Requalificação Urbana através da Habitação de Interesse Social | TFG1 | FAU | UFRJ | 2019.2

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REQUALIFICAÇÃO URBANA ATRAVÉS DA

HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL


BANCA EXAMINADORA

REQUALIFICAÇÃO URBANA ATRAVÉS DA

HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL Orientador: Prof.º Dr. Mauro Cesar Santos

Avaliadora Interna: Maria Lucia Pecly

Avaliador Externo: Thiago dos Santos Rangel

Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade de Arquietura e Urbanismo Trabalho Final de Graduação I VIvia Luanna Bezerra da Silva DRE 114186788 Orientador Prof.º Dr. Mauro Cesar Santos

Rio de Janeiro Novembro de 2019


“Ralph Erskine disse uma vez que, para ser um bom arquiteto, você precisa amar as pessoas. Porque arquitetura é uma arte aplicada e lida com a moldura da vida das pessoas. Os edifícios emolduram nossas vidas.” JAN GEHL


Esse trabalho é a resposta de todo o amor e apoio que, mesmo de longe, recebi da minha mãe e da minha irmã! Dedico uma das minhas maiores conquistas a vocês duas, que são a razão de todas as coisas boas que me acontecem e o motivo das ruins não me atingirem tanto. Minha base, meu espelho e meu escudo. Obrigada por acreditarem em mim e no meu sonho! Escolhi vocês nessa e escolheria em outras mil vidas, obrigada por me aceitarem também. Eu mais que amo vocês!


AGRADECIMENTOS Primeiramente a Deus e toda espiritualidade que me cerca, de onde vem a força e sabedoria para desenvolver e finalizar esse trabalho. A minha família, há quem tornei-me rara, pouco física, e tenho muitos abraços pendentes para dar, pois sei que mensagem nenhuma reduz a amplitude da saudade. Obrigada por se fazerem presentes na minha vida de outras formas. Sempre me apoiando, compreendendo, inspirando e contribuindo para que eu chegasse até aqui. Fui a primeira dessa família a entrar em uma universidade pública e com certeza não serei a última. Aos meus amigos FAUnianos e não FAUnianos que conheci durante essa caminhada e, também, aos amigos que moram longe, há quem diante da minha vontade de abraçar o mundo, tive que aprender a abraçar em pensamento. Obrigada por toda a paciência, apoio e carinho, não tenho dúvidas que esse percurso, que possui algumas angústias, foi muito mais fácil com vocês por perto. Em especial a Deborah Scarparo, Luana Toya, Gabriela Torisselli, Thaísa Massacesi, Marcela Kaiuca, Mariana Neves, Mariana Paumgartten, Gabriela Zago, Juliana Dias, Rafael Martins, Tayara Fontana, Amanda Silveira, Juliana Giazzon, Greta Seibt, Isadora Ceretta e Daniel Acosta. Obrigada pela colaboração, críticas, auxílio, motivação e apoio nas horas desesperadoras dessa trajetória. Por fim agradeço ao meu orientador, Mauro Santos por sua instrução e por compartilhar comigo seu conhecimento, paciência e atenção durante os momentos mais difíceis e confusos do desenvolvimento deste trabalho. A todos que de alguma forma contribuíram que eu chegasse até aqui e me inspiraram por minha trajetória, meu mais sincero obrigada!


Figura 2. EdifĂ­cio Esqueleto. Rio de Janeiro, RJ. Acervo pessoal, 2019


RESUMO

ABSTRACT

Tratando o tema de habitação não como um estudo que se encerra no desenho da unidade ou do prédio, mas como um elemento da cidade, que impulsiona a melhoria dos espaços urbanos, o presente trabalho consiste em um projeto de habitação de interesse social, em um edifício esqueleto, localizado na região central da cidade do Rio de Janeiro, com o objetivo de requalificar a área em que está inserido. Desta forma, o que se pretende realizar não é apenas dar um uso habitacional para um edifício em ruínas, mas sim um redesenho de todo o conjunto, pensando nas possibilidades que a remodelação do espaço em análise tem a oferecer para a população, adicionando uma nova camada de tempo que evidencia e dialoga com a preexistência, de modo a gerar uma nova relação entre edifícios e entorno, contribuindo no planejamento e na gestão urbano-habitacional, tencionando usos e sugerindo novas formas de apropriação do espaço urbano. Além disso, busca-se identificar os fatores que contribuíram para as mudanças ocorridas no arranjo da população e da família brasileira e, também, maneiras de intervir na cidade preexistente de modo a criar uma nova urbanidade, tendo um olhar diferente sobre a tipologia do edifício, as unidades habitacionais e o espaço urbano adjacente. Dessa forma, beneficia-se os moradores, os transeuntes e cria-se uma nova linguagem de bairro, respeitando a cultura, a identidade e a complexidade do lugar.

Dealing with the subject of housing not as a study that ends in the design of the unit or building, but as an element of the city, which drives the improvement of urban spaces, the present work consists of a housing project of social interest, in a skeleton building, located in the central region of the city of Rio de Janeiro, in order to requalify the area in which it is inserted. Thus, the aim is not only to give a residential use to a ruined building, but also a redesign of the whole set, thinking about the possibilities that the remodeling of the space under analysis has to offer to the population, adding a new time layer that evidences and dialogues with preexistence, in order to generate a new relationship between buildings and surroundings, contributing to the planning and urban-housing management, intending uses and suggesting new ways to appropriate the urban space. In addition, this project intends to identify the factors that contributed to the changes in the arrangement of the Brazilian population and family, and also ways of intervening in the pre-existing city in order to create a new urbanity taking a different look at the building typology, housing units and adjacent urban space. Thus benefiting residents, passers-by and creating a new neighborhood language, respecting the culture, identity and complexity of the place.

Palavras-chave: habitação social; requalificação urbana; edifício esqueleto; flexibilidade; espaço urbano; necessidades.

Keywords: social housing; urban requalification; skeleton building; flexibility; urban space; needs.


SUMÁRIO 1_INTRODUÇÃO

pg. 10

2_CONTEXTUALIZAÇÃO

4_ÁREA DE INTERVENÇÃO um

situação e localização

pg. 29

dois

planos e projetos para a área portuária

pg. 31

o porto maravilha

pg. 33

um

déficit habitacional

pg. 12

três

dois

panorama geral

pg. 13

quatro plano de habitação social para o porto

pg. 35

três

a produção de habitação social no Brasil

pg. 14

cinco

dados demográficos e socioeconômicos

pg. 36

quatro instrumentos de habitação no Brasil

pg. 15

seis

delimitação da área de intervenção

pg. 38

cinco

evolução urbana e habitação no Rio de Janeiro

pg. 17

sete

equipamentos e entorno

pg. 39

seis

habitação em centros urbanos

pg. 19

oito

mapeamento

pg. 40

sete

habitação e generalização de famílias

pg. 19

nove

legislação

pg. 42

oito

arquitetura fléxivel como alternativa a padronização

pg. 20

dez

planos e projetos para área de intervenção

pg. 43

onze

situação atual

pg. 48

3_REFERÊNCIAS PROJETUAIS um

voide space | hinged space housing

pg. 23

dois

gifu kitaga apartments building

pg. 25

5_DIRETRIZES um

diretrizes gerais

pg. 54


6_PROPOSTAS um

núcleo 1

pg. 57

dois

núcleo 2

pg. 58

três

núcleo 3

pg. 58

três

núcleo 4

pg. 59

7_BIBLIOGRAFIA

pg. 62


Figura 3. EdifĂ­cio Esqueleto. Rio de Janeiro, RJ. Acervo pessoal, 2019


INTRODUÇÃO O presente Trabalho Final de Graduação tem como proposta a requalificação urbana através da elaboração de um projeto para habitação de interesse social em um edifício em ruínas, localizado no bairro do Santo Cristo, na Região Portuária da cidade do Rio de Janeiro. Região esta que, com a concepção do Porto Maravilha, recebeu investimentos massivos nos últimos anos, visando a recuperação da infraestrutura urbana, dos transportes, do meio ambiente e dos patrimônios histórico e cultural da região que engloba, na íntegra, os bairros do Santo Cristo, Gamboa, Saúde e trechos do Centro, Caju, Cidade Nova e São Cristóvão. As intervenções urbanas como a do Porto Maravilha, ocorrem em locais com significados simbólicos para as cidades e começaram a ganhar força a partir da década de 80, entretanto, esse processo atrai a atenção do mercado imobiliário, que tem como foco as classes mais altas, enquanto os moradores mais pobres desses locais acabam sendo negligenciados e são forçados a se retirar dado o aumento do custo de vida. O que gera um fenômeno paradoxal, pois, ao mesmo tempo em que intervenções urbanas são feitas para preservar a história, a cultura e a memória de certos locais, a população que é responsável pela manutenção dessa multiplicidade de culturas e identidades acaba por ser, em parte, eliminada. Neste contexto, entendendo a necessidade de ampliação de ofertas de habitação popular no centro, desenvolve-se a proposta com o intuito de amenizar os impactos negativos da atual configuração e também meios de se aproveitar do que a configuração atual já oferece, diminuindo a segregação e melhorando a integração do lazer com a vida urbana. A proposta favorece a melhora da qualidade de vida da região, com uma ocupação permanente que procura tornar a área mais ativa evitando assim o esvaziamento noturno da área que se torna propicia a marginalização. Porém, para garantir o objetivo proposto, o vínculo da população com o entorno é essencial, a criação de espaços públicos para convivência, atividades culturais, para maior envolvimento social, torna o lugar mais dinâmico e assim viabiliza uma maior revalorização da área, tratando o espaço público como aglutinador social que deve atrair a população e não excluí-la. Busca-se propor um planejamento urbano que se aproxime da dinâmica real das ruas, se comunique diretamente com a vida cotidiana, incentivando a diversidade e a integração comunitária nos espaços urbanos, promovendo a convivência em espaços públicos e o compartilhamento de experiências conhe-

cimentos de maneira coletiva, humanizando as relações sociais. Além disso, tendo em vista que a cidade do Rio de Janeiro atrai pessoas de diversas localidades em busca de estudo e trabalho e, reconhecendo as transformações ocorridas nas famílias e seus diferentes formatos, o conceito de flexibilidade dos espações será essencialmente discutido, considerando que o morador deve ser capaz de alterar sua habitação, visto que diferentes modos de morar e as necessidades de cada grupo familiar devem ser atendidas pela produção da habitação, aumentando o ciclo de vida do edifício e garantindo maior satisfação.

“Arquitetura não pode forçar pessoas a se conectarem, tudo o que ela pode fazer é planejar os pontos de cruzamento, remover as barreiras e tornar os locais de encontro úteis e atraentes.” DENISE SCOTT BROWN

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CONTEXTUALIZAÇÃO

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DÉFICIT HABITACIONAL O conceito de déficit de habitação se refere a quatro situações: à população sem moradia; à população que habita domicílios rústicos; à população que gasta mais de 30% do seu salário mensal no aluguel; e à coabitação.

Domicílios rústicos são aqueles que não possuem paredes de alvenaria ou madeira aparelhada, e a coabitação é caracterizada como mais de três habitantes por dormitório, não atingindo assim as condições de salubridade. Trata-se de um problema eminentemente urbano, resultante de uma distribuição de renda desproporcional, com 85% do déficit habitacional brasileiro ocorrendo nas cidades (FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 2018)

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PANORAMA GERAL Segundo a ONU, em 2030 aproximadamente 40% da população mundial vai precisar da construção de moradias e serviços de infraestrutura básica em 2030.

= 3 bilhões FONTE: Fundação João Pinheiro, 2018

No Brasil, essa condição afeta 9,3% da população no ano de 2015.

= 6 milhões e 355 mil FONTE: Fundação João Pinheiro, 2018

Foram registrados na região Sudeste, tanto em 2015 como em 2014 os maiores déficits habitacionais absolutos do país: 2 milhões e 482 mil domicílios e 2 milhões e 425 mil respectivamente. FONTE: Fundação João Pinheiro, 2018

No Rio de Janeiro, essa condição afeta 7,8% da população.

= 540 mil FONTE: Fundação João Pinheiro, 2018

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A PRODUÇÃO DE HABITAÇÃO SOCIAL NO BRASIL Existente há pouco mais de um século no Brasil, a produção de habitação social dos diferentes períodos provocou avanços, mas não chegou a dar conta, até o momento, da demanda por habitação das classes mais pobres. A implementação começou no final do século XIX e início do século XX, quando são realizadas as grandes intervenções urbanas, exclusivas às cidades portuárias e às “cidades grandes”, sendo marcado também pelo processo de substituição de mão-de-obra escrava pelo trabalho livre. A partir disso, pessoas sentem-se estimuladas a sair da zona rural e ir para área urbana em busca de emprego e melhores condições de moradias, dado o poder de atração que as cidades começam a ganhar. Porém, essa busca desordenada por sobrevivência, faz com que um crescimento inesperado cause um descompasso entre o acesso a moradia e o crescimento da população, levando a carência da infraestrutura urbana. (BONDUKI, 2017) O acesso informal ao solo e consequentemente à moradia é um dos maiores problemas das últimas décadas, fortemente agravado pela falta (intencional) de políticas habitacionais adequadas para atender a população mais carente. Tanto as reformas urbanas da primeira metade do século XX quanto o urbanismo moderno surgem como adaptação da dualidade entre a visão liberal, segundo a qual a urbanização deveria ser realizada por companhias urbanizadoras, e a visão pública de urbanização, em que o Estado é o principal agente urbanizador. Devido à grande especulação imobiliária capitalista, baixos salários, falta de políticas públicas e desigualdade social, juntamente aos preceitos sanitaristas e a polícia do Estado que excluem da organização da cidade parcela significativa de seus moradores (SEVCENKO, 2001; ROLNIK, 1993; BONDUKI, 1998), impossibilitaram o acesso a moradia para uma boa parcela da população, assim viabilizando a segregação, degradação ambiental, má qualidade de vida, causando um descompasso entre o acesso à moradia e o crescimento populacional. (Holz & Monteiro, 2008)

“A urgente necessidade de alojar a grande massa de imigrantes, fez com quase edificassem diferentes tipos de estalagem, cortiços e habitações operárias, quase todas elas de construção apressada e precária.’ (Bonduki, 2017)

Ainda que atualmente tenham se constituído linhas de financiamento e programas que apoiam a produção social da moradia, a produção capitalista de mercado voltada ao mercado da habitação se renova e sua hegemonia se mantém. Quanto aos programas de produção social da moradia, estes se sucedem rapidamente, trazendo dúvidas quanto à sustentabilidade deste eixo da política habitacional.

Figura 4. Conjunto Residencial Prefeito Mendes de Moraes (Pedregulho). Rio de Janeiro, RJ Foto: Developing Solutions, s/d.

“O resultado é: planejamento urbano para alguns, mercado para alguns, lei para alguns, cidadania para alguns... Não se tratam de direitos universais, mas de privilégios para poucos.” CASTRO E SILVA, 1997

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INSTRUMENTOS DE HABITAÇÃO SOCIAL NO BRASIL Sistema Financeiro de Habitação (SFH) Instituto de Aposentadoria e pensão (IAP)

Criado no período da ditadura militar, institui a correção monetária e o Banco Nacional da Habitação (BNH). Torna-se o órgão central, orientando e disciplinando a habitação no Brasil.

Fundação Casa Popular (FCP)

Benefícios previdenciários e assistência médica aos associados.

O primeiro orgão popular para centralizar a politica habitacional. O Estado e os trabalhadores passaram a custear as moradias.

1933

1964

1946 1930 1949 1942 Lei do Inquilinato Diretrizes legais para normatizar a relação entre proprietário e inquilinos.

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Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) No âmbito estadual, é fundado pelo Estado de São Paulo, a CDHU. Tem por finalidade executar programas habitacionais em todo o estado, voltados para o atendimento exclusivo da população de baixa renda.

1986 Caixa Econômica Federal O BNH é extinto pelo governo e suas funções e encargos são transferidos para a Caixa.


MInha

MInistério das CIdades Órgão fica responsavel pela habitação, saneamento, transportes urbanos e política de ordenação territorial. Seu principal foco de atuação é a inclusão dos setores excluídos do direito à cidade.

1988

VIda

Lançamento do programa PMCMV, cuja intenção era construir moradias e promover o crescimento econômico do país, em parceria com estados, municípios, empresas e entidades sem fins lucrativos, oferecendo subsídios e condições atrativas de financiamento para a evolução.

Plano Diretor Instituído pela Constituição Federal, torna-se obrigatório para os municípios com mais de 20 mil habitantes.

Casa, Minha (PMCMV)

2009

2003 2019 2007 1995 Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) Com o agravamento da crise habitacional, ocorre a retomada dos financiamentos de habitação e saneamento com base nos recursos do FGTS.

Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) Anunciado pelo Governo Federal a implantação do PAC, que traz investimentos em várias áreas como a infraestrutura, os setores de habitação, saneamento e urbanização de assentamentos precários.

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EVOLUÇÃO URBANA E HABITAÇÃO NO RIO DE JANEIRO “Só a partir do século XIX é que a cidade do Rio de Janeiro começa a transformar radicalmente a sua forma urbana e apresentar verdadeiramente uma estrutura espacial estratificada em termo de classe social... trem e bondes foram, sem dúvidas, indutores do desenvolvimento urbano do Rio. Mas o caráter de massa destes meios de transporte tem de ser relativizado, como também devem ser relativizados, como também devem ser relativizados os seus papéis frente ao ambiente urbano.” (ABREU, 2013) Compreendendo que as transformações do espaço urbano vão muito além do traço do arquiteto urbanista, é preciso entender de que forma a cidade é planejada, para quais interesses políticos e econômicos ela é projetada. Apesar de sua evidência através do tempo, o problema da habitacional popular no Rio de Janeiro ultrapassa ileso as mais diversas fases conjunturais da história da cidade. No processo de apropriação do espaço urbano pelo capital ao longo da história do Rio de Janeiro, um fenômeno recorrente foi a expulsão das camadas socioeconomicamente mais vulneráveis dos territórios de maior valor de mercado. Ao pensarmos em como o aconteceu esse processo para chegar à configuração atual, é imprescindível uma breve análise de quando ainda, no final do século XIX, um discurso cientificista e higienista fundamentou as reformas urbanas durante a gestão de Pereira Passos (1902-1906). Reforma esta, que não teve como premissa básica manter o vínculo da população carente com seu local de moradia ao transferi-la para a periferia. A questão habitacional foi marcada pela remoção da população que residia nos cortiços e casas de cômodos para áreas afastadas do centro urbano do Rio de Janeiro, com o argumento de tornar o centro da cidade um ambiente mais respirável, contando com o apoio técnico dos médicos responsáveis pela política municipal. (STUCKENBRUCK, 1996)

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Superando a dualidade entre modernização e tradição, o ponto inicial para o reordenamento do centro da cidade foi a demolição dos morros do Castelo, Senado e Santo Antônio.

O tema favela entra na agenda oficial, porém sua inserção no planejamento da cidade se dá pelo desejo de liquidar o que era percebido como um incomodo, visto que o Código de Obras da Cidade previa a demolição dessas áreas e a remoção de seus habitantes.

1937 1922

1930 Vargas valoriza o modelo urbanístico higienista de rejeição da cidade real, enfatizando o embelezamento e a monumentalidade.

Figura 5. O desmonte do Morro do Castelo, 1922 Foto feita por Luciano Ferrez: (Luciano Ferrez/1922/VEJA)


Durante o processo de urbanização que afetou as grandes cidades, a cidade do Rio de Janeiro foi marcada pelos processos de migração que aliados às novas possibilidades de emprego que abriam na cidade, impulsionaram a vinda da população pobre, originários fundamentalmente dos estados do nordeste. Sem forma de sustento oficial e engrossando o mercado informal, essa população enfrenta graves problemas também com a habitação. (RIBEIRO, LAGO & DAVIDOVICH, 1997)

A questão habitacional ganhou novo destaque com a eleição de Leonel Brizola para o Governo do Estado do Rio de Janeiro. O Programa Cada Família, um Lote foi o grande destaque desta nova postura ao trazer postulados como: regularização fundiária, melhorias urbanas, manutenção da população na própria comunidade, dentre outras.

Já na administração Eduardo Paes (iniciada em 2009), o "Morar Carioca" é lançado com a ambiciosa meta de se urbanizar todas as favelas da cidade até 2020

2010

1980

40/50 1970 37/45 Como forma de amenizar o déficit habitacional, o governo propõe o financiamento de lotes urbanos na periferia com juros baixos e amplas prestações. Essas atitudes fizeram diminuir o número de habitantes de favelas, causando uma falsa sensação, na cidade formal, de melhorias econômicas e sociais.

Já no início da década de 1970, o Movimento Nacional pela Reforma Urbana – MNRU – surge englobando políticos, intelectuais e entidades de pesquisa com o intuito de promover uma nova reforma urbana. O endurecimento do regime ditatorial resulta num aborto das tentativas de organização popular causando um agravamento dos problemas urbanos, que vai ter reflexos até os dias atuais.

1993 Foi criado o GEAP (Grupo Executivo de Assentamentos Populares), que logo daria corpo à Secretaria Extraordinária de Habitação que, em 1994, com o início do Programa Favela-Bairro, é transformada em Secretaria Municipal de Habitação.

Figura 6 e 7: Antes de Depois da atuação do programa Morar Carioca Morro da Babilônia. Rio de Janeiro, RJ. (s/d)

Figura 8. Arquicast #76: 25 anos do Programa Favela-Bairro Foto feita por Anja Schindler (s.d/ARCHDAILY)

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HABITAÇÃO EM CENTROS URBANOS Sendo os centros das cidades, os locais mais movimentados da vida urbana, com uma grande diversidade de atividades, elevado fluxo de pessoas, mercadorias, veículos e um alto potencial de infraestrutura resultante da marcante presença das atividades terciárias. São locais que na maioria das cidades, guardam a história da sua formação, um patrimônio arquitetônico. Acontecendo de forma desordenada e acelerada, o processo de urbanização das cidades acaba por produzir vazios urbanos pela consequência da expansão horizontal. Com o esvaziamento dos centros urbanos, que se tornou quase exclusivamente área comercial, essa ocupação descontrolada e de baixa densidade populacional de áreas cada vez maiores, leva a dispersão urbana. Esse processo de expansão levou a criação de novas centralidades, intensificando a degradação e deterioração dos centros urbanos. (Vargas, 2009) Diante desse cenário, surgem mais ofertas de novos locais para a moradia longe do centro que ofertam vantagens distintas, tais como, conforto segurança, e serviços em geral, para morar e viver tranquilamente. Facilidades para a mobilidade territorial, com difusão do automóvel, são apontadas como fatores decisivos para o processo de saída da elite dos centros históricos para essas novas áreas. Dessa forma, aumenta as ocupações de áreas de risco, a especulação imobiliária, com apartamentos e casas mais modernas, a gentrificação, o distanciamento de locais de trabalho, falta de infraestrutura adequada, problemas com assentamentos precários e habitação de baixa renda. (Villaça, 1999)

e que devido ao processo de decadência fecharam, foram subutilizados e abandonados. “Retornar ao centro”, é atualmente umas das soluções para a melhoria das áreas centrais adensadas e consolidadas. A intenção de requalificar estas áreas, busca liberar espaço para as novas edificações destinadas a moradias de interesse social e recuperar edificações ociosas sem valor arquitetônico.

“A localização privilegiada da moradia social no centro da metrópole traz benefícios para o trabalhador e sua família de diversos pontos de vista: facilidade de acesso aos postos de trabalho, aos serviços públicos e sociais, mais tempo para investir na família, em descanso, estudos e lazer, entre outros.” (Comarú, 2012)

HABITAÇÃO E A GENERALIZAÇÃO DAS FAMÍLIAS

“.... a extensão da cidade produz para o subúrbio, e depois o subúrbio engole o núcleo urbano... não seria mais coerente, mais racional e mais agradável ir trabalhar no subúrbio e morar na cidade do que ir trabalhar na cidade e morar num subúrbio pouco habitável?...” (Lefebvre, 2001) A consequência foi uma sucessiva transformação e substituição no padrão de uso e ocupação do solo nos centros históricos, tanto dos imóveis residenciais para fins comerciais ou de serviços, quanto para aqueles existentes 19

Figura 9. Casais familiares. (obviousmag, s/d)


A habitação de interesse social no Brasil, quando produzida em larga escala como no período de vigência do BNH e PMCMV, resulta em tipologias habitacionais engessadas que não necessariamente suprem as necessidades das famílias que virão habitá-las. Isso acontece devido a produção estar limitada aos agentes privados que, em busca do lucro, recorrem a terrenos periféricos e à padronização dos blocos habitacionais. Ao padronizar e reproduzir a mesma unidade habitacional para todas as famílias, o PMCMV cria uma monotonia estética nos conjuntos edificados. Tal característica é ainda intensificada quando empreendedores burlam as normas do programa, que limita 500 imóveis por loteamentos em glebas vizinhas, construindo novos conjuntos e espaços sem identidade. Figura 10. Censo. (Censo, 2010)

“Essa padronização traz como consequência a inadequação ao tamanho das famílias e, sobretudo, a não flexibilidade da moradia, não permitindo incorporar atividades econômicas, ou acomodar parentes através de “puxadinhos.” (FACIROLLI, 2016)

Famílias com formações tradicionais – pai, mãe e filhos – deixam de ser dominante no Brasil, e outros formatos familiares, estão cada vez mais constituindo os lares brasileiros. Segundo o censo demográfico (IBGE, 2010), os outros tipos de arranjos familiares chegam a 50,1%. Tramontano (1993), diz que o título “chefe de família” não é mais exclusivo do homem e agora, quem cuida da casa não é somente a mulher, colocando em xeque a estrutura da família nuclear. Atualmente os casais sem filhos, as pessoas que vivem sozinhas, casais gays, mãe ou pais com filhos, amigos morando juntos, netos com avós, irmãos e irmãs, entre outros tipos, constituem a maioria dos lares brasileiros. Sendo assim, pode-se dizer que a família nuclear se torna um momento transitório e não obrigatório.

ARQUITETURA FLEXÍVEL COMO ALTERNATIVA A PADRONIZAÇÃO Segundo Zanetti (2008), apesar das mudanças observadas nos modos de vida, é possível notar uma pequena variação e inovação por parte da produção imobiliária brasileira. O espaço habitacional produzido nos dias de hoje pelo mercado imobiliário continua, na grande maioria, repetindo a mesma solução espacial. “... o modo tradicional de projetar pressupõe que as edificações não sofrerão alterações substanciais ao longo de sua vida útil, trazendo dificuldades em possíveis adaptações que possam vir a ocorrer em virtude das mudanças de necessidades dos usuários. (STRAPASSON, 2011)

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A flexibilidade possibilita a um determinado espaço diversas formas de ocupação, de acordo com os diferentes modos de vida, adequando-se temporariamente às necessidades especificas de um grupo familiar. Segundo Galfetti (1993), quando aplicada na concepção e no uso dos espaços domésticos, a flexibilidade pretende oferecer ao usuário a liberdade de ocupação do espaço de acordo com suas necessidades. Três conceitos são importantes para o entendimento da flexibilidade:

MOBILIDADE | EVOLUÇÃO | ELASTICIDADE “La movilidad implica una rápida modificacions de los espacios según las horas y las atividades de la jornada; La evolución supone la modificaión a largo plazo según las tranformaciones de la família; La elasticidade corresponde a la modificación de la superfície habitable adjuntando uma o más estancias.” (GALFETTI, 1997)

De uma maneira geral, os edifícios considerados com características flexíveis são aqueles que possuem capacidade de “proporcionar uma utilização mais eficiente do espaço, um aumento da longevidade e uma melhoria geral do desempenho operacional” (Strapasson,2011)

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REFERÊNCIAS

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VOID SPACE | HINGED SPACE HOUSING O projeto consiste em um edifício de uso misto com 28 apartamentos e 7 lojas que situam-se no pavimento térreo.

FICHA TÉCNICA Arquiteto Steven Holl Localização Fukuoka,Japão Área 4.243 m² Ano 1991 Figura 11.Fachada do edifício Void Space, Fukuoka, Japão. (Steven Holl, s/d)

O edifício esta inserido em uma super quadra, onde foi projetado o Complexo Nexus Wordl por Steven Holl e mais sete arquitetos: Oscar Tusquets, Christian Portzamparc, Osamu Ishiyama, Arata Isosaki, Rem Koolhaas e Mack Marcos.

Figura 13.Fachada do edifício Void Space, Fukuoka, Japão. (Steven Holl, s/d)

Os apartamentos poder ser adaptados de acordo com, as necessidades dos moradores e essa flexibilidade é obtida através de portas e armários pivotantes e divisórias móveis.

Steven Holl Rem Koolhaas Arata Isosaki Oscar Tusquets Christian Portzamparc Osamu Ishiyama Mack Marcos

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Figura 14.Croquis Void Space, Fukuoka, Japão. (Steven Holl, s/d)

Tendo assim um interior marcado pelos seus espaços multi-uso que durante o dia podem ter áreas de convivências livres e, a noite, as divisórias voltam para seus lugares criando um espaço reservado para o morador.


Aberturas assimétricas, fazendo com que, quem vê de fora do edifício não saiba qual espaço interno está pré-definido.

Figura 15. Espaços internos. Fukuoka, Japão. (Steven Holl, s/d)

Figura 17. Espaços externos. Fukuoka, Japão. (Steven Holl, s/d)

Escadaria externa para acesso aos pavimentos superiores.

Figura 16. Espaços internos. Fukuoka, Japão. (Steven Holl, s/d)

Figura 18 e 19. Espaços externos. Fukuoka, Japão. (Steven Holl, s/d)

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GIFU KITAGATA APARTMENT BUILDING O bloco de partamentos de Sejima foi construído paralelamente à rua e conta com 107 apartamentos. FICHA TÉCNICA Autora Kazuyo Sejima e Nishizawa (SANAA)

Ryue

Local Kitagata,Japão Ano 2000 Figura 20.Fachada do edifício. Kitagata, Japão. (SANAA, s/d)

O conjunto habitacional se localiza entre uma área residencial e uma área insdustrializada e conta com quatro edifícios, cada um projetado por uma arquiteta: Akiko Takashi, Elizabeth Diller, Katherine Hawley e Kazuyo Sejima.

Katherine Hawley Akiko Takashi Elizabeth Diller,

SANAA

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Figura 121. Ortofoto de recorte de Kitagata. Google Earth, 2018.

Figura 22.Fachada do edifício. Kitagata, Japão. (SANAA, s/d)

O projeto de dá apartir de módulos básicos , que medem 2,5 metros de altra por 2,3 metros de comprimento. A partir destes módulos foram criados diferentes layouts para as habitações, sende eles duplex ou não. Sendo cada unidade composta por um terraço, sala, quarto e cozinha.


De acordo com Sejima, dado que este edifício é composto por apartamentos de aluguel, pode-se supor que vários tipos de famílias viverão nessas unidades. Ela imaginou que as formas de coabitação não seriam restritas ao padrão de família existente, mas que diferentes tipos de agrupamentos de pessoas devem ser considerados.

Figura 23. Espaços internos. Kitagata, Japão. (SANAA, s/d)

Em cada andar há um corredor de uso público que dá acesso às unidades a partir de três pontos: cozinha, sala e terraço. Por este corredor também é possível circular no terraço semiprivado dos apartamentos. Todos os ambientes dos apartamentos estão igualmente alinhados e voltados para o lado do edifício que recebe mais sol. Estes são ligados por um corredor estreito e privado que constitui um espaço intermediário entre exterior e inferior do edifício.

Figura 24 e 25. Espaços externos. Kitagata, Japão. (SANAA, s/d)

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ÁREA DE INTERVENÇÃO

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Figura 26. EdifĂ­cio Esqueleto. Rio de Janeiro, RJ Acervo pessoal, 2019.


SITUAÇÃO E LOCALIZAÇÃO O terreno de estudo está localizado na cidade do Rio de Janeiro, que segundo estimativa do IBGE em 1º de julho de 2019, conta com um total de 6 718 903 habitantes. Dentro da cidade, o terreno encontra-se na região central do Rio de Janeiro, no bairro do Santo Cristo. Fazendo parte da área de especial interesse urbanístico (AEIU) da região portuária. Área criada e delimitada pela lei complementar nº 101 de 23 de novembro de 2009. Predominantemente residencial, o bairro faz divisa com os bairros da Gamboa, São Cristóvão, Cidade Nova, Praça da Bandeira, Cajú e Centro e vem lutando e reagindo aos poucos contra a decadência que dele tomou conta na segunda metade do século XX e lentamente começa a valorizar-se, apesar de ainda ser considerado por muitos uma espécie de "local de risco". Os demais bairros que o cercam possuem importantes pontos de referência como, por exemplo, o Museu de Arte do Rio, Museu do Amanhã, Vila Olímpica da Gamboa, Cidade do SambaAquaRio.

BRASIL

ESTADO DO RIO DE JANEIRO

CIDADE DO RIO DE JANEIRO

29


VASCO DA GAMA

CAJÚ

SÃO CRISTÓVÃO

MORRO DA PROVIDÊNCIA

SANTO CRISTO

PRAÇA DA BANDEIRA

MARACANÃ

CIDADE NOVA

CENTRO

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PLANOS E PROJETOS PARA A REGIÃO PORTUÁRIA O Porto do Rio de Janeiro é um dos mais movimentados do país quanto ao valor das mercadorias e à tonelagem. Administrado pela Companhia Docas do Rio de Janeiro (CDRJ), conta com 6.740 metros de cais contínuo e um píer de 883 metros de perímetro. Existem ainda dez armazéns externos, totalizando 65.367 m², e oito pátios cobertos (11.027 m²), com capacidade de estocagem para 13.100 toneladas. Verifica-se que a partir da década de 1960 e pelo menos desde a década de 1980 diversos projetos já foram propostos para a área portuária, por diferentes atores sociais e visando diferentes objetivos. (BARANDIER,2015) O espaço portuário caracteriza-se por ter sido historicamente produzido sem que tenha havido, da parte dos seus agentes produtores hegemônicos, qualquer olhar para os espaços ocupados pelas populações que ali vivem e viveram. Tal prática parece repetir-se no decorrer da elaboração e implementação do Projeto Porto Maravilha.

O projeto SAGAS resultou na criação Área de Proteção Ambiental (APA) dos bairros de Saúde, Gamboa, Santo Cristo e Centro, instituída pela Lei 971 de 4 de maio de 1987 e regulamentada pelo Decreto 7351 de 14 de janeiro de 1988. Seguindo a mesma linha do Corredor Cultural, o projeto SAGAS protegeu o conjunto arquitetônico e urbanístico de valor histórico e cultural da área portuária situado na área de ocupação mais antiga, anterior ao aterro para construção do porto, incluindo os morros da região. Um grande número de imóveis foi preservado e foram editados parâmetros urbanísticos com a intenção de manter as características do tecido urbano histórico.

1984

Em 1985, a Revista da Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ) divulgava uma proposta de modernização do "Porto do Rio". A proposta pretendia constituir um "teleporto" na área portuária, por meio do redesenho de um conjunto de quadras situadas ao longo do cais do porto, a partir da Av. Francisco Bicalho, na altura da rodoviária. A proposta não foi adiante, mas talvez seja uma das primeiras ideias de projeto urbano para a área portuária do Rio de Janeiro, já incorporando elementos de um receituário que começava a se formar a partir de experiências internacionais.

1985

1987 O projeto intitulado "Plano de Desenvolvimento Portuário", encomendado pelo Ministério dos Transportes em parceria com a Portobrás (Empresa de Portos do Brasil, já extinta), tinha por objetivo a elaboração de um plano de ações para os dez anos seguintes, em atendimento às necessidades decorrentes das expectativas de expansão das atividades portuárias.

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A Portobras elaborava novo plano urbanístico, o Plano de Desenvolvimento Urbano da Retaguarda do Porto do Rio de Janeiro. Nesse plano, já se reconhece que algumas áreas não são mais adequadas às necessidades operacionais das atividades portuárias, sendo previstas possibilidades de incorporação das mesmas à cidade, com aproveitamento para fins de comércio, serviços, residências e lazer.

A prefeitura desenvolve o Projeto de Estruturação Urbana (PEU) da Área Portuária. A proposta de nova legislação urbanística surgia no momento em que a Cia Docas começava a sinalizar para as possibilidades de novas destinações de parte da área de sua propriedade.

1992

2001

1989

90/00

1991 A Cia Docas do Rio de Janeiro desenvolve mais um plano, agora chamado "Área Portuária da Gamboa – Proposta de Revitalização", que, considerando os diagnósticos que já vinham sendo apontados nos planos anteriores, constitui uma proposta urbanística mais abrangente. O trabalho orienta o aproveitamento de parte da área portuária por novos usos, nesse caso já fazendo referências a experiências de outros países em revitalização de áreas portuárias.

A prefeitura volta a trabalhar em um plano global para a área portuária, mas em torno de propostas de intervenções urbanísticas e não apenas de propostas de reformulação da legislação. O "Plano de Recuperação e Revitalização da Região Portuária" desenvolve ao longo de quase toda a década diversos estudos e projetos, entre os quais o projeto executado da "Cidade do Samba" (2005) e o não executado projeto para o Museu Guggenheim (2002).

Já na fase da segunda geração de projetos urbanos, o modo de atuação da prefeitura se altera. Passa a ser ela a principal formuladora de propostas para a área portuária e várias são lançadas nesse período. Excetuando o "Levantamento de Oportunidades Habitacionais" (1994) e o "Projeto Morro da Conceição" (1998) que eram mais abrangentes, os demais projetos eram mais localizados em alguns terrenos ou áreas: "Projeto Habitacional da Saúde" (1996); "Projeto Enseada da Gamboa" (1997); "Projetos de Reabilitação de Cortiços / Programa Novas Alternativas" (1997); "Projeto Píer Mauá" (1998). De acordo com a lógica do urbanismo de projetos que pautava a gestão urbana naquele momento, a implementação de vários projetos distribuídos pela extensa área portuária deflagraria o processo mais amplo de sua incorporação à cidade.

2009 Em 2009, o prefeito Eduardo Paes encaminhou para a Câmara de Vereadores os projetos de lei que conformariam a base legal da OUC Porto Maravilha, aprovados entre novembro e dezembro daquele ano, menos de um ano após o início do mandato. Assim, com vigência de 15 anos, sendo passível de renovação por mais 15, foi instituída a Operação Urbana Consorciada (OUC) Porto Maravilha com objetivo de promover a renovação urbana da área portuária, sendo este, o primeiro projeto urbano carioca a utilizar o instrumento da OUC, previsto no Estatuto da Cidade. Alterando o plano diretor vigente, criando a operação urbana consorciada com definição de novos parâmetros urbanísticos, obras a serem realizadas e condições de utilização dos Certificados de Potencial Adicional de Construção (CEPACs).

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O PORTO MARAVILHA Maior parceria público-privada (PPP) do país, a criação do Porto Maravilha, em 2009, marcou não só o início da transformação da zona portuária no Rio de Janeiro, mas também o fim de uma proposta de transformação da região com foco na participação social e moradia popular. Dona de mais de 60% dos terrenos na região com potencial de construção, a União era uma peça-chave para a reestruturação urbana da área, e, durante seis anos, o Ministério das Cidades liderou o grupo de trabalho dedicado ao tema. No entanto, mesmo com pareceres técnicos e jurídicos favoráveis, tramitação avançada nos governos municipal, estadual e federal, a proposta de criação de um consórcio público para a reabilitação da área foi descartada para surpresa de quase todos envolvidos no processo. Em vez dela, foi adotada a atual proposta, cujas principais diretrizes foram elaboradas e executadas pela OAS, Odebrecht e Carioca Christiani Nielsen. São 5 milhões de metros quadrados que englobam três bairros inteiros – Santo Cristo, Gamboa e Saúde – e incluem outros quatro. As empreiteiras se revezam em consórcios naquela área. Além das duas fases do Porto Maravilha, que juntas receberam investimentos de mais de R$ 10 bilhões, as mesmas empresas ganharam outros editais para atuar na região, como as obras do programa Morar Carioca (R$ 32 milhões) e a PPP para operar o veículo leve sobre trilhos, o VLT (R$ 1,1 bilhão). Após a decisão de 2009, o Ministério das Cidades – criado no início do governo Lula com a missão de impulsionar políticas de desenvolvimento urbano e habitação com inclusão social – foi afastado das negociações e aos poucos o desenho atual do porto foi tomando conta. A área do Porto Maravilha equivale a quase um terço do centro da cidade. De acordo com o Censo de 2010, em sua imensa maioria os habitantes da zona portuária são de baixa renda: dos 10.098 domicílios da região, apenas 611 possuem renda maior que três salários mínimos. Entre as favelas, a mais antiga do Brasil, o morro da Providência, reúne a maior parte dos moradores, concentrando 1.237 domicílios.

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34


PLANO DE HABITAÇÃO SOCIAL PARA O PORTO Tendo como meta ofertar 1.500 imóveis residenciais para famílias de baixa renda, o Plano de Habitação de Interesse Social (PHIS) do Porto Maravilha ignora a presença de cerca de mil pessoas que vivem nos cortiços da região, segundo o projeto Prata Preta, pesquisa do Observatório das Metrópoles e da Central de Movimentos Populares. No plano coordenado pela prefeitura, não há nenhum diagnóstico ou linha de ação que contemple a realidade dos moradores desses imóveis. Dos 710 quartos espalhados em 54 cortiços analisados pela pesquisa, pouco mais da metade tem quartos entre 9 e 12 metros quadrados. Treze são ainda menores, com os quartos variando entre 4 e 8 metros quadrados. Há ainda outros cortiços que não foram mapeados, pois estão em locais de difícil acesso, como em bocas de fumo.

Na Figura estão identificados em vermelho os imóveis desapropriados pela SMHC e colocados à disposição da CDURP e, em azul, os demais imóveis mapeados pelo programa. Dentre os imóveis desapropriados, observa-se que estão concentrados no bairro da Gamboa, ao norte do Morro da Providência, e no bairro da Saúde, em áreas próximas ao Centro. Os demais imóveis mapeados, por sua vez, se concentram principalmente na área limítrofe entre os bairros Centro, Saúde e Gamboa e no bairro Santo Cristo, nas proximidades da Rua Pedro Alves.

“Para fazer habitação de interesse social, é preciso atuar nas áreas em que se encontra disponibilidade, onde não se inviabiliza a produção de habitação por causa do preço da terra” Alberto Silva, presidente da CDURP Por estar comprometida com os empreendimentos imobiliários, boa parte das antigas terras públicas não pode mais ser utilizada para habitação popular. Por isso, o PHIS do Porto Maravilha abrange não só a região portuária, mas também os bairros do entorno. O Programa Novas Alternativas, vinculado à Coordenadoria de Fomento à Produção Habitacional da SMHC, realizou desde sua criação um levantamento de imóveis na área central com potencial para produção de habitação de interesse social.

Imóveis de interesse habitacional e imóveis desapropriados identificados pelo Programa Novas Alternativas/SMHC Fonte: SMHC, 2015.

Com tanto terreno disponível em uma área central e tão poucos habitantes, aumentar o número de moradias sempre foi uma das prioridades das políticas públicas de urbanização para o local. O objetivo era reverter o padrão de ocupação atual: intenso de dia, mas quase deserto à noite e nos fins de semana.

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DADOS DEMOGRÁFICOS E SOCIOECONÔMICOS O Boletim do Porto de 2013 apresentou dados demográficos e de infraestrutura com o menor recorte possível dos dados do Censo Demográfico de 2010, que são os setores censitários. Foi realizado um esforço para relacionar esses setores censitários aos da Área de Especial Interesse Público da Região Portuária, AEIU do Porto Maravilha, delimitada conforme o mapa a seguir. (Observatório SENAI/RJ)

O bairro da Saúde apresenta o maior percentual de pessoas acima de 60 anos (14%), enquanto a Gamboa possui o maior percentual com até 14 anos (23%) A razão de dependência – peso da população considera inativa sobre a população potencialmente ativa – na região portuária (0,39%) é inferior à da cidade do Rio de Janeiro (0,41), influenciada pela menor proporção de idosos na região.

A região portuária possui índice de envelhecimento de 0,39.

10.026 domicílios no Porto, com 58% de casas, superam a capital, onde o percentual é de 55%

Recorte da AEIU do Porto Maravilha em Setores Fonte: https://www.portomaravilha.com.br/

2% são cedidos ou tem condição diferente das típicas (na capital é 5%)

A população residente na AEIU do Porto é de 30.094 habitantes, o que corresponde a 0,5% da população da cidade do Rio de Janeiro.

Porto | 49% Capital | 47%

A área portuária possui uma população mais jovem do que a cidade do Rio de Janeiro.

138% dos domicílios são alugados (22% na cidade)

Porto | 49% Capital | 47%

1465 domicilios particulares permanentes ocupados em aglomerados subnormais, situação de 15% de domicílios. Na cidade representa 20%.

Na região portuária, 94% das mulheres chefes e domicílios são alfabetizadas. Na capital esse percentual é de 96%.

Fonte: IETS, com base nos dados do CENSO/IBGE (2010)

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A população residente na AEIU do Porto está concentrada nos bairros Gamboa (44%) e Santo Cristo (41%). Dentro da AEIU do Porto Maravilha, a população do Centro corresponde a 6% do total da população da AEIU. As pirâmides etárias da cidade do Rio de Janeiro e do Porto Maravilha, apresentadas nos seguintes gráficos, permitem a comparação entre a estrutura demográfica das duas áreas. A pirâmide do Porto mostra uma base maior, especialmente na faixa de 10 a 14 anos. Nas duas pirâmides, a faixa de 25 a 29 anos exibe a maior proporção, mas é mais larga no Porto. Já na capital, a concentração é maior nas últimas faixas. Dessa forma, apreendemos que o Porto possui uma população mais jovem que a da capital, indicando a importância de políticas públicas voltadas para esse público, especialmente as ligadas à educação, conforme veremos adiante.

As pirâmides também informam sobre a diferença de gênero entre a região do Porto e a capital. A área portuária conta com 14.701 homens, o que corresponde a 49% da população. É um percentual superior ao da cidade do Rio de Janeiro, que é de 47%. Isso se deve, principalmente, à faixa etária de 20 a 29 anos, em que a participação dos homens é maior no Porto, enquanto na capital as mulheres sobressaem. A AP da região portuária reúne os bairros Gamboa, Saúde, Santo Cristo e Caju e, apesar de este último não ser um bairro completo da AEIU do Porto, não é possível desagregação maior. Frequência a creche ou escola das crianças de 0 a 6 anos é superior à média da capital. A partir dos 15 anos, as taxas de frequência a escola no Porto e no Caju são inferiores as da capital.

Maior taxa de analfabetismo entre a população de 25 anos ou mais (7,2%). Na capital, é de 3,3%.

Os trabalhadores residentes na área do Porto recebiam, em média, R$ 843 em 2010, enquanto a média carioca era de R$ 1.965.

PIRÂMIDE ETÁRIA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO Fonte: IETS com base nos dados do Censo IBGE (2010)

PIRÂMIDE ETÁRIA DO PORTO MARAVILHA

Entre as mulheres da região portuária, a renda média era de R$ 675 em 2010, enquanto a dos homens era de R$978.

No Porto e no Caju, 39,7% dos domicílios possuem computador. Na capital, 59,1%.

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DELIMITAÇÃO DA ÁREA DE INTERVENÇÃO O rendimento médio do domicilio, em 2010, no Porto e Caju era de R$ 1.716, enquanto na capital era de R$ 4.290.

Dentro da AEIU do Porto Maravilha, o terreno encontra-se no setor D.

O percentual de jovens entre 18 e 24 anos que somente trabalham é maior na regiã portuária (49%) do que na média da cidade do Rio (40%)

26% dos residentes do Porto e do Caju não são naturais do ERJ, percentagem superior à da capital (117%) Recorte da AEIU do Porto Maravilha em Setores Fonte: https://www.portomaravilha.com.br/ Os trabalhadores por conta própria contam 15% na região portuária e 19% na cidade do Rio de Janeiro.

5

Os empregados com carteira assinada comam 66% no Porto e no caju, já na capital o percentual é de 56%

Fonte: IETS com base nos dados do Censo IBGE (2010)

Em relação ao perfil dos ocupados, o Boletim anterior revelou que o Porto possui uma proporção maior de empregados – com e sem carteira de trabalho assinada – e menor de trabalhadores por conta própria e empregadores, ao se comparar com a média da cidade. De fato, a presença de empregadores na região é pouco representativa (0,2% dos ocupados). Já a proporção de não remunerados e de desempregados é maior do que na capital.

2

6

1

4

3 Delimitação da área de intervenção Base satélite 1 Santo Cristo 2 São Cristóvão

3 Praça da Bandeira 4 Cidade Nova

5 Cajú 6 Gamboa

Área de Intervenção

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EQUIPAMENTOS E ENTORNO

HOSPITAL DA GAMBOA FEIRA DE SÃO CRISTÓVÃO

CIDADE DO SAMBA

IBIS NAU

INTERCITY RODOVIÁRIA NOVO RIO

INCA FÁBRICA BHERING

BAR DO OMAR

QUINTA DA BOA VISTA

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IML

UNIDOS DA TIJUCA

Pontos Culturais

Espaços Educacionais

Moradias Irregulares

Suporte ao Coworking

Comércio Local

Edifícios Empresariais

Terminal de Ônibus

Hotéis

Local de Intervenção


MAPEAMENTO

Delimitação da área de intervenção no mapa de cheios e vazios Base cadastral - Elaboração autoral, 2019

Delimitação da área de intervenção no mapa de usos Base cadastral - Elaboração autoral, 2019

Área de intervenção A área onde se observa maior número de edificações está concentrada nas irregulares do Morro do Pinto e Morro da Providência. A área institucional apresneta algumas rupturas na malha.

Habitacional

Uso Misto

Praças e Lazer

Educacional

Saúde

Comercial e Serviços

Delimitação da área de intervenção no mapa de estudo de ventilação e insolação Base satélite - Elaboração autoral, 2019 Ventilação Trajetória solar

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1 2

3

4

Delimitação da área de intervenção no mapa de massas verdes Base satélite - Elaboração autoral, 2019 A área onde se observa uma maior quantidade de áreas verdes são nos morros, existentem poucas árvores nas proximidades da área. Massas verdes

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Intensidade de fluxos de veículos Base cadastral - Elaboração autoral, 2019 A área onde se observa o fluxo mais intenso, são nas vias que fazem ligação com os bairros adjacentes, com a linha vermelha e centro. 1 2 3 4

Via Expressa Via Binário do Porto Avenida Francisco Bicalho Rua General Luís Mendes de Morais

Intensidade de fluxo de pedestres e núcleos de movimento Base cadastral - Elaboração autoral, 2019 O núcleo de maior movimentação de pedestres estão diretamente ligados a diversidade de usos na área e a permeabilidade da malha urbana. Núcleo de vitalidade Núcleo de isolamento


LEGISLAÇÃO A Na AEIU do Porto do Rio de Janeiro, as regulamentações urbanas sofreram alterações pelas novas possibilidades de uso e ocupação, os Cepacs, autorizam a construção de andares acima do limite definido pelo zoneamento da cidade. Eles funcionam como um “terreno virtual” que pode ser vendido na bolsa de valores. No caso do Porto Maravilha, os Cepacs quase dobraram a área edificável – para cima. Em cada subsetor existe uma imitação de gabarito, taxa de ocupação do solo e coeficiente de aproveitamente máximo do terreno.

PARÂMETROS URBANÍSTICOS - SUBSETOR D1 Afastamento Frontal | 7 metros Gabarito de Edificação afastada das divisas | 150 m e 50 pavimentos Gabarito de Edificação sem afastamento | 15 metros e 5 pavimentos Taxa de Ocupação | 50% Taxa de Permeabilidade | Coeficiente de Aproveitamento Básico (CAB) | 1,00 Coeficiente de Aproveitamento Máximo (CAM) | 10,00PARÂMETROS URBANÍSTICOS - SUBSETOR D2 Afastamento Frontal | 7 metros Gabarito de Edificação afastada das divisas | 120 m e 40 pavimenTos Gabarito de Edificação sem afastamento | 15 metros e 5 pavimentos Taxa de Ocupação | 50% Coeficiente de Aproveitamento Básico (CAB) | 1,00 Coeficiente de Aproveitamento Máximo (CAM) | 8,00

DOCUMENTOS PAL 44397 – Subsetor D1 PAL 48193 – Subsetor D2 e D3 PAL 32387 – Subsetor D4 Lei Complementar 101/2009 - Área de Especial Interesse Urbanístico do Porto do Rio Lei Complementar 5780/2014: Área da Operação Urbana da Região do Porto do Rio Plano Diretor LC111/2011: Macrozona de Ocupação Incentivada Decreto 35507/2012: Zona de Preservação Paisagística e Ambiental 1 ZONEAMENTO Área de Planejamento | 1 Região Administrativa | Santo Cristo I

PARÂMETROS URBANÍSTICOS - SUBSETOR D3 Afastamento Frontal | 7 metros Gabarito de Edificação afastada das divisas | 60 m e 20 pavimentos Gabarito de Edificação sem afastamento | 15 metros e 5 pavimentos Taxa de Ocupação | 50% Coeficiente de Aproveitamento Básico (CAB) | 1,00 Coeficiente de Aproveitamento Máximo (CAM) | 4,20 PARÂMETROS URBANÍSTICOS - SUBSETOR D4 Afastamento Frontal | Subsetor isento Gabarito de Altura | 11 metros e 3 pavimentos Taxa de Ocupação | 70% Coeficiente de Aproveitamento Básico (CAB) | 1,00 Coeficiente de Aproveitamento Máximo (CAM) | 2,10 42


PLANOS E PROJETOS PARA ÁREA DE INTERVENÇÃO O "Concurso Porto Olímpico" organizado pelo IAB-RJ e lançado em 2010, segundo o edital, tratava-se de um concurso de ideias para a seleção da melhor proposta arquitetônica e de urbanização para as instalações olímpicas e seu respectivo entorno localizadas na Região Portuária desta cidade [Rio de Janeiro]. Entre estas se destacam a Vila de Mídia e Vila de Árbitros que deverão atingir um mínimo de 10.600 quartos, o Hotel de 500 quartos e o Centro de Convenções, que deverá abrigar instalações olímpicas provisórias.” (EDITAL, 2010) De acordo com a equipe vencedora (João Pedro Backheuser, Sergi Balaguer, Luis Alonso, Ignasi Riera, Miguel Moragues e Ignasi Solsona) a proposta seria converter a avenida Francisco Bicalho em um eixo monumental, de forma que ela se transforme em porta de entrada para a cidade, mas faz isso com cuidado, para humanizar seu aspecto e funcionalidade. As praças e áreas verdes previstas deveriam ser protagonistas e compor um sistema, constituindo-se como "áreas completamente integradas".

A concepção urbanística adotada se apresentava como "um modelo de ocupação territorial híbrido onde praças e edifícios sejam indissociáveis". 43


Mas quando é feito o lançamento do empreendimento feito pelo arquiteto carioca João Paulo Backheuser e o catalão Alonso Balaguer, o antes Porto Olímpico, torna-se o Porto Vida Residencial, com um projeto diferente do proposto inicialmente, como mostra matéria do Jornal O Globo (2/6/2013, Caderno Morar Bem): " Foi mantido o conceito urbanístico que privilegia a circulação de pedestres e faz um mix de usos entre comércio e residência, já que os sete blocos terão 30 lojas térreas onde serão instalados pequenos comércios, como restaurante e salão de beleza. Mas os espaços internos entre os prédios, que teriam praças abertas para a rua e muito verde, foram substituídos por áreas de lazer como as de condomínios fechados, com piscina, quadra poliesportiva e espaço gourmet. ". Assim, o espaço público entendido como articulador do conjunto edificado e de uma nova urbanidade sucumbe a um "produto padrão" determinado pelo mercado imobiliário.

PORTO VIDA RESIDENCIAL Apesar do extenso programa, que cobria cerca de 17 ha - aproximadamente 7,5% da área de renovação -, o empreendimento teve o projeto desenvolvido, licenciado e obras iniciadas. Trata-se do primeiro empreendimento residencial do Porto Maravilha, que inicialmente abrigaria a Vila de Mídia e de Árbitros dos Jogos Olímpicos e para o qual funcionários municipais teriam prioridade de compra. Porém, em meio às obras de que já se realizavam de modo parcial, o então prefeito Eduardo Paes toma a decisão surpreendente de transferir o equipamento para o bairro de Curicica, na Região da Barra da Tijuca. (BARANDIER, 2015). Atualmente, encontra -se apenas um edifício esqueleto. FICHA TÉCNICA Autor B|AC – Backheuser e Leonídio Alonso Balaguer Brasil Arquitetos Associados Local Rio de Janeiro - Brasil Ano 2010 / 2013

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SITUAÇÃO ATUAL

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DIRETRIZES

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DIRETRIZES GERAIS INTEGRAR vizinhança, ligando fisicamente as áres de diferentes usos e entorno. Essa camada de intervenção se dá na malha viária; CONECTAR diferentes micronúcleos dentro de uma área de de estudo, promovendo uma relação de benefício mútuo nas esferas econômica e social; PRESERVAR a memória e a cultura local, promovendo assim um ambiente mais justo e democrático. Para trabalhar as diretrizes optei por eleger núcleos de intervenção em pontos de estratégicos, usando terrenos ociosos e subutilizados em cada núcleo. A partir da integração entre esses núcleos se daria a integração com o bairro, e propagação das diretrizes gerais.

3

2

4

1 1 Habitação Uso Misto 2 Centro Esportivo 3 Praça Central 4 Centro comunitário

A proposta favorece a melhora da qualidade de vida da região, com uma ocupação permanente que procura tornar a área mais ativa evitando assim o esvaziamento noturno da área que se torna propicia a marginalização. Porém, para garantir o objetivo proposto, o vínculo da população com o entorno é essencial, a criação de espaços públicos para convivência, atividades culturais, para maior envolvimento social, torna o lugar mais dinâmico e assim viabiliza uma maior revalorização da área, tratando o espaço público como aglutinador social que deve atrair a população e não excluí-la.

O embasamento teórico das propostas segue os “4 fatores geradores da diversidade” segundo Jane Jacobs, visto que esses fatores são essenciais para um bairro social e economicamente próspero. USOS PRINCIPAIS E COMBINADOS “um edifício de escritórios solitário em meio a um amplo conjunto de teatros significa, na prática, muito pouco ou nada” (JACOBS, 2012) Jacobs define como usos principais aqueles que, por si só, já atraem as pessoas para um determinado espaço: centros comerciais, fábricas, moradias, locais destinados ao lazer e educação são alguns deles. Esses usos devem ser combinados com usos secundários, pois, sozinhos, não conseguem gerar diversidade urbana. Esse fator primário tem o como objetivo garantir a presença de pessoas que saiam de casa em horários diferentes e com motivos diferentes. Combinar usos principais potencializa o uso da rua pelas pessoas em diferentes horários do dia e aumenta a sensação de segurança. Essa diversidade é importante pois é uma forma de sustentabilidade urbana. É a partir da quantidade e variedade de usos principais que a economia local é impulsionada, gera empregos onde existe habitação e isso influencia na mobilidade urbana, o tráfego na cidade e a qualidade de vida da população. QUADRAS CURTAS “... é a fluência de usos e a confluência de trajetos, não a homogeneidade arquitetônica, que fazem as vizinhanças constituírem combinações de usos urbanos, mesmo que essas áreas sejam predominantemente de trabalho ou de moradias.” (JACOBS, 2012)

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A ideia de que a mistura de usos em um bairro pode trazer movimento às ruas de pessoas diferentes, com horários e objetivos diferentes pode ser frustrada pelo desenho de quadras que inibe o fluxo de pessoas. Dotar o pedestre de maiores possibilidades de escolha quanto aos seus percursos lhe dá a possibilidade de conhecer novos lugares e proporciona encontros com o outro, com o diverso. Enquanto as quadras curtas proporcionam maior permeabilidade, as quadras longas inibem o fluxo de pessoas por não dar possibilidade de escolha no trajeto, isso acaba tornando as ruas mais monótonas e economicamente inviáveis, já que não há movimento cotidiano que os sustente. O desenho a seguir ilustra a questão, mostrando como é possível promover mais alternativas de trajetos para se chegar ao mesmo destino, usando quadras menores.

Fonte: Jacobs (2011), p. 198–199 apud Tenório (2012), p. 110.

PRÉDIOS ANTIGOS

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“até mesmo as empresas que consigam financiar novas obras nas cidades precisam de construções antigas na vizinhança. Do contrário, serão uma atração única num ambiente único, bastante limitado economicamente – e, portanto, com muitas limitações, do ponto de vista funcional, para se tornar movimentados, interessantes e úteis.” (JACOBS, 2012)

Um bairro ou distrito que só possua prédios absolutamente novos, além de monótono e sem identidade, dificilmente será diverso. Prédios novos geralmente possuem preços, de aluguéis ou venda, mais elevados que os antigos, o que conduzirá a uma vizinhança sem diversidade social. O ideal é, portanto, que haja edifícios com datas de construção variadas. Obviamente, a idade do edifício não é o único fator que influencia em seu preço, mas a reflexão permanece válida. NECESSIDADE DE CONCENTRAÇÃO “é a concentração que proporciona conforto material.” (JACOBS, 2012) Para Jacobs, um distrito precisa ter uma concentração relativamente alta de pessoas para que tenha diversidade, pois, quanto mais pessoas vivendo e trabalhando num lugar, maior a possibilidade de que haja pessoas e edifícios diferentes e mais movimento nos espaços públicos. Tal densidade, contudo, deve ser limitada para que não se encaminhe para uma situação de insalubridade e desconforto. É possível que se aumente a densidade sem promover a diversidade, como ocorre em paisagens dominadas por conjuntos habitacionais verticais repetitivos. Porém, densidade não é sinônimo de verticalização, há edifícios altíssimos com apartamentos enormes em que vivem famílias pouco numerosas, que possuem baixa densidade e contribuem pouco, ou nada, para a vitalidade e diversidade do espaço. Não existe medida certa de concentração, “as densidades são muito baixas ou muito altas, quando impedem a diversidade urbana, em vez de promover” (p. 230) Um bairro deve ter usos principais que se complementem de maneira que promovam uso intenso do solo urbano.


PROPOSTAS

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NÚCLEO 1 | Habitação de Uso Misto “Muito mais do que um espaço urbano fechado, recortado por ruas e avenidas, construído com blocos de concreto e lajes de aço... a dominar todas as paisagens, a cidade é... um território de relações no qual cada cidadão/cidadã busca satisfazer suas necessidades e realizar seus quereres. (...) É uma realidade viva, pulsante. Ela é composta e compõe uma rede de fluxos de pessoas, mercadorias, matérias... energias em constante movimento.” (Adaptado de José Carlos C. Lopes. Pelas ruas da cidade: a construção do espaço urbano e da cidadania) O terreno está localizado próximo a Rodoviária Novo Rio e ao lado do terminal de ônibus Padre Henrique Otte. A proposta para a área é de um conjunto de uso misto, que inclui habitação e comércios. Inserir esse elemento na área é de extrema importância para a vitalidade urbana, ao adensar a área dessa maneira, integrandos diversos usos e espaços que proporciona maior sensação de segurança, novos empregos e interação da comunidade, fazendo uma ponte entre novos e antigos moradores, criando relações de vizinhança. A arquitetura do conjunto respeita as condições atuais do edifício, visto que não é viável para um projeto de habitação de interesse social uma demolição desse porte. O conceito de flexibilidade aplicado na arquitetura considera a possibilidade do projeto em se adaptar às necessidades dos usuários a fim de aumentar a qualidade da moradia. Observa-se que os projetos oferecidos pelos programas habitacionais vigentes, oferecem unidades com metragem entre 42m e 48m², estas com pouca ou nenhuma oportunidade de lazer e pouca diversidade tipológica. A presente proposta pretende se contrapor a esse quadro, tanto no que abrange ao parcelamento como as unidades habitacionais, como em sua estrutura, que não se baseia em uma renda média familiar, visto que se trata de inclusão social aos grupos menos favorecidos, considerando versatilidade cultural e tamanho do núcleo familiar. 57

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NÚCLEO 2 | Centro Esportivo

NÚCLEO 3 | Praça Central

Esse núcleo de intervenção ocupa uma parte do subsetor D1 da região do Porto, em situação próxima ao núcleo um e ligado a uma escola técnica ao lado. O terreno a ser trabalhado vai ser o galpão que hoje, encontra-se subutilizado, Existe a necessidade de integrar fisicamente o morro com o bairro. Para isso, nesse espaço propõe-se um centro esportivo, que juntamente com os outros núcleos, criam um complexo de função educacional e cultural, que promove uma imagem positiva de cultura e contemporaneidade.

A proposta pretende ajudar a alinhavar as atividades vizinhas diversificadas, proporcionando-lhes um local de confluência agradável; ao mesmo tempo, somando como elemento novo, valorizando e prestando um serviço ao entorno. Além de criar um espaço de feira formalizado em frente e trabalhar na aproximação do asfalto, através da permeabilidade visual entre os núcleos. Busca-se refletir a diversidade do local e estimular a convivência entre as pessoas, criando as condições necessárias para a permanência, que convida as pessoas a usarem o local.

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NÚCLEO 4 | Centro Comunitário

A região carece de um espaço que incentive a diversidade e a integração comunitária no espaço urbano, atendendo as demandas da comunidade, com associações, ambientes destinados a atividades educativas e recreativas. Através de um espaço institucional, busca-se a convivência em espaços públicos e compartilhamento de experiências e conhecimentos de maneira coletiva, humanizando as relações sociais entre faixas etárias e classes sociais. Neste contexto, desenvolve-se o sentido de cidadania e o respeito pelo espaço público.

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BIBLIOGRAFIA

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