Imagens do abandono

Page 1

DOM

SALVADOR 23/5/2010

SEG PERSONA TER POP QUA VISUAIS QUI CENA SEX CINE SAB LETRAS HOJE SHOP

2

EDITOR-COORDENADOR: ADALBERTO MEIRELES / DOISMAIS@GRUPOATARDE.COM.BR Elifas Andreato /Divulgação

MÚSICA NOVO DISCO DE MARTINHO DA VILA, POETA DA CIDADE, HOMENAGEIA O CENTENÁRIO DO COMPOSITOR NOEL ROSA

8

CINEMA O FILME SURPRESA EM DOBRO É UMA COMÉDIA NA LINHA ‘RIA SE PUDER’

7

IMAGENS DO

ABANDONO PRESERVAÇÃO Expostos ao sol e às intempéries, vários monumentos que representam a história da Bahia sofrem com a falta de manutenção e mostram sinais de deterioração. A Prefeitura promete recuperar dez deles até o 2 de Julho

Estátua do poeta Castro Alves: sinais de sujeira e desgaste

Marco Aurélio Martins / Ag. A TARDE

VITOR PAMPLONA

O bronze fundido que dá forma a bustos e estátuas é capaz de resistir a golpes de martelo, mas levanta a guarda diante da omissão. Criados à imagem e semelhança de poetas, heróis e personalidades históricas, dezenas de monumentos públicos de Salvador exibem sinais de abandono: sujeira, oxidação e descuido comprometem até mes-

mo símbolos da história e identidade da Bahia, como o monumento ao 2 de Julho, no Campo Grande. Restaurada há 15 anos, a obra coleciona marcas de ferrugem e manchas na coluna que sustenta a figura do Caboclo. A escultura ainda ostenta vestígios do furto de duas hastes do gradil que a circunda e plantas que podem prejudicar a estrutura.

Coberta por fezes de muitas gerações de pombos, a estátua do Barão do Rio Branco, no largo de São Pedro, não enxerga mais todos os dedos das figuras infantis em torno de si. Tampouco os adornos no pedestal. Caso ainda mais grave é o do chafariz do Terreiro de Jesus, no Pelourinho. Sem manutenção, a peça construída na França há 150 anos está consumida pela ferrugem, tem estátuas descas-

cando e ornamentos corroídos. A TARDE ouviu especialistas em patrimônio e em recuperação de monumentos para apontar as principais falhas de conservação. A Prefeitura de Salvador anunciou que pretende revitalizar, até o 2 de Julho, dez das 179 peças catalogadas pela Fundação Gregório de Mattos na cidade. LEIA MAIS NA PÁGINA 4

IMAGENS ILUSTRATIVAS. CRÉDITO SUJEITO A APROVAÇÃO PELO AGENTE FINANCEIRO. PROMOÇÃO EXCLUSIVA PARA O MILLE WAY ECONOMY 4P, 2010/2010, PINTURA METÁLICA, BÁSICO. PROMOÇÃO VÁLIDA SOMENTE ENQUANTO DURAR O ESTOQUE DA MARVEL. A MARVEL SE RESERVA O DIREITO DE CANCELAR ESTA PROMOÇÃO, SEM AVISO PRÉVIO, NA OCORRÊNCIA DE POSSÍVEIS ERROS GRÁFICOS QUE POSSAM INTERFERIR NO VALOR ANUNCIADO


4

2

SALVADOR DOMINGO 23/5/2010

ACERVO CONFIRA NO SITE DA FUNDAÇÃO GREGÓRIO DE MATTOS ÁREA DEDICADA AOS SÍTIOS HISTÓRICOS DE SALVADOR

PATRIMÔNIO Escultura ou conjunto de esculturas, em homenagem à memória de pessoa ou acontecimento

15

monumentos memoriais

Elemento de demarcação para fato representativo

11 4

16

Memorial a Clériston Andrade, de Mario Cravo Jr., 1983. Avenida Garibaldi

marcos painéis

Estátuas, fontes, bustos e outras expressões artísticas localizados em áreas públicas são patrimônio da cidade, que é responsável por sua conservação. São de interesse público porque estão ligados à memória, à história, ao folclore e à identidade de uma comunidade. Entenda as diferenças entre eles e veja quantos existem em Salvador

Fonte do Tororó, autor desconhecido,século XIX, Tororó

fontes públicas

34

fontes luminosas

27 7

8 Herma de Luiz Gama, de Jair Brandão, 1951, Largo do Tanque

ESCULTURA

MAUSOLÉU

Forma em três dimensões, criada com diferentes técnicas (esculpida, talhada, modelada)

Monumento fúnebre em homenagem a um líder ou figura importante

Mausoléu de Julio David, autor desconhecido, século XX. Cemitério do Campo Santo

4 27

ORATÓRIO

Nicho com imagens de santos, destinado à devoção

Símbolo da causa abolicionista, o escravo localizado na base da coluna que sustenta a estátua de Castro Alves, na praça que tem o nome do poeta, perdeu a mão esquerda. Especialistas afirmam que é a segunda vez que isso acontece

4 Oratório Nossa Senhora de Fátima, autor desconhecido,século XX. Ondina

Iemanjá ou Sereia de Itapuã, Mario Cravo Jr., 1958, Avenida Otávio Mangabeira

ESTÁTUA

BUSTO

Escultura de figura humana ou animal, em representação realística de tamanho variado

Representação de uma figura humana (cabeça, pescoço, ombros, princípio do tronco)

EFÍGIE OU MEDALHÃO

Perfil de rosto gravado em suporte que pode ser retangular ou em forma de medalha

22

34 VÃO-SE OS DEDOS

9

Barão do Rio Branco, Pasquale de Chirico, 1919. Praça do Relógio de São Pedro

Efígie de Mestre Bimba, de M. Kruchewsky, 1982. Amaralina

Busto Dodô e Osmar, de Herbert Viana de Magalhães, 1998. Centro Histórico

Infografia Mauro Girão / Fonte: Fundação Gregório de Mattos

Lunaê Paracho / Ag. A TARDE

Lunaê Paracho / Ag. A TARDE

Lunaê Parracho /Ag. A TARDE

FERRUGEM E PARTES PERDIDAS

1

Esculpido em ferro fundido, o chafariz do Terreiro de Jesus (Pelourinho) está oxidado e já perdeu adornos originais

2

A escultura da Sereia de Itapuã, construída pelo artista plástico Mario Cravo e instalada em 1958, apresenta buracos e sinais de desgaste

MÁRMORE E MUSGO Na Barra, a estátua do Jesus Cristo Redentor está suja e encardida. O musgo cobre parte de uma das mangas. Esculpida em mármore em 1920, na cidade de Gênova (Itália), a estátua é mais uma obra do italiano Pasquale de Chirico em Salvador

rio Mendonça, coordenador do laboratório de restauração da Ufba, não vacila: “O problema é a falta de consciência. É preciso fazer uma manutenção periódica. No mínimo uma vez por ano e com gente qualificada“. Ao lado da professora Cybele Santiago, vice-coordenadora do laboratório, Mendonça expõe uma preocupação: a limpeza de

3

Doada pela Associação Cultural Argentino-Brasileira na Bahia, o busto do general San Martín, líder das lutas de independência da Argentina, Chile e Peru, cai aos pedaços

esculturas com materiais inadequados, o que tem observado em décadas de pesquisa com bronze, ferro fundido, concreto e granito. Entre os mais danosos, enumera ácidos, solventes e jatos de vapor quente e de areia. “Desfiguram as obras“. Especialista com formação na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Ufba, em Veneza e

Fotos Marco Aurélio Martins / Ag. A TARDE

Orixás do Dique serão recuperados 12 anos depois da inauguração As 12 esculturas de orixás do artista plástico Tatti Moreno, que transformaram o Dique do Tororó em uma das paisagens mais fotografadas de Salvador, serão restauradas em seis meses. O trabalho foi iniciado no começo de maio pelo escultor, oito meses depois de A TARDE revelar o estado de má conservação das obras. Segundo Tatti Moreno, a Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Conder), órgão que administra o Dique, concordou em contratá-lo para recuperar as peças inauguradas em 1998. O valor previsto do repasse é de R$ 208 mil, que incluem os gastos com material. Em 12 anos de existência, os orixás do Dique só passaram por reparos duas vezes e, numa delas, apenas receberam uma nova mão de tinta.

Raízes

SEM CORRENTES E MÃO

Dedos das figuras indígenas que representam a região Norte estão corroídos no monumento ao Barão do Rio Branco, no Largo de São Pedro. Como a estátua de Castro Alves e o monumento ao 2 de Julho, a obra foi feita por Pasquale de Chirico

Elemento arquitetônico. Algumas fontes públicas e chafarizes ainda fornecem água potável. Fontes luminosas têm água comum

Cruz Caída, Mário Cravo Júnior, 1999, Centro Histórico

Busto ou figura em meio corpo sobre pedestal

OBRAS DE ARTE PÚBLICAS

FONTE LUMINOSA E FONTE PÚBLICA

11 5

HERMA

VITOR PAMPLONA

Conservação

MARCO OU PAINEL

MEMORIAL OU MONUMENTO

Especialistas apontam falta de consciência para preservar

Ao observar o estado de alguns monumentos, o professor Má-

5

www.culturafgm.salvador.ba.gov.br

MONUMENTOS Dona do único mestrado em conservação, cidade abandona obras

'Stamos em pleno mar... – anuncia Castro Alves no início de O Navio Negreiro. O leitor reconhece o espaço das tragédias e devaneios do poeta: no poema e na paisagem, o mar resiste. Mas em terra firme, na praça do povo, o abandono compromete a imagem esculpida do poeta dos escravos. O visitante atento às marcas do tempo percebe os pontos de corrosão. Fundido em bronze pelo escultor italiano Pasquale de Chirico, o monumento onde estão depositadas os restos mortais de Castro Alves (1847-1871) espera por reabilitação. A estátua do poeta, erguida em 1923 ao alto da coluna que ocupa, ao menos está inteira, ao contrário da figura do escravo na base do monumento. Livre de grilhões, este perdeu uma das mãos. Longe do Centro Histórico, a lista de monumentos públicos danificados em Salvador acompanha o traçado da orla atlântica. Em Itapuã, na Pedra da Sereia, a escultura de Iemanjá tem buracos e vários pontos de ferrugem. No Parque Costa Azul, o busto do general argentino San Martin está rachado e perdeu parte do ombro. No Largo da Mariquita (Rio Vermelho), outra escultura de Iemanjá projeta-se para o mar suja, enferrujada e parcialmente coberta de musgo. O descuido com peças no Centro Histórico e Cidade Baixa é o mesmo. Ironicamente, a capital baiana é uma das poucas cidades do País a contar com um mestrado profissional em conservação e restauração de monumentos e a única do Brasil onde existe um laboratório especializado em recuperação de obras, o Núcleo de Tecnologia da Preservação e da Restauração da Universidade Federal da Bahia (NTPR), abrigado na Escola Politécnica. Coordenadora do mestrado, que funciona na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Ufba, a arquiteta Eloísa Petti Pinheiro tem uma explicação: ao contrário das universidades, onde nas últimas décadas emergiram os estudos sobre patrimônio urbano e valorização social do passado, os poderes públicos e a sociedade ignoram a importância e significado dos monumentos. “Temos laboratórios e cursos especializados nesta área, mas não há muita solicitação, sobretudo da prefeitura. O diálogo é difícil“, diz Eloísa. Sem a proteção institucional, as obras de arte em praça pública refletem, na opinião da pesquisadora, o valor dado ao patrimônio e à história. “As pessoas, poder público inclusive, não se reconhecem nos monumentos porque desconhecem sua história“, aponta. “A mesma coisa ocorre com o Centro Histórico de Salvador. Os moradores da cidade não o visitam porque não o consideram parte das suas vidas“. Para Eloísa, a inexistência de um órgão especializado na conservação do patrimônio na esfera municipal é um bom indício da falta de importância dada às obras.

2

SALVADOR DOMINGO 23/5/2010

Florença, ele lamenta o desinteresse da administração municipal em fazer parcerias com o laboratório. “Temos pessoal altamente capacitado para este tipo de serviço, mas desde que o atual prefeito (João Henrique) assumiu, nunca mais trabalhamos com a prefeitura“. As condições climáticas de Salvador – sol forte aliado à umi-

dade e chuvas constantes – dificultam a preservação, afirma o restaurador e professor José Dirson Argolo, da Escola de Belas Artes da Ufba. “Mas o problema maior é a falta de educação. Não se incentiva o conhecimento das obras e a sua importância histórica e artística“, diz Argolo, responsável pela equipe que conduziu a última reforma do

monumento ao Dois de Julho, no primeiro mandato de Antônio Imbassahy.

Prefeitura

Para o especialista, a parcela de culpa do governo não é maior do que a omissão da sociedade. “Só defendemos o que amamos e só amamos o que conhecemos“, resume.

Responsável direto pela manutenção dos monumentos, o gerente de Sítios Históricos da Fundação Gregório de Mattos (autarquia responsável pela política cultural do município), Marco Antônio da Rocha, diz que a prefeitura começou a vistoriar as obras há dois anos com objetivo de recuperar as degredadas. O plano, no entanto, não

teria sido posto em prática devido à quantidade e complexidade dos reparos. Em nota enviada pela fundação, a prefeitura promete reparar dez monumentos até o 2 de Julho (leia texto ao lado). A lista inclui o próprio monumento ao 2 de Julho, a estátua de Castro Alves, o busto do general Labatut (Lapinha), o

marco do 4º centenário de Salvador (Centro), a estátua do Barão do Rio Branco (Largo de São Pedro) e o busto do bispo Sardinha (Praça da Sé). O comunicado afirma que o projeto, além de recuperar peças, prevê a confecção de uma cartilha sobre a história dos monumentos, a ser distribuída na rede municipal de ensino.

Na edição de 27 de setembro de 2009, A TARDE mostrou com exclusividade que as esculturas estavam enferrujadas e com o revestimento em tinta e verniz descascando. Mais preocupante, as raízes de uma planta nascida nas costas da figura do Oxalá ameaçavam a estrutura da peça. “Houve rachadura“, confirmou Tatti Moreno em entrevista por telefone na última sexta-feira. Feliz após “dois anos de tentativas“, o artista agora espera pela resposta da Conder à sua proposta de ser contratado como mantenedor definitivo do conjunto de esculturas. “O presidente da Conder (Milton Villas-Bôas) prometeu fazer um contrato de manutenção depois do trabalho de recuperação“, disse Moreno. O valor proposto para conservar as peças é o mesmo de nove meses atrás: R$ 5 mil mensais. “Fazer contratos deste tipo é o ideal, não só para o Dique, mas para todos os monumentos públicos da cidade“ , propõe. “Os orixás do Dique são para mim a minha maior obra. E é triste para um artista ver o desgaste em um trabalho“. Tatti Moreno argumenta que é mais barato fazer a manutenção de obras públicas do que ter de recuperá-las de tempos em tempos. “Com um simples empregado fazendo vistorias, qualquer problema seria previamente detectado“. Reformado em 1998 a um

A escultura de Oxalá tem uma planta na altura da cabeça Reprodução

custo de R$ 3,5 milhões (valor da época), durante a administração do ex-governador Paulo Souto, o Dique do Tororó tem quatro esculturas de orixás em terra e oito sobre a água.

Conselho

A TARDE publicou reportagem sobre estátuas em setembro

As figuras do círculo central representam Iemanjá, Nanã, Oxum, Iansã, Xangô, Oxalá, Logunedê e Ogum. Espalhadas em uma das margens ficam Eobá, Oxumaré, Oxóssi e Euá. A escolha e a posição dos orixás foram aconselhados pela ialorixá Mãe Stella de Oxóssi. A recuperação das quatro esculturas em terra já foi iniciada. Amanhã está previsto o começo do trabalho no conjunto de orixás sobre as águas, que será feito com ajuda de balsas. COLABOROU DIEGO DAMASCENO

Prefeitura promete restaurar monumentos para o 2 de Julho Procurada por A TARDE, a Fundação Gregório de Mattos repassou nota em que o secretário municipal Carlos Soares (Educação, Cultura, Esporte e Lazer), que acumula a presidência do órgão, afirma que “não medirá esforços“ para revitalizar os monumentos históricos de Salvador. A promessa é acompanhada pela garantia de entregar as primeiras obras até o dia 2 de julho. A data foi escolhida tendo em vista as comemorações pela Independência da Bahia. De acordo com a Fundação Gregório de Mattos, o trabalho começa pela recuperação de dez monumentos que ficam no circuito do cortejo, da Lapinha ao Pelourinho e da Praça Municipal ao Campo Grande. Por e-mail, o gerente de Sítios Históricos da FGM, Marco Antônio da Rocha, afirmou que nos últimos dois anos vistorias rotineiras têm sido realizadas. “Devido à quantidade e complexidade dos trabalhos, envolvendo na maioria das vezes mão-de-obra especializada, não conseguimos cumprir com nossas metas“, argumenta. Rocha afirma ainda que a atual ad-

Letreiro do monumento ao bispo Sardinha, na Sé: sujo e arrancado

ministração recuperou seis monumentos, entre eles a a estátua de Cristóvão Colombo (Largo da Mariquita) e o busto de Cosme de Farias (fim de linha de Cosme de Farias).

Tempo

Os especialistas ouvidos por A TARDE foram unânimes em afirmar que o intervalo de aproximadamente um mês e dez dias – que resta até o 2 de Julho – é insuficiente para revitalizar dez monumentos, como anunciou a prefeitura. “Em um mês só é possível fazer um trabalho sério em uma escultura, e olhe lá. A não ser que apenas passem água e sabão“, ironizou o pesquisador Mário Mendonça, coordenador do Núcleo de Tecnologia da Preservação e Recuperação de monumentos (NTPR) da Ufba. O restaurador José Dirson Argolo, que foi procurado pela prefeitura para vistoriar obras, acredita que um trabalho adequado só é possível em no máximo duas peças. A limpeza seria realizada por uma microjateadora, equipamento que expele ar comprimido com microesferas de vidro.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.