Livro - Na parede da memória

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Para além do tempo: ontem, hoje e amanhã Projeto Memória SINTUFCe Realização Sindicato dos Trabalhadores das Universidades Federais no Ceará - SINTUFCe Copyrigth 2011 Sindicato dos Trabalhadores das Universidades Federais no Ceará - SINTUFCe Qualquer parte desta publicação pode ser reproduzida, para fins não comerciais, desde que citada a fonte Distribuição gratuita Organização e textos: Maria Edna de Araújo Lima Depoimentos: José Alves de Freitas, José Ferreira Santiago (Boi), Maria Leda Lima Sena, Maria Marleííde Gomes, Prentice Mendonça, Raimundo Lopes de Souza, Sílvio de Alencar Fernandes e Vera Maria Gomes de Almeida Edição e revisão: Raimundo Madeira Projeto gráfico: Raimundo Madeira e Wanderley Passos Diagramação e efeitos sobre fotos: Wanderley Passos Capa: Raimundo Madeira e Wanderley Passos Fotos: Chico Peres e bancos de imagens


Quando entrávamos na sala de reuniões do SINTUFCe e víamos aquele pequeno grupo de aposentados, coordenados por Edna Araújo, psicóloga aposentada da UFC, lendo, discutindo, dando boas risadas, jamais imaginaríamos que dali fosse brotar um livro. Pois brotou. E que livro! Para além do tempo: ontem, hoje e amanhã é um livrinho que começou a ser gestado em abril de 2010 e, hoje, nos orgulha, comove, ensina, porque tem a marca inconfundível do amor. Suas vidas, antes e depois da aposentadoria, são um canto de amor à UFC, um canto que se encontra na sensibilidade de Herbert Viana: “Se eu não te amasse tanto assim, talvez não visse flores por onde eu vim...” Só quem ama sem medidas é capaz de descobrir flores no deserto, cores na escuridão... São casos de amor tão grande que, mesmo reconhecendo as contradições e fragilidades da Universidade, mesmo esquecidos, mal amados, ainda assim são capazes de ver para além do que ela própria vê. Porque eles veem com o coração. Mesmo não sabendo direito como se expressar, emocionam-se quando falam dela, defendem-na firmemente quando alguém “de fora” ousa questioná-la. O ineditismo deste livro nos ensinou que o maior patrimônio do SINTUFCe não é material, são os servidores, com suas simples e grandiosas histórias de vida, histórias que revelam de si, mas também da Universidade. Alguns nunca sentaram num banco universitário, mas compreendem com o sentimento a importância do Sindicato no crescimento pessoal e político da nossa categoria e da Universidade. Este livro é o primeiro registro do Projeto Memória SINTUFCe. Que seja o primeiro de muitos. Diretoria colegiada do SINTUFCe Gestão 2008/2011 “No caminho certo com democracia e compromisso”



Do início... Este livro nasceu de um projeto apresentado à Coordenação de Aposentados do SINTUFCe. A ideia era, a partir da leitura de textos de autores como Cora Coralina, Patativa do Assaré, Rubem Alves, Leonardo Boff e, ainda, de artigos de revistas diversas e, até mesmo, de textos da Internet sobre temas dos mais variados, suscitar nos participantes a escuta e a fala para, então, fazer-se um registro de todo o universo construído no percurso do tempo de vida laboral até a aposentadoria, com foco para esse tempo, ou para o uso dele. Esse conteúdo teria como objetivo, na verdade, despertar nos aposentados da UFC uma perspectiva de marcar a passagem de cada um, dar visibilidade a essa presença de tantos anos nos trilhos da Universidade. E não só, tinha ainda a pretensão de, quiçá, ser um elemento ilustrativo para dar início ao “ócio produtivo” para aqueles que estão de, alguma forma, “inativos” diante da aposentadoria. O livro é de livre estilo, coloquial. E é em nós, pois é, assim, a expressão de todos. Como não seria possível a participação de todos os aposentados, até porque há que se respeitar o querer, a liberdade de dizer “sim” ou “não” à ideia, sugerimos, a partir de então, o “transplante” da ideia para o livro virtual, onde aqueles que não estiveram no projeto possam, se assim o quiserem, deixar a sua marca. Assim, alçaremos a democratização da ideia e a concretude da cidadania que, em sua essência, é coletiva. A proposta é aberta, ou seja, o modelo é uma sugestão. Fica a critério de cada um se inserir em um capítulo, em alguns, em todos, que seja. Que a liberdade seja a tônica da participação.

Maria Edna de Araújo Lima

Psicóloga, especialista em Gerontologia Organizadora



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Introdução Por que escrevemos este livro? Ora, poderíamos dizer que um livro dá vida aos personagens, permite que nos identifiquemos com eles, nos dá vida quando repensamos nossas próprias vidas a partir do que lemos ou ainda quando criamos e recriamos outros personagens para as histórias, e ainda mais quando resolvemos ser personagens de nossas próprias histórias. É nesse último aspecto que este livro se coloca. Ele conta a trajetória real de personagens num tempo de vida destinado ao trabalho. É uma jornada de longos anos de dedicação, aprendizagem, responsabilidade, crescimento, contribuição e, acima de tudo, a certeza do dever cumprido, do registro de uma passagem que não será esquecida. E por “falar” nisso, escrevemos para que todos saibam que por algum lugar passamos, e que não passamos em “brancas nuvens”, que nossa passagem, de fato, marcou nossa presença, que fizemos a diferença. E não só isso, queremos falar para aqueles que nos sucederão; queremos deixar nosso recado, nossa marca na estrada que agora será percorrida por outros, no processo natural de sucessão dos cargos públicos, logo que uma vaga surge, derivada da aposentadoria daqueles que completaram o seu tempo de vida laboral. E completamos nosso tempo. E é desse tempo que falaremos. É de nossas vidas na Universidade, espaço que, se por um lado, exigia de nós capacidade de resposta, competência, dedicação, por outro, por ser um campo de conhecimento, de pesquisa, ampliou-nos a visão de mundo, proporcionou o crescimento pessoal e profissional por meio do relacionamento com os segmentos que formam a instituição. Universidade, universo do saber, do aprender e do ensinar. E sorvemos tudo isso ao longo de nossos anos percorrendo seus caminhos. Aprendemos com as trocas com os outros; aprendemos com nossos colegas, com nossos chefes, com os alunos, com os professores. Falaremos de nossa aprendizagem. Falaremos de nós. Queremos que saibam de nós. Queremos nossos nomes na placa da história da Universidade. Queremos escrever nossas histórias. Como bem disse Gabriel Perissé em Ler, Pensar e Escrever, escrevemos para todas as pessoas, porque queremos dizer-lhes verdades e fazê-las felizes com este saber. Escrevemos para amar e sermos amados. E nós acrescentamos: escrevemos para lembrar e sermos lembrados.



Não sei... Se a vida é curta Ou longa demais pra nós, Mas sei que Nada do que vivemos Tem sentido, Se não tocamos o Coração das pessoas. Cora Coralina



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Quem somos nós Somos todos iguais perante a lei, todos iguais enquanto espécie (humanos), gênero (homens e mulheres), mesma profissão (motoristas, engenheiros, funcionários públicos etc.). Coletivamente, igualamo-nos aos outros, porém, individualmente, somos diferentes e muito diferentes. Somos uma soma de vários elementos, que vêm de nossas famílias, de alguma forma do nosso “habitat inicial” – a cidade onde nascemos –, dos contatos que fazemos com a vizinhança – é lá que está muito de nossas características pessoais. Se viemos do interior ou se já nascemos na cidade grande, com certeza há traços que reforçam nossa personalidade, nosso modo de agir. Isso nos diferencia e contribui para a troca de experiências, quer na vida corporativa, quer onde estivermos, afinal. Somos parte do que aprendemos com a nossa família – nossos valores, nossa atitude moral e ética –; somos parte do que aprendemos com o ambiente em que vivemos – a escola, os amigos, o trabalho. “Nenhum homem é uma ilha”. E por assim sermos diferentes, é importante, para nós, registrarmos a nossa marca, destacarmos a nossa presença. Acreditarmos que temos algo a dizer a partir de nossas experiências de vida, principalmente àqueles que nos seguirão, nossos filhos, nossos sucessores, àqueles que ocuparão nossos lugares, nossas funções e cargos quando nos aposentarmos. Acreditarmos que podemos colaborar com a nossa aprendizagem ao longo de vários anos de vida produtiva. Por tudo isso, nossa identificação vai além do nosso nome e do cargo que ocupamos. Se não, vejamos: “Sou Leda, estou feliz por estar vivendo minha maturidade com plenitude e equilíbrio (corpo e espírito); consciente do meu papel como cristã, mulher, sindicalista, coralista. A nossa sociedade capitalista é cheia de preconceitos com as pessoas que têm o privilégio de chegar aos 50 anos ou mais com vigor, saúde e sabedoria. Na minha família, tenho uma grande marca: estou sempre feliz, cheia de energia. É que resolvo os problemas de todos (porque trabalhei no HUWC – Hospital Universitário Walter Cantídio); sou aquela pessoa que não tem medo de nada.Graças a Deus, tenho equilíbrio, calma diante das dificuldades.


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Outra marca: gosto de viajar, sou muito festeira, estou sempre pronta para passear. Forró pé de serra é minha marca; gosto de dançar. A minha família é muito feliz,comemoramos o dom da vida, sempre vamos para o interior para fazer festa. Gosto de fazer surpresas, compro presentes fora de época – não precisa ser Natal, aniversário; presente se dá a qualquer época, é mais significativo; a felicidade é maior em dar do que receber. Descobri que herdei isso da minha avó paterna; ela era uma pessoa muito caridosa, fazia roupinhas e redes de algodãozinho para ast grávidas da época.” Leda “Sou de uma família humilde do interior; comecei a trabalhar menino ainda, como ajudante de jardim, ajudante em hotel, trabalhei em fábrica, até chegar à UFC. A minha marca sempre foi querer trabalhar: carregava água em jumento porque não havia água encanada; fazia limpeza em residências; vendia banana, ovos, para sobreviver. Sempre tive dificuldade para estudar e aprender.” José Alves “Sou o Sílvio, uma pessoa muito tímida; não gosto de falar em público, falo muito pouco; gosto mais de observar e escrever.” Sílvio “Sou brasileiro, casado, aposentado da UFC. Nasci no interior, o que me faz uma pessoa diferente. O que é importante na minha vida é o que trago dos meus pais, o caráter... O que sou hoje, o que aprendi, devo a isso. Tudo isso me ajudou a formar o meu caráter, a ter disciplina e responsabilidade. O Exército também ajudou na minha personalidade, a cumprir com as normas recebidas, a ter disciplina, respeito à hierarquia.” Souza “Sou um lutador. Comecei a trabalhar com a idade de oito anos, entregando leite, vendendo carvão.Trabalhei no jornal O Estado, de 1958 a 1960, como jornaleiro, fazendo cobrança. Em 1º de junho de 1960, comecei a trabalhar na UFC, lotado na antiga Escola de Engenharia.” Mendonça “Sou uma heroína, tenho orgulho de mim mesma. Comecei a trabalhar com sete anos, na minha casa, ajudando minha mãe nos afazeres domésticos; com 13 anos, já fui cuidar de uma criança, e com 14 anos, já trabalhava com carteira



Maria Leda Lima Sena assistente em Administração aposentada da UFC


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assinada numa fábrica. Aos 18 anos, entrei para a Maternidade Escola (Assis Chateaubriand), onde fiquei até me aposentar. Fui pai e mãe dos meus filhos, e continuo na luta pela vida e pelos outros. Atualmente, estou engajada na luta política do Sindicato. Uma coisa que marca a minha vida e que, por consequência, creio que marca minha personalidade é minha presença junto aos meus familiares (pai, mãe, irmãos, tios, marido) nas questões de saúde. Cuidei de todos eles, o que me fortaleceu como pessoa e que, de certa forma, “me obrigou” a ser forte saber que os outros dependiam de minha presença na vida deles. Posso dizer que sou “a cuidadora” da minha família; cumpri com minha missão, ainda que isso possa ter repercutido hoje na minha saúde. Talvez o fato de ter ido trabalhar na Maternidade Escola criou um “campo de segurança” para os outros – eles sempre pensavam em mim quando precisavam do SOS Saúde. Hoje, penso um pouco mais em mim e tenho aprendido com meu próprio filho, que diz que tenho de olhar para mim, pois já fiz muito pelos outros. A espontaneidade das pessoas do interior, a participação nas atividades religiosas, as brincadeiras com os primos me ajudaram a ser a pessoa comunicativa que sou hoje. Tudo isso criou um “espaço cativo”; hoje, quando volto lá, sou reconhecida e bem acolhida pelos meus conterrâneos. A amizade que plantei ampliou, por assim dizer, a minha família, que são hoje os meus amigos. Lá na minha cidade, fui aspirante, cruzadinha, depois apóstola e catequista.” Marleííde “Eu sou uma mulher que sempre olhou o mundo como um espaço de aprendizagem permanente. Nessa lógica, trabalhar na Universidade foi uma oportunidade valiosa. Por outro lado, muito cedo, compreendi que a importância do saber está no seu poder de transformação – inicialmente, das pessoas, e depois, da sociedade como um todo. É difícil falar de mim sem falar dos valores que herdei, sobretudo das mulheres de minha família, mulheres fortes, ousadas, que enfrentavam as dificuldades com bom humor e otimismo. Evidentemente que outros valores se incorporaram ao meu jeito de ser: um profundo respeito pelas pessoas e suas diferenças, a consciência de que há espaço para todos no mundo, e hoje, mais do que nunca, precisamos fazer a leitura do tempo que vivemos para que aceitemos, sem traumas, as mudanças que acontecem a cada momento.” Vera


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“Meu nome é Santiago, conhecido por “Zé Boi” da UFC. Este apelido é desde 1965, e veio por causa de um chapéu que eu usava na época; tal chapéu parecia de cangaceiro, com duas pontas. Um servente de obras olhou pra mim e disse: “Rapaz, você, com esse chapéu, parece um boi”, e ficou. É interessante que esse apelido deu-me destaque por aqui e até mesmo pelo mundo afora. Nasci na Serra do Gurupi, extremo de Maranhão com Tocantins, filho de índio com negra gamela. Saí lá do mato e vim para a cidade aos dez anos. Até então, andava nu. Fui para Caxias, do Maranhão, para estudar. Jamais imaginei conquistar algo tão distante para alguém que nasceu nos confins do mundo. Me sinto muito feliz por fazer parte da UFC. Trabalhei de 1956 a 2010. Sinto felicidade de saber como comecei e estar aqui até hoje. Sempre trabalhei com honestidade e compromisso com o patrimônio público. Às vezes, até paguei um preço alto por conta disso. Creio que o compromisso com o trabalho nos faz reconhecidos, e não existe trabalho ruim. Costumo dizer: a Universidade é minha e eu sou a Universidade.” Santiago


Quanto mais velhos ficamos, tanto mais cresce dentro de nós a inclinação para agradecer sobretudo ao alto. A vida agora, de maneira mais intensa como jamais teria sido possível antes, é sentida como uma dádiva impagável, e cada hora feliz é em sua plenitude, de mãos abertas e gratas, como um surpre endente regalo. Vez por outra, também tem-se a necessidade de agradecer ao semelhante, mesmo quando este nada fez de especial. Por quê? Por ter me encontrado de verdade quando me encontrou, ter aberto os olhos e não ter me confundido com mais ninguém; ter apurado os ouvidos e atentado de maneira confiante ao que eu tinha para lhe dizer, sim, por ter aberto aquilo a que me dirigia, o coração bem cerrado. Martin Buber



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A nossa chegada na ufc Como chegamos? Quem nos estendeu a mão? A quem podemos agradecer? Estas questões demonstram muito bem o quão importante são os outros em nossas vidas; afinal, não estamos sozinhos, somos seres sociais numa rede de interligações que nos levam a inúmeros caminhos ou aspectos que desempenhamos ao longo de nossas vidas, entre eles o trabalho. Essas presenças foram essenciais para o desenvolvimento de nossas atividades no sentido da aprendizagem em si mesma e, além disso, no nosso próprio desempenho em nossas respectivas funções. E essas presenças também nos “obrigam” a registrar o nosso agradecimento àqueles que nos encaminharam, nos receberam e conviveram conosco por longos anos de nossas vidas. Como nos diz Vera, “agradecer é uma das palavras mais bonitas da nossa língua, e eu particularmente agradeço todos os dias às inúmeras pessoas que me ajudaram e ajudam até hoje.” E assim nós agradecemos: “Agradeço primeiro à ‘crueldade’ de minha mãe, quando me botou com nove anos de idade dentro de um misto – metade ônibus, metade caminhão – para estudar em Fortaleza. Possivelmente, se essa ‘crueldade’ não tivesse sido cometida, eu não estaria aqui. Depois, à minha tia Josefa Almeida, que me acolheu e me lembrava a todo momento para aproveitar a oportunidade que estava tendo de estudar no Colégio Justiniano de Serpa. Amigos de todos os lados apareceram para me dar a mão em meus primeiros tempos de Universidade, e depois, no Sindicato, a maior de todas as escolas que frequentei.” Vera


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“Cheguei à UFC através de carta de recomendação. Agradeço às pessoas que procuraram me entender quando aqui cheguei: o Sr. Braga, o Sr. Walter e o prof. Aristides, pessoas sérias no cumprimento do dever e na defesa do serviço público. A compreensão dos meus chefes foi muito importante, a tolerância para entender o meu eu.” Souza “Tenho que agradecer ao meu primo, Francisco Pereira de Moura, que trabalhava no Laboratório Central do HUWC (Hospital Universitário Walter Cantídio) da UFC, que me apresentou ao Dr. José Murilo Martins, chefe do laboratório, e à Dra. Helena Pitombeira, chefe da (área) Hematologia, e à Maria Clarice Bezerra, que me ensinou a fazer exames no setor de Bioquímica. Agradeço também ao Sr. Jaime da Silva, que me estimulou a aprender a colher sangue. Não posso esquecer da Dona Osmarina, que teve a coragem de ser minha fiadora junto à Mesbla, onde comprei uma tevê para a minha mãe.” Leda “As pessoas sempre me ajudaram. Primeiro, agradeço ao meu sogro, que me encaminhou para a MEAC. Agradeço também ao Dr. Galba Araújo, que me acolheu e ofereceu trabalho; ao Dr. Chagas de Oliveira, quando me aposentei proporcionalmente e ele me convidou a permanecer mais um tempo. A ajuda do Dr. Manuelito foi importante para que eu desenvolvesse minhas atividades além de minha aposentadoria. Agraadeço a Deus pelo trabalho que conseguí e pelo fato de ter sido acolhido pela palavra de alguém que me encaminhou. No meu caso, pelo fato de não ter estudado, agarrei com unhas e dentes a oportunidade. Esforcei-me para dar o melhor de mim, ainda que às vezes não tenha sido reconhecido pelos superiores.” José Alves “Entrei na UFC através de minha irmã, Marlene, que já trabalhava como datilógrafa no setor de Arquivo. Tive o seu incentivo para fazer o curso de auxiliar de Enfermagem, e foi nesse caminho que desenvolvi o meu trabalho até me aposentar. Tive sempre a compreensão do Dr. Galba Araújo, no sentido da responsabilidade que tinha com minha família, pois eu era, de certa forma, arrimo. E também registro a importância do Dr. Cisne, que sempre foi apoio em questões administrativas. E não posso esquecer da compreensão, com que sempre contei, do Dr. Carlos Augusto Alencar, com quem trabalhei durante 14 anos.” Marleííde



José Alves de Freitas mecânico de Manutenção aposentado da UFC


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“No trabalho, eu tive uma pessoa que muito me ajudou, o Dr. Hamilton Gondim, meu chefe. Ele confiou em mim logo que surgiu uma vaga na função de secretário de Mestrado; perguntou-me se eu toparia assumir essa função, e eu respondi que ficaria na função por 30 dias, se no final do período ele gostasse do meu serviço, a decisão seria dele. O fato é que fiquei na função até o dia da minha aposentadoria.” Sílvio “Cheguei à UFC através de uma carta de recomendação do senador (que também foi deputado estadual, deputado federal, governador e ministro da Justiça) Menezes Pimentel (1887-1973), que atendeu ao pedido de meu pai, Fausto Mendonça. A estes dois vai o meu agradecimento. Tive a orientação do Dr. Martins Filho (Fundador da UFC, em 1954, falecido em 2002, prestes a completar 98 anos) para estudar e tentar concurso interno para melhorar minha condição de funcionário. Comecei como faxineiro e, após concurso, passei a ser agente de portaria, o que melhorou a minha situação econômica e familiar. Gostaria de agradecer ao prof. Heleno Gomes de Matos, que me encaminhou para o Colégio Filgueiras Lima, onde concluí o 1º grau, o que me ajudou a desenvolver melhor as minhas atividades na UFC.” Mendonça “Cheguei à UFC através do conhecimento com a família do Dr. Martins Filho – sua esposa era maranhense e conhecida de um tio meu. Fui encaminhado para a Universidade aos 16 anos – naquela época, podia-se trabalhar com essa idade. Nesse tempo, havia apenas as faculdades de Direito, Odontologia, Farmácia, Medicina, Agronomia e Filosofia. Fui trabalhar na Secretaria da Faculdade de Direito, auxiliando na compra de produtos alimentícios para a refeição das pessoas que trabalhavam no setor administrativo. Posso dizer que quem me estendeu a mão foi o próprio Dr. Martins Filho, que sempre dizia que não se devia procurar emprego e, sim, trabalho, pois emprego era para quem não queria trabalhar. Dr. Martins Filho foi para mim a maior personalidade do Nordeste em termos de Educação; não acredito que apareça alguém igual a ele. Sei muito bem que não foi fácil, pois inúmeros obstáculos ele teve que enfrentar.


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(Os arquitetos) Dr. Neudson Braga e Dr. Liberal de Castro não podem ser esquecidos, pois colaboraram para a minha profissionalização. O Sr. Francisco Félix, apesar de “analfabeto de pai e mãe”, instruiu-me no sentido de como eu devia comportar-me, não baixar a cabeça para ninguém, não me sentir inferior, tratar todos por igual. Isso me deu a oportunidade para estar em todas as rodas sociais. O engenheiro Dr. Geraldo Diógenes, muito sério, de pulso forte, foi meu apoio nos momentos mais difíceis de minha vida profissional, quando tive na iminência de perder o emprego por causa do meu posicionamento político. Na verdade, gostaria de expressar o meu agradecimento a todos os reitores e pró-reitores, que sempre me apoiaram, e a todos os colegas servidores, pelo carinho que eles me devotam. Isso me deixa muito feliz.” Santiago


N inguém é tão grande Que não possa aprender. N inguém é tão pequeno Que não possa ensinar. Autor desconhecido



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Aprendendo e ensinando Se o ambiente de trabalho é um verdadeiro escambo de experiências, permanecer por tanto tempo nesse ambiente significa uma contínua aprendizagem. E se quando aprendemos, podemos ensinar, numa reciprocidade constante de tal forma que uma atitude sempre estimula a outra, construimos nesse nosso caminhar uma bagagem que, sem dúvida, pode ser absorvida, a princípio, por nós mesmos, em particular, e partilhada com os outros de forma coletiva. Assim sendo, acreditamos que temos algo a dizer, ou seja, repassar para os que seguirão os nossos passos: “Aprendi a lidar com pessoas, o que é muito difícil. Em verdade, trabalhar é entender e aceitar as pessoas como elas são. É uma experiência de crescimento. Creio que posso ensinar o seguinte: todos devemos procurar o entendimento com todos, defender o coletivo, exigir só o que se pode oferecer, ser pontual... Isso é importante.” Souza “A Universidade me ensinou tudo, até uma certa presunção de que pertencer aos quadros da Universidade nos faz melhores do que os outros trabalhadores. Graças a Deus, o ativismo sindical corrigiu isso. Além disso, aprendi a admirar e respeitar a objetividade dos pesquisadores; a teimosia e a paciência daqueles que nunca desistem de um aluno; a competência dos servidores, que nos laboratórios, oficinas, se tornam parceiros qualificados dos professores – as saídas criativas e bem humoradas destes servidores para driblar o autoritarismo de alguns “semideuses” do conhecimento. O que eu poderia ensinar àqueles que estão chegando? Mais importante do que ensinar talvez seja aprender. Mas o que eu poderia dizer é que o fundamental é aprender a conviver, respeitar e estar sempre aberto para novas ideias, novas tecnologias, novas pessoas. A Universidade é uma realidade totalmente diferente, a matéria com que ela trabalha – educação – exige de todos qualificação, compromisso e vontade de aprender. E nunca esquecer: nosso cargo, nosso fazer cotidiano pode ser diferente, mas não somos inferiores aos outros segmentos. Cada um na sua função, construimos a nossa Universidade.” Vera


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“Amo a minha instituição. Na época das campanhas para o Sindicato, entrávamos em todos os campi da Universidade fazendo nossa divulgação de chapas. Lembro-me da grande emoção quando subia aquela escada de granito da Reitoria. Foi uma maravilha. Sinto até hoje um encantamento pelo prédio. É bom ver como ele continua bem cuidado. Aprendi a respeitar e amar a UFC. Hoje ela é referência no Brasil nas áreas de ensino e pesquisa. Para quem está chegando, eu diria para conhecer melhor a nossa instituição, pois só amamos o que conhecemos; cuidar melhor dela, tanto da parte física como das pessoas que a fazem caminhar, servidores e docentes igualitariamente sem distinção de cargos e diferença social; respeitar e ter orgulho de ser servidor da UFC.” Leda “O que eu aprendi em todos esses anos de serviço foi ser humilde com as pessoas e estar sempre aberto e bem-humorado; procurar sempre uma resposta para as pessoas que nos procuram. Digo aos novos colegas que tenham sempre muita perseverança, muita esperança e nunca pensem em desistir, pensar sempre no futuro.” Sílvio “Em todos os meus anos de trabalho, aprendi a ser extremamente responsável, até mesmo pelo fato de que eu assumi muito trabalho; às vezes, achava que além do que eu poderia dar conta. Foi muito exigido isso de mim. Para os que vierem depois de mim, posso ensinar a fazer 100% porque, no setor onde trabalhei, era assim: ou tudo ou nada; a exigência era muita, de verdade. Fiz muitos amigos que, até hoje, tenho saudades. Fazer amizade é muito bom.”

José Alves

“Trabalhando na UFC, aprendi muito, muito mesmo. ‘Maternidade Escola’, o nome já está dizendo, é uma escola; as aulas que eram dadas para os residentes também serviam para nós, auxiliares, que tínhamos a prática do dia-a-dia. Estar atenta às explicações dos professores despertou o interesse em estudar para desempenhar cada vez melhor as minhas atividades. Também aprendi o que não pude aprender lá fora. Na Maternidade, cresci como pessoa, eduquei-me, o que me fez querer para meus filhos uma vida diferente da que tive em termos de educação, pois meus pais eram analfabetos. Nesse


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Sílvio de Alencar Fernandes assistente em Administração aposentado da UFC


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aspecto, tive os ensinamentos da dra. Sílvia Bonfim, que me orientou como deveria educar meu filho e ter os cuidados com sua saúde. Ela inclusive recomendava para meu filho: “Não deixe sua mãe sofrer, cuide dela sempre”. A UFC está cheia de novatos. Aos que chegam, digo que eles são privilegiados, pois há facilidade no desenvolvimento das atividades, a condição salarial é melhor. Hoje, em tudo está melhor. No nosso tempo, tudo era mais difícil porque a Maternidade Escola estava se estruturando e estávamos ajudando nessa estruturação; fomos, por assim dizer, suas fundadoras. O que digo, então, é para que valorizem o seu trabalho, pois hoje tudo é mais fácil. Diria, ainda, que se deve ter a responsabilidade acima de tudo para com o trabalho, pois as consequências recairão sobre nós. Tolerância e sabedoria para lidar com as questões do trabalho; calma para saber ultrapassar os problemas do cotidiano; procurar entender os outros; deixar os problemas em casa. É muito bom tudo isso para garantir a nossa permanência no trabalho. Tenho orgulho de ver minha carteira profissional registrada todos esses anos em uma única empresa: UFC-Maternidade Escola.” Marleííde “Em termos práticos, aprendi a redigir, através dos ofícios, requerimentos, portarias, cartas etc., inclusive isso colaborou para o conhecimento da própria gramática, o que foi muito importante para o desenvolvimento do meu trabalho. Ainda posso dizer que aprendi a lidar com as pessoas; no setor de trabalho estava em contato com colegas, professores e alunos, o que me ensinou a conhecer melhor os outros. O que posso repassar é que todos devem tratar as pessoas com carinho e atenção, ter humildade e sempre atender da melhor forma possível; saber entrar e sair e sempre agradecer pelo atendimento recebido.” Mendonça “Profissionalizei-me como bombeiro hidráulico na UFC, na própria prática do dia-a-dia e através de cursos profissionalizantes na Escola de Arquitetura, para mestre de ofícios em Hidráulica e Construção Civil, com os professores Neudson Braga e Liberal de Castro, dois baluartes da UFC.


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A vivência cotidiana permitiu que eu “extrapolasse o conhecimento”, pois nós éramos “coringas”, ou seja, de tudo tínhamos que fazer um pouco, pois a UFC estava em construção e, assim, não ficávamos num único setor, íamos para onde fosse necessário. Dessa forma, era “trabalhando e aprendendo”. Isso nos fez crescer em conhecimento, e com a convivência com alunos, professores e a sociedade, também aprendemos a nos posicionar politicamente. Quanto a ensinar, quero destacar que algumas pessoas dizem que não se deve ensinar o que se sabe, pois corre o risco de se perder o emprego. Não concordo com isso, pois ensinei a muita gente o meu ofício e sinto-me feliz por ver essas pessoas realizadas. Até para as pessoas que trabalham como terceirizadas, eu digo que nunca deixem de estudar, de se reciclar. Caminhando e repassando a experiência, é assim que se vive.” Santiago


Assim como a Universidade não é apenas uma unidade didática, pois que sua finalidade transcende ao exclusivo propósito do ensino, envolvendo preocupações de pura ciência e de cultura desinteressada, ela é igualmente, e é sobretudo, porque este o caráter que a individua e a distingue das demais organizações do ensino, uma unidade social ativa e militante, isto é, um centro de contacto, de colaboração e de co operação de vontades e aspirações, uma família intelectual e moral, que não exaure a sua atividade no círculo dos seus interesses próprios e imediatos, senão que, como unidade viva, tende a ampliar no meio social, em que se organiza e existe, o seu círculo de ressonância e de influência, exercendo nele uma larga, poderosa e autorizada função educativa. Martins Filho



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A universidade de ontem e de hoje Tudo no universo muda, renova-se, amplia-se. É a marca inevitável da passagem do tempo, como dizem alguns, é a marca da modernidade. A nossa Universidade também se queda a essa contingência. E não poderia ser diferente, vez que nela mora o conhecimento humano, desenvolve-se a pesquisa, incessante busca da compreensão das coisas, bem como a solução para tantos problemas que nos afligem, e não só isso, inovações tecnológicas e científicas num olhar para o futuro. Assim é que o nosso olhar, que a acompanhou por tanto tempo, também não é o mesmo. Então, vejamos: “Quando entrei na UFC, as coisas eram mais fáceis, no sentido do atendimento às pessoas. Hoje, considero o ambiente mais formal, mais fechado. A Universidade se desenvolveu muito em estrutura física, com a ampliação de laboratórios, prédios administrativos, didáticos, bibliotecas etc. A realização de concursos é algo muito positivo, que dá oportunidade de trabalho a várias categorias profissionais. No meu tempo, não havia concurso. A oferta de cursos para ascensão funcional de seus próprios servidores é também algo que deve ser reconhecido. Hoje é uma realidade. Outro aspecto é que a Universidade se estendeu para outras cidades, coisa que nunca pensei que pudesse acontecer. Isso é muito importante.” Mendonça “Olhando a Universidade ontem e hoje, há uma grande diferença. Os alunos eram poucos e era tudo uma família, todos se conheciam. Hoje, é uma grande universidade – as pessoas, hoje, não se conhecem; só conheço os veteranos. Foram criados muitos cursos, a nossa universidade está entre as grandes universidades do Brasil, tem um nome que nos orgulha. O seu fundador, Martins Filho, deixou um grande exemplo e a sua ausência deixou uma grande falta.” Souza “Quando cheguei na Universidade, o fiz como estudante. O ano era 1965. Primeira turma de Biblioteconomia. Um período emblemático na história do Brasil. Mas nós, como a Carolina, de Chico Buarque, não vimos esse tempo passando nas nossas salas de aula. Em 1967, ganhei uma bolsa no então Departamento de Física e, só então, descobri que, para além do


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meu mundinho, havia uma realidade sobre a qual precisávamos aprender rápido, uma ditadura cruel que estava matando, prendendo, perseguindo e que punha em risco a democracia do mundo. Graças a Deus e a uma sensibilidade social, eu aprendi rápido. Fiz grandes amizades, vi a Polícia dentro da Universidade, fatos de tal gravidade que é pecado esquecer. E hoje, como é a Universidade? Uma grande universidade, sem a menor dúvida, referência em todas as áreas do conhecimento, algo que nos orgulha a todos. Mas a universidade que me acolheu não era a mesma dos dias de hoje. Aquela estava se consolidando em algumas áreas, o campus do Pici estava começando, e ser lotado naquele campus era considerado castigo para muitos. A maioria das pessoas se conhecia pelo nome; enfim, éramos diferentes porque o mundo era outro. Hoje, vivemos um tempo inimaginável em 1968: um mundo cheio de contradições, mas rico em possibilidades, em recursos tecnológicos, científicos etc. A Universidade, hoje, é a cara dessa realidade, até porque o embrião dessas transformações, em sua maioria, foi gerado no interior das universidades. Mas a vocação maior da UFC sempre foi ensinar e, hoje, se tornará muito maior se romper sua resistência em aprender. Todo tempo é tempo. A democracia faz isso.” Vera “Após 30 anos de serviço, posso dizer que, antes, a Universidade era mais solidária, com pessoas mais amigas. Hoje, está mais elitista. Até os servidores estão perdendo esse vínculo de amizade e respeito pelos outros.” Leda “Olhando ontem e hoje, vejo que a Universidade mudou a partir do movimento grevista. As reivindicações mudaram a história da UFC. Hoje, ela é melhor pela luta dos trabalhadores, pela presença do Sindicato.” José Alves “A UFC, antes, era muito pequena. Quase todos se conheciam, era como se fôssemos uma família. Hoje, a Universidade cresceu muito em todos os pontos, em todos os aspectos.” Sílvio



Vera Almeida bibliotecรกria aposentada da UFC


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“A UFC de hoje é diferente em termos de modernidade. As máquinas, o computador facilitam o desenvolvimento das atividades; a falta de pessoas e equipamentos dificultava o trabalho no nosso tempo. Hoje, isso não ocorre. Só um exemplo: hoje, um médico pode dar um diagnóstico mais facilmente e mais rápido, a partir dos equipamentos que utiliza.” Marleííde “Lembro que, no início, tivemos muitas dificuldade, chegamos a passar fome, pois quem era recibado e avulso tinha seus salários atrasados e, se reclamasse, corria o risco de perder o emprego. Tive a coragem de protestar, inclusive segurando a porta do carro do então reitor Fernando Leite para chamar sua atenção; cheguei a levar minha família inteira para a Reitoria para mostrar a condição em que nos encontrávamos à época, com dez meses sem receber salário. Dessa forma, recebi o dinheiro, ajuda de vários setores; o que me sensibilizou bastante foi quando vi que era querido. A UFC de ontem, da maneira como ela nasceu, tinha uma responsabilidade muito grande; as pessoas tinham um compromisso com o patrimônio público, era impressionante. Até mesmo pelo afinco de Dr. Martins Filho com a construção desta e outras universidades (Universidade Estadual do Ceará - Uece, criada em 1977, e Universidade Regional do Cariri - Urca, fundada em 1986). Sua vida foi dedicada a essa questão. A atuação política foi imprescindível para a fundação da UFC; registro aqui a força do deputado, governador, senador Paulo Sarasate (1908-1968). O destaque então para o ontem é o compromisso de todos com a instituição. Hoje, vejo a UFC, após o governo do (presidente) Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), um “desmonte do patrimônio público” através da terceirização e do projeto (Medida Provisória) 520/2010 (que cria uma empresa para administrar os hospitais universitários), utilizando o dinheiro público. Dessa forma, não haverá mais concurso para servidores públicos na área hospitalar, o que é um retrocesso. Passando-se a ser privado, creio que vai haver diferenciação de atendimento, pois uma parte da clientela assistida vai pagar e outra não. Vejo a UFC toda terceirizada em vários serviços, como manutenção, conservação, limpeza, jardinagem etc. Considero a terceirização um mal contra o serviço público; para mim, é a escravização dos trabalhadores dentro das instituições públicas – trabalha-se muito, ganha-se pouco, não se tem tempo para o descanso, nem para pensar; são verdadeiros “escravos modernos”. Não percebo, de uns tempos para cá, uma defesa forte de uma universidade pública por parte da Administração Supe-


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rior como um todo. Outro fato que registro hoje é o empobrecimento da arborização. Onde está a elite pensante, que deixa este pecado ambiental acontecer? Não consigo entender! Quando a última árvore cair, com ela cairá o último homem.” Santiago



JosĂŠ Ferreira Santiago (Boi) contramestre de ofĂ­cio aposentado da UFC


Com frequência me perguntam o que faço o dia todo. Eu gostaria de responder: “O dia não é suficiente”. Mas não quero ofender ninguém. Infelizmente, muitas pessoas de idade avançada sentem certo vazio. Acho isso lamentável; porque, estando relativamente sadio, se nosso cérebro ainda funcionar, então poderemos fazer coisas maravilhosas na velhice. Cada qual tem lá seus desejos até agora não realizados. Por isso devemos cuidar deles e continuar nos instruindo, para não estacionarmos... Recentemente me perguntaram quando serei aposentado. Isso me espantou tanto, que de início não consegui responder nada... Eu próprio, provavelmente, me aposentarei. Mas nem penso nisso, porque agora tudo é muito mais belo do que antigamente. Ainda tenho muito trabalho, interesso-me por coisas, para as quais outrora não sobrava tempo. Acredito ser um dos maiores erros as pessoas mais idosas se isolarem. Apesar de eu mesmo não ter um círculo de amizades muito amplo, não sou mesquinho com pessoas nem com as horas. Talvez seja necessário que as pessoas fiquem mais umas com as outras, a fim de se conhecerem melhor. Com isso, descobrem-se muitas coisas...

Heinzrühman n



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Quando chega a aposentadoria O que temos a dizer? Há que se preparar para ela? O que fazer enquanto aposentados? Se há um aspecto de nossas vidas que ocupa grande parte de nosso tempo, é o trabalho. Talvez, por isso mesmo, muitas vezes dedicamos pouco ou quase nenhum tempo a outros aspectos tão importantes, como convívio social, lazer, atividades culturais, desenvolvimento espiritual, tão imprescindíveis ao nosso ser e estar no mundo. Daí, quando completamos o “tempo de serviço” e chega a aposentadoria, se não nos preparamos, corremos o risco de pertencer ao grupo dos que se acomodam e se perdem diante do vazio, outrora ocupado pelo trabalho. Ao contrário, esse tempo da aposentadoria, se nos preparamos, pode representar o resgate ou descobertas de interesses e aptidões ocultos ou negligenciados pela falta de tempo então ocupado com nossas atividades laborais. Sendo assim, é perfeitamente possível reencontrarmos nosso novo espaço com dignidade, alegria e – por que não? – crescimento pessoal, vez que a aprendizagem humana é um canal sempre aberto a novas descobertas, e a nossa contribuição, inclusive para a ampliação do conhecimento, não tem limites. É por isso mesmo que deixamos aqui o nosso recado àqueles que nos sucedem nessa empreitada, que é a aposentadoria: “Eu nunca me preparei para a aposentadoria. A minha aposentadoria foi surpresa. Vi minha irmã assinando uns papéis e perguntei o que era; ela falou que era a aposentadoria dela; foi assim que então fui ver o meu tempo e vi que já tinha era passado um pouco. Nunca me preocupei com isso, só em trabalhar. Acho que o amanhã não nos pertence; só vivo o hoje, um dia de cada vez. Algumas pessoas se preparam, se organizam; quando começam a trabalhar, já pensam nas férias; e por aí vai...


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Quando me aposentei, minha chefe perguntou: “E aí, o que vai fazer?”. As colegas disseram: “Você vai é morrer ficando em casa, sem fazer nada!”. E respondi: “Vocês é que pensam; ainda tenho que cuidar de meus pais; depois, vou procurar fazer coisas que eu ainda não fiz. Se aposentar é viver a vida. Minha vida foi sempre trabalhar. Hoje, estou revivendo minha infância e juventude, pois, antes, foi só luta. Participo de grupos, viajo, participo do coral, enfim, estou usufruindo do que não tive direito antes. Hoje me sinto realizada por ter passado por tudo e estar com vida saudável; não pretendo mudar, só quando Deus permitir. Continuo ocupada, é tanto que uma vizinha um dia me perguntou: “Dona Marleííde, a senhora está aposentada; pra onde a senhora vai todo dia, por que sai arrumada?”. Aí eu respondi: “Agora, não tenho tempo; depois eu respondo.” Até hoje ela não ouviu a resposta. Acho que ela pensa que aposentado tem que ficar em casa e não tem mais nada para fazer. É comum ouvir, por exemplo, motoristas de ônibus e pessoas outras dizendo: “O que esse velho, ou velha, quer pra lá e pra cá? Por que não fica em casa?” Esse raciocínio, até meu filho tem quando pergunta se já não é tempo de parar. Eu não acho isso, eu quero é estar na luta. Eu quero é viver a vida, buscar coisas para me fortalecer.” Marleííde “Me aposentei por acaso, por questões do governo, que ia mexer com nossos direitos, e eu não queria perder os já conquistados até então. Alguém me alertou para isso; então preparei meus documentos, dei entrada e fiquei esperando... As pessoas perguntavam por que se aposentar tão cedo, e eu respondia: “Para não perder os meus direitos! Estou bem com minha aposentadoria. Frequento o Sindicato, acompanho o movimento dele; já fiz parte do coral (do SINTUFCe). Na verdade, o meu tempo tem sido ocupado participando das atividades sindicais, pois me afino muito com o grupo que está em ação agora. Para os que alcançarem o tempo adequado para aposentar-se, acho que devem procurar alguma atividade: viajar, participar do Sindicato, por exemplo. Enquanto eu puder, eu vou estar aqui.” José Alves



Maria MarleĂ­Ă­de Gomes auxiliar de Enfermagem aposentada da UFC


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“Eu me preparei emocionalmente para minha aposentadoria, tentando descobrir o encantamento da vida de aposentado. A primeira coisa que senti foi a libertação: de horários, de bater ponto quatro vezes ao dia, de dar satisfações ao chefe. Só isso me fez sentir poderosa. Fiz uma missa de agradecimento pela vida, por ter conseguido me aposentar com saúde, apesar de ter trabalhado numa área bem complicada, insalubre, como é o Hospital das Clínicas. Agora, eu aproveito bem o meu tempo, cuidando de mim: frequento academia, coral, Sindicato; viajo, danço... Não faltam atividades para aposentados nesta cidade, é só procurar. Repouso? Só o eterno. Quando estamos vivos, temos que agradecer todo dia pela saúde, pelo privilégio de fazer parte da Universidade Federal do Ceará; isso me enche de orgulho. E ser útil ao sindicato fazendo um trabalho voluntário, em prol de nossa categoria. Desejo a todos que querem se aposentar que trabalhem sua autoestima, procurem ser úteis, que saiam do seu egoísmo e façam alguma coisa que possa fazer alguém feliz. Procurem ao redor ver que podem fazer bom uso do seu tempo e, por consequência, fazer outras pessoas felizes.” Leda “A pessoa tem que entender que um dia vai ter que parar, e deve se preparar porque a aposentadoria é dura. Nos primeiros dias é ótimo: você acorda tarde; mas no segundo, você aparece no trabalho e escuta dos colegas: “O que veio fazer aqui? Vai para casa dormir! Você está aposentado!”. Olhem, tem que se preparar financeiramente porque filhos e netos aparecem para solicitar ajuda. É importante não ficar dentro de casa porque aí é a morte. Deve-se procurar outro tipo de trabalho para um dinheiro extra; se comunicar com os outros; fazer trabalho voluntário; repassar o conhecimento para aqueles que não têm. Muitos aposentados pensam: “Aposentei-me, morri.” Acho interessante pertencer à política partidária e sindical. Na luta sindical, sempre tive uma visão comunista, sempre


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defendi uma sociedade igualitária. Desde o tempo do Círculo Operário (instituição social leiga voltada à promoção dos trabalhadores, sob o princípio do humanismo cristão, criada no Brasil a partir de 1932), estive presente; filiei-me ao Sindicato da Construção Civil e hoje pertenço ao SINTUFCe. Traballhador sem sindicato é fragilizado. Orgulho-me de ter participado da construção do PT (Partido dos Trabalhadores), da CUT (Central Única dos Trabalhadores) e do SINTUFCe/FASUBRA Sindical (Federação de Sindicatos de Trabalhadores das Universidades Brasileiras). O único canal que o aposentado tem para sua defesa é o sindicato. É por isso que digo aos colegas aposentados que cada um de nós tem que ser um sindicato, só assim seremos ouvidos. Veja só: se você se aposenta, não pode entrar de carro na Universidade sem o selo e não recebe a carteirinha de identidade funcional fornecida aos ativos. Apenas nos aposentamos, mas continuamos pertencendo à UFC. Acho que podemos participar de todos os fóruns, de todas as votações, enfim, de todo o movimento da UFC. Todo país que se preza valoriza as pessoas que acumulam experiência de vida e podem repassá-las para as que estão chegando. Isso engrandece qualquer empresa e ajuda na profissionalização dos mais novos. Isso podemos fazer, por exemplo, aqui na nossa Universidade.” Santiago “Para aqueles que estão em fase de pré-aposentadoria, creio que seria bom procurar orientação da SRH (Superintendência de Recursos Humanos), frequentar as reuniões do DDH (Departamento de Desenvolvimento Humano), por exemplo, se preparar para saber aproveitar as oportunidades oferecidas. Para os colegas já aposentados, diria que procurem o que fazer, não ficar só em casa, não se entregar, fazer cursos, viajar, conhecer novas pessoas. Isso prolonga a vida. Frequentar reuniões em clubes, grupos de terceira idade, fazer parte de associações e sindicatos, por exemplo. Essa é uma forma de se continuar em atividade.” Mendonça “Aposentadoria... Pra começar, não gosto dessa palavra. Mas fazer o quê? Então, o tempo ia passando, os anuênios se acumulando, mas eu não me preocupava com isso. E por que o faria? Eu amava o meu trabalho como bibliotecária, me


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Prentice Mendonça assistente em Administração aposentado da UFC


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encantava ver o conhecimento transformando “mentes e corações” daquela garotada que entrava na Universidade cheia de timidez e expectativas. Muitos, eu acompanhei a trajetória desde a primeira hora na Universidade, a timidez do primeiro dia, a defesa de tese, a primeira aula como professor, o processo se repetindo com seus alunos. Por que eu ia querer me aposentar, ir para casa? Eu não estava cansada de nada. Pelo contrário, naquele ambiente, eu me renovava a cada dia. Mas o inevitável aconteceu. O tempo passou, o “caçador de marajás” (Fernando Collor de Melo, que presidiu o Brasil de 1990 a 1992) chegou e com ele uma correria para a aposentadoria. Quem tinha tempo, e até quem não tinha, como eu, entrou na onda do “salve-se quem puder”. Comigo não foi diferente. Da noite para o dia, sem qualquer preparação, me vi aposentada. A sensação que senti com o Diário Oficial na mão foi de ter sido atropelada. Só então eu percebi que aposentadoria não podia acontecer daquela forma. É uma ruptura muito forte, profissional, cultural e, pior ainda, numa idade em que, quer queiramos ou não, estamos entrando no processo de envelhecimento. Daí, depois do susto, me levantei, sacudi a poeira e parti para outras experiências, outras vivências, mas até hoje sinto saudade de meu tempo de atividade. É bem verdade que tem mudado a visão de aposentadoria, hoje, tanto para quem se aposenta quanto para quem vê o aposentado, em razão das conquistas sociais desse segmento. A organização política dos idosos tem gerado conquistas importantes, como o Estatuto do Idoso (Lei n° 10.741, de 1° de outubro de 2003). Para grande parte dos servidores, aposentadoria é um tempo para correr atrás da qualidade de vida, de aproveitar o tempo livre para estudar, viajar, participar de grupos políticos, religiosos, visitar os amigos, enfim, viver em plenitude. Em razão disso tudo, é que me sinto feliz como aposentada, vivendo sintonizada com o tempo que me foi dado viver, com suas mudanças, com seus avanços e com seus desafios também. Viver é um exercício permanente de coragem. Quem não faz a opção por esse caminho, fica a mercê da direção que o vento der. De bem com a vida, solicito a todos, copiando o poeta (gaúcho) Mário Quintana (1906-1994), que se me esquecerem, me esqueçam bem devagarinho”. Vera “Sobre a aposentadoria, o que tenho a dizer é: não se deixar dominar com a falta do que fazer e procurar uma atividade qualquer para se ocupar. No meu caso, não senti muito porque minha esposa tem uma pequena confecção e sempre a ajudei – indo ao Centro, fazendo compra de material etc. Entrei para o Sindicato, onde estou até hoje; quando sair, vou


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procurar alguma coisa para me ocupar. Acho que se deve preparar para a aposentadoria; caso contrário, seremos envolvidos pela inatividade e aí então muitos partem para outros caminhos, ou seja, álcool, drogas, farras etc. E isso é muito ruim. Em resumo, enquanto aposentados, devemos procurar fazer alguma atividade física: caminhada, academia, atividades artísticas – coral, teatro etc. É interessante procurar participar de alguma ONG, com trabalhos voluntários e ajudar as comunidades de alguma forma. Não convém ficar parado, sem fazer nada.” Sílvio “Bom, eu penso que, na aposentadoria, é muito bom a participação em grupos; eu, por exemplo, participo da evangelização de adultos na igreja que frequento, tenho uma atuação política no Sindicato, sou do grupo de apoio. Participar do grupo de aposentados é uma atividade que causa bem-estar; comparecer, gostar de ouvir aumenta experiências e aprendizagem. Isso ajuda a gente a se expressar melhor quando é preciso.” Souza



Raimundo Lopes de Souza vigilante aposentado da UFC


Aposentados sim! Inativos não!

Aposentados sim! Acomodados não! Aposentados sim! Paralisados não! Aposentados sim! Infelizes não! Aposentados sim! Inválidos não!

Aposentados sim! Aposentados em ação!

José Alves de Freitas José Ferreira Santiago (Boi) Maria Leda Lima Sena Maria Marleííde Gomes Prentice Mendonça Raimundo Lopes de Souza Sílvio de Alencar Fernandes Vera Maria Gomes de Almeida







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