2
LAGAMAR FLUVIAL
Uma proposta de Potencialização para o Riacho Tauape LIVRO 01
CIDADE E ÁGUA Referencial Teórico
Walmir de Castro Junior Orientadora: Cinira D’Alva Dezembro de 2017
Trabalho Final de Graduação Curso de Arquitetura e Urbanismo - Universidade de Fortaleza | UNIFOR
3
Ficha Cartográfica da obra elaborada pelo autor através do programa de geração automática da Biblioteca Central da Universidade de Fortaleza
_________________________________________________________________________
4
WALMIR DE CASTRO JUNIOR
LAGAMAR FLUVIAL
Uma proposta de Potencialização para o Riacho Tauape Banca Examinadora ________________________________ Profª. Cinira Arruda D’alva Universidade de Fortaleza _________________________________ Profª. Carla Camila Girão Albuquerque Universidade de Fortaleza _________________________________ Profª. Clarissa F. Sampaio Freitas Universidade Federal do Ceará FORTALEZA DEZEMBRO 2017
5
6
Agradecimentos
Aos meus pais, Helena e Walmir, que apesar das dificuldades e dos atritos sempre colocaram minha educação como prioridade. Aos meus amigos, pelo apoio e o companheirismo. Agradeço a Luiza, Lurdinha e Larissa por me acompanharem nessa reta final da vida acadêmica; a Maria e o Pedro pela ajuda tão de última hora e tão importante; ao Berg por me acompanhar nas visitas técnicas. A minha orientadora Cinira, sempre preocupada em me fazer enxergar a cidade além do que se vê, me desafiar e incentivar a ir além, mas também relaxar e curtir o processo. Agradeço por acreditar nesse projeto tanto quanto eu. A professora Fernanda, por me mostrar que eu ainda tenho muito o que aprender mesmo no último semestre da faculdade. Por fim agradeço ao governo Dilma, por me proporcionar a experiência mais enriquecedora academicamente, profissional e pessoal que eu pude ter; afinal, foi dessa vivência que esse trabalho nasceu.
7
8
Prefácio
A escolha de trabalhar com um recurso hídrico foi algo que me veio à cabeça quase instanteaneamente quando precisei escolher o tema do TFG, embora fosse algo completamente novo para mim. Penso que, inconscientemente, a vontade era de trabalhar as possibilidades de espaços invisibilizados, e enxerguei nos rios urbanos a oportunidade perfeita.
combates e apropriações das águas do canal. Por fim, o trabalho foi divido em 2 momentos: O livro I, aonde se encontra o referencial teórico e o livro II, da onde partem o diagnóstico do rio e da comunidade no Lagamar, culminando em um projeto urbanístico de intervenção.
Tais possibilidades puderam ser percebidas principalmente durante meu intercâmbio em uma universidade Escocesa, período no qual foi possível enxergar como alguns países possuem uma dinâmica diferente em relação aos seus cursos d’água. As cidades européias respeitam e convivem com seus rios, e talvez, daí partiu a vontade ede trazer um pouco dessa perspectiva para cá. Escrever esse TFG foi uma tarefa árdua principalmente por perceber a minha falta de conhecimento sobre o assunto, que é bastante complexo e envolve diversas disciplinas fora da área da arquitetura. A experiência me ensinou muito sobre biologia, geografia e sobre a cidade em si. A escolha do título ‘‘Percusos Fluviais’’ veio justamente do percurso realizado durante a pesquisa pelas margens do Riacho Tauape. O excercício de seguir as águas poluídas, muitas vezes um trajeto árido e repleto de obstáculos, serviu para reafirmar a condição desses elementos como espaços marginalizados na cidade.Por outro lado, foi surpreendente ver que apesar dessas condições, as pessoas ainda pescam, conversam e fazem suas atividades de frente para as águas. Figura 1 - Lazer às margens do rio Huang He, na China. Um terço do rio se encontra severamente poluído, sendo impróprio até para usos industriais. Foto: Zhang Kechun
A conclusão da pesquisa serviu como apoio para a participação no concurso CURA - rios urbanos, no qual foi possível dar início as propostas projetuais para o riacho. Feito isso, a comunidade do Lagamar foi escolhida para um maior aprofundamento por já apresentar um grande histórico de 9
10
SUMÁRIO
LIVRO UM [ CIDADE E ÁGUA ] 1. introdução
13
2. Rio/Cidade
15 16 18 22 25 30
3.Chuva/Cidade
34 36 40
4. A paisagem das águas como infraestrutura
47 48 52
2.1O rio sagrado 2.2 O rio primordial 2.3 O rio híbrido 2.4 O rio estruturador 2.5 O rio brasileiro
3.1 A urbanização e o Ciclo hidrológico 3.2 Riscos de Origem Hídrica
4.1 Manejo sustentável das águas pluviais 4.2 Revelando a paisagem Fluvial
5. Projetos sensíveis a água 5.1 Rio Rhône 5.2 Rio Sena 5.3 Rio Cheonggyecheon
56 58 60 62
6. Bibliografia
64
11
12
INTRODUÇÃO Os rios podem ser entendidos como elementos estruturadores do espaço urbano, servindo de referencial territorial, transporte, local de lazer e de produção de alimentos. Nas metrópoles brasileiras esses recursos hídricos já foram grande destaque no cenário urbano, configurando-se como ponto de partida de várias cidades. No entanto, nas últimas décadas as dinâmicas sócio-espaciais da urbanização não humanizaram as cidades, provocando a morte dos rios e a perda do significado da paisagem fluvial, transformando os rios em meros corredores de escoamento de dejetos, escondidos, poluídos e invisíveis. Para o município de Fortaleza, o tratamento de seus cursos d’agua não foi diferente: sujos, com mau cheiro, passíveis de alagamentos e verdadeiros esgotos urbanos, seus rios e riachos hoje encontram-se degradados e são vistos como corredores de doença por grande parte da população. Nessa perspectiva, as medidas e os projetos de recuperação da paisagem fluvial se tornam instrumentos indispensáveis para a preservação e manutenção dos recursos hídricos e da paisagem urbana. Diante disso, esse trabalho visreconhecer o papel estruturador dos rios e restaurar a paisagem fluvial inserida na malha urbana, através do redesenhoda cidade.
Figura 2 - Os canais Holandeses Fonte: http://mislugaresfavoritosjbt. blogspot.com.br/2016/03/
13
14
RIO / CIDADE Ao longo da história da humanidade os rios desempenharam uma enorme variedade de papéis que moldaram a sociedade. Esses recursos hídricos já foram adorados e temidos como divindades, forneceram suas águas para o avanço de grandes civilizações, e estruturaram as cidades ao mesmo tempo em que por elas foram estruturados. Nos últimos séculos, tiveram suas águas castigadas pelo descontrolado processo de urbanização, que reduziu esses elementos a simples escoadouros de dejetos gerados pelos aglomerados urbanos. Atualmente, esses elementos retornam a ter destaque no debate relativo ao planejamento das cidades, que voltam a reconhecer o seu valor, procurando maneiras mais sustentáveis de convivência entre a cidade e a água. Esse capítulo procura explicar através de um aprofundamento histórico e social as diferentes formas nas quais os rios influenciaram e influenciam as cidades, percorrendo sua evolução desde o seu carácter místico na antiguidade até sua forma híbrida dos dias atuais.
15
16
O RIO SAGRADO Os rios sempre foram objetos de diversas lendas e superstições ao longo dos anos. A água é considerada um símbolo de pureza e fonte de vida, possuindo um papel principal em várias religiões como o Hinduísmo, Cristianismo, Judaísmo, Islamismo, Xintoísmo e Wicca. Os povos da antiguidade que se encontravam à mercê das forças da natureza encontraram no misticismo uma forma de explicar os fenômenos naturais, como os períodos de cheias e estiagem dos rios. Dessa maneira, o homem primitivo via na natureza forças que deveriam ser agradadas para que houvessem terras férteis, caça em abundância e proteção de sua tribo. (Santos 2012; Olivieri, 2005) ‘’A água lava o corpo e, consequentemente, purifica-o, e estas qualidades conferem-lhe um simbolismo, ou mesmo um estudo sagrado. A água é, portanto, um elemento chave em cerimônia e rituais religiosos. ’’
Figura 3 - Homem se banhando no rio Ganges, na Índia. Fonte: http://www.bbc.co.uk/news/ resources/idt-aad46fca-734a-45f98721-61404cc12a39
Saraiva (1999) classifica esse período da relação entre rio e sociedade como a fase do ‘’Temor e Sacralização’’, nas quais estão associados ritos de purificação de batismo, de perdão, de castigo, de vida e de morte. Os simbolismos dos fenômenos naturais nessa época podem ser observados especialmente no mito das inundações, referencial para diversas culturas ao redor do mundo. Com a exceção dos povos africanos (sem contar o Egito), todas as demais civilizações possuem um relato de eventos catastróficos narrando a água como uma força desoladora que arrasa o planeta e leva consigo toda a humanidade. A descrição do dilúvio na bíblia Cristã e na mitologia grega, por exemplo, se fundamentam na ideia da subida da água como punição divina, trazida para lavar os pecados acumulados pela humanidade. (Almeida; Zordan, 2010)
rituais religiosos, sendo o mais consagrado deles a dispersão de cinzas dos mortos. As margens dos rios indianos são estruturadas a partir desse ritual, formando degraus a partir da interposição de tábuas de madeira. As cinzas dos mortos espalhadas pelo rio dão início ao ciclo de reencarnação, associado as águas do rio. Os indianos morrem nas margens do Ganges ao mesmo tempo que outros o utilizam para banhar-se e lavar seus utensílios domésticos. (Almeida 2010) No Brasil, os povos indígenas viam o rio como elemento de vital importância, já que diversas comunidades se originaram a partir deles. Para algumas tribos, a água estimula o crescimento físico e amadurecimento psicossocial, sendo realizados alguns rituais para que se obtenha permissão de entrar no rio e desenvolver a pesca. (Almeida 2010) Embora atualmente ainda existam regiões nas quais os rios possuem forte valor simbólico, no geral pode-se notar a grande mudança desses elementos ao longo do tempo, perdendo sua condição mística, adorada e temida, para um elemento passivo e condicionado pela ação humana.
Ainda hoje algumas culturas tratam os rios como elementos sagrados, como é o caso dos Hindus. As águas do Ganges, rio mais importante da Índia, são palco para vários 17
O RIO PRIMORDIAL Quando se fala da origem das ocupações urbana, é comum citar os rios como o ponto de partida de várias cidades. Sendo constantemente explorados por diversos motivos, entre eles a necessidade de abastecimento de água, alimentos e transporte, os rios consolidaram-se como elementos primordiais na formação dos aglomerados urbanos, muitas vezes guiando o desenvolvimento das cidades ao longo de suas margens. Desde que o homem deixou de ser nômade para se tornar um ser sedentário, fez-se necessária a procura de lugares estratégicos propícios a sua subsistência. Os primeiros povoados agrícolas do Oriente médio se situavam as margens de rios ou entornos de lagos e mares, garantindo assim o suprimento necessário de água para as plantações e para consumo, além de facilitar os deslocamentos. (MIGUEZ; VERÓL; REZENDE, 2016). De acordo com Almeida (2010), é nessa época que surge o contexto de procura de eficiência e equidade na distribuição de água, impulsionando o surgimento das chamadas ‘’civilizações hidráulicas’’. Dessa forma, os vales férteis dos rios deram origens a civilizações como Mesopotâmia, Egito, índia e China, que também foram as percussoras na formulação de técnicas de controle da água e da produção de alimentos, propiciando o que ficou conhecido como a Revolução Agrícola. Pode-se dizer que é também nessa época que surgem as primeiras obras de drenagem, servindo inicialmente como técnica complementar de irrigação. Alguns rios do oriente, por exemplo, sofriam estiagem durante as épocas de germinação, não seguindo o calendário da colheita. Nesses casos, foi de extrema importância para o desenvolvimento das cidades a criação de técnicas de irrigação que permitiam grandes colheitas nas planícies aluviais férteis, mesmo com a escassez das chuvas (MIGUEZ; VERÓL; REZENDE, 2016). Os rios, juntamente com a criação dos sistemas primitivos de drenagem, impulsionaram a formação das primeiras cidades localizadas na região conhecida como ‘’Crescente 18
Fértil’’, constituída por planícies prolíferas adjacentes aos rios em regiões de clima quente e árido. A manipulação da água por meio das irrigações ou controle de cheias, adotada principalmente por grandes e importantes civilizações como o Egito e a Mesopotâmia, fez com que a ao longo do séc. VI a.C tenha se criado um forte elo entre os homens e os rios (Almeida 2010). Caracterizadas como cidades desenvolvidas em ‘’meio ambientes de beira de rio’’, tanto o Egito quando a Mesopotâmia se viam governados pela natureza. Apesar de estarem inseridos em ambientes naturais parecidos (carência de chuvas e dependentes da água dos rios), a relação da população com as águas era em muitos aspectos bem distinta uma da outra, como cita Almeida (2010): ‘’Apesar de a Mesopotâmia apresentar um clima menos rigoroso do que o do Egito, e possuir médias de chuva maiores, a sua principal limitação é a imprevisibilidade climática. A chuva nas cabeceiras dos rios Tigre e Eufrates é extremamente irregular, ocorrendo fortes aguaceiros, exacerbados pelo derretimento da neve, culminando em inundações desastrosas. ’’ (ALMEIDA, 2010, pg. 57) Devido a regularidade das cheias no Egito, coube aos povos Sumérios o desenvolvimento de grandes obras de engenharia para o controle de enchentes, utilizando, por exemplo, a implantação de diques nos entornos das cidades. Além disso, outras obras de drenagem de grande escala permitiram a irrigação de terras distantes e estéreis a partir do desvio das águas dos rios Tigre e Eufrates (MIGUEZ; VERÓL; REZENDE,
2016). A relação do homem com a água, que provia, além de tudo a segurança alimentar, fez prosperar cidades que foram percursoras de várias criações e descobrimentos nas áreas da arquitetura, artes, ciências e engenharia, influenciando o desenvolvimento de várias civilizações mais à frente (Almeida, 2010). Essa relação, no entanto, passou aos poucos de uma conexão sinérgica para uma necessidade do homem de ‘’domar’’ as águas, fazendo com que o rio, antes elemento estruturador, virasse um elemento estruturado pela ação humana, perdendo muitas de suas características originais.
19
< Figura 4 - Visão de Satélite do Rio Nilo. Foto: Google Earth
> Figura 5 - Visão de Satélite dos rios Tigres e Eufrates Foto: Google Earth
20
21
O RIO HÍBRIDO Embora sua forte capacidade de estruturar o tecido urbano, o rio passou a ser também elemento estruturado e condicionado pela ação humana ao longo dos anos. A perda das características originais dos rios que cortam as cidades, principalmente por obras de engenharia hidráulica, fizeram com que eles se transformassem em elementos híbridos, que apesar de ‘’’carregar’’ a natureza em si, não se configuram mais como elementos totalmente naturais (Almeida 2010). A descaracterização do rio, seja pela perca da qualidade das águas ou pela sua invisibilidade ao ser transportado por galerias subterrâneas também afeta o modo como as pessoas interagem com a paisagem fluvial, pois impossibilita o reconhecimento por parte da população como algo a ser preservado e valorizado. (Ikeda 2013) Durante a revolução industrial as cidades obtiveram um intensivo crescimento em funções das migrações de pessoas vindas do campo, que compunham a classe operária. Sob a ótica capitalista na qual se deu esse processo de industrialização, e consequentemente de urbanização das cidades, a qualidade das habitações não era prioridade. Construíam-se amontoados de casas pequenas, sem espaços entre elas, não possuindo banheiro, esgotamento sanitário, ou água potável (Almeida 2010). A pobreza e a degradação ambiental da época estavam intimamente relacionadas: os aglomerados urbanos despejavam seus dejetos nos rios, que por sua vez se tornavam o espaço das margens desvalorizado, sendo assim os únicos lugares que a população de baixa conseguia se instalar. Durante esse período, os rios passaram a ser reduzidos a meros escoadores de resíduos, recebendo todos os produtos remanescentes das atividades fabris e dos grandes adensamentos urbanos, culminando na perda progressiva na qualidade de suas águas e do ambiente como um todo. Somado a esse quadro, os processos de artificialização dos sistemas fluviais modificavam a dinâmica e comprometiam o ecossistema dos rios, fazendo com que cada vez mais se distanciassem da sua forma original (Almeida 2010; Saraiva 1999). Em 1965, 22
Munford exemplificou a situação de degradação dos rios urbanos durante o período da revolução industrial: ‘’A fábrica usualmente reclamava os melhores sítios : principalmente, na indústria algodoeira, nas industrias químicas e nas industrias siderúrgicas, a situação perto de uma via aquática; pois grandes quantidades de água eram agora necessárias, no processo de produção, para abastecer as caldeiras da máquina, resfriar as superfícies quentes, preparar as necessárias soluções e tintas químicas. Acima de tudo, o rio ou canal tinha ainda outra função importante: era o mais barato e mais conveniente lugar de despejo de todas as formas solúveis ou semi-solúveis de detritos. A transformação dos rios em esgotos abertos foi um fato característico da economia paleotécnica. Resultado: envenenamento da vida aquática, destruição de alimentos, poluição da água, que passava assim a ser imprópria para banhos’’. (MUNFORD,1965, p. 583).
Para Saraiva (1999) e Munford (1965), a degradação ambiental se dava também através de um modelo de planejamento capitalista destrutivo, o qual não levava em consideração as características geofísicas do sítio urbano, como a topografia. A implantação desse urbanismo cartesiano em malha xadrez necessitava que diversas alterações fossem feitas no solo, como terraplanagens, aterramentos, cortes de encontras, entre outros, que culminavam em perdas econômicas para a sociedade e uma intensa modificação dos sistemas naturais da bacia hidrográfica, como a retificação e a canalização de rios e canais. O hibridismo advindo dessas modificações nos cursos d’água ao longo dos anos pode se mostrar de maneira mais
ou menos destrutiva. Podemos citar como exemplo o Rio Tamisa, em Londres, que canalizado, chegou a ser considerado o rio mais poluído do mundo por volta dos anos 1800. O crescimento desenfreado da cidade e ausência de um sistema de tratamento de esgoto fizeram que que esse curso d’água recebesse a água não tratada de mais de 4 milhões de habitantes (Almeida 2010). Em 1957, O museu de história nacional da Inglaterra declarou o rio como biologicamente morto, descrevendo-o como um ‘’vasto canal de escoamento mal cheiroso’’. A partir dos anos 1960, o melhoramento do sistema de saneamento da cidade e o início do desenvolvimento de uma consciência ambiental ao redor do mundo conseguiram dar início ao processo de recuperação do rio, fazendo-o respirar de novo (SOPHIE HARDACH, 2015). Atualmente, o Tamisa é um rio híbrido, que não foi renaturalizado em sua totalidade, mas consegue conviver de forma mais harmônica com a cidade, configurando-se como elemento de enorme valor turístico, econômico e paisagístico. Essa mudança dos paradigmas observada nos últimos anos, cujo o objetivo é uma melhor relação entre as cidades os rios urbanos nos leva a concluir que que o hibridismo não é uma característica necessariamente ruim, desde que seja adaptado para reconhecer a dinâmica e complexidade dos processos biológicos dos cursos d’água. Acredita-se que o rio não deva ser um ecossistema natural à parte da cidade, e sim um elemento que componha a infraestrutura da malha urbana, aproveitando-se de todo o seu potencial.
23
24
O RIO ESTRUTURADOR Embora o homem tenha tentado domar os rios à todo custo, é inegável o papel desse elemento na estruturação das cidades, ao ponto que podem influenciar através da sua forma física a localização dos centros urbanos e suas atividades, a forma de crescimento, a conformação das vias, das edificações, dos espaços livres, entre outros (Aldigueri 2010). Embora muitas vezes a ocupação urbana tenha se dado de maneira conflituosa com os rios, vendo-os como uma barreira ao crescimento das cidades, é possível analisar através das suas características a maneira como esses elementos moldam a ocupação urbana. Em 2010, Aldigueri classificou os diferentes atributos relativos ao rio que podem influenciar na ocupação urbana, sendo eles os biofísicos, os visuais e os espaciais.
Atributos Biofísicos
Figura 6 - “Monster Soup commonly called Thames Water” (1828) - William Heath Uma mulher derruba sua xícara de chá ao se deparar com os horrores de uma gota do rio Tâmisa ampliada, revelando a impureza das águas utilizadas para consumo em Londres.
da relação e interdependência entre esses componentes, que representam os processos biofísicos’’ (Aldigueri, 2010; p44) De acordo com Aldigueri (2010) e Ghilard (2004), a presença dessas características biofísicas dos rios podem estruturar as cidades ecologicamente, trazendo a natureza para o convívio das pessoas, sendo as águas capazes de agregar qualidade ambiental ao meio urbano, consequentemente afetando na saúde do meio e da população. Cada um dos elementos biofísicos que compõe os rios têm uma função tanto na formação de seu próprio curso como na estruturação da ocupação urbana em seu entorno. Na tabela 01 serão exemplificados como cada elemento pode influenciar no uso do solo .
Por se configurarem como espaço de grande relevância ambiental, os rios reúnem em si diversos e complexos processos biofísicos, os quais oferecem os mais variados limites e oportunidades para a utilização de seu espaço pelo homem. Mcharg (1969) afirma que a compreensão dos processos naturais realizados pelo rio é necessária para que se possa planejar com mais eficiência os espaços que devem ser preservados, os espaços aptos a serem ocupados e quais os tipos de uso compatíveis. Ao reconhecer, por exemplo, os processos referentes as planícies de inundações e áreas de deslizamento, pode-se proibir ou regular a ocupação urbana para garantir a segurança da população, ao passo que o entendimento das outras funções como regulação da temperatura e biodiversidade podem propiciar usos de lazer. ‘’o rio não é apenas constituído do elemento água, é também vegetação, solo, relevo, fauna e flora. Entretanto, o rio não é apenas um somatório das partes, o rio é gerado a partir 25
Tabela 1 - Elementos Biofísicos dos Rios | Fonte: Adaptado de Aldigueri (2010)
ÁGUA
O planejamento dos espaços das águas pode servir para controlar enchentes, portanto as áreas passíveis de inundação e áreas alagáveis devem estar livres de ocupação urbana, podendo apresentar alguns usos compatíveis com essas áreas como recreacionais, esportivos etc.
RELEVO
Está relacionado com o sistema hídrico, no qual percebe-se a presença das áreas planas inundáveis e as áreas de talvegue nas quais correm os rios e córregos, ou seja, a análise do relevo é a análise das linhas de drenagens naturais. Pode-se estruturar a ocupação ao analisar as áreas baixas alagáveis, áreas de drenagem natural que não devem ser interrompidas e áreas de maior inclinação, que devem preservar sua vegetação para que não haja erosão, entre outros.
SOLO
A porosidade do solo influencia na permeabilidade e infiltração da água, sendo assim, solos compactos e pouco porosos aumentam a quantidade de água que escorre pela superfície por não conseguir adentrar no solo, contribuindo para o aumento de inundações. Dessa forma, a ocupação urbana deve atentar para a utilização de solos mais permeáveis e áreas não construídas.
VEGETAÇÃO
A vegetação é um elemento prioritário na complexidade dos processos naturais apresentados pelos rios, devendo sempre ser levada em consideração na construção de territórios. Por possibilitar a melhor infiltração da água no solo, a vegetação tem um papel fundamental na drenagem da água, pois além de armazenar água na superfície do solo e nas folhagens, libera parte dessa água lentamente por evaporação ou transpiração. A vegetação ainda contribui para a diminuição da erosão, ao passo que estabiliza o solo e previne sedimentos sólidos de irem de encontro aos rios. Devido a sua importância, a ocupação urbana deve respeitar as áreas vegetadas de maior importância para os rios, sendo necessária uma análise das áreas mais ou menos preservadas para saber quais poderiam ser os seus usos, sua necessidade de preservação ou reconstituição.
26
Atributos Visuais Os rios, através da singularidade de suas formas e do seu entorno, podem se configurar como elementos de grande atrativo visual. Por ser uma entidade heterogênea, detendo diferentes nuances físicas e como consequência distintos elementos e visadas durante o seu percurso, é possível destacar áreas de interesse mais ou menos visualmente significativos (Aldigueri 2010). Para Mann (1973), o rio, suas margens e o seu skyline, formam um corredor cênico, nos quais se faz necessário a aplicação mecanismos que garantam uma proteção estética e assegurem ao máximo as áreas de exposição para ver a paisagem do rio pelos ocupantes do entorno desse corredor.
visuais, podendo influenciar o modo como se desenvolvem os assentamentos e a infraestrutura urbana ao longo de suas margens. A autora considera, dentre os vários atributos morfológicos que compõe um corpo hídrico, a longitudinalidae, a transversalidade e a profundidade como os de maior importância na configuração espacial e funcional do entorno das margens, como exemplificados na tabela 2. Diante disso, pode-se notar que através da análise dos atributos biofísicos dos rios é possível traçar e propor usos mais condizentes com o porte do curso d’água, pontuando, entre outros aspectos, as áreas que podem ser mais ou menos urbanizadas.
O potencial cênico dos rios é tão forte que muitas vezes, embora suas águas não se apresentem ecologicamente saudáveis, eles ainda são capazes de atrair a ocupação e de definir sua organização e usos para atividades de lazer, que se tornam mais prazerosas devido ao seu alto valor paisagístico (Aldigueri 2010). Como exemplo dessa apropriação em margens de rios poluídos podemos citar a comunidade do Lagamar, as beiras do riacho Tauape em Fortaleza, CE, que será objeto de estudo desse trabalho mais à frente. Os habitantes da comunidade se utilizam das margens do riacho extremamente poluído como principal ponto de lazer aonde acontecem os encontros, festas, e até a venda de mercadoria. Por fim, considera-se que os atributos visuais dos rios contribuem para o seu carácter estruturador, uma vez que os pontos de interesse cênico podem servir de norte para a implementação de diversos equipamentos, sejam eles espaços públicos livres ou edificações.
Atributos Espaciais Aldigueri (2010) afirma também que os atributos espaciais dos rios, caracterizado pelos seus aspectos morfológicos, apresentam relação direta com os aspectos biofíscios e 27
Tabela 2 - Atributos Espaciais dos Rios | Fonte: Adaptado de Aldigueri (2010)
LONGITUNIDADE
Está relacionada a forma e a extensão do rio, podendo ser classificado de acordo com a sua sinuosidade como retilíneo, meândrico, entrelaçado e anastomosado. A sinuosidade é uma característica iminente dos rios, e está diretamente relacionada ao alto valor dos seus atributos visuais. Os rios mais sinuosos apresentam mais fluidez em sua forma, e consequentemente possibilitam uma extensão maior de frente, ou seja, dos pontos visuais para o rio, além de propiciar perspectivas mais diversificadas. O traçado do rio pode ainda influenciar a locação de vias paralelas ao seu curso, desde que respeitando os seus processos biofísicos. Outro aspecto importante que se dá pela longitudinalidade dos rios é a conectividade, devido a sua capacidade paisagística de conduzir determinados fluxos e movimentos de espécies e matérias, conectando diferentes habitats naturais. Aldigueri (2010)
TRANSVERSALDIDADE
Relativa as dimensões transversais do rio como a sua largura, caracterizando-se pela separação das margens. Rios de amplas dimensões, tanto em largura, extensão e profundidade, remetem a limites mais definidos e atuam como zonas de filtro tanto para fluxos urbanos como para algumas espécies de animais. A maior dificuldade de atravessamento desses corpos hídricos faz com que eles apresentem uma maior proteção as espécies que habitam seu curso, além de possuírem menor possibilidade de se tornarem invisíveis na paisagem urbana. Devido a uma maior concentração da fauna, faz-se necessário a preservação dos trechos mais largos do rio, configuradas como áreas importantes para a qualidade do corredor hídrico. Para a sua manutenção dessas áreas é interessante desestimular a ocupação próxima a esses pontos para que o rio mantenha a suas dimensões originais. Aldigueri (2010)
PROFUNDIDADE
Relativo ao nível da água do rio, podendo impactar na qualidade da água, tipos e espécies de animais e do tipo de usos possíveis, como a possibilidade de haver transporte hidroviário, portos, entre outros. Aldigueri (2010)
28
Figura 7 - Atributos Espaciais dos Rios. Fonte: Modificada de https://error-23.deviantart.com/art/Down-River-Low-Poly-399158451
29
O RIO BRASILEIRO
O Brasil possui a maior bacia hidrográfica e o maior rio do mundo, apesar disso, os rios das cidades brasileiras em geral são desvalorizados pela sociedade. O processo de urbanização descontrolada sob a ótica de desenvolvimento cartesiana, que procura adaptar a natureza aos interesses econômicos, culminou na desvalorização dos rios, que se transformaram em canais condutores de esgoto e resíduos sólidos, desvalorizando o ambiente ao seu redor. (Almeida 2010) Os impactos na qualidade ambiental das águas, advinda principalmente da poluição industrial e de ligações clandestinas de esgoto, transformam os rios em pontos focais de doenças, locais de acúmulo de lixo, entre outros. Tentando resolver a situação, o poder público optou por forma paliativas como a canalização, retificação e o tamponamento de rios e córregos. Ao longo do século 20, quase todos os recursos hídricos tratados pela prefeitura se encontram hoje escondidos debaixo de galerias sob avenidas que se estendem por sua várzea; isso quando já não possuem suas margens ocupadas para a população de baixa renda, que por não ter condições financeiras de morar na cidade formal, se instalando ao longo desses espaços desvalorizados ao longo das margens. De acordo com Musetti (2006), apenas a cidade de São Paulo possui 1.500 córregos e riachos soterrados. (Travassos, 2010; Almeida, 2010) Para Almeida (2010) e Neto (2013), essas obras de infraestrutura remetem ao pensamento higienista e dos engenheiros militares da época colonial, representadas na prática pelo aterramento de pântanos e alagados, canalização e retilinização de canais fluviais. As águas canalizadas dos rios que levavam consigo os esgotos da população deveriam ser escoadas o mais rápido o possível para fora da cidade e as 30
áreas alagadas dos pântanos, vistas como causadoras de diversas doenças, deveriam ser erradicadas. Através do pronunciamento abaixo, feito pelo prefeito da cidade de Fortaleza em 1850, podemos observar melhor como se dava esse pensamento higienista que norteou os primeiros projetos de obras hidráulicas da época: ‘’Havia a necessidade de extinguirem completamente os pequenos pântanos que no sitio desta cidade - denominado Prainha - se forma em parte pelas agoas do mar, que em certas épocas invadem e alagam os terrenos mais baixos, e em parte pelas das chuvas, que ahi se conservam constantemente estagnadas. A esses focos perenes de miasmas são sem dúvida devidos aos casos frequentes de febres intermitentes que, em cestas quadras, se manifestam em suas vizinhanças’’ Fausto Augusto de Aguiar (1850) – Extraído de Neto (2013)
Figura 8 - Início das Obras de Canalização do Rio Tamanduateí, em São Paulo Fonte: Acervo do Estadão
31
Figura 9 - Início das obras no Rio Tietê, São Paulo Fonte: Acervo do Estadão
32
Aliado a isso, pode-se notar a falta de entendimento dos processos geomorfológicos no desenvolvimento das cidades. De acordo com relatos extraídos por Neto (2010), no início do século XX o centro da capital de Fortaleza passou por um intenso processo de aterramento, visando nivelar alguns declives por onde escoavam as águas tanto em períodos de chuvas como provenientes de outras nascentes naturais, atualmente inexistentes. Os cursos d’água da época não podem ser analisados com exatidão, mas os depoimentos históricos indicam uma intensa circulação das águas aonde o centro foi construído, ocupando e alterando o caminho das águas por casas, ruas e prédios. No início do séc. XX, Travassos (2010) afirma que em São Paulo várias formas de tratar os rios urbanos e suas várzeas foram propostas, como o enxugamento das várzeas, retificação dos corpos d’água e até a conservação de uma parcela de suas características naturais, por meio de alagados construídos que protegeriam as áreas urbanas das inundações, não havendo nenhum modelo prioritário. Com a chegada da década de 1930, O plano de avenidas do Engenheiro Francisco Maia consolidou a vinculação entre a construção de avenidas e as práticas de canalização de córregos e rios, na qual as avenidas perimetrais e radiais tinham como base principal as várzeas urbanas. Essa prática ao mesmo tempo urbana e de drenagem, se configurou como modus operante do poder público para urbanizar fundos de vale e eliminar extravasamento de rios, permanecendo como modelo para os vários planos urbanos que se seguiram. A partir de 1960 o processo de urbanização desenfreada expôs os ambientes fluviais que não se encontravam canalizados a ocupações informais e improvisadas, formadas principalmente pela da grande quantidade de migração de pessoas de baixa renda para a cidade. Esses fenômenos se mostram bem marcantes na região nordeste, principalmente devido ao êxodo rural na qual os camponeses buscavam se refugiar da seca. Em Fortaleza, os rios Cocó e Maranguapinho
configuram-se como espaços de segregação cruéis, a qual a população se expõe a sofrer grandes riscos de causas ambientais. (Almeida 2010). É apenas no final da década de 1960 e início da de 1970 que a questão ambiental ganha corpo nas políticas públicas de urbanização, buscando novas formas de tratamento dos rios urbanos e suas calhas. A descoberta dos processos físico-químicos advindos da urbanização que geram impactos nas cidades como as chuvas ácidas e ilhas de calor alimentou um novo pensamento, guiando a reconstrução dos espaços sobre novas bases, tento a qualidade de vida como objetivo principal. Um dos pontos marcantes das novas intervenções nos corpos hídricos é o abandono de modelos pré-concebidos, pois leva em consideração que cada contexto é único e demanda diferentes preocupações. (Travassos 2010)
33
34
CHUVA / CIDADE Não é novidade que o rápido e destrutivo desenvolvimento das cidades trouxeram enormes danos para o meio ambiente. A perda da cobertura vegetal e o extensivo processo de impermeabilização do solo têm impacto não apenas na paisagem fluvial urbana, mas em todo o ciclo da água. Devido a esse quadro, o número de acidentes por cheias e inundações se mostra cada vez maior. Neste capítulo serão explorados os impactos da urbanização no ciclo hidrológico e estudadas as técnicas combativas de drenagem de águas pluviais.
35
36
URBANIZAÇÃO E O CICLO HIDROLÓGICO
A urbanização pode ser considerada uma das ações antrópicas que geram mais impactos ambientais, especialmente a partir das consequências advindas do uso e ocupação do solo, que através do desmatamento, impermeabilização e ocupações irregulares das planícies ribeirinhas, alteram a ciclo hidrológico da bacia, diminuindo a qualidade das águas e resultando em alterações diversas daquelas que seriam as naturais. A perda da cobertura dessa cobertura vegetal é responsável por reduzir a evapotranspiração, eliminar a proteção do solo contra a erosão e a compactação, reduzir a capacidade de infiltração do solo e elimina a interceptação vegetal. (MIGUEZ; VERÓL; REZENDE, 2016). O processo de impermeabilização do solo, além de reduzir a capacidade de infiltração da bacia, também elimina retenções pela regularização das superfícies, consequentemente aumentando o escoamento. De acordo com uma pesquisa apresentada em 2012 na 9ª Conferência Internacional de Drenagem Urbana (9IUCD), quando as áreas impermeáveis na bacia chegam a 10% do total, os sistemas hídricos já começam a apresentar sinais de degradação, ao nível que uma cobertura pavimentada maior que 30% já é associada a um nível de degradação severo, praticamente irreversível. As áreas verdes que antes eram naturalmente alagáveis dão espaço a ambientes construídos que possuem uma demanda pela eliminação de alagamentos, fazendo com que seja necessário a criação de sistemas artificiais de drenagem, que modificam ainda mais o padrão de escoamento e incrementam as vazões de pico (MIGUEZ; VERÓL; REZENDE, 2016). De acordo com LEOPOLD (1968), a produção do escoamento superficial em áreas impermeabilizadas pode chegar a ser seis vezes maior que o valor do escoamento natural.
As consequências da urbanização sobre os corpos
d’água podem ser analisadas mais claramente a partir de um estudo realizado por Toronto and Region Conservation (2006), que caracterizou esses impactos da seguinte maneira:
Mudanças no fluxo dos corpos d’água Os efeitos podem ser sentidos pelo aumento do pico de vazão das cheias, da velocidade e do volume dos escoamentos superficiais, que levam a maiores incidências de riscos relacionados a inundações, já que a calha principal extravasa mais frequentemente e com maior intensidade. Outros efeitos negativos são: a intensificação do processo de erosão e a redução das vazões de estiagem, que tendem a diminuir devido à menor área de infiltração do solo, responsável pelo abastecimento das águas subterrâneas.
Alterações na geometria dos canais O processo de canalização gera grandes mudanças na morfologia dos rios. A largura do canal aumenta para comportar o aumento da vazão em eventos de cheia, que por sua vez também propiciam a erosão das margens, consequentemente assoreando o leito do rio mais a frente, pela sedimentação do material erodido. Além disso, ao alterar a sinuosidade do rio, a velocidade da corrente aumenta, também influenciando no processo de erosão.
Degradação do habitat aquático:
As mudanças nos padrões físicos dos rios e do escoamento das águas pluviais causam grandes impactos a vida aquática. O aporte de água mais quente drenada de áreas pavimentadas ou de bacias de detenção, aliadas a perda da
Figura 10 - Vista Aérea do Rio Tietê, em São Paulo Fonte: Google Earth
37
mata ciliar podem resultar em um aumento da temperatura da água, o que contribui para a redução do nível de oxigênio dissolvido, fator de suma importância para um ecossistema aquático equilibrado. Além disso, o aumento da velocidade das águas pode dificultar a permanência de certos animais e comunidades aquáticas.
amostras ainda revelam o alto nível de coliformes fecais encontrados na água, chegando a 16 mil a cada 100ml de água. De acordo com a Resolução nº 274/2000 do CONAMA, o valor máximo para contato de primeiro grau seria de apenas 1000 a cada 100ml.
Prejuízo à qualidade da água: O escoamento de águas pluviais drenados para o curso d’água é extremamente danoso, pois são responsáveis por ‘’ lavar’’ a superfície urbanizada, de onde trazem consigo todos os poluentes. Grande parte desses elementos contaminantes são compostos por matéria orgânica, a qual aumenta a concentração de nutrientes presentes na água e propicia o aparecimento de aguapés. Outro impacto a ser considerado é a presença de microrganismos patogênicos nos corpos receptores, provindo de ligações clandestinas da rede de esgoto na rede de drenagem. Além dos óbvios impactos ambientais citados acima, é importante citar que os efeitos negativos da urbanização sobre os cursos d’água afetam também os mais diversos setores sociais e econômicos, como o turismo. As praias, destino final dos rios e consequentemente da rede de drenagem, absorvem toda a poluição difusa e esgotos clandestinos ligados nas galerias pluviais. Podemos citar como exemplo o caso da cidade de Fortaleza, que possui como uma das principais fontes de renda o turismo praiano. Um estudo realizado pela Superintendência Estadual do Meio Ambiente (SEUMA) mostrou que apenas 6 dos 31 pontos analisados no litoral estavam próprios para banho, ao passo que algumas praias famosas como a Praia do Futuro se encontravam totalmente impróprias. As 38
Figura 11 - Poluição na praia do Mucuripe, Fortaleza. Fonte: Jornal OPovo
39
CHEIAS URBANAS E OS PROJETOS DE DRENAGEM
Cheias e inundações são fenômenos naturais, habituais e que não podem ser evitados, já que fazem parte do comportamento hidrometereológico de uma região. Porém, como visto anteriormente, a ação humana contribui ativamente para um aumento da probabilidade da ocorrência e das consequências desses fenômenos. As cheias apenas se transformam em desastre quando, por ocorrer em solo urbano, promovem consequências sociais, políticas e econômicas (Almeida 2010). Por definição, cheias ou enchentes são fenômenos que ocorrem quando há o aumento do nível da água de um rio em razão de chuvas periódicas, sem haver transbordamento de seu leito menor. As inundações, por sua vez, se caracterizam pelo transbordamento da água para além do leito de cheia, invadindo o leito maior ou a planície fluvial (figura x). (Almeida 2010) O extravasamento das águas urbanas são responsáveis pelos mais diversos danos, sendo os mais comuns na infraestrutura das habitações, degradação do ambiente natural e desvalorização do ambiente construído, propagação de doenças de veiculação hídrica, empobrecimento da população com perdas sucessivas entre outros. Além disso, estatísticas mostram que as cheias são o fenômeno natural que mais causa danos e perdas ao redor do mundo, sendo responsáveis por 60% das perdas de vidas humanas e 30% das perdas econômicas causadas por desastres naturais (Freeman 1999). De acordo com uma publicação do Banco Mundial, o número de grandes inundações vem aumentado ao longo das últimas décadas, fazendo com que o número de pessoas e bens afetados também seja maior. Essa tendência 40
acompanha o crescimento da população em áreas urbanas. Além de estarem mais concentradas, o ambiente construído favorece o aparecimento de enchentes devido à impermeabilização do solo (MIGUEZ; VERÓL; REZENDE, 2016). No mapa ao lado (Figura 12) é possível observar a distribuição de eventos de inundação ao redor do mundo, na qual o Brasil ocupa uma das posições principais. Diante desse quadro, projetos de drenagem se fazem essenciais no controle das inundações em solo urbano. Tradicionalmente, essa infraestrutura visa controlar e direcionar as águas precipitadas sobre o solo mais rapidamente para o seu destino final, evitando o seu acúmulo em regiões de interesse para a ocupação humana. Os projetos de combate às enchentes não são novidade, porém com o crescente número de pessoas que habitam zonas de risco nas cidades a adoção de medidas preventivas e combativas a esses fenômenos se torna imprescindível. De acordo com Miguez, Verol e Rezende (2016), os projetos de controle de cheias devem se constituir tanto de medidas estruturais quanto não-estruturais, como exemplificadas abaixo: Medidas estruturais São intervenções diretas nas calhas dos rios ou na paisagem urbana, modificando as grandezas hidráulicas e as características hidrodinâmicas do escoamento, dentre elas podemos destacar: Canalização: Medida estrutural mais adotada em intervenções para controles de inundações. Consiste na retirada
Figura 12 - Número de ocorrências de desastres de enchente por país| Fonte: EM-DAT
41
de obstruções para o escoamento da calha principal dos rios, retificação de trechos e regularização das margens, aumentando a velocidade do escoamento no geral. (MIGUEZ; VERÓL; REZENDE, 2016) Diques Marginais e Polders: Os Polders constituem a formação da maioria dos países baixos, como a Holanda. Caracterizam-se como medidas de contenção de inundações implantadas especialmente em áreas baixas da bacia, permitindo a proteção de planícies ocupadas pela urbanização. São compostos por diques de proteção, que isolam a região sujeita a inundação e direcionam a drenagem para um reservatório, no qual é bombeado de volta ao corpo d’água principal. Sendo assim, se faz necessária a preservação dessas áreas de reservatórios-pulmão do sistema para receber e armazenar as águas pluviais temporariamente. (MIGUEZ; VERÓL; REZENDE, 2016; CARVALHO 2013) Bacias de Detenção: Consistem de áreas de armazenamento temporário do escoamento superficial advindo das chuvas, visando principalmente reduzir o pico das enchentes. Embora exijam uma grande demanda por espaço, essas bacias de detenção podem adaptadas em diferentes escalas para se inserir no meio urbano, permitindo a utilização de espaços públicos alagáveis como parques, estacionamentos e praças, agregando valor urbanístico e servindo como áreas de amortecimento de cheias pluviais menos frequentes. (MIGUEZ; VERÓL; REZENDE, 2016)
Medidas não-estruturais As principais formas de medidas não-estruturais contra inundações partem de um princípio de gestão e prevenção 42
de riscos. Através da análise das manchas de inundação na bacia, por exemplo, é possível zonear e estruturar a ocupação urbana para cada faixa de inundação. Em 1971, WRC identificou essas faixas e classificou os tipos de uso mais propício a elas, como vistos na tabela ao lado. Aliado a esse zoneamento, a construção à prova de inundações também se mostra como uma boa estratégia de prevenção, visando reduzir os danos causados pelas inundações as propriedades. Essa medida deve ser tomada principalmente pelos habitantes da FAIXA 2 apresentada na tabela, devendo ser adaptada de acordo com as individualidades do comportamento das cheias de cada região. Dentre essas medidas podemos citar o uso de pilotis, bombas de esgotamento, paredes móveis, vedação de aberturas, entre outros. (MIGUEZ; VERÓL; REZENDE, 2016) Pode-se ainda citar outras medidas preventivas como o seguro contra inundações e o sistema de previsão de alerta para inundações. Ambas estratégias visam diminuir os prejuízos causados pelo extravasamento das águas, porém, no Brasil o seguro se mostra inviável ao passo de que uma grande parte da população que ocupa áreas alagáveis possui baixa renda, não podendo pagar pelo serviço. (MIGUEZ; VERÓL; REZENDE, 2016) As ações não-estruturais são importantes também por fornecer uma certa independência à população atingida por enchentes ou alagamentos, que pode tomar diversas precauções durante as épocas de chuva para reduzir os prejuízos sem ter que esperar pela ação do poder público. No Brasil, porém, observa-se uma dificuldade da implantação de medidas preventivas pela falta de conscientização da população, como afirma Fonseca (2010):
‘‘O costume de se esperar uns pelos outros, seguido da falta de conhecimento sobre riscos são paradigmas e posturas comuns à população brasileira. Deixar acontecer o fato para só depois tomar iniciativas para resolução do problema sempre foi um hábito nacional, isso pode explicar por que a Defesa Civil brasileira sempre atuou como uma força reativa e quase nunca em uma frente preventiva, proativa.’’ (Fonseca, 2010, p. 18)
cia de desastres elaborado, como é o caso do município de Fortaleza, no Ceará. Dentre as dificuldades para a elaboração desse plano, a principal é a falta de uma ferramenta gerencial da defesa civil do estado que permita identificar os pontos reincidentes de desastres, impedindo o auxílio da população antes, durante e depois do ocorrido.
Essa dificuldade de implantação se mostra também nos custos que o poder público tem ao lidar com desastres naturais. De acordo com Paiva Junior e Coelho (2010), os gastos com prevenção de danos no Brasil não chegam a R$ 100 milhões, enquanto que gastos com reconstruções ultrapassam R$ 1,1 bilhão, mostrando claramente a falta de planejamento e gestão ao se lidar com essas calamidades. Embora em épocas de chuvas as situaçõs de risco se tornem comuns em muitas metrópoles brasileiras, um grande número de cidades ainda não possui um plano de contingên43
Tabela 3: Definição da ocupação proposta para áreas alagáveis| Fonte:MIGUEZ; VERÓL; REZENDE, 2016
1 – Zona de passagem de cheias Alto Risco de Inundação
- Possui Função Hidráulica - Não deve ser ocupada - Uso para agricultura - Paisagismo e Proteção Ambiental
2 – Zona com Restrições
Inundações com Tempo de Recorrência entre 5 e 25 anos
- Parques e Atividades recreativas - Uso agrícola - Habitação com mais de um nível - Industrial e Comercial, áreas de estacionamento e carregamento, armazenamento de equipamentos facilmente removíveis - Serviços Básicos: linhas de transmissão, estradas e pontes
3 – Zona de baixo risco
Inundações com Tempo de Recorrência entre 50 e 100 anos
- Não necessita regulamentação quanto as cheias - Devem ser adotadas medidas de orientação sobre os riscos, ainda que pequenos, afim de mitigar possíveis danos em eventos críticos. Figura 13 - Sistema de Pôlders Holandeses. Fonte: https://professorjamesonnig. wordpress.com/2012/11/20/a-construcaos-dos-polders-na-holanda/
44
45
46
A paisagem das águas como infraestrutura No contexto da problemática atual sobre efeitos colaterais da urbanização no ciclo da água, novos meios de se pensar e planejar a paisagem natural nas cidades vêm sendo estudados. Esses sistemas se diferem de um urbanismo ou de um planejamento convencional, os quais se mostram limitados à uma estética funcionalista que abrange principalmente questões como a acessibilidade, circulação, permanência e recreação. Além desses, os espaços não-construídos podem ter diversos outros usos como conectar fragmentos de vegetação, conduzir as águas com segurança, oferecer melhorias microclimáticas, atender os usos relacionados a moradia, trabalho, educação e lazer e acomodar as funções das demais infraestruturas urbanas como transporte, abastecimento e drenagem (Costa 2006).
Aliado a esses conceitos, Ikeda (2003) apresenta o conceito de infraestrutura azul como todo o sistema que abrange a rede hídrica da cidade, que, por sua capilaridade e amplitude, pode ser articulado juntamente de parques, praças, jardins, florestas urbanas e fileiras de árvores que constituem a infraestrutura verde, para que se obtenha a preservação dos recursos hídricos e uma cidade mais humana e sustentável. A infraestrutura azul, aliada juntamente à infraestrutura verde, pode ser servir como base para um sistema de parques fluviais que permeiam toda a área urbana nas mais diferentes escalas. Neste Capítulo serão abordadas técnicas de recuperação da paisagem e sua função quanto infraestrutura dentro da malha urbana.
A ideia de uma infraestrutura verde como um sistema de espaços livres, formada por diversos elementos como corredores verdes urbanos (greenways), alagados construídos (wetlands), reflorestamento de encostas e ruas verdes, pode fornecer grandes contribuições para um desenho urbano ecologicamente mais eficiente e que gere uma maior sustentabilidade urbana. (Travassos 2010) 47
Paisagem e o manejo sustentável das águas
As chamadas práticas tradicionais de drenagem podem ser resumidas como um sistema na qual se propõe adequar a calha – nesse caso, o rio – ao escoamento resultante que se dirige a ele, conduzindo as águas para outro local a jusante. Esse processo de canalização elimina a relação entre o leito e as margens, consequentemente diminuindo a qualidade das águas e dos ecossistemas dependentes dessa relação. Além disso, por privilegiar uma abordagem pontual, sem considerar o sistema da bacia como um todo, essas obras acabam por apenas transferir os problemas de cheia para trechos situados mais abaixo dos rios. Essa solução tradicional, além de mostrar ineficaz, também se torna inviável ao passo de que as cidades se desenvolvem sem um controle ou planejamento adequado. As áreas impermeabilizadas aumentam a quantidade de água que chegam no sistema de drenagem, e investimentos adicionais para readequar a rede de drenagem às novas vazões se mostram insustentáveis a longo prazo. (ALDIGUERI, 2012; MIGUEZ; VERÓL; REZENDE, 2016). Em sua publicação ‘’Landscape: Source of Human Life or Liability’’, John Tillman fala da substituição da paisagem fluvial por canais: ‘’ Ao substituir o curso da água que estava aqui, o concreto cru e estéril toma o lugar da fecundidade do solo e plantas. O concreto tem apenas um objetivo, ignorando a multiplicidade de outros propósitos servidos pela paisagem que por ele foi alterada...’’ 48
A problemática acima levou os estudiosos e profissionais da área, ao longo das últimas décadas, a adotar conceitos mais sustentáveis de drenagem, buscando soluções sistêmicas para a bacia como um todo, com intervenções distribuídas e que diferem dos métodos ‘tradicionais’, caracterizados por ações de grande porte emergenciais e esporádicas. Essa nova abordagem traz uma maior preocupação com o manejo das águas pluviais urbanas, integrando-as com o próprio tratamento do espaço. Assim, na Europa e nos Estados Unidos foram desenvolvidos, respectivamente, os conceitos de Sistemas de Drenagem Urbana Sustentável ( SUDS – Sustainable Urban Drainage Systems) e Melhores Práticas de Gerenciamento (BMP – Best Management Practices), ambos buscando reproduzir o máximo possível as condições naturais de drenagem antes da urbanização. (MIGUEZ; VERÓL; REZENDE, 2016) As BMP são definidas por AMEC (2001) como um conjunto de ações planejadas sobre a bacia que visam atenuar os impactos da urbanização, considerando os aspectos qualitativos e quantitativos da água. Esse sistema visa, além da melhoria ambiental e qualidade de vida urbana, o gerenciamento de riscos ambientais decorrente das águas pluviais urbanas, como é o caso das medidas não-estruturais apresentadas anteriormente. Os projetos SUDS, por sua vez, buscam reduzir os escoamentos superficiais através de estruturas de pequeno porte distribuídas na fonte dos escoamentos, diminuindo a necessidade de grandes estruturas de canalização de rios. No manual de Sistema de Drenagem Urbana Sustentável (CIRIA 2017) são apontados os principais elementos que constituem esse sistema: Faixas de infiltração (filter
Figura 14 - Corredor verde em área residêncial Fonte: Low Impact Development Manual p. 38
49
strips); valas de infiltração (Swales); bacias de Infiltração (Infiltration Basins); alagados construídos ( Constructed Wetlands); entre outros. (MIGUEZ; VERÓL; REZENDE, 2016)
nutrientes dos ecossistemas urbanos; diminuição do pico de cheias; criação de espaços de interação entre a sociedade e natureza entre outros.
Outro importante conceito que vem ganhando força nas últimas décadas e talvez o mais importante para essa pesquisa é o método LID – Low Impact Develpment. Os projetos LID buscam através de várias técnicas projetuais criar ‘’ paisagens funcionais’’, capazes de simular funções de infiltração e armazenamento da bacia pré-urbanizada, reduzindo assim a necessidade de implantação de grandes estruturas para a manutenção do controle de cheias urbanas. De acordo com o Manual de Low Impact Development publicado pela Universidade do Arkansas (2010), esse sistema busca uma aproximação mista entre a hard engineering, definida como os métodos tradicionais de drenagem, e a soft engineering, que leva em consideração os processos bioquímicos e multifuncionais da paisagem.
As técnicas LID, por se configurarem como intervenções espalhadas pela bacia, podem ser aplicadas em diferentes escalas, desde o lote até espaços públicos como parques ou estacionamentos.
O manual descreve ainda os três princípios do sistema LID: Retardar (slow), distribuir (spread) e absorver (soak) as águas de chuva perto de sua origem. Em um primeiro momento, o escoamento deve ser controlado e reservado temporariamente para diminuir o pico de cheias e deixar que ocorra o processo de sedimentação de resíduos sólidos (slow), em seguida, a água deve ser lentamente liberada para o solo, passando por filtros (spread). Finalmente, a água filtrada se concentra em áreas alágaveis (soak) compostas por vegetações capazes de realizar processos bioquímicos da retirada de poluentes. As vantagens desse tipo de abordagem são inúmeras: melhor qualidade das águas; recarga de 50
Figura 15 - Métodos de construção LID Fonte: https://professorjamesonnig. wordpress.com/2012/11/20/a-construcaos-dos-polders-na-holanda/
51
Revelando a paisagem fluvial
Para se buscar um resgate das águas urbanas, é necessário o entendimento da paisagem fluvio-natural como algo parte de um complexo ecossistema que vai desde a configuração morfológica das bacias hidrográficas até os processos bioquímicos realizados pela mata ciliar. A vegetação que cresce na área de várzea do rio, por exemplo, serve para amenizar o clima, reter água no solo, evitar o assoreamento e servir como filtro natural para poluentes trazidos pela chuva. As águas, por sua vez, fornecem os nutrientes para que essa vegetação cresça. A forma como se dá o rio, seja ela mais sinuosa ou retilínea, influencia diretamente na velocidade das águas e consequentemente do tipo de fauna e flora que poderão ser encontrados em seu ecossistema. Os processos de desmatamento, impermeabilização do solo e obras de drenagem convencionais modificam a bacia hidrográfica aumentando a velocidade de escoamento, contribuindo para o aumento de inundações e poluições difusas das águas (Gorski 2013; Costa 2006). Diante disso, nas metrópoles brasileiras altamente adensadas aonde a paisagem fluvial já perdeu grande parte de suas características naturais, surge o seguinte questionamento: É possível recuperar as funções e dinâmicas desses ecossistemas e ao mesmo tempo integrá-los com o tecido urbano? De acordo com Travassos (2013), é necessário primeiramente caracterizar a definição de ‘’revitalizar’’ quando falamos de rios, visto que existem de diversos conceitos e maneiras de intervir em cursos d’água buscando melhorar a sua condição. Dentre eles, podemos citar a restauração ecológica como o mais completo, pois visa a alteração do local para que ele possa restabelecer seu ecossistema natural anterior aos danos causados pela ação humana, recuperando assim sua estrutura, forma, diversidade e dinâmica. 52
A autora afirma ainda que, devido as alterações nas bacias advindas da urbanização – entre elas a impermeabilização do solo, poluição difusa e alteração nos padrões de chuva - é impossível se pensar no retorno do rio a sua condição ‘’original’’. No entanto, outras estratégias como a reabilitação, recuperação de áreas degradadas, melhorias ambientais, entre outros (tabela 3), podem ser utilizadas no meio urbano, já que esses artifícios não visam restaurar o rio em sua totalidade, mas sim recuperar a maioria de suas funções dinâmicas, como declara Guanaes (2012): ‘’A revitalização do rio deságua na revitalização de suas margens, uma área contínua com potencial quilométrico de lazer, de cultura e também econômico. ’’ Além das técnicas exemplificadas anteriormente, uma que vêm ganhando bastante destaque no cenário atual é a ‘‘daylighting’’, ou ‘‘trazer á luz’’, que propõe basicamente a reabertura de galerias subterrâneas ou canais. Essa estratégia pode partir simplesmente de uma indicação dos rios que passam por debaixo das ruas até recuperações em maior escala. (Travassos 2010) De acordo com Pickham (2000) e Travassos (2010), as vantagens de se abrir os canais são muitas, entre elas pode-se destacar a diminuição das inundações causadas pela insuficiência do sistema de drenagem, devido ao aumento da rugosidade do canal, possibilidade de se recriar a planície de inundação, melhoria da qualidade da água pela redução da poluição difusa e por sua exposição à luz e uma maior visibilidade do nível de água no canal, consequentemente melhorando o monitoramento de cheias.
Tabela 4: Definição de termos frequentemente utilizados nas ações de cunho ambiental em rios | Fonte: Adaptado de Travassos, 2010
Termo
Definições
Restauro ou restauração
É o restabelecimento da estrutura e da função dos ecossistemas. O processo objetiva voltar tanto quanto possível às características observadas antes da ocupação humana.
Reabilitação
Recuperação parcial de processos e funções de um ecossistema, inclui medidas estruturais e “recuperação assistida”, que consiste na remoção de algum distúrbio para que o processo natural se recupere.
Preservação
Atividades que visam manter as funções e características de um ecossistema, protegendo-o de uma futura degradação.
Mitigação
Compensação por algum dano ambiental, medidas que tenham como objetivo minorá-lo. Essas medidas podem acontecer no próprio local da degradação, ou em outro. Pode envolver o restauro de um ecossistema para uma condição socialmente aceita, ainda que não original.
Naturalização
Objetiva estabelecer um sistema hidrológico e morfológico variado, sistemas que sejam dinâmicos e estáveis, capazes de servir de suporte a ecossistemas saudáveis e biodiversos, mas sem referência a um sistema preexistente.
Criação
Formação de um sistema, como por exemplo a criação de alagados.
Melhoria
Um termo subjetivo, aplicado às atividades implantadas para melhorar a qualidade ambiental de um local 53
Figura 16 - Restauração na parque Creekside, na cidade de Oakley Fonte: http://www.restorationdesigngroup.com
54
Figura 17 - Restauração no riacho Creek, na Albânia Fonte: http://www.restorationdesigngroup.com
55
56
Projetos sensíveis à água Devido as mudanças de paradigmas no modo como os ecossistemas aquáticos vêm sido percebidos dentro do planejamento das cidades, os rios voltaram a adquirir o papel principal dentro de projetos de revitalização urbana. Diante disso, neste capítulo serão explorados bons exemplos de projetos e estratégias que buscaram resgatar o potencial e saúde ambiental desses espaços lindeiros as águas.
57
RIO RHÔNE
Lyon, Rhône, França
Arquiteto Paisagista: IN SITU Architectes Paysagistes (Annie Tardivon, Emmanuel Jalbert) Colaboração: David Schulz, Yann Chabod, Eve Marre, Marie-Gabrielle Beuvier Arquitetos: JOURDA architectes (Françoise Jourda) Execução: 2005-2007 Extensão: 5km
As margens do rio Rhône eram praticamente desconectadas da cidade de Lyon devido a uma avenida bastante movimentada e carros estacionados no cais imediatamente próximo das águas. Esse projeto paisagístico de 5km de extensão ao longo do rio visava a criação de um novo espaço livre dentro do centro urbano, trazendo a presença da natureza para dentro da cidade e melhorar a acessibilidade do rio para os habitantes. O projeto partiu da redução do espaço das avenidas nas margens e da criação de um passeio rente à água equipado com playgrounds, equipamentos esportivos, restaurantes e caminhos ineterruptos, possível através da construção de um estacionamento subterrâneo para a realocação dos carros que utilizavam do cais baixo como estacionamento. Uma das grandes características desse projeto é o fato da variação de usos e da dimensão do rio, que varia de 7 a 70 metros de largura. Dos seus extremos até o centro, o passeio ao longo das margens vai se tornando cada vez mais urbanizado, e a sua possibilidade de usos aumenta. Além disso, devido as cheias do Rhône serem curtas mas violentas, foi pensada a possibilidade do passeio ser completamente inundado durante certas épocas do ano. 58
< Figura 18 - Diagramas conceituais do projeto. Fonte: http://www.landezine.com
> Figura 19 - Passeios às margens do rio Rhône, em Lyon. Nota-se o uso de vegetação ripária resistentes ao alagamento, bem como a priorização do passeio a pé e ciclistas no cais baixo. Fonte: http://www.landezine.com
59
RIO SENA
Choisy-le-Roi, França
Arquiteto Paisagista: SLG PAYSAGE (Isabelle Schmidt & Associés) Execução: 2009
O projeto Quai des Gondoles no rio Sena partiu de uma iniciativa do governo francês para desenvolver as áreas as margens dos rios do país. O rio se encontra em uma área bem densa com poucos espaços de lazer, além de ser delimitado por grandes muros em toda a sua dimensão, dificultando a proximidade da população com esse elemento. Devido a isso, o projeto visou a proteção da região para eventos de cheias de até 50 anos, ao mesmo passo que forncesse uma melhor acessibilidade as margens do rio. A nova área da borda do rio foi dividia em duas partes. O passeio existente, localizado em um nível maior, foi equipado com uma parede de 1 metro resistente á água, que também serve como parapeito com iluminação integrada. Também como parte do projeto, foi construída um segundo cais na borda do rio, abaixo dessa área de proteção contra enchentes. Além da parede de contenção, a plantação de espécies nativas plantadas na margem do rio oferecem uma proteção natural devido ao seu denso sistema de raízes. O novo design também melhorou a qualidade ambiental do rio, ao passo que a criação do passeio rebaixado criou áreas de baixa correnteza, na qual outras espécies de plantas e animais podem se estabelecer. 60
Figuras 20 e 21 - Passeio artificial fixado com vigas de metal no rio Sena, em Choisy-le-Roi, França. Fonte: https://94.citoyens. com/2017/20-bords-de-seine-et-demarne-ou-lon-se-baignera-bientoten-val-de-marne,24-03-2017.html
61
Cheonggyecheon Seoul, Coréia do Sul
Arquiteto Paisagista: SeoAhn Total Landscape Execução: 2005 Extensão: 5,84km
O projeto de revitalização do rio Cheonggyecheon talvez seja o maior exemplo da mudança de paradigma do planejamento e do projeto urbano da atualidade. De acordo com Landscape Architecture Foundation (2017) , a cidade de Seoul passou nos últimos anos aos poucos de ser uma cidade com um desenvolvimento voltado para os carros para uma que valorize a qualidade de vida de seus habitantes e da importância dos seus ecossistemas funcionais. O projeto partiu da demolição de um viaduto em uma das mais movimentadas avenidas da cidade, além da retirada de trechos do canal de galerias subterrâneas, trazendo-o à luz. Partindo dessas estratégias, foi possível criar um corredor tanto ecológico quanto recreacional no centro da cidade. Além do redesenho dos rio, foram implementadas cerca de 22 novas pontes, sendo 12 exclusiva para pedestres. Para reduzir o tráfego nas margens, o uso do carro foi desmotivado e faixas exclusivas de ônibus foram criadas. Outra preocupação que se levou em consideração foi o nível das águas, que se mantém estável graças ao bombeamento de águas tratadas do rio Han e de outras estações de tratamento. 62
Figuras 22 -Cheoggyecheon depois da revitalização. Fonte: http://thecityfixbrasil. com/2013/07/22/solucoes-holisticas-para-as-cidades/
63
Bibliografia ALDIGUERI, Camila Rodrigues. Rios e ocupação urbana: o Rio Cocó em Fortaleza. 2013. 177 f. Dissertação (Mestrado) – UFRJ/PROURB/Programa de Pós-Graduação em Urbanismo, 2010. ARAÚJO, Laiz Hérida Siqueira de. DIAGNÓSTICO GEORREFERENCIADO DO USO E OCUPAÇÃO DO SOLO NAS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (APP) DA SUB-BACIA B1, BACIA DO RIO COCÓ, FORTALEZA-CE. 2012. Pós-Graduação em Engenharia Civil - UFC ASTEF Associação Técnica Científica Engenheiro Paulo de Frontin. Inventário Ambiental de Fortaleza. Fortaleza: Ed. [s.n.], 2003. AHERN, Jack; PELLEGRINO, Paulo; MOURA, Newton Célio Becker de. Infraestrutura verde: desempenho, estética, custos e método. CAGECE Cf. L. Downbor, “Economia de Água”, cit., pp. 27-36 Cf. Z. Neiman, “Queremos nadar no nosso rio! O simbolismo da balneabilidade para a construção do conceito de qualidade de vida urbana”, em L. Downbor & R.A. Tangnin (orgs.), Administrando a água como se fosse importante: gestão ambiental e sustentabilidade (São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2005), p. 264. ENTRE Rios. Direção de Caio Silva Ferraz. Produção de Joana Scarpelini. São Paulo: Senac-sp, 2009. (25 min.), son., color. Disponível em: <https://vimeo. com/14770270>. Acesso em: 5 jul. 2017. FAY JONES SCHOOL OF ARCHITECTURE (Arkansas). University Of Arkansas. LID - Low Impact Development: a design manual for urban areas. Fayettevile: UACDC, 2010. 117 p. FREITAS, Clarissa Figueiredo Sampaio. Ilegalidade e degradação em Fortaleza: os riscos do confl ito entre a agenda urbana e ambiental brasileira. Revista Brasileira de Gestão Urbana, Rio de Janeiro, v. 6, p.109-125, jan. 2014. Freeman, P. Gambling on Global Catastrophe. Urban Age, v. 7, n. 1, Summer, p 18-19, Washington, USA, 1999 FONSECA, Liedel Lima. DESASTRES NATURAIS DE ORIGEM HÍDRICA E SEUS IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS NA CIDADE DE FORTALEZA. 2010. 78 f. Monografia (Especialização) - Curso de EspecializaÇÃo em SeguranÇa PÚblica e Defesa Civil, Faculdade Metropolitana da Grande Fortaleza, Fortaleza, 2010. FUNASA- Fundação Nacional de Saúde. Manual do Saneamento. 3ed. Brasília, 2006. Disponível em: < http://www.quimlab.com.br/PDF-LA/Manual%20de%20 Esgotamento%20Sanit%E1rio.pdf> Acesso em: 10 abr. 2017. FUNDAÇÃO DE DESENVOLVIMENTO HABITACIONAL DE FORTALEZA - HABITAFOR. Plano Local de Habitação de Interesse Social de Fortaleza – PLHISFor. Fortaleza: [n.s.], 2013. 213 p. GASPAR. Rebeca; XIMENES, Luciana, Reconhecendo emergências no Lagamar: proposta integrada de intervenção. 2013. 410 f. TCC (Graduação) - Curso de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2013. Disponível em: <https://issuu.com/luciana.ufc/docs/tfgreconhecendoemergencias>. 64
Acesso em: 6 dez. 2017. GORSKI, Maria Cecília Barbieri. Rios e Cidades: Ruptura e Reconciliação. São Paulo: Senac, 2010. 300 p. GOMES, Marília Passos Apoliano Gomes. A cidade em disputa: A trajetória de um movimento social. Dissertação (Mestrado) – UFC Programa de Pós-Graduação em Sociologia, 2013. Green Streets (Innovative Solutions for Stormwater and Stream Crossings). Publication/Metro Council, first Edition June 2002. IKEDA EloÍsa Balieiro. São Paulo – Paris, metrópoles fluviais: Ensaio de projeto de arquitetura das orlas do canal Pinheiros inferior, córrego Jaguaré e córrego Água Podre. 2016. 316 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Arquitetura e Urbanismo, FAUUSP, São Paulo, 2016. LEÃO, Lícia Cotrim Carneiro; SANCHES, Patrícia Mara; SOUZA, Fabíola Bernardes de. Uma Infra-Estrutura Verde Para a Bacia do Córrego Poá, Taboão da Serra, SP. Paisagem e Ambiente, [s.l.], n. 28, p.43-60, 30 dez. 2010. Universidade de Sao Paulo Sistema Integrado de Bibliotecas - SIBiUSP. http://dx.doi.org/10.11606/issn.2359-5361.v0i28p43-58 Leopold, L., B. Hydrology for Urban Planning – A Guide Book on the Hydrologic Effects on Urban Land Use. USGS. 1968, circular 554. MIGUEZ, Marcelo Gomes; VERÓL, Aline Pires; REZENDE, Osvaldo Moura. Drenagem Urbana: Do projeto tradicional à sustentabilidade. Rio de Janeiro: Elsevier, 2016. 361 p. MOURA, Newton Célio Becker de. Biorretenção: tecnologia ambiental urbana para manejo das águas de chuva. 2013. 177 f. Tese (Doutorado – Área de concentração: Paisagem e Ambiente) - FAUUSP. MUSETTI, R. A. Direito ambiental e ciências ambientais: integração responsável. Revista CEJ. Brasília, n. 35, out./dez., p. 58-61, 2006. OLIVIERI, Antonio Carlos. Mitologia: Uma das formas que o homem encontrou para explicar o mundo. 2005. Disponível em: <https://educacao.uol.com.br/disciplinas/historia/mitologia-uma-das-formas-que-o-homem-encontrou-para-explicar-o-mundo. htm>. Acesso em: 6 dez. 2017. OLIMPIO, Joao Luis Sampaio et al. EPISÓDIOS PLUVIAIS EXTREMOS E A VULNERABILIDADE SOCIOAMBIENTAL DO MUNICÍPIO DE FORTALEZA: O evento do dia 27/03/2012. Disponível em: <http://biblat.unam.mx/es/revista/geo-uerj/articulo/episodios-pluviais-extremos-e-a-vulnerabilidade-socioambiental-do-municipio-de-fortaleza-o-evento-do-dia-27032012>. Acesso em: 6 dez. 2017.
65
SANTANA, Walter Aloisio. Proposta de diretrizes para planejamento e gestão ambiental do transporte hidroviário no Brasil. 2008. 277 f. Tese (Doutorado) - Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Departamento de Engenharia Naval e Oceânica. SANTOS, Valentim. A água nas religiões. 2012. Disponível em: <http://historiaedidatica.blogspot.com.br/2012/12/normal-0-21false-false-false-pt-br-x_22.html>. Acesso em: 6 dez. 2017 SOPHIE HARDACH (Reino Unido). Bbc. How the River Thames was brought back from the dead. 2015. Disponível em: <http:// www.bbc.com/earth/story/20151111-how-the-river-thames-was-brought-back-from-the-dead>. Acesso em: 06 jun. 2017. TRAVASSOS, Luciana Rodrigues Fagnoni Costa. Revelando os rios: Novos paradigmas para a intervenção em fundos de vale urbanos na Cidade de São Paulo. 2010. 243 f. Tese (Doutorado) - Curso de Ciência Ambiental, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. Disponível em: <http://www.fau.usp.br/cultura/residencia/modulo1/Processos_e_Metodos_de_Planejamento_e_ Gest_o_Urbana/Bibliografia/Bibliografia_Especifica/Revelando_os_Rios_-_Luciana_Travassos.pdf>. Acesso em: 7 jun. 2017 ZORDAN, Daniel F.. Há relatos do Dilúvio em quase todas as civilizações espalhadas pelo mundo. 2010. Disponível em: <https:// creationsciencenews.com/2010/09/02/ha-relatos-do-diluvio-em-quase-todas-civilizacoes-espalhadas-pelo-mundo/>. Acesso em: 6 dez. 2017.
66
67
4
LAGAMAR FLUVIAL
Uma proposta de Potencialização para o Riacho Tauape LIVRO 02
O riacho Tauape e a Comunidade do Lagamar Projeto de Intervenção Urbana
Walmir de Castro Junior Orientadora: Cinira D’Alva Dezembro de 2017
Trabalho Final de Graduação Curso de Arquitetura e Urbanismo - Universidade de Fortaleza | UNIFOR
5
6
SUMÁRIO LIVRO DOIS [ O RIACHO TAUAPE E A COMUNIDADE DO LAGAMAR] 1. introdução 2.Análise georreferenciada da bacia 2.1A bacia do rio Cocó 2.2 Mapeamento dos Recursos Hídricos 2.3 Sistema de espaços livres 2.4 Uso do Solo
3.Análise do Percurso ao longo do Tauape 3.1 Alto Tauape 3.2 Médio Tauape 3.3 Baixo Tauape
4. A comunidade do Lagamar
4.1 Localização 4.2 Histórico de ocupação e mobilização 4.3 Aspectos legais 4.4 Problemática das áreas livres 4.5 Impacto de grandes obras 4.6 Caracterização socioeconômica 4.7 Uso do solo 4.8 Sistema Viário 4.9 Situação de risco 4.10 Infraestrutura
5. Um Lagamar de possibilidades 5.1 Masterplan 5.2 Cortes gerais 5.3 Cota 0-2: Água 5.4 Cota 3: Margens 5.5 Cota 4: Habitação 5.6 Infraestrutura verde 5.7 Mobiliário flutuante
6.Bibliografia
7 15 16 18 22 25 30 32 38 40 42 52 54 58 62 64 69 70 76 78 80 84 86 90 92 96 108 110 112 114 7
8
INTRODUÇÃO Por se tratar de um ecossistema dinâmico, o rio não pode ser entendido simplesmente pelo estudo de um recorte em particular. Portanto, nesse livro serão abordados as etapas de diagnóstico desde o estudo da sub-bacia até o trecho final, o fundo de vale aonde se localiza a comunidade do Lagamar.
Este caderno é dividido em quatro momentos:
Parte 1 - Análise da Sub-Bacia na qual o riacho está inserido Parte 2 - Análise do Percurso ao longo do Riacho Parte 3 - Análise aprofundada da comunidade do Lagamar, localizada na parte mais baixa do rio. Parte 4 - Projeto de Intervenção Urbanística na comunidade do Lagamar.
9
10
Análise Georreferenciada Sub Bacia Parte I Neste capítulo serão analisados, através de informações georreferenciadas, os aspectos que compõe a sub-bacia na qual o riacho em estudo está inserido, analisando-se aspectos como outros recursos hídricos, espaços livres e uso do solo. Entende-se aqui a bacia hidrográfica como a unidade de planejamento da qual partirão as diretrizes gerais para intervenções em toda a extensão do recurso hídrico.
11
12
A BACIA DO RIO COCÓ A cidade de Fortaleza é composta por quatro bacias hidrográficas. São elas: A bacia do rio Cocó, bacia do rio Maranguapinho, bacia da Vertente marítima e uma pequena parte da bacia do rio Pacoti. As duas primeiras são as maiores e mais importantes bacias da região, apresentando os dois principais rios da cidade, o rio Cocó e o rio Maranguapinho, respectivamente (Mapa 01). (Aldigueri, 2010). A bacia do rio Cocó, aonde está inserido o objeto de estudo, ocupa aproximadamente 2/3 da área total do município de Fortaleza, drenando uma área de 215,9 km². Essa bacia ainda possui a maior quantidade de vegetação nativa de forma contínua, compondo 9,83% da sua área, número de conservação considerado alto se levando em conta o ambiente urbano que as rodeiam. Além disso, o rio Cocó classifica-se como o principal corredor ecológico da cidade, contemplando a cidade com 25km dos seus 42,5km de sua extensão. (Aldigueri, 2010; PFM, 2009; ASTEF 2003). Na sub bacia B1 se localiza o riacho Tauape, afluente do rio Cocó canalizado nos anos 80. Ainda nessa sub bacia estão inseridos outros recursos hídricos de destaque como a Lagoa do Porangabussu, Lagoa do Opaia e o Canal da Av. Aguanambi.(Mapa 02) Essa região ainda é caracterizada pelo seu alto grau de interferência nos seus recursos naturais, consequência das ocupações nas zonas de preservação, principalmente na região do Lagamar. (ASTEF 2003)
Mapa 1 - Mapa das Bacias e Sub-Bacias de Fortaleza Fonte: Prefeitura de Fortaleza, com modificações
Mapa 2 (prox. pagina) - Mapeamento dos recursos hídricos de sub bacia b1 Fonte: Autor
13
14
15
Recursos Hídricos Durante esse estudo pode-se perceber a falta de informações atualizadas sobre a continuidade desses recursos hídricos, principalmente devido à sua condição de invisibilidade, estando expostos a céu aberto em apenas alguns trechos. Através de estudos realizados por Araújo (2012) e de visitas em campo, foi possível mapear uma continuidade no trajeto dos cursos d’água. A autora ainda realizou o levantamento dos recursos hídricos da sub-bacia B1, que serão descritos a seguir. Ao lado, pode-se observar também a contribuição de cada um desses elementos para o sistema de drenagem e absorção das águas (tabela 4).
16
Tabela 4 – Áreas das Superfícies dos Recursos Hídricos da Sub-bacia B1, Fortaleza - CE, 2010. | FONTE: Araújo 2012 p. 108
RECURSOS HÍDRICOS
ÁREA DO ESPELHO D’ÁGUA
Lagoa do Porangabussu
99,259m²
Canal do Jardim América
47,066m²
Riacho Tauape
154,761m²
Lagoa do Opaia
135,421m²
Riacho do Opaia
17,170m²
Riacho Parreão
30,664m²
Afluente do Riacho Parreão
3,464m²
Canal da Aguanambi
7,161m²
Afluentes do Parque Rio Branco
8,005m²
Área Total
502,971m²
Lagoa do Porangabussu A lagoa do Porangabussu se localiza no bairro Rodolfo Teófilo, abrangendo uma área de aproximadamente 70.000m², abrangendo cerca de 20% da área hídrica da sub-bacia B1. A profundidade máxima é de 4,21m e a média de 1,84m. Seu sistema de alimentação é predominantemente pluvial. O entorno da Lagoa é classificado como Parque da Lagoa do Porangabussu, e até o ano de 2009, a área apresentava graves problemas ambientais como a proliferação de aguapés e outras espécies aquáticas, consequência da poluição causada pelo grande número de esgotos clandestinos que eram lançados na lagoa. Além disso, nas margens encontravam-se entulhos, aterros e edificações consolidadas dentro da APP. Quanto ao seu relevo, observa-se que a lagoa se encontra entre as cotas 15-20, altura relativamente alta que faz com que a sua água naturalmente sangre para cotas mais baixas. (COHERG, Prefeitura de Fortaleza; Araújo 2012) Em julho de 2009 a prefeitura gastou R$800 mil para a recuperação da lagoa e do seu entorno. Foi realizada a limpeza do espelho d’água, reconstituição da flora com espécies locais e construção de limites físicos como calçadas e gradis respeitando o fluxo e o refluxo da lagoa, além de equipamentos recreacionais. (Portal Verde Mares)
Figura 23 - Vista aérea da Lagoa do Porangabussu Fonte: Google Earth
17
Canais do Bairro Jardim América O bairro Jardim América chegou a ser chamado de bairro Laguna, nome decorrente do fato de estar sempre alagado por servir como escoadouro das lagoas da Parangaba e do Bessa, localizados no bairro Rodolfo Teófilo, e também da lagoa do Tauape, que foi soterrada. Esses problemas motivaram a construção do canal da Av. Waldery Uchoa. O canal possui 47.066m² de área e representa 9% da área hídrica da sub bacia, e possui grande parte do seu percurso entre as cotas 10-15, que desagua na av. Eduardo Girão, situado em cotas mais baixas (dentre 5-10). Esse curso d’água possui ainda dois locais de amortecimento de cheias, o Damas I, o qual recebe o afluente da Lagoa da Parangaba, e Damas II, formado pela Praça Gustavo Braga, conhecido pela população como Polo de Lazer da João Pessoa. (ARAÚJO 2012) Dentre as problemáticas atuais podemos citar que ainda há uma parcela da população que derrama lixo e esgoto diretamente no canal, além de se observar que a parede de retenção está cedendo em alguns pontos. A região ainda sofre com constantes alagamentos em épocas de chuva, a qual podemos apontar a grande impermeabilização do solo como uma das causas, de acordo com a figura 24 vemos também que grande parte da APP está invadida por construções já consolidadas.
Figura 24 - Vista aérea do canal do Jardim América Fonte: Google Earth
18
Canal Av. Aguanambi O Rio Aguanambi foi canalizado ainda nos anos 70 para a criação da avenida, com 7.161m², esse canal constitui apenas 1,4% do espelho d’água da sub bacia. É o elemento que capta as águas dos afluentes do Parque Rio Branco e deságua no Riacho Tauape (Araújo 2012). Atualmente, estão previstas obras de infraestrutura que propõe a construção de uma galeria auxiliar sob a avenida, um viaduto e um corredor expresso que ligará os bairros Centro-Messejana. O projeto de drenagem prevê um aumento da capacidade de vazão em mais de 60%. Com essa reestruturação da via, 36% da superfície do canal será coberta com lajes de concreto (SEINF). Ao analisar os mapas vemos que a APP relativa ao canal se encontra ocupada por vias de grande porte de ambos os lados, sem a presença de construções consolidadas. Esse domínio público das margens se mostra como uma oportunidade para um projeto paisagístico que melhore a permeabilidade e qualidade das águas desse canal, mas vemos que o poder público caminha na contramão optando pela ocultação do recurso. Quanto ao relevo da região, vemos que ele se concentra entre as cotas 5-10, e vai desaguar diretamente no riacho Tauape, fundo de vale dessa sub bacia
Figura 25 - Vista aérea do canal da Av. Aguanambi Fonte: Google Earth
19
Lagoa e Riacho do Opaia A lagoa do Opaia se localiza no bairro Vila União, próximo ao aeroporto Pinto Martins, e está inserido dentro do Parque Urbano da Lagoa do Opaia. Esse recurso abrange uma área de 135.421m², o que representa 27% da área total dos recursos hídricos na sub bacia (Araújo 2012). O local passou por várias ocupações que descaracterizaram suas margens e ocupavam a zona de proteção ambiental, e por esse motivo foram reassentadas para outros bairros. A área foi reurbanizada em 2004, porém hoje em dia pode-se observar a escassez e a precariedade dos equipamentos instalados. A região prevê a ainda a instalação do cuca da regional 6. O Riacho, por sua vez, é um curso d’água intermitente durante grande parte do ano, dependendo da contribuição do transbordamento da água no sangradouro da Lagoa do Opaia. Com uma área de 17.170m², o riacho representa apenas 0,34% dos recursos hídricos da sub bacia.
Figura 26 - Vista aérea do canal da Lagoa do Opaia Fonte: Google Earth
20
Riacho Parreão e Afluente Riacho Parreão O Riacho Parreão e o seu afluente somam juntos uma área de mais de 34.000m², o que representa um pouco mais de 7% dos recursos hídricos da sub bacia. Esses recursos apresentam dois locais de amortecimentos de cheia muito importantes: Um que conflui o Riacho Parreão e seu afluente e o outro que recebe o afluente da lagoa do Opaia e deságua toda a drenagem do sistema no Canal do Tauape. Ambos pontos de amortecimento apresentam uma área urbanizada utilizada também para o lazer e bem-estar social. (Araújo 2012)
Figura 27 - Vista aérea do canal do Parque Parreão, por onde fluem os afluentes Fonte: Google Earth
21
Afluentes Parque Rio Branco Inseridos dentro do Parque Rio Branco, esses afluentes, embora englobem apenas 1,6% dos recursos hídricos da sub-bacia, possuem um grande valor social por fazerem parte de uma importante área de lazer com diversos equipamentos, oficinas e atividades voltadas para educação ambiental. Podemos observar que o parque recebe também uma grande contribuição da rede de drenagem, o qual é captada e desagua no canal da Av. Aguanambi. A área ainda conta com a existência de duas nascentes, também chamadas de ‘’olhos d’água’’, locais onde a água subterrânea se aflora naturalmente, mesmo que intermitentemente. Porém, de acordo com Araújo (2012), o parque vem enfrenando problemas com o comprometimento de sua área devido à alta especulação imobiliária.
Figura 28 - Vista aérea do parque Rio Branco Fonte: Google Earth
22
Riacho Tauape O Riacho Tauape se estende desde a Lagoa do Porangabussu até o Parque do Cocó através da Av. Eduardo girão, atravessando a comunidade do Lagamar localizada no fundo de vale ao final do seu percurso. É o principal objeto de estudo dessa pesquisa e maior recurso hídrico da sub-bacia B1, possuindo uma área de 154.761m², ou 31% da totalidade dos ecossistemas hídricos. Apesar de sua importância para esse sistema de águas, observa-se que 62% da sua área de proteção se encontra impermeabilizada, seja por vias pavimentadas ou edificações. (Araújo 2012)
De acordo com Inventário Ambiental de Fortaleza (2003) a qualidade ambiental das águas no riacho apresenta os piores índices de toda a bacia. Além disso, a alta taxa de impermeabilização do seu entorno somado à um sistema de drenagem precário, fazem com que esse curso d’água transborde em épocas de chuva, especialmente na região do Lagamar.
Figura 29 - Vista aérea do canal do Riacho Tauape em toda a sua extensão Fonte: Google Earth
Mapa 3 (prox. pagina) - Espaços livres na sub bacia Fonte: Autor
23
24
25
Sistema de Espaços Livres
Tabela 5 – Áreas Permeáveis da Sub-bacia B1, Fortaleza - CE, 2010. | FONTE: Araújo 2012
Após a breve descrição dos recursos hídricos que compõe a sub-bacia, foram mapeadas sobre o levantamento topográfico as áreas livres de maior relevância e os parques urbanos regulamentados pela Prefeitura, juntamente com a rede de drenagem e as APPs. Através do mapa 3 podemos notar que esses parques também são destino final da rede de drenagem, e se configuram como pontos importantes de amortecimento de enchentes. O estudo cruzado dessas informações permite uma visão mais holística da paisagem, sendo possível identificar as áreas de acumulação da água, as áreas para onde a água tende a correr, as superfícies de infiltração e a sua retenção natural. Observa-se que apesar da presença de 4 parques urbanos na sub-bacia e espaços livres de grandes dimensões como o parque do Cocó e o terreno da base aérea, a quantidade de espaços não-construídos que tenham uma função lazer ainda é relativamente baixa. Além disso, o nível de impermeabilização do solo dentro das áreas de preservação se mostra bastante elevado. De acordo com a tabela abaixo, realizada por Araújo (2012), podemos observar que mais da metade das áreas de proteção em torno dos recursos hídricos se encontram impermeabilizadas.
26
Superfície Impermeabilizada ÁREA %
Superfície Com Vegetação ÁREA %
Lagoa do Porangabussu
35.982
25
9.884
7
Canal do Jardim América
150.753
70
18.007
8
Riacho Tauape
305.402
62
29.555
6
Lagoa do Opaia
21.695
12
26.630
14
Riacho do Opaia
42.553
47
30.783w
34
Sistema Parreão
96.625
65
17.838
12
Canal da Aguanambi
85.529
91
1.880
2
Parque Rio Branco
46.543
54
31.477
37
ÁREA TOTAL
785.082
54
160.054
11
APP
Figura 30 - Parque Parreรฃo, uma das poucas รกreas verdes da sub bacia Fonte: Google Earth
Mapa 4 (prox. pagina) - Espaรงos livres na sub bacia Fonte: Autor
27
28
29
Uso do Solo
Com relação ao uso do solo, pode-se notar que as zonas de proteção ambiental ao redor desses recursos hídricos estão repletas de equipamentos, muitas vezes de grande porte. De acordo com o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), as zonas de preservação podem ser destinas apenas à atividades de segurança nacional, proteção sanitária, obras de infraestrutura, implantação de áreas verdes públicas, regularização fundiária sustentável e atividades de pesquisa, como classificado na tabela 6. Tabela 6 – Ocupação do Solo dentro das APP - CE, 2010. | FONTE: Araújo 2012
De acordo com essas limitações, Araújo (2012) fez um diagnóstico das ocupações regulares e irregulares dentro das zonas de preservação da sub bacia, na qual percebemos que 30% das áreas de preservação estão ocupadas por construções irregulares. (tabela 7) No mapa a seguir as tipologias de uso nas margens foram separadas em 3 grandes grupos, caracterizados de acordo com o tamanho do lote, tipo de usos e geração de tráfego. Foram analisados os lotes abaixo da cota 15, por ser de aonde partem os recursos hídricos mais elevados da sub-bacia. Macro Área de usos de Grande Porte:
OCUPAÇÃO DO SOLO DAS APP - SUB BACIA B1 Regular (R)
Irregular (I)
Área de Preservação (AP)
Malha viária
Edificações residenciais
Áreas Verdes Públicas
Canteiros Centrais
Edificações Comerciais
Áreas Verdes Privadas
Rotatórias Viárias
Edificações Públicas
Área dos Recursos Hídricos
Calçadas
-
-
Áreas Públicas Para Esporte e Lazer 30
Área que vai da Lagoa do Porangabussu até a rotatória da Aguanambi, margeando a parte do Riacho Tauape na Av. Eduardo Girão. Essa área é classificada pelo generoso tamanho dos lotes e densidade relativamente baixa, ocupada por grandes equipamentos como hospitais, e setores automotivos como postos de gasolina, lojas de automóveis e oficinas. É possível observar também grandes espaços não construídos e sub-utilizados. A avenida engloba quase toda a faixa de preservação do canal, possuindo 2 faixas de leito carroçável de cada lado das margens, com aproximadamente 16m no total de espaço para circulação de carros.
Macro Área de uso Intenso: Área ao redor do Canal da Av. Aguanambi, caracterizada pelo seu intenso tráfego de automóveis e de pessoas, somados à grande quantidade de equipamentos de grande porte e alta densidade. A avenida tem aproximadamente 38
Mapa 5 (prox. pagina) - Principais Vias da sub bacia Fonte: Autor
Tabela 7 – Ocupação do Solo dentro das APP - CE, 2010. | FONTE: Araújo 2012
metros, contando com 4 faixas de leito carroçáveis (14 metros) de cada lado, que também englobam quase toda a APP do canal. A combinação desses fatores torna essa área a mais impermeabilizada da sub bacia (tabela 7).
APP
ÁREA(m2)
% ÁREA PRESERVADA
% ÁREA IRREGULAR
% ÁREA REGULAR
Lagoa do Porangabussu
145,219
75
9
16
Áreas que abrangem a região do Lagamar, Jardim América e Lagoa do Opaia. São áreas caracterizadas por usos residenciais ou mistos de pequeno porte. Diferente das demais zonas, essas áreas possuem uma maior quantidade de edificações irregulares inseridas dentro das áreas de preservações dos recursos hídricos.
Canal do Jardim América
215,362
29
54
17
Riacho Tauape
492,584
38
32
30
É importante frisar que mesmo as ocupações consideradas ‘’regulares’’ podem ter impactos negativos nos recursos hídricos, pois diminuem a área permeável, como é caso das avenidas apresentadas acima. Da superfície pavimentada nas margens do riacho Tauape, 48% são consideradas ‘’regulares’’ de acordo com a classificação do CONAMA, o qual não estabelece limites máximos de ocupação regular nas APPs. Essa brecha na Legislação ambiental faz com que o sistema viário se aproprie indiscriminadamente do espaço das margens, que poderiam ser utilizados como espaços de lazer e contemplação.
Lagoa do Opaia
183,698
88
5
7
Riacho do Opaia
90,539
54
40
6
Sistema Parreão
148, 654
34
37
29
Canal da Aguanambi
93,988
9
22
69
Afluentes do Parque Rio Branco
85,426
45
42
13
Área Total
1455,470
46
30
24
Macro Área de usos de Menor Porte:
Por fim, podemos observar como os rios e canais muitas vezes servem como eixos estruturantes da rede viária da cidade, ao mesmo tempo que tem sua forma estruturada e imposta por essa mesma rede. Os recursos hídricos retificados, além de sofrerem com o aumento da vazão e perda da vida marinha, sofrem pelos altos níveis de poluição trazidos por essas grandes vias de circulação de automóveis.
31
32
33
34
Análise do Percurso ao longo do Tauape Parte II Neste capítulo adentra-se com mais detalhe no primeiro objeto de estudo desse trabalho, o riacho Tauape. Após a análise em macro escala da bacia, fez-se necessário um diagnóstico mais aproximado, realizado por meio de visitas técnicas, que guiasse diretrizes e revelasse potencialidades projetuais. O Riacho Tauape se estende desde a Lagoa do Porangabussu até o Parque do Cocó através da Av. Eduardo girão, atravessando a comunidade do Lagamar localizada ao final do seu percurso. É o principal objeto de estudo dessa pesquisa e maior recurso hídrico da sub-bacia B1, possuindo uma área de 154.761m², ou 31% da totalidade dos ecossistemas hídricos. Apesar de sua importância para esse sistema de águas, observa-se que 62% da sua área de proteção se encontra impermeabilizada, seja por vias pavimentadas ou edificações. (Araújo 2012)
do seu entorno somado à um sistema de drenagem precário, fazem com que esse curso d’água transborde em épocas de chuva, especialmente na região do Lagamar. Através do percurso realizado em campo, foi possível notar uma grande variedade de morfologias do riacho e seu entorno. para uma melhor análise, o rio foi dividido em 3 setores: Alto tauape: Trecho da Lagoa do Porangabussu até começo da av. eduardo girão. Médio tauape: trecho da av. eduardo girão até a rotatória da av. aguanambi Baixo tauape: trecho da rotatória até o rio cocó. As ações são estruturadas a partir do relevo, explicado abaixo:
De acordo com Inventário Ambiental de Fortaleza (2003) a qualidade ambiental das águas no riacho apresenta os piores índices de toda a bacia. Além disso, a alta taxa de impermeabilização 35
LAGOA DO PORANGABUSSU
MÃ&#x2030;DIO TAUAPE
ALTO TAUAPE
36
PARQUE DO COCÃ&#x201C;
BAIXO TAUAPE LAGAMAR
37
Diário de visita
Começamos o percurso pela Lagoa do Porangabussu lugar de onde se originam as águas do Riacho Tauape. Mesmo com a qualidade da água um pouco comprometida, o imenso alagado possui uma atraente paisagem e nos presenteia com uma brisa fresca. Em grande parte das margens pode-se observar alguns pescadores e equipamentos como quadras e academias públicas negligenciadas e expostas ao sol quente, mas é na sombra que se pode notar a maior concentração de pessoas. Redes amarradas sobre coqueiros na beira da água, famílias de pescadores, moradores da comunidade próxima tomando cerveja, todos atraídos pelo potencial das águas. A apropriação do espaço surge até em formas curiosas como a de uma mini-cidade improvisada para os gatos do local , com mobiliários provavelmente improvisados pelos próprios moradores. A mini-cidade, naturalmente, também se faz debaixo das sombras.
comerciantes, pessoas sentadas na calçada observando o movimento. Uma moradora diz que o canal não transborda. O rio não se apresenta como um risco.
Continuamos o percurso procurando pela direção na qual a lagoa desagua no rio. Percebemos através de um muro esburacado que o canal passava por debaixo da rua e seguia entre os muros das casas da comunidade próxima, totalmente invisível. O rio deve representar uma ameaça, por isso os muros . A qualidade da água já se mostra bem deteriorada apesar de estarmos no começo do percurso. Notamos as saídas de esgoto que desembocavam no rio.
Continuamos andando pela avenida, sempre à procura de uma sombra que só se mostra com imensa dificuldade. Atrás dos muros de ambos os lados pode-se notar áreas verdes arborizadas, todas privatizadas. Áreas que poderiam muito bem servir de ponto de apoio e descanso para o percurso de quem anda a pé, ou até mesmo uma alternativa de lazer para os moradores da região próxima. Mais uma vez, os muros escondem o potencial dos espaços. É apenas no final da avenida que avistamos um parque aberto, repleto de árvores, por onde passa um afluente do riacho Tauape. O lugar é quase que um Oasis diante da aridez da cidade. O parque Parreão é um dos poucos parques urbanos regulamentados pela prefeitura de fortaleza. Pode-se notar uma grande área alagável circulando o curso d’água, a qual recebe as águas da lagoa do Opaia e do sistema de drenagem da região, representando um importante papel no sistema de amortecimento das cheias. As sombras das copas das árvores sobre toda a extensão do parque fornecem um clima agradável mesmo sob o sol do meio dia, como era nosso caso. Ao final da Avenida nos deparamos com uma rotatória. O rio desaparece por debaixo das 4 faixas que circulam o canteiro
A trajetória para seguir as margens do rio é árida e descontínua, repleta de barreiras físicas e visuais. Ao chegar na Av. José Bastos nos vemos sem opção de atravessar para o outro lado devido a linha do metrô. Desviamos do percurso mais uma vez, até finalmente nos reencontrarmos com o canal, dessa vez com suas margens repletas de vida. A comunidade do bairro Jardim América possui as frentes das casas voltadas para o canal . A distância das pessoas e da água é pouca, e nas margens são apenas permitidos pedestres (com exceção de algumas motos, mas que trafegam em baixa velocidade). É possível notar porta de casas abertas, pequenos 38
No ponto seguinte que se dá ao longo da Av. Eduardo Girão é importante notar o aumento na dimensão do canal, o qual possui um segundo leito rebaixado nas suas margens . O local poderia oferecer um passeio mais aproximado da água se houvessem acessos para tal. As ruas que margeiam o curso d’água se mostram mais uma vez áridas, com uma calçada de largura desconfortável para se andar ao lado de outra pessoa. Pode-se notar que não há muita vida nas ruas nesse ponto. As casas e os lotes de grande porte são murados, e os comércios visam o setor automotivo, enquanto duas vias para carro em ambas as margens separam as pessoas do rio.
central, pelo qual o único acesso seguro para quem se aventura a andar a pé se dá por uma passarela, interditada no momento da visita. Atravessamos pelo meio das faixas de carro, essa não foi a primeira vez que nós como pedestres tivemos que correr ou desviar de obstáculos no caminho de uma cidade que não é feita para o caminhar. No centro do canteiro há uma praça improvisada com alguns bancos, deve ser algum tipo de prêmio para os aventureiros que conseguiram chegar lá. O rio reaparece, com suas águas ainda poluídas e dessa vez com uma largura ainda maior , provavelmente por nesse ponto já receber as águas de outros afluentes como o canal da Av. Aguanambi e do riacho Parreão. Continuamos à seguir o canal. O processo de percorrer as margens se torna mais uma vez árido e desconfortável, tendo o passeio ao lado do rio uma dimensão de talvez um décimo da área destinada aos carros. Nesse ponto, o canal já se possui uma certa monumentalidade (8). É incrível como algo tão imenso passa despercebido na cidade, inclusive para mim. As águas são bem rasas nesse ponto, podendo ser observados até algumas ilhas de assoreamento em seu percurso. O cheiro forte já começa a aparecer, e as algumas garças lutam para procurar comida em meio ao lixo acumulado no canal.
tificam com a comunidade ribeirinha. ‘’Aqui é Lagamar?’’ ‘’Não, aqui é São João do Tauape’’. Continuamos adentrando a comunidade, rumo ao canal. Nesse ponto é possível ver casas simples e bem cuidadas, pequenos comércios e até alguns condomínios. A paisagem começa a mudar, porém, quando atravessamos as obras de remoção do VLT. O cheiro de lixo é forte, resultante do acúmulo junto aos entulhos das casas demolidas, resultado de uma prefeitura negligente. Descendo a ladeira finalmente chegamos ao destino final, o fundo de vale do riacho Tauape. Descansamos no único lugar possível: na beira do rio, que mesmo poluído e mal cheiroso ainda exerce um inexplicável potencial atrativo, percebido não só por nós como pela maioria da comunidade, que aproveitava o domingo de frente para as águas. (9)
Vemos uma pequena praça com campo de futebol, com um gramado inclinado que dá de vista para o canal. Outro lugar agradável que passa despercebido por estar inserido em um trajeto tão incômodo para quem vem a pé. Mais a frente, quase na comunidade do Lagamar, resolvemos interromper o percurso nas margens pelo estreitamento do passeio que cortava uma vegetação espessa, o sentimento de insegurança não nos deixou avançar por essa parte. A parte final do trajeto se deu por dentro da comunidade do Lagamar. Atravessamos um conjunto habitacional e paramos em um mercadinho para comprar água. As pessoas ali não se iden39
Alto Tauape
O primeiro trecho do riacho tem início na lagoa do porangabussu e percorre o bairro jaridm américa, no qual se manifesta de duas maneiras bem distintas. Após a saída da Lagoa, o rio segue invisível por detrás de casas, recebendo esgoto e outros dejetos sólidos. Já na segunda metade é possível notar a presença de uma comunidade com as casas voltadas para o rio, bem próximas de suas águas. Essa proximidade, juntamente com o espaço relativamente pequeno para circulação ao redor das margens, impossibilita a circulação de automóveis e favorece os pedestres, criando uma escala mais humana e fortalecendo a relação dos moradores com o riacho, que se comporta como elemento comteplativo e paisagístico. As dificuldades de intervenção nesse trecho se dão principalmente pela grande proximidade das casas com o recurso hídrico, provavelmente sendo necessária a remoção ou remodelação de algumas delas, principalmente no primeiro trecho, para que o rio possa ser melhor integrado ao tecido urbano da cidade.
Figuras 31 e 32 - Imagens do Riacho no bairro Jardim América. A direita, a negação do canal que passa por detr´´as dos lotes; a esquerda a convivência entre a comunidade e o recurso hídrico Fonte: Acervo do Autor
40
41
Médio Tauape
O trecho que vai do começo da Av. Eduardo Girão até a rotatória da Avenida Aguanambi é marcado pela presença de lotes de grandes proporções, sendo boa parte deles constituída por áreas verdes muradas, constrastando com a aridez do passeio e das margens do riacho. Nessa parte do percurso o passeio sofre um aumento na sua dimensão, possuindo um cais mais baixo ao nível das águas, embora não existam acessos á ele. Esse segundo ‘‘passeio’’ existente no nível das águas pode servir como elemento de aproximação e unificação do recurso hídrico, pois além de acompanhar o riacho em toda a sua extensão, não possui os obstáculos observados no passeio convencional, que é interrompido a todo tempo por travessias de carros e mobiliários urbanos.
Figuras 33 e 34 - Croquis representando a morfologia s observadas no alto e médio Tauape Fonte: Acervo do Autor
Figuras 35 - Imagens do Riacho na Av. Eduardo Girão Fonte: Acervo do Autor
42
43
BAIXO TAUAPE
O último trecho do percurso começa na rotatória da Av. Aguanambi e vai até o rio Cocó, cortando a comunidade do Lagamar. O riacho nesse setor possui dimensões ainda maiores, chegando até 50 metros, além de se encontrar bastante poluído. As margens são ocupadas principalmente por conjuntos habitacionais ou ocupações informais, possuindo um leito carroçável de cada lado. É importante notar que apesar do mau cheiro e da poluição, a comunidade ainda se apropria do espaço das margens de diversas formas.
Figura 36 - Croqui representativo do Baixo Tauape Fonte: Acervo do Autor Figura 37 - Imagens do Riacho na região do Lagamar Fonte: Acervo do Autor
44
45
Diretrizes para um melhor Tauape
A partir do do Diagnóstico apresentado e das diferentes tipologias observadas ao longo do riacho tauape e de seu entorno, é possível propor diretrizes gerais para um “percurso fluvial”, na qual o rio funciona como parte da infra-estrutura da cidade, sendo o elemento que interliga e agrega parques, pontos de interesse e serviços públicos. As ações são estruturadas a partir do relevo, explicado abaixo:
COTA 0-5: Referente ao nível das águas e de sua proximidade. Para esse é proposto primeiramente a melhoria da qualidade da água, obtida através de um planejamento integrado de técnicas de manejo sustentável, aumento das áreas verdes e da melhoria do saneamento para as populações precárias que vivem na área de várzea. O monitoramento do nível da água também é importante para manter o potencial paisagistico do canal, o qual pode ser obtido pelo uso de baragens móveis. Para esse nível também são propostos espaços de aproximaçáo e interação com o recurso hídrico, como por exemplo passeios em um nível menor que o da calçada.
COTA 10-15: Referente ao Entorno imediato do riacho, Para esse são propostos que se aproveitem das grandes áreas não-construídas, principalmente do médio tauape para a criação de parques públicos e alagados construídos, configurando-se como elementos multifuncionais que amortecem as cheias, aumentam a qualidade da água, fornecem um ponto de lazer aos moradores da região e um ponto de parada e descanço para quem vem a pé. Além disso, pode-se pensar em técnicas de armazenamento de água pluvial no próprio lote, como jardins de chuva.
COTA 5-10: Referente ao nível das margens e passeios. Säo propostos “corredores verdes” arborizados, aumento dos passeios e incentivo a modais alternativos de transporte, além da sinalização dos rios para uma maior conscientização da populaçAo.
Figura 38 - Diagrama conceitual de diretrizes Fonte: Acervo do Autor
46
47
Potencialidades
A partir das diretrizes estabelecidas, foi possível realizar um breve estudo de possibilidades para o riacho em toda a sua extensão, baseadas principalmente na dimensão do canal e nos usos observados durante o percurso. Para o Alto Tauape, foram idealizadas generosas travessias de pedestres e pequenos espaços de contemplação em balanço sobre o rio, que podem ser utilizados como espaços públicos de encontro ou para estender roupas, visando o aumento dos espaços livres.
Figura 39 - Alto Tauape - Antes | Fonte: Elaborado pelo Autor
Já no Médio Tauape, o canal adquire uma extensão maior, o que possibilita que estratégias que visam a melhoria do micro-clima urbano, a priorização de modais alternativos de transporte e a melhoria da qualidade das águas sejam pensadas. Para tal, é necessário o redesenho dos passeios públicos de forma a se criar um boulevard fluvial, dotado de jardins de chuva e arborização, vias exclusivas para ônibus e bicicletas, além de acessos ao cais baixo do canal. O Baixo Tauape, devido a sua grande extensão, é o setor que possui o maior número de possibilidades; em compensação também é o mais fragilizado do ponto de vista ambiental. Para esse recorte é possível pensar em diversos equipamentos de aproximação com o rio, incluindo a criação de passeios e mobiliários flutuantes, combinados com técnicas de drenagem sustentáveis que auxiliem na qualidade das águas.
Figura 40 - Depois: Possibilidades para o Alto Tauape e a Comunidade do Jardim América | Fonte: Elaborado pelo Autor
48
Figura 41- Médio Tauape - Antes | Fonte: Elaborado pelo Autor
Figura 42 - Depois: Possibilidades para o Médio Tauape e a Av. Eduardo Girão | Fonte: Elaborado pelo Autor
Figura 44 - Baixo Tauape - Antes | Fonte: Elaborado pelo Autor
Figura 45 - Depois: Possibilidades para o Baixo Tauape e a Comunidade do Lagamar | Fonte: Elaborado pelo Autor
49
50
A comunidade do Lagamar Parte III
A comunidade do Lagamar, localizada no final do Riacho Tauape, é o recorte final desse estudo aonde se realizará o projeto de intervenção urbana. Após estudar o rio em toda a sua extensão, aqui procurou-se levar em consideração, além da questão ambiental, os diversos aspectos socioeconômicos presentes na comunidade.
51
Diário de visita
‘’ Chegamos na comunidade no fim do riacho Tauape de carro, pela parte de trás. Em um primeiro momento o lugar não parece muito diferente dos outros bairros modestos espalhados pela cidade, mas conforme se adentra na região em direção ao riacho as mudanças começam a se tornar mais perceptíveis. As casas vão ficando menores, as ruas mais estreitas. O rio é o fundo da comunidade, e por sua condição de fundo, agrega descaso e esquecimento aos que moram próximo de suas margens. Ao estacionar e sair do veículo, sente-se o primeiro choque: o cheiro. O odor forte de esgoto e poluição das águas que parecia não estar afetando ninguém além de nós, visitantes. Nos encontramos com nossa guia, Arenilda, simpática moradora do Lagamar desde pequena. Sem rota definida, caminhamos naturalmente no entorno das águas. No calçadão que envolve as margens do rio vemos lixo, vemos obstáculos, vemos abate de animais, as pessoas se vêm obrigadas muitas vezes a dividir a via com os carros. Nas mesmas margens também se vê encontro. Pessoas conversando, bebendo, cortando cabelo, relaxando debaixo de uma sombra da árvore e sentadas de frente para o rio, observando-o de longe. ‘’O espaço público aqui é como se fosse uma extensão da nossa casa’’. O rio é o centro da comunidade, e por sua condição de elemento central, atrai todos para perto de si. O cheiro já não incomoda mais. Atravessamos para o lado oposto, Arenilda diz não ter medo. Da ponte, pode-se notar melhor a magnitude do rio. Do outro lado, as casas são ainda menores e a sensação de insegurança é maior, nota-se alguns olhares tortos. Mais tarde, nossa guia confessa que não tem coragem de adentrar mais para o lado de lá. As margens do rio continuam com os mesmos usos. Na volta, dividimos a travessia estreita da ponte com motos e bicicletas, os pedestres mais uma vez tendo que abrir espaço para a passagem de outros meios de transporte. Arenilda conta que tem um filho, mas que não o deixa brincar na rua pois teme pela sua segurança. Ela planeja comprar um apartamento para 52
ele fora da comunidade, mas ela mesma não cogita sair de lá. Entramos na sua casa, pode-se notar o orgulho e a felicidade na sua voz ao apresentar cada cômodo. Dentro de seu quarto, uma janela para o rio e outra para observar os tiros. ‘’A gente se acostuma com os barulhos’’. O rio também é uma barreira, dividindo a comunidade em dois. Conhecemos Seu Ari, ex-dono de bar, e ‘’autoridade’’ local. Tem uma política contra árvores por serem usadas como ponto para usuários de drogas, mas não dispensa descansar debaixo da sombra de uma na calçada em frente à sua casa. Seu Ari criou todos os filhos no Lagamar junto da mulher, e mostra com saudosismo as fotos de amigos sentados no chão quando as margens do rio eram verdes e não cinzas. O rio é a memória da população. Antes de partir, somos convidados para a casa da Dona Zenilde, mulher de Seu Ari e mãe de Arenilda. Mais uma vez se observa o orgulho ao apresentar a sua casa. O projeto é todo autoral, pois não se pode contar com a assistência da prefeitura. Para caber toda a família, se sacrificou as varandas e quintais, espaços de transição para a rua. Me pergunto se esse foi o caso de praticamente todas as famílias negadas auxílio na hora de reformar a casa. Oferecemos carona, dona Zuleide trabalha na Aldeota, bairro de classe média-alta há poucos minutos da região. Ao ir embora, vejo como o sentimento de pertencimento dessas pessoas é maior do que qualquer sensação de insegurança ou insatisfação com a comunidade. Observo mais uma vez as pessoas sentadas na margem do rio. O rio é a comunidade, é pertencimento. ’’ (Acervo pessoal do Autor)
Figura 46 - Garoto brincando na chuva na comunidade do Lagamar Fonte: Jornal Opovo
53
54
Localização
A comunidade localiza-se entre os bairros São João do Tauape e Alto da Balança e está inserida dentro das regionais II e VI, sendo o riacho Tauape o elemento que delimita essa divisão. Possui ainda uma proximidade com vias de grande porte como a Avenida Rui Barbosa e a BR-116, que também funcionam como barreiras delimitadoras do lugar. O Lagamar possui uma qualidade muito forte de bairro central, pois está a menos de 4km do centro da cidade e menos de 6km de bairros como Parangaba e Mucuripe (Mapa 6). Além disso, por estar inserido próximo a bairros de alto padrão de vida como Aldeota, Fátima, Joaquim Távora e Dionísio Torres, compartilha de suas ofertas de emprego e infraestrutura. Essa localização privilegiada, porém, influencia diretamente no alto valor da terra do local, atraindo o interesse do mercado imobiliário.
Mapa 6- Mapa das Principais distâncias da ZEIS Lagamar | Fonte: GASPAR; XIMENES, 2013, p. 223., com pequenas alterações
55
56
Histórico de Ocupação e Mobilização O Lagamar é uma das maiores e mais antigas comunidades de Fortaleza. Os primeiros registros de famílias que ocuparam a região datam desde o século 1930, mas foi apenas a partir de 1950 que a comunidade apresentou um expressivo aumento devido as pessoas que vinham do sertão para escapar da seca. Esses retirantes se dirigiam a Fortaleza a pé, e acabavam por ouvir recomendações sobre a possibilidade de moradia no Lagamar, por ser ‘’terra de ninguém’’. Na época, os primeiros moradores construíam casas de taipa ocupavam terrenos de brejos e mangues, sob influência direta do rio Cocó e do Riacho Tauape, e por isso já sofriam com alagamentos (GOMES 2010). Em 1975, Fontes relatou em seu livro ‘’O Lagamar que eu conheci’’ a experiência dos moradores diante a ameaça das inundações:
‘’Enquanto o Sertanejo suplica chuva aos céus, o homem do Lagamar suplica aos céus o verão, pois é no verão que a sua situação melhora, que o chão lhe fica mais seco, e ele suspira um pouco aliviado, em meio aquele aguaceiro que nunca seca de todo’’
A origem do nome Lagamar é incerta, embora alguns moradores relatem que por conta dos alagamentos em dias de chuva a comunidade passou a ser chamada de ‘’alaga mar’’, dando origem ao nome. Por outro lado, Fontes (1975) explica a relação etimológica da palavra com a comunidade na época: ‘’Etimologicamente, Lagamar significa cova no fundo do mar ou de um rio; pêgo; baia ou golfo abrigado, lagoa de água salgada. É isto realmente o Lagamar – uma porção de terra, alagada e salgada, espremida entre córregos diversos para os lados do sertão e pelas ‘’vazantes’’ das salinas, para os lados do mar. ’’ Embora os recorrentes alagamentos que datam desde o início da ocupação, as águas do rio Cocó também eram fonte de renda para muitas das mulheres da comunidade, que trabalhavam como Lavandeiras. Essa profissão foi se perdendo a medida que o aumento do adensamento somado a falta de infraestrutura local reduziu as águas do riacho a um mero escoamento de dejetos.
Figura 47 - Lagamar na década de 1950 | Fonte: Acervo do Jornal O POVO
57
58
Por sua localidade central, o Lagamar foi alvo de constantes tentativas de remoções, tanto pela implantação de grandes obras como por interesse do mercado imobiliário. É importante destacar a organização política da comunidade, que desde 1950 já enfrentava conflitos pela posse da terra. Nas décadas de 1960 e 1970, esses embates se intensificaram devido a grande valorização da área advinda da construção da Avenida Perimetral e do adensamento do bairro Água Fria, localizado nas proximidades. Com a consolidação das famílias na década de 1980, os movimentos internos da comunidade ganharam força e passaram a reivindicar a urbanização da área. Outros temas constantes das mobilizações eram políticas habitacionais e ameaças de remoções. (GOMES, 2010)
> Figura 48 - Mobilização Popular no Lagamar | Fonte: Acervo Histórico do jornal OPOVO
<Figura 49 - Lagamar na década de 1950 | Fonte: Acervo do Jornal O POVO
Em resposta à essas ameaças, na década de 1980, os moradores discutiam a sua permanência na área não apenas como reivindicação pontual, mas como expressão do direito à moradia, parte de um conjunto maior de direitos (DIÓGENES, 1991). Nesse período, surgem as Comunidades Eclesiais de Base (CEB’s), a Associação Comunitária do Lagamar e a Associação dos Moradores do Lagamar apoiada pela federação de Bairros e Favelas de Fortaleza. (OLIVEIRA, 2009) Os anos 90 trouxeram o aumento da violência, desemprego, marginalidade e o enfraquecimento da participação dos moradores da região nas lutas da comunidade. O movimento social se deu pela criação de ONG’s na comunidade (A Fundação Marcos de Bruni, no Alto da Balança, e o Centro de Defesa de Direitos Humanos do Lagamar, na parte do São João do Tauape) que se tornaram parceiras dos movimentos populares, criando novas formas de diálogos e ações e incentivando a gestão participativa. (GASPAR; XIMENES, 2013) Em 2005, foi realizado um Censo na comunidade pela Fundação Marcos de Bruni, na qual a maioria dos moradores admite não participar ativamente de movimentos sociais como associações comunitárias, sindicatos ou partidos políticos. Apesar disso, a última grande mobilização se deu em 2009, motivada contra a publicação do Plano Diretor na qual o Lagamar não foi incluído como área de ZEIS, apesar de, segundo os moradores, ter sido previamente acordado com a prefeitura. (GOMES 2013) 59
60
Aspectos Legais
Como citado previamente, a comunidade do Lagamar só foi definida como ZEIS através de uma lei complementar um ano após o lançamento do Plano Diretor Participativo de Fortaleza (PDPFOR) em 2009, sendo essa conquista possível somente através de uma grande mobilização popular, contando com a participação de moradores, membros de ONG’S, estudantes e apoiadores da comunidade. Para uma análise mais abrangente da situação legal da região, serão estudados aqui os parâmetros de legislação urbana de Fortaleza dando ênfase na área em estudo. De acordo com o zoneamento urbano proposto pelo Plano Diretor, o Lagamar ocupa um território que abrange 3 diferentes zonas, diferenciadas pelo seu padrão de ocupação e pelos seus índices propostos. São elas: a Zona de Ocupação Preferencial (ZOP1), Zona de Requalificação Urbana 1 (ZRU 1) e Zona de Preservação Ambiental (ZPA) (Mapa 7). A Zona de Ocupação Preferencial abrange a área mais ao norte do município, próximo ao centro. Ela se caracteriza pela presença de uma infraestrutura urbana consolidada que contrapõe com o grande número de imóveis vazios ou subutilizados, possuindo como objetivo o estímulo a intensificação de seu uso. Já na parte Oeste do município estão concentradas as zonas de requalificação urbana (ZRU), que apresentam uma infraestrutura precária e carência de serviços, além de forte presença de assentamentos informais, sendo a busca pelo ordenamento urbano a diretriz principal nessas zonas.
Mapa 7 - Zoneamento de Fortaleza Fonte: PDPFOR, elaborado pelo Autor
localizada em uma área de preservação ambiental, argumento utilizado pelo poder público para a não inclusão da área no PDPFOR de 2009. (FREITAS 2014; GASPAR;XIMENES 2013). Ainda sobre o zoneamento ambiental, podemos perceber que a comunidade se encontra em uma área central de transição entre a região altamente construída da cidade, que constitui a maior parte do município, e a região de interesse e preservação ambiental, que apresenta uma maior concentração na parte leste da cidade, abrangendo principalmente o parque do Cocó, a Praia do Futuro e a região da Sabiaguaba (mapa x). De acordo com o PDPFor de 2009, essas áreas verdes são classificadas como ecossistemas de interesse ambiental, as quais podem ser destinadas à proteção, preservação, recuperação ou uso de atividades sustentáveis.
A terceira zona, a ZPA, tem como objetivo à preservação dos ecossistemas e recursos naturais do município. Dentro do contexto da comunidade, ela refere-se ao riacho Tauape, mais precisamente classificando-se como ZPA 1, que dispõe sobre a faixa de preservação permanente dos recursos hídricos. Ressalta-se que um dos grandes impasses para a implementação do Lagamar como ZEIS, além do interesse do mercado imobiliário na região, foi o fato da comunidade estar 61
COMPARAÇÃO ENTRE OS ÍNDICES URBANÍSTICOS
Na tabela abaixo pode-se observar a comparação entre os índices urbanísticos das zonas na qual o Lagamar está inserido, na qual nota-se claramente as restrições construtivas trazidas pela zona de preservação ambiental, aonde um grande número de casas está inserida. Tabela 8 – Comparação entre os índices urbanísticos nas zonas. Fonte: PDPFOR; GASPAR, XIMENES 2013
ÍNDICE DE APROVEITAMENTO BÁSICO ÍNDICE DE APROVEITAMENTO MÁXIMO ÍNDICE DE APROVEITAMENTO MÍNIMO TAXA DE PERMEABILIDADE TAXA DE OCUPAÇÃO TAXA DE OCUPAÇÃO DE SUBSOLO ALTURA MÁXIMA DA EDIFICAÇÃO ÁREA MÍNIMA DO LOTE ÁREA MÁXIMA DO LOTE TESTADA MÍNIMA DE LOTE PROFUNDIDADE MÍNIMA DE LOTE
62
ZOP1
ZRU1
ZPA1
3
2
0
3
2
0
0,3
0,2
0
30%
30%
100%
0,6
0,6
0
0,6
0,6
0
72m
48m
0
125m²
125m²
-
-
-
-
5m
5m
-
25m
25m
-
Embora estes sejam os índices propostos no PDPFOR, ao adquirir o status de ZEIS o Lagamar deve seguir novos índices elaborados à partir de um plano de urbanização próprio para a área. Esse instrumento é importante para viabilizar o direito à moradia de pessoas que moram em assentamentos precários, flexibilizando os índices urbanísticos para que elas se enquadrem na cidade formal, como exemplificado abaixo no Plano Diretor:
‘’(Art. 213) As Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS – são as porções do território, de propriedade pública ou privada, destinadas prioritariamente à promoção da regularização urbanística e fundiária dos assentamentos habitacionais de baixa renda existentes e consolidados e ao desenvolvimento de programas habitacionais de interesse social e de mercado nas áreas não edificadas, não utilizadas ou subutilizadas, estando sujeito a critérios especiais de edificação, parcelamento e uso e ocupação do solo.’’
As ZEIS ainda podem ser classificadas em três grandes grupos, de acordo com a sua finalidade. O primeiro é voltado para assentamentos informais de baixa renda, o segundo para loteamentos clandestinos ou irregulares e conjuntos habitacionais públicos com irregularidades fundiárias, já o terceiro grupo determina espaços livres dotados de infraestrutura para destino de políticas públicas de habitação. Dentre esses, o Lagamar está classificado como ZEIS tipo 1, pois possui uma necessidade prevista no Estatuto da Cidade para a elaboração de um plano urbanístico que determine seus novos índices. (GASPAR; XIMENES, 2013)
63
A problemática das Áreas Livres
Ao nos aproximarmos da área de estudo, podemos observar um contraste entre a alta densidade dentro da comunidade com o parque do Cocó localizado à Leste e o terreno da base aérea à Sudoeste, grandes espaços não construídos. (Figura x) Devido ao parque do Cocó já se configurar como uma área de proteção ambiental composta por mangues e alagadiços, destaca-se aqui o potencial do terreno da base aérea para a sua utilização paisagística e para projetos de alagados contruídos.
propriedade, serão retirados deste zoneamento e passarão a obedecer a legislação urbana da zona na qual se inserem de acordo com o macrozoneamento definido no plano diretor de 2009 (Mapa 8). Como já citado previamente, essas áreas no caso do Lagamar são a Zona de Ocupação Preferencial (ZOP1) e a Zona de Requalificação Urbana 1 (ZRU 1). Essa mudança dos índices se apresenta como um grave prejudicial à comunidade, como afirmam GASPAR e XIMENES (2003):
Dentro da ZEIS, apesar do alto número de edificações, pode-se observar alguns terrenos vazios e sem uso dentro do polígono e no seu entorno próximo, somando ao todo uma área de 2,9 hectares de espaços livres (GASPAR; XIMENES, 2013). Os dois maiores terrenos se encontram fora do polígono da ZEIS, no bairro São João do Tauape. O primeiro deles se localiza ao Leste da comunidade, sendo um grande lote vazio de 3.500 metros quadrados, de propriedade particular. De acordo com moradores da comunidade, a prefeitura vem tentando obter a posse do terreno à quatro anos, mas o alto valor cobrado pelo dono do lote impede a transação. O segundo terreno se localiza ao Norte, ocupado por uma escola municipal desativada, possuindo uma área de 4000 metros quadrados. Ambas essas áreas se encontram dentro de um raio de 3km da comunidade, o que os torna propícios para a relocação de moradores.
‘’Esta alteração na legislação fragiliza o instrumento da ZEIS, tendo como consequência imediata a valorização de alguns terrenos pontuais dentro do assentamento, gerando possíveis conflitos de uso e processos de gentrificação, dentre outros problemas correlatos’
Dentro do polígono é possível observar uma distribuição bem dispersa de vazios com menores áreas, principalmente no bairro do Alto da Balança e ao longo do eixo ferroviário no bairro São João do Tauape. Esses espaços se mostrarem como importante potenciais para a implantação de elementos paisagísticos ou de equipamentos comunitários, porém, em 2012 foi aprovada uma lei complementar que decreta que os imóveis vazios ou ocupados, localizados em ZEIS do tipo I, não utilizados pela população do assentamento irregular e com regularidade de 64
Mapa 8 - Espaços Verdes no Entorno da Comunidade Fonte: Google Earth, Modificada pelo Autor
65
66
Impacto das grandes obras na ZEIS
Um fato importante a se analisar é que meses após a delimitação da ZEIS, Fortaleza havia sido escolhida como uma das sedes dos jogos da Copa do Mundo, trazendo para a cidade grandes obras de infraestrutura que afetariam diretamente a comunidade, sendo elas: (1) O projeto do viaduto da Av. Raul Barbosa e (2) o Projeto do VLT, que prevê a construção da estação São João do Tauape na porção norte do Assentamento. Ambos os projetos totalizariam a remoção de mais de 500 famílias e uma escola. (Figueiredo, 2014)
‘’ Esse projeto não parte de uma leitura dos padrões urbanísticos existentes na comunidade, e propõe parâmetros que implicam a legalização de situações de precariedade, como a adoção de lotes mínimos de 25m² e taxas de ocupação de 80% no interior do lote. A adoção de tais parâmetros implicaria a legalização da precarização do assentamento, tendo em vista que ele permitiria a subdivisão de um lote de 50m² (muito comum) em dois. Por outro lado, a taxa de ocupação de 80% requereria a reforma de um grande número de casas, pois poucos domicílios possuem 20% do lote de área impermeável. ’’ (FIGUEIREDO, 2010)
A contradição entre a conquista da ZEIS, que teoricamente garantiria o direito à moradia e a regularização fundiária, com as remoções planejadas por grandes obras de infraestrutura fez com que a prefeitura em 2012 apresentasse uma proposta de regulamentação urbanística para a área. Esse plano, por sua vez, não se formulou a partir de um diagnóstico da comunidade, e pecou ao não espacializar as propostas de remoção e de espaços livres, o que levou a não aceitação do projeto pelo conselho gestor do Lagamar. Ainda de acordo com Figueiredo, enquanto um estudo urbanístico do assentamento não é viabilizado, o foco do poder público se volta apenas para obras pontuais de infraestrutura que são demandadas desde a época da copa do mundo, sem se preocupar com as situações de risco e precariedade que afetam a comunidade. As obras do VLT, incialmente também uma promessa para a copa do mundo, vêm se estendendo por 6 anos. O objetivo do projeto seria a criação de sistema de transporte alternativo sobre um eixo ferroviário já existente na cidade, interligando o bairro da Parangaba a orla do Mucuripe. A principal justificativa para a demora das obras, de acordo com a prefeitura, é a falta de dinheiro para indenizar a grande quantidade de moradores que serão removidos para a implementação do projeto.
Mapa 9 - Limites da ZEIS Lagamar Fonte: PDPFOR, elaborado pelo Autor
67
No contexto da comunidade, estão previstas a remoção de 144 casas, representando 4% do total de domicílios da área. Esse número, porém, não inclui as casas que serão afetadas indiretamente pela obra, como os que terão seu acesso impedido pela existência da barreira de segurança do eixo ferroviário (GASPAR; XIMENES, 2013). Um outro grave problema na implantação do projeto é o fato dele se configurar como uma barreira física para os moradores da comunidade, que necessitam atravessar para o outro lado para acessar serviços como posto de saúde e escolas. A estação de passageiros está planejada para ser implantada na parte do São João do Tauape, no limite norte do Lagamar, enquanto o trilho mais próximo da comunidade se destina apenas ao transporte de cargas. Inicialmente, estava previsto a criação de um muro para separar a faixa do trilho da comunidade, mas através de protestos da população a prefeitura concordou em implantar um alambrado com apenas 2 acessos para o outro lado do trilho. Além disso, os moradores se queixam que a demora da construção do projeto levou ao acúmulo de entulho e lixo na comunidade, marginalizando ainda mais as regiões próximas ao trilho. Outra obra que merece destaque é a do viaduto da Av. Raul Barbosa, também prometida para a copa de 2014 mas finalizada apenas em 2016. Esse projeto inicialmente contava com um viaduto três andares no cruzamento com a Av. Murilo Borges, impactando mais de 300 casas. Em entrevista feita com a Fundação Marcos de Bruin, foi relatado que a comunidade apresentou contra propostas para a obra, especialmente pelo fato de ter sido finalmente reconhecida como ZEIS. O projeto final foi alterado para um viaduto sobre uma rotatória, e o número de casas atingidas foi diminuido para apenas 11. 68
Figura 50 - Viaduto e rotatória da Av. Raul Barbosa Fonte: PDPFOR, elaborado pelo Autor
69
CARACTERIZAÇÃO SÓCIO-ECONÔMICA
Densidade No ano de 2010, foram estimados 12.670 habitantes e mais de 3.000 famílias vivendo dentro da comunidade do Lagamar, distribuídos em uma área de 367.836m², o que nos leva a uma densidade de 2,9 hab/m² (dados do PHLISFOR). Pode-se observar que esse adensamento ocorre de forma desigual, sendo a parte localizada ao norte, no bairro São João do Tauape, bem mais concentrada que a parte sul, no bairro Alto da Balança (Mapa 10). Comparando-se com o resto da cidade, o Lagamar possui densidade semelhante com o setor oeste, caracterizado por possuir uma maior concentração de assentamentos precários, entretanto é possível observar áreas de baixa densidade em seu entorno, como o terreno da base aérea e o parque do Cocó. (GASPAR; XIMENES, 2013)
Renda De acordo com os dados do PHLIS, a renda média mensal do chefe de família do Lagamar é de 1 a 2 salários mínimos, fator contrastante com os bairros adjacentes de alto padrão de vida. Ao analisar o tamanho dos lotes, percebemos que o adensamento é maior conforme se aproxima do recurso hídrico, aonde a maioria dos lotes possui um tamanho menor que 60m². Essa diferença no tamanho das habitações pode ser justificada pelo menor valor de terra, já que a área perto do riacho está propensa a inundações. (Figueiredo, 2014)
70
Mapa 10 - Mapa do tamanho do lote na ZEIS Lagamar (PINHO; FREITAS pag.11)
71
USO DO SOLO
O uso mais predominante na região do Lagamar é o habitacional, característicos dos pequenos lotes nas vias de menor porte. Outro uso de destaque é o misto, na qual muitas das casas utilizam-se de um cômodo da habitação para serviços ou comércio. Em visita realizada em campo, também pode-se observar uma grande apropriação das margens do rio pela comunidade. O riacho, apesar do mau cheiro e da poluição atual, ainda funciona como um atrativo natural para diversas atividades. Porém, devido a essa baixa qualidade da água, alguns usos se mostraram em menor quantidade, como a pesca e a navegação, embora ainda pudessem ser observados durante a visita. (Mapa 11)
grandes problemáticas de uso. A primeira é um centro de triagem de lixo realizada por catadores da comunidade, que se configura como uma problemática ao passo que alguns desses catadores jogam o lixo não reciclável diretamente no riacho ou deixam em entulhos próximo as margens. A segunda se trata da criação de animais para abate, como porcos, que obstruem a calçada completamente e causam mau cheiro. Além disso, a comunidade conta com uma feira local que acontece todas as quartas-feiras na margem inferior do canal.
Nota-se que uma grande parte das margens é destinada à convivência dos moradores, muitas delas embaixo ‘’barracas’’ improvisadas que servem como abrigo do sol. Ainda é possível observar a presença de comércios informais como barbeiros, botecos improvisados e vendedores de peixes. A apropriação também se mostra através da extensão de roupas em varais, algo recorrente durante todo o percurso. Através de entrevista com moradores, foi constatado que pelo fato de as casas serem muito pequenas, os espaços públicos viram uma ‘’extensão do lar’’, o que explica essa forte apropriação do espaço público mesmo em baixas condições de salubridade. Podemos afirmar que essas apropriações são, de certa forma, favoráveis ao gerar um movimento de pessoas e reduzir a sensação de violência.na comunidade. Porém, se tornam incompatíveis ao se utilizarem das calçadas e fazer com que os pedestres tenham que andar em meio aos carros. 72
Do lado Oeste da margem podemos destacar duas
Mapa 11 - Usos nas beiras do canal Fonte: Autor
73
Figuras 51 e 52 Crianรงas brincando nas รกguas do riacho tauape, na regiรฃo do Lagamar Fonte: Jornal O Povo
74
75
> Figura 53- Feira Local Fonte: Acervo do Autor
< Figura 54 - Barraquinhas improvisadas na beira do canal Fonte: Acervo do Autor
76
77
Sistema viário
Ao analisar o sistema viário da comunidade podemos observar a presença de 2 vias artérias nas quais passam linhas de ônibus, sendo uma localizada dentro da comunidade e outra no limite da ZEIS, ambas no bairro Alto da Balança, ao sul. A parte do bairro São João do Tauape, ao norte, mostra-se como a parte mais problemática pois as únicas paradas de ônibus se localizam fora da ZEIS e além da via expressa, a qual será cercada após a implementação do VLT, fazendo com que se torne ainda mais difícil o acesso dos moradores ao transporte público. Além disso, a rua que margeia o canal possui um alto nível de tráfego durante horários de pico por conectar os bairros Aldeota e Bairro de Fátima, trazendo poluição sonora e ambiental. Em visitas ao local pode-se perceber também o conflito de uso do espaço viário entre pedestres e veículos automotivos. Muitas das ruas possuem calçadas estreitas e fazem com que os pedestres tenham que se deslocar pelas vias locais.
Mapa 12 - Sistema Viário e Pontos de ônibus Fonte: ETUFOR; Elaborado pelo Autor
78
79
Situação de Risco
As cheias na região Lagamar, assim como as que ocorrem nos mais diversos pontos do município de Fortaleza, podem ser classificadas em sua maioria como cheias rápidas (flash floods), que são causadas principalmente por períodos de chuvas muito intensos em um curto espaço de tempo, em bacias de pequeno e médio porte. Uma das características desse tipo de inundação é uma grande amplitude entre as vazões médias e aquelas do pico de inundação, que acontecem rapidamente. Por acontecer de forma muito repentina, essas cheias muitas vezes culminam em grandes prejuízos materiais ou para a saúde, através da veiculação hídrica de doenças como a leptospirose. Os fenômenos de inundação em Fortaleza são, de maneira geral, sazonais e recorrentes, principalmente durante a época de chuvas, concentradas principalmente no período de fevereiro a maio. (Olímpio, Vieira, 2012). Além de serviços precários de drenagem, a falta de conscientização da população sobre como lidar com essas situações de risco agrava os efeitos desses desastres. De acordo com Junior (200x), por não se trabalhar na cidade uma política prevencionista e que capacite a população na percepção de riscos, as comunidades ficam à espera de providências tomadas pelo poder público, sem qualquer atitude quanto a cuidar do próprio espaço. Como citado no início desse trabalho, um levantamento realizado pelo PHLIS-for mostra que 27% dos assentamentos informais do município de Fortaleza estão inseridos total ou parcialmente em zonas de risco, somando um total de 231 comunidades. Dentre os tipos de riscos classificados, os mais comuns são os de inundações e alagamentos (73%), devido à presença desses assentamentos localizados nas margens de rios, riachos, córregos e lagoas. (mapa 13) No Lagamar, cerca de 1373 domicílios da comunidade se 80
encontram inseridos em área de risco (PHLIS-for). Como apresentado acima, a falta de espaços livres, a alta taxa de impermeabilidade e outros fatores fazem com que o rio sofra constantes enchentes, afetando os moradores mais próximos do canal. Essa situação de risco é agravada pelo fato de as casas que ocupam as margens estarem inseridas em cotas muito baixas, sendo diretamente afetadas por essas cheias (mapa x) De acordo com a legislação ambiental, a faixa de 50m para cada lado do canal corresponde a uma APP. Porém, estudos realizados pela Universidade Federal do Ceará demonstram que a área que sofre com inundações se localiza na cota 04, a qual em algumas situações se mostra maior ou menor que a faixa de preservação (Mapa x). Pode-se concluir então que a legislação apresenta falhas ao restringir uma largura fixa paralela as margens de um recurso hídrico, não solucionando as questões de risco socioambientais. No caso do Lagamar, pode-se notar um excesso de restrição de ocupação em algumas partes, já em outras nota-se uma certa permissividade. (Figueiredo, 2014)
Mapa 13 - APP e Cota de Alagamento (PINHO; FREITAS pag.11)
81
Infraestrutura
Rede de Esgoto O Lagamar, por estar inserido em uma região central, compartilha da infraestrutura existente da rede de esgoto. Apesar disso, o relatório realizado pelo PHLIS-FOR revela que a comunidade possui uma rede de esgoto apenas parcial, enquanto dados do IBGE mostram que aproximadamente 953 domicílios (33,6% do total da comunidade) ainda despejam seu esgoto diretamente no riacho, principalmente na parte do bairro São João do Tauape (mapa 14).
para o canal, também pode ocasionar no extravassamento do mesmo, culminando em quadros de enchentes durante o período de chuvas.
De acordo com GASPAR e XIMENES (2003), a rede de coleta na comunidade apresenta problemas de funcionamento principalmente nas partes mais baixas próximas ao riacho, possivelmente devido as instalações das tubulações em nível inferior ao nível da estação elevatória (EE) que atende a área, localizada na margem inferior do riacho.
Drenagem De acordo com o PHLIS, a região do Lagamar possui um sistema de drenagem parcial, o qual é constituído por um conjunto de dispositivos como caixa coletora, caixa de inspeção, valetas de escoamento, dentro outros. A presença desse sistema na comunidade é escasso, podendo ser observado apenas em algumas ruas próximas ao riacho, especialmente na porção do bairro São João do Tauape (GASPAR; XIMENES 2003). O sistema ainda traz ainda o escoamento de outras avenidas e ruas de grande porte fora da comunidade para o riacho, como a Av. Rui Barbosa, a Av. Sabino do Monte e a Rua Tenente Barbosa. O alto nível de impermeabilização na comunidade também contribui para a geração de uma grande quantidade de escoamento superficial, que além de carregar impurezas 82
Mapa 14 - Sistema de drenagem da ZEIS Fonte: CAGECE, Elaborado pelo Autor
83
Diretrizes para um melhor Lagamar As diretrizes estabelecidas anteriormente para a bacia alimentada pelo riacho Tauape foram adapatadas e aprimoradas para as singularidades da região do Lagamar, de modo que se conseguisse propor ações mais específicas e que visam potencializar os usos, recuperar a qualidade das águas e garantir o direito a moradia. Seguindo a lógica anterior, as ações foram estruturadas de acordo com a topografia:
DIRETRIZES
AÇÕES
COTA 0-2 - ÁGUA
Referente ao nível das águas. Propõese espaços de aproximação com o recurso hídrico e melhoria da qualidade das águas
- Criação de um segundo passeio proximo as águas do canal - Plantio de mudas aquáticas sobre ilhas flutuantes para auxiliar na qualidade da água.
COTA 3 - MARGENS
Referente ao nível das Margens. Propõe-se uma continuidade do percurso e pontecialização dos usos encontrados no local
- Redesenho do Passeio e das vias - Implantação de estratégias de Traffic Calming - Aumento das Áreas Permeáveis - Redesenho e implantação de pergolados - Preservação de áreas não construídas e plantio de mata ciliares - Utilização de sistema de drenagem com filtro de areia
COTA 4 - HABITAÇÕES
Referente ao nível das habitações. Propõe-se a construção de habitações que sejam resistentes as mudanças no nível da água, o aumento de áreas permeáveis e a retenção de água no próprio lote, além de eliminar becos para que se possibilite o abastecimento da rede de esgoto.
- Remoção das habitações abaixo da cota de alagamento - Implantação de novas habitações sobre pilotis ou elevadas acima do nível das cheias - Aumento das áreas verdes dentro das quadras - Criação de jardins de chuva acoplados as habitações
84
85
86
Um Lagamar de Possibilidades Parte IV Neste Capítulo será apresentado o Projeto de Reurbanização da comunidade do Lagamar. Após realizado o diagnóstico e elaborada as diretrizes, foi possível a elaboração de um projeto que se acredita trazer à tona o potencial tanto do recurso hídrico quanto da comunidade. Esse estudo busca trabalhar emcima do hibridismo dos rios urbanos, não procurando reverter o rio ao seu estado natural antes da urbanização, mas sim trabalhar de uma maneira mais sinérgica a sua relação com a cidade e com os moradores de suas proximidades. Após a apresentação geral do Masterplan e das etapas projetuais, as intervenções, assim como as diretrizes foram divididas pela topografia: as intervenções na cota das águas, das margens e do entorno.
87
7
5 6
4 3
88
Masterplan Todas as intervenções propostas para o Masterplan do Lagamar partem de uma política de convivência com as águas do rio. Para tal, o eixo estruturador das ações foi a cota de alagamento (4), na qual todas as internvenções se concentraram abaixo desse nível. Entende-se que as cheias são fenômenos naturais, que, embora possam ser minimizados, são impossíveis de serem evitados; logo, por mais que as ações proposta procurem também aumentar a taxa de permeabilidade da comunidade, os espaços construídos foram projetados tendo em mente as mudanças dinâmicas no nível da água, procurando minimizar as perdas caso ocorra algum quadro de enchentes no futuro.
2
Para minimizar os efeitos das enchentes, foram cominadas estratégias de drenagem sustentáveis, juntamente com o aumento das áreas verdes, favorecendo a infiltração da água no solo e a melhoria da sua qualidade. Por fim, as habitações foram construídas sobre pilotis, ficando no térreo o estacionamento, as habitações acessíveis e o comércio, sendo esses últimos elevados acima da faixa de alagamento. Os complexos contam também com jardins de chuva na qual recebem a água das calhas. No setor mais à Oeste da ZEIS se localizam as áreas não construídas, para as quais foram proposto o replantio de vegetação ciliares que guiam uma caminhada mais natural ao longo das margens. Dois mirantes, um de cada lado, foram propostos devido as qualidades cênicas que o espaço proporciona. Durante o período de chuvas, essas áreas servem como amortecedoras de cheias, diminuindo a velocidade do escoamento superficial e infiltrando a água no solo, além de retirar poluentes das águas.
1
89
B B 90
A A
91
CORTES GERAIS
Corte AA - Situação Normal
Corte AA - Situação de Cheia
Corte AA - Situação de Enchente
92
Corte BB - Situação Normal
Corte BB - Situação de Cheia
Corte BB - Situação de Enchente
93
PROJETO DE INTERVENÇÃO COTA 0-2: ÁGUA
Estrutura Flutuante aplicada em Canal, mostrando depois da instalação, no começo da primavera e em seu estado final | Fonte: Biomatrix Water
A cota da água diz respeito aos espaço destinado ao canal, que possui seu espelho abaixo dos 3 metros durante a maior parte do ano. Para esses níveis, foi criado um segundo passeio de madeira e estrutura metálica sobre as águas que propicia diversos momentos durante o seu percurso. Durante a época das chuvas, essa estrutura se alaga e pode ser usufruida de novo após o volume do canal voltar ao normal. Diferentes acessos foram criados para acessar esse nível, localizados nas extremidades e nas passarelas já existentes no local, procurando aproveitar a sua estrutura. O formato desse passeio, que em certo momentos vira um píer, mirante ou escada para as águas, propicia momentos de baixa correnteza na qual se torna possível o plantio e a reprodução de espécies aquáticas, ajudando a restaurar a fauna marítima do canal. Além disso, como estratégia para melhoria da qualidade das águas, é proposto a implantação de ilhas flutuantes de mata ciliares no lado sul do canal. Essa tecnologia, amplamente utilizada no exterior para a revitalização de rios, consiste em uma estrutura modular fixada na parede do canal, e é totalmente adaptável as mudanças no nível da água. As espécies plantadas usando essa tecnologia ajudam a retirar poluentes das águas e podem servir como refúgio tanto de peixes como de pássaros.
94
1
Rampa de acesso + Modo Píer e aluguel de barcos
2
Acesso através das passarelas existentes + degraus de aproximação
3
Escadas de acesso + espaços para contemplação
4
Praça alagável + plantio de mata ciliar
5
Trilha alagável + plantio de mata ciliar
6
Mirante + horta comunitária
95
1
96
[Situação Normal ] Píer e aluguel de barcos
1
[Situação de cheia] Píer e aluguel de barcos
97
PROJETO DE INTERVENÇÃO COTA 3: MARGENS
A cota 3 diz respeito às margens do rio, na qual foi proposto o resedenho das vias e dos passeios, buscando uma melhoria no percurso das margens, o aumento das áreas permeáveis e a potencialização dos usos observados no local. Na parte norte do rio, no bairro São João do Tauape, estratégias de Traffic calming foram aplicadas devido ao alto fluxo de automóveis que se dirige do bairro Aldeota para o bairro de Fátima. Passarelas elevadas de pedestres foram implantadas nos cruzamentos, assim como uma faixa exclusiva para ônibus e uma ciclofaixa , já prevista no plano cicloviário do município. Procurando potencializar os usos no local, as barraquinhas encontradas em diversos pontos do passeio na comunidade foram remodeladas e afastadas para dentro do leito do canal, de modo que possibilite a sua implantação nos mesmos locais porém sem interromper o passeio. Esses lugares podem de dia servir para os mais diversos usos, inclusive como extensão dos comércios, como os botecos. O passeio também teve sua dimensão aumentada e a paginação escolhida dá a sensação de continuedade e guia o caminhar por todo o percurso, além de servir como malha para os generosos canteiros de 5 e 10 metros, procurando-se sempre obter uma maior taxa de permeabilidade. Na parte sul do Riacho, na bairro Alto da Balança, o trânsito mais local permitiu a implantação de uma via compartilhada no mesmo nível da calçada, na qual a faixa central é a única destinada a circulação de carros. A divisão entre as faixas se dá por meio de canteiros e mobiliários como bancos e balizadores. Novamente, o projeto busca criar um passeio contínuo e sombreado ao longo das águas para moradores e visitantes. 98
Mais uma vez, as barraquinhas tão presentes na comunidade puderam ser recolocadas em forma de pergolados praticamente nos mesmo locais que estavam antes, sem que houvesse a interrupção do passeio, já que agora as via e a calçada se tornaram uma só.
99
PAGINAÇÃO Setor sul do canal - Rua compartilhada
.40 3.00 .40 3.00
100
.40 1.00 2.00
Paginação setor norte do canal: Passeio fluvial
.40 .40 1.2 1.2 1.0
1.2
.40 .40 1.2 1.0
101
PAISAGISMO Todas as espécies escolhidas para o plano de arborização do passeio são espécies nativas da caatinga. As Burra-Leiteiras são árvores de grande porte que marcam os cruzamentos e formam uma moldura para quem chega das ruas perpendiculares ao rio. No inverno, essas árvores florescem avisando a chegada da estação chuvosa. Para a marcação dos espaços sombreados foram escolhidos os Ipês: os amarelos marcam os pergolados enquanto os roxos marcam a área destinada à feirinha. Muquêns e Jucá foram escolhidos para o sombreamento de todo o passeio devido ao fato de se manterem verdes durante todo o ano, enquanto nas áreas não construídas foram plantadas árvores de mata ciliares como o Angico e o Cumaru.
102
Burra-Leiteira - Marcação de Cruzamentos
Jucá - Sombra durante todo o ano
Pau-Branco: Demarcação de Vagas para veículos
Ipê-Roxo - Feirinha
Ipê-Amarelo - Demarcação de Espaços Sombreados
Angico - Recuperação da Mata Ciliar
103
QUADRO DE ESPÉCIES ARBÓREAS
CÓDIGO
NOME CIENTÍFICO
NOME POPULAR
QTD.
PORTE (m)
SALA
Sapium lancelotaum huber
Burra-Leiteira
30w
17,5
AUON
Auxema oncocalyx
Pau-Branco
80
8
CAFE
Caesalpina ferrea Mart.
Jucá
26
6
ALIN
Alibizia inundata
Munquêm
55
13,5
TAIM
Tabebuia impetiginosa
Ipê Roxo
22
12,5
HAAL
Handroanthus albus
Ipê Amarelo
40
12,5
ANCO
Anadenanthera colubrina
Angico
54
25
AMCE
Amburana cearensis
Cumaru
27
11
104
2
[Situação Normal] degraus de aproximação
105
2
106
[Situação de Cheia] degraus de aproximação
2
[Situação de Enchente] degraus de aproximação
107
108
PROJETO DE INTERVENÇÃO COTA 4: Habitações
Para a cota 4 buscou-se uma solução em que houvesse uma sinergia entre o direito à moradia e a saúde do rio. Para tal, todas as casas localizadas abaixo dessa cota alagável foram retiradas e substituídas por habitações sobre pilotis, exceto o comércio e habitações acessíveis; sendo estes ainda elevados acima do nível das águas. A estrátegia busca utilizar a verticalização como estratégia de redução de danos materiais em caso s de enchentes, aumento das áreas permeáveis dentro das quadras e propiciar o abastecimento da rede de esgoto em nos lotes, o que impacta diretamente na qualidade das águas.
Habitações com Comércio
Habitações sem Comércio
As novas habitações se consistem de blocos modulares e podem ser implantadas de diversas maneiras: juntas, como 3 blocos e com capacidade para 70 pessoas; como 2 blocos com capacidade para 30 ou 46 pessoas ou ainda individualmente, abrigando 24 ou 40 pessoas. Após o redesenho das quadras e vias, foi planejado a construção de 52 novas habitações, com capacidade para abrigar 764 famílias para o mesmo local dentro da comunidade. Devido ao grande nível de cohabitação existente na comunidade, foi uma exigência que os apartamentos tivessem uma dimensão um pouco maior que o padrão ‘‘minha casa minha vida’’, portanto projetou-se habitações de 70 e 80m².
109
PLANTAS
110
111
INFRAESTRUTURA VERDE
O projeto conta com uma combinação de técnicas de drenagem para mitigar o efeito das chuvas e melhorar a qualidade da água do rio. Nos lotes, jardins de chuva são utilizados nos maiores complexos para reter a água da chuva e libera-lá aos poucos no solo. Em caso de extravassamento a água pluvial pode também ser recebida por valas com filtros de areia, os quais além de reter uma certa quantidade de água também possuem ação purificadora. No sistema, um certo volume de água é armazenada aonde ficam depositado os detritos mais sólidos, quando o volume aumenta a água passa para o segundo compartimento aonde é filtrada pelos grãos de areia e logo em seguida é encaminhada para o riacho através de um cano perfurado. Dentro do riacho, ilhas flutuantes auxiliam na retirada de poluentes e restauro da fauna marinha.
112
Detalhe Jardim de chuva
Detalhe filtro de areia
113
MOBILIÁRIOS FLUTUANTES Pensando em uma maneira acessível de pontecializar os usos nas águas já observados na comunidade, foram propostos mobiliários simples e de fácil execução que podem ser adaptados para transformar as águas em espaços de lazer, se configurando como uma extensão do espaço público. Os mobiliários possuem uma base feita de materiais baratos ou reciclados, e podem ser adaptados para diversos tipos de usos: lazer, pesca, coleta de lixo e contemplação. A base flutuante consiste em uma estrutura de barris de óleo reciclados, amarrado com caibros de madeira, revestidas com um deck e finalizadas com tinta neutrol para a impermeabilização, os bancos podem ser opcionais. O módulo [1] é o mais básico, e pode ser a daptado de diversas formas: parafusando-se uma mesa, um guarda-sol, um escorregador de madeira para crianças e outras possibilidades. No módulo [2] adapta-se o centro do flutuante para abrigar um nicho com uma rede de pesca, na qual pode servir para catadores de lixo percorrerem o rio e armazenar os sacos cheios de dejetos ou para pescadores armazenar os peixes. O terceiro flutuante consiste em uma opção mais compacta e barata, utilizando como base canos de PVC pressurizados, podendo usar como acabamento decks de madeira ou até mesmo pedaços telhas metálicas, com um ou dois acentos parafusados no meio. Devido as dimensões, esse mobiliário seria usado principalmente para a pesca.
Conversa
Lazer
Pesca
Relaxamento
Recreação infantil
Coleta de lixo
O leque de possibilidades trazidos por esses mobiliários vêm a servir também como fonte de renda aos moradores, podendo ser alugados para visitantes. 114
Mรณdulo 01 - Base Flutuante
Mรณdulo 02 - Base Flutuante com rede
Mรณdulo 03 - Flutuante para pesca
115
Bibliografia ALDIGUERI, Camila Rodrigues. Rios e ocupação urbana: o Rio Cocó em Fortaleza. 2013. 177 f. Dissertação (Mestrado) – UFRJ/PROURB/Programa de Pós-Graduação em Urbanismo, 2010. ARAÚJO, Laiz Hérida Siqueira de. DIAGNÓSTICO GEORREFERENCIADO DO USO E OCUPAÇÃO DO SOLO NAS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (APP) DA SUB-BACIA B1, BACIA DO RIO COCÓ, FORTALEZA-CE. 2012. Pós-Graduação em Engenharia Civil - UFC ASTEF Associação Técnica Científica Engenheiro Paulo de Frontin. Inventário Ambiental de Fortaleza. Fortaleza: Ed. [s.n.], 2003. AHERN, Jack; PELLEGRINO, Paulo; MOURA, Newton Célio Becker de. Infraestrutura verde: desempenho, estética, custos e método. CAGECE Cf. L. Downbor, “Economia de Água”, cit., pp. 27-36 Cf. Z. Neiman, “Queremos nadar no nosso rio! O simbolismo da balneabilidade para a construção do conceito de qualidade de vida urbana”, em L. Downbor & R.A. Tangnin (orgs.), Administrando a água como se fosse importante: gestão ambiental e sustentabilidade (São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2005), p. 264. ENTRE Rios. Direção de Caio Silva Ferraz. Produção de Joana Scarpelini. São Paulo: Senac-sp, 2009. (25 min.), son., color. Disponível em: <https://vimeo. com/14770270>. Acesso em: 5 jul. 2017. FAY JONES SCHOOL OF ARCHITECTURE (Arkansas). University Of Arkansas. LID - Low Impact Development: a design manual for urban areas. Fayettevile: UACDC, 2010. 117 p. FREITAS, Clarissa Figueiredo Sampaio. Ilegalidade e degradação em Fortaleza: os riscos do confl ito entre a agenda urbana e ambiental brasileira. Revista Brasileira de Gestão Urbana, Rio de Janeiro, v. 6, p.109-125, jan. 2014. Freeman, P. Gambling on Global Catastrophe. Urban Age, v. 7, n. 1, Summer, p 18-19, Washington, USA, 1999 FONSECA, Liedel Lima. DESASTRES NATURAIS DE ORIGEM HÍDRICA E SEUS IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS NA CIDADE DE FORTALEZA. 2010. 78 f. Monografia (Especialização) - Curso de EspecializaÇÃo em SeguranÇa PÚblica e Defesa Civil, Faculdade Metropolitana da Grande Fortaleza, Fortaleza, 2010. FUNASA- Fundação Nacional de Saúde. Manual do Saneamento. 3ed. Brasília, 2006. Disponível em: < http://www.quimlab.com.br/PDF-LA/Manual%20de%20 Esgotamento%20Sanit%E1rio.pdf> Acesso em: 10 abr. 2017. FUNDAÇÃO DE DESENVOLVIMENTO HABITACIONAL DE FORTALEZA - HABITAFOR. Plano Local de Habitação de Interesse Social de Fortaleza – PLHISFor. Fortaleza: [n.s.], 2013. 213 p. GASPAR. Rebeca; XIMENES, Luciana, Reconhecendo emergências no Lagamar: proposta integrada de intervenção. 2013. 410 f. TCC (Graduação) - Curso de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2013. Disponível em: <https://issuu.com/luciana.ufc/docs/tfgreconhecendoemergencias>. 116
Acesso em: 6 dez. 2017. GORSKI, Maria Cecília Barbieri. Rios e Cidades: Ruptura e Reconciliação. São Paulo: Senac, 2010. 300 p. GOMES, Marília Passos Apoliano Gomes. A cidade em disputa: A trajetória de um movimento social. Dissertação (Mestrado) – UFC Programa de Pós-Graduação em Sociologia, 2013. Green Streets (Innovative Solutions for Stormwater and Stream Crossings). Publication/Metro Council, first Edition June 2002. IKEDA EloÍsa Balieiro. São Paulo – Paris, metrópoles fluviais: Ensaio de projeto de arquitetura das orlas do canal Pinheiros inferior, córrego Jaguaré e córrego Água Podre. 2016. 316 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Arquitetura e Urbanismo, FAUUSP, São Paulo, 2016. LEÃO, Lícia Cotrim Carneiro; SANCHES, Patrícia Mara; SOUZA, Fabíola Bernardes de. Uma Infra-Estrutura Verde Para a Bacia do Córrego Poá, Taboão da Serra, SP. Paisagem e Ambiente, [s.l.], n. 28, p.43-60, 30 dez. 2010. Universidade de Sao Paulo Sistema Integrado de Bibliotecas - SIBiUSP. http://dx.doi.org/10.11606/issn.2359-5361.v0i28p43-58 Leopold, L., B. Hydrology for Urban Planning – A Guide Book on the Hydrologic Effects on Urban Land Use. USGS. 1968, circular 554. MIGUEZ, Marcelo Gomes; VERÓL, Aline Pires; REZENDE, Osvaldo Moura. Drenagem Urbana: Do projeto tradicional à sustentabilidade. Rio de Janeiro: Elsevier, 2016. 361 p. MOURA, Newton Célio Becker de. Biorretenção: tecnologia ambiental urbana para manejo das águas de chuva. 2013. 177 f. Tese (Doutorado – Área de concentração: Paisagem e Ambiente) - FAUUSP. MUSETTI, R. A. Direito ambiental e ciências ambientais: integração responsável. Revista CEJ. Brasília, n. 35, out./dez., p. 58-61, 2006. OLIVIERI, Antonio Carlos. Mitologia: Uma das formas que o homem encontrou para explicar o mundo. 2005. Disponível em: <https://educacao.uol.com.br/disciplinas/historia/mitologia-uma-das-formas-que-o-homem-encontrou-para-explicar-o-mundo. htm>. Acesso em: 6 dez. 2017. OLIMPIO, Joao Luis Sampaio et al. EPISÓDIOS PLUVIAIS EXTREMOS E A VULNERABILIDADE SOCIOAMBIENTAL DO MUNICÍPIO DE FORTALEZA: O evento do dia 27/03/2012. Disponível em: <http://biblat.unam.mx/es/revista/geo-uerj/articulo/episodios-pluviais-extremos-e-a-vulnerabilidade-socioambiental-do-municipio-de-fortaleza-o-evento-do-dia-27032012>. Acesso em: 6 dez. 2017.
117
SANTANA, Walter Aloisio. Proposta de diretrizes para planejamento e gestão ambiental do transporte hidroviário no Brasil. 2008. 277 f. Tese (Doutorado) - Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Departamento de Engenharia Naval e Oceânica. SANTOS, Valentim. A água nas religiões. 2012. Disponível em: <http://historiaedidatica.blogspot.com.br/2012/12/normal-0-21false-false-false-pt-br-x_22.html>. Acesso em: 6 dez. 2017 SOPHIE HARDACH (Reino Unido). Bbc. How the River Thames was brought back from the dead. 2015. Disponível em: <http:// www.bbc.com/earth/story/20151111-how-the-river-thames-was-brought-back-from-the-dead>. Acesso em: 06 jun. 2017. TRAVASSOS, Luciana Rodrigues Fagnoni Costa. Revelando os rios: Novos paradigmas para a intervenção em fundos de vale urbanos na Cidade de São Paulo. 2010. 243 f. Tese (Doutorado) - Curso de Ciência Ambiental, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. Disponível em: <http://www.fau.usp.br/cultura/residencia/modulo1/Processos_e_Metodos_de_Planejamento_e_ Gest_o_Urbana/Bibliografia/Bibliografia_Especifica/Revelando_os_Rios_-_Luciana_Travassos.pdf>. Acesso em: 7 jun. 2017 ZORDAN, Daniel F.. Há relatos do Dilúvio em quase todas as civilizações espalhadas pelo mundo. 2010. Disponível em: <https:// creationsciencenews.com/2010/09/02/ha-relatos-do-diluvio-em-quase-todas-civilizacoes-espalhadas-pelo-mundo/>. Acesso em: 6 dez. 2017.
118
119