome há muito dado aos lugares onde as pessoas são internadas para tratar (onde são sanadas), de enfermidades mentais e outras doenças. Esperamos que o nosso Sanatório seja um espaço para tratarmos da nossa intolerância, ignorância e preconceito. Boa leitura. Renata Escarião Orientadora/ Editora da Sanatório. Jornalista, Mestre em Comunicação, Professora da Faculdade Maurício de Nassau.
sumário
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Recortes da história da loucura
Depressão, Esquizofrenia, Transtorno Bipolar
Os muros intransponíveis da loucura
CLÍNICA FECHA AS PORTAS
“Mais louco é quem me diz e não é feliz”
De perto, quem é normal?
Na louca cultura
Recortes da hist贸ria da loucura por Ana Paula Cunha
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O Holocausto Brasileiro foi um fato singular na hist贸ria com 60 mil brasileiros mortos em um hosp铆cio, em Barbacena, Minas Gerais, entre 1903 e 1980.
Philippe Pinel
A
humanidade convive com a loucura há séculos. O louco habitou o imaginário popular de diversas formas: de motivo de chacota à possuído pelo demônio, até marginalizado por não se enquadrar nos padrões de ‘normalidade’, ‘racionalidade’ e ‘saúde. Centenas de leitos, maus tratos e desrespeito aos direitos humanos: por muito tempo foi essa a imagem do tratamento dado aos que sofriam de doenças mentais. Segundo o filósofo Michel Foucault, “a percepção sobre a loucura varia historicamente. A interpretação de suas causas, sua natureza e seus tipos podem diferenciar-se numa mesma época ou em épocas diversas”. O francês Philippe Pinel, no século XVIII, foi o primeiro a defender um tratamento humanizado aos doentes, que até então eram acorrentados em prisões, como criminosos, ou abandonados em manicômios. Os manicômios eram depósitos de pessoas, mais vistos como prisões do que como um local de tratamento médico. De acordo com Jaques Delgado, em seu livro ‘A Loucura da Sala de Jantar’, “o manicômio é um espaço de isolamento e encobrimento do real. Não há questões, não há problemas, tudo funciona de acordo com um conjunto de regras de fácil assimilação. As paredes do manicômio discriminam precisamente quem é normal, do lado de fora, e quem é louco, do lado de dentro.” Em 1970 foi desencadeada a reforma psiquiátrica, no Brasil. Em 2001 entrou em vigor a lei Paulo Delgado, que alterou radicalmente o modelo de assistência à saúde mental no Brasil, priorizando a reinserção social dos pacientes e redução das internações. Com isso muitos grandes hospitais foram fechados e foram criadas as residências terapêuticas, os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS).
Para entender um pouco mais da História da loucura, conversamos com a enfermeira e professora de neuropsiquiatria da Faculdade São Vicente de Paula, Susana de Teixeira, uma pessoa que se interessa em conhecer todos os dias a história da loucura através dos olhos dos excluídos da sociedade.Susana explica que não existe uma definição completa para a loucura. A doença deve ser entendida como um processo polido e social, complexo, e se é possível que uma pessoa que sofreu ou sofre de algum tipo de doença mental conviver em sociedade. No período medieval os indivíduos com transtorno mentais eram vistos na sociedade como pessoas com problemas espirituais, com uma possessão demoníaca. No século XX houve o crescimento da população e com isto a cidade passou a se deparar com inúmeros problemas, estando a presença dos loucos nas ruas como um dos principais. O sujeito com transtorno mental era excluído e abominado pela sociedade. Só tinha dois destinos: a prisão ou a Santa Casa da Misericórdia. “A Santa Casa da Misericórdia era um local de amparo, que oferecia caridade para as pessoas. Lá era um abrigo e não um local exclusivo de cura ou tratamento. Os pacientes de transtorno mentais, neste abrigo, eram conhecidos como ‘Alienados’, eram isolados e recebiam um tratamento diferenciado das outras pessoas, pois não eram tratados como seres humanos e sim como bichos. Os loucos ficavam amontoados em porões, acorrentados em selas e sofriam agressões físicas quando ficavam agitados; também não recebiam assistência médica e com isto ficavam expostos a doenças contagiosas”, explica a professora.
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Por dentro da história
A loucura no Brasil No Rio de Janeiro, em 1852, o Brasil tem o primeiro hospício Brasileiro privado, o Dom Pedro II. O hospício Dom Pedro II internava os doentes mentais que recebiam o mesmo tratamento da idade média, e tinha também o mesmo objetivo: excluir os loucos da sociedade. Era uma forma das pessoas não se sentirem amofinadas quando andassem pelas ruas. As coisas só começaram a ficar diferentes quando os grandes percussores da psiquiatria apareceram. Uma das maiores tragédias que já aconteceu no Brasil foi o Holocausto Brasileiro. O holocausto foi uma história singular na história do século XX com 60 mil brasileiros mortos em um hospício, em Barbacena, Minas Gerais, entre 1903 e 1980. No livro - reportagem ‘Holocausto Brasileiro’, a jornalista Daniela Arbex resgata do esquecimento um dos capítulos da vergonha nacional, a história do maior hospício do Brasil fundado em 1903. O manicômio, que ficou conhecido como Hospital Colônia, teve atos de crueldade semelhantes com os que aconteceram na Alemanha nazista de 1939 à 1945. O livro menciona que apenas 30% dos pacientes tinha o diagnóstico de doença mental. As pessoas encaminhadas para o holocausto também eram os que chamavam de doentes sexuais, alcoolistas, militantes políticos, mendigos, prostitutas, meninas que haviam perdido a virgindade antes do casamento, homossexuais, enfim, qualquer pessoa que era indesejada pela sociedade era enviada para Barbacena, principalmente os verdadeiros doentes mentais. Os pacientes do Hospital Colônia eram desumanizados, tratados como animais. Eram obrigados a andarem nus, a defecarem no chão em que dormiam e a enterrar seus próprios mortos. Os internos às vezes comiam ratos, bebiam água do esgoto ou urina, dormiam sobre capim, eram espancados e violados e ainda eram submetidos ao tratamento com máquina de choque, camisa de força e até mesmo lobotomia (controversa intervenção cirúrgica no cérebro). No livro ‘Holocausto Brasileiro’, a jornalista cita o relato feito pelo fotógrafo Luiz Alfredo, da extinta revista ‘O Cruzeiro’, em 1961, sobre o que presenciou no Hospital Colônia. “Milhares de mulheres e homens sujos, de cabelos desgrenhados e corpos esquálidos cercaram os jornalistas. (...) Os homens vestiam uniformes esfarrapados, tinham as cabeças raspada e pés descalços. Muitos, porém, estavam nus. Luiz Alfredo viu um deles se agachar e beber água do esgoto que jorrava sobre o pátio. Nas banheiras coletivas havia fezes e urina no lugar de água. Ainda no pátio, ele presenciou o momento em que carnes eram cortadas no chão. O cheiro era detestável, assim como o ambiente, pois os urubus espreitavam a todo instante”. As pessoas eram enviadas ao hospital de Barbacena, literalmente, para morrer. No fim da Segunda Guerra Mundial começou a surgir o modelo manicomial no Brasil, marcado por manicômios privados.
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Os pais da psiquiatria e a Reforma Psiquiátrica Para a professora Susana de Teixeira, não tem como falar em psiquiatria e não falar sobre os grandes percussores dessa aérea. Segundo ela, foi através de Philippe Pinel, Franco Basaglia e Juliano Moreira que a psiquiatria, o tratamento e o pensamento da sociedade começou a mudar, mesmo que em épocas diferentes. Para os percussores, os loucos não eram pessoas demoníacas. Na entrevista, Susana explica: “no século XVIII Philippe Pinel foi considerado o pai da psiquiatria. Ele empreendeu uma nova forma de tratamentos aos loucos, libertando-os das correntes e transferindo-os aos manicômios, destinados somente aos doentes mentais. Vários tratamentos foram desenvolvidos na Europa”. A professora de neuropsiquiatria explicou também que “a partir da segunda metade do século XX Franco Basaglia, psiquiatra italiano, iniciou uma radical crítica e transformação do saber, do tratamento e instituições psiquiátricas. O movimento iniciou-se na Itália e teve repercussão em todo o mundo, muito particularmente no Brasil.” E de acordo com Susana, o médico baiano Juliano Moreira foi quem introduziu a psiquiatria no Brasil. Ele aboliu a sela, uso de coletes e camisa de força. Juliano Moreira foi o primeiro psiquiatra brasileiro a receber reconhecimento internacional. A reforma psiquiátrica é um movimento que teve inicio na década de 1980 para os pacientes psiquiátricos que estavam internados nos hospitais. O objetivo era que esses paciente pudessem voltar para casa e aliviar a superlotação dos hospitais psiquiátricos, que eram verdadeiros depósitos de gente. Durante a reforma psiquiátrica no Brasil foram registradas várias denúncias relacionadas a política brasileira de saúde mental. Depois das denúncias, a reforma começou a ter um olhar diferenciado para os pacientes com transtorno mental. De acordo com Susana de Teixeira, após a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), em 1989, houve um Projeto de Lei de autoria do deputado Paulo Delgado, mas só em 2001 a Lei nº 10.216 estabeleceu as diretrizes da saúde mental no país. A Lei tem como objetivo expor sobre direito e proteção de pessoas portadoras de transtorno mentais e redireciona a assistência em saúde mental, privilegiando o oferecimento de tratamento em serviços de base comunitária. “A reforma psiquiátrica é muito bonita no papel, apesar dos avanços não condiz com a realidade, principalmente para quem trabalha em hospital psiquiátrico”, opinou Susana de Teixeira.
A medicina e o tratamento As patologias em transtorno mental não têm cura, apenas tratamento. Ao longo da história da loucura muitas formas de tratamentos foram adotadas, tais como uso de sanguessugas, hipnose ou choque eletroconvulsivo, camisa de força, entre outros. As condições da saúde mental no Brasil evoluíram. Atualmente há diferença entre os antigos manicômios e a atual rede de atendimento integrado, os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Nos CAPS os pacientes de transtorno mentais tem um incentivo à inserção na sociedade e na família, eles também são estimulados ao desenvolvimento de atividades culturais e artísticos. De acordo com a enfermeira e professora da Faculdade São Vicente de Paula, Susana de Teixeira, houve avanços positivos na medicina, tanto na medicação, como no tratamento. Para ela as coisas funcionam com a reiteração social, trazer o portador de volta para a sociedade. “Para ter avanço é preciso ter uma equipe multidisciplinar, medicação, família e sociedade”, conclui Susana.
REFERÊNCIAS: DELGADO, Jaques (Org.) A Loucura da Sala de Jantar. São Paulo: Ed. Resenha, 1991. FOUCAULT, Michael. História da Loucura na Idade Clássica. 3ª Ed. São Paulo: Perspectiva, 2005 ARBEX, Daniela. Holocausto brasileiro. São Paulo: Geração Editorial, 2013. ISBN 978-85-8130-156-3 1. MOREIRA, Juliano. As diretrizes da Higiene Mental entre nós. Rev. de Med. e Higiene Militar, Rio de Janeiro. 1922. *Fotografias retiradaa da obra: ARBEX, Daniela. Holocausto brasileiro. São Paulo: Geração Editorial, 2013. ISBN 978-858130-156-3 1.
“A reforma psiquiátrica é muito bonita no papel, apesar dos avanços não condiz com a realidade”
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Depressão, Esquizofrenia, Transtorno Bipolar Por Thaís Silveira e Wallison Bezerra Saber a diferença entre cada transtorno mental ao invés de taxar todos de loucos é um passo importante para evitar o preconceito e ajudar quem sofre com o problema.
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Q
ual seria o termo correto utilizado para aquelas pessoas que sofrem de um grande impacto na vida através de sofrimento, comprometimento de ordem mental, psicológica e cognitiva? Qual a forma correta de falar sobre a tal “loucura”? Diversas nomenclaturas aparecem em nossa mente, mas nem sempre procuramos saber qual a maneira correta de utilizá-las. Doença mental e transtorno mental são algumas delas. “O transtorno mental é quando toda a vida do paciente é afetada. Ele não consegue se dar bem no trabalho, com a família e com os amigos. Ou seja, o transtorno acaba prejudicando toda sua vida. E já a nomenclatura doença, é quando só a parte da saúde é afetada”, explicou Aline Arruda, professora universitária e psicóloga. O também professor e psicólogo Socrates Pereira explica que no transtorno mental pode-se encontrar várias alterações psicopatológicas. “São alterações que interferem na vida do sujeito e o contato com a realidade”. Já em relação a doença psicológica, segundo ele, pode-se dizer que é uma nomenclatura mais genérica das psicopatologias. Pelo que percebemos a diferença entre transtorno e doença mental parece ser mais uma questão de nomenclatura que divide opiniões na área.
na maturação dos circuitos neurais podem produzir alterações detectáveis na patologia no nível das células, as quais resultam no mal adaptativo de informações. Na depressão, é possível que não ocorram anormalidades anatômicas distintas. Alguns Transtornos Mentais, como a dependência de drogas, podem ser percebidos como alterações das conexões sinápticas, que produzem alterações de longo prazo no pensamento, emoção e comportamento. Grande parte dos transtornos mentais graves e comuns está associado ao risco genético. Mesmo que se tenha fixado a associação de fatores sociais, como exemplo a pobreza e a urbanização com o desenvolvimento de transtornos, não existe razão para supor que as consequências das alterações sociais para a saúde mental sejam as mesmas para todos os setores de determinado segmento social. As mudanças possuem efeitos diferentes baseados no sexo, na raça, no status econômico e na etnia.
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Tendo como base a Organização Mundial de Saúde (OMS), entende-se como Transtornos Mentais as alterações mórbidas do modo de pensar e das emoções, ou alterações do comportamento associadas à angústia expressiva e ao funcionamento psíquico. É importante destacar que nem toda alteração no comportamento, como tristeza e angústia, significam a presença de um distúrbio mental. Para tal, as alterações precisam ser persistentes, recorrentes e causarem uma deterioração ou perturbação da vida da pessoa em um ou mais setores. Estes transtornos podem ser diagnosticados por meio de métodos clínicos, semelhantes aos utilizados para os transtornos físicos. É realizada uma cuidadosa anamnese, uma espécie de entrevista entre o médico, o paciente e familiares. Durante, coletam informações, realizam o exame clínico, e assim, verificam o estado mental do indivíduo e suas condições orgânicas. Atualmente, contamos com grandes avanços importantes na confiabilidade dos diagnósticos e na padronização da avaliação emocional e mental. Há um grande obstáculo na compreensão sobre os fatores que envolvem os Transtornos Mentais. A ciência diz que estes resultam de fatores ambientais e genéticos. Já foi demonstrada que o sexo e a idade estão associados com os transtornos. Na esquizofrenia, por exemplo, anormalidades
Pessoas que residem em lugares mais precários, possuem um risco maior de transtornos, devido à ausência de apoio social. As guerras, conflitos e a inquietação social estão associados com a elevação de problemas de saúde mental. O isolamento, falta de comunicação, de transporte, e limitadas oportunidades educacionais, são os problemas mais comuns. Uma pesquisa realizada em 142 municípios do Brasil, pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), em conjunto com o IBOPE em 2008, apontou que cerca de cinco milhões de crianças sofrem de transtornos mentais, das quais, 28,9% não conseguiram ou não tiveram acesso a atendimento público. Já 46,7% realizaram o tratamento no Sistema Único de Saúde e 24,2% teve acesso, por um convenio o profissional particular. A constituição brasileira assegura alguns direitos para esses paciente. De acordo com a lei 10.216/11*, todos os portadores de transtornos mentais podem contar com tratamento do sistema de saúde; ser tratado com humanidade e respeito; ser protegido de qualquer forma de abuso ou exploração; garantia do sigilo em informações prestadas e livre acesso aos meios de comunicação. O governo federal conta com Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) para fazer o tratamento dos pacientes mentais. De acordo com a estimativa populacional de 2006 e o Censo de 2010, houve um crescimento nas unidades e interiorização dos centros.
O maior processo de interiorização foi na região Nordeste. Em 2006, para cada 100.000 habitantes existia apenas 0,12 CAPS. Já em 2010, essa média foi multiplicada por oito vezes, sendo ao todo 597 Centros, se assemelhando assim, a cobertura do sul brasileiro. Da mesma forma que as doenças da endocrinologia, da cardiologia, e assim por diante, os Transtornos Mentais também tem cura. É definido primordialmente se a pessoa que a procura é ou está doente. Se estiver, a cura definitiva é bem maior do que se a pessoa for doente. Os transtornos mais relacionados ao jeito de ser, mais inerentes à sua personalidade, podem ser bem controladas pela psiquiatria. A causa desses transtornos está atrelada a dois fatores: os agentes ocasionais e a disposição pessoal para a doença. *Lei nº 10.216, de 6 de Abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. FONTE: www. planalto.gov.br
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todos os portadores de transtornos mentais podem contar com tratamento do sistema de saúde; ser tratado com humanidade e respeito; ser protegido de qualquer forma de abuso ou exploração; garantia do sigilo em informações prestadas e livre acesso aos meios de comunicação.
Depressão O que é: Sentimento de tristeza intensa, profunda e persistente, desproporcional ao acontecimento. Incidência: 6% Tratamento: O uso dos medicamentos é a base do tratamento, que pode ser complementado com psicoterapias. Onde buscar ajuda? Nas unidades básicas de saúde com atendimento psiquiátrico, Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), ou nos ambulatórios de hospitais-escola ou hospitais gerais.
Esquizofrenia O que é: Perda de contato com a realidade, alucinações, delírios, alterações de desempenho e motivação diminuída. Incidência: 1% Tratamento: São usados medicamentos antipsicóticos, psicoterapia e reabilitação com atividades de apoio comunitário. Onde buscar ajuda? Nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) ou nos hospitais com atendimento psiquiátrico.
Distúrbio de pânico O que é: Ansiedade extrema, com sintomas físicos como dores no peito, falta de ar, agitação, sudorese e palpitações. Incidência: 3,5% Tratamento: Em casos mais leves devem existir recuperação sem medicação. Em casos mais graves, indica-se remédios e terapia. Onde buscar ajuda? Nas unidades básicas de saúde com atendimento psiquiátrico, Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), ou nos ambulatórios de hospitais-escola ou hospitais gerais.
Transtorno bipolar O que é: Episódios de depressão alterados com episódios de exaltação e euforia. Incidência: 1% Tratamento: Antidepressivos, com controle rígido dos efeitos sobre o humor. Também são usados remédios estabilizadores do humor. Onde buscar ajuda? Nas unidades básicas de saúde com atendimento psiquiátrico, Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), ou nos ambulatórios de hospitais-escola ou hospitais gerais.
Distúrbio de ansiedade generalizado O que é: Nervosismo e preocupação intensos, duradouros e frequentes, com permanência de pelo menos seis meses. Incidência: 3,4% Tratamento: Dependendo do distúrbio de ansiedade, ansiolíticos e psicoterapia podem aliviar a disfunção. Onde buscar ajuda? Nas unidades básicas de saúde com atendimento psiquiátrico, Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), ou nos ambulatórios de hospitais-escola ou hospitais gerais.
fontes de pesquisa para a matéria: BALLONE, G. J. Drogadicção e Personalidade. PsiqWeb. 2008b. Disponível em: <www. psiqweb.med.br>. Acesso em: Acesso em: nov. 2011. Manual Merck de Informação Médica.
Saiba mais em:
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http://bvsms.saude.gov.br http://www.abp.org.br http://www.planalto.gov.br
Os muros intransponíveis da loucura Por Mateus Silomar e Paloma Faustino
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Após visitas a dois locais que tratam pessoas com transtornos mentais, é possível perceber como muitas portas permanecem fechadas. O que há por trás delas?
O
desconforto com o oculto parece inevitável quando se trata da experiência humana. A tensão de não ter respostas para as perguntas, a intolerância, a ignorância ou o simples medo do desconhecido nos assalta em um momento ou outra da vida. Mas qual será a medida da sanidade, será que essa medida pode ser conceituada ou mensurada? Na Paraíba, quando consideramos, em situações de brincadeira, que uma pessoa “está louca” temos o costume de aconselhá-la, de uma forma irônica, a se consultar no Juliano Moreira, complexo psiquiátrico conhecido no estado. Porém, quando partimos para a seriedade da realidade, não costumamos nos questionar como essas vidas são tratadas, ou porque essas pessoas foram parar nesse local. O retrato da ignorância é o espelho da alma. Em uma tarde de visita ao Complexo Psiquiátrico Juliano Moreira para a produção desta reportagem, muitas respostas vieram à tona, mas muitas interrogações também. Em outra experiência vivida com a mãe de um paciente com esquizofrenia no Pronto Atendimento em Saúde Mental (PASM) do Hospital Ortotrauma de Mangabeira, fica claro o sofrimento das famílias que cuidam dessas pessoas e as dúvidas que despertam os rumores do fim dos hospitais psiquiátricos.
Na entrada do Complexo Psiquiátrico Juliano Moreira a loucura ganha sua lucidez. Observamos pequenos e incertos passos. Nas mãos um aparelho de som. Na cabeça um boné azul. Vestia uma camisa branca e uma calça cor de terra. Nos pés um chinelo. No rosto, apesar da ausência de alguns dentes, o sorriso retratava vida e alegria para Xaropinho, que naquele momento tomava acento em um banco com o rádio grande na mão ouvindo uma famosa rádio de João Pessoa. Soubemos que esse senhor havia passado pelo sanatório há alguns anos, e agora volta todos os dias e diz que é empregado da instituição. Ajuda a estacionar os carros, faz segurança do local. Xaropinho, como é chamado no Juliano Moreira, tem, segundo o próprio, 56 anos, apesar de aparentar bem mais. Simpático, conversou conosco. Contou que trabalha há mais de 10 anos no Complexo e que os doutores e funcionários dão gratificação para ele no final do mês, o que é bem verdade. Um enfermeiro do local confirmou que Xaropinho, jurando que é funcionário, reclama que não recebe salário e os “colegas” que o ajudam. Muitos dos funcionários gostam da presença de Xaropinho. “Todo dia das cinco e meia até às dezesseis horas estou aqui trabalhando, só não trabalho nos fins de semana.”, ressaltou Xaropinho contente. Para ele é melhor estar trabalhando no hospital do que ficar em casa sem fazer nada. Ele conta que vive com o pai e a madrasta. A história de Xaropinho registra o início de uma tarde que revela muito mais do que relatos. Traz à tona histórias que se misturam com o medo, a emoção e a dificuldade vivida para se ter acesso a um local que poucos conhecem de perto. O desconhecido perde espaço a cada passo dado em direção as alas de internação. A distância entre a sanidade e a loucura parece ser cada vez menor.
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O Famoso Xaropinho
Primeiro contato
Um prédio que data de 1928 carrega em cada porta que se abre, em cada novo corredor que se encontra pela frente, em cada quarto: histórias, famílias, dores, angústias e loucura. Só o que não se sabe até agora é se toda essa loucura vem de quem está dentro daquele ambiente que causa medo e preconceito em quem está fora. Ou se quem está fora se encarrega de abarcar consigo a loucura de olhar com olhos de desprezo para quem se encontra nas dependências de complexos e clínicas psiquiátricas, como é o caso do Complexo Psiquiátrico Juliano Moreira, situado em uma das principais avenidas da cidade de João Pessoa, na Paraíba. O portão se abre e há um grande corredor pela frente. Um silêncio aparentemente malicioso e ao mesmo tempo constante toma conta do lugar. Já é mais das 15h quando damos o primeiro passo para um mundo completamente distinto do que havíamos imaginado. Há o medo e ansiedade de adentrarmos em um contexto incógnito, só com um papel e uma caneta e várias coisas se passando pela cabeça. Um vão sem fim, paredes com azulejos azuis com alguns quadros feitos pelos próprios internos fazem parte do nosso caminho. Abre-se mais uma grade branca, e ali estava um lugar, sobretudo limpo, arrumado, mas também hostil e pesado. As coisas vão ficando cada vez mais claras quando o Chefe do Núcleo de Ações e Estratégias Especiais, Madson Medeiros, que acompanha a nossa visita, conta as histórias do mundo dos nossos irmãos loucos. Um mundo de descoberta, aberto a mudanças de pensamentos, é o planeta dos possíveis loucos. O muro que separa os insanos dos sãos foi atravessado pelos nossos olhares. Para a maioria das pessoas a sanidade talvez não tenha passado nem perto desse lugar, mas o que encontramos são histórias de vidas entrelaçadas com um toque de loucura e compaixão. O ar da sobriedade estava um pouco fora daquela realidade quando íamos em direção ao corredor das alas. O silêncio foi sendo quebrado lentamente e aos poucos fomos sentindo uma sensação diferente. Um dos internos cantava em meio a outros pacientes, alguns estavam subindo nas grades, outros sorriam felizes pela nossa visita. Uns davam um sinal de que estava tudo bem, houve aqueles que correram na nossa direção para um aperto de mão ou para um abraço caloroso. Completamente diferente do que pensamos. Em meio a tantas coisas adentramos em histórias sofridas, mas que são superadas a cada dia no famoso Juliano Moreira.
Drogas insanas Em passos trêmulos visitamos primeiro a ala dos pacientes dependentes químicos. Eles ficam por pouco tempo. Na parede da frente, perto da bancada dos atendimentos, estava um quadro, com horários e datas. Tem hora para tudo: acordar, almoçar, ir para o centro de convivência, fazer oficinas de arte, jantar e horário da visita. O pátio deles era grande e as paredes eram todas grafitadas com desenhos de árvores e natureza, e o que mais se destaca é um desenho de um enfermeiro feliz. Havia roupas estendidas no varal improvisado. Eram muitos, e os olhares deles eram de desconfiança. Uns acenam, dão boa tarde, outros passam e sorriem, com olhares atentos ao que estava acontecendo. Segundo Madson Medeiros, funcionário que nos acompanhou, existem duas alas, uma para os homens e a outra para as mulheres somando 36 vagas nos leitos, 16 na ala masculina e outras 16 na feminina. Na ala feminina encontramos apenas duas mulheres no local enorme. Não falavam muito, uma saldou com boa tarde e ficou calada junto com as funcionárias do complexo e a outra estava no dormitório, sentada na cama sem fazer absolutamente nada, parecia estar refletindo ou algo do tipo. Madson explicou que a quantidade de mulheres normalmente é menor. Nesta ala eles chegam por vontade própria e ficam por tempo determinado. Podem ir embora quando quiserem.
Risos baixos, gritos escaldantes em algumas áreas, canções com sussurros em vários tons vagam ao longo corredor. Não dá para saber se o canto era de alegria, divertimento ou um mecanismo de defesa de um solitário a procura da felicidade interior. A cada vez que passamos pelas alas há algum paciente cantarolando nos dormitórios, uma música que não dava para se decifrar, com melodias um pouco distante da sobriedade, canções que eles entendiam e que expressavam seus sentimentos.
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Canções ou alucinações da loucura
Corredores Seguimos por corredores largos, meio escuros e compridos com portas altas. A tarde aos poucos foi revelando o que havia escondido por trás de cada parede. Mãos estendidas por entre as grades, aqui ou acolá suaves gritos ecoavam pelo ambiente. Entre um passo e outro um “Oi, boa tarde!”, por vezes acompanhados de um sorriso, por outras, seco e sem vida. No pátio, a surpresa! Sorrisos, abraços, carinho, desejo de ser visto e reconhecido por quem vem de fora. A caminhada pelos corredores do Complexo Psiquiátrico Juliano Moreira apresentou o que os cadeados escondem. As mãos por entre as grades retratava o anseio de querer sentir e viver o que havia fora do quadrado, que quem trabalha no complexo chama de ala. Na verdade, uma espécie de presídio. Um espaço central que dava acesso aos dormitórios. Pela janela, entreaberta, que fica voltada para os corredores, era possível perceber que ali os únicos objetos presentes eram as camas. Um local seco e afastado de qualquer tipo de afeto e atenção. Uma simples foto de um parente, uma pintura que trouxesse mais cor ao ambiente, nada disso era possível perceber. Ao menos não de longe.
As cicatrizes de Luiza
**Pseudônimo dado a personagem cujo uso do nome verdadeiro não foi autorizado pela Instituição que tem a tutela dos internos.
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Na ala das mulheres, a feminilidade e o desejo de mostrar quem realmente se é toma forma de gente. Aparentemente ela tinha uns 28 anos de idade, mas na verdade tem 23. Luiza Silva** esconde nas cicatrizes de seus braços e mãos seis internamentos que resultam em cinco anos de vida. O motivo que levou a jovem ao internamento foi uma ordem judicial devido a uma discussão com a mãe. Escondidos nesses anos de internação encontram-se algumas histórias. A jovem, que em uma conversa descontraída demonstra serenidade no olhar, já tentou suicídio. No braço ela disse ter agulha de seringa e grampos de cabelo, todos colocados na tentativa de acabar com a própria vida. Isso não é tudo. Luiza foi além no dia em que colocou fogo no quarto que dividia com uma senhora, também interna no complexo. O resultado foi a morte da companheira de quarto e cicatrizes de queimaduras que ela mostra ao contar a história. “Não sinto remorso pelo que aconteceu. O que eu fiz foi na tentativa de me matar e não atingir ela”, conta com firmeza em cada palavra pronunciada.
No espaço em que a ausência dos familiares é constante, as amizades que lá se firmam fortalecem os internos. Com Luiza não foi diferente. Ela, que recebe algumas visitas da mãe, solta um grande sorriso ao contar que no Juliano Moreira fez uma grande amiga. “Nós éramos muito amigas. Ela tinha ciúmes de mim e eu tinha dela. Hoje ela não mora mais aqui. Recebeu alta e está no interior vivendo com a família, mas ela disse que viria me visitar”, conta a jovem. Com as mãos trêmulas a jovem relatou que o que a distrai são as oficinas terapêuticas. Foi o tempo de convívio nessa atividade que proporcionou a Luiza a habilidade de uma artesã. “Faço jarros, faço flores. Faço uma flor em dois minutos, quando o material já vem marcado, quando não vem marcado demora mais”, contou com orgulho pelo que faz. Como todo jovem, Luiza também gosta de festas e expressa alegria ao contar que o que mais gostava no complexo era quando tinham as festas de forró e o Sarau, que para ela era um momento de descontração. “Gostaria que o Sarau voltasse. A gente se reunia contava piadas, poesias, etc”, finalizou. Mas do que um local onde faz tratamento, Luiza encontrou no Juliano Moreira um local de acolhimento. “O Juliano é a minha família”, conclui a jovem com um sorriso largo. Transitar pelos corredores do Juliano Moreira é encontrar a cada nova passagem uma forma de se surpreender, independente de ser uma surpresa positiva e/ou negativa. Seja pelo que chega e apoia a mão sob o ombro de outro, ou pelo que passa e simplesmente dispara um único “Oi!”. Mas do que isso é encontrar um abraço acompanhado de um sorriso de uma jovem. O complexo que abriga homens e mulheres também desenvolve o tratamento com adolescentes que sofrem de transtornos mentais ou que são usuários de drogas. Entre a ala masculina e feminina há uma única diferença que é marcada pela presença dos dormitórios das adolescentes que ficam juntos ao das mulheres adultas, já que não existe uma ala exclusiva para as adolescentes. Porém, o desejo de ser visto, de receber um abraço ou simplesmente um olhar de reconhecimento é algo visível em ambos os lados.
Uma mulher aparentemente jovem chama um de nós na grade. Ela pensou que fosse um sobrinho que iria visitá-la. Seu nome é Aninha. Estava muito aflita perguntando se ele era estudante de enfermagem, ou do curso de saúde. Perguntou repetidas vezes se herpes tinha cura. Ele respondeu que sim para acalmá-la, mas ela sempre fazia a mesma indagação. Contou que está há mais de 16 dias no sanatório, e que no dia seguinte iria sair de lá. Perguntamos a Madson Medeiros se ela teria alta neste dia, mas ele negou, dizendo que a ala dela era para os que chegavam recentemente.
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Aninha Preocupação
Desenvolvendo habilidades por meio da arte Afastado das alas, um quarto esconde o talento daqueles que passam o dia trancados em seus momentos de loucura. Duas mesas centrais e ao redor delas, materiais de decoração e pintura. Na oficina de artes a loucura cede espaço para o talento. É o momento em que todos que estão internos no Juliano Moreira podem expressar suas habilidades, seja pela pintura, escultura, pelo desenho e até mesmo pela colagem. É um ambiente em que a sensibilidade é reconhecida. Mais do que isso, ela é vivida. Conduzidos pelo artesão Arnor Lucindo, funcionário do complexo há 10 anos, os internos podem aprender com a utilização de materiais recicláveis, areia, argila, gesso e outros elementos a construir a arte, que por sua vez, auxilia no tratamento de cada um deles. Para Arnor, a oficina de artes não é apenas um espaço para se ensinar, mas também para aprender. “O trabalho com gesso passou a ser desenvolvido por um usuário que passou para nós que trabalhamos nas oficinas”, revelou Arnor.
Segundo Madson Medeiros, Chefe do Núcleo de Ações e Estratégias Especiais do Complexo, desde o início da atual gestão, a política tem sido de transformar o Hospital em um local de passagem, com foco no tratamento de crises, e aos poucos acabar com os leitos fixos, que são aqueles pacientes que moram no Hospital. Adepto da Reforma Psiquiátrica, Madson explicou que é mais saudável para o paciente que se mantenha junto à família, e que a ideia é que o tratamento rotineiro seja feito no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), instalados em bairros das cidades. “Com o fechamento dos hospitais psiquiátricos supõe-se que vai ter uma rede de serviços que vai abarcar esse cuidado. Você não vai deixar essas pessoas de fora sem nenhum tipo de atendimento, seria irresponsabilidade da gente. Então a Secretaria está fazendo acompanhamentos nas regiões de saúde para formar uma rede nesses locais.”, ressaltou Madson. Segundo ele, a Paraíba é considerada número um de CAPS por habitante, com vários vinculados e funcionando no interior do estado.
Dúvidas
Uma coisa que nos inquietou foi não podermos adentrar em algumas alas. Não sabemos se foi por motivos de proteção aos visitantes ou se há algo para esconder. O Complexo Psiquiátrico Juliano Moreira é apenas mais um dos inúmeros espaços que retratam um pouco da realidade de outras clínicas que tratam da loucura, não só na Paraíba, mas também nos demais estados do país. Porém, a forma como realmente são tratados nem sempre pode ser percebida em uma tarde. Para se entender o que se passa nesses espaços é preciso muito mais do que perguntas, visitas ou coisa do tipo.
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O fim dos hospitais?
Já passa das 7h. Chegamos ao Hospital Ortotrauma de Mangabeira, em João Pessoa, mais conhecido como Trauminha de Mangabeira, e fomos até o Pronto Atendimento em Saúde Mental (PASM). Passamos uma hora esperando algum familiar passar pelo local e lá pelas tantas uma mulher sentou ao nosso lado e começamos a conversar. O nome dela era Maria Socorro Marcena, mãe de um interno do setor do PASM. Gentilmente respondeu que estava esperando para visitar o filho, chamado Charles. Segundo Socorro, ele foi diagnosticado com esquizofrenia em 2008, quando tinha 17 anos. Contou que antes de receber o diagnóstico, Charles era uma pessoa esforçada, que estudava, fazia aulas de informática e desenhava impecavelmente. Quando chegou aos 17 anos, Charles sofreu uma depressão muito forte, e como forma de abstrair a situação usou drogas. Socorro afirmou que, de acordo com o médico, a partir desse processo, ele iniciou o estágio da doença. Começou ai a luta de Socorro para ajudar o filho. O médico receitou uma medicação, mas as crises eram repentinas no cotidiano da família. Foram muitas internações. Socorro ressaltou que ele passava oito dias em casa e o resto do mês nos hospitais psiquiátricos e Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). O anseio do tratamento do filho é continuo na vida dessa mãe. De 2008 até 2014 foram idas e vindas de Charles aos hospitais. Em João Pessoa, são três hospitais psiquiátricos: Complexo Juliano Moreira, Clínica São Pedro e o Instituto Psiquiátrico da Paraíba LTDA, além dos CAPS. Charles passou pela maioria deles, mas as passagens nem sempre foram das melhores. Socorro relatou que quando o filho saia do Complexo Juliano Moreira sempre aparecia com umas feridas de pus na pele, que tem como nome científico impetigo. Ela relatou que era pela má higienização dos pacientes. “Eu interno ele lá porque não tem outro, não gosto do Juliano. Aquele de Cruz das Armas é um verdadeiro chiqueiro, você vê os pacientes fazendo xixi no chão, uma ala que é fechada, lá pra trás.”, ressaltou. Segundo ela, os funcionários não permitem que as mães e familiares entrem nos dormitórios. Charles não gosta de tomar medicamentos, mas, na opinião dela, se houvesse uma humanização e ele fosse tratado de uma forma diferenciada, poderia tomar os remédios de uma forma mais tranquila. Socorro disse que com a falta de humanização e no isolamento diário, Charles tentou fugir várias vezes. Em uma delas, ele foi achado no telhado do hospital. Quando há crises de esquizofrenia, ele passa quatro dias na triagem para diminuir a crise. Quando não passa ou quando a crise não é sanada nesse período, ele é direcionado para os hospitais ou para os CAPS. Além dessa questão, ela ressaltou que no setor do PASM os pacientes relacionados com problemas de drogas ficam internados
na mesma ala com internos de transtornos mentais, e que essa situação prejudica o melhoramento das crises de ambos, pois são problemas distintos. “Os CAPS não funcionam muito bem, lá os pacientes parecem uns zumbis, tudo medicado. Ele não vive, na verdade eles são dopados. Ele passa a maioria do tempo dormindo, e tratamento que esteja dormindo é melhor só para quem esteja em coma. Se ela não está em coma deve ser tratado como um doente, mas estar consciente para melhorar.”, desabafou a mãe de Charles. Em nossas conversas, Socorro comentou que o melhor hospital que Charles se internou foi na Clínica Psiquiátrica São Pedro, mas essa clínica fechou no mês passado, e a tendência é a extinção dos hospitais psiquiátricos para que o tratamento seja feito nos CAPS. Para ela, como esses sanatórios podem ser fechados se não existe estrutura para os pacientes? As visitas feitas na casa dela por médicos e assistentes sociais, pelos CAPS, foram só duas vezes, como vão suprir essa realidade no estado? Essa dúvida é constante para ela. Como vai ser se os hospitais fecharem, se os órgãos de saúde não tem estrutura o suficiente para amparar esses casos?
Dificuldades para receber a medicação Não é de hoje que a saúde pública clama por uma estruturação adequada para a demanda da população, e com o acesso as medicações não é diferente. A escassez faz parte do cotidiano de uma parcela da sociedade que precisa desse serviço. “Falta medicação, na verdade o sistema público é falido”, desabafou Socorro que contou que os remédios ficam disponíveis no Sistema Único de Saúde entre o dia 5 e 15 de cada mês, porém, se o cidadão não for atrás dos medicamentos nos primeiros dias, corre o risco de não tê-los. “Eu vou até o CAPS de Magabeira, não tem. Vou em Cruz das Armas também não tem, e quando tem é em um bairro muito longe”, comentou a mãe de Charles. Uma solução dada por ela para o melhoramento desse serviço seria disponibilizar a medicação nos hospitais nos quais o paciente está internado. “Quando se trata de um paciente psiquiátrico, ele não pode ficar muito tempo sem o remédio, mas a gente passa uma manhã ou uma tarde atrás de uma medicação [...], às vezes passa dois meses sem a medicação”, disse Socorro, e continuou: “Eu acho que a preocupação com a saúde é zero, a parte psiquiátrica era para ter mais atenção e não tem, deixa muito a desejar”. A mãe de Charles falou que no Complexo Psiquiátrico Juliano Moreira o visitante não pode conhecer os dormitórios onde o paciente se interna. “Eu acho que se você não tem nada a esconder pode mostrar o local, a pessoa que vai internar o paciente tem o direito de conhecer onde o interno vai ficar”.
Integração social O termo que está no auge dos discursos públicos atuais é a integração social, mas o que será que a sociedade pensa a respeito desse assunto? Os políticos discutem, mas, na prática, esse conceito é aplicado?
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Dia de visita!
“As escolas não aceitam essas pessoas”, Maria Socorro Marcena, a mãe do Charles, se refere aos pacientes com transtornos mentais que procuram o acesso à educação pública e as instituições não têm os aparatos suficientes para receber. Segundo ela, os internos poderiam ter aulas, uma momento de recreação, já que ficam muito tempo “presos e enjaulados feito bicho”. “É por isso que eles fogem, o meu fugiu quando estava em Cruz das Armas, na troca de plantão. Outra vez, ligaram para mim e disseram que ele estava em cima do telhado. Disse que não queria ficar ali, e que não gostava de ficar preso. Quando os funcionários fazem reuniões eu participo, sempre falo que acho que eles deveriam tem um espaço que pudesse cuidar deles diferenciados”, disse.
Passava das 9h30 quando a assistente social chamou dona Socorro para visitar o filho. Deu para perceber o semblante de alegria no rosto dela. Nessa hora nos despedimos dessa mãe que luta constantemente para o tratamento do filho que sofre de esquizofrenia, e que procura uma saúde pública e eficaz. Alguns minutos depois, ela saiu do hospital apressada. Ironia do destino ou coincidência, havia no local uma janela com uma grade, no que parecia ser um espaço de vivência dos pacientes. Um interno chegou perto de nós e após perguntarmos o nome dele disse que se chamava Charles. Estávamos falando com o filho de Socorro. Tentamos conversar com ele, mas falava com uma linguagem que não conseguíamos decifrar. Passou um tempo, e uma ambulância parou de frente ao PASM. Minutos depois vimos Socorro chegar apressada. Contou que ele seria transferido para outro local, mas que não sabia ao certo onde. Charles iria se internar. Passado um tempo, Charles saiu em direção a ambulância, amarrado com panos, junto com dois enfermeiros e dona Socorro. Todos entraram na van e seguiram para outra unidade do CAPS. Histórias como a de Charles se repetem em todo o Brasil. Vidas sofridas, famílias que procuram ajuda do governo, que ficam a mercê de políticas públicas, muitos que nem são tratados como serem humanos, mas sim como mais um dado estatístico. É preciso desmistificar a concepção que temos sobre os que sofrem de transtornos mentais, tirando esse assunto da margem dos discursos políticos e sociais. Além de rebater os preconceitos e tabus desse serviço público destinado as pessoas que estão sendo tratadas, há também um viés de integração social desses pacientes. Quanto mais esse assunto for tratado de forma clara e objetiva será algo construtivo e reflexivo para a população. Algo ficou claro na empreitada em busca do entendimento sobre como vivem essas pessoas: o preconceito não está apenas fora dos muros dos sanatórios, também está do lado de dentro.
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Encontro com Charles
CLÍNICA FECHA AS PORTAS por Rebeka Paiva Segundo o psiquiatra, proprietário do hospital e integrante da Associação Brasileira de Psiquiatria, Danilo de Lira Maciel, 80% dos centros psiquiátricos particulares do Brasil já fecharam e os outros estão próximos a isto.
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om 48 anos de funcionamento, a Casa de Saúde São Pedro, um dos únicos hospitais psiquiátricos particulares da cidade de João Pessoa (PB), fechou as portas. Segundo a administração, o motivo foi a falta de condições para manter o local. Por ser um complexo particular, a Casa de Saúde era credenciada ao SUS e recebia uma taxa de R$ 48,00 de diária por interno para custear todos os gastos com serviços médicos, exames, remédios, alimentação, estadia, acompanhamento de profissionais especializados de diversas áreas. “Foram mais de dez anos tentando sustentar o hospital, mas só fazendo dívidas. Um hospital com quase 50 anos de funcionamento ter que fechar dói no coração, mas não teve outro jeito” disse um dos administradores, Danilo Carneiro.
“Um hospital, com quase 50 anos de funcionamento, ter que fechar dói no coração, mas não teve outro jeito”
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A Casa de Saúde São Pedro não é o primeiro complexo psiquiátrico a fechar na cidade. Segundo o psiquiatra, proprietário do hospital e integrante da Associação Brasileira de Psiquiatria, Danilo de Lira Maciel, 80% dos centros psiquiátricos particulares do Brasil já fecharam e os outros estão em situação para fechar também. “O governo não dá incentivos ao hospital particular e não investe nos públicos. Os doentes ficam sem tratamento adequado, uns têm recaídas e outros agravamento da situação.” comentou o médico. Enquanto funcionava, a clínica conseguia comportar 250 pacientes, mas nos últimos anos a capacidade diminuiu para 160 por falta de verbas. Para serem internadas, as pessoas deveriam passar por uma triagem feita pelo SUS onde eram diagnosticados e encaminhados. Na Casa recebiam todo o tratamento necessário de uma equipe que contava com mais de 115 profissionais de diversas áreas. No início da clínica, qualquer pessoa era internada, muitos pela própria família, e os tratamentos eram os mais diversos possíveis, incluindo eletrochoque e insulinoterapia para os casos mais graves de depressões e esquizofrenia. “Na época, para determinadas depressões, só o choque resolvia, mas felizmente as medicações e os tratamentos evoluíram” relatou o dono do hospital, Danilo Maciel. O fechamento do complexo psiquiátrico deixou pacientes e funcionários muito tristes. “O que me deixa mais triste é saber que alguns dos nossos pacientes não tem apoio da família e/ou não vão conseguir vaga nos complexos públicos, o que vai levá-los para as ruas onde ficarão sem assistência. Ver esse hospital fechar é o mesmo que ter um filho que se foi” desabafou, emocionado, o médico Danilo de Lira Maciel. Os pacientes da Casa de Saúde São Pedro passaram por uma nova triagem e foram encaminhados pelo SUS para os CAPS, PASM e hospitais públicos como o Juliano Moreira.
“Mais louco é quem me diz e não é feliz” Por Washington Nascimento e Suenya Grandino Pacientes que foram internados em hospitais psiquiátricos e que retornaram ao convívio familiar continuam o tratamento com os medicamentos prescritos e se reintegram a vida social.
O drama de sua mãe teve início quando ela foi atingida por uma carga emocional muito forte, ocasionada pelo falecimento de seu marido e de um primo. “Esse foi o gatilho que desencadeou a doença adormecida do transtorno bipolar de minha mãe”, disse Thalita, com propriedade de quem é pesquisadora da doença bipolar. Em sua primeira crise, Maria de Fátima chegou a passar dois dias no Instituto de Psiquiatria da Paraíba, localizado no bairro de Cruz das Armas, em João Pessoa-PB. “O resultado do diagnóstico foi rápido, o que é raro, pois costuma levar pelo menos dez anos para sua realização”, disse Thalita Cunha. São muitas as dificuldades encontradas por quem cuida e convive com pessoas em sofrimento psíquico. Isso porque, geralmente, se tem que abdicar de tempo para outros afazeres, os quais passam a ser vistos como secundários. Diante desse dilema em praticamente cuidar de duas pessoas tão próximas com o mesmo problema psíquico, ela foi aconselhada pelos seus familiares a romper o namoro. “Se eu tivesse negado ele, estaria negando também minha própria mãe”, lembra Thalita Cunha, ainda, com um olhar significativo não muito distante no tempo.
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s estudos e pesquisas sobre os transtornos mentais ainda estão longe de chegar a um consenso sobre sua cura total. O que se conhece atualmente são os tratamentos através da patologia psiquiátrica, à base de estabilizadores de humor, anticonvulsivantes e antidepressivos, com o objetivo de controlar as crises e amenizar o sofrimento dos acometidos pelas doenças mentais. Pacientes que foram internados em hospitais psiquiátricos e que retornaram ao convívio familiar e social, após o diagnóstico de transtorno mental, continuam o tratamento com os medicamentos prescritos para cada caso, porém convivem de maneira normal com seus familiares, apesar de algumas limitações causadas pelos efeitos colaterais da medicação. Thalita Cristina Figueiredo Cunha, de 26 anos, doutoranda em Biotecnologia - Biotecnologia em Saúde – Rede Nordeste de Biotecnologia-RENORBIO/UFPB, que cuida de sua mãe Maria de Fátima Dantas de Figueiredo, 59, com transtorno bipolar, há mais de 11 anos, confirma: “a vida da minha mãe transcorre normalmente: faz trabalhos domésticos, pinta quadros muito bem, visita amigos, participa do convívio social e familiar”.
Carinho e dedicação A vida em família, o carinho e a dedicação dos familiares e amigos contribuem de maneira decisiva para que uma pessoa com transtorno mental leve uma vida de normalidade, apesar das limitações causadas pela doença e pela expectativa e medo de novas crises. A história de Dona Joana Salvador Cabral, 56, mãe de dois filhos em sofrimento psíquico, começou com sua filha mais velha Kelly Patrícia César Cruz, hoje com 33 anos, diagnosticada com transtorno bipolar. Internada pela primeira vez com 14 anos, ficou mais de dois meses no Hospital Psiquiátrico Juliano Moreira, no bairro da Torre, em João Pessoa. Na época, Kelly começou a perder o gosto pelos estudos, não queria se alimentar, ficando cada dia com a saúde mais fragilizada; passou a não cuidar de si, da sua higiene pessoal, ficando desleixada com as unhas e cabelos, chegando a não usar nem mesmo absorvente em seu período menstrual. A voz embargada demonstrava tristeza ao contar o quanto foi difícil tomar a iniciativa de chamar a ambulância e a polícia para ajudar sua filha. “Ignorávamos essas atitudes, com pena de interná-la, porque tínhamos medo que ela fosse maltratada no hospital. É triste uma mãe ver sua filha ser tratada dessa forma. É muito triste mesmo”, contou Joaninha, como é conhecida na vizinhança. O drama da Dona Joana e sua família não terminou com a bipolaridade de sua filha. Jeovan Guedes da Silva Neto, seu filho de 25 anos, também internado pela primeira vez no Instituto de Psiquiatria da Paraíba, há quatro anos sofre de esquizofrenia. Durante sua internação para fins de diagnóstico e tratamento, que duraram 58 dias, Jeo, como é conhecido pelos amigos e familiares, relatou que se sentia inseguro, como se estivesse num presídio. “Lá é muito ruim e tenho medo de dormir à noite porque alguém podia fazer algum mal a mim”, disse Jeovan Neto, ainda transmitindo medo nos olhos. Segundo ele, alguns internos usavam escovas de dente para fazer facas artesanais, ameaçando qualquer pessoa que mexessem com eles. A amizade que se constrói na infância e juventude se refletem na solidariedade dos amigos quando deles se mais precisa. “Quando eu chegava ao hospital, já estava cheio de gente para visitar ele”, lembrou Joana Cabral.
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Preconceito Não são todas as famílias e amigos que são como a de Dona Joana. O preconceito na sociedade ainda é muito grande - inclusive dos familiares - em aceitar e cuidar de forma digna dessas pessoas carentes de amor dos mais próximos. Foi esse tipo de preconceito que se fez presente na família de José Lins de Albuquerque, 66. Seu irmão, Bernardino Lins de Albuquerque, 62, sofre de transtorno mental desde o nascimento. Bernardo - assim chamado pelos seus familiares e conhecidos da vizinhança - quando morava no interior de Pernambuco, vivia de maneira desleixada, abandonado e não tendo a devida atenção pelos seus parentes. Por isso, frequentemente era visto caído nas calçadas do mercado, embriagado e sem noção de onde se encontrava. Até que seu irmão, José Lins, foi chamado por sua irmã mais velha para levá-lo para João Pessoa. “Me deu uma tristeza muito grande ver meu irmão naquele estado de abandono”, confessou José, com um olhar distante, parecendo visualizar aquelas cenas. Bernardo foi internado pela primeira vez na Casa de Saúde São Pedro, localizado no bairro da Torre, por 45 dias, intercalado entre os meses de junho e dezembro de 2004 e janeiro de 2005, apresentando sintomas de alucinações, mania de perseguição e falando sozinho. “Essas internações foram necessárias para fazer uma avaliação psiquiátrica de seu estado mental”, lembra José Lins.
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Para José, ainda existe muita discriminação em torno dos transtornos mentais. Ele sentiu esse preconceito dentro de sua própria casa. “Faz doer na alma ouvir alguém julgando uma pessoa com transtorno mental, pensando que ela usa de esperteza para não fazer nada”, confessou, amargando o preconceito de sua família. Não se pode romantizar que as pessoas com transtornos mentais vivam felizes, visto que elas sofrem com os efeitos colaterais dos remédios e do preconceito inaceitável da sociedade, mas as histórias que conhecemos aqui são exemplos de como no dia a dia é possível contribuir com amor, atenção e respeito para que, pelo menos, as pessoas com transtornos mentais possam ter a dignidade de ser felizes a seu modo.
De perto, quem é normal? Por Alyne Ramos O Movimento ou Luta Antimanicomial surgiu como modo de transformação e desinstitucionalização da loucura e dos Serviços Psiquiátricos, sob o lema ‘Por uma sociedade sem manicômios’.
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ndando pelas ruas da cidade, é perceptível a quantidade e a variedade de pessoas, e como cada uma se destaca em meio à multidão com suas particularidades. Seja pela sua roupa, modo de andar ou pelo sorriso no cantinho da boca ao ser surpreendido por uma gentileza. Mas alguém seria totalmente normal? Não haveria uma única falha em pessoas que são tidas pela sociedade como “sãs”? E o que deve acontecer, para onde devem ir aquelas que não são compreendidas ou sofrem de algum transtorno mental? A resposta parece ser simples para algumas pessoas: manicômio. Os manicômios são hospitais especializados no tratamento de doenças mentais e/ou de transtornos mentais, porém, inicialmente esse não foi o seu objetivo principal. Estes hospitais não foram criados para tratar pessoas, mas para tirar os loucos das ruas, fato que ficou conhecido no século XIX como Higienização Social. Neste período, a loucura esteve permeada por uma relação de poder, que ao produzir discursos, acabava por recorrer à exclusão como solução do problema. Este fato não se prendeu somente ao diagnosticado com
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algum transtorno mental, mas também, o morador de rua, o órfão, o alcoólatra... todos que não se enquadravam nos padrões aceitáveis deveriam ser afastados do convívio social. Afinal, é muito mais fácil tratar um “doente” colocando-o junto com outros “doentes”, não é verdade? Bem, os participantes do Movimento Antimanicomial não pensam dessa forma. O Movimento ou Luta Antimanicomial surgiu como modo de transformação e desinstitucionalização da loucura e dos Serviços Psiquiátricos, sob o lema ‘Por uma sociedade sem manicômios’, tentando acabar com a internação dos pacientes em hospitais psiquiátricos, visto que o tratamento era desumano e poderia não haver uma possível cura. Porém, é um movimento multifacetado e está longe de ser homogêneo. Entre os tratamentos desumanos, era comum encontrar a lobotomia, procedimento no qual eram tirados pedaços do cérebro de esquizofrênicos, também a insulinoterapia, em que era injetado uma quantidade alta de insulina na veia dos pacientes, além da famosa camisa de força. Mas todos esses métodos causavam danos irremediáveis nos pacientes, por isso, caíram em desuso. Hoje em dia há uma série de novos tratamentos usados em pacientes esquizofrênicos, como a cadeira de eletrochoque, mas esse método também é muito questionado entre médicos, estudantes e manifestantes. No Brasil, a Luta surgiu de forma mais contundente em 18 de maio de 1987, no Congresso de Trabalhadores da Saúde Mental em Bauru, São Paulo, data que ficou conhecida como O Dia da Luta Antimanicomial, com o intuito de reconstruir as relações entre os loucos e a sociedade. O movimento acontece em todo o Brasil e nos últimos anos só tem crescido. A sua meta é o fechamento dos manicômios, e, em paralelo, a promoção de uma cultura de tratamento e de convivência para as pessoas em tratamento psíquico. Segundo o psicólogo André Oliveira, a luta antimanicomial foi fundamental na criação do conceito atual de hospitais psiquiátricos ou Centro Clínico de Psiquiatria e Psicologia. “Hoje em dia, entende-se que não há tratamento humano dentro dos manicômios, por isso existe a luta antimanicomial. E, ao invés de hospitais psiquiátricos, buscou-se a criação de novos espaços, que buscam oferecer tratamento sob novas perspectivas, que é o caso dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Diferentemente dos hospitais, não há internação, mas um tratamento mais humano para os usuários”, afirmou o psicólogo.
Curiosidades sobre a Luta ao redor do mundo
Na Inglaterra, no momento do pós-guerra, foi elaborada a prática de trabalhadores clínicos com grupos, como uma possível saída para a grave situação de superlotação e inoperância dos hospitais psiquiátricos. O mesmo ocorreu na França, no início dos anos 50, com a Análise Institucional. Sua grande direção era “tratar o doente pela instituição e tratar a instituição como um doente”. O Brasil ainda luta por suas melhorias. Na Paraíba, o movimento é organizado por um grupo de estudantes de psicologia, chamado de Coletivo Canto Geral. Como toda pessoa, o louco só busca encontrar seu lugar no mundo, busca encontrar quem o entenda, não quem o aprisione. Mas, enquanto houver tratamentos tidos como indignos nos manicômios, as lutas antimanicomiais estarão fazendo a sua parte. Uma das integrantes do grupo, Bruna Carolina, concedeu entrevista a Sanatório. Sanatório: O dia 18 de maio é conhecido como o dia da Luta Antimanicomial, mas pelo que vocês lutam? Qual o objetivo maior? Bruna: O 18 de maio é um dia simbólico, escolhido pelos trabalhadores da saúde mental há alguns anos, pois era a época em que se estava em luta pela melhoria das condições dos pacientes. A nossa luta, especificamente enquanto estudantes de psicologia, coletivo organizado e futuros profissionais, é para que as formas de cuidado sejam melhoradas. Há um movimento nacional de fechamento dos manicômios e abertura de serviços substitutivos de tratamento, como os CAPS, porém algumas práticas e pensamentos enraizados continuam tanto nos profissionais dos serviços quanto na sociedade em geral. Nosso objetivo maior é que os usuários dos serviços de saúde mental tenham o tratamento adequado para que estejam inseridos na sociedade e que tenham livre acesso à cidade, como qualquer outro usuário de algum serviço de saúde. É por causa disso que as semanas organizadas pelo Coletivo Canto Geral têm uma grande programação cultural, porque acreditamos que a cultura e as expressões artísticas são uma ótima maneira pra que haja essa inserção. Sabemos, claro, que esse é um processo lento, mas é assim que as coisas vão se modificando.
Além disso, o nosso curso de Psicologia, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), ainda hoje não traz o debate necessário sobre o tema, então a tentativa do Coletivo Canto Geral, desde que nasceu, é tentar estar sempre debatendo esse tema com o curso de Psicologia e com outros cursos que também têm inserção na saúde. S: Sobre os casos mais graves de pessoas com transtornos mentais, o ideal não seria colocá-los em um ambiente onde possam ser cuidados e tratados? Bruna: Acabar com os manicômios não significa deixar as pessoas sem tratamento, mas tratá-las de maneira mais humana, sem deixá-las trancadas por anos, ou até a vida inteira, como acontecia antigamente. Os CAPS têm sido a melhor alternativa, pois os usuários vão ao serviço todos os dias, se necessário, tomam sua medicação, são acompanhados pelos profissionais, e não deixam de conviver com sua família e sua comunidade. O vínculo familiar, com amigos, vizinhos, etc. é fundamental para o cuidado dessas pessoas. Saber que sempre pode contar com alguém que está por perto, ser tratado com carinho e respeito, é bom para a saúde mental de todo mundo. S: Sobre os tratamentos utilizados nesses locais (Manicômios, Sanatórios, Clínicas), você tem conhecimento sobre algum e o que ele causa no paciente? Conhece os efeitos do tratamento de choque em esquizofrênicos? Bruna: Esse tipo de tratamento com eletrochoque não me parece efetivo, pois causa muito sofrimento ao paciente. S: Sobre a Luta, há quanto tempo ela existe e qual o principal problema encontrado? Bruna: O primeiro encontro dos trabalhadores da saúde mental ocorreu em 1987, o dia 18 de maio foi estabelecido por causa desse encontro. As dificuldades são muitas. No nosso caso, enquanto estudantes, a principal é instigar o debate e dialogar com os estudantes não só de psicologia, mas de todas as áreas da saúde, sobre a importância de não deixar essa luta acabar. Os serviços de saúde têm tido grandes avanços, mas sem dúvida ainda tem muito pra melhorar. É um processo de aprendizado e adaptação constante que não deve ser estagnado.
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*Imagens de divulgação disponíveis na Internet.
Na louca cultura Por Josemi Cavalcanti e Suenya Grandino Quem disse que não é possível falar de loucura com cultura? Nesta seção, a Sanatório apresenta para você, caro leitor, opções de filmes, músicas e livros que abordam o assunto.
FILMES Girl, Interrupted (Garota, interrompida) Girl, Interrupted (Garota, interrompida) passase em 1967. Trata-se de um filme de James Mangold baseado no livro de Susanna Kaysen. O longa é narrado por Susanna, recordando os 2 anos “interrompidos” na sua história, onde ficou internada (de forma voluntária), diagnosticada com transtorno de personalidade limítrofe. No Hospital Psiquiátrico McLean, Susanna conhece um novo mundo, de jovens garotas charmosas e transtornadas. O filme é agressivo. Mexe com o telespectador, deixando-o tenso e apreensivo. ‘Garota, Interrompida’, além de uma exposição particular de Susanna, é uma crítica aos procedimentos de diagnóstico para doenças mentais dos anos 60. Angelina Jolie faz parte do elenco desse extraordinário filme. A atriz interpreta Lisa Rowe, uma atraente sociopata que organiza uma fuga com Susanna, Georgina e Polly, com o intuito de retomarem suas vidas.
Reine sobre mim Dirigido por Mike Binder, traz no elenco Adam Sandler, Don Cheadle, Jada Pinkett Smith, Liv Tyler, Saffron Burrows, Donald Sutherland, Mike Binder. “Reine sobre mim” relata a história de um ex dentista que perdeu esposa e filhos no atentado de 11 de setembro. O protagonista, Charlie Fineman, interpretado por Adam Sandler, procura ajuda em um antigo amigo de faculdade, Alan Johnson, interpretado por Don Cheadle. Apesar de não ter mantido contato após o término do curso, Johnson sabe que Fineman perdeu sua família no “11 de setembro” e se aproxima querendo saber como o colega está. O que Johnson não esperava é que Fineman, mesmo depois de tanto tempo, ainda sofra com uma doença nomeada de Estresse Pós Traumático. O longa, embora seja muito sugestivo, torna-se pessoal e emociona até mesmo quem não tem ligação com a tragédia. Para quem sentiu o desespero das pessoas no dia do fato, sabe que uma pessoa ter sequelas emocionais é mais do que compreensível.
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Bicho de sete cabeças Lançado em 2 de junho de 2001, ‘Bicho de sete cabeças’ é um filme brasileiro que conta a história de seu Wilson, interpretado por Othon Bastos, e seu filho Neto, papel ocupado pelo ator Rodrigo Santoro. Um relacionamento entre pai e filho que se apresenta de forma difícil. Seu Wilson despreza o mundo de Neto, este, por sua vez, não suporta a presença do pai. Uma situação atinge o limite quando Wilson decide internar Neto em um manicômio. Nesse ambiente, Neto terá que suportar as asperezas de um sistema que aos poucos e de forma lenta devora as suas presas. O filme é dirigido por Laís Bodanzky e está classificado como gênero drama.
músicas Balado do Louco Esta é uma canção da banda brasileira Os Mutantes, grupo de rock psicodélico dos anos 60. A música faz parte do álbum “Mutantes e Seus Cometas no País do Baurets” de 1972. Esse disco é o último com Rita Lee. Dizem que sou louco por pensar assim Se eu sou muito louco por eu ser feliz Mas louco é quem me diz E não é feliz, não é feliz Se eles são bonitos, sou Alain Delon Se eles são famosos, sou Napoleão Mas louco é quem me diz E não é feliz, não é feliz Eu juro que é melhor Não ser o normal Se eu posso pensar que Deus sou eu Se eles têm três carros, eu posso voar Se eles rezam muito, eu já estou no céu Mas louco é quem me diz E não é feliz, não é feliz
Eu juro que é melhor Não ser o normal Se eu posso pensar que Deus sou eu Sim, sou muito louco, não vou me curar Já não sou o único que encontrou a paz Mas louco é quem me diz E não é feliz, eu sou feliz
Maluco Beleza Que atire a primeira pedra quem nunca ouviu esta música. Maluco Beleza emplacou como hit em 1977 no disco intitulado “O dia em que a terra parou”. Todas as músicas desse álbum foram compostas por Raul Seixas e Claudio Roberto. Atualmente, esta é uma música que ainda faz sucesso.
Eu do meu lado Aprendendo a ser louco Maluco total Na loucura real... Controlando a minha maluquez Misturada com minha lucidez... Vou ficar Ficar com certeza Maluco beleza Eu vou ficar Ficar com certeza Maluco beleza...
E esse caminho Que eu mesmo escolhi É tão fácil seguir Por não ter onde ir... Controlando a minha maluquez Misturada com minha lucidez Eeeeeeeeuu!... Controlando a minha maluquez Misturada com minha lucidez Vou ficar Ficar com certeza Maluco beleza Eu vou ficar Ficar com certeza Maluco beleza Eu vou ficar Ficar com toda certeza Maluco, maluco beleza...
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Enquanto você Se esforça pra ser Um sujeito normal E fazer tudo igual...
livros Holocausto Brasileiro Editora: Geração - Ano: 2013
Holocausto Brasileiro: Vida, genocídio e 60 mil mortos no maior hospício do Brasil, é um livro-reportagem de autoria da jornalista Daniela Arbex, que relata a história e traz vida para as pessoas que durante décadas viveram escondidos, sem nenhuma identidade entre os muros do Colônia, hospital psiquiátrico localizado na cidade de Barbacena, em Minas Gerais. O holocausto torna visível o que antes era escondido. A barbárie e a desumanidade praticadas durante a maior parte do século XX. No livro, é relatado que pelo menos 60 mil pessoas morreram no Colônia. A maioria das histórias mostram que os que chegavam ao Colônia eram internados a força e 70% correspondiam a pessoas que não eram diagnosticadas com transtornos mentais. Holocausto Brasileiro coloca em pauta o que muitos quiseram esconder. São histórias de vidas de impressionam, impactam e emociona os que leem o livro.
Dançando sobre cacos de vidro Editora: Arqueiro - Ano: 2013
Dançando sobre cacos de vidro é a história de um amor inspirador que supera todos os obstáculos para se tornar possível. Ka Hancock, autora do livro, escreve em 336 páginas uma emocionante história de amor entre os personagens principais Mickey e Lucy. Os dois sofrem de doenças genéticas. Lucy tem um histórico familiar de câncer de mama e Mickey um grave transtorno bipolar. Eles não deveriam se apaixonar, mas é impossível negar a atração quando seus caminhos se cruzam. Eles se casam e firmam – por escrito – um compromisso para fazer o relacionamento dar certo. Mickey promete tomar os remédios. Lucy promete não culpá-lo pelas coisas que ele não pode controlar. Mickey será sempre honesto. Lucy será paciente. Como em qualquer relação, eles têm dias bons e dias ruins – alguns terríveis. Após o susto com Lucy, eles criam mais uma regra: nunca terão filhos, para não passar adiante sua herança genética. Mas, durante uma consulta de rotina, Lucy é surpreendida com uma notícia que vai mudar tudo o que ela e Mickey haviam planejado. De uma hora para outra, todas as regras são jogadas pela janela e eles terão que redescobrir o verdadeiro significado do amor. Nunca lhe prometi um jardim de rosas Editora: Imago - Ano: 1987
*Imagens de divulgação disponíveis na Internet.
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A autora Hannah Green, no livro ‘Nunca lhe Prometi um Jardim de Rosas’, relata em 284 páginas a experiência de uma adolescente de 16 anos que foi internada em um Hospital Psiquiátrico após um longo processo de sofrimento e progressiva alienação mental. Através do tratamento psicoterápico, a autora leva o leitor a vivenciar os mundos de Deborah: mundos ricos, conflitantes e apaixonantes. O mundo exterior, figurado por sua família, do qual se sente impossibilitada de participar. Seu mundo interior, que é povoado de seres cósmicos, espetaculares e grandiosos, onde ela se refugia. E um terceiro mundo, do Hospital Psiquiátrico e seus habitantes, onde Hanna Green põe o leitor em total contato.
Revista Sanatório Edição/Orientação Renata Escarião (professora do curso de Jornalismo da Faculdade Maurício de Nassau – João Pessoa) Reportagem Alyne Ramos, Ana Paula Cunha, Josemi Cavalcanti, Mateus Silomar, Paloma Faustino, Rebeka Paiva, Suenya Grandino, Thaís Silveira, Wallison Bezerra, Washington Nascimento. (Alunos do 5° período do curso de Jornalismo da Faculdade Maurício de Nassau – João Pessoa ) Fotografia Josemi Cavalcante e Suenya Grandino. Diagramação Vítor Nicolau (professor do curso de Jornalismo e do curso de Publicidade e Propaganda da Faculdade Maurício de Nassau – João Pessoa), Suenya Grandino e Alyne Ramos. Revista produzida por alunos do curso de Jornalismo da Faculdade Maurício de Nassau – João Pessoa para o Expocom do XVI Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste, realizado em João Pessoa 15 a 17 de maio de 2014.