Estrada para a perdição

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CADERNO DEZ!

SALVADOR, TERÇA-FEIRA, 8/4/2008

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DERRETIMENTO NA ANTÁRTIDA

LKINS

EM 28 DE FEVEREIRO

A plataforma de gelo Wilkins está se desintegrando, conseqüência de aquecimento global. Em 15 anos, sua extensão teve uma redução de 19%

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da área de Salvador

DEPOIS DE UMA SEMANA Fonte IBGE, Nasa e Centro Nacional de Neve e Gelo da Universidade do Colorado Infografia Vitor Pamplona, Iansã Negrão e Vítor Rocha

1.800m

Estrada para a perdição frio da Antártida, faixas de gelo sólidas há milhares de anos estão virando história

Fenda na plataforma Wilkins: para cientistas, a Antártida está derretendo

VITOR PAMPLONA vpamplona@grupoatarde.com.br

O deserto de tranqüilidade que se estende pelos 14 milhões de quilômetros quadrados do continente antártico, no Pólo Sul, foi perturbado há pouco mais de um mês por um acontecimento que, para muitos ambientalistas, soou como o toque das trombetas do Apocalipse. Imagens de satélites operados pela Nasa, a agência espacial americana, e pela agência espacial de Taiwan mostraram uma fenda de 41 quilômetros rasgando o norte da plataforma Wilkins, faixa de gelo unida à Península Antártida – a porção de terra do continente gelado mais próxima da América do Sul, a 1.600 quilômetros da Terra do Fogo, no Chile. A fresta no gelo resultou em um imenso iceberg de 415 quilômetros quadrados [mais da metade da área de Salvador], que derrete pouco a pouco no mar, enquanto

desloca-se para o norte. Era 28 de fevereiro quando a Wilkins começou a ruir. A erosão, no entanto, não foi o que mais surpreendeu os cientistas. Em 1993, o pesquisador inglês David Vaughan previu que o norte da plataforma iria rachar. Mas, pelos cálculos do cientista, isso só ocorreria perto de 2025. Como a Wilkins fica na Antártida ocidental, região do planeta onde a temperatura mais sobe [0,5ºC a cada década desde os anos 1940], o derretimento significa uma coisa: o aquecimento global está mais rápido do que se imaginava. O próprio Vaugham, contudo, deu um banho de água fria nos alarmistas. Mas reconheceu o valor simbólico do gelo, pedaço a pedaço, desaparecendo no mar. “Embora não seja algo que vá gerar uma catástrofe imediata, tem um forte impacto icônico“, disse o inglês à BBC. Qualquer elevação do nível dos oceanos foi descartada a médio prazo. Mas isso não basta para tranqüilizar

muitos cientistas. O climatologista brasileiro Alberto Setzer, que trabalha parte do ano na Estação Antártica Comandante Ferraz, base operacional brasileira no continente, situa o derretimento de parte da Wilkins no já longo histórico de desaparecimento de plataformas de gelo na Antártida. Nos últimos 30 anos, seis delas sumiram do mapa. Antes da Wilkins, a última a desmoronar foi a Larsen B, que desapareceu

em 35 dias, em 2002. Tinha quase oito vezes o tamanho da porção da Wilkins que se desprendeu agora. Estava estável havia 12 mil anos, calculam cientistas. “Não estamos em condições de prever quando e como o derretimento na Antártida vai evoluir, mas é algo muito, muito preocupante“, alertou Vaughan. Uma coisa é possível afirmar: na medida em que o gelo some por causa do aumento da temperatura na Península Antártida, espécies de pássaros e pingüins migram para regiões mais ao sul para se reproduzir. Vão tentar sobreviver ao homem. JIM ELLIOTT | AFP PHOTO

NA REAL ❚ No


SALVADOR, TERÇA-FEIRA, 8/4/2008

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CADERNO DEZ!

Interior da Antártida segue a salvo Mil quilômetros ao norte de onde ocorreu o colapso da plataforma Wilkins, na Estação Antártica Comandante Ferraz, pesquisadores brasileiros podem observar o exôdo de animais marinhos e aves, enquanto monitoram o processo de derretimento de geleiras e a influência das mudanças climáticas do ambiente local no clima brasileiro. Ferraz fica justamente em uma das áreas que mais esquentou nos últimos 50 anos. Na região exata onde está localizada a estação, a temperatura subiu 1°C nesse intervalo de tempo, diz o glaciologista Jefferson Simões, um dos cientistas brasileiros que, alguns meses por ano, vai à Antártida pesquisar – geralmente no verão, quando as condições são menos inóspitas. Mas, perto de

Ferraz, ele assinala, existem determinadas áreas onde os termômetros marcam hoje em média 3ºC a mais do que há 55 anos. Simões é chefe do Núcleo de Pesquisas Antárticas e Climáticas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que faz todo o monitoramento brasileiro sobre o gelo antártico, cuja espessura atinge cinco quilômetros em alguns trechos do continente. Embora as pesquisas do núcleo confirmem o derretimento das geleiras na Península Antártida, fenômeno associado ao efeito estufa, nada preocupante foi detectado na parte central do continente, que segue preservada. “No interior da Antártida nada está ocorrendo com o gelo, pois é muito frio. A temperatura média é menor do que menos 50ºC“.

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Antártica é o nome da cerveja e Antártida o do continente? Nada disso. Os dois termos estão corretos. Antártica significa “oposta ao Ártico“ [anti + Ártico]. Já Antártida, segundo pesquisadores, vem de uma associação com a Atlântida, terra mitológica que originou o nome do oceano Atlântico.

Para monitorar as variações no gelo, trabalho feito no Rio Grande do Sul, os cientistas usam imagens de satélite. É a mesma ferramenta com que têm acompanhado o desaparecimento do iceberg formado por parte da Wilkins, plataforma que fica numa região de difícil acesso, onde só é possível chegar de avião. Com as imagens vindas do espaço, os pesquisadores do centro brasileiro de gelo e neve observam os restos do iceberg desprendido da plataforma. “Essas massas de gelo, após separarem-se da geleira-mãe, ficam à deriva no mar. Lentamente vão para o norte, derretendo no trajeto“, explica Simões. “Em média, leva dois anos para derreter todo este gelo“. Será mais um pedaço ancestral da Antártida a virar história.

Para céticos, culpa é da natureza ARDILES RANTE| AFP PHOTO| GREENPEACE| HO | 3.10.2007

Associar o colapso de plataformas de gelo na Antártida nos últimos anos a causas humanas não passa de uma grande besteira? Pois é exatamente isso o que defendem os “céticos do clima“, cientistas que não vêem qualquer relação entre o aquecimento global e a emissão desenfreada de dióxido de carbono na atmosfera. O principal argumento desses climatologistas é uma teoria desenvolvida pelo cientista dinamarquês Henrik Svensmark, segundo a qual a temperatura daTerra é determinada por raios vindos do espaço, e não pelas emissões de gás carbônico. Ao atingir os oceanos, esses raios cósmicos [partículas elétricas] provocam a evaporação da água e a conseqüente formação de nuvens. Pela teoria de Svensmark, a quantidade de raios que penetra no planeta depende da força do vento solar: quando este está fraco, mais raios cósmicos entram na atmosfera, o que aumenta a formação de nuvens e esfria o planeta. Por estarem mais fortes, os raios solares seriam, então, a maior causa do aumento da temperatura na Terra. Esta foi a principal tese do documentário The Great Global Warming Swindle [A Grande Fraude do

Ativista vestido de urso polar condena “cozimento” da Terra no encontro sobre mudanças climáticas, em Bali

Aquecimento Global], exibido ano passado pela televisão britânica Channel 4, e que colocou lenha na fogueira dos debates sobre as causas das mudanças climáticas. A idéia de que a culpa pelo aumento das temperaturas é da própria natureza, porém, levou um golpe no início deste mês, quando cientistas da Universidade de Lancaster [Inglaterra] divulgaram

um estudo com provas de que a radiação do Sol não teve relação significativa com o aquecimento global nos últimos 20 anos. A equipe de Lancaster comparou a temperatura em partes do planeta com a chegada forte ou fraca de raios cósmicos em diferentes períodos de tempo. Checaram então a formação de nuvens. Não encontraram nada.

Foi o segundo revés da teoria dos raios cósmicos em poucos meses. Em uma avaliação da tese feita no ano passado pelo Painel sobre Mudanças Climáticas da ONU [IPCC], foi concluído que, desde o início da rápida escalada das temperaturas nos anos 1970, os gases de efeito estufa contribuíram 13 vezes mais que a atividade solar para o aquecimento mundial.

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O futuro começou em Bangcoc Até o fim de 2009, cientistas e autoridades ambientais de países de todo o mundo irão praticar como nunca suas habilidades diplomáticas. Nesse espaço de tempo, numa série de conferências sobre as mudanças climáticas mundiais, eles irão tentar um feito inédito: aprovar um tratado para substituir o Protocolo de Kyoto com anuência dos Estados Unidos, cuja não-adesão a Kyoto comprometeu a redução das emissões de gases na atmosfera. Apesar da posição dos “céticos do clima”, estudos recentes praticamente formaram um consenso em torno da idéia de que atividades humanas são de fato a principal causa do efeito estufa e do conseqüente aumento das temperaturas. A primeira rodada da série de negociações terminou na última sexta, em Bangcoc, na Tailândia. Tudo saiu como o script desenhado em Bali [Indonésia] no final do ano passado, quando todos os países filiados à ONU assumiram o compromisso histórico de negociar um novo tratado climático: foi uma semana de conversa em solo tailandês, sem decisões importantes. Os participantes já previam isso, já que o novo acordo deve trazer mudanças substanciais em relação ao tratado atual, a começar pelo número de países obrigados a reduzir suas emissões. Pelo Protocolo de Kyoto, apenas 37 nações ricas deveriam lançar menos gases na atmosfera [redução de 6% por ano até 2012, em relação aos níveis praticados em 1990]. Para ‘Kyoto 2’, a ONU deseja impor limites a todos os países. É onde está a principal divergência, pois locomotivas em franco desenvolvimento como China e Índia se negam a dividir o ônus da redução com os países ricos, responsabilizados pela maior parte do efeito estufa. A ONU quer o novo tratado em vigor no final de 2009, para dar conhecimento às indústrias sobre as mudanças e tempo aos parlamentos nacionais para ratificar o acordo antes de 2012, quando Kyoto chega ao fim.


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