Davos já era, agora somos nós

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B8 BRASIL EDITORA-COORDENADORA

Hilcélia Falcão (interina) EDITOR

Jair Fernandes de Melo (interino)

| ESPECIAL | SALVADOR, SEGUNDA-FEIRA, 2/2/2009

JOSEPH BARRAK | AFP

especial@grupoatarde.com.br

APOIO Em Beirute, simpatizantes do Hamas seguram cartazes com foto do primeiro-ministro da Turquia, Recep Tayyip Erdogan em manifestação pela “vitória” do Islã na Faixa de Gaza. Erdogan abandonou o Fórum de Davos após discutir com o presidente israelense Shimon Peres.

DAVOS E BELÉM ❚ Fóruns chegam ao fim com propostas que reforçam distinções e revelam disputa por hegemonia

Polos de discussões opostas O Fórum Econômico Mundial terminou ontem, em Davos, na Suíça, com os líderes empresariais e de governos pedindo uma ação rápida e coordenada dos países para enfrentar a mais séria recessão global desde 1930. Os participantes do encontro temem os efeitos sociais da crise, principalmente Cropped by pdfscissors.com

uma instabilidade política maior nos países, ressurgimento do protecionismo comercial e um revés nas iniciativas em favor da globalização. O Fórum Social Mundial (FMS), por sua vez, também foi encerrado ontem em Belém sem nenhum documento final com as conclusões do encontro ou qualquer

sugestão a respeito da crise econômica mundial – exaustivamente debatida durante os sete dias do evento. Na assembleia geral, realizada ao ar livre, no fim da tarde, foram lidos documentos sobre 22 questões pontuais, de ecologia a demarcação das terras indígenas e contenda palestina.


BRASIL

“Finalmente, Davos já era. Agora somos nós” Cândido Grzybowski | Diretor do Ibase

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iquenique anual antiglobalização". Críticos do Fórum Social Mundial, que terminou ontem em Belém do Pará, definiram assim a nona edição do evento, da qual participaram cinco presidentes da América Latina. Luiz Inácio

Lula da Silva (Brasil), Hugo Chávez (Venezuela), Evo Morales (Bolívia), Rafael Correa (Equador) e Fernando Lugo (Paraguai) concentraram a atenção da imprensa, mas isso não impede o sociólogo Cândido Grzybowski, diretor do Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Eco-

nômicas) e um dos idealizadores do evento, de comemorar o resultado do encontro. "Este fórum foi o de uma nova etapa, porque Davos já era. Agora, eles é que vão ter que se adaptar a nós", diz sobre o Fórum Econômico Mundial na cidade suíça, que inspirou, como contra-

partida, a criação do Fórum Social em 2001. Em entrevista exclusiva a VITOR PAMPLONA, enviado a Belém, diz que o evento só deve voltar a ser realizado nos moldes deste ano em 2011, e que espera ocupar o espaço deixado por Davos para forçar temas na agenda política mundial.

ELÓI CORRÊA | AG. A TARDE

A TARDE | Qual balanço é possível ser feito desta edição do fórum, comparando com as anteriores? CÂNDIDO GRZYBOWSKI | Houve uma renovação. A presença jovem foi, talvez, maior que nos outros. Inclusive, jovens que deveriam ter 9 ou 10 anos de idade quando iniciamos este processo. Ou seja, é uma segunda geração de militantes que o fórum começou a criar. Isso garante certa permanência, mas o fórum teve vários outros aspectos novos. Primeiro, vir à região amazônica com uma perspectiva mais humanizada. Era uma região vista como reserva de recursos, não como um território com culturas e povos que têm ideias e, inclusive, soluções para colocar e superar essa crise econômica. Não só para superá-la, mas para pensar uma nova civilização, uma biocivilização. Vir aqui, neste contexto, foi extremamente importante. Mas este fórum também foi o de uma nova etapa do processo fórum. Porque ocorreu quando, finalmente, Davos já era. Agora somos nós, eles é que vão ter que se adaptar a nós. Vamos tentar mover a data do fórum para obrigá-los a nos responder. A gente precisa se desligar completamente deles, que foram derrotados. Não temos que ficar enterrando mortos. AT | Para o próximo ano, já há definição dessa nova data e cidade? CG | Não, para 2010 já havia uma decisão prévia. O conselho internacional do fórum vai se reunir hoje e amanhã, mas acho que não vai reverter esta deciCropped by pdfscissors.com

são, pela qual em um ano o evento é centralizado e em outro é um dia comum de mobilização em várias cidades do mundo. Falta definir o dia de mobilização. Só em 2011 teremos novamente um fórum como este. Vamos definir ainda, mas é provável que seja um fórum temático em Gaza. Mas não é que estamos esperando, a guerra pode ressurgir amanhã. Como cidadãos do mundo, temos que lutar pela paz e cidadania planetária.

CG | Eles participaram de um ou dois atos dentro de 2.300 aqui dentro. Para a mídia, talvez tenha funcionado assim, mas a mídia sempre nos distorceu, nunca captou a riqueza e diversidade do fórum. Ela pega o curioso. Felizmente, desta vez, ao pegar um ato político, usado como porta de entrada por nós, noticiaram o que eram incapazes de fazer. Não diziam para ninguém que falamos e mantemos contato com nossos aliados.

AT | A participação dos presidentes Lula, Chávez, Correa, Morales e Lugo não tirou um pouco o foco das discussões, de modo a deixar o fórum mais político que social?

AT | O Fórum Social Mundial foi cobrado este ano a oferecer uma solução para a crise econômica e financeira. Esta solução é o ‘socialismo do século XXI’, apresentada pelos presi-

dentes latino-americanos que aqui vieram, Chávez e seus aliados? CG | Esta é a resposta do Chávez e de alguns grupos que aderem a ela, mas são minoritários. Cabe a nós fortalecer a cidadania. Criar um fluxo de ideias, o mais abrangente possível, para gerar uma espécie de movimento de resistência, que pressione governos e leve o cidadão a, quando for votar, votar nos melhores para fazer mudanças. A máquina de governo são os governos que têm, não somos nós. Não existe falta de propostas, mas de correlação de forças. Estamos numa situação melhor agora, em que Davos está superado, porque há espaço a ocupar na política. Nossas propostas surgem do confronto. Não é uma questão de teoria ou análise, mas de as pessoas se convencerem de que têm que fazer alguma coisa, assim como foi a campanha da Ação pela Cidadania contra a Fome. Isso força os temas na agenda política. Se não for assim, não tem jeito. AT | O sociólogo português Boaventura de Souza Santos disse que considera fundamental o fórum divulgar um documento com suas posições sobre as questões mundiais, como a crise econômica e o conflito na Faixa de Gaza. É possível isso ocorrer? CG | Isso é contra a carta de princípios do fórum, teria que mudar a carta. Eu sou contra, porque um documento assim será o mínimo denominador comum, que empobrece toda a nossa riqueza e diversidade. Isso não nos fortalece, nunca fortaleceu. Sempre reduziu.


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