SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL - ABRIL / MAIO 2015 - DINOSSAUROS

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EDIÇÃO ESPECIAL DINOSSAUROS 1

www.sciam.com.br

COMO VIVERAM

DINO SSAUROS E POR QUE MORRERAM O longo reinado de uma família de titãs O comportamento enigmático do Tiranossauro rex O dia em que a Terra incendiou-se e os grandes lagartos foram extintos Uberaba, em Minas, abriga ovos que não tiveram tempo de eclodir

E MUITO MAIS

ISSN 1679522-9

00064

9 771679 522001

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10 DE MAIO

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Fotos: Gustavo Scatena

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Realização


O Legado dos Grandes Lagartos

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LARO QUE UM INTERESSADO PODE REUNIR UMA PILHA DE OBRAS CIENTÍFICAS, ACOMPANHADA DE OUTRAS RELACIONA-

das à divulgação, e, assim, informar-se sobre a origem, o longo reinado e o ocaso, aparentemente fortuito, dos dinossauros. Mas ainda sobrará um vazio, um espaço não preenchido de inteligibilidade: um estranhamento profundo. Qual o significado, em última instância, de essas criaturas terem nos antecedido na ocupação da Terra, ao longo de um período que se estende por algo como 140 milhões de anos, uma certa eternidade, para os padrões humanos? A resposta a uma pergunta como esta parece óbvia mas, na verdade, está longe disso. Uma explicação pragmática pode começar com os primeiros aglomerados celulares flutuando nas águas de um oceano primitivo, numa Terra que nos seria completamente desconhecida, se pudéssemos recuar no tempo e observá-la da superfície ou do espaço. Nada seria familiar aos olhos de um viajante que então estaria chegando do futuro, para conhecer as fundações de seu próprio mundo. Num aglomerado celular, no oceano primitivo, deslocando-se ao fluxo das correntes, as bordas externas, sensibilizadas pela luz, seriam a modelagem do proto-olho e um certo enrijecimento ou permeabilidade seletiva, o tecido hesitante que um dia formaria a pele. Ao final de algum tempo – inacessível à plena compreensão – o aglomerado produziria algo semelhante a um peixe que, por necessidade de alimentação, se aproximaria da foz de rios antes de decidir-se pela exploração da terra firme. Fora do mar, o peixe transformou-se em algo intermediário entre a água e a terra e se manifestou sob a forma de anfíbio, palavra grega para significar “em ambos meios”. Mas essa criatura mutante continuou transformando-se e, em outro momento, se mostrou como réptil, o que nos leva à pré-história dos dinossauros e ao invejável reinado de que desfrutaram. Até serem dizimados por um bólido que chegou das profundezas do espaço, explodiu parte da atmosfera, espalhou um incêndio planetário e cobriu, com poeira densa e vapor d’água espesso, o disco incandescente do Sol, inviabilizando a fotossíntese e deflagrando uma segunda onda de mortes. Visitar um museu, ou, mais que isso, um sítio paleontológico, de onde restos de dinossauros são pacientemente libertados de garras rochosas que os confinaram por milhões de anos é uma experiência única. O mais próximo que se pode ter de uma viagem real no tempo: peixes flagrados num movimento que ficou imobilizado para sempre, ao menos até que o tecido mineral que os envolve também se decomponha e, partícula a partícula, retorne à granulação do pó, levado facilmente pelo vento. Como peixes e outras criaturas, dinossauros são encontrados, isolados ou em grupos, em rochas apropriadas à fossilização. Desfrutaram de um longo reinado, mas isso não significa um tempo infinito e, em um momento, na história da Terra, esgotaram-se em padrões que nos parecem convencionais. Isso porque as aves atuais, por exemplo, são seus remanescentes, muitas espécies delas, cruzando as vastidões do planeta em viagens de migração até agora só parcialmente compreendidas, em sua enorme complexidade. Quantos mundos, no corpo da Galáxia, teriam abrigado ou ainda exibem criaturas comparáveis, de alguma maneira, a dinossauros, ou um raciocínio como este não faz o menor sentido? Essa é uma questão para a qual também não temos resposta, mesmo que tudo indique que a força da vida, por muitas razões, não se restringiria a um grão de areia, entre todos os que tecem a vastidão do Universo. Mas a vida tem muitos caminhos. Conhecer a história dos dinossauros não é apenas uma questão de ilustração. É, também, uma maneira de escapar de uma alienação limitante imposta pelos vazios do cotidiano, e abrir a inteligência e sensibilidade para um dos mais belos relatos da ciência.

Ulisses Capozzoli – editor

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D I N O S S A U R O S 1


EDIÇÃO ESPECIAL

Dinossauros 1

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FIS IOLOG IA

6 Como Dinossauros Ficaram tão Grandes e tão Pequenos Perfil e outras estruturas em dinossauros revelam como esses animais atingiram seus portes colossais e quanto tempo viviam. Por John R. Horner, Kevin Padian e Armand de Ricqlès Brasil www.sciam.com.br

EVOLUÇÃ O

PRESIDENTE: Edimilson Cardial DIRETORIA: Carolina Martinez, Marcio Cardial, Miriam Cordeiro, Rita Martinez e Rubem Barros

14 Triunfo dos Titãs Os dinossauros de pescoço longo, conhecidos como saurópodes, antes vistos como ícones de extinção, prosperaram durante milhões de anos por todo o mundo. Por Kristina A. Curry Rogers e Michael D. D’Emic

Edição 64 – Especial Dinossauros 1 – Abril/Maio de 2015 ISSN 1676979-1 www.sciam.com.br http://twitter.com/sciambrasil DIRETOR EDITORIAL: Rubem Barros EDITOR: Ulisses Capozzoli Ulisses.capozzoli@editorasegmento.com.br EDITORA ASSISTENTE: Carmen Weingrill Carmen.weingrill@editorasegmento.com.br EDITORA DE ARTE: Débora de Bem COLABORADORES: Luiz Roberto Malta e Maria Stella Valli (revisão); Aracy Mendes da Costa, Aurea Akemi Arata, Paulo Mathias Manes, Regina Cardeal, Suzana Schindler (tradução) PROCESSAMENTO DE IMAGEM: Paulo Cesar Salgado PRODUÇÃO GRÁFICA: Sidney Luiz dos Santos PCP: Isabela Elias

EXTINÇÃO

22 O Dia em que a Terra Incendiou-se Impacto que extinguiu dinossauros provocou onda de incêndios que eliminou as florestas do planeta. Por David A. Kring e Daniel D. Durda

PUBLICIDADE GERENTE: Marco Antonio Garcia marcoantonio@editorasegmento.com.br EXECUTIVA DE NEGÓCIOS: Milene Laviña milene@editorasegmento.com.br

ECOLOG IA

30 Dinossauros do Continente Perdido Oeste americano abrigou comunidades de dinossauros simultaneamente, o que surpreendeu cientistas. Por Scott D. Sampson

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EDIÇÃO ESPECIAL DINOSSAUROS 1

COMO VIVERAM

DINO SSAUROS E POR QUE MORRERAM O longo reinado de uma família de titãs O comportamento enigmático do Tiranossauro rex O dia em que a Terra incendiou-se e os grandes lagartos foram extintos Uberaba, em Minas, abriga ovos que não tiveram tempo de eclodir

E MUITO MAIS

DIV ERS IDADE

CAPA: Giganotosaurus carnívoro persegue herbívoros do porte de humanos na Patagônia durante o Cretáceo. Ilustração por James Gurney

MINAS GERAIS

38 Os Segredos Mesozoicos de Madagascar

64 Gigantes do Triângulo Mineiro

A quarta maior ilha do mundo abriga fósseis que podem revolucionar opiniões científicas sobre as origens de dinossauros e mamíferos. Por John J. Flynn e André R. Wyss

Uberaba, único sítio paleontológico com ovos de dinossauros, teve primeira descoberta feita de forma casual. Região foi habitada por gigantes herbívoros, mas também abrigou um parente do temerário tiranossauro rex. Por Luiz Carlos Borges Ribeiro e Thiago da Silva Marinho

TIR ANOSSAUROS

48 Um Novo Alento para o Tiranossauro Rex

R I O G R A N D E D O SU L

72 Criaturas fascinantes

Analisando fósseis até agora desprezados e observando com mais atenção algumas descobertas antigas, paleontólogos estão descobrindo novos dados sobre o verdadeiro comportamento dos tiranossauros. Por Gregory M. Erickson

Dinossauros gaúchos relatam uma história de prosperidade em meio a um mundo em reconstrução. Por Sérgio Dias-da-Silva e Rodrigo Temp Müller D I

PERFIL

78 O Barão dos Dinossauros da Transilvânia

ROCH AS A NTIG AS

56 A Saga dos Dinossauros Brasileiros

Ideias de um excêntrico aristocrata sobre a evolução de dinossauros revelam décadas à frente de seu tempo. Por Gareth Dyke

No Brasil, ocorrências de dinossauros aparecem em rochas de 230 a 66 milhões de anos. Eles se manifestam em bacias sedimentares, antigas depressões que, ao longo do tempo, acumularam todo tipo de detritos. Por Ismar Carvalho

TECNOLOGIA GERENTE: Paulo Cordeiro ANALISTA PROGRAMADOR: Diego de Andrade ANALISTA DE SUPORTE: Nildo Silva DESENVOLVEDORES WEB JR: Lucas Carlos Lacerda e Lucas Alberto da Silva MARKETING/WEB DIRETORA: Carolina Martinez GERENTE: Fabiana Gama ANALISTA DE MARKETING: Amanda Noronha e Leonardo Bussolo DESENVOLVEDOR: Jonatas Moraes Brito ANALISTAS WEB: Lucas Carlos Lacerda e Lucas Alberto da Silva

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REFLEXÃO

Os grandes répteis do passado podem nos ajudar a entender como a era humana está tomando forma. Por Mary H. Schweitzer

REDAÇÃO WEB EDITORA: Carmen Guerreiro SUBEDITORAS: Débora Ouchana e Flávia Siqueira ESTAGIÁRIAS: Lara Deus e Nathália Aguiar

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82 Por que os Dinossauros São Importantes

ESCRITÓRIOS REGIONAIS: Brasília – Sonia Brandão (61) 3225-0944/ 3321-4304/ 9973-4304 sonia@editorasegmento.com.br Paraná – Marisa Oliveira Tel.: (41) 3027-8490 / (41) 9267-2307 parana@editorasegmento.com.br

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Anna Kuchment, Michael Moyer, George Musser, Gary Stix, Kate Wong DESIGN DIRECTOR: Michael Mrak PHOTOGRAPHY EDITOR: Monica Bradley PRESIDENT: Steven Inchcoombe EXECUTIVE VICE-PRESIDENT: Michael Florek SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL é uma publicação mensal da Editora Segmento, sob licença de Scientific American, Inc. IMPRESSÃO: Edigráfica

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D I

F I S I O LO G I A

COMO DINOSSAUROS F

UM DOS MAIORES DINOSSAUROS, o Braquiossauro chegava à idade adulta em menos de 20 anos e o pequeno Microraptor, do porte de uma galinha, em muito menos tempo que isso. Cientistas podem medir a idade de animais extintos ao examinarem linhas de crescimento anual em seus ossos fossilizados e ao calcular taxas de crescimento de tecido ósseo em animais vivos.

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ICARAM TÃO GRANDES E TÃO PEQUENOS Perfis e outras estruturas em ossos de dinossauros revelam como esses animais atingiram seus tamanhos colossais e quanto tempo viviam Por John R. Horner, Kevin Padian e Armand de Ricqlès

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A D

MAIORIA DAS PESSOAS É CAPAZ DE PERMANECER CONFORTAVELMENTE em pé sob as mandíbulas de um tiranossauro rex (Tyrannosaurus rex) reconstituído, ou passar por baixo da caixa torácica de um braquiossauro (Brachiosaurus) sem bater a cabeça. O T. rex é tão grande quanto o maior elefante africano conhecido, e o braquiossauro, como outros grandes saurópodes, era muito maior que qualquer animal terrestre vivo atualmente. Estamos tão habituados aos portes colossais de dinossauros que quase nos esquecemos de considerar como eles ficaram tão grandes. Quanto tempo isso levava e quanto tempo eles viviam? E, o modo como cresciam pode nos revelar alguma coisa sobre como seus corpos funcionavam?

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O S S A U R O S 1

Até há relativamente pouco tempo não tínhamos meios para determinar a idade de um dinossauro. De modo geral, paleontólogos presumiam que, como dinossauros eram répteis, provavelmente se desenvolveram de uma forma muito similar aos répteis atuais, ou seja, bem lentamente. De acordo com esse raciocínio, dinossauros grandes de fato deveriam ter sido muito longevos, mas ninguém sabia quanto, porque nenhum réptil vivo hoje se aproxima do tamanho de um dinossauro. Essa situação pode ser atribuída, em grande parte, ao paleontólogo inglês sir Richard Owen. Ao batizar os Dinosauria (dinossauros), em 1842, ele estava classificando um grupo muito pequeno e pouco conhecido de répteis muito grandes e incomuns. À época ele não só ressaltou que eles eram grandes, mas também terrestres, ao contrário dos ictiossauros e plesiossauros marinhos, conhecidos desde o início do século 19. Eles exibiam cinco vértebras conectadas aos ossos da bacia (ou quadril) e não duas, como répteis modernos. Além disso, esses animais mantinham seus membros anteriores e posteriores sob seus corpos, não projetados para os lados. Apesar dessas diferenças, argumentou Owen, as características anatômicas de seus ossos, as formas, articulações e inserções dos músculos mostravam que eram répteis. Portanto, tinham de ter tido uma fisiologia reptiliana, ou seja, um metabolismo tipicamente lento e de “sangue frio”. Essa imagem foi aceita e até a altura certa da década de 60, quando dinossauros eram retratados como animais lentos e pesadões, que certamente haviam crescido vagarosamente até atingirem tamanhos portentosos em uma espécie de estufa benigna, onde reinavam e grassavam imensas bestas selvagens. Mas sinais indicativos da idade dos animais e, portanto, do modo como deveriam ter crescido estavam ali o tempo todo, ocultos nos próprios ossos.

Embora paleontólogos soubessem há tempos que ossos de dinossauros contêm linhas de crescimento bastante similares aos anéis concêntricos em troncos de árvores, foi apenas na segunda metade do século 20 que eles começaram a usar essas linhas e outras estruturas no interior dos ossos para tentar descobrir como esses animais extintos de fato se desenvolviam. OS OSSOS CONTAM A HISTÓRIA

COMO OS ANÉIS EM ÁRVORES, as linhas nos ossos de dinossauros eram anuais. Mas sua interpretação não é tão simples. Uma árvore contém quase todo o registro de seu crescimento embutido no tronco. Corte-a e poderá contar os anéis, um por um, do centro em direção à casca. Só a camada mais externa realmente produz tecido novo; o interior é, de fato, madeira morta. Comparativamente, o centro de um osso é ativo. Células chamadas osteoclastos “escavam” o centro de ossos longos, como o fêmur (osso da coxa) ou a tíbia (osso da canela), ao decomporem tecido ósseo existente e permitirem que seus nutrientes sejam reciclados. Esse centro oco, ou canal medular, também é a usina que produz as células vermelhas do sangue [ver box na página ao lado]. Para realizar essas tarefas o osso inteiro cresce e muda constantemente ao longo da vida. À medida que um osso cresce, tecido novo é depositado em sua parte exterior e, nos ossos longos, o crescimento também ocorre nas extremidades. Enquanto isso, no canal ou cavidade medular, osteoclastos desbastam o tecido ósseo depositado cedo na vida e outras células produzem tecido ósseo secundário ao longo do perímetro da cavidade ou invadem o córtex (a camada exterior) do osso remanescente para remodelá-lo. Essa atividade na parte central muitas vezes desgasta o registro de crescimento ocorrido durante a idade mais tenra de um espécime.

EM SÍNTESE Até recentemente paleontólogos não tinham como medir, ou estimar, a idade de dinossauros e, assim, descobrir como eles cresciam; portanto, eles presumiram Õùy ¹å D´ ®D å ï ´ D® ù®D å ¹¨¹ D å milar à de répteis modernos. Como foi

comprovado, essa informação esteve embutida nos ossos dos animais durante todos esses milênios; muitos deles contêm linhas de crescimento bastante parecidas com os anéis de crescimento anual em troncos de árvores. Com base

nessas linhas e outras estruturas internas dos ossos cientistas mostraram que dinossauros atingiam seu pleno porte rapidamente, de um modo bem parecido como ocorre atualmente com aves e mamíferos, e bem diferente de répteis

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modernos, que crescem lentamente. Esse rápido crescimento implica que essas criaturas milenares tinham uma elevada taxa metabólica, mais próxima à de animais de sangue quente que de répteis de sangue frio.

PÁGINAS ANTERIORES: MARK HALLETT

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D I S S E CAÇÃO

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Lendo um Osso de Dinossauro Os ossos de dinossauros contêm linhas de crescimento, bem semelhantes aos anéis de crescimento anual em árvores, embora sejam mais complexas de interpretar. O córtex ósseo é construído por minerais como fosfato de cálcio e proteínas como colágeno, que são transportados por vasos sanguíneos. Quando os canais vasculares, que contêm os vasos sanguíneos, começam a depositar células ósseas ao longo de seus interiores em camadas concêntricas, elas são chamadas osteons. No fêmur, o osso da coxa, e outros ossos longos, o crescimento está concentrado imediatamente abaixo de uma membrana externa, o periósteo. Enquanto isso, a margem interna do osso está sendo erodida por osteoclastos. Uma série secundária de osteons pode invadir osso preexistente, desgastando-o e depositando novas células ósseas. Devido a toda essa atividade, pesquisadores não podem simplesmente abrir um osso de dinossauro e determinar a idade do animal; mas conseguem obter essa informação ao realizarem várias análises dos anéis e de outras características. Vasos sanguíneos

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SHAWN GOULD (ilustrações); JOHN R. HORNER, KEVIN PADIAN E ARMAND DE RICQLÈS (fotografia)

Linha de crescimento anual Novo osso depositado sob periósteo

Linhas de Crescimento As linhas de crescimento anual no diagrama acima podem ser vistas na ¹ï¹ àD D m¹ ´ïyà ¹à m¹ {®ùà my ù® troodonte, um pequeno dinossauro carnívoro. Essas linhas (setas) se tornam menos espaçadas quanto mais perto estiverem da parte mais externa do osso, depositada no período mais tardio da vida do dinossauro, quando o animal crescia a um ritmo mais lento, como ocorre com todos nós à medida que envelhecemos.

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E VO L U ÇÃO

Aves Primitivas

D I N O S S A U

Novas interpretações sobre o acelerado ritmo de crescimento de dinossauros extintos fornecem qualquer informação inédita sobre a evolução de aves, os dinossauros vivos? Por que, por exemplo, aves são tão menores que dinossauros extintos? Elas mudaram suas taxas de crescimento de alguma forma? Começamos a analisar essas questões ao examinar os tecidos ósseos de confuciosórnis, ou “ave de Confúcio” (Confuciosor nis), uma ave milenar que viveu no Cretáceo Inferior (há 125 milhões de anos) na China e que aparece na árvore genealógica aviária pouco depois de arqueoptérix (Archaeopteryx), o primeiro pássaro conhecido. A parte interna dos tecidos ósseos de confuciosórnis, do tamanho de um `¸ßþ¸j y lx ø­ î Ǹ U߸§D­x§Dß lx ßEÇ l¸ `ßxä` ­x³î¸ É`¸­¸ lx ¸øî߸ä dinossauros), mas na região mais externa seu desenvolvimento se torna mais lento, sinal de que a taxa de crescimento desacelerava depois de um breve impulso em idade juvenil. Comparamos esses tecidos com os do troodonte, um pequeno dinossauro de rapina do tipo raptor, de aproximadamente 1,5 metro de comprimento, que David J. Varricchio da Montana State University havia estudado. Tecidos de troodonte indicam um crescimento mais rápido em termos gerais. Como mostra o Confuciosor nis, para permanecerem pequenas, essas antigas espécies de aves truncavam a explosão juvenil de crescimento, muito mais rapidamente que em outros dinossauros, o que fez com que elas de fato se tornassem miniaturizadas. Essa redução em tamanho îxþx ø­D ³ øz³` D ­Ç¸ßîD³îx ³D §¸`¸­¸cT¸j ǸßÔøx Dä ǧø­Dä Çßx sentes nos membros anteriores dos parentes dinossaurianos mais próximos de aves provavelmente teriam sido mais úteis para ajudar esses animais menores a alçar voo. Animais pequenos podem bater suas asas

mais rapidamente que os grandes, e em uma criatura menor a carga alar (a proporção entre peso e área da asa, ou quanto peso uma dada unidade de área precisa sustentar) será proporcionalmente menor e, portanto, mais vantajosa aerodinamicamente. Hoje, porém, aves atingem seu pleno tamanho rapidamente, em geral em semanas ou meses. O que mudou? Parece que depois de desacelerarem o processo cedo em sua evolução, com o tempo elas voltaram a acelerar seu ritmo de crescimento, a taxas que muitas vezes são até mais rápidas que as exibidas por dinossauros extintos. Há alguns anos, Anusuya Chinsamy-Turan, atualmente na Universidade da Cidade do Cabo, na África do Sul, e seus colegas estudaram o tecido ósseo de aves primitivas um pouco mais avançadas na árvore evolutiva que arqueoptérix e confuciosornis. Essas aves do Cretáceo Superior incluíam um primitivo enantiornites, o patagoptérix (Patagopteryx), que não voava, o mergulhador hesperórnis (Hesperornis), e o ictiórnis (Ichthyornis), parecido com a moderna andorinha-do-mar. Elas, também, cresciam mais lentamente que dinossauros, mas suas formas, mais próximas às de aves vivas atualmente, tinham tecidos que indicaram um crescimento ligeiramente mais rápido que nas espécies muito primitivas. Perto do limite Cretáceo-Paleoceno, há cerca de 66 milhões de anos, as taxas de crescimento aumentaram substancialmente; tanto que todas as aves vivas, até a avestruz, atingem seu tamanho pleno em menos de um ano (apenas sete dias no caso do pardal). Apenas exames de aves do Paleoceno Inferior nos dirão se os grupos de aves vivas adquiriram sua característica de crescimento acelerado até o tamanho adulto gradualmente ou de forma relativamente repentina. —J.R.H., K.P. and A.d.R.

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Portanto, é difícil serrar, ou abrir, um osso de dinossauro e encontrar um registro completo de crescimento só contando linhas ou anéis. Por essa razão, reconstruímos a história inicial de um osso de várias maneiras. Uma é usar ossos de espécimes mais jovens para preencher as lacunas do registro. Ao examinarmos esses tecidos e contarmos as linhas de crescimento, podemos calcular aproximadamente o número de anos que não constam em ossos mais velhos. Quando não temos exemplares juvenis à disposição podemos calcular retroativamente o número de linhas de crescimento ao examinarmos as distâncias entre as que estão preservadas. Em 2004, tentamos esse método no mais famoso de todos os dinossauros: Tyrannosaurus rex. O Museu das [Montanhas] Rochosas na Montana State University tem uma dezena de espécimes desse carnívoro gigante, e sete deles têm membros posteriores razoavelmente bem preservados, que nos permitiram cortar fatias muito finas para serem examinadas sob um microscópio. Essas lâminas microscópicas de T. rex só revelaram de quatro a oito linhas de crescimento preservadas. Outras, perto do centro, haviam sido obscurecidas pela formação de tecido ósseo secundário. Mais notável ainda foi que a cavidade medular nesses dinossauros é tão grande que dois terços do córtex ósseo original estão desbastados. Também notamos que, em alguns espécimes, o espaço entre as linhas de crescimento subitamente ficava muito pequeno mais próximo da superfície externa do osso. Havíamos observado isso em outros dinossauros, como no herbívoro “bico-de-pato” maiassauro (Maiasaura). Isso significa que o crescimento ativo cessava quando o animal atingia seu tamanho pleno. Nossos cálculos retroativos estimaram que um T. rex levava de 15 a 18 anos para atingir esse estágio, o que equivale a dizer uma altura de bacia

de 3 m, comprimento de 11 m e peso entre 5 e 8 toneladas. (Ficamos satisfeitos em verificar que nossas estimativas coincidiram com as de Gregory M. Erickson, da Florida State University e seus colegas, concluídas mais ou menos à mesma época.) Se isso parece um crescimento acelerado, de fato é. Pelo menos para um réptil. Ficou evidente que dinossauros cresciam muito mais rapidamente que outros répteis, vivos ou extintos. Erickson e Christopher A. Brochu, da University of Iowa, por exemplo, mapearam o crescimento do crocodilo gigante pré-histórico deinossucu (Deinosuchus), que viveu durante o período Cretáceo, há entre 75 milhões e 80 milhões de anos. Esses enormes répteis atingiam comprimentos de 10 a 11 m. Ao examinarem as linhas de crescimento nas placas ósseas de origem dérmica de seu pescoço, Erickson e Brochu determinaram que um animal precisava de quase 50 anos para atingir seu comprimento — três vezes mais tempo que T. rex levava para atingir o mesmo porte. A comparação mais próxima ao T. rex é o elefante africano, que atinge aproximadamente a mesma massa (de 5 toneladas a 6,5 toneladas) em algo entre 25 e 35 anos. Portanto, o T. rex alcançava seu tamanho adulto ainda mais rapidamente que um elefante. Pesquisas posteriores mostraram que o comportamento do T. rex não é incomum para dinossauros, exceto pelo fato de que, por seu tamanho, ele de fato crescia um pouco mais devagar que outros dinossauros de grande porte. Anusuya Chinsamy-Turan, da Universidade da Cidade do Cabo, na África do Sul, descobriu que o herbívoro massospôndilo (Massospondylus) levava cerca de 15 anos para atingir um comprimento de 2 m a 3 m. Erickson e Tatyana A. Tumanova, do Instituto Paleontológico, em Moscou, constataram que o pequeno ceratopsiano (dotado de chifres) psitacossauro (Psittacosaurus) atingia a maturidade entre 13 e

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C O M PA R A Ç Ã O

Dinossauros Não Cresceram Como Répteis

Canais vasculares

Tecido ósseo fibrolamelar

Alce

Canais vasculares

Tecido ósseo lamelar-zonal

Jacaré

Avestruz

Maiassauro (Maiasaura)

Internamente, o aspecto de ossos de dinossauros é bastante similar ao de ossos de aves e mamíferos grandes (acima). Ao contrário de répteis (à esquerda), esses animais depositavam um tipo de tecido ¹ääx¸ ` D­Dl¸ U߸§D­x§Dßj Ôøx `ßxä`x x­ ø­ ÙD³lD ­xÚ lx ­ ³xßD ä x UßDä lx `¸§E x³¸ Ç߸løą l¸ä x­ `D­DlDä l ä`ßxîDäÍ Em geral, seu tecido ósseo é muito bem vascularizado. Muitos vasos sanguíneos implicam deposição rápida de tecido e, portanto, crescimento rápido. Os ossos de alce e jacaré mostrados aqui são de espécimes quase maduros. Na direção exterior dos ossos há muito ­x³¸ä `D³D ä þDä`ø§Dßxäj ¸ Ôøx ßx xîx ø­D lxäD`x§xßDcT¸ lx crescimento. Os ossos do dinossauro bico-de-pato maiassauro e de avestruz são de exemplares quase recém-nascidos. Os espaços vasculares em seus ossos são abundantes, indicando um crescimento ­ø î¸ ßEÇ l¸ Ôøx D ³lD ³T¸ äx xäîDUx§x`xø ³¸ ÇDlßT¸ U߸§D­x§DßÍ

D I N O S S A U R O

SHAWN GOULD (ilustrações); JOHN R. HORNER, KEVIN PADIAN E ARMAND DE RICQLÈS (fotografias)

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15 anos de idade. E nós calculamos que o maiassauro alcançava idade adulta entre os 7 e 8 anos, quando então tinha uns 7 m de comprimento. Mas os saurópodes gigantes (das espécies brontossauros) superam todos os outros: Martin Sander, da Universidade de Bonn, na Alemanha, descobriu que o saurópode Janenschia atingia maturidade por volta dos 11 anos, embora continuasse crescendo substancialmente depois disso. Frédérique Rimblot-Baly, então na Universidade de Paris VII, e seus colegas determinaram que o lapparentossauro, ou “lagarto de Lapparent” (Lapparentosaurus), atingia seu pleno porte antes de completar 20 anos. E Kristina A. Curry Rogers, atualmente na Macalester College em St. Paul, no estado de Minnesota, calculou que Apatosaurus (mais conhecidos como brontossauros) amadureciam em entre oito e dez anos, com um ganho de peso anual de quase 5,5 toneladas.

pleno tamanho mais rapidamente que répteis “normais”. Um osso de crocodilo, por outro lado, é formado principalmente de tecido lamelar-zonal, um osso compacto, altamente mineralizado, que contém fibras organizadas de forma mais regular e canais vasculares muito mais esparsos e menores. Além disso, as linhas de crescimento em ossos de crocodilo são muito menos espaçadas que as de ossos de dinossauro, outra indicação de que ossos de crocodilo crescem mais lentamente [ver box acima]. Na década de 40, o agora já falecido Rodolfo Amprino, à época na Universidade de Turim, na Itália, concluiu que o tipo de tecido depositado em um osso, em qualquer lugar ou fase de crescimento, era basicamente uma função da velocidade com que o tecido crescia naquele ponto. Independentemente de onde ou quando é depositado, o tecido fibrolamelar reflete crescimento rápido local, enquanto tecido lamelar-zonal sinaliza desenvolvimento mais lento. O organismo de um animal pode depositar qualquer um desses tecidos em épocas diferentes, de acordo com o que a estratégia de crescimento exige. O tipo de tecido que predomina ao longo da vida do animal fornece a melhor referência sobre sua taxa de crescimento. Uma diferença entre dinossauros, crocodilos e outros répteis é que dinossauros depositaram tecido fibrolamelar durante todo o período de crescimento até atingirem o tamanho adulto, enquanto outros répteis passam a produzir tecido ósseo lamelar-zonal muito cedo na vida. Inferimos disso que dinossauros sustentavam um crescimento mais rápido até a fase adulta, porque não havia outra explicação para a persistência e predominância de tecido fibrolamelar.

INTERIOR DE UM OSSO DE DINOSSAURO

POR QUE DINOSSAUROS cresceriam mais como elefantes que como crocodilos gigantes? E o que isso significa para outros aspectos de sua biologia? Para responder a essas perguntas, precisamos observar o interior de um osso de dinossauro, para os tipos de tecidos que ele depositava. Em um típico osso longo de dinossauro o tecido é principalmente de um tipo chamado fibrolamelar. Sua textura é altamente fibrosa, entrelaçada, e ele se forma ao redor de uma matriz de fibras mal organizadas de colágeno e rica em vasos sanguíneos. Em comparação com o que poderíamos esperar em répteis comuns, esse é o mesmo tipo de tecido que predomina nos ossos de aves e mamíferos de grande porte, que atingem seu

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GRÁFICO

Crescimento Ósseo e Evolução em Aves ARCOSSAUROS DINOSSAUROS TERÓPODES AVIANOS

Crocodilos 3–5 metros

Tecido ósseo lamelar-zonal; reduzida vascularização; crescimento lento; taxas metabólicas basais relativamente baixas

Braquiossauro 25 m

9[b Òi[ 3m

Troodonte 2m

Arqueópterix 60 centimetros

Redução de tamanho corporal ao truncar a rápida fase de crescimento inicial

Tecido ósseo U๨D®y¨Dàè àD´my vascularização; crescimento rápido; taxas metabólicas basais mais elevadas

Confuciosórnis 60 cm

Canais vasculares ligeiramente mais reduzidos, típicos de animais menores

Comprimento do corpo (metros)

ces comparáveis aos de aves e mamíferos de grande porte, com amadurecimento rápido. Confirmamos seus resultados para massa corporal com nossos próprios estudos utilizando comprimento. Em um sentido, essas descobertas não foram inesperadas. Há muitos anos, Ted J. Case, então na University of California, Los Angeles, mostrou que dentro de qualquer grupo de vertebrados, espécies maiores atingem tamanho adulto em um prazo mais longo, mas crescem mais rapidamente para fazer isso. O surpreendente foi que dinossauros crescessem de forma tão rápida. Como estávamos curiosos sobre quando, no curso de sua evolução, dinossauros adquiriram essa característica de crescimento acelerado, plotamos nossas taxas de crescimento estimado num cladograma, ou diagrama de relacionamentos, construído com base 9 Deinosuco em centenas de características independentes de 8 todas as partes do esqueleto. Acrescentamos as taxas 7 Maiassauro estimadas de crescimento para pterossauros (répteis 6 voadores estreitamente aparentados com dinossau5 ros, que cresciam de forma bastante similar às deles), 4 crocodilos e seus parentes extintos e lagartos. Incluí3 Crocodilo mos aves porque elas evoluíram de dinossauros e, por2 tanto, tecnicamente fazem parte desse grupo. 1 Como ajuda adicional para estimar as taxas de 0 crescimento de dinossauros recorremos a aves atuais, 0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 que apresentam a mesma gama de tecidos encontraIdade (anos) dos em ossos de dinossauros. Jacques Castanet, à época na Universidade Pierre e Marie Curie, em Paris, CURVAS DE CRESCIMENTO mostram que até os maiores dinossauros eram, e seus colegas injetaram soluções corantes em marde fato, adolescentes quando atingiram seus tamanhos colossais. Eles alcançarecos Mallard que tingiriam os ossos em desenvolvivam o tamanho adulto muito mais rapidamente que répteis convencionais.

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SHAWN GOULD (ilustrações); JEN CHRISTIANSEN (cladograma acima e gráfico abaixo)

O ritmo de crescimento de dinossauros foi avaliado de forma diferente por Erickson, Rogers e Scott A. Yerby, à época na Stanford University. Usando estimativas de massa corporal eles plotaram a massa dos animais em relação ao tempo para deduzir curvas de crescimento para diversas espécies, e depois as compararam com as de outros grupos de vertebrados. Constataram que todos os dinossauros cresciam mais rapidamente que os répteis da atualidade, muitos deles a taxas comparáveis às de marsupiais modernos e que os maiores dinossauros cresciam a índi-


ORNITOTORÁCEOS ORNITUROS AVES

Enantiornites 15 cm

Patagioptérix 50 cm

Hesperórnis 1,75 m

Ictiórnis 35 cm

Dinórnis 3–4 m

Pardal 10 cm

$D ¹à ÿDå`ù¨Dà ĆDcT¹j ày yï ´m¹ taxas de crescimento mais elevadas Desde o início, dinossauros tinham tecidos ósseos que diferiam acentuadamente dos de outros répteis. Seus ossos cresciam mais rapidamente, como em aves e mamíferos da atualidade. Quando as primeiras aves (Avianos) evoluíram, sua substancial redução de tamanho resultou de um crescimento mais lento de seus ossos. Ainda assim, seu desenvolvimento era mais rápido que em outros répteis. Então, quando os grupos de aves vivas atualmente (Aves) começaram a aparecer, o crescimento se acelerou novamen-

te, de modo que pássaros do tamanho de pombos amadureciam em semanas em vez de meses. Todas as aves modernas, até a avestruz, atingem tamanho adulto dentro de um ano, e a maioria delas mais rapidamente. O pardal, por exemplo, faz isso em apenas sete dias. Ao longo de sua evolução, aves desaceleraram suas taxas de crescimento exatamente no período em que o desenvolvimento em seus ancestrais dinossauros atingia o pico, ou seja, em sua fase juvenil, efetivamente miniaturizando-as como adultas.

mento. Ao utilizarem cores diferentes em períodos distintos eles foram capazes de medir taxas de crescimento semanal nas aves sacrificadas. Com base nessas medições determinamos que dinossauros e pterossauros cresciam a taxas muito mais elevadas que outros répteis.

mais incomuns que havíamos suposto previamente, não exatamente iguais a quaisquer animais da atualidade, e certamente diferentes de répteis convencionais. Se alguém, algum dia, descobrir uma ave viva de cinco toneladas, muitas dessas questões poderão ser resolvidas.

RÉPTEIS NÃO CONVENCIONAIS

John R. Horner, Kevin Padian e Armand de Ricqlès trabalharam juntos durante mais de 20 anos em pesquisas de ossos de dinossauros. Horner é curador de paleontologia no Museu das [Montanhas] Rochosas e professor Regents de paleontologia na Montana State University. Padian é professor de biologia integrativa e curador do Museu de Paleontologia da University of California, Berkeley. De Ricqlès é professor emérito na Collège de France, em Paris, onde ocupou a cátedra de biologia histórica e evolutiva (1996-2010); sua equipe no r§ÜÍ« %DZ «§D fr 0rÒÂæ ÒD r§Üû ZD · %23d §D Ò D r¡ {ÍD§ZùÒ¸d §D 7§ èrÍÒ fDfr fr Paris VII, estuda formação óssea e tecidos esqueléticos.

O ESTUDO DE OSSOS DE DINOSSAUROS nos revelou muita coisa sobre a evolução de algumas das principais características desses animais. Há cerca de 230 milhões de anos, época do Triássico Inferior, a linhagem que produziria dinossauros, pterossauros e seus parentes se separou da que daria origem a crocodilos e seus parentes. A linhagem dinossauriana logo adquiriu elevadas e sustentadas taxas de crescimento que diferenciariam essas criaturas de outros répteis. Esse crescimento acelerado pode ter desempenhado um papel no sucesso que dinossauros e pterossauros desfrutaram no final do Triássico, quando tantas espécies com estrutura óssea mais tipicamente reptiliana foram extintas. As altas taxas de crescimento de dinossauros também nos dão uma ideia mais consistente sobre suas características metabólicas. Quanto mais elevada for essa taxa, ou seja, quanto mais energia é destinada à construção e decomposição de ossos e outros tecidos, mais rapidamente eles crescerão. Portanto, evidências de crescimento acelerado sustentado, inclusive até as fases de juventude tardia e subadulta, implicam que os animais em questão tinham taxas metabólicas basais relativamente altas, provavelmente mais parecidas com as de aves e mamíferos que de répteis atuais. Isso sugere que, em um sentido geral, é muito mais provável que eles tenham sido animais de sangue quente, mas é difícil estabelecer detalhes como temperatura corporal e suas variações. Obviamente restam muitas perguntas sem respostas. Talvez, dinossauros tenham sido criaturas até

PA R A C O N H E C E R M A I S

Age and growth dynamics of Tyrannosaurus rex. J. R. Horner e K. Padian em Proceedings of the Royal Society B, vol. 271, nº 1551, págs. 1875–1880; 22 de setembro de 2004. Growth in small dinosaurs and pterosaurs: the evolution of archosaurian growth strategies. K. Padian, J. R. Horner e A. de Ricqlès em Journal of Vertebrate Paleontology, vol. 24, nº 3, págs. 555–571; setembro de 2004. What’s inside a dinosaur bone? K. Padian em UCMP News (University of California, Berkeley); setembro de 2004. On-line em www.ucmp.berkeley.edu/museum/ucmp_ news/2001/5-01/dinosaur1.html Physiology. K. Padian e J. R. Horner em The Dinosauria. Segunda edição. Editado por D. Weishampel, P. Dodson e H. Osmólska. University of California Press, 2004. Dinosaurian growth rates and bird origins. K. Padian, A. J. de Ricqlès e J. R. Horner em Nature, vol. 412, págs. 405–408; 26 de julho de 2001. Dinosaurian growth patterns and rapid avian growth rates. G. M. Erickson, K. Curry Rogers e S. A. Yerby. Ibid., págs. 429–433.

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EVO LU Ç Ã O

TRIUNFO DOS TITÃS D I N O S S A

Dinossauros de pescoço longo, conhecidos como saurópodes, antes vistos como ícones de extinção, prosperaram durante milhões de anos por todo o mundo

U R O S

Por Kristina A. Curry Rogers e Michael D. D’Emic

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D I N O S S A U R O S 1

APATOSSAURO, o nome científico correto para o famoso brontossauro, exibe a clássica silhueta saurópode: uma coluna vertebral longa, afilada nas duas extremidades, com um crânio de cérebro pequeno e equilibrada sobre quatro patas semelhantes a pilares. Durante seu longo reinado, saurópodes desenvolveram vários tamanhos corporais e dentes e focinhos de formas diferentes, mas a arquitetura básica permaneceu a mesma.

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Fotografia por Christopher Griffith


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ESD E Q U E F ÓSSE IS DOS COL OSSAIS DINOSSAUROS DE PE SCO ÇO comprido conhecidos como saurópodes foram descobertos na Inglaterra, há mais de 170 anos, têm maravilhado e confundido cientistas. Mesmo quando o grande anatomista inglês sir Richard Owen reconheceu, em 1842, que dinossauros formavam um grupo em si, separado de répteis, ele excluiu os gigantescos ossos posteriormente classificados como sendo de saurópodes. Na concepção de Owen, eles pertenciam a um tipo de crocodilo aquático, que denominou cetiossauro, ou “lagarto baleia”, devido ao enorme tamanho de seus ossos. Quase 30 anos mais tarde, em 1871, o geólogo John Phillips, da University of Oxford, relataria a descoberta de um esqueleto de cetiossauro suficientemente completo para revelar que, longe de ser um crocodilo aquático, o animal passava pelo menos parte de seu tempo em terra.

I N O S S A U R O S 1

pescoço e crânio esticados muito acima da multidão e dos outros dinossauros. Mesmo em seu silêncio coberto de poeira, os ossos inspiravam respeito e admiração. A maioria dos saurópodes clássicos, como o diplodoco, o camarassauro e o apatossauro, debutaram no final do século 19 e, na virada daquele século, todo grande museu de história natural tinha de ter um exemplar. Ossos de saurópodes do Jurássico foram enviados em tão grande número para museus que ainda é possível encontrar prateleiras cheias desses fósseis em suas coleções, encerrados em moldes de gesso feitos em campo, esperando para serem abertos e estudados. Mas esses saurópodes clássicos representam apenas uma pequena fração da diversidade desse grupo. A história de como eles se originaram e evoluíram em tantas formas, no decorrer de seus 150 milhões de anos de história evolutiva, começa antes mesmo de seu aparecimento, há cerca de 210 milhões de anos, no Triássico Superior. Naquele período, o mundo testemunhou um evento de extinção de outros grupos de répteis que abriu o caminho para os dinossauros e seu posterior domínio de ecossistemas terrestres. OS MAIS ANTIGOS

OS MAIS ANTIGOS DINOSSAUROS conhecidos no registro fóssil são animais bípedes, de corpos pequenos, cujos vestígios foram encontrados em sedimentos de aproximadamente 230 milhões de anos no hemisfério sul; esses animais acabariam evoluindo em saurópodes e terópodes (como o Tyranossauro rex) mais familiares. Paleontólogos encontraram rastros característicos de verdadeiros saurópodes, com sua postura quadrúpede e patas elefantinas, datando de uns 225 milhões de anos na América do Norte e na Argentina. Os indícios mais antigos de seus massivos esqueletos são só um pouco mais jovens; representados por criaturas como o “lagarto de Isano”, ou Isanosaurus da Tailândia, o saurópode de Gongxian (Gongxianosaurus) da China e o vulcanodon do Zimbábue. Essas espécies primitivas já trazem as características marcas de assinatura saurópode: eles eram “colunas vertebrais caminhantes” (muitas espécies de saurópodes têm mais de 100 vértebras), com caudas e pescoços longos e afilados, crânios minúsculos e membros anteriores e posteriores em forma de pilares, próprios para sustentar pesos enormes. Essa arquitetura básica persisti-

EM SÍNTESE Paleontólogos tradicionalmente consideravam os dinossauros gigantes, de pescoços longos e cérebros pequenos, denominados saurópodes, como criatu-

ras condenadas ao fracasso, inadequadas para a vida em terra ou na água. Descobertas recentes invalidaram esse cenário, revelando que os saurópodes

prosperaram durante quase 150 milhões de anos. Os segredos de seu sucesso parecem ter sido sua mistura de características similares às de mamíferos e

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répteis, combinada com uma capacidade de se adaptar a um mundo em transformação.

PÁGINAS ANTERIORES: FOTOGRAFADO NO LOCAL NO MUSEU CARNEGIE DE HISTÓRIA NATURAL

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A avaliação de Phillips gerou considerável consternação entre paleontólogos durante décadas, porque eles simplesmente não conseguiam conceber como um animal tão grande podia sustentar seu peso em terra. Como saurópodes eram considerados animais sem um lugar definido, inadequados para terra e mar, acabaram vistos como desajeitados herbívoros arcaicos, exageradamente crescidos, fadados à rápida extinção ou, pelo menos, à marginalização por dinossauros mais “avançados”. Mais recentemente, em 1991, cientistas ainda argumentavam que saurópodes estavam longe do ápice de sucesso dinossáurio e só prosperaram na ausência de dinossauros herbívoros mais especializados. De acordo com essa concepção, esses gigantes do período Jurássico, há entre cerca de 200 milhões e 145 milhões de anos, deram lugar a herbívoros de cérebros maiores, mais bem adaptados, no Cretáceo, há entre cerca de 145 milhões e 66 milhões de anos, como os hadrossauros bico-de-pato e os ceratopsianos munidos de chifres, que superavam os saurópodes na disputa por alimentos, espaço e outros recursos. Relegados ao hemisfério sul, diz a história, apenas alguns saurópodes retardatários resistiram até o final do Cretáceo, quando o impacto de um asteroide pôs fim à era dos dinossauros. A própria noção de saurópodes mal adaptados, caminhando vagarosamente para o esquecimento, estava destinada à extinção. Recentes descobertas de seus fósseis em diversos lugares ao redor do mundo, mais de 70 novas espécies desde 2002, revelaram um grupo extraordinariamente resiliente que prosperou durante milhões de anos nos limites observados de tamanho corporal terrestre. Graças a esses novos achados, e a novas ferramentas analíticas para avaliá-los, cientistas começaram a responder perguntas fundamentais sobre como saurópodes se reproduziam, como cresciam, de que se alimentavam e como se adaptaram a mudanças ambientais dramáticas. Essas revelações mudaram quase tudo que julgávamos saber sobre esse grupo icônico. Como a maioria das pessoas, nós dois encontramos os gigantes de pescoço longo do mundo dos dinossauros pela primeira vez em meio à cacofonia de museus de história natural cheios de crianças. Avultando-se acima da barulheira de empolgados visitantes erguia-se o imponente saurópode: mais comprido que dois ônibus escolares enfileirados, seu


mento reptilianas para estimar a história de crescimento de saurópodes. De acordo com esse modelo, até saurópodes menores teriam levado até a idade de 60 anos para atingir seu primeiro patamar de crescimento e mais de um século para chegar ao tamanho adulto. Isso significaria esperar até a idade de 60 anos para se reproduzir; um negócio arriscado para qualquer animal que permanece relativamente pequeno e propenso a ser vítima de predadores durante grande parte da vida. Uma perspectiva diferente sobre o desenvolvimento saurópode começou a emergir na década de 60, quando Armand de Ricqlès, agora emérito na Collège de France, em Paris, começou a estudar a microestrutura interna, ou histologia, de ossos para obter indícios sobre a história de vida de dinossauros e outros animais extintos. Os padrões de minerais ósseos, a densidade e arquitetura das cavidades deixadas por vasos sanguíneos e o grau de remodelação óssea estão todos preservados em ossos fossilizados. Essas características indicam que as taxas de crescimento de saurópodes eram muito aceleradas durante a maior parte da vida e que, de modo geral, eram mais rápidas que as de répteis e semelhantes às de mamíferos de grande porte atuais, muitos dos quais atingem a maturidade em poucas décadas. Portanto, saurópodes não tinham de viver durante séculos para se tornarem gigantes. Com taxas de crescimento tão rápidas, e tamanhos corporais adultos tão imensos, saurópodes devem ter tido apetites prodigiosos. De fato, um dos mistérios mais intrigantes da biologia saurópode é como esses gigantes reuniam matéria vegetal suficiente para sobreviver, quanto mais para prosperar, por tanto tempo. Estudos de alimentação saurópode têm se concentrado na forma dentária, em microscópicas marcas de desgaste, reconstruções dos músculos das mandíbulas, e análises da biomecânica envolvida na abertura e fechamento delas. Essas pesquisas revelaram que diferentes saurópodes utilizavam métodos distintos de alimentação; alguns trituravam vegetação dura, enquanto outros aparavam ou cortavam plantas mais tenras. De modo geral, pesquisadores concordam que esses dinossauros não mastigavam muito e, portanto, provavelmente precisavam de algum tipo de processamento “pós-boca” para dissociar alimento vegetal em energia utilizável. A solução mais comumente citada para essa necessidade digestiva extra é o uso de gastrólitos, cálculos ou pedras estomacais, como são conhecidas mais popularmente. Pedras polidas frequentemente aparecem em formações rochosas que contêm vestígios de saurópodes na região oeste da América do Norte, e cientistas vinham teorizando há tempos que essas rochas eram análogas às pequenas pedras que alguns vertebrados modernos, como certas aves, ingerem para ajudar a triturar alimentos e auxiliar na digestão. Mas em 2007, Oliver Wings, atualmente no Museu Estadual da Baixa Saxônia, em Hannover, na Alemanha, e Martin Sander, da Universidade de Bonn, também na Alemanha, submeteram a noção de gastrólitos saurópodes a uma análise experimental para verificar como “pedras da moela” em aves vivas são processadas e degradadas. Esse estudo mostrou que os supostos gastrólitos dinossáuricos não apresentam a textura superficial esperada quando comparados com os verdadeiros gastrólitos de aves. Além disso, evidências dessas “pedras” encontradas dentro de cavidades corporais de saurópodes eram escassas e equivocadas. Por essa razão, eles concluíram que, assim como grandes herbívoros modernos, como rinocerontes, saurópodes dependiam de fermentação microbiana em seus sistemas digestivos incrivelmente alongados, e não gastrólitos para extrair energia de plantas. Percepções adicionais sobre as estratégias alimentares desses animais vieram de estudos de sua característica mais marcante: o característico pescoço muito comprido. O conhecimento convencional sustentava que essas criaturas utilizavam seus pescoços para se alimentar em copa de árvores, alcançando folhas inatingíveis para outros dinossauros.

ria em saurópodes durante todo o seu processo evolutivo, tornando-os um dos grupos de dinossauros mais facilmente identificáveis. Mas saurópodes não se estagnaram. À medida que o tempo avançou, sua estrutura corporal ficou mais elaborada, com a movimentação tectônica de placas continentais ajudando a impulsionar a diversificação global de suas linhagens. A diversidade saurópode variou ao longo da história evolutiva do grupo, até o fim da era dos dinossauros. Esses recorrentes picos em diversidade contradizem a bem estabelecida noção de que saurópodes atingiram seu breve apogeu no Jurássico e se encaminharam lentamente para o ocaso, no Cretáceo. Em vez disso, vemos importantes grupos de saurópodes, como os encorpados e atarracados titanossauros e os rebaquissaurídeos, com cara em forma de pá, prosperando muito depois desse presumido zênite Jurássico. Mesmo no crepúsculo da era dos dinossauros, durante o Cretáceo Superior, saurópodes eram diversificados e ainda se saíam muito bem. UMA AVALIAÇÃO DE SAURÓPODES

NOVAS DESCOBERTAS MOSTRARAM que saurópodes eram bem-sucedidos em termos de distribuição geográfica, diversidade e longevidade de linhagens. Mas quais eram, exatamente, suas estratégias para sobreviver? A resposta parece ser que eles se valeram de uma mistura especial de características mamífero-reptilianas que se fundiram para criar organismos únicos. Embora Owen estivesse equivocado ao acreditar que saurópodes eram lagartos, nesse aspecto seu nome “lagarto baleia” acabou afinal bastante adequado. Em seus hábitos reprodutivos, saurópodes, como todos os dinossauros e a maioria dos répteis, eclodiam de ovos. A primeira evidência concreta da biologia reprodutiva saurópode veio de depósitos de cerca de 80 milhões de anos de Auca Mahuevo, na Argentina, onde, em 1997, Luis Chiappe, do Museu de História Natural do Los Angeles County, e seus colegas descobriram um local de nidificação que continha milhares de ovos. Dentro de alguns deles os pesquisadores encontraram os primeiros embriões conhecidos de saurópodes, alguns que ainda preservam pele e membranas fossilizadas de ovos. Esses vestígios de nidificação fornecem evidências inequívocas de que saurópodes titanossauros desovavam conjuntos de 20 a 40 ovos esféricos de cada vez em depressões escavadas no chão. Os ovos são relativamente pequenos, medindo em média de 13 a 15 cm de diâmetro, mais ou menos do porte de uma toranja. A abundância de ninhos nas mesmas camadas no sítio de Auca Mahuevo sugere que os titanossauros ali se associavam em grandes grupos e nidificaram na mesma área pelo menos seis vezes. Ainda assim, não há indícios convincentes de que eles “chocavam” os ovos ou que cuidavam dos filhotes quando eles eclodiam. De fato, a proximidade entre as estruturas de nidificação sugere que esses titanossauros eram pais desapegados, que não se envolviam com sua prole. Ao contrário de outros vertebrados de grande porte, como elefantes e baleias, em que os pais investem pesadamente na criação de um único filhote, saurópodes aparentemente seguiam o típico padrão reptiliano de produzir muitos descendentes que, depois, eram abandonados à própria sorte. Apesar de a dedicação de pais saurópodes seguir a norma reptiliana, as taxas de crescimento dos animais não tinham esse padrão. De todos os animais que já viveram, os saurópodes foram os que mais deveriam crescer, do nascimento à fase adulta. Bebês saurópodes mediam menos de meio metro de comprimento e pesavam menos de 10 kg. Como adultos, os maiores exemplares alcançavam comprimentos de 30 m e massas corporais entre 25 e 40 toneladas ou mais. Comparativamente, um bebê médio de elefante africano pesa em torno de 120 kg ao nascer e atinge um peso adulto entre 2,268 e 6,350 toneladas. A maioria dos primeiros pesquisadores de dinossauros simplesmente extrapolou taxas de cresci-

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D I N O S S A U R O S 1


D E S C O B E R TA S

Golpe Colossal Durante muito tempo acreditava-se que saurópodes haviam `D l¸ x­ ßEÇ l¸ lx`§ ³ ¸ ³¸ ³D§ l¸ Çxß ¸l¸ øßEää `¸j E `xß`D de 145 milhões de anos, superados por dinossauros herbívoros novos e aprimorados. Mas descobertas recentes derrubaram essa noção ao mostrar que os saurópodes prosperaram por mais 80 milhões de anos, durante todo o período Cretáceo, até o grande evento de extinção que encerrou a era dos dinosäDø߸äÍ ääxä äDø߹Ǹlxä ­D ä îDßl ¸ä ßxä äî ßD­ ß­x­x³îx aos recém-chegados, inclusive os dinossauros bico-de-pato e os munidos de chifres, quando se tratava de competir por uma importante e inédita fonte de alimento que debutou durante ¸ ßxîE`x¸i ǧD³îDä ¸ßxä`x³îxäÍ

D I N O S S A U R O S 1

Camarassauro

Antetonitro

MESOZOICO TRIÁSSICO INFERIOR MÉDIO

Girafatitã

183

MÉDIO 176 172

168

165

18

Ilustrações por Raúl Martin, Gráficos por Jen Christiansen

161 Oxfforrdiano

6 gêneros coexistiram há aproximadamente 193 milhões de anoss

Calllovvianno

Bathooniaano

Bajoociianoo

Aaleeniano

Toaarcciano

Plieenssbaqquiano

Sineemuriiano

Surgimento dos primeiros fósseis de dinossauros

Hettanngiaano

Rhaetiano

Noriano

Cada barra preta representa um gênero. A posição na linha do tempo indica o ponto médio de duração do gênero.

SUPERIOR 228 235 Carniano

Milhões de anos

JURÁSSICO INFERIOR 204 201,6 197 190


Truques de Sobrevivência

3DùàºÈ¹myå åy Uy´y ` DàD® my ù®D åzà y my DmDÈïDcÇyå ÈDàD åy åD ày® Uy® y® ïyààDj ¹ Õùy ¨ yå Èyà® ï ù D¨`D´cDà ïD®D´ ¹å ´ ùD¨Dm¹å ȹà ÕùD¨Õùyà D´ ®D¨ ïyààyåïày desde então.

¹ `¹´ïàEà ¹ mD ®D ¹à D m¹å àzÈïy åj åDùàºÈ¹myå `àyå` D® àEÈ m¹j my ù®D ¹à®D ÈDày` mD `¹® ®¹myà´¹å D´ïyå ïyààyåïàyåj `¹®¹ y¨y D´ïyåj y ïyà D® D¨`D´cDm¹ åyù ïD®D´ ¹ Dmù¨ï¹ y® ȹù`Då décadas. 30.000

Massa (quilos)

Saurópode

<zàïyUàDå ¹`Då ïyà D® my āDm¹ ¹å `¹àȹå my åDùàºÈ¹myå ®D å ¨yÿyå y ȹmy® ïyà Dÿ¹ày` m¹ D yāÈD´åT¹ my åD`¹å Dzày¹å m¹å Èù¨®Çyåj Õùy ¨ yå ïyà D® Èyà® ï m¹ DUå¹àÿyà ®D å ¹ā {´ ¹ D `DmD ´åÈ àDcT¹Î

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Saco aéreo

Corte transversal de osteodermo

20.000

Elefante

10.000

Vértebra

0

10

30 Idade (anos)

50 57 centímetros

D I N O S Osteodermo

S A U R O

Nigerassauro

Argentinossauro

Rapetossauro

CRETÁCEO 156

SUPERIOR 151

INFERIOR 145,5 140 136

130

125

SUPERIOR 99,6 93,5 89,3 85,8 83,5

112

Maastrichtianno

Campaniano

Santoniano

Coniaciano

Turoniano

Cenomanianoo

Albiano

Aptiano

Barremiano

Hauterivianoo

Valanginianoo

Berriasiano

Tithhonnianno

Kim mmeridgiano

19

70,6

FONTES: KRISTINA A. CURRY ROGERS E MICHAEL D. D’EMIC (curvas de crescimento); SOCIEDADE GEOLÓGICA DA AMÉRICA (linha do tempo geológica); DANIELA SCHWARZ-WINGS Museu de História Natural, Berlim (detalhe de vértebra)

S 1


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SAURÓPODES DE APERITIVO: Saurópodes podem ter sido intocáveis quando adultos, mas como bebês eram altamente vulneráveis a predadores grandes e pequenos. Em 2010, Jeffrey Wilson, da University of Michigan, e seus colegas, descreveram um conjunto de ovos de saurópodes da Índia que inclui uma serpente fossilizada de 3,5 m de comprimento enrolada ao redor e esmagando um deles, ao lado de um diminuto saurópode recém-eclodido, conforme mostrado na reconstituição artística. Vários exemplos desses envolvendo sua área de especialização em campo, cobras associadas a ovos de dinossauros, sustentam a ideia de que elas frequentavam lugares de nidificação de saurópodes e se banqueteavam em ovos e filhotes.

Uma nova pesquisa contestou esse ponto de vista. John A. Whitlock, agora na Mount Aloysius College, reconstruiu estratégias de alimentação entre diplodocoides, um grupo de saurópodes que inclui os conhecidos apatossauro e diplodoco, que persistiram do Jurássico Superior ao Cretácio Superior. Variações nas formas de seus focinhos e padrões microscópicos de desgaste nos dentes indicam que alguns saurópodes se especializavam em determinados tipos de plantas, enquanto outros eram generalistas; alguns pastavam rente ao solo, outros se alimentavam em árvores. Diferentes grupos de pesquisa chegaram a conclusões similares através de análises de posturas de pescoço de saurópodes que mostram que sua alimentação era adicionalmente limitada por flexibilidade vertebral: eles variavam em sua capacidade de esticar seus pescoços para alcançar plantas bem ao alto e bem embaixo. Essa diversidade de hábitos alimentares ajuda a explicar como tantos gigantes compartilhavam os mesmos ecossistemas. Adaptações dietéticas de saurópodes progrediram no Cretáceo, concomitantemente com o aparecimento de plantas florescentes. Uma hipótese da “antiga escola” sustentava que outros dinossauros vegetarianos, mais adequados para se alimentar dessas novas plantas, desalojaram os saurópodes. De acordo com essa proposta, saurópodes, com seus dentes fracos, cabeças pequenas e corpos gigantescos, não eram páreo para os mais eficientes dinossauros bico-de-pato e as espécies munidas de chifres, equipados com fileiras de dentes agrupados muito próximos

para formar formidáveis arsenais dentários, que agiam como um único e poderoso dente gigante, crescendo continuamente. O que sabemos agora é que o Cretáceo de fato foi o intervalo mais diversificado da evolução saurópode e, possivelmente, o mais interessante. Longe de serem suplantados por recém-chegados, eles se diversificaram em forma e função, desenvolvendo novos meios de explorar uma grande variedade de plantas. Considere, por exemplo, o dinossauro do Níger (Nigerassauro), uma espécie de 115 milhões de anos descoberta no Níger, no leste da África, em meados da década de 90 por Paul C. Sereno, da University of Chicago e seus colegas. Essa criatura desenvolveu largas baterias dentárias com taxas extremamente rápidas de substituição de dentes (um novo dente em cada posição todo mês, o que é até duas vezes mais rápido que a reposição em bicos-de-pato e dinossauros com chifres), o que mantinha os dentes afiados para eficiente corte da vegetação. No dinossauro do Níger, a orientação dos canais semicirculares do ouvido interno, os órgãos do equilíbrio, sugere que esse animal normalmente mantinha sua cabeça e focinho apontados diretamente para baixo, em uma posição de rotação muito diferente da habitual pose horizontal inferida para outros saurópodes. Essa postura sugere que ele era especializado em se alimentar de plantas rentes ao chão. À medida que o Cretáceo avançou e plantas florescentese diversificaram, saurópodes se viram com mais opções alimentares. Análises microscópicas de fezes fossilizadas, ou coprólitos, de titanossauros revelaram

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TYLER KEILLOR

U


massivo já descoberto de qualquer animal vertebrado. Tomografias computadorizadas e perfurações de núcleo indicam que os osteodermos de rapetossauros ficavam ocos no decorrer de sua vida e, em tamanhos muito grandes, uma quantidade de osso interno equivalente a aproximadamente cinco litros era substituída, provavelmente com tecido mole. Em vez de um revestimento de osteodermos parecido com um pavimento encontrado em animais vivos, rapetossauros (e provavelmente alguns outros titanossauros) tinham apenas algumas placas grandes. Essas características de osteodermos de rapetossauros nos ajudaram a descartar várias ideias concorrentes sobre a função das placas ósseas em titanossauros. Elementos internamente ocos como esses ofereceriam pouco em termos de proteção, porque quebrariam sob o impacto das mandíbulas de um predador. Da mesma forma, a baixa proporção entre área superficial e volume das placas e sua esparsa distribuição na pele as teriam inutilizado como equipamento para termorregulação. Argumentamos que, em vez disso, osteodermos de titanossauros serviam como uma inestimável reserva mineral que pode ter ajudado a sustentar taxas de crescimento e capacidade de desova até durante as épocas mais rigorosas, assim como fazem hoje em alguns animais modernos. Em todos os vertebrados vivos, inclusive humanos, mineral ósseo é sacrificado para ajudar a manter níveis de cálcio no sangue. Essa reabsorção muitas vezes aumenta sazonalmente, quando recursos são escassos, durante a postura de ovos e com o avanço da idade, o que em humanos leva à osteoporose. Osteodermos têm ricas reservas de sangue que servem como conduítes perfeitos para as células que fazem a reabsorção e para os recursos minerais liberados do interior profundo de ossos. Essa ideia faz muito sentido para um massivo saurópode do Cretáceo Superior em Madagascar. Naquela época, a ilha era um lugar rigoroso para viver, severas secas regulares forçaram dinossauros carnívoros, como os dinossauros de Majunga (Majungasaurus), a canibalizar membros de sua própria espécie e provocaram a extinção de inúmeros animais, de sapos e pássaros a saurópodes. Osteodermos podem ter ajudado saurópodes em Madagascar e em outros lugares a sobreviver a perturbações ambientais, inclusive secas frequentes e intensas. Saurópodes parecem desafiar leis da possibilidade biológica no que diz respeito ao seu acelerado crescimento e sobre como ficaram tão enormes. Essas violações poderiam tê-los encurralado do ponto de vista evolutivo, mas nosso crescente domínio do registro fóssil sugere o contrário. De fato, eles foram extintos, mas antes que o desastre inevitável se abatesse, saurópodes desfrutaram de espetaculares 150 milhões de anos como uma das extravagâncias mais notáveis que a evolução já produziu.

tecidos vegetais silicificados, chamados fitólitos, que documentam pelo menos cinco tipos diferentes de gramíneas, além de plantas florescentes como magnólias, coníferas e palmeiras. Essa descoberta, relatada por Vandana Prasad, do Instituto Birbal Sahni de Paleobotânica, na Índia, e seus colegas, em 2005, retrodatou a origem e diversificação de gramíneas modernas em cerca de 30 milhões anos e sustenta a noção de que alguns saurópodes se alimentavam bastante indiscriminadamente. Como ocorre com qualquer vertebrado herbívoro de rápido crescimento que se preze, era vantajoso que os saurópodes não fossem muito exigentes. Longe de serem desalojados desses ecossistemas emergentes, eles parecem ter tirado máximo proveito dos novos recursos, alimentando-se de tudo, de copas de árvores à forragem aos seus pés. Uma absorção aumentada de oxigênio pode ter estimulado ainda mais o crescimento saurópode. Em aves vivas, sacos aéreos ligados a ramificações dos pulmões invadem as vértebras ocas e permitem que elas extraiam mais oxigênio de cada inspiração que mamíferos. Essas estruturas garantem um fluxo de ar unidirecional através dos pulmões, o que aumenta o teor de oxigênio aproveitado em cada inalação. (Em mamíferos, o fluxo de ar é bidirecional: cada nova inalada se mistura em nossos pulmões com ar antigo, resultando em um método relativamente ineficiente de extração de oxigênio.) As vértebras de saurópodes se assemelham às de aves modernas por terem cavidades internas quase idênticas e um complexo padrão de vazios, ou cavidades externas ligadas por suportes, ou esteios. A maior pneumaticidade, ou concentração de ocos, é encontrada em vértebras do pescoço e do tronco, mas em algumas espécies de saurópodes ela pode se estender até partes dos ombros, quadris e cauda. O principal efeito da pneumatização é uma redução geral do peso da coluna vertebral, e estimativas indicam que ela também pode ter aliviado significativamente a massa corporal saurópode. O colossal sauroposeidon (“lagarto Poseidon”) norte-americano, por exemplo, tinha um pescoço que consistia em mais de 75% de ar. Também é possível que, como em aves, as vértebras pneumatizadas de saurópodes alojassem um extensivo sistema de sacos aéreos com uma ventilação de fluxo desimpedido dos pulmões que ajudava a respiração e teria lhes permitido manter taxas metabólicas altas e estáveis, e níveis de atividade maiores, consistentes com sua taxa de crescimento rápido e massivo tamanho corporal adulto. QUANDO AS COISAS FICARAM DIFÍCEIS

O GRANDE PORTE tinha uma vantagem real para saurópodes, assim como tem para gigantes modernos. Mesmo antes de atingirem a metade de suas dimensões finais, muitas espécies de saurópodes excediam o tamanho de elefantes adultos, que essencialmente não têm predadores (exceto humanos). Uma vez que atingiam tamanho adulto, eles provavelmente eram bastante refratários a predadores perigosos, como alossauros. Mas o enorme tamanho corporal também deixava saurópodes particularmente vulneráveis em casos de escassez de alimentos e água. Alguns deles, no entanto, podem ter desenvolvido soluções até para esse problema: algumas espécies de titanossauros tinham bizarras placas ósseas, chamadas osteodermos, em sua pele. Certos animais modernos também têm osteodermos que compõem o revestimento blindado, parecido com uma armadura, de crocodilianos, lagartos e tatus, e eles formavam as distintas placas dorsais ósseas em dinossauros como o estegossauro. Mas tem sido impossível determinar onde, no corpo dos saurópodes, se localizavam os osteodermos e isso tem dificultado que cientistas distingam suas funções. Novas descobertas podem resolver essa questão. Em 2011, descrevemos dois osteodermos encontrados em Madagascar, ao lado de um esqueleto juvenil e outro adulto de um titanossauro chamado rapetossauro. Com 57 cm de comprimento e mais de 27 cm de espessura, com um volume de cerca de 10 litros, o osteodermo do espécime adulto é o mais

Kristina A. Curry Rogers é paleontóloga de vertebrados na Macalester College. Sua pesquisa enfoca a evolução e paleobiologia de saurópodes. Ela já viajou pelo mundo, da Argentina ao Zimbábue, à procura de fósseis de dinossauros. Michael D. D’Emic é paleontólogo de vertebrados na Stony Brook University. Seu trabalho de campo se concentra em saurópodes do Cretáceo Inferior de Montana ao Wyoming. Ele está particularmente interessado em um grupo de saurópodes conhecidos como titanossauros. PA R A C O N H E C E R M A I S

Sauropod dinosaur osteoderms from the late cretaceous of Madagascar. Kristina Curry Rogers et al. em Nature Communications, vol. 2, artigo nº 564. Publicado on-line em 29 de novembro de 2011. Inferences of diplodocoid (Sauropoda: Dinosauria) feeding behavior from snout shape and microwear analyses. John A. Whitlock em PLOS ONE, vol. 6, nº 4, artigo nº e18304; 6 de abril de 2011. The sauropods: evolution and paleobiology. !à åï ´D Î ùààĂ 2¹ yàå y y àyĂ Î Wilson. University of California Press, 2005.

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EXTINÇÃO

O DIA EM QUE A TERRA INCENDIOU-SE Impacto que extinguiu dinossauros provocou onda de incêndios que consumiu as florestas do planeta

ALFRED T. KAMAJIAN

Por David A. Kring e Daniel D. Durda

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É

DE DOMÍNIO AMPLO A IDEIA DE QUE O IMPACTO DE UM ASTEROIDE OU COMETA TROUXE UM FIM abrupto à longa era dos dinossauros. Mas menos conhecido é como esses animais e tantas outras espécies se extinguiram e como os ecossistemas conseguiram se recuperar depois do impacto. A magnitude desse evento foi muito além das dimensões exigidas para a recuperação de formas de vida por ocorrências anteriores. O asteroide ou cometa flamejou pelo céu mais de 40 vezes acima da velocidade do som. E era tão grande que, quando sua borda inferior tocou o solo, a parte superior estava à altura de cruzeiro de um avião comercial. Ele produziu uma explosão equivalente a 100 trilhões de toneladas de TNT, liberação de energia maior que qualquer evento ocorrido no planeta nos 65 milhões de anos que se passaram desde então. Os remanescentes da colisão permanecem abaixo da floresta tropical do Yucatán, as ruínas maias de Mayapán, a vila do porto marítimo de Progreso e as águas do Golfo do México. A cratera, chamada Chicxulub, conforme o nome das modernas vilas maias na área, tem aproximadamente 180 km de diâmetro e é circundada por uma falha circular de 240 km, aparentemente produzida quando a crosta reverberou com a violência do impacto. A ciência, às vezes, supera a ficção na capacidade de surpreender e assombrar. É o caso em relação a esse impacto. Ele destruiu um mundo e abriu caminho para outro. Mas estudos mais recentes sugerem que o impacto não eliminou as espécies direta ou imediatamente. Em vez disso, teve diferentes efeitos ambientais severos e complexos que espalharam a devastação pelo mundo todo. E uma das forças mais destrutivas desse conjunto foi a produção de vastos incêndios que varreram a maioria dos continentes. Os incêndios dizimaram hábitats críticos, destroçaram a base da cadeia alimentar continental e contribuíram para um bloqueio global da fotossíntese.

e o sul da Europa, entre outros. Uma localidade particularmente promissora é a Bacia Raton, entre o Colorado e o Novo México. Comprimida entre camadas rochosas do Cretáceo (K) dos dinossauros e o período posterior Terciário (T) há uma camada de argila com espessura de 1 cm recheada de elementos exóticos. Observando atentamente essa camada, em diferentes regiões da Terra, Wendy Wolbach, da DePaul University, e os colegas dela fizeram uma surpreendente descoberta em 1985. Encontraram partículas microscópicas de fuligem – partículas esféricas de carbono aglomeradas como uvas, com uma composição que combina com a fumaça de incêndios florestais. Globalmente, a fuligem soma quase 70 bilhões de toneladas de resíduos: cinzas do Cretáceo. À época, a fuligem interessou aos pesquisadores especialmente como evidência adicional de que a extinção em massa fora proocada pelo impacto de um bólido e não por atividade vulcânica, com efeitos que não seriam abruptos ou difundidos. Em 1990 o astrônomo planetário H. Jay Melosh, da University of Arizona, e seus colegas descreveram a maneira como o impacto de um bólido celeste teria gerado incêndios em todo o planeta. O asteroide ou cometa, ao colidir com a Terra, foi destruído mas partes da crosta terrestre foram vaporizadas no choque, criando uma chuva de detritos. Com crescente velocidade, a pluma de fogo elevou-se da cratera e subiu pela atmosfera, levando junto

FORNO PLANETÁRIO

PARA CONSTATAR AS MARCAS da destruição em massa basta observar quaisquer afloramentos rochosos em locais como o oeste dos Estados Unidos

EM SÍNTESE O impacto de Chicxulub é notório como a causa da extinção em massa do Cretáceo-Terciário, que eliminou os dinossauros e mais de 75% das espécies animais e vegetais na Terra.

Menos conhecidos são os incêndios globais que o impacto desencadeou. Enquanto detritos deslocando-se velozmente superaqueciam a atmosfera, a vegetação foi tomada por chamas na

maior parte do planeta. Os animais e ecossistemas entraram em colapso. Entre as calamidades ambientais geradas pelo impacto, o fogo foi uma das mais destrutivas. Nem todas as áreas

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foram igualmente afetadas. Bem longe ao norte do local de impacto, por exemplo, muitas espécies sobreviveram. A partir desses nichos, a vida reocupou o planeta.


UM MUNDO REFEITO

O IMPACTO

O DIA ANTERIOR

' ®ÈD`ï¹ `āù¨ùU ¹`¹ààyù ´¹ UD ā ¹ ¹`yF´ `¹j y ®ym DïD®y´ïy Dï à¹ù à¹` Då DÕùy` mDå y àyåï¹å ÿDȹà ĆDm¹å ´D D﮹å yàDÎ ' ÿ¹¨ù®y my àyåï¹å Èày` È ï¹ù åy ´Då Èà¹ā ® mDmyå `¹´ï ´y´ïD åj ®Då U¹D ÈDàïy yå`Dȹù ÈDàD ¹ yåÈDc¹ ´ïyàȨD´yïEà ¹Î

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UMA SEMANA

40 MINUTOS

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50 ANOS DEPOIS

CHRIS BUTLER

UM ANO DEPOIS

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Área de impacto

Antípoda

D I N O S S A U

PARA DESIDRATAR E INCENDIAR as plantas foi necessário um calor de 12.500 watts por metro quadrado por pelo menos 20 minutos. Essas condições foram registradas ao menos em duas áreas principais: a centrada em Chicxulub e sua antípoda, na Índia. Dessas áreas de impacto antípoda,

corredores de fogo estenderam-se para oeste pela rotação da Terra sob a pluma de detritos. A simulação por computador representa uma possível cena do impacto. Outras modelagens sugerem incêndios ainda mais amplos.

cristais de quartzo que, apenas momentos antes, estavam 10 km sob a superfície. A pluma teria se expandido para um diâmetro de 100 km a 200 km, atingindo o espaço e expandindo-se até envolver o planeta inteiro. Então, os dejetos que subiram com ela começaram a precipitar-se por efeito da gravidade, atravessando a atmosfera com quase a mesma energia com que haviam sido lançados de Chicxulub, entre 7 mil e 40 mil km/hora. As partículas iluminaram o céu, como trilhões de meteoros, e aqueceram um grande volume da atmosfera a centenas de graus, antes de lentamente precipitar-se no solo e formar a camada observável hoje. A equipe de Melosh calcula que os detritos, ao reentrar na atmosfera, poderiam ter incendiado a vegetação sobre vastas extensões. Mas ninguém, em 1990, sabia a localização ou o porte preciso do impacto. Assim, a equipe não pôde determinar o nível do aquecimento ou a distribuição dos incêndios. Embora a fuligem tivesse sido encontrada em todo o mundo, os incêndios não teriam necessariamente ocorrido em todas as partes. Há chance de que a fuligem possa ter sido transportada pelo vento de diferentes pontos.

tribuição do material ejetado da cratera, e avaliar a extensão dos fogos. Nossos cálculos sugerem que algum material chegou a meio caminho da Lua, antes de cair de volta à Terra. E pouco mais de 10% desgarrou-se da gravidade terrestre, ejetado pelo Sistema Solar para, possivelmente, colidir com outros planetas. Da mesma maneira que rochas ejetadas de Marte e da Lua têm caído na Terra, ainda que os processos de ejeção, neste caso, sejam distintos. Os detritos aqueceram a atmosfera tão severamente que provocaram incêndios nas áreas sul e central da América do Norte, no centro da América do Sul, centro da África, subcontinente indiano e sudeste da Ásia que, devido à deriva continental, estavam em diferentes posições em relação às atuais. Dependendo da trajetória do asteroide ou do cometa que colidiu com a Terra, os incêndios podem também ter atingido outras partes da Ásia, possivelmente a Austrália, Antártida e Europa. Os dois piores lugares foram a região de Chicxulub e, ironicamente, o ponto mais afastado: a Índia, que há 65 milhões de anos, estava no lado oposto do planeta, em relação a Chicxulub, tornando-a um ponto focal dos detritos. Nas horas e dias que se seguiram, a rotação da Terra transportou as massas continentais para o leste, sob a saraivada de material ejetado. Assim, a onda global de incêndios mudou para a direção oeste, lentamente diminuindo de intensidade. Não importou se a vegetação crescia em ambiente seco ou pantanoso. As temperaturas elevadas permaneceram o bastante para que a umidade fosse eliminada da vegetação úmida, como ocorre com a madeira no interior de um forno e, então, incendiada. Os animais teriam experimentado pânico quando o céu começou a brilhar com detritos em queda, com as temperaturas em elevação? Ficaram imobilizados ou correram

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A QUEDA DE UMA CHUVA AZUL

LOGO DEPOIS DE MELOSH ter relatado seus achados, uma equipe de vários cientistas americanos, canadenses e mexicanos (incluindo um de nós, Kring) descobriu que Chicxulub é o local de impacto. Essa descoberta pôs fim ao debate sobre a causa básica da extinção. Desde então, a atenção dos pesquisadores tem-se voltado para os detalhes do evento. Em 2003, completamos um novo estudo dos incêndios. O conhecimento do local de impacto permitiu-nos reconstruir as trajetórias e dis-

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FONTE: DAVID A. KRING E DANIEL D. DURDA; LAURIE GRACE

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C E N A S D O PA S S A D O

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS, IMAGE ARCHIVES, DENVER MUSEUM OF NATURE E SCIENCE(SUPERIOR); DONNA BRAGINETZ(INFERIOR)

Parque CretĂĄceo ' `§Âž­D løĂ&#x;D³Îx ¸ ‰ ÂłD§ l¸ ÇxĂ&#x;Â&#x;¸l¸ `Ă&#x;xĂŽE`x¸j Ǹø`¸ D³Îxä l¸ impacto de um bĂłlido hĂĄ 65 milhĂľes de anos, era mais quente que o atual. Nenhum gelo cobria as regiĂľes polares, e alguns dinossauros migraram bem para o norte, atĂŠ o Alasca atual, e bem para o sul, atĂŠ as ilhas Seymour na AntĂĄrtida. Uma passagem marĂ­tima cortava a AmĂŠrica do Norte, unindo o Golfo do MĂŠxico com o oceano Ă rtico. Os ecossistemas variavam de pântanos a ‹ ¸Ă&#x;xäÎDä lx`Â&#x;løDäĂ? 'ä ÇD§x¸Užš§¸Â?¸ä ­DÇxDĂ&#x;D­ xääxä `xÂłEĂ&#x;ž¸ä ÂłD AmĂŠrica do Norte, onde os sedimentos continentais contendo fĂłsseis sĂŁo bem preservados. Pouco se sabe acerca da vegetação l¸ ‰ ÂłD§ l¸ Ă&#x;xĂŽE`x¸ x­ ¸øÎĂ&#x;Dä ÇDĂ&#x;ĂŽxä l¸ ­ø³l¸Ă? No que ĂŠ hoje o sul do Colorado, e norte do Novo MĂŠxico, `øĂ&#x;ä¸ä lĂœEÂ?øD ‹ øÂ&#x;D­ x­ ­xDÂłlĂ&#x;¸ä lxälx Dä $¸³ÎD³šDä 2¸`š¸äDäj que entĂŁo surgiam, atĂŠ a planĂ­cie costeira no leste. Charles L. Pillmore e seus colegas do U.S. Geological Survey mapearam vĂĄrios ambientes sedimentares, incluindo canais dos cursos d’ågua, depĂłsitos nas margens, planĂ­cies aluviais e pântanos. Usando folhas fĂłsseis nesses sedimentos, Jack Wolfe e Garland Upchurch do USGS mostraram que a vegetação era dominada por ĂĄrvores sempre-verdes, quase tropicais, de folhas largas, e que formavam matas de dossel aberto. %D EĂ&#x;xD Ă”øx š¸¼x äT¸ Dä DŒ¸ÎDäj !žĂ&#x;ÂŚ 2Ă? ¸Âš³ä¸³j l¸ x³ÞxĂ&#x; Museum of Nature and Science, encontrou folhas fĂłsseis sugerindo que a vegetação foi dominada por angiospermas ÉǧD³ÎDä `¸­ ‹ ¸Ă&#x;ĂŠj D ­Dž¸Ă&#x;žD lx ÇxĂ”øxÂłDä EĂ&#x;Þ¸Ă&#x;xä D EĂ&#x;Þ¸Ă&#x;xä ­ylžDäĂ? $Džä D¸ ³¸Ă&#x;ĂŽxj =¸§Â…x x 7Ç`šøĂ&#x;`š D‰ Ă&#x;­D­ Ă”øx Dä `¸³lžcÆxä xĂ&#x;D­ ­Džä ڭžlDäj äøǸĂ&#x;ĂŽDÂłl¸ ø­D ‹ ¸Ă&#x;xäÎD lx äx­Â? ÇĂ&#x;xÂ?ĂžxĂ&#x;lx lx Â…¸§ÂšDä §DĂ&#x;Â?DäĂ? ‹ ¸Ă&#x;xäÎD xĂ&#x;D ­Džä lx³äD x ¸ l¸ääx§ provavelmente fechado em algumas ĂĄreas. Algumas tinham folhas largas com pontas pelas quais a ĂĄgua podia escorrer. Arthur Sweet do Geological Survey do CanadĂĄ e seus colegas mostraram que, x­ `¸³ÎĂ&#x;DäÎx `¸­ Dä ǧD³ÎDä lx ‹ ¸Ă&#x; Ă”øx l¸­ÂžÂłDĂ&#x;D­ ¸ä äÎDl¸ä Unidos, as conĂ­feras e outras assemelhadas eram as mais comuns ³¸ Ă”øx š¸¼x y D ‹ ¸Ă&#x;xäÎD l¸ ¸xäÎx l¸ DÂłDlEĂ? – D.A.K. e D.D.D.

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em direção Ă ĂĄgua por exemplo? Na verdade, a maioria dos animais teria caĂ­do inconsciente com a elevação das temperaturas e nĂŁo sentiram o fogo engolindo a vegatação rasteira e as ĂĄrvores ao redor. AlĂŠm de devastar orestas, os incĂŞndios produziram uma pesada poluição do ar. Fuligem e poeira geradas pelo impacto sufocaram o cĂŠu sobre o planeta inteiro, tornando-o impermeĂĄvel Ă luz do Sol. Alguns cĂĄlculos sugerem que a superfĂ­cie do planeta ďŹ cou tĂŁo escura quanto uma caverna sem luz, embora a medida exata desse escurecimento permaneça incerta. De qualquer maneira, as plantas fotossintĂŠticas morreram, e as cadeias alimentares entraram em colapso, mesmo nas ĂĄreas intocadas pelas queimadas, como mares e ocanos. Essa fase tem sido comparada ao “inverno nuclearâ€?, um perĂ­odo frio, sugerido por algumas modelagens, que pode seguir-se a uma guerra nuclear. A poeira levou meses para precipitar-se, provavelmente caindo como chuva azul, similar Ă chuva azul rica em cinzas, vista apĂłs erupçþes vulcânicas. Usando os incĂŞndios orestais modernos como guia, estimamos que os impactos tambĂŠm liberaram 10 trilhĂľes de toneladas de diĂłxido de

carbono, 100 bilhþes de toneladas de monóxido de carbono e 100 bilhþes de toneladas de metano, uma quantia de carbono equivalente a três mil anos de queima de modernos combustíveis fósseis. Portanto, as condiçþes escuras e invernais foram seguidas por um intervalo de efeito estufa. O fogo tambÊm liberou gases debilitantes, como pirotoxinas, cloro e bromo, os dois últimos destruidores da camada de ozônio. O DIA SEGUINTE

O REGISTRO FĂ“SSIL CONTÉM PADRĂ•ES de distĂşrbios ecolĂłgicos que combinam com o que se esperaria do maior de todos os incĂŞndios naturais. Nos sedimentos depositados imediatamente apĂłs o impacto existe uma clĂĄssica assinatura biolĂłgica do fogo: uma concentração anormalmente alta de esporos de samambaia, identiďŹ cadas por Robert H. Tschudy e seus colegas do U.S. Geological Survey. Samambaias (Cyathidites) foram a primeira espĂŠcie de planta a recobrir a paisagem nua – expressando o mesmo comportamento que exibe ainda hoje, quando orestas sĂŁo queimadas. As samambaias, Ă s vezes, ocorreram junto com uma planta de or polinizada

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A EXTINÇÃO EM MASSA pelo impacto de Chicxulub deixou restos preservados como uma camada levemente colorida de argila com o dobro da espessura de um canivete suíço (acima). Um dos autores (Kring) aponta para esta camada nas rochas na Bacia do Raton, no sudoeste dos Estados Unidos (esquerda).

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pelo vento, Ulmodeipites. Em alguns ecossistemas sem samambaias, florescimentos de algas dominaram o ambiente pós-impacto. Nos sedimentos depositados no que é hoje o Colorado e Montana, Iain Gilmour e seus colegas da Open University, na Inglaterra, encontraram sinais identificadores químicos e isotópicos de bactérias oxidantes de metano – sinal de que a perda de tanta vida pode ter criado temporariamente condições anóxicas, ou carentes de oxigênio, em pequenos ecossistemas de água doce. Embora o sucesso dessas bactérias não seja uma assinatura do fogo em si, indica a extensão e imprevisibilidade da morte, que exige um processo como um conflito global para explicar. Pode-se perguntar como alguma vida conseguiu sobreviver a esse inferno. Um fator fundamental para isso foi a distribuição desigual do incêndio. As simulações indicam, e os paleobotânicos confirmam, que a América do Norte mais setentrional e a Europa escaparam do pior da devastação. Onde estão agora os territórios de noroeste, Arthur Sweet, do Geological Survey do Canadá, descobriu que a abundância de pólen de gimnospermas, as coníferas e suas aparentadas, decresceu dramaticamente mas não foi a zero. Assim, parte do dossel da floresta sobreviveu aos incêndios mesmo em casos em que o fogo consumiu a vegetação rasteira, principalmente de angiospermas, as plantas com flor. Nessas e outras regiões comparativamente sem danos, o calor foi menos intenso, portanto brejos ou margens de pântanos ofereceram às plantas e animais alguma proteção. Com base no estudo das plantas fósseis, esporos e pólen, Kirk R. Johnson, do Denver Museum of Nature and Science, e seus colegas concluíram que 51% das espécies de angiospermas, 36% das gimnospermas e 25% das samambaias e associados foram extintos na América do Norte. O pólen fóssil e as folhas sugerem que as árvores decíduas [que perdem

as folhas no período de seca] sobreviveram melhor que as sempre-verdes, talvez porque pudessem permanecer dormentes. Árvores polinizadas pelo vento também parecem ter sobrevivido melhor, porque podem prosperar mesmo que os animais polinizadores tenham sido exterminados. Conrad C. Labandeira, do Smithsonian Institution, e seus associados mostraram que muitos insetos desapareceram ou foram extintos, fundamentando suas conclusões em uma dramática queda da frequência de folhas danificadas por insetos, no registro fóssil da Dakota do Norte, que escapou do efeito direto do impacto. Sweet mostrou que o ecossistema “sobrevivente” inicial, dominado pelas espécies mais robustas, cedeu lugar a um ecossistema “oportunista”, composto por um tipo diferente de samambaias (Laevigatosporites) e diferentes tipos de plantas de flor que puderam beneficiar-se de uma tábula rasa, do ponto de vista ecológico. Juntas, essas plantas produziram uma cobertura herbácea do solo. No estágio final da recuperação, o dossel da floresta voltou. Com base nas observações de florestas modernas, o reflorescimento levou 100 anos. Tanto Sweet como Upchurch argumentam que o processo foi, de fato, muito mais lento – levando até 10 mil anos, a julgar pela taxa de ocorrência das plantas fósseis nos sedimentos pós-impacto. Outra medida do tempo de recuperação do grande incêndio planetário é a resposta do ciclo global do carbono. A perda de florestas, que contêm mais de 80% do carbono acima da superfície, pelo menos hoje, e a emissão de dióxido de carbono dos incêndios e calcário vaporizado no local do impacto aumentaram significativamente a quantidade de carbono na atmosfera. Numa análise isotópica de sedimentos depositados após o impacto, Nan C. Arens, da University of California em

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DANIEL D. DURDA (ESQUERDA); DAVID A. KRING (CENTRO E DIREITA); WENDY S. WOLBACH DE PAUL UNIVERSITY (DETALHE)

R O


Camada superior

Camada inferior

D

XISTO DO CRETÁCEO

I N

À direita, uma visão detalhada dessa camada mostra duas subcamadas. A inferior aparece apenas em sítios próximos ao impacto e é formada por rochas fundidas ejetadas da cratera. A camada superior contém restos que se projetaram no espaço e retornaram à superfície

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Berkeley, e A. Hope Jahren, da Johns Hopkins University, concluíram que pode ter levado 130 mil anos para o ciclo do carbono voltar ao equilíbrio em ambientes continentais. No ambiente marinho, Steven L. D’Hondt, da University of Rhode Island, e outros pesquisadores sugerem que foi necessário um período de três milhões de anos para o fluxo de material orgânico no mar profundo recuperar a normalidade.

e incontáveis organismos individuais tenham sido perdidos, algumas formas de vida sobreviveram e proliferaram. O impacto abriu nichos ecológicos para a evolução dos mamíferos, o que, mais tarde, levou ao desenvolvimento de nossa própria espécie. Neste sentido, a cratera de Chicxulub é o cadinho da evolução humana. David A. Kring e Daniel D. Durda se encontraram quando ambos trabalhavam na University of Arizona. Kring pertencia à equipe que atribuiu a cratera de Chicxulub a um impacto e ligou-a à extinção em massa do Cretáceo/Terciário. Durda estudava a evolução dinâmica e por colisão de asteroides. Combinando suas especializações, elaboraram a ÒrÂæù§Z D fr rèr§Ü«Ò Âær frèr ÜrÍ «Z«ÍÍ f« DµþÒ « Z «Âær» 3ræ ZD¡µ« {Dè«Í Ü« fr ZD]D ÷ D Barringer Meteorite Crater (também chamada Meteor Crater) no Arizona, o local de impacto mais bem preservado no mundo. Durda está agora no Southwest Research Institute em Boulder, Colorado. Ele também é um conhecido artista astronômico.

PRIMAVERA SILENCIOSA

O MUNDO, DEPOIS DO IMPACTO de Chicxulub, transformou-se profundamente. Temos todos sido transportados magicamente à Amazônia e a outras florestas pelas gravações de áudio de aves, insetos e macacos. Se tivéssemos uma gravação do Cretáceo, poderíamos ouvir dinossauros se movimentando através dos arbustos, as chamadas entre eles e o zumbido de insetos. Os mamíferos estariam relativamente quietos, apenas farfalhando as folhas, como as toupeiras de hoje. Mas nos meses que se seguiram ao impacto, o mundo estaria mais silencioso. Vento, água corrente e chuva dominavam o ambiente sonoro. Gradualmente, os insetos, e depois os mamíferos, poderiam ser ouvidos novamente. Centenas de anos, ou mesmo centenas de milhares de anos, seriam necessários para o ecossistema construir novas e robustas arquiteturas. A tempestade de fogo criada pelo impacto de Chicxulub e a poluição que se seguiu foram devastadoras. Mas foi provavelmente a combinação de diferentes efeitos ambientais que se mostrou mortífera. Eles atacaram distintos ecossistemas de muitas formas em variadas escalas de tempo, de dias para a reentrada do material ejetado, a meses para a poeira na estratosfera, e a anos para os aerossóis de ácido sulfúrico. A diversidade da vida foi a sua salvação. Embora múltiplas espécies

PA R A C O N H E C E R M A I S

Trajectories and distribution of material ejected from the Chicxulub Impact àDïyài ®È¨ `Dï ¹´å ¹à ȹåï ®ÈD`ï Ā ¨m àyåÎ David A. Kring e Daniel D. Durda em Journal of Geophysical Research, Vol. 107, Nº E8, págs 6.1-6.22, agosto de 2002. Night Comes to the Cretaceous. James Lawrence Powell. W.H. Freeman and Company, 1998. T. Rex and the crater of doom. Walter Alvarez. Princeton University Press, 1997. Extinction: Bad genes or bad luck? David M. Raup. W.W Norton, 1991. $D¦¹à Ā ¨m àyå Dï ï y àyïD`y¹ùåë5yàï DàĂ U¹ù´mDàĂÎ Wendy S. Wolbach, Iain Gilmour e Edward Anders em Global Catastrophes in Earth History. Organizado por Virgil L. Sharpton e Peter D. Ward. Geological Society of America Special Paper 247, julho de 1991.

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ALMOÇO COLETIVO: Um bando de dinossauros Kosmoceratops se alimenta entre ciprestes há 76 milhões anos, num pântano primordial na parte sul do atual estado de Utah.

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ECOLOGIA

DINOSSAUROS DO CONTINENTE PERDIDO O oeste americano abrigou, em certa época, várias comunidades de dinossauros simultaneamente — revelação que provocou uma corrida de cientistas para entender como a região teria suportado tantos animais gigantes Por Scott D. Sampson

Ilustração por James Gurney

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UMA FRIA MANHÃ DE SETEMBRO DE 2010 MINHA EQUIPE E EU COMEÇAMOS NOSSA descida diária do acampamento às profundezas do tempo, caminhando em fila indiana pela borda estreita e abrupta da cadeia de arenito e argila no Grand Staircase-Escalante National Monument no sul do estado de Utah. Cada um de nós transportava água, uma caderneta de campo, almoço, um martelo para pedra e outras ferramentas de mão. Ferramentas e materiais mais pesados — serras para cortar pedra, picaretas, pás, sacos de gesso e tiras de aniagem — nos aguardavam a 800 metros de distância no local da escavação. Mesmo do topo da colina podia-se ver claramente as capas de gesso que revestiam as peças lá embaixo — faróis de alabastro nas desabitadas terras desérticas listradas de cinza. Alguns dos blocos irregulares não eram muito maiores que um pão. Outros chegavam a três metros e pesavam mais de uma tonelada. Todos continham restos de ossos de animais que coexistiram aqui há 76 milhões anos.

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Durante duas temporadas de campo esse único sítio de escavação — um de muitos nas rochas ricas em fósseis da formação Kaiparowits — havia produzido um conjunto surpreendente de seres, incluindo vários dinossauros. O mais impressionante era o esqueleto praticamente completo de um Gryposaurus, herbívoro massivo com bico de pato, quase do porte de um tiranossauro. A equipe trabalhava sob pressão para terminar de escavar os fósseis restantes antes da chegada, em poucos dias, do helicóptero que transportaria a preciosa carga para uma rodovia próxima. De lá, os fósseis seguiriam viagem por caminhão para o Museu de História Natural de Utah, em Salt Lake City, onde voluntários treinados abririam meticulosamente os invólucros, removeriam as rochas e colariam os ossos de volta, numa operação de meses. Numa pausa na borda de arenito para apreciar a vista que se descortinava abaixo, imaginei pela milésima vez como esse lugar teria sido quando os dinossauros vagavam por lá. Naquela época, a maior parte do território era uma imensa várzea alagada. Rios preguiçosos serpenteavam pelas montanhas a oeste por uma paisagem verdejante pontilhada de lagoas e lagos. Ciprestes cresciam opulentos nas planícies pantanosas. Em locais menos alagados cresciam florestas de coníferas e árvores flo-

ridas. Trepadeiras pendiam dos galhos das árvores e o zumbido de insetos enchia o ar úmido. O cenário deveria evocar os atuais pântanos do norte da Louisiana — mas incluindo mais de uma dezena de espécies de dinossauros: de hadrossauros herbívoros com bico de pato e dinossauros com chifres (chamados ceratopsídeos) a dromeossauros, carnívoros com garras curvas, e um tipo de tiranossauro gigante. Nos últimos 14 anos nossas escavações nessa região remota — um projeto conjunto do Museu de Utah, do Bureau de Gerenciamento da Terra e do Museu da Natureza & Ciência de Denver — abriram uma janela fascinante sobre a mistura de espécies de dinossauros que viveram durante o chamado Estágio Campaniano do Cretáceo Superior, entre 83,5 milhões e 70,6 milhões anos, um período em que os dinossauros vivenciaram talvez seu maior florescimento. Em certo sentido, o conjunto fóssil Kaiparowits é comum, preservando os mesmos grupos de grandes dinossauros desenterrados de sedimentos de mesma época mais ao norte, em Montana, e em Alberta, no Canadá. No entanto, as espécies peculiares de Kaiparowits são únicas, com muitos espécimes de grande porte — descobertas que estão nos forçando a reavaliar boa parte de nosso conhecimento sobre a evolução e ecologia dos dinossauros.

EM SÍNTESE Entre 90 milhões e 70 milhões anos, durante o período Cretáceo Superior, um mar raso inundava a região central da América do Norte, subdividindo o continente em dois: oriental e ocidental. Cientistas referem-se ao território ocidental como Laramídia. Na década de 80 um

pesquisador propôs que comunidades distintas de dinossauros habitaram as regiões norte e sul de Laramídia por vários milhões de anos. No entanto, críticos duvidavam que tantos animais de grande porte pudessem partilhar uma área relativamente pequena. Mas, ao

longo da última década, descobertas no sul de Utah reforçaram a ideia de comunidades distintas de dinossauros no norïy y ´¹ åù¨j àyÿy¨D´m¹ ù®D ´ ´ mDmy my novas espécies para a ciência — incluindo muitas variedades gigantes. O que exatamente permitiu que tantos gigan-

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tes coexistissem num território reduzido ainda é um mistério, mas pode ser que dinossauros consumissem menos energia que os grandes animais terrestres atuais. Ou que a vegetação do Cretáceo Superior fornecesse mais alimentos que suas contrapartidas modernas.


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RICK WICKER Denver Museum of Nature & Science (1); CORTESIA DE MARK LOEWEN Natural History Museum of Utah (2 e 3).

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MONTANHA ACIMA: Membros da equipe do autor caminham pela crista de uma cordilheira nas terras áridas da formação Kaiparowits, no Grand Staircase-Escalante National Monument, em Utah (1), onde descobriram restos de várias novas espécies de dinossauros. Fósseis como esse crânio de Kosmoceratops são transportados para o Natural History Museum of Utah, onde são limpos e remontados por voluntários (2). Espécies encontradas nessa área incluem outro dinossauro com chifres, o Utahceratops (3).

SUL VERSUS NORTE

Dinossauros, plantas e outros organismos que recuperamos em Kaiparowits viveram em Laramídia — território com menos de um quinto do total do continente. A partir dos anos 60, caçadores de fósseis que trabalhavam no Interior Ocidental começaram a notar que dinossauros do Cretáceo Superior encontrados em Montana e Alberta pertenciam a espécies distintas das recuperadas em rochas de mesma idade, mais ao sul, em locais como

NO PERÍODO FINAL DO CRETÁCEO a Terra parecia uma grande estufa. Nos polos, não havia calotas polares, e o nível global do oceano era extremamente alto. Um mar morno, de água salgada, o Mar Interior Ocidental, inundava a região central da América do Norte, conectando o oceano Ártico ao golfo do México e dividindo o continente em duas partes oriental e ocidental: Appalachia e Laramídia respectivamente.

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Novo México e Texas. Na década de 80, Thomas Lehman, da Texas Tech University, analisou as ocorrências geográficas de dinossauros e de outros vertebrados em Laramídia e encontrou evidências de diferenças entre os grupos do norte e do sul nos últimos 15 milhões de anos do período Cretáceo, incluindo o Estágio Campaniano. Sem qualquer indicação de uma barreira física para a dispersão norte-sul, Lehman supôs que um gradiente latitudinal do clima teria criado comunidades distintas de flora e fauna, incluindo um bando de dinossauros de grande porte. Sua teoria era ousada. Alguns pesquisadores questionaram a possibilidade de várias comunidades de dinossauros terem coexistido no pequeno território de Laramídia. Aparentemente, era impossível que tantos tipos de gigantes pudessem ter compartilhado uma área tão pequena. Críticos da hipótese de Lehman consideravam que qualquer provincianismo aparente seria ilusório, resultado da amostragem desbalanceada de fósseis ao longo do tempo. Considerando que o Cretáceo Superior abrange vários milhões de anos, eles acreditavam que talvez paleontólogos trabalhando em diferentes latitudes do Interior Ocidental tenham, na verdade, “viajado no tempo” e parado em diferentes períodos. Nesse caso, essa amostragem desequilibrada ao longo do tempo poderia gerar a percepção de diferentes comunidades contemporâneas de animais, mesmo que apenas um grupo cosmopolita de dinossauros tenha existido em Laramídia, em qualquer momento geológico. Por outro lado, observavam os céticos, comunidades aparentemente distintas de dinossauros poderiam ter resultado da pobre amostragem geográfica. Até recentemente, a grande maioria dos dinossauros de Laramídia era conhecida no norte, principalmente em Alberta e Montana. Uma amostragem mais completa de dinossauros de Laramídia, mais ao sul, talvez revelasse uma única comunidade, amplamente disseminada. Essas questões permaneciam sem solução quando meus colegas e eu começamos nosso trabalho no sul de Utah, em 2000. Os fósseis que recuperamos do Grand Staircase-Escalante percorreram um longo caminho até preencher a lacuna dos dinossauros do sul, em Laramídia, e reforçar a teoria de Lehman. A datação dos fósseis foi fundamental para confirmar se existiram comunidades distintas contemporâneas de dinossauros ao norte e ao sul. Eric M. Roberts, da James Cook University, na Austrália, geólogo da equipe, encontrou camadas de cinzas vulcânicas espalhadas em todos os estratos de Kaiparowits que datou, usando técnicas radiométricas. Os resultados indicaram que a zona quente, rica em fósseis, mais importante foi formada ao longo de um período de 1 milhão de anos, entre 76,5 milhões e 75,5 milhões. A comparação das datas dessas cinzas com as de outras formações de Laramídia revelou que a formação Kaiparowits teve uma sobreposição temporal acentuada com a formação Dinosaur Park de Alberta. Dispúnhamos então de fortes evidências de que pelo menos um par dos grupos de dinossauro do norte e do sul viveram simultaneamente.

voros de pequeno e médio porte, como o oviraptorssauro Hagryphus e o troodonte Talos rondavam pelo antigo Utah, os mesmos grupos foram representados, respectivamente pelos Chirostenotes e Troodon, ao norte, em Alberta. Da mesma forma, enquanto um tiranossauro de grande porte e focinho curto chamado Teratophoneus era o carnívoro terrestre no topo da cadeia na região de Utah, outros tiranossauros, como o gorgossauro, ocupavam essa posição no norte. Dinossauros herbívoros da formação Kaiparowits também são diferentes das formas do norte. Uma delas é o parassaurolofo — hadrossauro esquisito com uma longa crista tubular no alto da cabeça. Três espécies de parassaurolofo foram encontradas anteriormente, uma em Alberta e duas no Novo México. As espécies de Utah parecem ser totalmente novas para a ciência. Esse padrão se repete entre os ceratopsídeos. Uma espécie que denominamos Utahceratops, tem crânio alongado em forma de leque de aproximadamente dois metros de comprimento. Uma segunda espécie, o Kosmoceratops, exibe crânio curto em forma de leque guarnecido nas extremidades com 15 chifres, mais que qualquer outro dinossauro. Enquanto Utahceratops, Kosmoceratops e um terceiro dinossauro ceratopsídeo, o Nasutoceratops, pastavam em Utah, diferentes espécies de dinossauros com chifres mastigavam ruidosamente suas refeições no norte. O recém-descoberto grupo de dinossauros de Kaiparowits, no Grand Staircase-Escalante é, sem dúvida, a mais forte evidência de comunidades isoladas de dinossauros em Laramídia. Embora os mesmos grandes grupos de dinossauros tenham ocorrido tanto no norte como no sul, as espécies nortista e sulista eram diferentes. Mas nenhuma das mais de 50 espécies de dinossauros do Campaniano em diversas formações pode ser garantidamente colocada tanto no norte como no sul. Essas descobertas efetivamente refutam a possibilidade de que grupos distintos do norte e do sul sejam simplesmente consequência de amostragem temporal ou geográfica incompleta. Por isso, devemos encarar o fato de que pelo menos duas comunidades de dinossauros coexistiram nessa região durante aproximadamente 1 milhão de anos do Campaniano tardio. TERRA DE GIGANTES

O FATO DE MUITOS DINOSSAUROS dessas duas comunidades serem gigantes aumenta o mistério de Laramídia. Estudos de mamíferos terrestres modernos mostram estreita relação entre máximo tamanho corporal e área de ocupação. Formas de grande porte tendem a se espalhar mais, como indivíduos e como espécies, porque animais de grande porte precisam de áreas maiores para se alimentar. Por isso mesmo, espécies em territórios mais amplos tendem a ter menor densidade populacional. O máximo tamanho corporal de espécies de mamíferos terrestres gigantes reflete então um equilíbrio entre manter a densidade populacional baixa o bastante para evitar a exploração excessiva de fontes de alimentos, mas ainda alta para impedir a extinção. Basicamente, os limites superiores, tanto do tamanho corporal como da diversidade de espécies entre megavertebrados são limitados por uma combinação entre fisiologia (taxas metabólicas mais altas requerem maior consumo de alimentos), disponibilidade de alimentos e de áreas de ocupação, territórios mais extensos quase sempre suportam mais espécies de grande porte. Essa relação impõe exigências mais severas sobre carnívoros de grande porte, que devem manter territórios relativamente maiores que herbívoros, porque apenas uma pequena fração da provisão total de energia de um ecossistema chega ao topo da cadeia alimentar. Em princípio, dinossauros gigantes deveriam ter seguido um padrão semelhante ao dos grandes mamíferos terrestres atuais, com poucas espécies no território relativamente pequeno de Laramídia. No entanto, consideradas no conjunto, as comunidades de animais representadas na formação Kaiparowits e na formação Dinosaur Park contêm, pelo menos,

IDENTIDADE CONFUSA

O PASSO SEGUINTE FOI AVALIAR se os próprios dinossauros do norte e do sul eram diferentes. Das 17 variedades de dinossauro que a equipe havia recuperado até então, de um intervalo de 1 milhão de anos, 13 estavam suficientemente completos para permitir identificação em termos de espécie. Apenas uma — o hadrossauro bico de pato do gênero Gryposaurus — provavelmente estava presente mais ao norte. Essa espécie é muito semelhante ao Gryposaurus notabilis de Alberta, mas atualmente a identificação é incerta, e investigações tentam avaliar se a nossa é uma espécie distinta. Exceto esse único ponto de interrogação, o cenário descortinado é claro. Todas as outras espécies de dinossauros de Kaiparowits, identificadas até o momento, diferem das encontrados mais ao norte. Quando carní-

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D E S C O B E R TA S

Diversidade de Dinossauros Entre cerca de 90 milhões e 70 milhões de anos, durante o Cretáceo Superior, um mar interior isolava a parte ocidental do que é atualmente a América do Norte, transformando essa faixa num território chamado Laramídia. Pesquisadores observaram há muito tempo que o norte e o sul de Laramídia parecem ter abrigado diferentes comunidades de dinossauros e outros animais. Mas os críticos questionam se o padrão não poderia ter resultado de amostragem desigual de fósseis ao longo do tempo e do espaço. Fósseis descobertos recentemente na formação

Kaiparowits, do Grand Staircase-Escalante National Monument, revelaram um grupo até então desconhecido de espécies de dinossauros que viveram simultaneamente com um grupo diferente, mais ao norte, reforçando a teoria de comunidades distintas de dinossauros ao norte e ao sul de Laramídia. A natureza da barreira que separava essas populações de dinossauros permanece um mistério. O mapa mostra alguns dinossauros com chifres (representados por seus crânios) desses grupos do norte e do sul.

Formação Dinosaur Park Vagaceratops irvinensis

D I

Chasmosaurus belli

N O S

te r In Ma

Chasmosaurus russelli

Laramidia

S A

l enta Ocid rior

Mojoceratops perifania

R O

Formação FruitlandKirtland

Formação Kaiparowits

Pentaceratops sternbergii

Kosmoceratops richardsoni

GEORGE RETSECK (mapa); ADAPTADO DE RON BLAKEY Northern Arizona University.

U

Appalachia

Utahceratops gettyi

Formação Aguja

Nasutoceratops

Agujaceratops mariscalensis

17 a 20 espécies contemporâneas de dinossauros gigantes — isto é, espécimes com massa corporal adulta de mais de 1 tonelada — muitos deles pesando mais de 2 toneladas. Pelos padrões modernos, esse cenário parece muito estranho. Atualmente, o único lugar na Terra onde se pode encontrar uma grande variedade de gigantes é a África, que abriga seis mamíferos com massa corporal média de mais de 1 tonelada, todos herbívoros: girafa, hipopótamo (que passa a maior parte do tempo na

água, e não em terra) e duas espécies cada de elefantes e rinocerontes. É verdade que, no passado, a África e outras regiões abrigaram espécies terrestres maiores. Durante o Pleistoceno Inferior, entre cerca de 2,5 milhões e 2 milhões de anos, por exemplo, viviam na África aproximadamente 16 mamíferos mega-herbívoros: múltiplas variedades de girafas, elefantes, hipopótamos e rinocerontes, além de vários tipos de antílopes de grande porte que pesavam quase 1 tonelada.

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S 1


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Mas muitas evidências indicam que o exemplo de dinossauro da Laramídia é excepcional. Em primeiro lugar, Laramídia se estendia por menos de um quinto do tamanho da África no Pleistoceno; logo esses 17 a 20 dinossauros gigantes foram confinados numa área muito menor que sua contrapartida de mamíferos. Além disso, inúmeras evidências de acúmulo de mortes em massa, ou leitos de ossos, indicam que muitas espécies de hadrossauros e ceratopsídeos reuniam-se, durante pelo menos parte do ano, em grandes “rebanhos” com mais de centenas (talvez milhares) de animais. Em segundo lugar, ecossistemas dominados por mamíferos, do Pleistoceno em diante, contêm poucos carnívoros terrestres que chegam a 1 tonelada. Certamente, a evolução de mamíferos terrestres nunca produziu carnívoros que se aproximavam do porte de um tira-

nossauro. O leão, maior predador da África, normalmente pesa menos de 300 kg. Laramídia, ao contrário, foi o lar de pelo menos três tiranossauros gigantes, todos eles aparentemente com mais de 1 tonelada. Em terceiro lugar, enquanto paleontólogos encontraram fósseis do Pleistoceno Inferior, em vários países africanos, a amostragem atual em Laramídia está limitada a duas formações geológicas contemporâneas. Considerando que dinossauros de Laramídia parecem ter tido áreas de ocupação de espécies consideravelmente menores que os mamíferos terrestres modernos, com mínima sobreposição de comunidades contemporâneas, parece altamente provável que outros dinossauros tenham vivido nesses territórios durante o Campaniano. Se isso for confirmado, o número total de gigantes contemporâneos na Laramídia pode muito bem ter ultrapassado 20 espécies. Em resumo, novas evidências de Kaiparo-

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Em latitudes médias, como as ocupadas por grande parte da Laramídia, ao contrário, o clima era ameno e a estação de crescimento, longa. Na parte Oeste de Laramídia, cadeias de montanhas e rios multiplicaram o número de nichos disponíveis. Na parte Leste, o Mar Interior Ocidental amenizava as temperaturas, proporcionando uma importante fonte de precipitação. Ian Miller, paleobotânico do Denver Museum of Nature & Science, recuperou até agora mais de 100 variedades diferentes de vegetais nos estratos de Kaiparowits. Embora muito trabalho ainda precise ser feito, todos os indicadores sugerem que comunidades de dinossauros de Laramídia se desenvolveram graças à grande diversidade e abundância de vegetação. Descobrir se taxas metabólicas mais lentas ou aumento na oferta de alimentos foi o que levou os dinossauros a atingir proporções gigantescas e grande variedade de espécies ainda exigirá vários outros testes. Meu palpite é que os dois fatores estavam envolvidos. O que podemos afirmar com certeza é que o mundo estufa dos dinossauros era muito diferente do atual. Muitos dos grandes biomas de nosso mundo frio atual — pradarias, tundra e florestas tropicais, por exemplo — não existiam à época dos dinossauros, e ainda estamos tentando juntar, aos poucos, os conhecimentos básicos sobre a estufa de seus antepassados. A boa notícia é que a paleontologia está se tornando cada vez mais interdisciplinar — envolvendo colaborações com geólogos, paleoecólogos e paleoclimatologistas, para citar alguns — aumentando as chances de descobertas valiosas. Enquanto isso nosso trabalho na formação Kaiparowits, como qualquer pesquisa científica que se preze, está gerando mais perguntas que respostas. Quantas comunidades distintas de dinossauros existiram em qualquer dado momento no continente perdido de Laramídia? Qual a natureza da barreira que separava as comunidades do norte e do sul? Essa fronteira baseava-se apenas na variação climática entre o norte e o sul, como se pensava? Ou, como alguns geólogos suspeitam atualmente, era algum tipo de barreira física, talvez uma série de grandes rios que corriam das montanhas para o mar em latitudes do norte de Utah e do Colorado? É importante destacar uma implicação final intrigante. Se for confirmado que os dinossauros provavelmente tiveram áreas de ocupação de espécies muito menores que mamíferos de porte equivalente, a diversidade de espécies de dinossauros globalmente pode ter sido muito maior que se imaginava. Isso significa que deve haver muitos, mas muitos dinossauros estranhos e maravilhosos ainda enterrados por lá, esperando pacientemente serem descobertos.

INSTINTO ASSASSINO: Teratophoneus, um tipo de tiranossauro, derruba um hadrossauro bico de pato, conhecido como Gryposaurus. Restos dos dois tipos de dinossauros foram recuperados em depósitos no Grand Staircase-Escalante National Monument, datando de cerca de 76 milhões de anos.

wits sugerem fortemente que dinossauros superaram os limites de mamíferos conhecidos em riqueza de espécies de grande massa corporal. ESPAÇO RESTRITO

A COMPARAÇÃO ENTRE MAMÍFEROS gigantes africanos e dinossauros gigantes de Laramídia nos remete novamente à questão provocadora proposta por Lehman. Como dinossauros conseguiram acomodar tantas variedades de gigantes em uma área tão pequena? Ou esses dinossauros precisavam de menos alimentos que os gigantes modernos, ou os ambientes que habitavam produziam mais alimentos que atualmente, em assentamentos modernos. Cientistas discutem há muito tempo se o metabolismo dos dinossauros era mais parecido com o de ectotermos de sangue frio (como anfíbios e répteis) ou de endotermos de sangue quente (aves e mamíferos). Se suas taxas metabólicas estiverem entre as dos dois grupos, exigindo menor quantidade de energia que os grandes mamíferos, essa diferença pode ajudar a explicar como tantas espécies de grande porte coexistiram no território restrito de Laramídia. Pesquisas recentes realizadas por Brian K. McNab, da University of Florida, reforçam essa noção de dinossauros “sangue morno” — nem sangue frio, nem sangue quente, mas alguma coisa intermediária. McNab encontrou uma série de evidências indicando que o consumo relativamente baixo de energia dos dinossauros pode ter permitido que suas comunidades sustentassem biomassas até cinco vezes maiores que as de mamíferos herbívoros da África atual. Em contraposição, a vegetação do Cretáceo Superior — em relação aos ecossistemas terrestres atuais — pode ter oferecido aos megaherbívoros alimentos mais abundantes ou mais nutritivos, ou ambos. A diversidade e abundância da flora são controladas por fatores como precipitação de chuvas, temperatura, duração da estação de crescimento e disponibilidade de nichos. Atualmente, a maior diversidade e biomassa da vegetação tendem a ocorrer nos trópicos, mas durante o Cretáceo Superior as altas temperaturas do mundo-estufa podem ter limitado a diversidade da fauna e da flora na região equatorial.

Scott D. Sampson é vice-presidente de pesquisa e coleções, e curador-chefe do Denver Museum of Nature & Science. Tem liderado esforços para recuperar fósseis do Cretáceo Superior do Grand Staircase-Escalante National Monument, em Utah, desde 2000. É também Z«§Òæ Ü«Í Z r§Üû Z« f« ÒrÍ Df« Dinosaur Train do canal PBS KIDS, com participações ao vivo. PA R A C O N H E C E R M A I S

New horned dinosaurs from Utah provide evidence for intracontinental dinosaur endemism. Scott D. Sampson et al. em PLOS ONE, vol. 5, nº 9; 22 de setembro de 2010. Resources and energetics determined dinosaur maximal size. Bruce K. McNab em Proceedings of the National Academy of Sciences USA, vol. 106, nº 29, págs. 12184– 12188; 21 de julho de 2009. Dinosaur odyssey: Fossil threads in the web of life. Scott D. Sampson. University of California Press, 2009. Dinosaurs, dragons, and dwarfs: The evolution of maximal body size. Gary P. Burness, Jared Diamond e Timothy Flannery em Proceedings of the National Academy of Sciences USA, vol. 98, nº 25, págs. 14518–14523; 4 de dezembro de 2001.

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COLINAS ROCHOSAS preservam alguns dos fรณsseis mais antigos de vertebrados terrestres de Madagascar.


D I V E RS I DA D E

OS SEGREDOS MESOZOICOS DE MADAGASCAR A quarta maior ilha do mundo abriga fósseis que podem revolucionar opiniões científicas sobre as origens de dinossauros e mamíferos Por John J. Flynn e André R. Wyss

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RÊS SEMANAS APÓS O INÍCIO DE NOSSA PRIMEIRA EXPEDIÇÃO DE CAÇA A FÓSSEIS EM Madagascar, em 1996, começamos a temer que roupas sujas, cobertas de poeira, poderiam ser tudo o que teríamos a mostrar por nossos esforços. Havíamos descoberto apenas alguns dentes e ossos aleatórios, pois o terreno difícil e outros problemas logísticos dificultavam a busca. Com nossa temporada de trabalho em campo chegando ao fim, finalmente deparamos com uma pista animadora na parte sudoeste da ilha. Um mapa para turistas pendurado no centro de visitantes do Parque Nacional Isalo marcava um local chamado “o lugar de ossos de animais”. Pedimos a dois rapazes de um vilarejo vizinho que nos levassem até lá sem demora.

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benefícios científicos e educacionais, nossa parceria com a mais importante universidade do país facilitou a obtenção das licenças para coleta e exportação de material, requisitos indispensáveis em qualquer trabalho paleontológico de campo. Mas não demorou e começamos a encontrar obstáculos logísticos que certamente haviam contribuído para fracassos anteriores em encontrar fósseis antigos na ilha. Os depósitos mesozoicos, no oeste de Madagascar, estão espalhados por uma área aproximadamente igual à da Califórnia [cerca de 424 mil km2]. Séculos de viagens a pé ou com carros de boi esculpiram as únicas trilhas de acesso a áreas remotas, e a maioria delas é intransitável até pelos mais resistentes veículos com tração nas quatro rodas. Tivemos de transportar a maior parte de nossos alimentos, inclusive centenas de quilos de arroz, feijão e carnes em conserva, da capital. Escassez de combustível às vezes restringia seriamente nossa mobilidade e nosso trabalho também foi frustrado por incêndios florestais, que ocorrem com frequência e se espalham de maneira descontrolada. Novos desafios surgiam inesperadamente, obrigando-nos a adaptar sempre nossos planos. SORTE ANTIGA

TALVEZ O DESAFIO MAIS INTIMIDANTE que enfrentamos ao tentar explorar uma região tão vasta foi decidir por onde começar. Felizmente, não estávamos planejando nossa busca às escuras. O trabalho de campo pioneiro de geólogos como Henri Besairie, que chefiou o Ministério das Minas de Madagascar em meados do século 20, nos forneceu mapas em grande escala das rochas mesozoicas da ilha. Esses estudos revelaram que uma combinação fortuita de fatores geológicos havia levado à formação de uma espessa camada de sedimentos sobre a maior parte das planícies do oeste malgaxe, dando-nos boas razões para acreditar que ossos e dentes antigos talvez estivessem incrustados e preservados ali. Ao alvorecer da era mesozoica, há 252 milhões de anos, teria sido possível caminhar de Madagascar para praticamente qualquer outra parte do mundo. Todas as massas terrestres do planeta estavam unidas no supercontinente Pangeia, e Madagascar se aninhava entre a costa ocidental do que hoje é a Índia e a costa leste da África atual [ver mapa ao lado]. O mundo de então era muito mais quente que agora, e até os polos estavam livres de gelo. Na região austral do supercontinente Gondwana, enormes rios fluíam para bacias em terras baixas, que acabariam dando

EM SÍNTESE No registro sedimentar de Madagascar, a equipe dos autores desenterrou o que inicialmente pareciam ser resquícios de dinossauros, mas que acabaram se revelando vestígios de uma espécie

muito antiga de um réptil anteriormente desconhecido. Seus dentes e parte do crânio se assemelham aos de dinossauros prossaurópodes, precursores dos gigantescos saurópodes de pesco-

ço longo, e sugerem que algumas características antes consideradas emblemáticas de dinossauros podem ter aparecido originalmente mais cedo que se acreditava. A equipe também

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descobriu fósseis de primos evolutivos de mamíferos que podem ter surgido milhões de anos antes que se supunha.

PÁGINAS ANTERIORES: MARIA STENZEL National Geographic Image Collection

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Nossas esperanças se dissiparam rapidamente quando percebemos que os desgastados resquícios de esqueletos expostos pela erosão na encosta da colina pertenciam a bovinos e outros animais da atualidade. Embora potencialmente interessante para arqueólogos, aquele lugar não prometia abrigar os espólios antigos que procurávamos. Mais tarde, ainda naquele dia, outro guia, acompanhado de uma dezena de crianças curiosas da aldeia, nos levou a uma segunda encosta, também pontilhada de ossos. Com grande empolgação avistamos dois fragmentos de mandíbulas, do tamanho de um polegar, que, sem dúvida, eram antigos. Pertenciam a primos há muito extintos de rincossauros, dinossauros munidos de uma espécie de bico de papagaio. Aqueles ossos se revelaram precursores de uma espetacular série de descobertas pré-históricas. Desde então, a quarta maior ilha do mundo tornou-se uma prolífica fonte de novas informações sobre animais que perambulavam por aquelas terras durante o Mesozoico, entre 252 milhões e 66 milhões de anos, quando dinossauros e mamíferos começaram a fazer suas estreias. Desenterramos ossos que pareciam ser de dinossauros primitivos e que suspeitamos serem mais antigos que quaisquer outros encontrados antes. Também geramos controvérsia com a descoberta de uma criatura parecida com um musaranho, que parece desafiar uma importante teoria da história dos mamíferos por estar no hemisfério “errado”. Esses e outros espécimes que coletamos ao longo de cinco temporadas de trabalho em campo nos permitiram começar a pintar um quadro da antiga Madagascar e delinear nossa estratégia para uma sexta expedição, em 2003. Grande parte de nossa pesquisa ao longo das últimas três décadas tem se concentrado em desvendar a história de animais terrestres nos continentes austrais. Essa iniciativa tem levado outros paleontólogos a regiões ricas em fósseis na África do Sul, no Brasil, na Antártida e na Índia. Em vez de explorar esses sítios bem estabelecidos em busca de novos achados, fomos atraídos para Madagascar: a ilha abriga vastas faixas de rochas da era Mesozoica, mas até recentemente poucos fósseis de vertebrados terrestres daquela época haviam sido descobertos ali. Por quê? Nosso palpite era que ninguém tinha procurado com persistência suficiente. Quando lançamos a expedição de 1996 nosso lema era persistência. Nossa equipe consistia em uma dezena de cientistas e estudantes americanos e da Universidade de Antananarivo, em Madagascar. Além de


M A PA S

Madagascar no Passado e Agora SĂ­tio JurĂĄssico: $DŽ †yà šü ĂŻĂ Â&#x;Ušü†{´Â&#x;`šü ĂˆĂ Â&#x;ÂŽÂ&#x;ĂŻÂ&#x;ÿšü

Pangeia: 0yà  šmš 5Ă Â&#x;EĂĽĂĽÂ&#x;`š ´Â†yĂ Â&#x;šà ʛE áŽĈ ÂŽÂ&#x;¨Â›Ă‡yĂĽ my D´šüĂ‹

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2š`›DĂĽ `š´ïy´mš †ºüüyÂ&#x;ĂĽ ÂŽDà ‘yÂ&#x;DÂŽ D Ă y‘Â&#x;Tš š`Â&#x;my´ïD¨ my $DmD‘DĂĽ`DĂ ĂŽ ¨DĂĽ ĂĽy †šà ŽDĂ DÂŽ my DĂ yÂ&#x;Dj ¨DÂŽD y Ă yüïšü š`DĂĽÂ&#x;š´DÂ&#x;ĂĽ my D´Â&#x;ÂŽDÂ&#x;ĂĽ Žšà ïšü Ă•Ăšy ĂĽy D`ڎڨDĂ DÂŽ yÂŽ ĂżD¨yĂĽ Ă•ĂšD´mš D Â&#x;¨Â›D `šŽycšÚ D ĂĽy ĂĽyĂˆDĂ DĂ mD †à Â&#x;`DĂŽ

SĂ­tio TriĂĄssico: Â&#x;´šüüDÚà š my

Ćy´mšÂ› (Azendohsaurus), Ă Â&#x;´`šüüDÚà šüj traversodontĂ­deos, `›Â&#x;´Â&#x;Ă•ښmš´ï myšü

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origem ao Canal de Moçambique, de cerca de 400 km de largura, que hoje separa Madagascar do leste da Ă frica. Essas gigantescas bacias representam a margem da enorme fratura geolĂłgica criada quando Madagascar começou a se separar da Ă frica, hĂĄ mais de 240 milhĂľes de anos. Esse processo aparentemente destrutivo, conhecido como rifting [fraturamento], ĂŠ uma forma extremamente eďŹ caz de acumulação de fĂłsseis. (De fato, muitos dos sĂ­tios mais importantes de fĂłsseis de vertebrados do mundo ocorrem em antigos locais de fraturas.) Os rios que uĂ­am para essas bacias carregavam lama, areia e, de vez em quando, carcaças ou ossos de animais mortos. Com o tempo, depositaram esse material em uma sequĂŞncia de vastas camadas sucessivas de sedimentos. O contĂ­nuo processo de fraturamento e massa sedimentar ďŹ zeram com que os leitos das bacias afundassem cada vez mais. Esse mecanismo de deposição persistiu por quase 100 milhĂľes de anos, atĂŠ que os leitos das bacias se aďŹ naram a ponto de romperem, e rochas derretidas ascenderam do interior do planeta para preencher essas ďŹ ssuras como nova crosta oceânica. AtĂŠ aquela altura, a Natureza havia proporcionado a Madagascar trĂŞs ingredientes fundamentais para a preservação de fĂłsseis: organismos mortos, cavidades em que eles podiam ser depositados (bacias de rifts) e materiais para cobri-los (lama e areia). Mas tambĂŠm eram necessĂĄrias condiçþes especiais para garantir que os fĂłsseis nĂŁo tivessem sido destruĂ­dos antes que pudessem ser encontrados, milhĂľes de anos mais tarde. Mais uma vez, circunstâncias geolĂłgicas se mostraram fortuitas. Ă€ medida que as massas terrestres recĂŠm-separadas da Ă frica e de Mada-

gascar se afastavam, suas linhas costeiras, carregadas de sedimentos, raramente experimentavam erupçþes vulcânicas ou outros fenĂ´menos que poderiam ter destruĂ­do fĂłsseis enterrados. Outro fator importante para a preservação de fĂłsseis ĂŠ que as antigas bacias de rifts acabaram concentradas no lado ocidental da ilha, atualmente pontilhado de orestas secas, savanas e arbustos desĂŠrticos. Em um ambiente mais Ăşmido, esses depĂłsitos teriam sido erodidos ou estariam ocultos sob uma densa vegetação, como a que cobre grande parte da costa oriental da ilha. ESFORÇO RECOMPENSADO

DE INĂ?CIO, MADAGASCAR CONTINUOU ligada Ă s outras massas terrestres de Gondwana: Ă?ndia, AustrĂĄlia, AntĂĄrtida e AmĂŠrica do Sul. Ela se tornou insular quando se separou da Ă?ndia, hĂĄ cerca de 90 milhĂľes de anos. Em algum momento, desde entĂŁo, a ilha adquiriu sua coleção de bizarras criaturas modernas, das quais os lĂŞmures sĂŁo as mais conhecidas. Durante mais de um sĂŠculo, pesquisadores se perguntaram hĂĄ quanto tempo essas criaturas modernas e seus ancestrais habitam a ilha. Descobertas reveladoras, feitas por outra equipe de paleontĂłlogos, indicam que quase todos os grandes grupos de vertebrados vivos chegaram a Madagascar a partir de algum momento perto do ďŹ m da era Mesozoica, hĂĄ 65 milhĂľes de anos (ver quadro Ă pĂĄg. 46). Nossas prĂłprias investigaçþes tĂŞm se concentrado em um intervalo de tempo mais antigo da histĂłria da ilha: os dois primeiros perĂ­odos da era Mesozoica. Uma das alegrias de trabalhar em terreno pouco conhecido tem sido que, quando conseguimos encontrar alguma coisa, sua importância

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TRABALHO DE CAMP O

Ossos Diminutos para Localizar

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Os três Land Rovers param enquanto John A sabedoria convencional sustenta que os Flynn e Weiss argumentam que algumas das Flynn consulta o dispositivo em sua mão. “O precursores de modernos mamíferos placentácaracterísticas usadas por esses pesquisadores GPS está contente?”, alguém lhe pergunta. ß ¸ä x ­DßäøÇ D ä äøß ßD­ ÔøDäx D¸ ³D§ l¸ ÇDßD § Dß ¸ä ­D­ x߸ä îß U¸ z³ `¸ä DøäîßD ä Flynn decide que está e a caravana prosseperíodo Jurássico no hemisfério norte, com aos monotremados podem ser semelhanças gue devagar através do mato, seguindo por base em idades e localizações dos vestígios primitivas e, portanto, não são indicativas de trilhas normalmente transitadas por carros mais antigos dessas criaturas parecidas com um parentesco evolutivo muito próximo. de boi. Estamos viajando desde as 7h00 desmusaranhos, caracterizadas por chamados Como acontece com tantos outros debata manhã, quando deixamos Antananarivo, a ­¸§Dßxä îß U¸ä z³ `¸äÍ %¸ x³îD³î¸j D ­D³l Uø§D tes em paleontologia, grande parte da controcapital de Madagascar. Agora, com o céu malgaxe, que Flynn e Wyss atribuíram a um vérsia sobre quando e onde esses grupos de Dąø§ lx ­ lD îDßlx î ³ ³l¸ äx lx `¸ß lx ³¸þ¸ z³x߸ x xäÇy` xj Ambondro mahabo, tem mamíferos apareceram originalmente resulta -rosa e malva, o grupo está ansioso para lx³îxä îß U¸ä z³ `¸ä x ßx­¸³îD D `xß`D lx ¿éè do fato de terem sido encontrados poucos encontrar um lugar adequado para montar milhões de anos, ao Jurássico Médio. Assim, o ossos antigos. Com sorte, o trabalho de campo acampamento. Um pequeno conjunto de ¹ää § lx§xä äø xßx Ôøx ­D­ x߸ä îß U¸ä z³ `¸ä dessa temporada ajudará a preencher lacunas casebres cobertos de sapé desponta à dissurgiram há pelo menos 25 milhões de anos no registro fóssil. Além disso, a recuperação de tância e Flynn envia uma turma de represen- antes do que se supunha e, possivelmente, se mais espécimes de A. mahabo ou fragmentos tantes a pé para perguntar aos moradores se originaram no hemisfério sul. de mamíferos previamente desconhecidos Ǹlx­¸ä D`D­ÇDß ³D EßxDÍ 1øD³l¸ ³D§ Ninguém contestou a idade de A. mahabo, poderia reforçar consideravelmente a teoria de mente chegamos à clareira próxima, os últimas nem todos concordam que a descoberta Flynn e Wyss a favor de uma única origem mos raios de luz do dia haviam desapareci ³l `D Ôøx ­D­ x߸ä îß U¸ä z³ `¸ä îx³ D­ äx austral para os ancestrais de modernos anido e armamos nossas barracas no escuro. originado no hemisfério sul. O especialista em mais placentários e marsupiais. Amanhã começa o verdadeiro trabalho. fósseis Zhe-Xi Luo, atualmente na University Na manhã seguinte, após um rápido desjeA expedição de 2000, formada por sete of Chicago, e vários de seus colegas sugeriram jum de pão, pasta de amendoim e café, retormalgaxes e seis americanos, e comandada que, em vez disso, A. mahabo e um fóssil igualnamos aos veículos, seguindo a trilha de migapelos paleontólogos John Flynn e André mente surpreendentemente de uma criatura lhas eletrônicas do GPS através da savana Wyss, atualmente no American Museum of da Austrália, chamada Ausktribosphenos nyktos, rumo a um sítio de fósseis que a equipe havia Natural History, em Nova York, e na Univerpodem representar uma segunda linhagem de lxä`¸Uxßî¸ D¸ ³D§ lx äøD xĀÇxl cT¸ D³îxß ¸ßÍ sity of California em Santa Barbara, respecti­D­ x߸ä îß U¸ä z³ `¸ä ø­D Ôøx lxø ¸ß Conjuntos de palmeiras doum (Hyphaene thevamente, veio para essa remota parte do gem aos monotremados que põem ovos. Mas baica) e espinhosas jujubeiras selvagens, chanoroeste de Madagascar em busmadas mokonazy no idioma malgaxe, ca de fósseis de mamíferos primipontilham a paisagem, que a estação tivos. Prospecções anteriores na da seca deixou em grande parte resseregião haviam revelado sedimen`DlDÍ 1øD³l¸ ³D§­x³îx ` x D­¸ä tos vermelhos e marrom-acinzenao destino, o agradável frescor da tados que remontavam ao Jurásmanhã já havia dado lugar a uma sico, aquele antigo período de temperatura tórrida. “Quando o vento tempo (há entre aproximadamenpara, tudo cozinha”, comenta William te 201 milhões e 145 milhões de Simpson, gerente de coleções do D³¸äÊ x­ Ôøx ­D­ xß¸ä ąxßD­ Museu Field de História Natural, em sua estreia. Entre os fósseis recuChicago, Illinois, besuntando seu rosto perados havia um diminuto fragcom protetor solar. De fato, as tempeMAMÍFERO de 10 cm de comprimento, Ambondro mahabo mento de mandíbula com granraturas ao meio-dia frequentemente viveu em Madagascar há cerca de 167 milhões de anos. des implicações. superam úmidos 320C.

científica é praticamente garantida. É por isso que nossas primeiras descobertas, próximas ao Parque Nacional Isalo, foram tão empolgantes. Ao entardecer daquele mesmo dia, em 1996, em que encontramos os fragmentos mandibulares de rincossauro, Léon Razafimanantsoa, à época estudante da Universidade de Antananarivo, avistou o crânio de uns 15 centímetros de comprimento de outra criatura interessante. Imediatamente

identificamos o animal como um herbívoro peculiar, nem mamífero nem réptil, chamado cinodonte traversodontídeo (ver ilustração à página 45). Os fragmentos de mandíbulas de rincossauro e o primoroso crânio de traversodontídeo — as primeiras descobertas significativas de nosso contínuo projeto americano-malgaxe — revigoraram a expedição. O primeiro fóssil é sempre o mais difícil de ser encontrado; agora podíamos

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FRANK IPPOLITO

0D§x¸³î¹§¸ ¸ä x³ ßx³îD­ ³`z³l ¸ä ¸ßxäîD äj ÇDßDä îDä x îx­ÇxßDîøßDä escaldantes em busca de antigos fósseis de mamíferos


JOHN J. FLYNN E SUSANA MAGALLON Museu Field de HistĂłria Natural

Flynn instrui o grupo a começar o trabalho na base da colina e ir subindo. Enquanto isso, ele e Wyss querem explorar o entorno, Ă pro`øĂ&#x;D lx ǸääÂ&#x;Ăžxžä D‹ ¸Ă&#x;D­x³Î¸ä Dlž`ž¸³Džä lx fĂłsseis. “Se surgir algo interessante, venham me buscarâ€?, recomenda. Munida de ferramentas chamadas sovelas e com os olhos a poucos centĂ­metros do chĂŁo, a equipe começa a inspecionar o terreno coberto de cascalho e pedras Ă procura de pequenos ossos, indĂ­cios de que delicados fĂłsseis de mamĂ­feros estĂŁo preservados abaixo. A turma engatinha e escorrega em sua busca, parando apenas para alguns goles de ĂĄgua morna de garrafas aquecidas pelo sol. Como fĂłsseis de mamĂ­feros primitivos sĂŁo muito pequenos (o fragmento de mandĂ­bula de A. mahabo, por exemplo, mede apenas 3,6 milĂ­metros de comprimento), o sacrifĂ­cio raramente resulta em recompensas imediatas. Quase sempre a equipe se limita a coletar sedimentos que podem conter fĂłsseis para enviar o material de volta aos Estados Unidos, onde serĂĄ examinado com todo o cuidado. Depois de algumas horas, eles haviam descoberto uma vĂŠrtebra “liliputianaâ€? e um frag­x³Î¸ lx Â…z­øĂ&#x; Dä ÇĂ&#x;ž­xžĂ&#x;Dä ž³lž`DcÆxä lx que os caçadores de fĂłsseis estĂŁo no caminho certo, que descobriram algo de valor. â€œĂ‰ uma grande ‘caça a ovos de PĂĄscoa’â€?, graceja Wyss. “Os ovos estĂŁo muito bem escondidos, mas sabemos que eles estĂŁo por aĂ­ afora.â€? %¸ ĂŽxĂ&#x;`xžĂ&#x;¸ lžDj D xĂ”øžÇx šDޞD žlx³Îž‰ `DÂ? do diversos sĂ­tios promissores e ensacado quase uma tonelada de sedimentos para lavar em telas. Membros do grupo se dirigem para um pequeno lago em um riacho represado, onde os habitantes locais costumam dar ĂĄgua aos seus animais. Apesar do calor escaldante, o pessoal que trabalha na ĂĄgua precisa usar pesadas botas e luvas de borracha como proteção contra os parasitas que provavelmente infestam a ĂĄgua turva e esverdeada. Eles passam horas peneirando os sedimentos em cestas e baldes com fundos de tela. Wyss espalha o concentrado resultante sobre um grande encerado de plĂĄstico azul para secar. Futuramente, voluntĂĄrios no

TAMANHO REAL

FRAGMENTO MANDIBULAR da era JurĂĄssica de A. mahabo apresenta molares especializados, Ăşnicos de mamĂ­feros tribosfĂŞnicos. museu em Chicago procurarĂŁo fĂłsseis nesse material sob um microscĂłpio, uma colherada de cada vez; mas Wyss jĂĄ se diz otimista em relação aos restos lavados. “Na realidade jĂĄ ĂŠ possĂ­vel ver ossos na misturaâ€?, alegra-se. Comparativamente, a coleta que produziu a descoberta de A. mahabo nĂŁo apresentava indĂ­cios desse tipo a olho nu. Encalorados e cansados da triagem na ĂĄgua, os pesquisadores fazem uma pausa para almoçar. Ă€ sombra de uma jujubeira (mokonazy) eles devoram seus sanduĂ­ches de sardinha, queijo gouda e pimenta-jalapeĂąo, fazendo piadas sobre o pĂŁo que, quatro dias depois de sair da padaria em AntaÂłDÂłDĂ&#x;ž޸j ÂĽE ‰ `¸ø UDäÎD³Îx løĂ&#x;¸Ă? Cerimoniosamente, Wyss deposita uma porção (racionada) de jujubas em cada par de mĂŁos estendidas com as palmas viradas para cima. Alguns guardam as guloseimas para mais tarde, outros permutam seus sabores preferidos, e alguns abrem pesarosamente mĂŁo de seus doces, tendo perdido apostas amigĂĄveis feitas antes. Em geral, o almoço ĂŠ seguido por um breve descanso, mas hoje a Natureza reserva ø­D äøĂ&#x;ÇĂ&#x;xäDĂ? 7­ ž³`zÂłlž¸ ‹ ¸Ă&#x;xäÎD§j Ă”øx vinha ardendo Ă distância vĂĄrias horas antes, agora avança rapidamente em nossa direção, vindo do nordeste e impelido por um vento bastante forte. O crescente som crepitante de

fazer a coleta detalhada, necessåria para começar a juntar as peças de uma imagem do passado. Os arenitos brancos que eståvamos escavando haviam se formado das areias levadas pelos rios que desaguavam nas terras baixas, ou planícies, quando Madagascar se separou da à frica. Nesses vales, rincossauros e traversodontídeos, duas criaturas quadrúpedes que variavam de 90 cm a 3 m de comprimento, provavelmente pastavam

chamas lambendo capim completamente ressecado, e restos de folhas chamuscadas trazidas pelo vento precipitam Ă nossa volta. Observamos fascinados como garças-vaqueiras se banqueteiam de insetos tostados na esteira do fogo e aves de rapina circulam acima, de olho em roedores afugentados pelas chamas. Apenas o riacho nos separa das labaredas, mas relutando em interromper o processo de lavagem, Flynn e Wyss decidem aguardar que o fogo se apague sozinho. Âł`zÂłlž¸ä lxääx ΞǸ äT¸ `¸­ø³ä x­ $DlDÂ? gascar. Frequentemente ateadas propositalmente por agricultores para estimular a rebrota de capim, essas queimadas Ă s vezes se alastram e fogem completamente ao controle, especialmente nas regiĂľes altamente ž³‹ D­EĂžxžä l¸ ³¸Ă&#x;¸xäÎxĂ? x Â…Dθj ¸ä `DcDl¸Â? Ă&#x;xä lx Â…šääxžä x³…Ă&#x;x³ÎDĂ&#x;T¸ ¸øÎĂ&#x;¸ä ž³`zÂłlž¸ä durante essa temporada, inclusive um que quase consome o acampamento deles. Uma hora depois, as chamas haviam morrido e a equipe retornado ao riacho para terminar a triagem rapidamente. Margens antes espessamente cobertas de capim seco agora estĂŁo nuas e carbonizadas. Temendo que o vento acelere novamente, juntamos nossas coisas e seguimos para um dos outros locais de fĂłsseis da equipe para escavar o restante da tarde. Seguindo o que jĂĄ virou rotina, voltamos ao acampamento Ă s seis horas. VĂĄrias pesä¸Dä äx ž³`ø­Ux­ lD ‰ §ÎĂ&#x;DÂ?x­ lx ³¸ääD ĂĄgua potĂĄvel enquanto o restante ajuda a preparar o jantar. Durante o “happy hourâ€?, regado a cerveja quente e um prato coletivo de amendoins, Flynn e Wyss registram os eventos do dia e catalogam espĂŠcimes interessantes que coletaram. Outros fazem apontamentos de campo ou escrevem cartas para suas famĂ­lias Ă luz das lâmpadas de suas testeiras. Ă€s 21h00, com estĂ´magos cheios e pratos lavados, as pessoas jĂĄ se retiraram para suas barracas. O acampamento xäÎE 䞧xÂł`ž¸ä¸ç y ¸ ‰ ­ lx ­Džä ø­ lžD lx esforços para desvendar o passado. —K.W. Kate Wong ĂŠ editora sĂŞnior da 2_žx³Îž‰ _ ĉ­xĂ&#x;ž_CÂłĂ?

lado a lado, como zebras e gnus fazem hoje na à frica. A presença de rincossauros, relativamente comuns em rochas dessa mesma idade ao redor do mundo, limitou essa data a algum momento do período Triåssico (o primeiro de três intervalos da era Mesozoica), hå entre 252 milhþes e 201 milhþes de anos. E, como traversodontídeos eram muito mais diversos e abundantes na primeira metade do Triåssico que na

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segunda, inicialmente pensamos que esse cenário tenha se desenrolado em um momento anterior, há cerca de 230 milhões de anos. Durante nossa segunda expedição, em 1997, um terceiro tipo de animal desafiou nossa impressão de onde estávamos situados no tempo geológico. Pouco depois de chegarmos ao sudoeste de Madagascar um de nossos assistentes de campo, um habitante local chamado Mena, nos mostrou alguns ossos que havia encontrado do outro lado do rio de onde tínhamos feito escavações anteriores. Ficamos surpresos com a fina granulação de rochas vermelhas que aderia aos ossos; tudo o que tínhamos encontrado até aquela altura estava incrustado em arenito grosso e branco. Mena nos levou a um lugar que ficava cerca de 800 m mais ao norte do sítio de rincossauros e traversodontídeos, no fundo de uma estreita ravina. Em poucos minutos identificamos a camada rochosa de onde tinham vindo seus espécimes incomuns. Uma rica concentração de fósseis estava sepultada na camada rochosa de argila vermelha, de cerca de 1 m de espessura, que havia se formado nas planícies aluviais dos mesmos rios muito antigos que depositaram as areias brancas. As escavações produziram cerca de duas dezenas de espécimes do que, de início, pareciam ser dinossauros. Nossa equipe encontrou mandíbulas, vértebras enfileiradas, quadris, garras, um antebraço articulado com alguns ossos do carpo (o conjunto de ossos das “mãos”, ou patas, no caso), e outros diversos elementos esqueléticos. Quando examinamos mais de perto os ossos mandibulares, nos demos conta de que tínhamos descoberto os restos de uma nova espécie que se assemelhava a um animal enigmático do Marrocos, chamado Azendohsaurus (devido ao povoado marroquino de Azendoh), à época considerado um dinossauro prossaurópode. (Prossaurópodes, que normalmente aparecem em rochas de entre 225 milhões e 190 milhões de anos, são precursores fisicamente mais miúdos dos saurópodes de pescoço comprido.) Para nossa surpresa, no entanto, à medida que os outros ossos foram sendo extraídos da camada rochosa e, à medida que encontramos mais ossos ao longo de temporadas em campo posteriores, percebemos que estávamos lidando com uma linhagem desconcertantemente primitiva de répteis, em vez de com um verdadeiro dinossauro. Esse misterioso animal tem dentes e algumas características cranianas parecidos com os de típicos prossaurópodes, mas o restante de seu esqueleto é notavelmente mais primitivo que o de qualquer dinossauro conhecido. Ainda não analisamos completamente a inesperada combinação de ossos e dentes, mas essa quimera evolutiva, a mistura de características de grupos répteis dis-

tantemente aparentados, nos levou a questionar se certas características, há muito consideradas caracterizadoras de dinossauros, poderiam ter evoluído muito mais cedo. Se esse for o caso, o novo fóssil malgaxe, Azendohsaurus madagaskarensis, e outros animais tidos há tempos como dinossauros, provavelmente são algo inteiramente diferente. Quando descobrimos que Azendohsaurus pastavam ao lado de rincossauros e traversodontídeos ficou claro que havíamos descoberto uma coleção de fósseis que, ao que se sabe, não coexistiram em nenhum outro lugar. Na África, América do Sul e em outras partes do mundo, traversodontídeos são bem mais raros e menos diversificados depois do aparecimento de dinossauros. Do mesmo modo, o tipo mais comum de rincossauro que encontramos, o rincossauro de Isalo (Isalorhynchus), não apresenta características avançadas e, por isso, é considerado mais antigo. Além disso, o conjunto de fósseis malgaxes não inclui vestígios de vários grupos de répteis mais recentes, normalmente encontrados com os dinossauros mais primitivos, inclusive fitossauros e aetossauros, criaturas fortemente blindadas, semelhantes a crocodilos. A mistura de animais muito antigos encontrados ao lado de nosso enigmático réptil, mais a ausência de criaturas mais jovens, ou recentes, sugerem que o depósito de fósseis malgaxe é tão antigo quanto qualquer dinossauro já descoberto, se não, ainda mais antigo. Apenas um sítio de dinossauros primitivos, em Ischigualasto, na Argentina, contém uma camada de rochas datada diretamente; portanto, estima-se que todos os outros sítios com fósseis similares não sejam mais antigos que sua idade radioisotópica, de cerca de 228 milhões de anos. (Idades radioisotópicas confiáveis são obtidas apenas de camadas de rochas produzidas por vulcões contemporâneos. Os sedimentos malgaxes se acumularam sem que houvesse um vulcão por perto.) Com base nos fósseis presentes ali, concluímos tentativamente que nossas rochas com vestígios de dinossauros pré-datam ligeiramente a época de Ischigualasto. E, como diversos ramos importantes da árvore evolutiva dos dinossauros já estão presentes ali, o ancestral comum de todos eles deve ser ainda mais antigo. Existe uma amostragem razoavelmente boa de rochas de períodos anteriores a cerca de 245 milhões de anos coletadas ao redor do mundo, mas nenhuma delas produziu vestígios de dinossauros. Isso significa que a procura pelo ancestral comum deve se concentrar em rochas de um intervalo de tempo pouco conhecido e cada vez mais limitado do Triássico Médio, há entre 240 milhões e 230 milhões de anos.

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MARIA STENZEL National Geographic Image Collection (à esquerda); JOHN WEINSTEIN Museu Field de História Natural (Número de identificação da imagem GEO86110_1c) (à direita)

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INSPECIONANDO AS ROCHAS de perto, o autor John Flynn (à direita) e William F. Simpson trabalham para garantir que nenhum fragmento ósseo passe despercebido.

NEM RÉPTIL NEM MAMÍFERO, este traversodontídeo, do tamanho de um leopardo, chamado Menadon, tinha os potentes incisivos e molares largos necessários para abocanhar e triturar vegetação à medida que perambulava por Madagascar há cerca de 230 milhões de anos.


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Vivendo em Companhia Mista Paleontólogos não sabiam até recentemente que o incomum grupo lx D³ ­D ä ­¸äîßDl¸ D` ­D Ù§D Dßî¸ lx ąx³l¸ Ú ĉąx³l¸ äCøßøä (1), traversodontídeos (2), rincossauros (3) e chiniquodontídeos (4) — costumava alimentar-se juntos no passado. Nos últimos 18 anos, a região sudoeste de Madagascar foi o primeiro lugar onde ossos de cada um desses animais foram desenterrados lado a lado, em rochas triássicas de cerca de 230 milhões de anos. À época a região era uma exuberante bacia de terras baixas em formação, quando o supercontinente Pangeia começou a se dividir. O par de ĉąx³l¸ äCøßøä de pescoços compridos visto aqui, e que pode ter vivido ao lado dos primeiros dinossauros, alimenta-se de coníferas,

Ilustração por Frank Ippolito

enquanto um rincossauro com bico de papagaio se prepara para beber água nas proximidades. Os dentes de ĉąx³l¸ äCøßøä, semelhantes aos de prossaurópodes, serrilhados em forma de pontas de lanças eram apropriados ao corte da vegetação; rincossauros talvez formassem o grupo mais comum de herbívoros na área àquela época. Entre esses grandes répteis estão os peculiares traversodontídeos e chiniquodontídeos, membros primitivos dos Cinodontes, grupo abrangente que inclui os atuais mamíferos. Os dentes molares trituradores de traversodontídeos sugerem que eles eram herbívoros; já os chiniquodontídeos apresentam — Í Í Í x ĉÍ1Í<Í ¸ä lx³îxä D Dl¸ä x Ǹ³î D øl¸ä lx `Dß³ þ¸ß¸ä.

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D E S C O B E R TA S

Mistério da Atualidade

D I N

Madagascar é famosa por suas aproximadamente 80 espécies de §z­øßxäÍ %x³ ø­D lx§Dä ¸`¸ßßx x­ ÔøD§Ôøxß ¸øî߸ §ø Dß l¸ ­ø³l¸Í ­xä­D `¸³l cT¸ äx Dǧ `D D }ćÌ lD ¸ßD x Dø³D ßxäîD³îx lD § DÍ ääD Çx`ø§ Dß lDlx U ¹î `D ßx xîx äxø §¸³ ¸ 丧D­x³î¸ x¸ ßE `¸Í $DlD Dä`Dß ³T¸ xäîxþx `¸³x`îDlD D ÔøD§Ôøxß ¸øîßD grande massa terrestre desde que se separou da Índia, há cerca de 90 milhões de anos, e está distante de seu vizinho moderno mais próximo, a África, há aproximadamente 160 milhões de anos. Enquanto nossa equipe de pesquisa explorava rochas malgaxes dos períodos Triássico e Jurássico, grupos liderados por David W. Krause, da Stony Brook University, desenterravam um tesouro de fósseis mais jovens, ou recentes, na região noroeste da ilha. Esses espécimes, que datam de há aproximadamente 70 milhões de anos, ³`§øx­ ­D ä lx îßzä lxąx³Dä lx xäÇy` xäj ³x³ ø­D lx§Dä intimamente aparentada com os animais que vivem atualmente na ilha. Isso implica que a maioria dos grupos de vertebrados modernos deve ter imigrado para Madagascar após essa data. A melhor candidata a uma terra de origem, ou “pátria-mãe” malgaxe é a África; mas as modernas faunas das duas massas terrestres são muito diferentes. Elefantes, felinos, antílopes, zebras,

macacos e muitos outros mamíferos africanos atuais aparentemente nunca chegaram a Madagascar. As quatro espécies lx ­D­ x߸ä îxßßxäîßxä Ôøx DU îD­ D § D ߸xl¸ßxäj §z­øßxäj carnívoros e tenrecos, animais semelhantes a ouriços — parecem todas descendentes de criaturas africanas mais antigas. Mas não está claro por qual rota esses ancestrais migraram do continente para a ilha. Pequenos animais munidos de garras poderiam ter Ù øîøDl¸Ú lD ß `D DîßDþyä l¸ D³D§ lx $¸cD­U Ôøx D DßßDl¸ä a “balsas” de vegetação arrancada por tempestades. Ou, alternativamente, quando o nível do mar era mais baixo esses pioneiros talvez tenham viajado por terra e mar ao longo de uma cadeia de planaltos atualmente submersos a noroeste da ilha. Junto com Anne D. Yoder, atualmente na Duke University, e outros, empregamos a estrutura do DNA de mamíferos malgaxes atuais para investigar essa questão. As análises revelaram que os ancestrais dos modernos carnívoros de Madagascar chegaram em uma época diferente de outros grupos de mamíferos, e cada um deles povoou a ilha em episódios dispersos, separados e muito distanciados entre si, e não em um evento único. —J.J.F. e A.R.W.

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Dinossauros atraem considerável atenção naturalmente, por serem os animais terrestres mais impressionantes do Mesozoico. Menos amplamente apreciado é o fato de que mamíferos e dinossauros chegaram mais ou menos à mesma época ao palco da história evolutiva. Pelo menos dois fatores respondem pela popular concepção equivocada de que mamíferos só surgiram depois da extinção dos dinossauros: mamíferos primitivos eram todos do tamanho de pequenos roedores do gênero Tamias, parecidos com esquilos, ou menores; por isso não dão asas à imaginação coletiva. Além disso, o registro fóssil de mamíferos primitivos é esparso. Para nossa alegria, Madagascar preencheu, mais uma vez, duas misteriosas lacunas nos registros. Os cinodontes traversodontídeos dos depósitos de Isalo revelam novos detalhes sobre parentes mamíferos próximos, e um fóssil mais recente, encontrado no lado noroeste da ilha, levanta questões controversas sobre onde e quando um grupo fundamental, mais avançado, teve sua origem.

Hoje, muitas espécies de mamíferos, com muitas variações anatômicas, ocupam o planeta. Mas todos eles compartilham um ancestral comum, marcado por um único conjunto de características distintas. Para determinar o aspecto desses primeiros mamíferos paleontólogos têm de examinar seus parentes evolutivos mais próximos, dentro do grupo dos cinodontes, que incluem os traversodontídeos e seus primos muito mais raros, os chiniquodontídeos (também conhecidos como probainognatianos), que encontramos no sudoeste de Madagascar. Traversodontídeos eram quase certamente herbívoros, porque seus dentes molares largos eram ideais para triturar. Nós e nossos colegas documentamos evidências disso com análises por microscópios eletrônicos de varredura de micromarcas de desagaste nos dentes. Comparativamente, os chiniquodontídeos eram, sem dúvida, carnívoros, com dentes afiados e pontudos. A maioria dos paleontólogos concorda que alguns chiniquodontídeos compartilham um ancestral comum mais recente com mamíferos que os herbívoros traversodontídeos. Os crânios e esqueletos de chiniquodontídeos que encontramos em Madagascar ajudarão a reconstituir a ponte entre cinodontes primitivos e mamíferos verdadeiros. Os cinodontes triássicos de Madagascar não só estão entre os mais bem preservados do mundo como também são amostragens de um período de tempo pouco conhecido em outros lugares. O mesmo se aplica a fósseis mais jovens (recentes) que nossas expedições recuperaram; os que vieram de uma região do noroeste da ilha, onde os sedimentos têm cerca de 165 milhões de anos. (Essa data se situa no Jurássico Médio, o segundo dos três períodos do Mesozoico.) Como esses sedimentos eram consideravelmente mais recentes que nossas rochas triássicas, nutrimos a esperança de talvez encontrarmos fósseis de um mamífero antigo. Àquela altura, nem um único exemplar havia sido registrado em rochas jurássicas de qualquer massa terrestre austral, mas isso não diminuiu nossa motivação. Uma vez mais, a persistência valeu a pena. Durante nossa temporada de campo em 1996 havíamos visitado o vilarejo de Ambondromaha-

RIQUEZA FÓSSIL

OS TRAVERSODONTÍDEOS MALGAXES, os primeiros conhecidos da ilha, incluem alguns dos exemplares mais bem preservados de cinodontes primitivos já descobertos. (Cinodontia, ou cinodontes, compõem um grupo abrangente de animais terrestres, que incluem mamíferos e seus parentes mais próximos.) Por essa razão, esses ossos oferecem uma infinidade de informações anatômicas inéditas. Esses cinodontes são identificados, entre outros aspectos, por uma mandíbula inferior simplificada, dominada por um único osso chamado dentário. Alguns espécimes encontrados apresentam tanto crânios como esqueletos. Compreender a morfologia completa desses animais é indispensável para delinear a complexa transição evolutiva de grandes animais de sangue frio, revestidos de escamas, e com membros anteriores e posteriores distendidos para os lados (que dominavam os continentes antes do Mesozoico) para as criaturas peludas menores, de sangue quente e postura ereta, abundantes na atualidade.

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bo depois de ouvirmos relatos locais sobre abundantes fósseis grandes do saurópode lapparentossauro (Lapparentosaurus). Às vezes, locais onde há animais grandes preservados também abrigam vestígios de criaturas menores, embora seja mais difícil encontrá-los. Engatinhamos pela paisagem, os olhos a poucos centímetros do chão. Essa estratégia desconfortável, mas historicamente comprovada, rendeu alguns dentes de pequenos dinossauros terópodes, escamas de peixes e outros fragmentos ósseos acumulados na superfície de uma pequena colina de sedimentos perto do vilarejo. Esses fósseis despretensiosos sugeriram que itens mais significativos poderiam estar enterrados nas camadas abaixo. Ensacamos cerca de 90 kg de sedimentos e lavamos o material em chapéus com telas mosquiteiras quando retornamos à capital, Antananarivo. Nos anos seguintes, já de volta aos Estados Unidos, enquanto nossos estudos se concentravam no excepcional material do Triássico também foi realizado o tedioso processo de analisar os sedimentos jurássicos. Uma dedicada equipe de então voluntários no Museu Field de Chicago — Dennis Kinzig, Ross Chisholm e Warren Valsa — passou muitos fins de semana concentrada, examinando o sedimento sob um microscópio em busca de valiosas lascas de ossos ou dentes. Não voltamos a pensar muito naqueles sedimentos até 1998, quando Kinzig informou que haviam descoberto um osso parcial da mandíbula de um minúsculo mamífero, com três dentes trituradores ainda no lugar. Não só ficamos surpresos com a existência da mandíbula em si, mas também com os dentes molares notavelmente avançados. As formas dos dentes documentam a mais antiga ocorrência de tribosfenídeos, um grupo que compreende a grande maioria dos mamíferos vivos. Chamamos a nova espécie Ambondro mahabo, em homenagem ao seu lugar de origem. A descoberta retrocede o alcance desse grupo de mamíferos em mais de 25 milhões de anos e oferece o primeiro vislumbre da evolução de mamíferos nos continentes austrais durante a segunda metade do período Jurássico. Ela mostra que esse subgrupo de mamíferos pode ter evoluído no hemisfério sul e não no hemisfério norte como é presumido de modo geral. A informação não põe fim ao debate, mas salienta a natureza precária de suposições há muito prevalentes, enraizadas em um registro fóssil historicamente tendencioso em favor do hemisfério norte [ver quadro à pág. 42].

RUMO AO PÔR DO SOL: Os autores Flynn (à direita) e Wyss retornam ao acampamento após um longo dia de escavações no sudoeste de Madagascar.

apostas garantidas. Mas, independentemente do cuidado com que são traçados, nossos planos sempre estão sujeitos a alterações de última hora. Em 2003, nosso maior desafio foi o súbito aparecimento de cidades agitadas, de crescimento explosivo. Durante nossas três primeiras expedições não demos muita atenção às camadas de cascalho que cobriam os afloramentos de rochas triássicas na parte sudoeste da ilha. Não tínhamos ideia de que elas continham safiras. Em 1999, dezenas de milhares de pessoas estavam vasculhando a paisagem à procura dessas pedras preciosas. No ano seguinte, todos os nossos sítios triássicoas caíram em áreas reclamadas para mineração das gemas. Agora, paleontólogos precisam obter, obrigatoriamente, permissão dos proprietários e do governo malgaxe para entrar nessas áreas. E, além desse obstáculo adicional, a presença dos mineiros criou problemas de segurança. Mesmo sem obstáculos logísticos desse tipo, seriam necessários incontáveis períodos de vida para examinar cuidadosamente todos os afloramentos rochosos intocados da ilha. Mas, agora que vimos alguns dos tesouros de Madagascar, estamos inspirados a continuar escavando.

MARIA STENZEL National Geographic Image Collection

PLANEJAMENTO PERSISTENTE

NOSSA EQUIPE RECUPEROU um amplo espectro de fósseis em Madagascar, mas cientistas estão apenas começando a descrever a história mesozoica dos continentes austrais. O número de espécies de vertebrados terrestres conhecidos desse período provenientes da Austrália, Antártida, África e América do Sul provavelmente é uma ordem de magnitude menor que o de descobertas contemporâneas feitas no hemisfério norte. Para paleontólogos, Madagascar agora figura claramente como uma das mais importantes “reservas” possíveis do mundo. Muitas vezes as hipóteses mais significativas sobre vida antiga na Terra só podem ser propostas desses tipos de novas descobertas fósseis. As explorações de nossa equipe fornecem dois casos exemplares: alguns fósseis, há muito tidos equivocadamente como dinossauros primitivos, na realidade pertencem a uma linhagem de répteis com parentesco distante, e a existência do diminuto mamífero em nosso sítio jurássico implica que mamíferos tribosfênicos podem ter se originado no hemisfério sul, e não no norte. A melhor maneira de reforçar essas teorias (ou provar que estão erradas) é sair a campo e descobrir mais ossos. É por essa razão que o principal objetivo de nossa expedição de agosto-setembro de 2003 foi o mesmo de nossas cinco expedições anteriores: encontrar o maior número possível de fósseis. Nossa agenda normalmente inclui escavar mais fundo em sítios já conhecidos e avaliar novas regiões, mesclando esforços arriscados com

John J. Flynn e André R. Wyss Üù¡ Z« DO«ÍDf« ñ ¡D Ò fr ä D§«Ò r¡ rêµrf ]ĂrÒ òÒ Montanhas Rochosas, à Baixa Califórnia, aos Andes chilenos, e a Madagascar. Eles também estudam a evolução de carnívoros, inclusive cães, gatos e focas. Flynn é curador Frick de mamíferos fósseis no American Museum of Natural History, em Nova York, e reitor da 2 Z DÍf frÍ ÍDfæDÜr 3Z «« fDÂær D §ÒÜ Üæ ]õ«» =ëÒÒ ÷ µÍ«{rÒÒ«Í fr Z ù§Z DÒ fD Terra na University of California, Santa Barbara, e pesquisador associado no American Museum of Natural History. Os autores agradecem à Universidade de Antananarivo por sua colaboração de longo prazo e à National Geographic Society, à família John C. Meeker e ao Fundo Mundial para a Natureza (WWF) por seus apoios excepcionais.

PA R A C O N H E C E R M A I S

The natural history of Madagascar. Editado por Steven M. Goodman e Jonathan P. Benstead. University of Chicago Press, 2003. A Triassic fauna from Madagascar, including early dinosaurs. John J. Flynn, J. Michael Parrish, Berthe Rakotosaminimanana, William F. Simpson, Robin L. Whatley e André R. Wyss em Science, vol. 286, págs. 763–765; 22 de outubro de 1999. A Middle Jurassic mammal from Madagascar. John J. Flynn, J. Michael Parrish, Berthe Rakotosaminimanana, William F. Simpson e André R. Wyss em Nature, vol. 401, págs. 57–60; 2 de setembro de 1999. Natural change and human impact in Madagascar. Editado por Steven M. Goodman e Bruce D. Patterson. Smithsonian Institution Press, 1997.

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TIRANOSSAURO REX disputa sua refeição, um tricerátopos, com outro T. rex faminto. Deinonicossauros, as menores criaturas na parte inferior esquerda e direita, aguardam sobras deixadas pelos poderosos tiranos, enquanto pterossauros sobrevoam em círculos num dia típico há quase 66 milhões de anos. Árvores e plantas floridas completam a paisagem.


TIRANOSSAUROS

UM NOVO ALENTO PARA O T. REX Analisando fósseis até agora desprezados e observando com mais atenção algumas descobertas antigas, paleontólogos estão revelando os primeiros insights sobre o verdadeiro comportamento dos tiranossauros Por Gregory M. Erickson

Ilustração por Kazuhiko Sano

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I N O S SAU R O S C ESSA RA M DE P ERA MBUL A R PEL A T ERRA HÁ 66 milhões de anos, mas eles ainda vivem entre nós. Velociraptores são astros de cinema, e tricerátopos de brinquedo atravancam o quarto de crianças. Desses animais carismáticos, no entanto, uma espécie sempre desafia a imaginação. Crianças, o produtor de cinema Steven Spielberg e paleontólogos profissionais concordam que o superastro foi, e continua sendo, o Tyrannosaurus rex.

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Stephen Jay Gould, paleontólogo da Harvard University, observou que cada designação da espécie representa uma teoria sobre esse animal. O próprio nome Tyrannosaurus rex —“lagarto-tirano rei” — evoca uma imagem poderosa dessa espécie. John R. Horner, da Montana State University, e Don Lessem, que escreve sobre ciência, afirmam no livro The Complete T. rex: “Temos sorte de ter a oportunidade de conhecer o T. rex, estudá-lo, imaginá-lo e permitir que nos assuste. Mas acima de tudo, temos sorte de o T. rex estar morto”. O paleontólogo Robert T. Bakker, atualmente no Houston Museum of Natural Science, descreveu o T. rex como “um papa-léguas horripilante de 4.500 kg”, em respeito ao seu tamanho e força indiscutíveis. Em Jurassic Park de Spielberg, que à época [1997] lançou a descrição popular mais precisa de dinossauros já revelada, o T. rex foi, como de costume, apresentado como uma máquina de matar, cujo único objetivo era atacar, de forma agressiva e sanguinária, presas indefesas. O popular T. rex, no entanto, é muito mais o fruto de uma concepção artística que de evidências científicas concretas. Um século de estudo e a existência de restos de 50 espécimes bastante completos de T. rex geraram informações substanciais sobre sua anatomia e relações genealógicas. Mas inferir comportamentos com base apenas na anatomia é perigoso e a verdadeira natureza do T. rex continua fortemente envolvida em mistério. Ainda se discute se ele era basicamente um predador ou um comedor de carniça. Nas duas últimas décadas, uma nova geração de cientistas começou a desvendar alguns dos segredos mais bem guardados do T. rex. Paleobiólogos tentaram transformar restos do animal num contexto vivo — eles tentam dinamizar o esqueleto silencioso e inerte exibido nos museus. Assim, o T. rex está mudando diante de nossos olhos à medida que especialistas utilizam pistas fósseis, algumas novas, outras antes desprezadas, para desenvolver novas ideias sobre a natureza desses magníficos animais. Em vez de inferir comportamentos baseados apenas na anatomia, paleobiólogos procuram evidências de atividades reais. Grupos de esque-

letos de vários indivíduos dão pistas sobre as interações internas entre os T. rex, e entre eles e outras espécies. Além disso, os chamados vestígios fósseis, ou icnofósseis, revelam atividades por meio de evidências físicas, como marcas de mordida em ossos e padrões de desgaste dos dentes. Tão valiosos como os vestígios fósseis são os coprólitos — fezes fossilizadas. (Restos de herbívoros, como o tricerátopos ou edmontossauro, em coprólitos de T. rex certamente fornecem provas irrefutáveis de interações entre espécies.) Uma hipótese que paleobiólogos pretendem formular é que espécies fortemente relacionadas podem ter se comportado de formas similares. Dados do T. rex estão sendo corroborados por comparações com membros anteriores da família Tyrannosauridae, incluindo seus primos geologicamente mais velhos albertossauros, gorgossauros e daspletossauros, conhecidos genericamente como albertossauros. SOLITÁRIO OU SOCIAL?

TIRANOSSAUROS GERALMENTE são descritos como indivíduos solitários, como no caso do filme Jurassic Park. (Uma provável justificativa para o astro solitário é que os magos genéticos do cinema sabiamente criaram apenas um.) No entanto, cada vez mais evidências chamam a atenção para o comportamento gregário do T. rex, pelo menos durante parte de sua vida. Duas escavações de T. rex na formação de Hell Creek, a leste de Montana, são mais fascinantes. Em 1966, pesquisadores do Museu da Cidade de Los Angeles que tentavam desenterrar um T. rex adulto em Hell Creek tiveram a sorte de encontrar outro espécime menor, por cima do maior, em que estavam interessados. Esse segundo fóssil foi identificado de início como uma espécie diminuta de tiranossauro. Minha análise de evidências histológicas — microestruturas nos ossos — sugere que o segundo animal era, na verdade, um T. rex subadulto (ver duas imagens superiores na pág. 54). Uma descoberta semelhante ocorreu durante as escavações de Sue — um dos maiores e mais completos fósseis de T. rex já encontrado. Sue é tão

EM SÍNTESE A cultura popular descreve o Tyrannosaurus rex como uma máquina mortífera, mas os cientistas ainda não estão certos de que o T. rex fosse, de fato, um predador ou um

necrófago. Fósseis fornecem pistas, como marcas de mordida e padrões de desgaste de dentes, de como o T. rex vivia e se alimentava. Esses indícios sugerem que

tiranossauros eram gregários, mas, às vezes, lutavam violentamente entre si. O T. rex pode, ter usado suas mandíbulas poderosas para triturar dinossauros herbí-

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voros como o tricerátopo, mas as evidências neste sentido são escassas, porque coletores geralmente procuram fósseis intactos e não fragmentos mastigados.


FRANÇOIS GOHIER Photo Researchers, Inc. (crânio); SARAH DONELSON (gráfico).

famoso, não só pelo alto valor alcançado o T. rex e outros tiranossauros. Essas no leilão de US$ 8.36 milhões após uma marcas de mordida são caracterizadas disputa por sua posse, como por seu por cicatrizes em forma de goivas e perstatus paleontológico. Restos de um furações nas laterais do focinho, nos T. rex subadulto e de um jovem foram lados e na mandíbula inferior e, ocasioencontrados na escavação de Sue por nalmente, na parte superior e na parte pesquisadores do Instituto de Pesquisa posterior do crânio. Geológica Black Hills em Hill City, Ao interpretar os ferimentos, Currie Dakota do Sul. Especialistas que trabae Tanke reconstruíram a forma de luta lharam na formação Hell Creek, de que que esses dinossauros travavam. Eles fui parte, geralmente concordam que acreditam que os animais se enfrentapor um feliz acaso o solitário T. rex tenha ram, principalmente, mordendo um ao encontrado seu destino no mesmo funeoutro com um lado da totalidade de seus ral. A explicação mais elementar é que dentes massivos, em vez de abocanhar FORÇA DA MORDIDA os animais eram parte de um grupo. o adversário frontalmente. Os pesquisaT rex Uma descoberta ainda mais espetadores também acreditam que o comporAlligator Leão cular, de 1910, reforça o comportamentamento de preensão mandibular expliOrangotango to gregário entre os Tyrannosauridae. ca marcas peculiares encontradas nas Tubarão-negro Pesquisadores do American Museum of laterais de dentes de tiranossauros. Os Lobo Humano Natural History, em Nova York, trabapadrões de mordida implicam que os Cão labrador lhando em Alberta, Canadá, encontracombatentes mantinham a cabeça no 0 4.000 8.000 12.000 ram um leito de ossos — depósito fóssil mesmo nível durante todo o confronto. Força (newtons) com vários espécimes — que posteriorA intensidade de alguns ferimentos fósmente se revelou num acúmulo de pelo seis permite inferir que os T. rex mostraGRÁFICO DA FORÇA da mordida mostra menos 26 albertossauros, parentes próvam claramente pouca reserva em bataque o T. rex é campeão absoluto. O autor, traximos do T. rex. lha e, às vezes, provocavam graves danos balhando com o bioengenheiro Dennis R. CarPhilip J. Currie, atualmente na Uniem adversários de sua própria espécie. ter e seus alunos na University of Stanford, versidade de Alberta, e sua equipe reaUm dos tiranossauros estudado por simularam a produção de marcas de mordida nalisaram a descoberta de 1910 e realizaTanke e Currie ostentava um dente inquando se alimentavam, normalmente menos ram o primeiro estudo detalhado do crustado em sua própria mandíbula, intensas que sua força total, usando uma série conjunto de ossos. Aglomerados de anitalvez o souvenir de um companheiro de dentes de T. rex encontrada na pelve de mais carnívoros podem ocorrer quando de combate. vacas. Uma estimativa conservadora indica um após outro é apanhado numa armaaproximadamente 13.300 newtons em apenas Os temas de sempre — alimento, um dos maxilares. Provavelmente dentes condilha, como um buraco de lama ou sediparceiros e território — podem ter fatralaterais também participavam do golpe, mentos instáveis nas margens de rios, cilitado confrontos vigorosos entre tidobrando a força real aplicada. para onde uma presa imobilizada possa ranossauros. Qualquer que seja o tê-los atraído. No entanto, nessas cirmotivo da luta, o registro fóssil demonscunstâncias, o depósito fóssil deveria tra que esse comportamento se repetia conter também restos do herbívoro caçado. A ausência de restos de durante toda a vida do tiranossauro. Lesões entre indivíduos mais jovens herbívoros entre albertossauros (e entre os três grupos do T.rex, que parecem ter sido mais comuns, possivelmente porque um jovem estava incluem Sue) sugere que o grupo pode ter perecido ao mesmo tempo mais sujeito a ser atacado por membros do grupo da mesma idade, além devido à seca, doença ou afogamento. de grandes adultos. Das análises de restos recolhidos até o momento, Currie estima que MORDIDAS E BOCADOS os animais teriam de 4 m a 9 m de comprimento. Essa variedade de tamanho sugere um grupo constituído de jovens e adultos que, de acordo IMAGINE UM BABUÍNO ou um leão com grandes dentes caninos. Agora imacom meus estudos de linhas de crescimento em ossos, tinham de dois a gine uma boca cheia desses caninos, mas muito maiores, do tamanho 28 anos de idade. Análises recentes de pegadas mostram evidências de de pinos de fixação de dormentes de estrada de ferro, e com bordas serrilhadas. Kevin Padian, da University of California em Berkeley, reque tiranossauros se deslocavam aos pares. Inter-relações complexas de tiranossauros em bandos são, sob vários sumiu a forma dos enormes punhais com que se pareciam os dentes do aspectos, uma espécie completamente nova a ser contemplada. Mas T. rex como “bananas letais”. Apesar do evidente potencial dessas armas, a opinião geral entre os a ciência não os transformou num conjunto de bondosos e meigos ursinhos carinhosos do Cretáceo: algumas testemunhas reais da interação paleontólogos era que marcas de mordida de dinossauros foram raras. grupal do T. rex são as marcas de mordidas parcialmente cicatrizadas Os poucos relatos publicados até 1990 consistiam em breves comentários — dissimulados em artigos que descreviam descobertas novas e mais que revelam habilidades interpessoais nada amistosas. Um artigo publicado por Currie e Darren Tanke, quando ambos tra- abrangentes, e pistas referentes ao comportamento em restos danificabalhavam no Museu Real Tyrrell, em Alberta, destaca essa evidência. dos — escaparam da observação. Mas, mesmo assim, alguns pesquisadores especularam sobre os Tanke é uma das maiores autoridades em paleopatologia — estudo de lesões e doença ancestrais. Ele detectou um padrão único de marcas de dentes. Desde 1973, Ralph E. Molnar, atualmente no Museum of Normordida entre terópodes — grupo de dinossauros carnívoros que inclui thern Arizona, em Flagstaff, começou a pensar na eficiência dos dentes,

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baseados em sua forma. Mais tarde, James O. Farlow da Indiana University-Purdue University, em Fort Wayne, e Daniel L. Brinkman, da Yale University, realizaram estudos morfológicos elaborados sobre a dentição do tiranossauro, o que os convenceu de que as “bananas letais” eram robustas, graças à configuração arredondada de sua secção transversal, e resistiriam aos impactos da trituração de ossos durante a mastigação. Em 1992, consegui fornecer material que apoiava essa especulação. Kenneth H. Olson, pastor luterano e conhecido colecionador de fósseis amador do Museum of Rockies, em Bozeman, Montana, entregou-me vários espécimes. Um deles com 1 m de largura por 1,5 m de comprimento era um osso da pelve de um tricerátopos adulto. O outro era um osso do grande dedo do pé de um edmontossauro adulto (dinossauro com bico de pato). Examinei as peças trazidas por Olson e descobri que os dois ossos estavam crivados de marcas em forma de goivas e perfurações de até 12 cm de extensão e vários centímetros de profundidade. A pelve do tricerátopos tinha quase 80 dessas marcas. Documentei o tamanho e a forma das reentrâncias usando massa ortodôntica para fazer moldes de alguns dos orifícios mais profundos. Os dentes responsáveis por aquelas perfurações tinham um espaçamento de 10 cm entre eles e deixaram perfurações com secções transversais na forma de olho. Além disso, claramente incluíram quilhas, bordas elevadas cortantes serrilhadas em suas faces anteriores e posteriores. Todas as evidências indicavam que essas reentrâncias eram as primeiras marcas definitivas de dentadas de um Tiranossauro rex. A descoberta teve implicações comportamentais significativas. Ela confirmou, pela primeira vez, a hipótese de que o T. rex se alimentava de seus dois contemporâneos mais comuns, o tricerátopos e o edmontossauro. Além disso, os padrões de mordidas abriam horizontes para as verdadeiras técnicas alimentares do T. rex, que aparentemente, envolviam dois comportamentos diferentes nas mordidas. O T. rex geralmente usava a estratégia de “perfurar e puxar”, em que, após uma dentada profunda extremamente vigorosa, os dentes puxavam a carne e o osso perfurados rasgando-os, o que normalmente produzia longos talhos. Esse comportamento leva a supor que um T. rex deve ter separado a pelve dos restos do dorso do tricerátopos encontrado por Olson. O T. rex, também utilizava a estratégia de pequenas mordidas na qual os dentes frontais (na forma de incisivos) agarravam e dilaceravam a carne em pontos estreitos entre as vértebras, onde cabia apenas o focinho do animal. Esse método produzia nos ossos sulcos paralelos alinhados verticalmente. Várias das mordidas encontradas na pelve do tricerátopos mantinham entre si um espaçamento de apenas alguns centímetros, como se o T. rex tivesse sistematicamente mordiscado todo o pedaço de carne, como costumamos fazer ao comer uma espiga de milho. A cada mordida, o T. rex aparentemente removia também um pequeno pedaço de osso. Presumimos que o osso que estava faltando tivesse sido consumido, o que foi confirmado logo depois, e por uma fonte incomum. Em 1997, Karen Chin, atualmente na University of Colorado, recebeu uma peculiar massa afilada descoberta por uma equipe do Museu Real de Saskatchewan. O objeto, que pesava 7,1 kg e media 44 cm por 16 cm por 13 cm, era um coprólito de T. rex (ver fotografia inferior na pág. seguinte). Esse foi o primeiro coprólito confirmado de um terópode, duas vezes maior que qualquer outro já relatado de um carnívoro, e repleto de osso pulverizado. Utilizando métodos histológicos novamente, Chin e eu determinamos que o osso triturado pertencia a um jovem dinossauro herbívoro. O T. rex ingeria partes dos ossos de suas fontes de alimento e, além disso, digeria parcialmente esses ossos com fortes enzimas ou ácidos estomacais. Seguindo o exemplo de Farlow e Molnar, Olson e eu defendemos veementemente que o T. rex provavelmente deixou inúmeras marcas

1 ESTRATÉGIA DE MORDISCAR pequenos bocados permitia que o T. rex retirasse pedaços de carne de locais mais estreitos, como entre vértebras, usando os dentes dianteiros. 2 FORÇA MASSIVA GERADA pelo T. rex na técnica de “perfurar e puxar” era suficiente para criar reentrâncias e sulcos na superfície de ossos fósseis de dinossauros. O corpo imenso do T. rex (esqueleto acima) e sua poderosa musculatura do pescoço permitiam que “puxasse” na técnica de “perfurar e puxar”.

PATRICIA J. WYNNE (ilustrações na próxima pág.); LOUIS PSIHOYOS MATRIX (fotografia)

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FALCÃO OU ABUTRE?

ALGUMAS CARACTERÍSTICAS da biologia do tiranossauro, como coloração, vocalizações ou performances de acasalamento podem continuar misteriosas. Mas seu comportamento alimentar é facilmente acessível em registros fósseis. A coleta de mais vestígios fósseis pode finalmente resolver um grande debate na paleontologia — a controvérsia secular sobre se o T. rex era um predador ou um necrófago. Quando o T. rex foi encontrado pela primeira vez, há um século, os cientistas imediatamente o rotularam como predador. Mas garras afiadas e poderosas mandíbulas não necessariamente o tornavam um predador. A maioria dos ursos, por exemplo, é onívora e abate apenas uma pequena parte do que come. Em 1917, Lawrence Lambe, paleontólogo canadense, examinou parte do crânio de um albertossauro e concluiu que tiranossauros alimentavam-se de carcaças macias em decomposição. Ele chegou a essa conclusão depois de perceber que os dentes quase não sofriam desgaste. (Pesquisa futura mostraria que 40% dos dentes perdidos de tiranossauros são severamente desgastados e quebrados, o que ocorre em apenas dois a três anos, de acordo com minhas estimativas de taxas de

MICROESTRUTURA DO OSSO revela a faixa etária do animal em estudo. Indivíduos mais velhos têm ossos formados por canais haversianos (grandes círculos, acima), túbulos ósseos que substituíram microfraturas de ocorrência natural nos ossos mais aleatoriamente orientados de indivíduos jovens (abaixo). O exame microscópico dos ossos revelou que indivíduos que se acreditava ser membros de espécies menores eram, na verdade, T. rex jovens.

COPRÓLITO, DE GRANDE PORTE, com 44 cm de comprimento é o maior dejeto de um animal carnívoro, duas vezes maior que qualquer outro anteriormente relatado. Seu tamanho, idade, conteúdo e contexto geográfico descarta qualquer outro animal que não um tiranossauro, e muito provavelmente um T. rex, como produtor.

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substituição de dentes). Lambe então confirmou um ponto de vista compartilhado por uma minoria, de que os animais eram, na verdade, “abutres” terrestres gigantes. Argumentos posteriores na disputa predador-necrófago concentraram-se na anatomia e nas capacidades físicas do T. rex, levando a um cansativo jogo de ponto e contraponto. Defensores dos comedores de carniça adotaram a “teoria dos dentes fracos”. Segundo essa teoria, os dentes alongados do T. rex teriam falhado em lutas predatórias ou em impactos de ossos. Eles também sustentavam que seus braços muito curtos impediam ataques letais e que o T. rex seria lento demais para alcançar as presas. Defensores de predadores responderam com dados biomecânicos. Eles mencionaram meus próprios estudos sobre a força das mordidas que demonstraram que os dentes do T. rex eram realmente muito fortes. (Eu, pessoalmente, não partilho dessa opinião, preferindo aguardar a descoberta de mais evidências.) Eles também observaram que Kenneth Carpenter, da Utah State University Eastern, e Matthew Smith, então no Museum of the Rockies, estimaram que os braços “frágeis” de um T. rex poderiam suportar cerca de 180 kg. E citaram o trabalho de Per Christiansen da Universidade de Copenhague que, baseado em proporções dos membros, acredita que o T. rex pode ter atingido uma velocidade de 47 km/h. Estudos posteriores sugerem que a velocidade mais provável seria entre 24 km e 37 km/h, e que adultos caminhavam a passos lentos em vez de correr. Independentemente da estimativa correta, essa velocidade seria muito maior que a de qualquer um dos grandes herbívoros contemporâneos do T. rex. (Obviamente, velocidade não é o único fator na predação. Aceleração, ocultação, resistência, agilidade, experiência e astúcia — parâmetros difíceis de quantificar — são fatores importantes, assim como diferenças de tamanho, disponibilidade de presas e vulnerabilidade.) Mesmo estudos biomecânicos não conseguem resolver o impasse predador-necrófago — e nunca conseguirão. O determinante crítico do nicho ecológico do T. rex é descobrir como e até que ponto ele aproveitou animais que viveram e morreram em seu ambiente, em vez de impor sua suposta competência para matar. Os dois lados reconhecem que animais predadores, como leões, podem aproveitar restos de animais mortos, e que comedores de carniça clássicos, como os abutres, às vezes, também matam. Inúmeras evidências físicas permitem concluir que tiranossauros eram tanto predadores como necrófagos.

GREGORY M. ERICKSON (acima); CORTESIA DO MUSEU REAL DE SASKATCHEWAN (abaixo).

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de mordida, apesar da escassez de amostras conhecidas. Ausência de evidência não é evidência de ausência, e acreditamos que dois fatores podem explicar essa falta de dentuços nos registros fósseis. Em primeiro lugar, pesquisadores nunca procuraram sistematicamente por marcas de mordidas. E o que é mais importante, os coletores sempre tiveram um viés natural contra descobertas que mostravam marcas de mordidas. Historicamente, os museus preferem esqueletos completos, e não peças únicas isoladas. Mas esqueletos inteiros geralmente correspondem a restos de animais que morreram por outras causas que não predação, e foram rapidamente enterrados antes de serem desmembrados por necrófagos. Pedaços de corpos retalhados que os museus evitam, como a pelve do tricerátopos, são exatamente os espécimes que mais provavelmente contêm evidências de hábitos alimentares. De fato, Aase Roland Jacobsen, da Universidade Århus, na Dinamarca, pesquisou restos parciais isolados de esqueletos e os comparou com ossadas praticamente completas encontradas em Alberta. Ela descobriu que ossos individuais continham três vezes e meia mais mordidas de terópodes (14%), que restos mais íntegros (4%). Eu sinto a maioria dos museus de história natural do mundo como desertos de evidência comportamental, se comparados a fósseis que ainda permanecem no campo, à espera de serem descobertos e interpretados.


Dentro dos antigos nichos onde viviam os T. rex existiam leitos de ossos formados por centenas, e às vezes milhares, de edmontossauros que morreram devido a inundações, secas e outras causas, que não a predação. Marcas de mordidas e coroas de dentes perdidas nesses grupos de edmontossauros confirmam o comportamento necrófago do T. rex. Jacobsen encontrou evidências comparáveis de necrofagia em albertossauros. Robert A. DePalma do Natural Museum of Natural History, de Palm Beach, na Flórida, David A. Burnham, da University of Kansas e seus colegas, por outro lado, forneceram evidências concretas de comportamento predatório na forma de ataque malsucedido de um T. rex a um hadrossauro adulto, provavelmente um edmontossauro. A presa supostamente escapou com ferimentos nos ossos da cauda que mais tarde cicatrizaram. O culpado deixou sua marca — um dente quebrado incrustado! Evidências semelhantes foram encontradas em outros edmontossauros e possivelmente em tricerátopos. A quantificação dessas descobertas pode ajudar a determinar até que ponto o T. rex usou cada um dos métodos para obter alimentos, e paleontólogos podem evitar discussões futuras adotando definições padrão para predador e comedor de carniça. Essa convenção é necessária porque existe uma grande variedade de pontos de vista permeando a paleontologia de vertebrados, que tenta explicar exatamente a alimentação de cada tipo de animal. Alguns extremistas, por exemplo, defendem que, se um animal carnívoro consumir qualquer tipo de carniça, deve ser chamado de comedor de carniça. Mas uma definição tão restrita como essa despreza uma diferença ecológica significativa, porque incluiria praticamente todas as aves e mamíferos carnívoros do mundo. Numa definição mais consistente com a classificação de senso comum da maioria dos paleontólogos uma espécie predadora seria aquela em que a maioria dos indivíduos obtém a maior parte de seu alimento de outros animais que eles ou seus companheiros mataram. Por outro lado, a maioria dos indivíduos de uma espécie necrófaga não seria responsável pela morte de grande parte do que consome. Vestígios fósseis poderiam ampliar os horizontes de uma abordagem sistemática para a controvérsia predador-necrófago e a decisão poderia estar em testes de hipóteses sobre padrões completos de preferências alimentares dos tiranossauros. Jacobsen mostrou, por exemplo, que a evidência de preferências por animais menos perigosos ou facilmente capturados sustenta o nicho de um predador. Por outro lado, era de se esperar que comedores de carniça consumissem todas as espécies igualmente. Dentro desse quadro lógico Jacobsen dispõe de dados convincentes que confirmam predação. Ela pesquisou milhares de ossos de dinossauros de Alberta e descobriu que hadrossauros sem couraça mostram probabilidade duas vezes maior de apresentar mordidas de tiranossauro que os ceratopsianos de chifres, mais perigosos. Tanke, que participou da coleta desses ossos, relata que não foram encontradas marcas de mordidas nas pesadas armaduras, que mais parecem tanques de guerra, dos anquilossauros. Jacobsen, no entanto, alerta que outros fatores confundem essas descobertas. A maioria dos ossos de hadrossauros é de indivíduos isolados, mas muitos dos ceratopsianos estudados foram encontrados em leitos de ossos. Esses leitos reúnem mais animais inteiros fossilizados intocados, criando o tipo de viés de marcas de dentes discutido anteriormente. Uma pesquisa de ceratopsianos isolados poderia esclarecer alguns detalhes. E análises de mais marcas de mordidas que revelassem tentativas predatórias fracassadas, como as relatadas por DePalma, Burnham e seus colegas, também poderiam revelar preferências, ou a falta delas, por presas menos perigosas.

As descobertas de Jacobsen de que canibalismo entre tiranossauros foi raro — apenas 2% de ossos de albertossauros continham marcas de mordida de albertossauros, enquanto estavam presentes em 14% dos ossos de herbívoros — também poderiam apoiar preferências predatórias em vez de um nicho de necrofagia para o T. rex, principalmente se esses animais fossem, de fato, gregários. Supondo que eles não relutassem em consumir carne de sua própria espécie, esperava-se ter, pelo menos, tantos ossos de T. rex mostrando sinais de jantar de T. rex como mostram os ossos de herbívoros. Um T. rex comedor de carniça teria de tropeçar nos restos desses herbívoros, mas se os T. rex se deslocavam em bandos, seria fácil encontrar membros da própria espécie recém-mortos. Coprólitos também podem fornecer evidências valiosas sobre hábitos alimentares mais exigentes do T. rex. Como o exame histológico de ossos encontrados em coprólitos pode fornecer a faixa etária aproximada do animal consumido, Chin e eu sugerimos que coprólitos podem revelar a preferência do T. rex de se alimentar de membros vulneráveis do bando, como os muito jovens. Esse viés seria indicador de predação, enquanto um padrão de alimentação mais genérico, compatível com os padrões normais de desgaste dentário, indicaria necrofagia. Perguntas significativas devem suscitar respostas significativas. No século passado, paleontólogos recuperaram restos suficientes de Tyrannosaurus rex para dar ao mundo uma ideia perfeita desses monstros. A tentativa de descobrir a verdadeira aparência de um T. rex baseia-se nesses fósseis que contêm pistas preciosas sobre as atividades diárias dos dinossauros. Atualmente, paleontólogos estão convencidos de que é preciso analisar descobertas, até então ignoradas, e identificar vieses nas práticas de coleta para suprir dúvidas sobre dinossauros. A busca intencional de dados comportamentais deve acelerar descobertas da paleobiologia de dinossauros. E novas tecnologias permitem extrair informações de fósseis que atualmente considerávamos de pouco valor. O T. rex, ainda vivo na imaginação das pessoas, continua a evoluir. Gregory M. Erickson ÷ µÍ«{rÒÒ«Í fr Z ù§Z DÒ O « þ ZDÒ §D «Í fD 3ÜDÜr 7§ èrÍÒ Üë r estuda dinossauros desde sua primeira expedição à formação Hell Creek nas terras áridas fr $«§ÜD§D r¡ ®¨s×» ÍDfæ«æ Òr r¡ Z ù§Z DÒ r« þ ZDÒ µr D 7§ èrÍÒ Üë «{ =DÒ § Ü«§d fez mestrado em biologia na Montana State University e doutorado em biologia integrativa na University of California em Berkeley. Antes de vir para o estado da Flórida, desenvolveu pesquisas de pós-doutorado em bioengenharia na Stanford University e sobre ecologia e evolução na Brown University. Tiranossauros são animais favoritos dos estudos de Erickson. ¡ äð®ä {« r r Ü« ¡r¡OÍ« fD ÒÒ«Z D]õ« ¡rÍ ZD§D µDÍD « 0Í« ÍrÒÒ« fD ù§Z D»

PA R A C O N H E C E R M A I S

Tyrannosaur paleobiology: New research on ancient exemplar organisms. Stephen L. Brusatte, Mark A. Norell, Thomas D. Carr, Gregory M. Erickson, John R. ùï` ´å¹´j ®Ă $Î D¨D´¹ j DUy 3Î yÿyàj ¹´D %Î ¹ ´ yàyj 0yïyà Î $D`§¹ÿ `§Ă e Xing Xu, em Science, vol. 329, págs 1481–1485, 17 de setembro de 2010. Tyrannosaur life tables: An example of nonavian dinosaur population biology. Gregory M. Erickson, Philip J. Currie, Brian D. Inouye e Alice A. Winn, em Science, vol. 313, págs. 213–217, 14 de junho de 2006. Gigantism and comparative life-history parameters of tyrannosaurid dinosaurs. Gregory M. Erickson, Peter J. Makovicky, Philip J. Currie, Mark A. Norell, Scott A. Yerby e Christopher A. Brochu, em Nature, vol. 430, págs. 772–775, 12 de agosto de 2004. A king-sized theropod coprolite. Karen Chin, Timothy T. Tokaryk, Gregory M. Erickson e Lewis C. Calk, em Nature, vol. 393, págs. 680–682, 18 de junho de 1998. Bite-force estimation for Tyrannosaurus rex from tooth-marked bones. Gregory M. Erickson, Samuel D. Van Kirk, Jinntung Su, Marc E. Levenston, William E. Caler e Dennis R. Carter, em Nature, vol. 382, págs. 706–708, 22 de agosto de 1996. The Complete T. Rex. John R. Horner e Don Lessem. Simon & Schuster, 1993.

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ROCHAS ANTIGAS

A SAGA DOS DINOSSAUROS BRASILEIROS No Brasil, ocorrências de dinossauros aparecem em rochas de 230 a 66 milhões de anos. Elas se manifestam em bacias sedimentares, antigas depressões que, ao longo do tempo, acumularam todo tipo de detritos Por Ismar de Souza Carvalho

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Ilustração por Severson Pepi

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Conduzido pela rápida movimentação das placas tectônicas, que aglutinaria todas as áreas continentais no supercontinente de Pangea, há aproximadamente 270 milhões de anos, esse cenário de transformação ambiental resultaria no maior evento de extinção da história da Terra, quando cerca de 99% de toda a vida no planeta se extinguiu, marcando o fim da era Paleozoica. Tanto nos ambientes continentais como nos oceanos a formação de Pangea levou a uma completa ruptura das cadeias tróficas. O intenso vulcanismo, com uma grande quantidade de cinzas e gases venenosos jogados na atmosfera; o amplo recuo dos mares, que cada vez mais se localizavam no interior de áreas continentais, mostrando-se rasos e com profundas alterações nas condições de circulação de oxigênio e nutrientes, conduziram a eventos episódicos de cataclismos ecológicos, com a mortandade em massa de plantas e animais. Uma história de ruptura marcante, que definiria os novos caminhos a serem seguidos pelos sobreviventes desse momento de mudanças planetárias. Os processos que conduzem ao desaparecimento e a própria extinção de espécies animais e vegetais são sempre o elemento condutor de novas oportunidades. A transformação dos espaços ecológicos e o desaparecimento dos organismos são determinantes para o aparecimento de novos seres vivos e do estabelecimento de outros modos de vida. Há 252 milhões de anos a extensa superfície continental de Pangea condicionava um regime climático de altas temperaturas, quente e seco. Os mares, afastados das áreas mais centrais, apenas amenizavam o clima em direção aos polos. Assim, o domínio de regiões áridas e quentes eram paisagens comuns nesse momento da história geológica da Terra. Os rios perenes eram raros, dominando os cenários desertificados, com lagos e rios temporários no interior dos continentes. A ação eólica, com a formação de grandes campos de dunas, transformava os antigos pântanos e alagados em extensas planícies arenosas. A água doce era um recurso natural raro, disponível em regiões circundadas por montanhas, em que os rios

convergiam para as porções mais centrais das bacias de drenagem. Viver em condições tão adversas era um desafio, em que as novidades evolutivas representariam um marco para a história da vida na Terra. No epicentro das mudanças ambientais que transcorriam em Pangea, encontrava-se o território brasileiro. Localizado abaixo da região equatorial e na porção mais central do supercontinente, eram comuns os desertos e condições climáticas extremas. Nesse contexto surgirá, na região que agora é o Rio Grande do Sul, há 230 milhões de anos, um novo grupo de répteis – os Dinosauria – que terão grande sucesso no decorrer de sua história evolutiva, dominando a Terra por mais de uma centena de milhões de anos. BERÇÁRIOS DE FÓSSEIS DE DINOSSAUROS

NO BRASIL EXISTEM MUITAS OCORRÊNCIAS de dinossauros, distribuídas em rochas que variam em idade de 230 a 66 milhões de anos. Os registros desses fósseis provêm de nossas bacias sedimentares, áreas que, no passado, mostravam-se como depressões, nas quais os detritos de rios, lagos, desertos e mares se acumulavam, e que hoje, devido à dinâmica interna do planeta, encontram-se novamente expostas na superfície. Uma longa história que só agora começa a ser melhor conhecida face aos estudos regulares que vêm sendo desenvolvidos em universidades, museus e centros de pesquisa brasileiros. As principais localidades com dinossauros no Brasil provêm das bacias sedimentares do Paraná, Bauru, Sanfranciscana, Sousa, Araripe, Parnaíba, São Luís e Amazonas, abrangendo regiões dos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás, Paraíba, Ceará, Maranhão e Amazonas, numa área total de milhares de quilômetros quadrados. Exposições de rochas em cortes de rodovias, pedreiras e margens de rios são os locais privilegiados para a descoberta dos fósseis desses animais. Geralmente

EM SÍNTESE As principais localidades com dinossauros no Brasil provêm das bacias sedimentares do Paraná, Bauru, Sanfranciscana, Sousa, Araripe, Parnaíba, São Luís e Amazonas. Exposições de rochas, aberturas para rodovias, pedreiras e margens de rios são situações apropriadas para a descoberta dos fósseis. As espécies de dinossauros que viveram no Brasil diferem das encontradas na América do Norte, Euro-

pa e Ásia. Durante a maior parte do longo reinado dos dinossauros, o oceano Atlântico ainda não existia. Assim, há semelhanças dos dinossauros do Brasil com os de outras regiões da América do Sul e África. As rochas do período Triássico, que abrangem um intervalo de tempo entre 252 e 201 milhões de anos, são as mais antigas a abrigarem ossos e pegadas de dinossauros. As condições ambientais

do Triássico devem ter sido um dos motivos para que, no atual estado do Rio Grande do Sul, sejam encontradas algumas das espécies mais antigas do mundo. Com exceção de pegadas fósseis dos estados de São Paulo e Tocantins, ossos de dinossauros jurássicos ainda são desconhecidos no Brasil. Essa situação está relacionada às características geológicas des-se período geológico, de extrema

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aridez, em que dominavam amplos desertos. O principal ecossistema terrestre brasileiro durante o Jurássico foi o Deserto de Botucatu, que se estendeu por uma região de mais de 1,3 milhão de km2. Os dinossauros reconhecidos por suas pegadas nas rochas do Deserto de Botucatu são animais de pequeno e grande porte, do grupo dos terópodes, saurópodes e ornitópodes.

ILUSTRAÇÃO POR SEVERSON PEPI

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VERÃO QUE SE APROXIMAVA INDICAVA TEMPERATURAS CADA VEZ MAIS ALTAS, COM UM REGIME de chuvas bastante instável, possibilitando apenas a existência de rios e lagos temporários. Os amplos mares localizados no interior dos continentes, e que ainda eram locais de maior umidade, apresentavam-se cada vez mais rasos e salgados, sinalizando as profundas mudanças que se processavam nos ecossistemas terrestres e marinhos.


trata-se de materiais desarticulados, com ossos isolados e quebrados, mas que quase sempre revelam uma história ainda desconhecida para a paleontologia mundial. As espécies de dinossauros que viveram no Brasil diferem das encontradas na América do Norte, Europa e Ásia. Durante a maior parte do tempo de existência dos dinossauros o oceano Atlântico ainda não existia. Assim, há semelhanças dos dinossauros do Brasil com os existentes principalmente em outras regiões da América do Sul e África. A extensão continental do território brasileiro, no entanto, e o longo intervalo temporal de existência desses animais, que persistiram por aproximadamente 164 milhões de anos, conduziram a uma vasta diversificação de espécies, adaptadas às mais distintas condições ambientais. Reconstituir o aspecto desses animais, a maneira como andavam, se alimentavam e reproduziam é o resultado de um longo trabalho de investigação científica, com início em pesquisas de campo que conduzem à descoberta dos fósseis. Não é simples a prospecção e identificação de novas localidades fossilíferas potencialmente promissoras em dinossauros. O trabalho de pesquisa envolve o mapeamento geológico das áreas sedimentares de rochas com idade estimada em pelo menos 200 milhões de anos. Uma tarefa árdua, demorada e que requer longas jornadas de atividade de campo, visitando exposições naturais de rochas, cortes de estradas e pedreiras. Nelas, através do estudo das sucessões dos estratos rochosos, é possível interpretar os antigos ambientes sedimentares e verificar a existência de indícios de fósseis de dinossauros. É uma atividade sem garantia de sucesso, pelo simples fato de que a preservação dos fósseis representa um evento raro, já que demanda condições ambientais muito específicas após a morte dos organismos. Para que haja o evento de conservação dos restos orgânicos, deve ocorrer um rápido soterramento, a atividade de necrófagos e bactérias deve ser muito baixa, além de que a oxidação da matéria orgânica não pode ocorrer de forma intensa, devendo predominar um ambiente de soterramento com condições anaeróbicas. Em caso de sucesso haverá a necessidade de realizar uma escavação controlada que possibilite sempre a contextualização dos fósseis na sucessão dos estratos rochosos. Isso não só possibilita melhor aferição de sua idade, como viabiliza estudos posteriores para o entendimento da paleobiogeografia, paleoclimatologia e interpretação paleoambiental. Após a coleta, uma nova fase do trabalho se inicia. Em laboratório será necessária a retirada de todo o material mineral circundante, com uma limpeza cuidadosa para liberação dos ossos de seu invólucro rochoso. Isto possibilitará a descrição, identificação e comparações científicas com outros exemplares. Assim será possível conhecermos sua anatomia, modo de vida, relações ecológicas e aspectos do ambiente em que viviam.

grupos de répteis, como os cinodontes, rincossauros e sinapsídeos. Mas o novo mundo de Pangea favoreceria a diversificação e proliferação dos dinossauros. As condições ambientais do Triássico devem ter sido um dos motivos para que, no atual Estado do Rio Grande do Sul, sejam encontradas algumas das mais primitivas linhagens de dinossauros: Pampadromaeus barberenai, Staurikosaurus pricei, Unaysaurus tolentinoi, Saturnalia tupiniquim, e Guaibasaurus candelariensis. Essas espécies estão entre os mais antigos dinossauros do mundo, situando-se numa faixa temporal de 230 a 212 milhões de anos. Encontram-se nas rochas da Bacia do Paraná, em arenitos, siltitos e folhelhos, rochas sedimentares que indicam rios e lagos temporários. Esses ambientes eram locais de maior umidade e, certamente, representavam atrativos para o desenvolvimento dos primeiros dinossauros: animais de pequeno porte, com dimensões que não ultrapassam 2,5 m de comprimento. Algumas formas eram carnívoras vorazes, mas o maior número de espécies remete a animais herbívoros. O Pampadromaeus ocorre em rochas com idade entre 230 e 228 milhões de anos. Trata-se possivelmente de uma sauropodomorfo primitivo, de pequeno tamanho, bípede, com não mais que 1,20 m de comprimento. Staurikosaurus pricei e Unaysaurus tolentinoi têm idade estimada de 225 milhões de anos. Staurikosaurus é um pequeno dinossauro terópode, bípede, com aproximadamente 2,2 m de comprimento. Foi certamente um predador bastante ativo. Unaysaurus pertence ao grupo dos dinossauros herbívoros Prosauropoda e apesar de não ultrapassar 2,5 m de comprimento, foi um dos maiores dinossauros de seu tempo. Saturnalia tupiniquim também provém de rochas com cerca de 225 milhões de anos. As características anatômicas desse fóssil indicam que são sauropodomorfos muito primitivos, com perto de 1,5 m de comprimento. Outro dinossauro semelhante à Saturnalia é Guaibasaurus, ambos da família Guaibasauridae. A espécie Guaibasaurus candelariensis tem idade estimada de 216 a 212 milhões de anos, um dinossauro bastante primitivo, do grupo que originaria os sauropodomorfa e os terópodes.

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REGISTRO PELAS PEGADAS FÓSSEIS

O REGISTRO DESSE PRIMEIRO MOMENTO da história evolutiva dos dinossauros ainda é restrito, no Brasil, ao estado do Rio Grande do Sul. Isso possivelmente ocorre devido à pouca distribuição de rochas triássicas em outras regiões de nosso território, o que limitaria espacialmente a ocorrência desse grupo de fósseis. Mas não se deve descartar a possibilidade de que o mapeamento de áreas ainda pouco conhecidas de bacias sedimentares revele uma grande quantidade de novos fósseis que reescrevam a história inicial de evolução dos Dinosauria. Se, durante o Triássico, o clima já se mostrava quente e com grandes regiões desertificadas, no período geológico que o sucede – o Jurássico – encontraremos no Brasil o maior deserto de toda a história da Terra – o Deserto de Botucatu. O intervalo temporal compreendido entre 201 e 145 milhões de anos, o Jurássico, possibilitou a ampla distribuição dos dinossauros por todo o planeta, tornando-os os mais importantes animais terrestres. A partir de então, eles ocuparam muitos nichos ecológicos e atingiram as mais variadas proporções, do porte de uma galinha a uma baleia azul adulta, com mais de 30 m. Mas praticamente não são conhecidas faunas desse tempo no Brasil. O registro de rochas jurássicas, aqui, é restrito a pequenas áreas no interior dos estados de São Paulo (Bacia Bauru), Minas Gerais (Bacia Sanfranciscana), Bahia (Bacia do Recôncavo), Ceará (Bacia do Araripe) e Maranhão (Bacia do Parnaíba). A pouca prospecção e atividade de pesquisa nessas localidades pode ser um dos motivos de ainda não conhecermos, em detalhe, os dinossauros desse momento de nossa história geológica.

ARIDEZ EXTREMA NUM NOVO MUNDO

APÓS A COLISÃO DAS MASSAS CONTINENTAIS que originaram o supercontinente de Pangea, as catástrofes ecológicas, com a mortandade em massa e a ruptura das cadeias alimentares, abriram espaço para o surgimento de outras espécies adaptadas a esse novo mundo. A aridez extrema, a pouca disponibilidade de água de forma perene nas regiões continentais e as altas temperaturas foram aspectos favoráveis a um grupo de répteis bastante ágil, capaz de se locomover por grandes distâncias e adaptado a ambientes tão pouco hospitaleiros – os Dinosauria. A rochas do período Triássico, que abrangem um intervalo temporal entre 252 e 201 milhões de anos, são as mais antigas a abrigarem ossos e pegadas de dinossauros. O período Triássico, na região sul do Brasil, caracteriza-se por condições climáticas quentes e áridas, que teriam sido extremamente propícias para o desenvolvimento desse e de outros

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DURANTE A MAIOR PARTE DO TEMPO de existência de dinossauros, o oceano Atlântico ainda não havia se formado, o que explica a semelhança entre animais da América do Sul e África: reconstruir o aspecto e comportamento desses animais exige um longo trabalho de pesquisa científica.

Com exceção de pegadas fósseis, provenientes dos estados de São Paulo e Tocantins, ossos de dinossauros jurássicos ainda não são conhecidos no país. Essa situação está relacionada às características geológicas desse período geológico, de extrema aridez, em que dominavam amplos desertos. Esse ambiente é inadequado a uma preservação dos organismos em função do predomínio das condições de oxidação, que destroem rapidamente a matéria orgânica e não favorecem a fossilização. Assim, o principal ecossistema terrestre brasileiro durante o Jurássico será o Deserto de Botucatu, que se estendia por uma região de mais de 1,3 milhão de km², abrangendo os atuais estados de Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, e os países vizinhos Uruguai, Argentina e Paraguai. Registros desse enorme deserto, numa época em que América do Sul e África ainda permaneciam unidas, são também encontrados na Namíbia. Nas areias desse deserto ficou o registro de uma enorme diversidade de dinossauros, conhecidos apenas por suas pegadas. A preservação dessas marcas fósseis, ou icnofósseis, ocorre em condições ambientais distintas daquelas em que se preservam os fósseis. Um único animal pode produzir milhares de pegadas durante sua vida, enquanto seu registro, pelos ossos, será muito mais limitado. Ao caminhar, a impressão deixada pelos pés dos dinossauros em sedimentos úmidos possibilita um registro extensivo da atividade de vida desses animais. Aspectos como os hábitos comportamentais, envolvendo o gregarismo, as estratégias de caça e a distribuição geográfica das populações, são facilmente compreendidos. Assim, as pegadas fósseis representam um registro do momento de vida das populações dinossaurianas e de sua interação com o ambiente. Os dinossauros reconhecidos através de suas pegadas nas rochas do Deserto de Botucatu são animais de pequeno e grande porte, do grupo dos terópodes, saurópodes e ornitópodes. Mas eles não estavam sós, pois, nas mesmas superfícies em que são encontrados os rastros de dinossauros, ocorrem pistas de pequenos mamíferos e também de invertebrados, como anelídeos e artrópodes. A quantidade e diversidade de pegadas encontradas no Deserto de Botucatu é um bom indicativo de que, apesar das condições de extrema aridez, existiam ambientes mais úmidos, onde possivelmente ocorria água de forma abundante, possibilitando a formação de amplos oásis onde proliferavam diferentes espécies. O PRINCÍPIO DO FIM

A PARTIR DE 145 MILHÕES DE ANOS, até a extinção do grupo no final do período Cretáceo – há 66 milhões de anos – os dinossauros têm maior registro em nossas bacias sedimentares. A vasta ocorrência de rochas desse período geológico no Brasil, depositadas pela ação geológica de rios, lagos, mares rasos e ambientes marinhos litorâneos, faz com que se encontrem pegadas, fezes fossilizadas, dentes e ossos de dinossauros desde a região Amazônica até o Rio Grande do Sul. O Cretáceo é um momento de bastante relevância geológica. É durante esse tempo que ocorrem expressivas alterações ambientais, e por consequência, na composição da fauna e flora da Terra. Além disso, é quando se origina o oceano Atlântico, cuja formação conduziu a oscilações climáticas levando aos eventos de extinção da biota dos continentes e ao aparecimento de novas espécies. Durante o Cretáceo, encontramos muitas espécies de dinossauros. Entre os carnívoros, temos Santanaraptor placidus, Mirischia asymmetrica, Irritator challengeri, Angaturama limai, Oxalaia quilombensis e Pycnonemosaurus nevesi. Os grandes herbívoros são os saurópodes das espécies Gondwanatitan faustoi, Maxakalisaurus topai, Baurutitan britoi, Trigonosaurus pricei, Adamantinasaurus mezzalirai,

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Ilustrações por Rodolfo Nogueira

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PRESERVAÇÃO EM CALCÁRIO

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ESSES FÓSSEIS DO ARARIPE foram preservados em rochas calcárias, material resultado da precipitação química do carbonato de cálcio em ambientes lacustres e lagunares, em que domina um balanço hídrico negativo. Ou seja, há o predomínio da evaporação, com pouca renovação de água doce, tanto pelo aporte de rios como chuva. Essa situação leva a uma progressiva salinização da água, facilitando a precipitação de sedimentos químicos, conhecidos genericamente como evaporitos. O calcário é um tipo de evaporito, e os fósseis nele existentes são geralmente ricos em detalhes anatômicos, com a preservação de estruturas delicadas, como pequenas escamas, plumas e até mesmo tecidos orgânicos. Uma preciosidade para o entendimento da paleobiologia dos dinossauros brasileiros e só encontrados em fósseis do sertão nordestino. Mas não apenas os ossos de dinossauros são oriundos das rochas do Cretáceo brasileiro. Em Souza, na Paraíba, já foram identificadas centenas de pegadas fósseis, atribuídas a uma população de pelo menos 585 indivíduos, distribuídos em depósitos de antigos rios e lagos com 140 milhões de anos. São preservadas em argilitos, um tipo de rocha com origem associada às lamas provenientes do transbordamento das águas dos canais fluviais nas planícies de inundação. Neste caso, detritos são decantados e acumulados como extensas superfícies argilosas que viabilizam um registro detalhado das pegadas produzidas por animais que transitaram por ali. Como representam um ambiente temporário, mas que se repete de forma cíclica com as estações chuvosas, o registro de pegadas pode ser encontrado em sucessivos níveis rochosos, refletindo inundações episódicas. Além das pegadas de dinossauros, marcas de ondas, de gotas de chuva e gretas de ressecamento relatam uma história de transformação dos ambientes terrestres, possibilitando também a compreensão das modificações climáticas que se processavam. Pelo fato de as pegadas terem sido preservadas em rochas que originalmente eram sedimentos lamosos, existe a possibilidade de identifica-

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ção de detalhes anatômicos não encontrados quando o registro dos dinossauros ocorre por seus ossos. Impressões da forma dos dedos, pele, unhas, garras, almofadas da planta dos pés e dedos retratam os momentos em que a vida desses animais se mostrava pulsante e dinâmica. Também no estado do Maranhão, no entorno da baía de São Marcos, são encontradas pegadas de dinossauros. Elas são compostas principalmente por animais carnívoros, terópodes de grande e pequeno porte. Geralmente preservadas em arenitos, retratam a passagem desses animais pelas areias de antigos deltas, estuários e praias, há 100 milhões de anos, quando o Atlântico Equatorial encontrava-se em seu estágio inicial de formação. Algumas das pegadas, como as identificadas na Praia da Baronesa, no município de Alcântara, dão a impressão de garras afiadas e demonstram que foram originadas em sedimentos saturados em água, tendo o peso do animal conduzido à liquefação das areias, deformando a impressão produzida quando de sua passagem em uma planície de maré. Um registro raro, que documenta os mecanismos pelos quais foi possível a preservação desse tipo de icnofóssil. EXTINÇÕES, INOVAÇÕES E RECURSOS NATURAIS

QUAIS TERIAM SIDO OS MOTIVOS DO DESAPARECIMENTO desse grupo de animais que perdurou por milhões de anos? Muitas vezes é postulada uma catástrofe global produzida pelo impacto de um grande asteroide. Mas, durante o tempo compreendido entre 145 e 66 milhões de anos, eventos geológicos planetários como volumosos derrames basálticos, formação e reativação de falhas e transgressões marinhas relacionadas à abertura do oceano Atlântico, transformaram por completo os cenários geológicos e ambientais dos ecossistemas terrestres e marinhos. O vulcanismo é um aspecto importante desse momento. Além da formação de cones vulcânicos e intrusões de rochas magmáticas na crosta terrestre, há um outro tipo de vulcanismo, conhecido como

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ILUSTRAÇÃO POR SEVERSON PEPI

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Aeolosaurus maximus, Tapuiasaurus macedoi, Brasilotitan nemophagus e Uberabatitan ribeiroi, todos de um mesmo grupo – os titanossaurídeos. Esses fósseis distribuem-se pelos estados de São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás em rochas datadas entre 93 e 66 milhões de anos. Há, ainda, um outro saurópode – Amazonsaurus maranhensis – oriundo da região amazônica, e que integra um tipo distinto de dinossauros herbívoros, os diplodocídeos. Amazonsaurus foi descoberto no Maranhão, em rochas datadas entre 125 e 113 milhões de anos. Seu comprimento não ultrapassava 12 m, e é um dos mais raros dinossauros do Brasil. Há também o achado inusitado de um dinossauro no Amazonas. A perfuração de um poço levou à descoberta de um grande dente pontiagudo e com bordas serrilhadas, identificado como de um dinossauro terópode. Um golpe de sorte, mas que sugere a presença comum desses animais na região Norte. De qualquer maneira, é no Nordeste que a descoberta de pequenos dinossauros carnívoros, com idade entre 125 e 100 milhões de anos, na região da Chapada do Araripe, estado do Ceará, tem chamado a atenção. As excelentes condições de preservação de espécies, como Santanaraptor placidus e Mirischia asymmetrica, possibilitaram até mesmo a identificação de tecidos moles preservados. Uma situação rara, pois nesse processo de fossilização devem ter dominado condições ambientais de soterramento com baixíssima atividade de decomposição bacteriana. Outros predadores, também do Araripe, de grande tamanho, como os espinossauros Irritator challengeri e Angaturama limai, permitem inferências que demonstram a similaridade das faunas de dinossauros encontradas no interior nordestino, com as existentes na África.


milhões de anos retratam essa sucessão de eventos ímpar da história geológica da Terra, e que seria decisivo para a completa alteração dos ecossistemas terrestres do Cretáceo. Um prenúncio para o fim da longa dinastia dos Dinosauria. Mas não apenas o estudo relacionado à extinção dos dinossauros é de destaque, há um outro aspecto relevante para o conhecimento do Cretáceo no Brasil. Trata-se da existência de recursos naturais em rochas desse período. Os derrames de rochas básicas e o vulcanismo ocorrido há 140 milhões de anos possibilitaram a concentração de minerais preciosos, como as ametistas encontradas nos basaltos do Rio Grande do Sul. Nas depressões formadas ao longo da costa brasileira, quando do início de separação da América do Sul e África, temos as bacias da margem atlântica, com indícios ou mesmo produção de óleo e gás. No litoral do Rio de Janeiro, as bacias de Campos, e Santos mostram volumosas acumulações de hidrocarbonetos, que possibilitam a autossuficiência nacional em combustíveis fósseis. Em relação a depósitos não combustíveis, as principais jazidas de rochas carbonáticas e de gipsita, com larga aplicação industrial, são também oriundas de rochas cretáceas distribuídas pelo Ceará, Pernambuco, Bacia do Araripe. Não menos importantes são os imensos reservatórios de água subterrânea, nos pequenos espaços vazios entre os grãos de areia do antigo Deserto de Botucatu, local ideal para o armazenamento e formação de uma das maiores reservas hídricas do mundo: o Aquífero Guarani, fundamental como um recurso. Além dos bens naturais originados durante o Cretáceo (óleo, gás, gesso, calcário, minerais semipreciosos e rochas reservatório para água subterrânea), ocorreram câmbios ambientais devido à abertura do oceano Atlântico – o clima, configuração geográfica, distribuição de terras e mares, a biota foram intensamente afetados pelos eventos relacionados à tectônica que conduziu à separação da América do Sul e África. As mudanças ambientais, muitas delas influenciadas pelo tectonismo, como a abertura do Atlântico e o vulcanismo com extrusões de magmas básicos, liberaram grandes quantidades de CO2 e outros gases que contribuíram para um aquecimento global de larga escala. Devido a essas transformações extremas do clima e da geografia, as biotas terrestres do Cretáceo diversificaram-se de modo a ocupar os nichos ecológicos originados por essas novas condições ambientais. Assim, o Cretáceo representa um dos mais expressivos períodos do tempo geológico documentado em bacias sedimentares brasileiras. Tanto as bacias localizadas na área continental, como as situadas na plataforma continental, exibem uma impressionante variedade de dados litológicos e paleontológicos que contam uma história sem paralelo em outros locais do mundo. Dessa forma, o território brasileiro, com sua vasta geodiversidade, guarda importantes registros temporais desse momento da Terra. Nossos principais recursos energéticos, os hidrocarbonetos, além da própria identidade territorial brasileira, resultado da ruptura continental gondwânica e separação da América do Sul e África, têm origem nesse período. Analisar com o auxílio dos fósseis, entre eles os dinossauros, eventos, processos e transformações ambientais então ocorridos representa a compreensão dos próprios fenômenos e condicionantes geológicos posteriores. Eles levaram à extinção e à evolução biológica, assim como à distribuição dos recursos minerais no que hoje é o Brasil.

ROCHAS CALCÁRIAS predominantes na bacia do Araripe no Ceará permitiram uma qualidade de fossilização que preservou até mesmo os tecidos moles, mais delicados e por isso mesmo sujeitos à destruição por ação bacteriana.

fissural. Nesse tipo de atividade ocorre o extravasamento do magma por profundas fissuras formadas na crosta terrestre. A intensa atividade vulcânica desse período geológico levou ao aumento da concentração de gases como o CO2, na atmosfera, induzindo certamente a um aquecimento planetário. Trata-se de um momento de longo efeito estufa, quando não existiam as calotas polares e o elevado nível dos mares levava a eventos de transgressão marinha. Fenômenos de extinção e também de diversificação biológica ocorreram assim durante todo o Cretáceo, induzidos pelos episódios extremos relacionados à ruptura da crosta continental, com a separação dos continentes que então compunham o território de Gondwana. América do Sul, África, Índia e Antártida rapidamente se separavam e as catástrofes ambientais decorrentes disso levavam ao fim não só dos dinossauros, mas também de outros grupos de répteis, como os crocodiliformes terrestres e os pterossauros nos continentes. Já nos mares, extinguiam-se os plesiosauros e mosassauros. Entre os invertebrados, o grupo dos amonites (moluscos), até então um dos mais importantes invertebrados marinhos, também desapareceu. Mas, no caso dos artrópodes terrestres, há uma ampla diversificação, especialmente entre insetos e aranhas. A vegetação sofreu uma notável mudança, com o aparecimento e rápida proliferação das plantas com flores que, na fase final do período Cretáceo, já compunham o grupo vegetal dominante. Inegavelmente foi uma época de transformações. A flora, que até então era formada essencialmente por plantas gimnospérmicas, como coníferas e cicas, entrou em colapso. As angiospermas, ou plantas com flores, iniciaram então um amplo processo de dispersão, possivelmente associado às condições de maior umidade e também pela abundância de diversos grupos de insetos polinizadores. Um bom registro desse momento é encontrado nas rochas da Bacia do Araripe, no interior do Ceará. Fósseis de insetos e plantas com flores datados de 120

Ismar de Souza Carvalho, graduado em geologia pela Universidade de Coimbra, é mestre e doutor pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) onde é professor titular. Suas DÜ è fDfrÒ fr µrÒÂæ ÒD r¡ r«Z ù§Z DÒ Üù¡ ù§{DÒr §D µD r«§Ü« « D rÒÜÍDÜ Íñ ZDd DÜæD§f« principalmente na geologia e paleontologia das bacias sedimentares brasileiras. Bolsista 1 A do CNPq e participante do Programa Cientistas do Nosso Estado – Faperj.

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UBERABATITAN RIBEIROI, o maior dinossauro do Brasil, em seu ambiente, há 70 milhões de anos. 64 64


MINAS GERAIS

GIGANTES DO TRIÂNGULO MINEIRO Uberaba, único sítio paleontológico do Brasil onde são encontrados ovos de dinossauros, teve primeira descoberta feita de forma casual. Região foi habitada por gigantes herbívoros, mas também abrigou um parente do temerário Tiranossauro rex Por Luiz Carlos Borges Ribeiro e Thiago da Silva Marinho

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ÃO SERIAM EXAGERADOS OS TERMOS CALOR INFERNAL E ARIDEZ CALCINANTE PARA expressar as condições climáticas na região onde hoje está Uberaba no Triângulo Mineiro ao final do Cretáceo, entre 80 e 66 milhões de anos passados. Outubro de 2014 – considerado o mês mais quente, desde que se iniciaram os registros da temperatura global, há cerca de 150 anos – nem de longe se compara aos mais de 60oC suportados por dinossauros e diversos outros grupos de animais e plantas que viveram na região. Com um cenário nada parecido ao atual, em que o relevo caracterizava-se por uma grande depressão bordejada por uma linha de montanhas, situação conhecida pelos geólogos como Bacia Sedimentar Bauru, o ambiente ao final do Cretáceo, em Uberaba, era dominado por paisagens de solos pedregosos com ausência quase total de vegetação, em especial nas porções mais elevadas, o que remete a cenários das regiões semidesérticas atuais. A exceção a essa inospitalidade eram os oásis. Formados pela conjunção de pequenos rios e lagos, esporadicamente alimentados por chuvas torrenciais concentradas. No intervalo entre essas precipitações, quase sempre em anos de estiagens mais intensas, o calor eliminava mesmo esses pontos isolados de umidade, quando a secura ampliava seus limites.

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Como ainda hoje, no delta do Okavango, em Botsuana na África, o entorno dessas ilhas de umidade assegurava condições essenciais para ecossistemas em que diversas formas de vida partilhavam um nicho comum. Mas, nem sempre de maneira amigável. Tanto as condições adversas quanto as disputas produziam vítimas, com carcaças expostas ao sol abrasador que, rapidamente, transformava esses restos em esqueletos ressecados, porosos e por isso mesmo leves. A ocorrência seguinte, com a presença das chuvas, era o arraste desses remanescentes por fluxos embebidos em uma salmoura de areia, lama e soluções ricas em calcário. Esse transporte natural, ainda que irregular, foi o principal responsável pela separação, fragmentação e mistura de ossos, dentes, escamas, garras e placas dérmicas de grupos distintos de animais. Atualmente eles são encontrados lado a lado, durante escavações, sugerindo uma enganosa proximidade, relação que de

fato provavelmente nunca tiveram nas eras passadas, ainda que compartilhassem o mesmo ambiente. Sepultados por fluxos de sedimentos, parte dos restos deslizaram para o fundo dos rios e lagos que também desapareceram com o fluxo do tempo e as transformações climáticas. A massa resultante do acúmulo de material biológico, misturado a detritos rochosos combinados com a ação agregadora das soluções, transformou parte destes restos em fósseis, notadamente as partes duras. Graças a esse processo, conhecido como permineralização, em que esqueletos se petrificaram, foi possível a esses remanescentes desafiar o tempo e resistir incólumes por milhões de anos: da época que demarca os limites do Cretáceo ao Holoceno, época do Quaternário, era cenozoica do éon Fanerozoico, iniciado há 11.700 e que se estende até agora, quando o leitor desliza os olhos sobre cada uma das palavras que formam este artigo.

EM SÍNTESE Resultado do puro acaso, em 1945, obras ÈDàD D àyï `DcT¹ my ù® ïày` ¹ yàà¹ÿ Eà ¹ na região de Mangabeira, a 25 km ao norte de Uberaba, revelaram os primeiros fósseis de dinossauros em Minas Gerais. Motivado pelos grandes desmontes de rocha calcária – utilizada na produção da

mente conhecido também como “Ponto 1 do Price”. Esses trabalhos se repetiram em diversos outros pontos até 1974. Apesar dos inúmeros fósseis de dinossauros, em especial titanossauros, coletados por Price, Uberaba teve seus primeiros dinossauros descritos como novas espécies

cal virgem, à época a principal atividade econômica de Peiropólis – foi o principal atrativo que levou o paleontólogo Llewellyn Price, do atual Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), a iniciar escavações sistemáticas, a partir de 1946, no Sítio Paleontológico Caieira, atual-

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apenas em 2005, relacionados ao Trigonosaurus pricei e Baurutitan britoi. Titanossauros foram dinossauros herbívoros e estão entre os fósseis mais bem representados no registro paleontológico do Cretáceo brasileiro. Eles somam mais de 80% dos achados fósseis em Uberaba.


Passados 66 milhões de anos, inseridos em um contexto ambiental distinto dessa época longínqua, os registros fósseis começam a vir à luz do conhecimento científico numa explosão de novas descobertas. Fruto do acaso, em 1945, obras para a retificação de um trecho ferroviário na região de Mangabeira, a 25 km ao norte de UbeCONCEPÇÃO DE PARQUE a ser implantado no projeto do geossítio Santa Rita, um dos raba, revelaram os primeiros fósseis de disítios de visitação do Geoparque de Uberaba. nossauros do estado de Minas Gerais. Essa serendipidade, expressão utilizada em ciência para se referir a algo próximo de “pura coincidência”, ainda que não possa ser reduzida a essa condição, ocorreu com o paleontólogo Llewellyn Ivor Price (1905-1980) da Divisão de Geologia e Mineralogia DGM, atual Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). Responsável pela condução dos trabalhos de investigação científica, ao chegar a Mangabeira, Price encontrou os funcionários da obra em seu momento de lazer, jogando bocha – jogo onde dois times rolam bolas com objetivo de chegar o mais perto possível de uma bola branca. Ao pegar a bola branca, Price notou que era um pouco irregular e exibia uma textura estranha, composta por diversas concavidades, o que lembrava a textura de casca de ovo. Assim foi descoberto o primeiro ovo de dinossauro da América Latina, com trabalho de identificação publicado em 1951. Para melhor caracterizar o sentido da expressão serendipidade, é preciso considerar que a descoberta foi casual. Mas, neste contexto, havia alguém com conhecimento suficiente para avaliar que a “bola utilizada no bocha” não era uma peça qualquer, mas uma peça de enorme relevância científica. E isso alterou completamente uma situação que poderia ter passado despercebida. IMAGEM CONFORTANTE DE REFÚGIO para herbívoros que Motivado pelos grandes desmontes de rocha calcária – utiviveram em região onde hoje está Uberaba na realidade não existiu: lizada na produção da cal virgem, à época a principal atividacrocodiliformes eram uma ameaça constante em ambiente semidesértico. de econômica em Peirópolis – foi o principal atrativo que levou Price a dar início em 1946 às escavações sistemáticas no Sítio Paleontológico Caieira, atualmente conhecido também como Com a morte de Price, em 1980, as atividades de prospecção paleon“Ponto 1 do Price”, cerca de 2 km a norte do povoado de Peirópolis, si- tológica foram reduzidas significativamente em Uberaba, mas a grande tuado a 50 km de onde havia sido realizada a descoberta da primeira coleção de fósseis levadas ao Rio de Janeiro permitiu que investigações peça, em Mangabeira. Esses trabalhos se repetiram anualmente em tivessem continuidade por iniciativa de outros paleontólogos. Os estudiversos outros pontos de coleta, até 1974, e foram um importante dos de parte desses fósseis resultaram na descrição de duas espécies até avanço para a pesquisa nacional, permitindo a descrição de várias então desconhecidas pela ciência: a rã Baurubatrachus pricei e o dinosespécies únicas no registro paleontológico mundial. Esses exempla- sauro Trigonosaurus pricei, ambas em justa homenagem ao Price. res integram, agora, a coleção do Museu de Ciências da Terra do A implantação, em 1991, do Centro de Pesquisas Paleontológicas Serviço Geológico Brasileiro CPRM no Rio de Janeiro. Llewellyn Ivor Price e Museu dos Dinossauros, no bairro de Peirópolis,

Ilustrações por Rodolfo Nogueira

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pela municipalidade de Uberaba permitiu a retomada dos trabalhos potencializando as atividades de escavação e preparação de fósseis. Outro objetivo proposto com essas iniciativas foi o de se estabelecer ações de proteção aos fósseis e sítios paleontológicos e de divulgação científica, notadamente com a exposição do Museu dos Dinossauros. FLORA E FAUNA DO CRETÁCEO

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ATUALMENTE, A COLEÇÃO DO Centro de Pesquisas Paleontológicas Llewellyn Ivor Price conta com mais de 1.500 exemplares, em excelente estado de preservação, reunindo dinossauros saurópodes e terópodes, crocodiliformes, tartarugas, rãs e peixes, além de moluscos, crustáceos, samambaias e icnofósseis – marcas da atividade biológica preservada nas rochas – de invertebrados e plantas associados às formações Uberaba e Marília (Membro Serra da Galga), Cretáceo Superior da Bacia Bauru. Geologicamente os fósseis estão contextualizados nessas duas formações, inseridas em sequências de rochas associadas à chamada Bacia Bauru. Como já referido, essa unidade trata-se de uma depressão que permite o acúmulo de sedimentos, no caso específico de Uberaba, principalmente arenosos trazidos por enxurradas e rios, entre 80 e 66 milhões de anos. Essa bacia tem estreita relação com os eventos que levaram à separação do continente africano e sul-americano no início do Cretáceo – a ruptura do Gondwana, que reunia terras atuais da África, América do Sul e Antártida – há cerca de 135 milhões de anos. Essa separação, que deu origem ao oceano Atlântico, fez com que, de uma intrincada rede de grandes e profundas fraturas geológicas ocorresse a ascensão, até a superfície, de bilhões de metros cúbicos de rochas vulcânicas provenientes da base da crosta, de 50 a 100 km de profundidade. O evento vulcânico deflagrado pela ruptura do Gondwana em áreas continentais foi sem precedentes na história geológica, o que deixou uma camada de até 1.000 m de espessura de rochas basálticas como testemunho de sua manifestação em boa parte do Sul e Sudeste brasileiro, Argentina, Uruguai e Paraguai, além de porções mais ao sul do continente africano. O resfriamento das lavas acabou por produzir uma grande depressão no relevo que, paulatinamente, foi sendo preenchida por sedimentos transportados por rios, ventos e até fluxos movidos pela ação da gravidade, caso de avalanches de areia e cascalhos. Alguns desses sedimentos deram origem à Formação Uberaba, com distribuição circunscrita ao município e áreas vizinhas. A malha urbana da cidade assenta-se sobre essas rochas, o que faz com que, literalmente, os uberabenses caminhem sobre dinossauros, ainda que, em geral, não se deem conta disso. De qualquer maneira, e sem muito alarde, fósseis são encontrados em obras realizadas na cidade. Entretanto a Formação Marília, que se encontra logo acima da Formação Uberaba, traduz de longe a camada geológica com o maior número de fósseis descobertos desde a era Price. Essas sequências rochosas estão associadas a depósitos de rios e lagos que serpenteavam as planícies da Bacia Bauru, responsáveis por oferecer as condições geológicas que acabaram por transformar os esqueletos em fósseis. Essas rochas têm idades entre 72 e 66 milhões de anos, reunindo um dos mais relevantes pacotes rochosos com registros paleontológicos do final do Cretáceo no Brasil. Apesar dos inúmeros fósseis de dinossauros, em especial titanossauros, coletados por Price, Uberaba teve seus primeiros dinossauros descritos como novas espécies apenas em 2005, quando trabalhos sobre o Trigonosaurus pricei e Baurutitan britoi foram publicados em uma revista científica. Esses dois novos dinossauros tiveram seus fósseis coletados no Sítio Paleontológico de Peirópolis entre 1947 e 1957. Titanossauros foram dinossauros herbívoros e estão entre os fósseis

mais bem representados no registro paleontológico do Cretáceo brasileiro. Eles somam mais de 80% dos achados fósseis em Uberaba. Como o próprio nome sugere, esses titãs foram alguns dos maiores animais a caminhar pela região, com seus corpos volumosos, patas colunares a exemplo dos elefantes, caudas longas e pescoços inconfundivelmente compridos, porém com uma cabeça pequena se comparada a outras partes do corpo. SIMPÁTICOS GIGANTES

OS TRIGONOSAURUS E BAURUTITAN eram realmente gigantes quando comparados à maioria dos outros animais com que partilhavam espaço. Mas, com seus cerca de 12 a 15 metros de comprimento, esses grandalhões permaneciam à sombra de um outro titanossauro: o Uberabatitan ribeiroi, o maior animal conhecido, de todos os tempos que caminhou em terras que agora são parte do Brasil. Os fósseis desse dinossauro foram encontrados no Sítio Paleontológico da Serra da Galga, às margens da rodovia BR-050, a cerca de 25 km do centro da cidade de Uberaba. Eles foram localizados em 2004, durante as obras de duplicação da BR-050, rodovia federal que se inicia em Cristalina, Goiás, e se estende até Santos, no litoral paulista, cortando os estados de Goiás, Minas Gerais e São Paulo. Em São Paulo ela é mais conhecida como

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UBERABA, HÁ 70 MILHÕES DE ANOS, era cenário de gigantes, onde o Abelissauro, um carnívoro respeitável, de 9 m de comprimento, disputava espaço com o Uberabatitan ribeiroi, os maiores predadores de sua época.

pequeno conjunto de ossos encontrados em rochas da Formação Uberaba e outros fósseis são principalmente vértebras isoladas da Formação Marília. Apesar de ser provável que tenhamos outros titãs em Uberaba, o atual conhecimento científico e quantidade de material não permitem a descrição de novas espécies. Os titanossauros foram animais muito peculiares por diversos motivos, sem que nenhum outro, mesmo ligeiramente parecido com eles, viva atualmente. Como referido anteriormente, eram criaturas de pescoços longos a ponto de essa parte do corpo corresponder a um terço de seu comprimento. Eles não tinham dedos e as mãos terminavam em ossos chamados de metacarpos. Os membros deste grupo se posicionavam com a forma de uma coluna, a exemplo dos elefantes atuais. Mas os titanossauros exibiam osteodermos, ossos localizados na pele e que deveriam ter como função tanto a defesa quanto reserva de minerais. Os osteodermos dos titanossauros são elementos raros no registro paleontológico, com apenas seis deles conhecidos atualmente no Brasil, três no Sítio Paleontológico de Peirópolis.

Anhanguera (SP-330), no trecho entre as cidades de Igarapava e a capital, e SP-150 (Anchieta) entre São Paulo e Santos. O Uberabatitan foi descrito em 2008, a partir de quase 200 ossos de diferentes indivíduos sepultados no mesmo local: um pequeno, um grande e um de tamanho intermediário. Três fêmures esquerdos confirmam que esses fósseis realmente representavam três indivíduos com tamanhos que variavam entre 10 e 18 m. Essa descoberta demandou a maior escavação já realizada no país, quando mais de 400 toneladas de rochas foram escavadas ao longo de quase um ano de trabalho intenso. No ano passado, em escavações no mesmo sítio onde os Uberabatitans foram encontrados, ocorreu um novo e surpreendente achado: uma das treze vértebras do pescoço de um indivíduo extremamente grande. Essa vértebra, com comprimento preservado de 66 cm, mas que provavelmente superaria os 80 cm quando completa, indica que seu dono teria por volta de 25 m de comprimento. Trata-se do maior animal conhecido que caminhou em terras que agora são parte do Brasil, em todos os tempos. Neste momento, além de Trigonosaurus, Baurutitan e Uberabatitan, ainda são conhecidos fósseis de titanossauros que não se enquadram em nenhuma dessas espécies. Um deles é conhecido por um

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ABUNDÂNCIA DE OVOS

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OUTRO PONTO EM QUE UBERABA se destaca na paleontologia é o fato de ser o único local no Brasil onde foram encontrados ovos inteiros de dinossauros até o momento. Após aquele golpe de sorte de Price, chegou a hora de seu auxiliar de campo, Langerton Neves da Cunha, que ao escavar um poço d’água no quintal de sua casa, em Peirópolis, acabou por descobrir três ovos intactos de dinossauro, uma verdadeira ninhada préhistórica. Além destes, outros ovos foram reportados no munícipio, totalizando 6 exemplares. Dois deles, certamente de titanossauros, depositados na coleção do Centro de Pesquisas Paleontológicas “Llewellyn Ivor Price”, em Uberaba, um dos mais importantes do país nesta área. Comentamos, anteriormente, que a enorme maioria dos fósseis encontrados em Uberaba pertencia aos herbívoros titanossauros. Mas essa região era um recanto para esses dinossauros viverem em paz e botando seus ovos, livres de predadores? Essa imagem confortante de refúgio não é verdadeira e isso porque o ambiente em que viviam também abrigava diversos predadores, como os crocodiliformes de até 2,5 m de comprimento e, claro, dinossauros carnívoros. Devido à natureza frágil de seus ossos, os dinossauros terópodes – bípedes e em sua maioria carnívoros – são encontrados quase que exclusivamente nos depósitos fossilíferos locais. Para se ter ideia de como são frágeis os ossos dos terópodes é preciso observar os únicos dinossauros vivos de hoje, que também são terópodes: as aves. Os ossos das aves são muito leves e ocos, com paredes finas, o que facilita o voo.

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EM CENA, MANIRAPTOR predando filhotes de dinossauros de uma ninhada dissimulada entre vegetação típica da época, na atual região de Uberaba (acima). Escavações na Serra da Galga para retirada de fêmur que pertenceu a um Uberabatitan ribeiroi (abaixo).

Alguns dos terópodes conhecidos em Uberaba também eram aves, mas de um grupo que muitas vezes dispunha de dentes e foi extinto no Cretáceo, os Enantiornithes. Outros eram mais semelhantes a dinossauros que o cinema e a televisão muitas vezes representam. Um desses grupos eram os abelissauros e outro os maniraptores. Os abelissauros eram dinossauros carnívoros que poderiam atingir até 9 m de comprimento, muito comuns em rochas do Cretáceo do Brasil e Argentina. Tinham como principal arma para abater suas presas com uma boca repleta de dentes comprimidos lateralmente e portando serrilhas, semelhantes a facas para corte de carne. Esses dentes são os fósseis mais comuns de dinossauros carnívoros que são encontrados em Uberaba, com mais de uma centena já coletados. Esses dinossauros também têm, como característica marcante, braços extremamente

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passaram a elementos de revitalização econômica e cultural, o que vem possibilitando melhoria na qualidade de vida de seus moradores graças ao turismo paleontológico, principal atividade econômica da localidade, tirando partido da magia que os dinossauros exercem sobre as pessoas. Essas ações estão articuladas com o que se pressupõe para as funções de um Geoparque, termo utilizado pela Unesco, órgão da ONU para educação, ciência e cultura, para uma área representada pelo seu patrimônio tanto geológico quanto ecológico, histórico e cultural: um conceito de proteção, educação e desenvolvimento sustentável, que deve gerar atividade econômica notadamente pelo turismo. É neste contexto que diversas instituições públicas e privadas uniram forças para formar uma parceria para a implantação deste projeto com apoio do Serviço Geológico do Brasil, como uma das 17 propostas de Geoparques a serem implementadas no Brasil. Esse novo modelo de gestão territorial tem como base o desenvolvimento sustentável pelo uso racional dos recursos naturais, em que os fósseis, integram valores históricos e culturais de relevância nacional, como o gado zebu e também a surpreendente trajetória de Chico Xavier. Esse conjunto de valores naturais, históricos, culturais e mesmo religiosos deve ajudar a consolidar a posição de Uberaba como uma cidade singular, além da condição privilegiada de “a terra dos dinossauros no Brasil”.

curtos. Se o leitor pensar que o Tyrannosaurus rex tinha braço curto, então deve ser apresentado aos abelissauros como, por exemplo, o Carnotaurus sastrei. Esses grandes dinossauros carnívoros eram os predadores de topo do Cretáceo uberabense, mas dificilmente conseguiriam abater um titanossauro adulto sadio, o que provavelmente levaria esses animais a optar por presas mais fáceis de serem abatidas, como tartarugas, crocodiliformes ou titanossauros jovens e doentes. Outro registro interessante de dinossauros de Peirópolis foi descoberto em 2004, na forma de uma garra do dígito II ou III da mão direita de um raptor com cerca de 1,8 m de comprimento. Apesar do registro muito pobre desses dinossauros, com base nas características observadas nesta garra, e comparações realizadas com raptores encontrados ao redor do mundo, podemos assumir que o maniraptor de Peirópolis era um dino predador ágil, veloz, inteligente e emplumado. PARENTE DO TIRANOSSAURO REX

RECENTEMENTE, OUTRO DINOSSAURO CARNÍVORO foi noticiado na literatura científica internacional, dessa vez, proveniente de rochas da Formação Uberaba. Trata-se de uma vértebra da cauda de um grande dinossauro terópode, com características muito distintas, como a presença de muitas cavidades pneumáticas (ocas) em sua região interna, o que permitiu a identificação com o grupo dos Megaraptora. Os megarraptores são ainda um grupo de terópodes mal conhecidos devido ao registro incompleto de seus esqueletos, mas, nos últimos anos, novos fósseis permitiram uma melhor compreensão das relações de parentesco desses animais. Megaraptor namunhuaiquii, a espécie que deu origem ao nome do grupo Megaraptora, foi inicialmente descrita com base em uma única e enorme garra com cerca de 30 cm de comprimento, incialmente atribuída a um raptor gigantesco. Alguns anos mais tarde, um braço quase completo, encontrado em Lago Barreales, na Argentina, demonstrou que, de fato, essa garra pertencia à mão de um dinossauro completamente distinto. Em um estudo ainda mais recente, Megaraptora foi incluído como um Tyrannosauroidea, a superfamília que inclui o dino superstar T. rex, que se pensava estar presente apenas nos continentes norte-americano e asiático. Assim, podemos dizer que dois dos grupos mais famosos de dinossauros carnívoros, raptores e os tiranossauros, estavam presentes no Brasil durante o Cretáceo. Face à quantidade, grau de preservação, diversidade e número de grupos identificados, Uberaba passou a ser considerada a Terra dos Dinossauros do Brasil, posicionando-se como centro de referência no contexto dos estudos e divulgação deste grupo no país. Suas ocorrências distribuem-se ao longo de toda a área do município, ainda que os principais sítios sejam o de Peirópolis e Serra da Galga. Já foram realizadas inúmeras descobertas na malha urbana da cidade, em obras de construção civil, entre elas de estádio de futebol, edifícios, postos de combustível, aquedutos, hospitais e, mais recentemente, em dezembro passado, durante escavações das fundações de um shopping center. Em 2010 o Centro Price e Museu dos Dinossauros passaram a integrar a Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) que, somados à extinta Rede Nacional de Paleontologia, compõem o Complexo Científico Cultural de Peirópolis CCCP/UFTM. As diversas iniciativas desenvolvidas ao longo dos últimos 24 anos, desde a implantação do Centro Paleontológico Price e Museu dos Dinossauros, a região de Uberaba, em especial Peirópolis, têm realizado de maneira sistemática atividades para preservação do patrimônio geológico, com ações educativas, científicas e de difusão da informação. Em Uberaba, notadamente em Peirópolis, os fósseis ganharam uma nova interpretação que transcende mesmo a relevância científica:

D I N

Luiz Carlos Borges Ribeiro, graduado em geologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), é doutor pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e diretor do Centro de Pesquisas Paleontológicas Llewellyn Ivor Price e Museu dos Dinossauros de 1991 a 2009. Trabalhou nas áreas de geologia de petróleo, pesquisa mineral de ouro e água subterrânea. Atua como geólogo da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) no «¡µ rê« æ ÜæÍD r r§Üû Z« fr 0r Íþµ« Ò» «§Òæ Ü«Í ¡O r§ÜD §DÒ ñÍrDÒ fr r« « Dd paleontologia e espeleologia pela GeoPac – Consultoria em Geologia e Paleontologia. Thiago da Silva Marinho, µD r«§Üþ « « ÍDfæDf« r¡ Z ù§Z DÒ O « þ ZDÒ µr D 7§ èrÍÒ fDfr rfrÍD fr 7OrÍ ó§f D ·7 7¸d ¡rÒÜÍrd f«æÜ«Í r µþÒ f«æÜ«Í r¡ r« « D Z«¡ ù§{DÒr r¡ µD r«§Ü« « D» 0Í«{rÒÒ«Í f« ZæÍÒ« fr Z ù§Z DÒ O « þ ZDÒ fD 7 5$ r f ÍrÜ«Í f« «¡µ rê« æ ÜæÍD r r§Üû Z« fr 0r Íþµ« Ò» §ÜÍr ÒæDÒ frÒZ«OrÍÜDÒ ¡D Ò §ÜrÍrÒÒD§ÜrÒ rÒÜñ « “crocodilo-tatu” Armadillosuchus arrudai. Desde criança sempre foi apaixonado por paleontologia e dinossauros. Iniciou sua carreira com estágio no Centro de Pesquisas Paleontológicas Llewellyn Ivor Price.

PA R A C O N H E C E R M A I S

Geoparque Uberaba – Terra dos dinossauros do Brasil. RIBEIRO, L.C.B. 2014. Tese de doutorado, UFRJ. 214p. http://www.cprm.gov.br/publique/media/tesedoutorado_ geoparques.pdf Sítios geológicos e paleontológicos do Brasil. RIBEIRO, L.C.B.; CARVALHO, I.S., 2009. Sítio Peirópolis e Serra da Galga, Uberaba, MG – Terra dos dinossauros do Brasil. In: WINGE, M.; SCHOBBENHAUS, C.; SOUZA, C. R. G.; FERNANDES, A. C. S.; BERBERT-BORN, M.; QUEIROZ, E. T. (Eds.). Brasília: CPRM, 2009. 2 v., 389-402. http://sigep.cprm.gov.br/sitio028/sitio028_impresso.pdf Geoparques do Brasil : propostas. RIBEIRO, L.C.B.; TREVISOL, A.; CARVALHO, I.S.; MACEDO NETO, F.; MARTINS, L.A.; TEIXEIRA, V.P.A., 2012. Geoparque Uberaba: Terra dos Dinossauros do Brasil. In: Schobbenhaus C.; Silva, C.R. (Orgs.). Rio de Janeiro: CPRM, 2012. v. 1, 748p. http://www.cprm.gov.br/publique/media/GEOPARQUESdoBRASIL_propostas.pdf Cretaceous research. NOVAS, F.E.; CARVALHO, I.S.; RIBEIRO, L.C.B.; MENDEZ, A.H., 2008. First abelisaurid bone remains from the Maastrichtian Marília Formation, Bauru Group, Brazil. 29:625–635. Revista do Museo Argentino de Ciencias Naturales. NOVAS, F.E.; RIBEIRO, L.C.B.; CARVALHO, I.S., 2005. Maniraptoran theropod ungual from the Marilia Formation (Upper Cretaceous), Brazil. 7(1): 31-36. Palaeontology. SALGADO, L.; CARVALHO, I.S., 2008. Uberabatitan ribeiroi, a new titanosaur from the Marília Formation (Buaru Group, Upper Cretaceous), Minas Gerais, Brazil. 51(4): 881–901.

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RIO GRANDE DO SUL

CRIATURAS FASCINANTES Dinossauros gaúchos relatam uma história de prosperidade em meio a um mundo em reconstrução Por Sérgio Dias-da-Silva e Rodrigo Temp Müller

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ENHUM ANIMAL que já viveu na Terra desperta tanta admiração quanto os dinossauros. Incontáveis livros infantis, séries de televisão, documentários, jogos e filmes sobre essas criaturas extraordinárias têm sido produzidos nas últimas décadas. Novos dinossauros continuam sendo descobertos e não há evidências de que, um dia, isso termine. A cada ano, muitos artigos sobre dinossauros são publicados em revistas científicas. Novas espécies são descritas e informações sobre a anatomia, evolução, ecologia e fisiologia partilhadas e discutidas. Museus do mundo inteiro estão sempre lotados. Apesar disso, a maioria das pessoas não sabe o que é um dinossauro. Para muitos, basta ser grande e fóssil para merecer esse título. Nada mais errado. Em primeiro lugar, inúmeros dinossauros pequenos são conhecidos, com o porte de um peru grande, caso do Pampadromaeus barberenai, um dinossauro gaúcho. Em segundo lugar porque, ao contrário do que muitas pessoas imaginam, nem todos os dinossauros foram extintos. Uma linhagem sobreviveu e prospera nos céus da Terra: as aves são dinossauros que aprenderam a voar! Dinossauros são incrivelmente diversos e extremamente abundantes. Provavelmente, um dos grupos de maior sucesso que já viveu neste planeta. São conhecidas mais de mil espécies de dinossauros e esse número

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não para de aumentar. O termo dinossauro foi criado em 1842 pelo paleontólogo inglês Richard Owen (1804-1892) e significa lagarto (“sauro”) terrível (“dino”). Mas é importante ressaltar que dinossauros são arcossauros, enquanto lagartos são lepidossauros. Assim, apesar do nome, dinossauros não têm parentesco próximo com lagartos. As formas atuais mais proximamente relacionadas aos dinossauros são as dos crocodilomorfos (jacarés, crocodilos e gaviais) e as aves (descendentes diretas de dinossauros terópodes). O sucesso indiscutível de sua trajetória na Terra fica evidente quando consideramos seu tempo de vida: cerca de 230 milhões de anos – incluindo as aves – e 165 milhões de anos – se considerarmos apenas as formas não aviárias. Em comparação, nossos ancestrais desceram das árvores assumindo postura bípede há apenas cerca de cinco a sete milhões de anos. Nossa própria espécie, o Homo sapiens, surgiu entre aproximadamente 150 mil e 200 mil anos, uma parcela ínfima do tempo de existência dos dinossauros na Terra. Toda a era Mesozoica está preservada em rochas do Brasil. Essa era está dividida em três períodos geológicos: Triássico, Jurássico e o Cretáceo. Foi no Triássico (entre 252,6 e 201,3 milhões de anos) que os dinossauros tiveram origem, mais especificamente, próximo ao final desse Período. Apenas no Rio Grande do Sul afloram rochas triássicas, e restos fósseis de dinossauros são escavados dessas rochas há mais de 70 anos. Esses fósseis, junto com outros, da Argentina e Índia, são reconhecidos mundialmente como os remanescentes de dinossauros mais antigos que se conhece. Os dinossauros do Rio Grande do Sul foram alguns dos primeiros a andar sobre a Terra. Assim, a importância deles no Sul do Brasil está fortemente ligada ao estudo da origem dos dinossauros. Durante toda a sua história geológica de 4,6 bilhões de anos, a Terra sempre esteve submetida a mudanças, experimentando inúmeras crises geológicas e de biodiversidade, tanto de origem local quanto de procedência extraterrestre (colisão de meteoritos, asteroides e cometas). As causas terrestres para essas crises são inúmeras e muitas vezes interligadas: tectônica de placas/deriva continental, vulcanismo, transgressões/regressões marinhas, alterações na composição atmosférica, efeito estufa/refrigerador, terremotos, maremotos, anoxia (diminuição drástica na concentração de oxigênio) dos oceanos, entre outras. Às vezes combinadas, causas terrestres e extraterrestres foram responsáveis por vários episódios catastróficos que fazem os eventos naturais da vida humana parecer relativamente inofensivos. O registro fossilífero documenta inúmeras crises, de pequena, média e grande magnitude.

Ilustrações por Rodolfo Nogueira

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É possível identificar quando, e algumas vezes como, esses processos ocorreram. No caso do Episódio Cretáceo/Paleógeno, há 65 milhões de anos, por exemplo, a crise foi produzida pelo efeito combinado de vulcanismo intenso onde hoje se localiza o território da Índia e a colisão de um asteroide na Península de Iucatã, que hoje é parte do México. Essa extinção é bastante conhecida por ter varrido da face da Terra os dinossauros não aviários. Isso possibilitou que o nosso próprio grupo taxonômico, os mamíferos, pudesse finalmente prosperar em um mundo menos ocupado e ameaçador. Com os principais predadores retirados da cena evolutiva, mamíferos puderam se diversificar nas ordens conhecidas num período comparativamente curto: pouco mais de 10 milhões de anos. Para acompanhar o início da longa jornada dos dinossauros na Terra é preciso recuar para um passado ainda mais remoto: até pouco mais de 250 milhões de anos, no início da Era Mesozoica, quando ocorreu um evento de proporções mais dramática que o Cretáceo/Paleógeno: a maior extinção em massa de que se tem notícia, registrada há pelo menos 252,2 milhões de anos, o Episódio Permo-Triássico (Episódio P-Tr). Esse nome deriva do fato de que essa extinção ocorreu no final do período Permiano da Era Paleozoica e foi tão violento em termos biológicos que marcou a passagem para a Era Mesozoica. Duas razões principais são apontadas para esse momento dramático da história da Terra: vulcanismo de derrame intenso onde hoje está a Sibéria e impacto de um bólido celeste. Esses eventos alteraram de forma radical o clima, pela modificação relativa nas concentrações de gases atmosféricos, correntes marinhas e oxigenação dos oceanos. Além disso, a coalizão (junção) final das placas tectônicas formou o supercontinente Pangea, com a perda de linhas costeiras e das biotas que ali viviam, e geração de intensa aridez em seu centro, à semelhança do que ocorre hoje nos grandes desertos, todos muito afastados das linhas atuais de costa e do clima ameno que nelas perdura. Estima-se que nessa época a temperatura média global tenha sofrido aumento drástico de 5°C. Assim, no final do Permiano e início do Triássico, 90% da vida marinha e mais de 60% da vida continental estavam extintos. E foram necessários mais de 100 milhões de anos para que a vida voltasse aos níveis de diversidade anteriores a essa brutal extinção em massa. O início do período seguinte, o Triássico, foi marcado pela evolução de poucas formas de vida que sobreviveram ao episódio P-Tr. A Terra testemunhou a luta de uma biota empobrecida e agonizante em busca de recuperação. De fato, as rochas do Triássico inicial documentam um registro pouco abundante e muito pobre em termos de biodiversidade. Essas poucas formas biológicas sobreviventes deram origem a inúmeros grupos e vários deles prosperam até agora. Assim, a origem, tanto dos dinossauros, quanto de outros grupos estabelecidos durante o Triássico se deu em meio a uma crise nunca vista, nem antes e nem depois do Episódio P-Tr. Da fauna sobrevivente ao Episódio P-Tr, todas as grandes e principais linhagens de tetrápodes amniotas (vertebrados com quatro patas que colocam ovos com casca dura) já estavam estabelecidas havia muito tempo. O primeiro amniota recua ao Período Carbonífero. Bem no início do Permiano, sinápsidos (atualmente compostos pelos mamíferos) e sauropsídeos (agora formado pelas tartarugas, tuatara, lagartos, serpentes, jaca-

PRIMEIRO DINOSSAURO do Rio Grande do Sul foi descoberto pelo paleontólogo gaúcho Llewellyn Price, que também trabalhou em Uberaba, no Triângulo Mineiro. Mas achado só foi descrito em 1970, pelo paleontólogo americano Edwin Harris Colbert.

rés, crocodilos, gaviais e aves) já haviam evoluído de formas primitivas de amniotas. O ovo com casca dura foi determinante no sucesso dos tetrápodes e, sem ele, talvez tivesse sido impossível regenerar o mundo após o Episódio P-Tr. O ovo assegura a sobrevivência do embrião em ambientes de grande aridez por preservar umidade e nutrientes em seu interior, além de garantir proteção mecânica contra possíveis impactos. Entre os sobreviventes, ancestrais dos dinossauros puderam prosperar ainda no Triássico, vindo a se tornar um dos mais importantes grupos de vertebrados a perambular sobre a Terra, ocupando praticamente todos os territórios do Pangéia ao final do Triássico. O QUE SÃO DINOSSAUROS?

JUNTAMENTE COM OS EXTINTOS RINCOSSAUROS, fitossauros, ornitosuquídeos, e os ainda viventes crocodilianos, os dinossauros integram um grande grupo de répteis arcossauromorfos. Um grupo menor, os arcossauros (composto por crocodilomorfos, dinossauros e aves atualmente) têm várias características herdadas de um ancestral comum, entre elas a presença de uma abertura extra (preenchida por pele e músculos) entre os olhos e o nariz, a fenestra antorbital. Os arcossauros dividem-se em dois grupos menores, os pseudossúquios (que incluem vários grupos extintos e os crocodilianos) e os ornitodiros (que abrangem pterossauros e os dinossauros). A diferença fundamental entre os dois grupos está na forma como os ossos do calcanhar (astrágalo e calcâneo) articulam-se entre si. A articulação dos ossos do calcanhar dos ornitodiros possibilitou uma movimentação mais eficiente dos membros posteriores nesse grupo, o que foi fundamental para o sucesso dos dinossauros. Os dinossauros são considerados um grupo monofilético, natural, ou seja, todos os dinossauros compartilham um ancestral comum que não

EM SÍNTESE Foi no Triássico (entre 252,6 e 201,3 milhões de anos) que os dinossauros tiveram ¹à y®Î Èy´Då ´¹ 2 ¹ àD´my m¹ 3ù¨ D ¹ ram rochas triássicas, onde restos fósseis de dinossauros são escavados há mais de 70 anos. Esses fósseis são reconhecidos co-

dos ù® àùȹ ®¹´¹ ¨zï `¹j ´DïùàD¨j ¹ù åy ja, todos os dinossauros compartilham um ancestral comum, não compartilhado por nenhum outro grupo de répteis. Eles exibem inúmeras características anatômicas únicas, a maioria concentrada nos os-

mo os remanescentes de dinossauros mais antigos. O Triássico foi marcado pela evolução de poucas formas de vida. Nessa época a Terra testemunhou a luta de uma biota empobrecida e agonizante em busca de recuperação. Dinossauros são considera-

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sos da cintura pélvica e do membro posterior. Essas estruturas evoluíram para tornar os dinossauros criaturas de grande diversidade postural, originando formas quadrúpedes e bípedes, com habilidade para corridas, saltos e voo, no caso das aves.


paleontólogo americano Edwin Harris Colbert. O Staurikosaurus foi um dinossauro bípede de cerca de 2 m de comprimento. Seus dentes em forma de punhal e dotados de minúsculas serrilhas rasgavam o corpo de suas presas. O nome Staurikosaurus significa ‘Lagarto do Cruzeiro do Sul’, referência ao hemisfério sul, onde esse dinossauro viveu; enquanto pricei homenageia o paleontólogo que o descobriu. Uma série de peculiaridades no esqueleto do Staurikosaurus lembra o dinossauro Herrerasaurus ischigualastensis, localizado em rochas da Argentina da mesma idade das em que Staurikosaurus foi escavado. Mas, o parente argentino teve porte maior, chegando a até 6 m de comprimento. Herrerasaurus foi nomeado em 1963, pelo paleontólogo argentino Osvaldo Alfredo Reig. Enquanto vários esqueletos fósseis do Herrerasaurus já foram descobertos, apenas um esqueleto incompleto do Staurikosaurus é conhecido. E está no Museum of Comparative Zoology da Harvard University, Estados Unidos. Existe apenas uma réplica desse espécime no Museu Nacional do Rio de Janeiro. Antes do estabelecimento de instituições de pesquisa e museus no Brasil, muitos fósseis foram depositados em outros países, situação que hoje felizmente não mais ocorre. Por outro lado, ainda existe o comércio clandestino de fósseis. O patrimônio brasileiro é protegido por lei e material contrabandeado ainda interessa colecionadores particulares no exterior. Mas é importante ressaltar aqui que esse comércio é ilegal e passível de processo criminal. Além de Herrarasaurus, outro dinossauro muito semelhante a Staurikosaurus também viveu na Argentina: Sanjuansaurus gordilloi, descrito pela dupla de paleontólogos argentinos Oscar A. Alcober e Ricardo N. Martinez em 2010. Ele era um pouco menor do que o Herrerasaurus e maior que Staurikosaurus. O Sanjuansaurus se alimentava de carne. Em 1999, 63 anos depois da descoberta de Staurikosaurus e quase três décadas de sua descrição original, o paleontólogo brasileiro Max C. Langer apresentou, juntamente com pesquisadores brasileiros e estrangeiros, uma nova espécie de dinossauro do Rio Grande do Sul, Saturnalia tupiniquim. Diferentemente de Staurikosaurus, nomeado a partir de um único espécime, Saturnalia foi descrito com base em três esqueletos parciais, todos eles escavados na cidade de Santa Maria. Como o Staurikosaurus, e semelhante a todas as formas dinossaurianas do Período Triássico, o Saturnalia não era um dinossauro de grandes dimensões, medindo em torno de 1,5 m de comprimento. Mas algumas características ósseas sugerem que era um dinossauro sauropodomorfo. Essa linhagem de dinossauros posteriormente viria a incluir os maiores vertebrados a andar sobre a Terra, os saurópodes. Eles se distinguem por um longo pescoço, membros em forma de pilar, corpo lembrando o formato de um barril e cabeça proporcionalmente pequena. Esses dinossauros eram essencialmente herbívoros, ainda que não haja consenso quanto a alimentar-se exclusivamente de plantas. Talvez ele tivesse também incluído carne em sua dieta. Em 2010, o pesquisador argentino Martín D. Ezcurra anunciou o Chromogisaurus novasi, um pequeno dinossauro argentino descoberto na província de San Juan. Ezcurra concluiu, com base em algumas feições ósseas, que o Chromogisaurus teria sido um parente muito próximo do Saturnalia, o que mostra mais uma vez que as faunas de dinossauros Tríassicos da Argentina e Brasil tiveram muito em comum. No mesmo ano em que o Saturnalia foi apresentado à comunidade científica, outro dinossauro gaúcho foi descrito. Essa descoberta veio da cidade de Candelária, e se refere a dois esqueletos incompletos, batizados com o nome de Guaibasaurus candelariensis. A equipe responsável pela descrição de Guaibasaurus foi formada pelo paleontólogo argentino José Fernando Bonaparte e os paleontólogos brasileiros Jorge Ferigolo e Ana Maria Ribeiro. As proporções dos elementos ósseos de Guaibasaurus sugerem que ele teria chegado a cerca de 2 m de comprimento, mesmo porte do Staurikosaurus.

é compartilhado com nenhum outro grupo de répteis. Eles exibem inúmeras características anatômicas únicas, a grande maioria concentrada nos ossos da cintura pélvica e do membro posterior. Essas estruturas evoluíram de forma a tornar os dinossauros criaturas de grande diversidade postural, originando formas quadrúpedes e bípedes, com habilidade para corridas, saltos e voo, no caso das aves. De fato, considera-se que inúmeras espécies moviam-se com grande velocidade e agilidade. Os detalhes anatômicos do esqueleto dos dinossauros são um tema árduo, controverso e de difícil compreensão. Assim, não serão abordados aqui em detalhe. Algumas características anatômicas dos dinossauros, no entanto, são dignas de nota: a pelve (ossos da bacia) tem o acetábulo perfurado (com uma abertura), o pescoço e a cauda são longos, as vértebras sacrais (da região da bacia) são mais numerosas que em outros grupos de arcossauros, o úmero (osso do braço) exibe uma crista deltopeitoral alongada, estrutura para ancorar os músculos que movimentam o membro anterior e os ossos do antebraço são mais curtos em relação ao úmero. Os dígitos IV e V da mão são reduzidos e perdidos nas formas mais avançadas. Inúmeros caracteres distintivos de dinossauros são encontrados no fêmur (osso da perna que se liga à bacia). Inúmeras reconstruções de parentesco dos dinossauros são baseadas em características morfológicas do osso do fêmur, como, por exemplo, a assimetria do quarto trocânter (uma das cristas que servem para ancoramento de músculos que movimentam a perna) e a cabeça do fêmur desviada medialmente “para dentro” do corpo do animal. A evolução de todas essas características e outras não mencionadas aqui acabaram por tornar os dinossauros extremamente desenvoltos em sua forma de movimentação. Mas, no momento, não são conhecidas formas de hábito exclusivamente aquático – dinossauros exclusivamente nadadores – embora a alguns dinossauros seja atribuída alimentação exclusiva de peixes, caso do terópode gigante Spinosaurus. O paleontólogo Nizar Ibrahin e colaboradores apresentaram, no ano passado, evidências de presença de adaptações morfológicas para hábito semiaquático no predador gigante Spinosaurus aegyptiacus. DINOSSAUROS GAÚCHOS

O PRIMEIRO DOS DINOSSAUROS GAÚCHOS, Staurikosaurus pricei, foi descoberto pelo paleontólogo brasileiro Llewellyn Ivor Price em 1936, na cidade de Santa Maria. Mas ele só veio a ser oficialmente descrito em 1970, pelo

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Um fato interessante sobre Guaibasaurus é que, mesmo após um novo espécime mais completo ter sido apresentado, em 2007, até hoje não há acordo entre os pesquisadores em relação ao grupo a que ele pertence e suas relações de parentesco com outros dinossauros. Algumas características do esqueleto são compartilhadas com dinossauros já mencionados, os sauropodomorfos herbívoros que incluem formas avançadas gigantes de pescoço longo, como Apatosaurus, Titanosaurus e Argentinosaurus, enquanto outros detalhes da anatomia são mais relacionados às características de dinossauros da linhagem dos terópodes, formas em geral carnívoras que incluem os famosos Allosaurus, Velociraptor e Tyrannosaurus. A dificuldade em estabelecer um acordo em relação ao parentesco do Guaibasaurus ocorre pelo fato de ele representar uma espécie de dinossauro muito primitiva. Além disso, não se localizou, ainda, qualquer vestígio de seu crânio ou pescoço. Embora Guaibasaurus esteja entre os dinossauros mais antigos já descobertos, ele vem de rochas um pouco mais recentes das que abrigam Staurikosaurus e Saturnalia. As rochas que revelaram Guaibasaurus fazem parte da unidade geológica conhecida como Formação Caturrita, depositada entre aproximadamente 225 e 210 milhões de anos, enquanto Staurikosaurus e Saturnalia vêm de rochas da Formação Santa Maria, de idade próxima a 231 milhões de anos. Foi da Formação Caturrita que mais uma espécie de dinossauro do Rio Grande do Sul foi revelada, em 2004, embora tenha sido descoberta em 1998 por um não especialista, Tolentino Marafiga. O fóssil estava parcialmente exposto, próximo à beira de uma estrada na cidade de São Martinho da Serra. Ao constatar a possibilidade de representar o esqueleto de um animal pré-histórico, Marafiga entrou em contato com o paleontólogo Átila Augusto Stock da Rosa da Universidade Federal de Santa Maria. Após ser devidamente preparado e estudado, uma nova espécie de sauropodomorfo foi nomeada, Unaysaurus tolentinoi. A equipe responsável pela descrição científica desse novo dinossauro foi composta exclusivamente por paleontólogos brasileiros: Luciano A. Leal, Sergio A. K. Azevedo, Alexander W. A. Kellner e Átila A. S. da Rosa. Um dos aspectos mais interessantes relacionados à descoberta do Unaysaurus foi a presença de um crânio quase completo. Nenhum dos outros dinossauros descobertos no Rio Grande do Sul exibia um crânio tão bem preservado. Essa condição permitiu que os pesquisadores chegassem a várias conclusões a respeito do parentesco de Unaysaurus e de seus hábitos alimentares. Embora Unaysaurus tivesse cerca de 2,5 m da ponta do focinho à extremidade da cauda, sua cabeça era pequena, mas seu pescoço longo. Essas características revelam que ele também integrou um grupo de dinossauros ancestrais das formas gigantes de pescoço longo. Outra característica que sugere essa ancestralidade está implícita na forma dos dentes do Unaysaurus. Ao invés de grandes e curvados em forma de punhal, como ocorre com o Staurikosaurus, os dentes do Unaysaurus tinham forma de lança com serrilhas robustas, ideais para cortar plantas, ao contrário das serrilhas minúsculas dos dentes do Staurikosaurus, com função de rasgar carne. Assim como seus parentes próximos, o Unaysaurus dispunha de uma grande garra no primeiro dedo da mão, dedo correspondente ao nosso polegar. A função dessa garra ainda é discutida. Ela pode ter funcionado como gancho para puxar alguns arbustos, mas também para escavar ou, ainda, para defesa contra predadores. Mais uma espécie proveniente de rochas da Formação Caturrita veio a ser conhecida em 2007 A descoberta foi publicada pelos paleontólogos brasileiros Jorge Ferigolo e Max C. Langer. Trata-se de Sacisaurus agudoensis. Como o nome sugere, seus restos foram recuperados na cidade gáucha de Agudo, no centro do estado. A espécie foi nomeada com base em vários indivíduos que alcançavam, em média, cerca de 1,5 m de comprimento. Um fato curioso está relacionado a seu nome. Sacisaurus significa ‘Lagarto Saci’, devido a terem sido descobertos vários fêmures da

perna esquerda e apenas um da direita. Outra curiosidade desse animal é a presença de um bico na ponta da mandíbula que, juntamente com a forma dos dentes, indica que sua alimentação foi herbívora. Descobertas posteriores de outras partes do mundo colocaram em dúvida a classificação inicial de Sacisaurus. Algumas das feições do esqueleto dos dinossauros não estão presentes em seu esqueleto, o que levou certos pesquisadores a considerá-lo um parente próximo, mas não um dinossauro propriamente dito. Essa classificação do Sacisaurus como forma não dinossauriana parente dos dinossauros faz com que ele seja de grande importância no entendimento de como podem ter sido as formas ancestrais aos dinossauros e como surgiram suas principais características diagnósticas. Assim, Sacisaurus novamente salienta que as rochas do Rio Grande do Sul são importantes no estudo da origem dos dinossauros. O dinossauro mais recentemente nomeado a partir das rochas Triássicas do Sul do Brasil é Pampadromaeus barberenai. A espécie foi descoberta em 2004 e descrita em 2011, por uma equipe de pesquisadores nacionais, liderada pelo paleontólogo Sérgio Furtado Cabreira. Assim como Sacisaurus, Pampadromaeus foi coletado na cidade de Agudo, mas não de rochas da Formação Caturrita. Como o Staurikosaurus e o Saturnalia, ele foi encontrado em rochas da Formação Santa Maria, eventualmente entre os mais antigos dinossauros conhecidos. O nome do gênero Pampadromaeus significa ‘corredor dos pampas’, referencia ao atual Bioma Pampa. Já ‘barberenai’ é uma homenagem ao recentemente falecido paleontólogo gaúcho Mario Costa Barberena. Pampadromaeus é o menor dos dinossauros descobertos no Rio Grande do Sul. Teria talvez, da ponta do focinho à extremidade cauda, cerca de 1,2 m. Ele pode ter sido um animal onívoro, pois seus dentes eram levemente retorcidos e dotados de finas serrilhas. Sua natureza primitiva dificulta o estabelecimento claro de suas relações de parentesco. Mas é tido como um dinossauro do grupo dos sauropodomorfos, assim como seus dois outros parentes gaúchos, Saturnalia e Unaysaurus. Esses dinossauros totalizam até o momento cinco espécies válidas para o Triássico do Rio Grande do Sul, isso sem acrescentar Sacisaurus, já que sua identidade dinossauriana permanece em aberto. É claro que essa diversidade é muito menor que a encontrada nos períodos subsequentes (Jurássico e Cretáceo), em outras regiões tanto do Brasil como no exterior. E isso se deve ao fato de que os dinossauros ainda estavam surgindo nesse momento da história da vida na Terra. E, felizmente, para a ciência paleontológica gaúcha, o Triássico continental é preservado apenas nas rochas do estado. De fato, em rochas mais recentes (Jurássico e Cretáceo) eles já haviam ocupado os principais nichos terrestres e se diversificado em inúmeros grupos de formas, tamanhos e hábitos distintos. Durante o Triássico esses nichos eram ocupados por outros grupos de vertebrados. RECENTES DESCOBERTAS NO RIO GRANDE DO SUL

APESAR DO NÚMERO DE ESPÉCIES descritas para o Triássico gaúcho parecer baixo, existem novos e inúmeros espécimes fósseis em estudo ou em fase de preparação laboratorial, para retirada do fóssil da matriz rochosa onde é encontrado. Boa parte são descobertas muito recentes. Uma das mais importantes ocorreu entre o final de 2012 e o início de 2013 na cidade de Agudo, em um sítio fossilífero até então desconhecido dos pesquisadores, quando Dilo Wachholz e Olímpio Neu notaram algo peculiar incluso em algumas rochas da propriedade da família Wachholz. Os dois extraíram uma pequena porção de rochas e levaram até uma terceira pessoa, Mariana Kobs, que entrou em contato conosco. Quando constatamos que as amostras de fato correspondiam a restos fósseis, nos deslocamos até o local e iniciamos os procedimentos de coleta. Para sorte de nossa equipe, os fósseis além de pertencerem ao menos a três dinossauros, também estavam muito bem preservados e praticamente completos. Assim, pela primeira vez na história

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SATURNALIA, também encontrado no Rio Grande do Sul, pode ter sido da linhagem que viria a incluir os maiores vertebrados a caminhar pela Terra, os saurópodes. Eram essencialmente herbívoros, ainda que não haja consenso sobre eles alimentarem-se exclusivamente de plantas. D I

ossos preservados podem revelar detalhes anatômicos ainda desconhecidos nas espécies já descritas, o que pode permitir melhor compreensão da biologia dos dinossauros primitivos do sul do Brasil. Ao longo de apenas uma década e meia o Rio Grande do Sul passou a ser uma das regiões de maior relevância mundial no estudo de dinossauros primitivos. É esperado, com base no número de novas descobertas e crescente número de pesquisadores voltando seus estudos a esta área, que esse cenário se consolide ao longo dos próximos anos, de modo que muitas das questões ligadas à origem e irradiação inicial dos dinossauros poderão ter respostas nas rochas Triássicas do sul do Brasil. Para isso, também é importante maior investimento, tanto na busca por fósseis, quanto em recursos humanos, para a continuação de estudos brasileiros de qualidade já amplamente reconhecidos em âmbito mundial.

da paleontologia do Brasil, foram descobertos dinossauros completos. Todas as mais de 25 espécies de dinossauros brasileiros são compostas por esqueletos parciais ou apenas por alguns ossos isolados e fragmentários. Dos três esqueletos associados coletados em um imenso bloco de rocha pesando aproximadamente 5,2 toneladas, também foram recuperados vários outros restos de dinossauros menos completos. Essa concentração em um único sítio fossilífero associada à preservação extraordinária, faz desse local um das mais importantes do mundo em dinossauros primitivos. Dada a importância deste novo sítio fossilífero, uma descrição geológica com a apresentação dos fósseis recuperados até agora foi publicada no final do ano passado por Rodrigo Temp Müller e colaboradores. Esses fósseis estão depositados e em fase de preparação e estudo no Centro de Apoio à Pesquisa Paleontológica da Quarta Colônia da Universidade Federal de Santa Maria (CAPPA/UFSM), no município de São João do Polêsine. Foi também em São João do Polêsine que fizemos outra descoberta relevante no início do ano passado. Em uma busca de rotina, nós, juntamente com Sérgio Furtado Cabreira, da Universidade Luterana do Brasil, e alunos pós-graduandos da UFSM, identificamos restos de mais um importante espécime de dinossauro. Ao expor melhor os elementos ósseos, demos de encontro com parte do crânio de um dinossauro carnívoro. Tanto suas dimensões como a forma dos ossos sugeriram ser uma forma semelhante ao dinossauro argentino já mencionado, o Herrerasaurus. A importância da descoberta deve-se ao fato de nunca haverem sido descobertos restos do crânio de um dinossauro do grupo dos herrerasaurídeos no Brasil. Apenas a mandíbula do Staurikosaurus é conhecida, mas não alguma parte do crânio. O bloco de rocha contendo os restos desse dinossauro, pesando cerca de 1,5 tonelada, foi coletado e também está depositado e em fase de preparação no CAPPA/UFSM. A partir de março, será objeto de estudo de uma tese de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade Animal da Universidade Federal de Santa Maria (PPGBA/UFSM).

Sérgio Dias-da-Silva, doutor em paleontologia de vertebrados pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), é coordenador do Centro de Apoio à Pesquisa Paleontológica da Quarta Colônia (CAPPA/UFSM). Ele também é professor associado da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e orientador de mestrado e doutorado no Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade Animal da UFSM (PPGBA/UFSM). Especializou-se em anfíbios fósseis do Período Triássico do Sul do Brasil e tem dois deles tatuados no antebraço direito. Nas horas vagas anda de motocicleta e tenta aprender a tocar guitarra. Rodrigo Temp Müller formou-se em gestão ambiental pela Universidade Federal do Pampa em 2014. Atualmente é aluno de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade Animal da Universidade Federal de Santa Maria (PPGBA/UFSM). Tem desenvolvido estudos ligados à descrição de novos fósseis de dinossauros do Triássico do Sul do Brasil. Começou a trabalhar com fósseis em 2011, sob a orientação de Sérgio Dias-da-Silva. Seu interesse por dinossauros se iniciou por volta dos quatro anos, quando ganhou de presente dos pais um dinossauro de brinquedo. Na infância colecionava dinossauros de plástico. Agora coleta, prepara e estuda dinossauros de verdade.

PA R A C O N H E C E R M A I S

Dinos do Brasil (infantojuvenil). Luiz E. Anelli. Editora Peirópolis, 2011. Dinosaurs – The Most Complete, Up-to-Date Encyclopedia for Dinosaur Lovers of All Ages. Thomas R. Holtz, Jr. Random House, 2007. Paleontologia – Paleovertebrados, Paleobotânica. Ismar de Souza Carvalho. Editora Interciência, 2010. Dawn of the Dinosaurs – Life in the Triassic. Nicholas Fraser. Indiana University Press, 2006.

PERSPECTIVAS FUTURAS

OUTROS INÚMEROS FÓSSEIS de dinossauros da região depositados em diferentes instituições de pesquisa vêm sendo estudados ao longo dos últimos anos e, embora menos completos que as descobertas aqui mencionadas, também têm valor científico. Muitas vezes, fósseis com poucos

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N O S S A U R O S 1


PERFIL

D I N

O BARÃO DOS DINOSSAUROS DA TRANSILVÂNIA As ideias de um excêntrico aristocrata sobre a evolução de dinossauros revelam décadas à frente de seu tempo

O S S A U

Por Gareth Dyke

R O S 1

O

ANO É 1906. UM HOMEM PEQUENO, EM TRAJES ELEGANTES, caminha até o gigantesco esqueleto de um diplodoco no saguão de entrada do British Museum of Natural History. Delicadamente, ele tira um dos enormes ossos de um dedo do pé do animal de sua montagem de ferro, vira a peça e, com cuidado, coloca-a de volta. Mais tarde, ele observaria em carta a um colega que seu esforço não havia sido apreciado. As autoridades do museu deveriam ter prestado mais atenção. O visitante era Franz Nopcsa (pronuncia-se “Nop-cha”), barão de Szacsal na Transilvânia. Além de nobre, ele era uma respeitada autoridade em dinossauros e outros animais fósseis. O barão havia notado que a posição da falange do dedo do diplodoco estava em posição incorreta e só queria arrumá-la. Embora Nopcsa falhasse em conquistar o respeito do pessoal do museu, a história foi ligeiramente mais benéfica com ele. Entre paleontólogos da atualidade, ele é conhecido por ter descoberto e descrito alguns dos primeiros dinossauros da Europa central. Mas os detalhes de sua vida pessoal muitas vezes ofuscaram seu legado intelectual. Aventureiro, excêntrico e absurdamente ambicioso, o barão era uma pessoa vivaz e exuberante. Foi espião na Primeira Guerra Mundial e fez uma tentativa de se tornar rei da Albânia. Também era abertamente homossexual: seu amante e secretário era um albanês muito mais jovem chamado Bajazid Elmaz Doda. Mas estudos recentes deixam claro que havia muito mais por trás de Nopcsa que sua coleção de fósseis e seus assuntos pessoais e políticos. Ele desenvolveu técnicas pioneiras para analisar fósseis, que ainda hoje

estão na vanguarda da pesquisa paleontológica. Além disso, suas teorias sobre a evolução dos dinossauros revelaram estar décadas à frente de seu tempo. Nopcsa insistia que seus dinossauros transilvanos eram fundamentais para entender a evolução de dinossauros em uma escala global. Apenas nos últimos anos, com novas descobertas de fósseis, cientistas começaram a apreciar o quanto ele estava certo. ILHA DE ANÕES

A PRIMEIRA VEZ QUE NOPCSA ENCONTROU FÓSSEIS foi em 1895, quando sua irmã, Ilona, deparou com alguns ossos grandes em uma das propriedades da família na Transilvânia, então parte do Império Austro-Húngaro. Ele se apoderou dos achados e levou alguns ossos para Viena, onde frequentava a escola secundária (atual ensino médio), para mostrar as peças a um professor de geologia. O professor disse que eram de dinossauros e lhe ofereceu a assistência de um dos técnicos do departamento para coletar mais ossos e preparar uma descrição formal. Mas, embora não tivesse praticamente nenhum treinamento em paleontologia, o jovem Nopcsa, então com 18 anos, decidiu fazer tudo sozinho, trabalhando dia e noite para aprender anatomia. Ele foi rápido: em um ano escreveu um artigo sobre os ossos encontrados por Ilona e descreveu uma nova espécie de dinossauro ornitópode da Transilvânia, mais tarde apelidado telmatossauro (Telmatosaurus). Foi o início de uma longa e produtiva carreira para Nopcsa: durante o longo dos 35 anos seguintes ele publicou mais de 100 artigos científicos sobre fósseis, muitos deles inovadores. Nopcsa foi um dos primeiros a investigar se a anatomia de animais há muito extintos e o modo

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Ilustração por Jack Unruh



D I N O S S A U R O S 1

como haviam sido fossilizados juntos poderia ser útil para entender como haviam interagido em vida; ele defendeu a noção vitoriana de que aves eram um tipo de dinossauro, em vez dos distantes parentes reptilianos como seus colegas acreditavam — opinião que desde então foi aceita pela grande maioria dos paleontólogos modernos; ele mapeou a geologia de enormes áreas da Europa central; e a lista continua. Nopcsa viajou muito e para longe em suas atividades científicas, mas seu trabalho mais importante resultou de descobertas feitas em seu próprio “quintal”. O barão notou, por exemplo, que o telmatossauro, o saurópode anão magyarossauro (Magyarosaurus, um nome de gênero criado pelo paleontólogo alemão Friedrich von Huene para substituir o termo titanossauro usado por Nopcsa) — e outros dinossauros encontrados nas propriedades da família — eram significativamente menores que outras espécies estreitamente aparentadas. O magyarossauro, por exemplo, só tinha 6 m de comprimento, minúsculo em comparação a outros saurópodes, que atingem comprimentos de 15 a 20 m. Como Nopcsa era um geólogo consumado e sabia que, quando magyarossauros perambulavam pela Transilvânia, há cerca de 70 milhões de anos, no final do período Cretáceo, um mar cálido e raso, chamado mar de Tétis, cobria grande parte do sul da Europa, deixando apenas ilhas regionais elevadas, adequadas para criaturas terrestres. Ele também sabia que alguns mamíferos que viviam nessas ilhas, como os elefantes mediterrâneos, recentemente extintos, haviam desenvolvido corpos pequenos, presumivelmente para se adaptar aos limitados recursos disponíveis nesses ambientes. Consequentemente, depois de refletir, ele propôs, em 1914, que em um passado remoto o cemitério de seus dinossauros tinha sido parte de uma suposta ilha nascida da inundação da Europa pelo mar de Tétis. Ele a chamou Hátszeg e argumentou que seus dinossauros haviam estabelecido suas proporções diminutas em decorrência de um nanismo insular. Embora os contemporâneos de Nopcsa certamente tivessem ciência dos elefantes do tamanho de pôneis, de Creta e outras ilhas do Mediterrâneo, ninguém havia proposto que um encolhimento desses pudesse acontecer também com um dinossauro. A ousada teoria do barão foi amplamente ignorada. Mas a partir do final da década de 70, um renovado interesse pelas criaturas do Cretáceo Superior da Transilvânia reatualizou a possibilidade de nanismo sugerida por Nopcsa. Desde então, a teoria ganhou considerável apoio, em parte porque descobertas de outros dinossauros confirmaram que os exemplares de Hátszeg eram significativamente menores que seus iguais em outras partes da Europa, Ásia e América do Norte. Recentemente meu próprio trabalho reforçou as ideias de Nopcsa. Ao estudar uma coleção de ossos do Cretáceo Inferior desenterrada de uma mina de bauxita da Transilvânia na década de 70, descobri vestígios de diversas aves e pterossauros pequenos entre os remanescentes ósseos. A julgar por elementos preservados de asas, presumi que as criaturas provavelmente eram capazes de voar por longas distâncias. Como relatei em um artigo publicado em Palaeontology, em 2010, esses são exatamente os tipos de animais voadores que seriam de se esperar em uma ilha isolada. De fato, as espécies preservadas na coleção da mina de bauxita são similares às que Nopcsa encontrou em Hátszeg, algumas centenas de quilômetros mais a leste. A locali-

dade da mina fazia parte de outra ilha primitiva no arquipélago cretáceo formado pelo mar de Tétis. De fato, evidências obtidas por meio de uma técnica que o próprio Nopcsa inventou ofereceram alguns dos mais fortes indícios em apoio à sua teoria de nanismo insular. Na década de 30, Nopcsa publicou um artigo revolucionário em que descreveu ter examinado a estrutura microscópica, ou histológica, de osso para mostrar que o fóssil de uma alegada nova espécie de dinossauro bico-de-pato da América do Norte na realidade era apenas um membro juvenil de uma espécie já conhecida anteriormente. Ele havia descoberto que podia estimar a idade com que um animal havia morrido com base na histologia visível em fatias muito finas de osso quando observadas com grande ampliação, da mesma forma como é possível contar anéis de crescimento para determinar a idade de uma árvore. Um dos pontos fracos na teoria de dinossauros anões de Nopcsa, quando propostas originalmente, era que ele não podia excluir a possibilidade de que seus exemplares fossem pequenos, simplesmente porque eram jovens. O barão morreu antes que pudesse aplicar sua técnica histológica ao problema. Recentemente, porém, um grupo de paleontólogos alemães, americanos e romenos realizou estudos em ossos do magyarossauro e concluiu que o delicado saurópode de fato era adulto, totalmente crescido, sustentando, portanto, a interpretação de Nopcsa de que os fósseis pertenciam a um anão insular. A equipe publicou suas descobertas em 2010 no periódico da Proceedings of the National Academy of Sciences USA. Estudos histológicos de ossos, agora padrão entre paleontólogos, também esclareceram outros temas importantes para Nopcsa, como a evolução de aves. Em 2009, por exemplo, pesquisadores da Alemanha, dos Estados Unidos e da China relataram na publicação científica PLOS ONE que algumas aves primitivas, entre elas o arqueópterix, de 140 milhões de anos, têm estruturas ósseas que mostram que elas cresciam até 30% mais rápido que aves vivas atualmente exibindo um padrão que está mais de acordo com répteis de “sangue frio”, que com os de modernas aves de “sangue quente”. Portanto, algumas das características mais marcantes de aves vivas, como suas taxas de crescimento extremamente rápidas, devem ter levado mais tempo para evoluir que cientistas supunham. DINOSSAUROS EM MOVIMENTO

O SIGNIFICADO dos dinossauros transilvanos de Nopcsa se estende bem além de suas implicações para teorias de nanismo insular, como o próprio barão sabia. Com a maior parte da Europa submersa sob o mar de Tétis durante o Cretáceo Superior, os espécimes da Transilvânia oferecem um raro vislumbre de dinossauros europeus desse período. Curiosamente, muitas espécies encontradas ali, inclusive o ornitópode telmatossauro de Hátszeg, só têm correspondentes na Ásia ou na América do Norte, não no hemisfério sul. Esse padrão de distribuição geográfica sugere que a Transilvânia era uma importante ponte entre a Europa e a massa terrestre que compreendia a Ásia e a América do Norte no Cretáceo Superior. Dinossauros da Europa podiam cruzar o mar de Tétis para a Asiamérica e vice-versa ao “pularem” de Hátszeg para as outras ilhas que formavam um

EM SÍNTESE Franz Nopcsa (1877–1933) foi um nobre da Transilvânia que amou e estudou fósseis. Embora fosse mais co-

nhecido por suas façanhas pessoais e políticas, ele também foi pioneiro de técnicas para análise de fósseis e for-

mulou teorias sobre a evolução e dispersão de dinossauros ao redor do globo. Descobertas recentes enfati-

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ĆD® Õùy Då my Då ` y´ï `Då my %¹È`åD eram notavelmente prescientes.


FONTES: “AN UNUSUAL DINOSAUR FROM THE LATE CRETACEOUS OF ROMANIA AND THE ISLAND RULE”, POR HANS-DIETER SUES, EM PROCEEDINGS OF THE NATIONAL ACADEMY OF SCIENCES USA, VOL. 107, Nº 35; 31 DE AGOSTO DE 2010 (ilhas); THE CHANGING FACE OF THE EARTH, POR BRUNO VRIELYNCK E PHILIPPE BOUYSEE; UNESCO PUBLISHING/COMMISSÃO O MAPA GEOLÓGICO DO MUNDO, 2003 (mundo)

arquipélago que se estendia dos Alpes europeus ao sudoeste da Ásia. Dados geológicos publicados em 2010 em Palaeogeography, Palaeoclimatology, Palaeoecology mostraram que, como Hátszeg ficava perto tanto da margem continental europeia como do oceano aberto, ela provavelmente foi um “trampolim” bastante conveniente para animais que se deslocavam de leste para oeste. Desse modo, os dinossauros da Transilvânia em geral, e os de Hátszeg em particular, provavelmente serão fundamentais para compreender a distribuição global de dinossauros pouco antes do auge de sua diversidade, há 66 milhões de anos, um apogeu abreviado pelo impacto cataclísmico de um asteroide que extinguiu suas espécies. Desenvolvidas em uma época em que as ciências de paleontologia e geologia ainda eram incipientes, e evolução um tema acirradamente debatido, as teorias de Nopcsa foram surpreendentemente prescientes. Sem dúvida, elas se beneficiaram da posição de seu criador como membro da aristocracia. Graças à sua fortuna e influência na corte do imperador da Áustria-Hungria, Nopcsa desfrutava de enormes vantagens sobre o acadêmico padrão de sua época. Podia viajar livremente pelo império em expedições de caça a fósseis e empreender peregrinações regulares aos grandes museus da Europa. E parecia apreciar essas escapadas da vida na corte, trocando prontamente sua elegância de nobre vienense por um traje rústico, de pastor nativo, quando partiu rumo aos Bálcãs. Fluente em vários dialetos albaneses, Nopcsa costumava sumir nas montanhas da Albânia, frequentemente durante meses ou anos de cada vez, tendo por companhia apenas seu secretário e amante, Doda. Embora produzisse uma imensa riqueza de dados geológicos, meteorológicos e etnográficos ao longo de mais de uma década de viagens pela Albânia, em grande parte publicada nos mais importantes periódicos científicos da época, é improvável que Nopcsa tenha se ausentado da corte por razões meramente acadêmicas: em 1923, ele batizou uma nova tartaruga fóssil de 70 milhões de anos, que havia recolhido na Transilvânia, com o nome Kallokibotion bajazidi, sendo que o nome do gênero significa “belo e redondo”, em homenagem a Doda. Infelizmente, para Nopcsa, acontecimentos mundiais conspiraram para destituí-lo de seus privilégios. Após a derrota da Alemanha e de seus aliados, em 1918, inclusive a Áustria-Hungria, a Transilvânia foi cedida à Romênia. Consequentemente, o barão perdeu suas propriedades e fontes de renda e começou a se preocupar sobre como continuaria financiando seu itinerante estilo de vida científico. Para conseguir pagar suas contas, aceitou o cargo de chefe do Instituto Geológico da Hungria e se mudou para Budapeste. Mas as limitações da vida institucional não combinavam com seu estilo independente, e depois de poucos anos ele deixou seu emprego para retomar suas viagens com Doda, circulando de motocicleta pelos Alpes e pela Itália, em busca de fósseis e mapeando aspectos geológicos locais. Para arrecadar dinheiro para viver, vendeu a maior parte de sua coleção de fósseis, inclusive seus preciosos dinossauros da Transilvânia, ao British Museum of Natural History (agora conhecido como Natural History Museum in London), um lugar que costumava visitar regularmente como um respeitado convidado científico. Nos meses que antecederam sua morte, Nopcsa recebeu um convite para discursar perante a Sociedade Geológica em Antuérpia, na Bélgica. Embora estivesse com febre alta, ele fez a viagem. Mas ficou gravemente doente na véspera de seu pronunciamento. Ainda assim, sem nenhum preparo, proferiu uma palestra, em francês, diante de um auditório lotado, sobre a geologia da Albânia. “Sempre que falo”, escreveu mais tarde a um amigo em Budapeste, “a sala está cheia principalmente de senhoras que esperam menos explicações científicas que histórias de aventura.” Certamente,

Mapa por Emily Cooper

" ´ Då `¹åïy àDå modernas (contornos) ¨ D EïåĆy

MAR DE TÉTIS

ILHAS ANTIGAS como a de Hátszeg, formadas por um mar que cobria grande parte do sul da Europa durante o Cretáceo Superior, serviram como trampolins para dinossauros em movimento e lhes permitiram evoluir para um tamanho corporal pequeno.

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o fanfarrão barão dos dinossauros ficou feliz em condescender. Lamentavelmente, a vida de Nopcsa terminou em tragédia. Em 25 de abril de 1933, o grande caçador de fósseis, então destituído e deprimido, serviu a Doda uma xícara de chá em que tinha colocado uma droga e, em seguida, deu um tiro fatal na cabeça de seu amante sedado, antes de apontar a arma para si mesmo. A devastadora nota de suicídio que deixou para a polícia dizia: “A razão de meu suicídio é meu sistema nervoso que está no fim. O fato de eu ter matado meu amigo de longa data e secretário, sr. Bajazid Elmaz Doda, em seu sono, sem que ele jamais tivesse a mais vaga noção do que estava acontecendo, foi porque não quis deixá-lo para trás doente, na miséria e na pobreza, porque ele poderia ter sofrido demais”. O barão pode ter partido há muito tempo, mas seu legado científico continua crescendo. Gareth Dyke é paleontólogo na University of Southampton, na Inglaterra, onde estuda a história evolutiva de dinossauros e aves. Ele está escrevendo um romance inspirado na vida do barão Franz Nopcsa.

PA R A C O N H E C E R M A I S

Early cretaceous (Berriasian) birds and pterosaurs from the Cornet bauxite mine, Romania. Gareth J. Dyke et al. em Palaeontology, vol. 54, nº 1, págs. 79–95, janeiro de 2011. European island faunas of the late cretaceous—the Hátszeg island. Edições especiais de Palaeogeography, Palaeoclimatology, Palaeoecology, vol. 293, nºs 3–4, 15 de julho de 2010. 3®D¨¨ U¹mĂ å Ćy D´m yāïày®y `¹àï `D¨ U¹´y ày®¹my¨ ´ ´m `Dïy È0 èyï ` mĀDà å® ´ Magyarosaurus dacus (Sauropoda: Titanosauria). Koen Stein et al. em Proceedings of the National Academy of Sciences USA, vol. 107, nº 20, págs. 9258–9263, 18 de maio de 2010. Was dinosaurian physiology inherited by birds? Reconciling slow growth in Archaeopteryx. Gregory M. Erickson et al. em PLOS ONE, vol. 4, nº 10; 9 de outubro de 2009.

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U R O S 1


REFLEXÃO

POR QUE DINOSSAUROS SÃO IMPORTANTES

D I N O S S A U R O S 1

Ç¹ä ­D ä lx öć D³¸ä `¸­¸ ÇD§x¸³î¹§¸ D Ç߸ ää ¸³D§j sei o quanto sou felizarda por passar meus dias estudando dinossauros. Em uma época em que tantas pessoas mal conseguem arcar com os custos das necessidades básicas, como posso justificar gastar o dinheiro dos contribuintes para estudar animais que desapareceram há milhões de anos? O que eles podem nos ensinar sobre o mundo de hoje? Eles não são irrelevantes para os problemas da atualidade? A verdade é que paleontologia é tudo, menos irrelevante. O registro fóssil nos revela que alteração climática é frequente no planeta. Isso quer dizer que a mudança que estamos observando agora é normal, ou o clima está se comportando de formas inéditas devido à influência humana? Como compensar os danos que podemos ter provocado? A melhor maneira de enxergar o futuro é olhar para o passado, para esses organismos, inclusive dinossauros, que sobreviveram a prolongadas mudanças climáticas. O registro fóssil ajuda a comparar as mudanças climáticas atuais e o papel dos humanos nelas, com alterações muito antigas, antes da existência de humanos. E ele nos mostrou cinco eventos de extinção global prévios, todos anteriores à era humana, permitindo-nos perguntar se atividades antrópicas, agora, estão provocando a sexta extinção global em massa. Não poderíamos considerar uma questão dessas sem conhecimento do passado distante. Mais de 99% das espécies que já viveram estão extintas. Cada táxon, unidade taxonômica, que recuperamos representa um conjunto diferente de experimentos evolutivos com resultados distintos, e a maioria só pode ser estudada através do registro fóssil. Dinossauros, entre os vertebrados com maior número de espécies, oferecem um campo de estudo particularmente rico. Uma única linhagem de dinossauros, as aves, com cerca de 10 mil espécies, supera de longe as aproximadamente 5.500 espécies de mamíferos vivos atualmente. Ocupando uma extensão de tempo de mais de 200 milhões de anos e uma abrangência geográfica que inclui todos os continentes e praticamente todos os nichos, dinossauros têm muito a nos ensinar. Nenhum outro vertebrado terrestre se aproximou, nem remotamente, do enorme tamanho dos saurópodes, nem alcançou a eficiência de processamento de alimentos dos hadrossauros, que tinham dentes empilhados verticalmente, substituídos à medida que se desgastavam. E só podemos especular sobre a diversidade de capacidade de voo entre dinossauros semelhantes a aves extin-

tos, como os enantiornites e os enigmáticos microrraptores, de quatro asas, com penas de voo não só em seus membros dianteiros, mas também nas pernas. O registro fóssil nos exibe o que é possível para organismos vertebrados, tanto em ocupação de nicho como em adaptações biomecânicas e morfológicas a esses espaços. Há outra, não menos importante, razão para estudar dinossauros: eles encantam mesmo não cientistas. Podemos usar esse fascínio para incentivar pessoas jovens a entrar no campo das ciências, em uma época em que isso é mais importante que nunca. Engajar futuros pesquisadores não é a única DINOSSAURO maneira de a paleontologia energizar EMPLUMADO outras ciências. Estamos apenas coda província de meçando a decodificar a informação Liaoning, China molecular oculta no registro fóssil. Isso é complexo: moléculas recuperadas de fósseis inevitavelmente foram modificadas em comparação com seus estados em vida. Mas técnicas para decifrar esses códigos podem ser úteis em medicina, por exemplo. Mesmo agora estamos perdendo dados insubstituíveis. Quando fósseis não são recuperados corretamente o valor científico deles é reduzido. É um dilema: para agricultores na China rural, ou nômades na Mongólia, e até para fazendeiros nas áridas e desoladas High Plains (planícies altas) americanas, achados fósseis podem ajudar a pagar pela educação dos filhos, colocar alimentos na mesa ou aquecer suas residências no inverno. Mas os descobridores de fósseis raramente conhecem ou seguem métodos adequados de recuperação. Não é culpa deles. Intermediários gananciosos e compradores ricos são, certamente, parte do problema. Assim como a ignorância. Cientistas devem assumir um papel mais ativo na educação do público, ao explicar por que a recuperação adequada de material fóssil é tão importante. E precisamos de leis mais rígidas para acabar com o tráfico ilegal. Cientistas têm responsabilidade de contribuir para a conscientização sobre o valor de fósseis, não só como peças colecionáveis, mas também pelas lições que ainda temos a aprender das criaturas que, no passado, perambularam pelo planeta. Apenas se entendermos o registro geológico da diversidade, adaptação e variabilidade climática poderemos esperar enfrentar os desafios futuros. Mary H. Schweitzer ÷ µÍ«{rÒÒ«ÍD §«Ò frµDÍÜD¡r§Ü«Ò fr Z ù§Z DÒ ¡DÍ § DÒd ÜrÍÍrÒÜÍrÒ r DÜ¡«Ò{÷Í ZDÒd r fr Z ù§Z DÒ O « þ ZDÒ §D %«ÍÜ DÍ« §D 3ÜDÜr 7§ èrÍÒ Üë r ZæÍDf«ÍD fr paleontologia de vertebrados no North Carolina Museum of Natural Sciences.

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MICK ELLISON American Museum of Natural History

Os grandes répteis do passado podem nos ajudar a entender como a era humana está tomando forma Por Mary H. Schweitzer




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