Envelhecimento – reflexão I Por Carla Isidoro
“After all, we shouldn’t be afraid to live longer.”
Vivemos numa época de fugacidade, impaciência e corrida contra o tempo. Parece que as 24 horas do dia não são suficientes para todas as tarefas que gostariamos de fechar e a sensação de falha por não cumprirmos bem todas as responsabilidades domina-nos. O mundo ocidental confronta-se com níveis de frustração nunca antes vividos, assim como um aumento de casos de depressão e suicídio nos adultos e também nos adultos jovens e adolescentes. Algo vai mal. Cidadãos e cidadãs queixam-se de desconforto social, da má qualidade da comida à disposição, do dinheiro que não chega, da falta de civismo, da massificação e parcialidade da informação nos media, de um mundo que não está em condições de receber crianças… e de uma generalizada alienação. Os adultos sentem, verbalizam, refletem, fazem palestras e doutoramentos sobre o assunto. As crianças nascem dentro deste vórtice e crescem na violência dele sem conseguirem expressá-lo por palavras. Mas…e os mais velhos? O que sentem, pensam e verbalizam os mais velhos? A geração esquecida parece estar entalada entre um tempo linear e horizontal no qual cresceu e foi educada a viver, e um tempo acelerado e vertical ao qual nitidamente não pertence. O que motivou e quais são as consequências deste fosso cultural e civilizacional? Neste ensaio levanto algumas questões que pretendem ajudar a reflectir sobre este assunto. Penso que são dois os grandes fatores que contribuem para este fosso temporal entre as novas gerações e a geração idosa. O espectro de idades de uns e de outros é naturalmente largo, e são várias as gerações que entram nesta equação, mas de qualquer forma penso que é claro perceber a questão
que aqui estou a levantar sobre as diferenças sociais e culturais que separam uns de outros. Sendo assim, os dois factores que considero fundamentais para se perceber esta questão são: 1) a imaginação organizada; 2) a predominância de Kairos sobre Kronos. O mundo mudou muito e muito depressa. Há 20 anos a internet ainda estava no seu berço. Poucos eram os sites ou blogues, e a utilização do computador exigia que decorassemos combinações de teclas e comandos para podermos utilizar a internet devidamente. Era um processo desmotivante, nada intuitivo ou facilitador. Mas ela evoluiu, tornou-se simples e democrática, e transformou-se no maior transformador cultural do último século, e num dos maiores da História social mundial. A utilização massificada e simplificada da internet veio introduzir múltiplas mudanças no mundo comercial, social e dos media, e também na perceção do tempo, na prática do tempo e na aplicação do tempo à rotina do dia. Mudaram-se hábitos, formas de estar, de negociar, de nos relacionarmos, projetarmos, e de nos posicionarmos no mundo real e imaginário. A questão da percepção do tempo parece-me ser das mais dramaticamente afetadas. A percepção do momento presente e a prática do mesmo, aqui e agora, parece ter deixado de existir como os nossos avós a viveram. Hoje a ordem do dia faz-se no Futuro, a pensar no Futuro, projetada no Futuro, tendo como referência os prós e contras do Passado e o anseio de estar à frente… no Futuro. O momento Presente é fugaz, efémero, gasoso. Na verdade não se sabe o que ele é nem quais são as suas fronteiras. Onde começa e onde acaba? O Presente é o segundo exato em que acabo de escrever esta frase ou termina à meia-noite quando termina o dia? Há quarenta ou há vinte anos, no passado recente dos nossos avós (e até dos nossos pais), o Presente ainda era sinónimo de sentido de vida e orientação. Era no Presente que se acordava todos os dias e era nele que a Vida se desenvolvia. E isto foi assim durante décadas ou séculos. Bússula fundamental para que a atenção às coisas importantes e o essencial do dia-adia fosse praticado. Aquelas gerações sabiam reconhecer o que importava e estavam focadas no momento ‘aqui e agora’. Vivia-se um dia de cada vez, com fruição do momento (fosse ele bom ou mau), sem a criação de projeções no futuro e sem muitos planos. Vivia-se num tempo de aspecto Cronos. Um
tempo linear, horizontal, previsível e lento. Hoje, contudo, é Kairos que predomina: o tempo da imediatez, as oportunidades fugazes e únicas, e da instantaneidade. O tempo vertical do momento que já deixou de ser. A imediatez é tamanha que tanto nos ancoramos ao Passado e à ideia de um tempo mais pausado em busca de conforto e solidez, como pensamos e trabalhamos focados no Futuro e na ideia de concretização no futuro e ganhos futuros. E no Presente… o que fazemos afinal?
Projecto Lata 65
Portugal envelhece muito e reproduz-se pouco. Os últimos dados da Pordata dizem que da década de 1960 até 2011 a população portuguesa envelheceu em 127%. Considerando que a esperança média de vida aumentou, parece que este é outro factor que veio contribuir para a mudança na percepção de Presente VS Futuro, Vida VS Morte. Se virmos a forma como praticamos a vida e a morte das coisas nos dias de hoje, a morte e o renascimento das coisas, dos podutos, dos objectos, são praticados e ensaiados quotidianamente: as coisas desaparecem do mercado tão rapidamente quanto apareceram, não porque se esgotem mas porque vão ser substituídas por outras mais atualizadas e que respondem melhor às necessidades do momento, um momento que passa rápido. Vivemos em adaptação constante, onde a permanência começa a ser um bem escasso, e onde a morte é vencida pela imortalidade e pela eterna juventude que o Futuro promete. Nesta Era, onde cabem os idosos? Onde cabe uma geração que representa a sabedoria do conhecimento que se adquire com tempo, a comunicação cara-a-cara, a vida não digital, a Palavra enquanto contracto social, quando simultaneamente essa mesma geração é a prova irrefutável de que todos iremos deixar de ser jovens e saudáveis, vamos ganhar rugas e morrer? Parece-me que os idosos
são um dos paradoxos do pós-modernismo. Não sabemos lidar com eles nem com a mortalidade que representam. Acerca deste assunto, o meu antropólogo favorito, Arjun Appadurai, reflete desta forma acerca do seu conceito de ‘etnopaisagem’ e de ‘imaginação’ no livro «Dimensões Culturais da Globalização»: “Mais consequente para os nossos objectivos é o facto de a imaginação ter hoje adquirido uma força nova e singular na vida social. A imaginação – expressa em sonhos, canções, fantasias, mitos e contos – sempre constou do repertório de qualquer sociedade que esteja de algum modo organizada culturalmente. Mas na vida social de hoje a imaginação tem uma força nova e singular. Mais pessoas em mais partes do mundo consideram possível um conjunto de vidas mais vasto do que nunca. Uma fonte importante para esta mudança está na comunicação de massas, que apresenta um sortido rico e sempre variado de vidas possíveis, algumas das quais entram na imaginação vivida da gente comum melhor do que outras. (…) Nas últimas duas décadas, à medida que a desterritorialização de pessoas, imagens e ideias foi ganhando nova força, o fiel da balança foi-se deslocando imperceptivelmente. Mais pessoas em todo o mundo vêem as suas vidas pelo prisma das vidas possíveis oferecidas pelos meios de comunicação de massas sob todas as suas formas. Ou seja, a fantasia é agora uma prática social; entra, de infinitos modos, no fabrico de vidas sociais para muitas pessoas em muitas sociedades.” As vidas imaginadas e a fantasia enquanto factos sociais são conceitos distantes da realidade dos nossos avós. A imaginação como campo de práticas sociais, e não como escape ou ópio do povo, é uma realidade do novo mundo que as tecnologias digitais vieram proporcionar. O Ser nómada, o esbatimento de fronteiras (em amplo sentido), a queda de dogmas religiosos e em contrapartida a emergência do Eu/produto não casam com a vida linear e desconceptualizada que as gerações mais velhas usufruiram e conhecem bem. Como esbater o fosso entre gerações e que papel têm o marketing e o mercado de produtos neste assunto? Porque razão o storytelling é hoje uma das ferramentas mais defendidas na comunicação e das mais utilizadas na publicidade quando são precisamente os mais velhos e o saber tradicional os alicerces desta ferramenta? Quem os ouve? Quem vai beber às suas histórias e os usa condignamente enquanto dignitários deste conhecimento? Como vai o mundo resolver o problema crescente do envelhecimento
populacional e do consequente abandono de idosos e aumento de pensões? A reflexão sobre envelhecimento continuará noutros ensaios e notas sobre o assunto.
Publicado em julho de 2013 em www.decodedisrupt.com
Um dos principais compromissos institucionais estabelecidos pela Couture a partir de 2013 envolve a produção de conhecimento livre, capaz de ser ofertado à sociedade e por ela utilizado. Trata-se de uma pequena retribuição que queremos ofertar às pessoas e à coletividade. Pois é graças ao respeito e ao entendimento destas duas dimensões sociais (o indivíduo e o grupo, nossas matériasprimas do dia a dia) que temos construído projetos relevantes para organizações de primeira grandeza neste 2013, ano em que consolidamos nossos serviços de análise de comportamento, desenvolvimento de negócios e inovação a partir de Portugal e do Brasil. Com este artigo especial, produzido por nossa colaboradora Carla Isidoro, simbolicamente realizamos os primeiros movimentos exploratórios sobre uma vertente temática de pesquisa, reflexão e análise no triênio 2013 – 2016: o envelhecimento. Alisson Avila e Diogo Teixeira