"Como dizer importa mais do que o que dizer"

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SALVADOR SÁBADO 18/9/2010

Haroldo Abrantes / Ag. A TARDE

ENTREVISTA Hélio Pólvora, escritor

“COMO DIZER IMPORTA MAIS DO QUE O QUE DIZER“

Hélio Pólvora lança o romance Inúteis luas obscenas, quinta-feira, no Unibanco Glauber Rocha

na primavera. O Surdo está entre o outono e o começo do inverno quando conhece Celinaetemumúltimoamor,que representa um dos grandes temasdaliteratura.

VITOR PAMPLONA

Contista premiado, cronista de fatos e imaginação, além de crítico e ensaísta rigoroso, o escritor Hélio Pólvora tinha uma dívida com a literatura baiana. Com trinta livros publicados, nunca havia se arriscado em um romance. A espera acaba na próxima semana, com o lançamento de Inúteis luas obscenas (Casarão do Verbo), um mergulho na Bahia rural das memórias do escritor, nascido numa fazenda de cacau na região de Itabuna. Para contar a história da família de um camponês surdo fascinado pela lua e uma jovem raptada chamada Celina, Pólvora investe numa apurada carpintaria, que inclui não só a preocupação com a escolha das palavras e o ritmo das frases. Diferentes vozes, dos personagens e do autor, se alternam, formando um jogo de verdades e versões. A estrutura, revela o escritor de 82 anos, tem semelhanças com Enquanto agonizo, um dos grandes romances do norte-americano William Faulkner (1897-1962). “Com uma diferença“, complementa. “Aqui as narrativas são sequenciadas. Há o desejo de contar uma história episodicamente“. Colunista de A TARDE, Hélio Pólvora fala nesta conversa sobre os personagens do livro, lamenta o “apego ao fato“ na literatura brasileira recente e revela que tem pronto um novo romance a ser publicado em 2011, além de já ter engatado na escrita de um terceiro. Inúteis luas obscenas tem lançamento agendado para a próxima quinta-feira, a partir das 19h30, na Galeria do Livro do Espaço Unibanco Glauber Rocha (Praça Castro Alves). Leia os principais trechos da entrevista:

O senhor tem mais de 50 anos de literatura. Por que demorou tanto a publicar um romance? Sempre tive pelo conto um apego muito grande. Quando estreei em 1958, com o livro de contos Os galos da aurora, o escritor Adonias Filho, uma das notabilidades da época, escreveu um artigo sobre o livro dizendo que logo eu chegaria ao romance. Foi uma previsão um tanto afoita. Mas a ideia do romance ficou em mim durante muitos anos. Houve uma época em que eu tentei, mas acabava depressa. Não estou me comparando,masumcasoparecido é o de Tchekov, que foi contista e nunca conseguiu escrever um romance, embora tenhatentadomuito. Comoaideiase concretizou? Um personagem do livro, que chamodeSurdo,foiinspirado numa pessoa que conheci no interiordaBahia.Orajulgávamos que ele era surdo, ora Cropped by pdfscissors.com

que estava fingindo. Um personagem enigmático, que se valia de uma meia surdez parapraticaraartedadissimulação (Hélio já havia escrito sobre o Surdo em contos). Por outro lado, a surdez fazia o meio hostil a ele. Não era um intelectual,mastinhaumasabedoria instintiva. Sente ter algo a dizer, mas encontra dificuldades. Está colocada no romance a dificuldade da comunicaçãohumana. Aestruturanarrativacomvárias vozes foi uma forma de decidir nãoresolveresseproblema? Teve essa intenção. Os personagens narram, falam de si e também dos demais. Então ao mesmo tempo também são narrados. E há a estrutura do narrador, que tudo sabe. Todosessesplanosnarrativos lembramumpoucoEnquanto agonizo, de William Faulkner. Com uma diferença: aqui as narrativas são sequenciadas. Há o desejo de contar uma

É um romance com uma preocupação que está desaparecendo na ficção moderna, que é a questão da linguagem apurada

Os enredos estão aí, são mais ou menos parecidos. A dificuldade é exprimir isso sem ser de uma forma banal. Tem que ter conteúdo humano

história episodicamente. Em Faulkner os tempos são mais tumultuados. O livro retoma a tradição do romance ruralista, um pouco abandonado no Brasil. Esse abandono deve-sea quê? OBrasilpassouporumaurbanização violenta. O campo se esvaziou, a população rural caiu para em torno de 20% e as cidades são monstruosas. O campo sempre me atraiu. Ele reflete um momento da ficção brasileira muito importante: Graciliano Ramos, José Lins do Rêgo, Erico Verissimo, Dalcídio Jurandir. Eles e outros refletem a ambiência acentuadamente mais rural do que urbana na sua época. Eu diria que em Inúteis luas obscenas há uma moldura rural,porqueolivrotemumadireção psicológica. A descrição das paisagens não é preponderante, é impressionista. Depende do estado de ânimo dospersonagens.

Outra personagem interessanteéCelina.Elamelembrouoanjo de Teorema, filme de Pasolini, pois desestrutura a família. Maséanjoou diabo? Celina é a lua. Selene, em grego. Mas a lua em suas fases. Celina tem vários lados. É a mulher sensual, a mulher terna,amulhercaseira,amulher diabólica. Ama, mas é também capaz de odiar. É uma criação pura, uma mistura de mulheres. Um resumo de semblantes, gestos. Nada tem a ver com alguém que conheci,aocontráriodoSurdo. Os dois têm um caso amoroso que desperta reflexões sobre a velhice. AíCelinaéaluanova.Adonias Filho dizia que, para escrever sobre a velhice, é preciso ser velho. Não concordo muito com isso. Acho que a gente precisa é ser jovem (risos). Mas, como disse Machado de Assis, as estações passam e não é possível permanecer só

O livro, por sinal, cita várias referênciasdegrandesescritores. É um romance com uma preocupação que está desaparecendo na ficção moderna, queéaquestãodalinguagem apurada. Há um processo de composição para ela se ajustar ao ambiente, à psicologia dos personagens. E procura ser melodiosa, ter ritmo. É o que se chamava de prosa. Hoje não se fala mais nisso, mas os escritores se preocupavam com o “como dizer“. “Como dizer“ é mais importante do que “o que dizer“. Os enredos estão aí, são mais ou menos parecidos. A dificuldade é exprimir isso sem ser de uma formabanal.Temqueterconteúdo humano. Acho que a literatura brasileira e mundial está se empobrecendo. Estão faltando ficcionistas. Há muito apego ao fato, mas o fato po si só não diz nada. Quero saberéaversãodofato. Depois de Inúteis luas obscenas, ocontistaHélioPólvoravaivirar romancista? Na verdade, este é meu segundo romance. Há um outro que escrevi antes, mas decidi publicarapenasanoquevem. Ejácomeceiaescreverumterceiro. Pelo menos esses três vou fazer. Quer dizer, dois já estão feitos e o terceiro está nametade. Pegou ojeito? Acho que agora vai.

CADERNO2MAIS.ATARDE.COM.BR

Leia a entrevista na íntegra e confira trecho do livro


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