Qualquer maneira de amor vale a pena?

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SALVADOR, TERÇA-FEIRA, 21/10/2008

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CADERNO DEZ!

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CASO SANTO ANDRÉ ❚ Por maior que seja, o amor jamais justifica um ato criminoso, dizem especialistas

Qualquer maneira de amor vale a pena? RIVALDO GOMES/FOLHA IMAGEM

VITOR PAMPLONA

não possui autocrítica e exige ser admirado”. Mas o amor, ressalta, não pode servir de justificativa. “Como motivo de crime, a paixão é vil. É perigoso pensar no criminoso passional como um herói ou uma vítima do destino. Na verdade, ele não teve interesse pela parceira. Não soube amar. O passional precisa de um médico e de sanções penais”, defende.

vpamplona@grupoatarde.com.br

Crimes passionais são clássicos do direito penal. Sexta-feira passada, Lindembergue Fernandes Alves, 22, funcionário da fábrica da Bombril durante o dia e à noite entregador de pizzas e esfirras numa lanchonete em Santo André, na Grande São Paulo, entrou para o mítico, porém fantasioso panteão dos que cometem crimes supostamente por amor. Depois de cinco dias de cárcere privado sob a mira de uma arma empunhada pelo rapaz, sua ex-namorada Eloá Cristina Pimentel, 15, e a amiga Nayara Rodrigues Vieira, 15, acabaram baleadas em meio a uma desastrosa operação policial para invadir o apartamento de Eloá, transformado em cativeiro. Baleada com um tiro na cabeça e outro na virilha, a garota teve morte confirmada na noite de sábado, no hospital. Nayara levou um tiro na boca e está internada, mas não deve ficar com seqüelas. O trágico fim da história de amor iniciada há dois anos e sete meses, quando Lindembergue e Eloá começaram a namorar, foi deflagrado há cerca de um mês, quando o namoro foi rompido. Inconformado e com ciúmes da garota, o rapaz calmo e trabalhador descrito pela família e amigos tornou-se na última semana um agressivo e imprevisível seqüestrador. Mas que, mesmo na cadeia, repetiu que queria Eloá, amava Eloá. A procuradora Luiza Nagib Eluf, autora de A Paixão no Banco dos Réus, livro no qual analisa crimes

Polícia invadiu o apartamento onde Lindemberg manteve a ex-namorada e uma amiga como reféns

passionais de grande repercussão no País, tem uma opinião distinta sobre o amor que Lindemberg diz sentir. “Passional é todo crime cometido em razão de relacionamento sexual ou amoroso. No entanto, a paixão aqui não deriva do amor, mas de seu extremo oposto: o ódio”. Para a jurista, Lindembergue, tal como todo criminoso passional, é acima de tudo um narcisista. “Ele

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Os tribunais e a legislação penal brasileira consideram o crime passional hediondo, pois praticado por sentimentos que configuram “motivo torpe” [artigo 121 do Código Penal]. Além disso, a emoção ou paixão não excluem a chamada imputabilidade penal [artigo 128]. A pena só é atenuada caso o crime seja cometido contra alguém que, com um ato injusto, provoque violenta emoção no autor [artigo 125].

FANTASIA – Mas, se amou errado, por que alguém como Lindembergue julga exatamente o contrário e se volta contra a pessoa amada a ponto de agredi-la? A psiquiatra forense Solange Rubim de Pinho, especializada na relação de crianças e adolescentes com o crime, explica: o que se passa na cabeça de um passional é resultado de uma percepção equivocada da realidade. “No caso de um jovem, idade e o ambiente social exercem grande influência nos sentimentos”. O rapaz, acredita a médica, criou uma fantasia na qual se sentia vítima de uma injustiça e precisava mostrar o grande amor que tinha. “Quando o ciúme é doentio, ocorrem atos extremos. E perde-se a noção das conseqüências”. Para Lindembergue Alves, estas foram cinco acusações criminais: o homicídio de Eloá, tentantivas de homicídio de Nayara e de um negociador, cárcere privado e periclitação da vida [pôr a saúde ou a vida de alguém em perigo]. Para as famílias das garotas, uma delas mandada de volta ao cativeiro após libertada, restou a revolta contra uma polícia que se mostrou insegura e atrapalhada e uma dúvida: por quê?

CRIMES DE AMOR E ÓDIO Quando a confusão de sentimentos leva à morte Caso Euclides da Cunha

Caso Daniela Perez

Caso Pimenta Neves

15/8/1909

28/12/1998

20/8/2000

Na tentativa de matar o militar Dilermando de Assis, amante de sua mulher, Ana da Cunha, e depois marido dela, o autor de Os Sertões morreu baleado pelo rival de 21 anos.

Aos 22 anos, a atriz foi morta pelo ex-amante Guilherme de Pádua e pela mulher dele, Paula Thomaz. O casal foi condenado a 19 anos e seis meses. Cumpriu 6 anos e saiu da cadeia.

O ex-jornalista Antônio Pimenta Neves matou a colega Sandra Gomide, 32. O motivo teria sido o fim do namoro dos dois. Pimenta Neves foi condenado a 15 anos, mas está em liberdade.


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