Morre Claude Chabrol, 'pai' e ícone da nouvelle vague

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2 Morre o cineasta Claude Chabrol, “pai“ e ícone da nouvelle vague francesa 8

SALVADOR SEGUNDA-FEIRA 13/9/2010

LUTO Diretor tinha 80 anos e sofreu insuficiência cardíaca em Paris, deixando órfão o cinema mundial

VITOR PAMPLONA

Um dos mais produtivos diretores do cinema francês, Claude Chabrol morreu de insuficiência cardíaca na manhã de ontem, em Paris, cidade onde nasceu. Tinha 80 anos de idade e, em pouco mais 60 anos de atividade, produziu 57 filmes e 14 séries para a televisão. Era considerado o “pai fundador“ da nouvelle vague por ter realizado, em 1958, Nas Garras do Vício. Inspirado em A Sombra de Uma Dúvida, de 1943, dirigido por Alfred Hitchcock, o filme antecipou a eclosão do movimento no ano seguinte, com Os Incompreendidos, de François Truffaut, e Acossado, de Jean-Luc Godard. Nascido em 24 de junho de 1930, Claude Chabrol estudava farmacologia, ciências políticas e literatura quando arrumou um emprego no setor de publicidade da filial francesa dos estúdios Fox. O contato com as produções norte-americanas foi decisivo para desenvolver o interesse pelo cinema. Crítico desde a adolescência, teve atuação marcante na revista Cahiers du Cinema, o quartel-general das teorias do cinema de autor detonadas pela geração de Godard, Truffaut, Eric Rohmer e Jacques Rivette. Após a estreia como diretor em 1958, Chabrol escreveu e realizou Os Primos, grande sucesso de público e crítica, premiado com o Uso de Ouro no Festival de Berlim de 1959. Desde então, não parou mais de produzir, fazendo quase um filme por ano (seu último trabalho, um telefilme em dois episódios, foi exibido este ano pela televisão francesa). Entre suas principais realizações estão, além de Nas Garras do Vício e Os Primos, A Besta Deve Morrer e A Mulher Infiel, de 1969, O Açougueiro e Trágica Separação, de 1970, e A Teia de Chocolate, de 2000. Na maioria delas, expôs seu olhar sobre os valores da sociedade burguesa, desestruturados por paixões incontidas e, por vezes, violentas. É o que acontece em O Açougueiro, no qual o personagem do título, um homicida em potencial, se torna amigo e assedia uma professora, que recusa seu amor por estar desiludida com uma paixão recente não correspondida por um aluno.

Ele também foi comparado a Hitchcock, de quem sempre foi um grande admirador

seado na história real de uma garota de 19 anos condenada por envenenar o pai e tentar assassinar a mãe, o filme revelou Isabelle Huppert, que faturou o prêmio de Melhor Atriz na competição. Também provocou diversas comparações com Alfred Hitchcock, de quem Chabrol sempre

foi grande divulgador e admirador. Sobre o diretor britânico, o francês escreveu, em parceria com Eric Rohmer, um estudo fundamental da obra hitchcockiana, que mudou para sempre a visão da crítica mundial a respeito de seus filmes, antes considerados rasteiros e depois autenticamente autorais. Phillipe Wojazer / AFP

“Não existe nouvelle vague (nova onda). Só o mar. CLAUDE CHABROL (1930-2010) Cineasta francês

PARA ENTENDER O AUTOR 1958 Nas Garras do Vício (Le Beau Serge) revela o diretor com a história de um homem que retorna ao vilarejo da sua infância e dedica atenção a um amigo com problemas 1959 Os Primos (Les Cousins) mostra, com sutileza, a juventude da França nos anos 1950 1960 Quem Matou Leda? (A Double Tour) é seu primeiro thriller psicológico 1968 O ousado As Corças (Les Biches) fala de amor e morte entre duas mulheres 1968 A Mulher Infiel (La Femme Infidèle) tem como protagonista a musa do cineasta, Stéphane Audran 1970 O Açougueiro (Le Boucher) é considerado por muitos seu melhor filme 1991 Madame Bovary é adaptação do romance de Flaubert, com Isabelle Huppert no papel principal 2000 A Teia de Chocolate (Merci pour le Chocolat) transforma comédia em thriller sobre relações falidas 2006 A Comédia do Poder (L'ivresse du pouvoir) vê um escândalo de corrupção como parte da sociedade do espetáculo

Huppert e Hitchcock

Na década de 1970, Chabrol deu início à produção para a televisão. Pouco significativo em comparação com sua produção anterior, o período foi interrompido em 1978, com Violette Nozière, vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes. Ba-

Formada por altos e baixos, a obra de Chabrol alcançou sua máxima expressão quando o cineasta aliou apuro técnico e distanciamento objetivo dos personagens, características que justificam seu reconhecimento pela crítica como um mestre do “thriller psicológico“, na esteira de seu grande ídolo Hitchcock.

O diretor de cinema francês se caracterizou pelo perfeccionismo na estruturação de sua narrativa

2007 Uma Garota Dividida em Dois (La fille coupée en deux): humor e obsessão por uma garota do tempo

Chabrol foi um mestre da mise-en-scène ANDRÉ SETARO Crítico de cinema

Claude Chabrol foi um dos integrantes do triunvirato da Nouvelle Vague (os outros: François Truffaut e Jean-Luc Godard). Do trio fundador, resta apenas Godard. Sobre ter uma trajetória irregular, cedendo, algumas vezes, ao comercialismo para tentar sobreviver sem fazer outra coisa, Chabrol sempre se caracterizou, no entanto, por um perfeccionismo na estruturação de sua narrativa, um sentido agudo na observação de comportamento, na pintura dos costumes e hábitos de seu país e, principalmente, na visão irônica e ácida da sociedade burguesa. Com a sua morte, o cinema francês perdeu um mestre da mise-en-scène. Sabia, como poucos, usar a lente certa no ângulo preciso, construindo sempre uma narrativa econômica e enxuta. Com a herança recebida por sua mulher, resolveu aplicá-la na produção de filmes, e despontou como diretor em Nas Garras do Vício (Le Beau Serge), um ano antes da eclosão da NV com Os Incompreendidos (Les Quatre-cents Coups), de Truffaut, e Acossado (A Bout de Souffle), de Godard, ambos de 1959, considerado o ano mágico do cinema francês. Em seguida realizou Os Primos (Les Cousins) e emprestou dinheiro para estreias de Jacques Rivette e Eric Rohmer. Mas os recursos, que não são eternos, acabaram. Depois de Quem Matou Leda (A Double tour), para continuar a fazer filmes, cedeu ao esquema mais comercial até se reabilitar com As Corças (Les Biches) em 1968, fazendo, a seguir, três pérolas cinematográficas, obras de antologia: A Mulher Infiel (La Femme Infidèle), O Açougueiro (Le Boucher) e Trágica Separação (La Rupture), todos com Stéphane Audran, sua nova esposa e musa. Seus últimos trabalhos são exemplares de seu rigor na construção da narrativa: A Teia de Chocolate (Merci pour le Chocolat), A Dama de Honra (La Demoiselle D'honneur), A Comédia do Poder (L'ivresse du Pouvoir), Uma Garota Dividia Em Dois (La fille coupée en deux). Com Isabelle Huppert, tem filmes expressivos como Um Assunto de Mulheres (Une affaire des Femmes), Mulheres Diabólicas (La Ceremonie) e Madame Bovary (adaptação do clássico de Flaubert). Se se pode dizer que, na boa literatura, há o prazer da leitura, o mesmo se pode afirmar em relação à mise-en-scène de Chabrol. Que Godard permaneça ainda vivo por muitos anos. ANDRÉ SETARO É AUTOR DE ESCRITOS SOBRE CINEMA – TRILOGIA DE UM TEMPO CRÍTICO (AZOUGUE EDITORIAL E EDUFBA)


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