OMNES HUMANITATE

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REVISTA CIENTÍFICA DA ESCOLA SUPERIOR ABERTA DO BRASIL Vila Velha –ES, Julho a Setembro de 2012, Vol. 2. N. 7.


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OMNES HUMANITATE Revista Científica da Escola Superior Aberta do Brasil

Diretor Presidente Sr. Nildo Ferreira Diretor Geral Ms. Giovanni Lívio CORPO EDITORIAL Editor Dr. Carlos Cariacás Conselho Editorial Ma. Doralice Veiga Alves– Faculdade Católica Salesiana – ESAB (Vitória – ES, Brasil) Me. Francisco Pinheiro de Assis – UFAC (Rio Branco – AC, Brasil) Ma. Isabele Santos Eleotério – FAESA (Vitória – ES, Brasil) Conselho Científico Dr. Airton Chaves da Rocha- UFAC (Rio Branco – AC, Brasil) Me. Giovanni Lívio – ESAB (Espírito Santo – ES, Brasil) Dr. Carlos Cariacás – ESAB (Espírito Santo – ES, Brasil) Dra. Daniela Zanetti – UFES (Espírito Santo – ES, Brasil)

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ISSN 2179-9628

OMNES HUMANITATE Revista Científica da Escola Superior Aberta do Brasil

Vila Velha – ES, julho a setembro 2012, vol. 2, no. 07.

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Assistente de Produção Editorial Beatriz Christo Gobbi

Projeto Gráfico e Diagramação Anderson de Souza Couto Na Capa Da. Leopoldina que presidindo o Conselho de Estado assinou o decreto de Independência do Brasil aos 07 de setembro de 1822. Nossa homenagem à grandiosa imperatriz. Fonte: Capa: Conselho de Estado - óleo sobre tela de Georgina de Albuquerque (1922), cortesia do Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro. Foto de Ricardo Bhering. ISSN 2179-9628

Ficha Catalográfica Omnes Humanitate: Revista Científica da Escola Superior Aberta do Brasil. – v.2, n.7 (Jul./Set. 2012). – Vila Velha, ES: Escola Superior Aberta do Brasil, 2012. Trimestral. ISSN 2179-9628 1. Conhecimento Multidisciplinar – Periódico. I. Escola Superior Aberta do Brasil Os artigos publicados são de inteira responsabilidade dos autores e a Instituição e os organismos editoriais não se responsabilizam pelas ideias, conceitos e opiniões emitidos.

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SUMÁRIO EDITORIAL ..................................................................................................................................06 EDUCAÇÃO , LINGUAGEM E CULTURA A Intervenção Psicopedagógica mediada pela Literatura Infantil. Jurema Kalua.................................................................................................................................... 08 O uso dos verbos introdutores de opinião no processo de organização textual da notícia. Rodrigo Leite da Silva......................................................................................................................22 Globalização, Culturas Locais e Educação: a comunidade japonesa no bairro da Liberdade frente aos desafios impostos pela Globalização para a preservação de seus costumes. Francisco Daniel Mota Lima...........................................................................................................36 Indisciplina na escola: carência de limites ou de valores? Ruy Ferreira da Silva....................................................................................................................... 46 O desdém para com o inferno - análise do cordel A chegada de Lampião no inferno. Carlos Cariacás................................................................................................................................ 55 GESTÃO Estudo exploratório sobre a visão dos gestores de produção e gestores de RH nas empresas Antonio Carlos de Lemos Oliveira; Claudino dos Santos; Renato Brito do Carmo; Thiago Moreira da Silva................................................................................................................................61 TECNOLOGIA Segurança no Ciberespaço: contextualizando o fator humano por meio da alfabetização digital Giovani Fernandes Galvão; Adriane Ferreira Galvão; Guataçara dos Santos Júnior; Siumara Aparecida de Lima.......................................................................................................................... 69

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EDITORIAL

Adentrando setembro lembramos que o inverno se vai e a primavera desponta e, com isto, o colorido toma lugar. E é em clima de primavera, onde os olhos e os sentidos contemplam o que a vida pode ofertar de tão agradável, que lançamos mais um número da Omnes Humanitate. Além do mais recoramos, em contexto pátrio, que setembro é o mês em que se comemora a independência política do Brasil e, com esta edição, pretendemos homenagear àquela que tornou possível esta realidade, a imperatriz Leopoldina. E este número quer fazer uma homenagem de reconhecimento a quem no passado tanto ofertou pelas artes, ciência e cultura para as nossas terras. A partir deste número a Omnes Humanitate se torna uma revista de caráter multidisciplinar e a implicação disto é que começará a aceitar artigos de pesquisa das mais variadas áreas e não somente das Humanidades e Ciências Sociais - como fizera até então. Jurema Kalua faz recordar em A intervenção psicopedagógica mediada pela literatura infantil que esta pode ser tida uma forte aliada no processo clínico- terapeutico para crianças. Rodrigo Leite da Silva em Usos dos verbos introdutores de opinião no processo de organização textual da notícia traz ferramentas de como analisar notícias na conjuntura política – artigo de extrema valia para estes nossos dias envoltos pela ordem da cidade Francisco Daniel Mota Lima caminhou e adentrou em diálogos com moradores do tradicional bairro da Liberdade em São Paulo e procurou analisar o impacto da globalização sobre a cultura Japonesa lá presente. Vale a pena conferir esta pesquisa de campo em Globalização, Culturas Locais e Educação: a comunidade japonesa no bairro da Liberdade frente aos desafios impostos pela Globalização para a preservação de seus costumes. Ruy Ferreira da Silva em Indisciplina na escola: carência de limites ou de valores? desenvolveu uma pesquisa sobre questões comportamentais com adolescentes e, como sempre, tal tipo de pesquisa muito pode contribuir para iluminar a compreensão do perfil no hodierno. Em O desdém para com o inferno - análise do cordel A chegada de Lampião no inferno Carlos Cariacás aborda como que o imaginário popular, em uma obra de 1970, plasmou a ideia sobre o referido “lugar” mostrando, desta forma, as mudanças sócio-religiosas que estavam acontecendo naquele período e que o pensar popular estava manifestando. Os autores de Estudo exploratório sobre a visão dos gestores de produção e gestores de RH nas empresas averiguam, mediante pesquisa de campos, o imbricado cotidiano de problemas e resoluções que os envolvidos em RH se envolvem. E os autores de Segurança no Ciberespaço: contextualizando o fator humano por meio da alfabetização digital, por sua vez, trazem uma interessante pesquisa acerca de segurança cibernética e a responsabilidade do usuário enquanto usuário da rede.

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Agradecemos a todos que colaboraram com as valiosas pesquisas para a manutenção do conhecimento mediante a escolha de publicar na Omnes Humanitate. Esperamos confiantes de que nos próximos números a contribuição venha e que continue de modo pujante.

Desejando a todos excelente leitura.

Carlos Cariacás. - o editor –

Em São Paulo, na primavera de 2012.

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A Intervenção Psicopedagógica mediada pela Literatura Infantil

Jurema Kalua Especialização em Psicopedagogia Clínico-Institucional / ESAB - ES kalua@brturbo.com.br

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RESUMO Este trabalho constitui-se em uma pesquisa teórica de cunho bibliográfico, que teve como objetivo maior demonstrar o relevante papel que pode ter a Literatura Infantil na Intervenção Psicopedagógica, respondendo à questão-problema: Por que a Literatura Infantil pode ter potencial de significativa importância na Intervenção Psicopedagógica? Com a pesquisa concluiu-se que a Literatura Infantil pode não ser apenas um mero recurso, mas constituir-se em uma estratégia mediadora nos processos da Intervenção Psicopedagógica, se utilizada com a propriedade que lhe confere seu valor simbólico e com uma abordagem para além do pedagógico, uma abordagem psicopedagógica, e, assim, poderá viabilizar a comunicação necessária entre a criança e o terapeuta, da mesma forma que através desta comunicação poderá pautar, ao terapeuta, o caminho a seguir na construção do vínculo e de sua intervenção na clínica. Palavras-chave: Intervenção Psicopedagógica. Desenvolvimento Emocional. Literatura Infantil. ABSTRACT This paper constitutes a theoretical research in the bibliographical field, which aimed to demonstrate the most important role that can be Children's Literature in Psychopedagogical Intervention, answering the problem question: Why Children's Literature may have potential for significant importance in psychopedagogical intervention? Through these research it was concluded that the Children's Literature can be not merely a resort, but become a strategy of intervention in the processes mediating Psychopedagogical Intervention if used with the property that gives it its symbolic value and an addition to the pedagogical approach, a psychopedagogical approach, and, that way can facilitate the necessary communication between the child and therapist, the same way that you can be guided through this communication, the therapist, the way forward in building the bond and its intervention in the clinic. Keywords: Psychopedagogical Intervention. Emotional Development. Children's Literature.

1. Introdução Este trabalho propõe-se a abordar a utilização da Literatura Infantil na Intervenção Psicopedagógica não apenas como mero recurso, mas como uma mediadora com potencialidades consistentes de auxílio no desenvolvimento emocional da criança, e, como consequência, em seu processo de aprendizagem, uma vez que ouvir e ler histórias faz parte do universo infantil. Faz-se, então, necessário demonstrar que potencialidades são estas que podem ser atribuídas à Literatura, de cuja demanda surgiu o problema desta pesquisa: Por que a

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Literatura Infantil pode ter potencial de significativa importância na Intervenção Psicopedagógica? Assim, este trabalho teve como objetivo geral, demonstrar o relevante papel que pode ter a Literatura Infantil na Intervenção Psicopedagógica. Quanto à metodologia, foi realizada uma pesquisa teórica de cunho bibliográfico, que não esgotou de forma alguma o tema, pelo contrário, encaminha à continuidade do estudo, na busca de tornar cada vez mais rica a contribuição da Literatura no desenvolvimento infantil, através da sua utilização como mediadora da Intervenção Psicopedagógica. 2. Desenvolvimento A Literatura Infantil tem seu surgimento ligado à valorização da infância, quando um novo olhar identifica que a criança não é apenas um adulto em miniatura, pois segundo Zilberman (2003, p. 15), “Os primeiros livros para crianças foram produzidos ao final do século XVII e durante o século XVIII. Antes disso, não se escrevia para elas porque não existia infância”. As histórias recolhidas da transmissão cultural começam a ter adaptações especialmente feitas pela Pedagogia, o que liga a Literatura Infantil à área pedagógica, conforme Zilberman (2003, p. 15), que nos diz que “Os primeiros livros para crianças foram produzidos ao final do século XVII e durante o século XVIII.” Ainda afirma a mesma autora que “[...] os primeiros textos para crianças são escritos por pedagogos e professoras, com marcante intuito educativo” (ZILBERMAN, 2003, p. 16). Não obstante ter a Literatura Infantil sua origem ligada à Pedagogia, é indispensável atribuir-lhe, também, o caráter de arte, pois pertence igualmente à Literatura, a arte da palavra, como explica Coelho (2005, p.46), [...] se analisarmos as grandes obras que através dos tempos se impuseram como ‘literatura infantil’, veremos que pertencem simultaneamente a essas duas áreas distintas (embora limítrofes e, as mais das vezes, independentes): a da arte e a da pedagogia.

Conforme Coelho (2005), a literatura infantil apresenta-se através de várias modalidades de textos, entre eles contos de fadas, contos maravilhosos, fábulas, lendas, histórias do cotidiano, pertencendo ao gênero ficção, uma vez que [...] a literatura infantil ocupa um lugar específico no âmbito do gênero ficção, visto que ela se destina a um leitor especial, a seres em formação, a seres que estão passando pelo processo de aprendizagem inicial da vida. Daí o caráter pedagógico (conscientizador) que, de maneira latente ou patente, é inerente à sua matéria. E também, ou acima de tudo, a necessidade de ênfase em seu caráter lúdico [...] (COELHO, 2005, p.164),

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Portanto, mesmo pertencendo também à área pedagógica, a Literatura Infantil é arte, pertence ao gênero ficção, e é exatamente seu caráter artístico, o simbolismo de sua linguagem, o seu conteúdo ficcional que oferecem à criança a riqueza de transitar entre o real e o imaginário, e por seu potencial em mobilizar o interesse da criança, pode tornar-se, também, um ótimo recurso para o trabalho pedagógico. Um bom livro pode possibilitar o estabelecimento de relações entre o mundo da ficção e mundo real da criança, ampliando alternativas e possibilidades de sua ação nas diferentes situações de seu cotidiano, vindo a contribuir com seu processo de desenvolvimento. Corso (2011, p.13) afirma que Nossas histórias favoritas acabam sendo fontes de inspiração e identificação, refinam ou embrutecem nossa sensibilidade, nos ampliam ou cerceiam os horizontes, ajudam a penetrar na realidade ou a evitá-la, sendo, portanto, decisivas para o que nos tornamos.

Na ficção, a realidade é vista flexibilizada de diferentes formas, vive-se e tem-se a oportunidade de sonhar, de imaginar. Na infância, a literatura pode ser valiosa para o desenvolvimento emocional da criança. O bebê humano ao nascer é totalmente dependente e sua constituição, enquanto sujeito, tem sua estrutura fundante desde o lugar que já ocupava no sonho de seus pais, conforme o pensamento de teóricos como Malher (1982) e Brazelton (2002). Malher (1982, p. 13) afirma que A falta de preparo biológico do bebê humano para manter sua vida por conta própria condiciona essa prolongada fase, específica da espécie, que tem sido denominada ‘simbiose mãe-bebê’.

Ao nascer, o bebê se percebe unido à sua mãe, e depende desta não apenas nas questões de sobrevivência física, mas também na sustentação emocional desde as primeiras interações. Complementando a idéia inicial, Brazelton (2002, p. 47) referindo-se à primeira consulta dos pais com seu recém-nascido, diz: Gosto de conversar com eles sobre o bebê com o qual sonharam, e das previsões feitas durante a consulta pré-natal. Tendo em vista que, no momento, eles estão tentando adequar aquela imagem ao verdadeiro bebê.

Quando a mãe/pais/família estão esperando um filho, constroem imagens, sonham com este bebê, e diante do nascimento é preciso adequar o filho sonhado ao filho real. As primeiras interações são fundamentais para o desenvolvimento da criança. Ocupar seu lugar de filho, o sentimento de pertença a esta família, ver-se nela e sentir como é visto são questões definitivas para seu desenvolvimento. 10


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A relação mãe-filho, compreendendo-se mãe quem desempenha a função materna, tem centralidade no desenvolvimento da criança, não só pelos cuidados necessários para a vida do bebê fisicamente, mas com a mesma intensidade, para seu desenvolvimento emocional, pois é através da mãe que o mundo chega até a criança e é nela que ela se vê pela primeira vez. Com muita propriedade, Winnicott (apud LEBOVICI, 1987, p. 139) afirma: Que vê o bebê quando ele (ou ela) olha o rosto de sua mãe? Sugiro aqui que, ordinariamente, o que o bebê vê é ele mesmo (ou ela mesma). Em outros termos, a mãe olha o bebê e a imagem que ela dá dela mesma está ligada ao que vê diante dela. Assim, no desenvolvimento emocional do indivíduo, o precursor do espelho é o rosto da mãe.

O estado emocional da mãe, a forma como vê seu filho refletem a primeira imagem que o bebê tem de si mesmo, sua constituição psíquica e seus estados afetivos estão diretamente ligados com esta relação. A comunicação mãe-bebê que acontece através de diferentes formas de linguagem, olhar, sorriso, toque, cheiro, vocalizações e palavras, estas últimas por parte da mãe, conforme afirma Lebovici (1987), constituem também o início das diferenciações e conhecimento de mundo para a criança, mas antes de tudo, é através das significações com as quais a mãe recobre a expressão do bebê que ele vai construindo o conhecimento de si mesmo e tornando sociais suas expressões que inicialmente são apenas fisiológicas. Exemplo disto é o sorriso, que inicialmente é reflexo, e sendo recoberto de significado passa a ser intencional e social. Referindo-se ao sorriso, e a partir da perspectiva walloniana, Galvão (1995, p. 81) reforça esta afirmação dizendo que “pela ação do outro, o movimento deixa de ser somente espasmo ou descargas impulsivas e passa a ser expressão, afetividade exteriorizada”. Lebovici (1987) estabelece relação estreita entre o olhar e o sorriso dentro da comunicação mãe-filho, ampliando as repercussões para além do bebê, pois a mãe se vê reconhecida como mãe através destas formas de comunicação. O autor afirma que “o olhar e o sorriso do bebê têm em comum que eles dão à mãe o sentimento de que seus esforços são reconhecidos pelo bebê” (LEBOVICI, 1987, p. 138). Considerando a relação mãe-filho, e sua fundamental importância para o desenvolvimento infantil, não é possível deixar de citar o que diz Winnicott (1990, p.43): O potencial herdado inclui a tendência no sentido do crescimento e do desenvolvimento. Todos os estágios do desenvolvimento emocional podem ser mais ou menos datados. Presumivelmente todos os estágios do desenvolvimento têm uma data em cada criança. A despeito disto, essas datas não apenas variam de criança para criança, mas também, ainda que fossem conhecidas com antecipação no caso de uma certa criança, não poderiam ser

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À luz do pensamento de Winnicott (1990), vê-se que a singularidade do ser humano é indiscutível, e é constituída a partir da complexidade de cada pessoa e de suas relações com o outro, em especial quem desempenha a função materna, também por isso é necessário que seja considerada a diversidade de cada um, respeitando as diferenças, sejam elas quais forem. Em resumo, é importante enfatizar que o desenvolvimento emocional da criança está relacionado diretamente com suas experiências em interação com seus pais ou responsáveis, e, consequentemente, com o estado emocional destes. Articulando-se este pensar de Winnicott (1990) e o entendimento de Lebovici (1987), quando fala da estreita relação mãe-bebê, referida anteriormente, vê-se que quando uma mãe pega seu bebê no colo, não pode selecionar os sentimentos que lhe deseja passar, seu estado corporal vai transmitir ao bebê o que está sentindo. Desta forma, essas interações vão influenciando o desenvolvimento emocional da criança, através das relações com seus pais ela vai construindo sua segurança, ou , ao contrário, tendo dificuldade em lidar com seus sentimentos, sentir-se amada, com certeza poderá auxiliá-la tornando-a mais fortalecida afetivamente. Na verdade, saiba-se ou não, os adultos, pais e educadores, têm a responsabilidade de apresentar o mundo, as emoções, e os limites à criança, auxiliando-a a conviver e saber lidar da melhor forma possível com as situações do cotidiano. Quando ocorrer alguma dificuldade neste processo de desenvolvimento é importante que seja olhada a criança real, ou seja, sua originalidade como é apontada por Wallon (2007), sua singularidade, sua história familiar, as condições nas quais está constituindo-se, como vê o mundo e como é vista neste seu mundo. Saber suas especificidades também quanto aos seus aspectos orgânicos, dificuldades ou deficiências, é de fundamental importância para que lhe sejam oferecidas as melhores condições no sentido do desenvolvimento de suas possibilidades, pois, como refere Wallon (2007, p. 113), “Algumas interrupções do desenvolvimento psíquico impõem a todas as reações do sujeito o tipo correspondente de comportamento”. Fazer a leitura deste comportamento é fundamental para a intervenção psicopedagógica adequada, sem rótulos nem prognósticos inflexíveis, mas com base teórica consistente e o olhar voltado à criança, sua linguagem, expressa nas mais diversas formas, gestos, expressões faciais ou verbais, e até o seu silêncio.

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Então, para que se possa auxiliar a criança em seu processo de desenvolvimento, uma vez diagnosticado a necessidade de uma intervenção psicopedagógica, é preciso pensar esta intervenção para cada criança, a partir de referencial teórico consistente que sustente estratégias pertinentes e adequadas, e, obviamente, incluindo seu contexto familiar e escolar. Quando se fala de intervenção relacionada a ações de áreas específicas do conhecimento, é importante delimitar a que área esta intervenção refere-se, pois ela estará recoberta de significado também específico. No caso da Intervenção Psicopedagógica, então, faz-se referência às interações, à mediação na Psicopedagogia, área que, como afirma Bossa (2000, p. 12), [...] busca na Psicologia, na Psicanálise, na Psicolinguística, na Pedagogia, na Neurologia e outras os conhecimentos necessários para a compreensão do processo de aprendizagem.

Portanto, a Psicopedagogia à luz do pensamento de Bossa (2000), ocupa-se da aprendizagem, ou seja, do complexo processo do aprender, no qual está implicada a complexidade do ser humano, a integralidade do ser, auxiliando para que este processo aconteça da melhor forma possível para a criança, maximizando suas potencialidades, e, principalmente, mediando a minimização de suas dificuldades. A Intervenção Psicopedagógica faz-se necessária quando, como afirma Bossa (2000, p. 12), “A identificação das causas dos problemas de aprendizagem escolar requer uma intervenção especializada”. E, portanto, esta intervenção especializada é o que se designa de intervenção psicopedagógica e, como refere Garcia Sánchez (2004, p. 20), “[...] é também a que se realiza a partir dos modelos teóricos e tecnológicos respectivos que surgem de disciplina psicopedagógica”. Especificando a intervenção do psicopedagogo, Bossa (2000, p.66) afirma que “Costuma-se chamar de psicopedagogo institucional aquele que trabalha dentro da escola e de psicopedagogo clínico aquele que trabalha nesse outro lugar”. Esse outro lugar de que fala a autora é identificado quando ela afirma: Num lugar preparado especialmente para receber crianças e adolescentes que estejam com problemas para aprender e que precisam de uma ajuda individualizada para resolver esses problemas. (BOSSA, 2000, p.64)

Assim, identificam-se dois âmbitos importantes da intervenção psicopedagógica, o institucional e o clínico. A intervenção psicopedagógica, na perspectiva da clínica com crianças, que é o foco deste trabalho, e à luz do pensamento de Bossa (2000), vai buscar uma mediação que possa auxiliar no desenvolvimento global da criança, em todas as questões relacionadas ao seu 13


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aprender, a partir de um diagnóstico que possa auxiliar o psicopedagogo no conhecimento sobre esta criança, seu momento de aprendizagem, sua história de vida, contexto familiar, escolar e social, em interlocução interdisciplinar com outros profissionais. Identificando a amplitude deste conhecimento necessário sobre a criança, Fernández (1991, p. 128) diz que “necessitamos incorporar conhecimentos sobre o organismo, o corpo, a inteligência e o desejo, os quatro níveis que consideramos basicamente implicados no aprender”. A intervenção psicopedagógica, então, na sua prática, necessita da teoria psicopedagógica e do conhecimento sobre o sujeito, a criança, considerando como ponto de partida o sintoma que demanda esta intervenção, ou seja, o problema de aprendizagem. Para tal, é necessário que o psicopedagogo tenha sensibilidade no olhar e na escuta desta criança. Escuta não só do que é expresso em palavras, mas de toda a linguagem da criança, e olhar que contemple várias formas de vê-la, ou ainda, olhar que contemple vê-la em seus diferentes aspectos. Esta abertura para olhar o outro, este verdadeiro olhar e escutar, são facilitadores significativos da intervenção psicopedagógica, das relações e interações do profissional com a criança, possibilitando uma real comunicação entre ambos, pois, como afirma Fernández (1991, p. 131), “O escutar e o olhar do terapeuta vai permitir ao paciente falar e ser reconhecido, e ao terapeuta compreender a mensagem”. Esta comunicação é como o fio condutor que vai desencadeando o processo da intervenção psicopedagógica, por isso precisa contar com todas as formas de linguagem para que possa acontecer da melhor e da mais clara forma possível. Assim, além da palavra que é a forma mais direta de comunicação do ser humano, é necessário escutar e olhar a criança através de suas linguagens simbólicas. Para Friedmann (2005, p. 37), as linguagens simbólicas são [...] aquelas linguagens não evidentes, não-verbais, que aparecem a partir de imagens, no brincar, na arte, nos gestos e nas expressões corporais, na expressão musical, nos sonhos e em outras tantas representações.

Por isso, enquanto expressão da arte, a Literatura Infantil, e em especial as narrativas, salientadas nesta pesquisa, podem constituir-se em linguagem simbólica, utilizadas pela criança, tanto na expressão de releituras e/ou identificação com as personagens, na reação a uma determinada história, como até nas suas escolhas. Da mesma forma, poderá orientar a escolha das histórias por parte do terapeuta, na medida do seu entendimento sobre o que a criança comunica através destas formas de linguagem,

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possibilitando, assim, que possam constituir-se em uma alternativa de significativa mediação para a intervenção psicopedagógica. Considerando a integralidade do ser humano e todos os aspectos apontados sobre o quanto seu desenvolvimento emocional está implicado no seu aprender, à luz dos teóricos já citados, não é possível pensar a Intervenção Psicopedagógica desvinculada de um olhar atento a este todo indivisível. Assim, pensar nos processos de Intervenção Psicopedagógica significa, em primeiro plano, buscar entender o que quer nos dizer “o não aprender”. Evidentemente, para isso, não nos adianta, apenas, a palavra direta, é necessário estabelecer uma comunicação através das linguagens simbólicas da criança, referidas anteriormente. Então, a intervenção psicopedagógica será facilitada se contar com uma via de acesso também simbólica, que possa dialogar através de linguagem que permita uma comunicação frutuosa, fazendo-se referência, aqui, à interação entre criança e terapeuta, na clínica psicopedagógica. Esta interação requer estabelecimento de vínculo e qualidade na comunicação, e, mais do que recursos, necessita estratégias significativas de mediação. Parece, então, que a Literatura Infantil pode constituir-se em uma estratégia de significativa contribuição nos processos de Intervenção Psicopedagógica, em especial as narrativas, sejam as folclóricas, tradicionais, ou as contemporâneas e de autores identificados, pois guardam estreita relação com a aprendizagem, como diz Safra (apud PARENTE, 2010, p. 9), A narrativa guarda relações com necessidades fundamentais da condição humana. Ela coloca algumas das facetas fundamentais do destino humano em uma temporalidade análoga ao ciclo de vida humano. O nascer, o existir, o morrer. Cria cenas e experiências em um registro de faz de conta ou era uma vez, que possibilita que todos os que escutam ou lêem possam coexistir com os personagens da narrativa.

Afirma Tavares (1998, p. 106), em seu texto publicado na Revista da Associação Psicanalítica de Porto Alegre, que É através de bruxas, lobos-maus, gigantes, bichos-papões, e ogros diversos, que as crianças poderão dar um nome às suas angústias e assim dominá-las. Isto é, estes seres fantásticos – representantes da demanda que a criança tem, em relação ao Outro, de um saber – são capazes, através da eficácia imaginária, de dar um nome ao seu fantasma, àquilo que lhes causa angústia.

Desta forma, a criança pode pensar soluções, enfrentar seus medos, imaginar-se potencializada através da personagem, experimentar situações do cotidiano, comunicar simbolicamente o que não consegue entender e nem formular em linguagem verbal. 15


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A riqueza da interação através das relações com as narrativas podem oferecer ao terapeuta a pauta dos caminhos para sua intervenção, e mesmo que a emoção da criança não tenha sua causa pontualmente identificada, sua circulação no contexto do imaginário com a sustentação do terapeuta pode possibilitar-lhe a aprendizagem de diferentes formas para lidar com seus conflitos ou com as superações de que necessita. Importante salientar, que coerentemente ao que foi abordado sobre o desenvolvimento emocional da criança, especialmente quanto à sua singularidade, nos processos da Intervenção Psicopedagógica, a escolha das narrativas a serem contadas ou lidas pela criança deve atender à resposta de cada uma. Para tal, o terapeuta precisa de um olhar e uma escuta sensíveis ao oferecer ou propor as histórias. Não se trata de uma escolha pedagógica, mas psicopedagógica, portanto não adianta apenas termos a indicação da adequação do texto à idade cronológica ou ao período de desenvolvimento vivido pela criança, é fundamental que o conteúdo, suas personagens venham ao encontro de suas questões mais individuais e singulares, seus conflitos, desejos ou angústias. É fundamental que a criança atribua significado à narrativa escolhida. Para isso, temos como referencial teórico o que aponta Bettelheim (2008, p. 27): Como não podemos saber em que idade um conto específico será mais importante para uma criança específica, não podemos decidir qual dos vários contos lhe deveria ser contado num determinado momento ou por quê. Isso só a criança pode determinar ou revelar pela força com que reage emocionalmente àquilo que um conto evoca na sua mente consciente e inconsciente.

Em função disso, considera-se que, nos processos de Intervenção Psicopedagógica, possa-se usar como estratégia que os livros com as narrativas façam parte de um conjunto de recursos ao acesso da criança, e, em sua interação com eles, com sua leitura ou contação pelo terapeuta, aconteça a escolha pela própria criança. As repetidas escolhas, da mesma forma respeitadas pelo terapeuta, oferecerão a oportunidade da leitura atenta por parte do profissional sobre as questões que demonstram relevância para a criança, talvez apontem suas necessidades, bem como dificuldades. No mesmo texto, anteriormente citado, de Bettelheim (2008, p. 27), o autor acrescenta: “Logo ela indicará que uma certa história se tornou importante para si, seja respondendo-lhe de imediato, seja pedindo para que lhe seja contada repetidas vezes.” É muito recorrente o fato das crianças pedirem que uma mesma história seja contada muitas vezes, talvez nem sempre seja dada a devida importância a este fato. Atender sua solicitação é de suma importância, os motivos vão muito além de simplesmente ter gostado da história, provavelmente as situações narradas mobilizaram de

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forma significativa seus sentimentos, e com certeza ouvi-la novamente terá relações relevantes para seu desenvolvimento emocional. Na clínica psicopedagógica esta será uma oportunidade de auxiliar a criança nas suas elaborações necessárias, uma vez que possibilitar estas experimentações num ambiente de sustentação emocional deverá ser de extremo significado, pois, como completa Bettelheim (2008, p.28) As interpretações adultas, por mais corretas que sejam, roubam da criança a oportunidade de sentir que ela, por conta própria, por meio de repetidas audições e ruminações acerca da história, enfrentou com êxito um situação difícil.

Também neste processo, o terapeuta poderá ir avançando não apenas em seu conhecimento sobre esta criança, como irá tendo a possibilidade de ir pautando, de forma crescente e gradual, suas intervenções no sentido de alcançar a minimização da dificuldades apresentadas por ela. Importante salientar que os avanços que forem alcançados não serão superficiais ou simplesmente

comportamentais,

pois

refletirão

mudanças

significativas

no

desenvolvimento emocional da criança, possibilitando-lhe ampliar suas relações e interações no cotidiano, pois, como afirma Corso (2006, p. 165), “[...] quanto mais alternativas ficcionais forem oferecidas a uma pessoa, mais instrumentos ela terá para elaborar seus dramas”. Considerando que, quando se trata de uma criança, a expressão de seus sentimentos em uma linguagem verbal e de forma mais direta é mais difícil, encontra-se na linguagem simbólica mediada pela narrativa uma possibilidade impar de oportunizar sua expressão, vivência e elaboração. Desta forma, pode-se dizer que as narrativas têm potencialidade mediadora para possibilitar à criança enfrentar, através da ficção, situações que lhe causam sofrimento, medo ou qualquer tipo de dificuldade, bem como realizar-se projetando sonhos e possibilidades para o futuro. Assim, é necessário ofertar uma variedade significativa de histórias para a escolha da criança, pois como afirma Corso (2006, p. 164), Quando temos um problema, pinçamos uma história que venha nos falar dele, de preferência aquela que contenha uma certa resolução. Relançamos na fantasia o que nos aflige, mas, em sua versão ficcional, o problema encontra alguma saída.

Complementando esta ideia, Corso (2011, p. 20) acrescenta que “as crianças usam as histórias como sistemas para organizar sua vida e seus impasses”.

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Desta forma, pode-se inferir que, para além de um bom recurso, as narrativas podem mediar os processos de Intervenção Psicopedagógica com potencialidade significativa para o desenvolvimento integral da criança, na medida em que potencializa seu desenvolvimento emocional. Colocar este potencial mediador das narrativas infantis, na Intervenção Psicopedagógica, é sustentável pelas inúmeras afirmações sobre ele como forma de possibilitar à criança acessar seus recursos emocionais através da literatura. Corso (2011, p. 20), referindo-se à importância das histórias no desenvolvimento infantil, chega a afirmar que “respeitadas as devidas proporções, a literatura infantil é um apoio para a filosofia possível desse momento”. Embora um grande número das histórias mais apreciadas seja de origem folclórica, portanto cultural, o significado dado pela cultura às narrativas é deveras superficial frente às suas reais possibilidades. Assim, concorda-se com Corso (2011, p. 21) quando diz que Tende-se a subestimar a função da narrativa na construção e na sustentação da nossa personalidade: geralmente a pensamos como acessória, como lúdica e muito poucas vezes como essencial.

Comprovando esta importância da ficção no desenvolvimento emocional, registram-se as experiências relatadas por Celso Gutfreind em seu livro O Terapeuta e o Lobo – a utilização do conto na psicoterapia da criança, onde demonstra “[...] a importância do efeito da estrutura narrativa na vida psíquica da criança” (GUTFREIND, 2010, p. 35). Gutfreind (2010) vem demonstrar o que se apresenta como potencial da literatura neste trabalho, ou seja, não se trata de um mero recurso e sim de uma estratégia mediadora, e sua pesquisa vem ao encontro desta afirmação quando diz que “é possível, portanto, perceber que existe uma grande variedade de abordagens a respeito da utilização do conto como mediador” (GUTFREIND, 2010, p. 36), e acrescenta que se trata de “[...] um mediador que interessa a um extenso leque de técnicas terapêuticas” (GUTFREIND, 2010, p. 37). Neste leque, acredita-se que pode ser incluída a clínica psicopedagógica, e a intervenção mediada pela literatura possa colocar o “não aprender” na imensa gama de situações que podem ser flexibilizadas a partir da vivência ficcional da criança. A interação da criança com o terapeuta pode ser viabilizada através da narrativa, mas é necessário que haja um encontro de vínculo neste espaço ficcional, e para isso o terapeuta precisa envolver-se e sensibilizar-se com a história, não basta contá-la, precisa

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entrar nela com a criança para que possa abrir espaço para que ela construa sua representação. Ou seja, a literatura oferece espaço para a construção da representação, mas para tal não pode ser pensada com objetivos apenas pedagógicos. Articulando-se as afirmações e experiências referidas por Gutfreind (2010) com o pensamento de Corso (2011), quando se refere ao valor das histórias infantis, vê-se que, na clínica Psicopedagógica, a mediação através das narrativas vai viabilizar o pensar representacional e emocional da criança, possibilitando-lhe experiências necessárias e específicas de acordo com sua singularidade, e desta forma experiências de verdadeira aprendizagem, promovendo mudanças significativas na sua construção pessoal e possibilitando avanços em seu desenvolvimento global. Sendo assim, incluem-se neste desenvolvimento todas as questões de aprendizagem, inclusive as experiências de leitura e produção textual, mesmo que ainda a criança não esteja apropriada do código linguístico, pois isso já ocorre quando ouve a história e a reconta oralmente, estas ações estarão incluídas de forma natural em sua interação com as narrativas. Considerando que a Literatura Infantil pertence à área pedagógica e também é arte, sua importância não pode ficar restrita à exploração didática. Este último aspecto é relevante, mas o espaço conferido pela ficção à representação simbólica da criança amplia sua potencialidade para auxiliar o desenvolvimento emocional na infância. As narrativas representam situações do cotidiano, momentos do desenvolvimento infantil, relacionamentos parentais, e desta forma oferecem o espaço para que a criança possa viver na ficção alguns de seus medos, sua perdas, seus desejos, possa projetar o futuro sentindo sua potencialidade de amadurecimento e de seu vir a ser. Com este potencial e sua aplicação em técnicas psicoterápicas, como as descritas por Gutfreind (2010), pode-se dizer que a clínica psicopedagógica tem na Literatura Infantil uma possibilidade muito rica de mediação. Colocando-se a Intervenção Psicopedagógica no leque das terapêuticas que podem utilizar a mediação dos contos, como sugere Gutfreind (2010), estende-se o potencial comunicativo da literatura à clínica psicopedagógica. Mas, é fundamental salientar que, para que aconteça esta comunicação criança/terapeuta através do conto, pensando-se na ótica de Gutfreind (2010), é necessário que o terapeuta deixe-se apaixonar pela história, vivendo o mesmo encantamento da criança, podendo auxiliá-la a entrar nesta história, mas também a sair dela, identificando a diferença entre o real e o imaginário. 19


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Assim, nesta interação com as narrativas a criança vai construir suas representações, ampliar suas possibilidades de lidar com as situações do cotidiano e, ao mesmo tempo, como afirma Saraiva (2008), ampliar sua experiência leitora, seu vocabulário e sua expressão oral, potencializando suas possibilidades quanto á produção textual. A ficção reproduz a vida e os diversos contextos sociais e culturais, nos diferentes tempos e nos diferentes espaços, da mesma forma, é na própria vida humana que ela inspira-se, e é também através da ficção que é possível pensar com mais flexibilidade diferentes formas para enfrentar os conflitos cotidianos. 3. Conclusão Acreditando na potencialidade da Literatura Infantil na mediação dos processos da Intervenção Psicopedagógica, buscou-se através desta pesquisa bibliográfica justificar essa visão, respondendo à questão problema inicialmente colocada. Identificou-se que visitar os contos, para uma criança, significa potencializar possibilidades para que ela possa pensar melhor seu cotidiano, amplia seu repertório para aprender a lidar com seus conflitos viabilizando os enfrentamentos que lhe são necessários, além de oferecer-lhe significativa experiência leitora. Assim, concluiu-se que a Literatura Infantil tem potencialidades para não ser um mero recurso, mas constituir-se em uma estratégia mediadora nos processos da Intervenção Psicopedagógica, se utilizada com a propriedade que lhe confere seu valor simbólico e com uma abordagem para além do pedagógico, uma abordagem psicopedagógica, pode viabilizar a comunicação necessária entre a criança e o terapeuta, da mesma forma que através desta comunicação poderá pautar, ao terapeuta, o caminho a seguir na construção do vínculo e de sua intervenção na clínica. Evidente que, de forma alguma, este tema pode esgotar-se aqui, além da bibliografia estar em constante atualização, esta pesquisa bibliográfica instiga ao trabalho de campo, observando-se o que aqui foi proposto: ‘A Intervenção Psicopedagógica mediada pela Literatura Infantil’. 4. Referências BETTELHEM, B.. A psicanálise dos Contos de Fadas. São Paulo: Paz e Terra, 2008. BOSSA, N. Dificuldades de Aprendizagem O que são? Como tratá-las? Porto Alegre: Artmed, 2007.

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Uso dos Verbos introdutores de opinião, no processo de organização textual da notícia.

Rodrigo Leite da Silva Mestre e Doutorando em Língua Portuguesa (PUC/SP) Professor da Universidade Nove de Julho - SP prof.rodls@uninove.br

______________________________________________________________________ RESUMO Este trabalho situa-se na área de Linguística de Texto e Análise Crítica do Discurso e trata apresentar recursos linguístico-discursivos empregadas pela mídia escrita, na utilização dos verbos introdutores de opinião, dos adjetivos com função persuasiva e do discurso direto para a organização textual da opinião na notícia. O corpus de análise foi constituído por excerto retirado de texto jornalístico publicado pelo jornal paulistano Folha de S. Paulo (FSP) no dia 17 de maio de 2009. A matéria apresenta o quadro político no estado do Rio Grande do Sul, especificamente sobre o governo estadual, e suas preocupações em relação ao próximo pleito eleitoral. Os resultados obtidos demonstram que quaisquer escolhas feitas pela mídia na transposição das informações - que se referem as questões que organizam um dado referente textual - não são objetivas e imparciais, pois são reunidas e organizadas de maneira que o seu auditório construa as representações da realidade de acordo com suas orientações.

Palavras-Chave: Verbos Introdutores de Opinião; Adjetivos com Função Persuasiva; Discurso Direto; Organização Textual da Opinião.

ABSTRACT This work is in the area of Text Linguistics and Critical Discourse Analysis is present and linguisticdiscursive resources employed by the print media, the use of verbs introducers opinion, with persuasive function of adjectives and direct speech to the organization of textual opinion on the news. The corpus analysis comprised excerpt taken from newspaper text published by the newspaper Folha de São Paulo Paul (FSP) on May 17, 2009. The article presents the political framework in the state of Rio Grande do Sul, specifically on the state government and their worries about the next election. The results show that any choices made by the media in the implementation of information - referred questions regarding organizing a given textual - are not objective and unbiased as they are collected and organized in a way that your audience build

representations

of

reality

according

to

its

guidelines.

Keywords: Verbs introducers Opinion; Adjectives with Persuasive Role; Direct Speech; Textual Organization of view.

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1. Introdução No sentido jornalístico, a notícia define-se como a utilização de artefatos linguísticos que procuram representar determinados aspectos da realidade e que resultam de um processo de fabricação e construção, em que interagem diversos fatores de natureza pessoal, social, ideológica, cultural e do meio físico/tecnológico que são disseminados pela mídia e apresentam novidades - com um sentido compreensível - num determinado momento histórico e sociocultural. Contudo, esta atribuição depende exatamente do consumidor da notícia que se encontra sob a influência de todo processo opinativo, proposto pela “empresa-jornal”, constituindo os fatores mencionados. Assim, nota-se que são construídas representações, na elaboração do evento noticioso que atendam aos interesses da “empresa-jornal”, defendendo posições ideológicas e políticas. Diante deste aspecto, as notícias são construídas com o objetivo de guiar a construção opinativa do auditório, em relação a um dado referente presente em sua realidade. Charraudeau (2006:42) afirma que: Nenhuma informação pode pretender, por definição, à transparência, à neutralidade ou à factualidade. Sendo um ato de transação, depende do tipo de alvo que o informador escolhe e da coincidência ou não coincidência deste com o tipo de receptor que interpretará a informação dada.

Neste contexto, consta-se que informações de quaisquer naturezas são reconstruídas por meio do olhar do produtor textual, guiado por um conjunto de valores e crenças que determinam a versão adotada, em nível de representação, para a informação veiculada a seu interlocutor. Charaudeau (2006:131) acrescenta que “não há captura da realidade empírica que não passe pelo filtro de um ponto de vista particular”, pois o próprio ato de escolher qual acontecimento para ser transformado em notícia, pode ser visto como uma filtragem da realidade. Para Citelli (1998:65), a língua tem um caráter unidirecional, ou seja, os emissores e receptores não se integram num circuito comunicativo. O receptor não responde: trata-se

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de uma passiva figura que somente ouve ou lê. Dessa maneira, impõe-se o discurso que não obtém resposta, sendo unilateral e visto como verdade absoluta. Diante desses aspectos, percebe-se que o conceito de objetividade presente em textos jornalísticos torna-se questionável, senão impróprio, pois a informação tem um propósito a ser atingido, sendo assim não há fidelidade no relato dos fatos que organizam o evento noticioso proposto pelo texto jornalístico, não havendo, também, imparcialidade, pois, se de um lado temos o “filtro” que dirigiu o discurso, do outro temos um receptor “passivo”, pronto para acatar as representações construídas pelo jornal, como se fossem de fato uma transposição da realidade. Então, observa-se que o jornal passa a ter o caráter de apresentar construções fictícias, pois a notícia passou por um deslocamento de transformação, que automaticamente altera o significado inicial do relato, contando também, com a presença de um direcionamento, proposto pelo processo de filtragem, para o leitor e o recorte escolhido, havendo, naturalmente, alteração do fato descrito como real. Assim sendo, cria-se no leitor a ilusão de que a palavra escrita é verdadeira, pois o discurso jornalístico caracteriza-se, também, como institucionalizado. Estes discursos institucionalizados podem ser definidos, segundo Van Dijk(1997), por três grandes categorias analíticas: Poder, Controle e Acesso. O poder é definido pela reunião de pessoas que tomam decisões e têm autoridade de impô-las, aos demais, sendo que nesse espaço é possível localizar a ideologia. O controle reúne um outro grupo de pessoas, que coloca em execução o que o poder decidiu e só terá Acesso ao público, por meio de textos que o controle determina. Diante disso, é notável que o discurso se estabelece como uma prática sociointeracional que se define pelo seu Contexto Global, composto por participantes, suas funções e suas ações. Assim, no que tange ao discurso jornalístico, segundo Guimarães (1999), o Contexto Global desta prática sociointeracional seria integrado por: 

Participantes do Poder: os donos do jornal-empresa;

Participantes do Controle: editor-chefe, redator-chefe e pauteiro;

Participantes do Acesso: repórteres, diagramadores e corretores.

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O Contexto Global, em cada evento discursivo, tem um Contexto Local que é definido pelos atores que representam os papéis definidos pelo Contexto Global. Nesse sentindo, Van Dijk (1997), afirma que as práticas discursivas institucionais são movidas pela ideologia, ou seja, conjunto de valores estabelecidos e instaurados socialmente pelos Participantes do Poder. No tocante das questões ideológicas, parte constitutiva das práticas sociodiscursivas do texto jornalístico, Fiorin as conceitua da seguinte forma:

a visão de mundo de uma determinada classe social, isto é, um conjunto de representações, de idéias que revelam a compreensão que uma dada classe tem do mundo. Como não existem idéias fora dos quadros da linguagem, entendida no seu sentido amplo de comunicação verbal ou não-verbal, essa visão do mundo não existe desvinculada da linguagem. Por isso, a cada formação ideológica corresponde uma formação discursiva, que é um conjunto de temas e de figuras que materializa uma dada visão do mundo. [...] Há, numa formação social, tantas formações discursivas quantas forem as formações ideológicas. Não devemos esquecer-nos de que assim como a ideologia dominante é a da classe dominante, o discurso dominante é o da classe dominante. (2007:32).

Nesse sentido, a ideologia postulada pela empresa-jornal encontra-se, de forma sutil e discreta, imbricada aos os fatos relatados pelo texto jornalístico, que definem a composição organizacional da notícia. Se é o fato que define a notícia, vejamos – segundo Perelman – a definição de fatos e verdades: Entre os objetos, de acordo, pertencentes ao real, distinguiremos de um lado os fatos e verdades, de outro, as presunções. Não seria possível, nem conforme ao nosso propósito dar do fato uma definição que permita, em todos os tempos e em todos os lugares, classificar este ou aquele dado concreto como sendo um fato. Cumpre-nos, ao contrário, insistir em que, na argumentação, a noção de “fato” é caracterizada, unicamente, pela idéia que se tem de certo gênero, a respeito de certos dados.

(PERELMAN, 1996:75) Dos elementos apontados pelo autor, pode-se concluir que as encarnações dos auditórios serão determinantes para decidir o que será considerado fato e se tornará notícia, do ponto de vista de quem escreve e de quem lê. Em ressonância com as postulações acima expostas, principalmente no que respeita às propriedades discursivas que referem ao uso da língua e no processo de construção de sentidos, este trabalho apóia-se na hipótese de que os redatores das notícias jornalísticas 25


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direcionam o que será veiculado para o auditório, desde a escolha lexical, a imersão em um contexto de produção até a publicação da notícia, construindo para o leitor a opinião a ser adotada, alinhando-a sempre na convergência dos interesses da empresa-jornal.

2. O texto opinativo Os discursos públicos institucionais contribuem para a construção de crenças que estão subordinadas aos interesses de uma classe de poder e são determinadas como resultados da observação das pessoas, em relação ao que acontece no mundo, por meio da apresentação de projeções organizadas como ponto de vista. Esta é governada por objetivos, interesses e propósitos específicos, assim sendo, quando as pessoas possuem os mesmos interesses, objetivos e propósitos elas se reúnem em um grupo social e suas crenças constroem um Marco de Cognições Sociais. Diante desse aspecto, a Epistemologia estabelece a diferença entre os conhecimentos factuais e os opinativos, em que estes implicam a projeção de uma escala de valores que percorre, do pólo positivo ao negativo, e aqueles, são observáveis no mundo e podem ser constatados pelo interlocutor, de forma a atribuir a esse conhecimento o valor de verdade/falsidade. Os conhecimentos avaliativos são designados crenças e os factuais, por serem observáveis e constatáveis, são representações do mundo. Tais conhecimentos avaliativos constituem a construção da opinião adotada pelas pessoas, em suas interações. Assim, Van Dijk (1997), propõe que todas as formas de conhecimento são avaliativas, sejam conhecimentos sociais ou individuais; portanto, todas as formas de conhecimento são crenças. O autor, ainda, afirma que é complexo conceituar de com exatidão a opinião, pois mesmo que esta se encontre presente na vida cotidiana e institucional, ela tem merecido pouca atenção de especialistas de texto e do discurso. Em função dessa complexidade, o autor delimita a questão da opinião, como linguista, a partir da vertente sociocognitiva da Análise Crítica do Discurso, sendo que esta se preocupa com as formas de conhecimentos sociais. A partir dos resultados já obtidos para conceituar opinião, o autor afirma que, os estudiosos apresentam diferenças existentes entre espisteme e doxa, bem como 26


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conhecimentos epistêmicos de conhecimentos avaliativos. Os epistêmicos são factuais e decorrem do que se constata ao observar o mundo; por essa razão, pode-se aplicar a este tipo de conhecimento o critério da verdade/falsidade. Sabe-se que os conhecimentos avaliativos são opiniões e, quando públicos, são designados doxa (opinião pública), constata-se, portanto, que este conhecimento avaliativo é uma crença, pois se deve concluir o quão bom/o quão mal algo é. Por conseguinte, a opinião não pode ser analisada pelo critério de verdade/falsidade. De acordo com Silveira (1994), qualquer tipo de conhecimento é uma crença, pois decorre não do real, mas de como se focaliza o que acontece no mundo, criando para tal conhecimento um determinado ‘estado de coisas’. Em outros termos a opinião é construída a partir do Marco das Cognições Sociais de seu produtor. Segundo a autora, quando o referente é avaliado por alguém, é porque este conhece a representação que o Marco das Cognições Sociais possui, por conseguinte conhece também o seu conjunto de crenças e na medida em que decorre de um determinado ponto de vista, naturalmente, aceito pelos membros daquele grupo social, em que se situa o referido Marco. Nesse sentido, a avaliação se apresenta como a solução de um problema e requer habilidade, consequentemente ela é um componente fundamental da inteligência e está ligada ao conhecimento. Na avaliação do referente há toda a influência dos elementos persuasivos, dos quais o autor do texto utilizou-se para sua produção e de acordo com Bellenger (1985), a persuasão é um jogo mútuo de conivência, de perspicácia recíproca. Persuadir é tomar consciência da topografia das opiniões e daquilo que as sustém. Cremos, portanto, que o ato conivente leva à persuasão , ou seja, se se torna verdade, a notícia foi manipulada, mas na outra ponta houve que se deixasse manipular. Por isso, para Abramo (1988) a característica principal da imprensa é a manipulação das informações e como efeito os órgãos de imprensa não refletem à realidade. A relação existente entre o material que a imprensa apresenta para o público é indireta, pois distorce a realidade. Ainda, segundo Abramo (1988,23,24):

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Omnes Humanitate – Revista Científica da ESAB - Julho a Setembro de 2012, Vol. 2. N. 7 Tudo se passa como se a imprensa se referisse a realidade apenas para apresentar outra realidade, irreal, que é a contrafação da realidade real. É uma realidade artificial, nãoreal, irreal, criada e desenvolvida pela imprensa e apresentada no lugar da realidade real. A relação entre imprensa e realidade é parecida com aquela entre um espelho deformado e um objeto que ele aparentemente reflete: a imagem do espelho tem algo a ver com o objeto, mas não só não é o objeto como, também, não é a sua imagem; é a imagem de outro objeto que não corresponde ao objeto real.

Portanto, no momento em que se textualiza, dentro do contexto jornalístico, um determinado fato, constrói-se uma opinião, a partir de circunstâncias que se apresentam como provas para a elucidação do referente. A partir daí, as cognições sociais adotam uma representação do referente relatado e automaticamente uma opinião pública (doxa), orientado pela elucidação dos fatos que pertencem ao texto jornalístico. Esta elucidação atende aos interesses da imprensa e são aceitos pelo auditório por ser um discurso institucionalizado, ou seja, autorizado a demonstrar as representações ilusórias criadas para a realidade. Conforme Bellinger, (1985), realizam-se aí as quatro C da comunicação persuasiva: credibilidade, coerência, consistência e congruência. Assim, o leitor autoriza o discurso que se crê manipulador.

3. Os verbos introdutores de opinião na construção da notícia O discurso jornalístico, como os demais discursos midiáticos são identificados por van Dijk (1997), como discursos institucionalizados, em que o objetivo é propor o domínio da mente das pessoas, em sociedade. Nesse sentido, tal discurso é identificado como aquele que objetiva construir a opinião para o público e, assim, utiliza-se de numerosas estratégias. A notícia é o texto mais típico do discurso jornalístico e é construída por meio de duas categorias semânticas: o Inusitado e o Atual. A categoria Inusitado guia a seleção do que ocorre no mundo e que não participa do cotidiano da vida das pessoas. No Manual de redação da Folha lê-se que “se um cachorro morder um homem, isso não é objeto de notícia; mas, se um homem morder um cachorro, esse inusitado é objeto de notícia”. A categoria Atual contribui para que haja a seleção de eventos, a partir do que ocorre no dia ou em passado muito próximo à publicação da notícia. Situado no tempo, o evento noticioso é construído, diariamente, até que ele seja concluso. Atuar, diariamente, com a ideologia da empresa-jornal propicia o aparecimento de um espaço argumentativo, pois, os leitores:

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1. São obrigados a acreditar no que lêem, por não estarem presentes observando o evento; 2. Os leitores recebendo, diariamente, a construção ideológica da notícia passam a aceitá-la como verdade, devido a essa estratégia argumentativa. Diante desse aspecto, (...) os jornalistas quando reproduzem as opiniões de políticos, na imprensa (por exemplo), estão submetidos a um sistema de formulação que não é neutro. (...) A idéia central é que os verbos agem seletivamente sobre os conteúdos, dando-lhes uma intencionalidade interpretativa com características ideológicas. Com isso, mostra-se que a atividade jornalística não é apenas expositiva, mas analítica e interpretativa.” (MARCUSCHI, 1991:74)

Assim, é possível afirmar que há a realização de uma nova seleção de termos, para que seja construída uma nova situação sintática, pois no processo textualização da notícia, o responsável pela edição do evento noticioso ao “reproduzir” a opinião do outro, seleciona um conjunto de verbos específicos que guiam a construção textual opinativa de seu público leitor. Nesse sentido, Marcuschi (1991:75), disserta que ao partir “da premissa de que apresentar ou citar o pensamento de alguém implica, além de uma oferta de informação, também uma tomada de posição diante do exposto.” Logo, é possível sintetizar as idéias do autor acerca do uso dos verbos introdutores de opinião que “exercem uma ação direta sobre o sentido do discurso relatado e cumprem uma função reordenadora do texto, dentro da economia jornalística e preservando o modo de sua ação.” Assim, não é possível acreditar na neutralidade pregada pelo discurso jornalístico, pois mesmo que haja distanciamento ao tentar reproduzir o discurso do “outro”, na fabricação da notícia, há um processo de interpretação alinhada aos interesses da empresajornal, na seleção, inclusive dos verbos utilizados para a construção de um novo “estado de coisas”, para emissão de projeções avaliativas adotadas pelo leitor, conforme a ideologia do jornal. Nesse sentido, Segundo Baudet e Denheiére (1992), o homem tem uma forma específica de construir conhecimento. Ela decorre da projeção de um ponto de vista para captar o objeto do mundo. Cada ponto de vista é guiado por interesses, objetivos e 29


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propósitos do sujeito. Dessa forma, um mesmo objeto no mundo pode ser representado por uma multiplicidade de maneiras, pois, tudo depende do que foi focalizado. Logo, a focalização constroi um estado de coisas para um objeto captado, por essa razão, o mesmo objeto, dependendo do ponto de vista, constroi conhecimentos diferentes. Logo, há a necessidade de se institucionalizar conhecimentos, a fim de que as pessoas possam interacionar-se, umas com as outras.

4. A análise da notícia Título : Fiador de Yeda, PMDB é cortejado pelo PT De olho na vaga da governadora, peemedebistas já discutem quando deixar a administração tucana

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Principal fiador da governabilidade de Yeda Crusius, o PMDB não discute mais se

deixará ou não o governo, mas sim a data de desembarque da administração. O motivo é um só: os peemedebistas querem disputar a sucessão no Estado. 4

“É certo que vamos ter um candidato ao governo. (José) Fogaça (prefeito de Porto

Alegre) é quem está mais bem posicionado, mas (Germano) Riggoto (ex-governador 20032006) também é forte”, afirma o senador Pedro Simon, principal líder do PMDB no Estado. 8

Na mais recente pesquisa Datafolha, Yeda tem 9% das intenções de voto e Fogaça,

27% (o petista Tarso Genro tem 30%). 10

A terceira colocação de Yeda na sondagem deu combustível às pretensões do

aliado. 12

Turbinado pela eleição de 143 prefeitos (dos 496 do RS) e com vitórias nos maiores

colégios eleitorais (Porto Alegre e Caxias do Sul), o PMDB, principal aliado de Yeda, é cortejado hoje por tucanos e petistas. 15

Quando questionado se disputará o governo, Fogaça desconversa. Nos encontros

que o PMDB realizou este ano, o dilema que sobressaiu não é o nome do futuro candidato;

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a divisão é entre facções que defendem a saída imediata e as que preferem protelar até 2010. 19

O crescimento da musculatura eleitoral peemedebista contrasta com a situação

tucana. Sob o governo Yeda, a influência do PSDB encolheu no RS. Nas últimas duas eleições municipais, o partido manteve o mesmo número de prefeituras (19), mas o número de votos teve queda de 37%. 23

No PT, o deputado Raul Ponte diz que tudo caminha para indicação do ministro da

Justiça, Tarso Genro, que tem 30% no principal cenário da Datafolha. Ele avalia como pouco provável a aliança com o PMDB, ainda que o partido integre a coalisão do governo Lula. 27

No entanto, há uma ala mais governista dos petistas que defende até abrir a cabeça

da chapa em prol de Rigotto. 29

Yeda tem buscado a solidariedade da cúpula de seu partido para enfrentar a crise no

Estado. Em conversa com o senador Sérgio Guerra (PE), presidente nacional dos tucanos ouviu dele que terá o apoio de seus pares, mas que necessita esclarecer as denúncias e desatar o nó político de seu governo. 32

A avaliação do PSDB é que Yeda vai muito mal no trato com os aliados e oposição

e que, com ou sem ela, o Rio Grande do Sul tem um eleitorado anti-petista que apoiará um nome tucano para o planalto em 2010. (Folha de São Paulo, 17 de maio de 2009. P. A2)

Como exposto na introdução deste artigo, concentramo-nos na verificação dos verbos introdutores de opinião, adjetivação e escolha vocabular para demonstrar a presença da subjetividade e parcialidade jornalística presentes no processo de construção da notícia, visto que as “empresas de notícia” defendem que são imparciais e objetivas, em se tratando da ‘descrição da realidade’, entretanto objetivam guiar a construção da opinião de seu auditório em relação a uma representação da realidade proposta pela imprensa escrita. O corpus escolhido foi a notícia acima publicada no jornal Folha de São Paulo, dia 17 de maio de 2009 que retrata a instabilidade política da governadora do Rio Grande do Sul, Ieda Cruzius. 31


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Diante deste aspecto, não é possível afirmar que a realidade é descrita pelo jornalismo, como acreditam as cognições sociais. Este, enquanto aparelho ideológico, constrói representações de acordo com seus interesses que guiam as opiniões apresentadas pelas cognições sociais, na convergência de seus interesses.

Assim, como fator ideológico, temos os elementos persuasivos utilizados pelo escritor, que tende aos seus interesses. O título é o responsável pela leitura do texto, pois cabe-lhe chamar a atenção para o texto (Abaurre, 2007). Se o PMDB é “fiador” e “cortejado”, vê-se aí a intencionalidade voltada a idéia de garantia, pois quem o é fiador garante, e esse suposto garantidor é cortejado. Faz-se-lhe a corte, quem garante é garantido pelo cortejo. O olho do texto – linha fina - nos traz: “De olho na vaga da governadora, peemedebistas já discutem quando deixar a administração tucana.” O uso da expressão “De olho”, coloquial, nos remete a idéia de que o PMDB é interesseiro, oportunista, pois aqueles que ficam de olho, vêem a oportunidade e abocanham-na. Temos termos que tentam causar certa intimidade, casualidade, uma aproximação entre escritor e leitor. O PMDB vai abandonar tucanos para assumir outra vaga. Como a notícia traz, os peemedebistas querem disputar a sucessão do estado. Apesar do título mencionar o PT , este é colocado em segundo plano no texto como um todo, predominando PSDB e PMDB como focos centrais do assunto em pauta. O autor do artigo tinha como fato os 30% de intenções de voto do PT- número mais expressivo do que os dos outros candidatos- mas termina o texto reforçando os termos “eleitorado anti-petista”. O número de vezes em que os partidos são mencionados no corpo do texto também compromete a imparcialidade do artigo: PMDB – 6 vezes / Peemedebistas – 2 vezes – 8 menções PSDB – 2 vezes / Tucanos – 3 vezes – 5 menções PT – uma vez - Petista – 3 vezes – 4 menções

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O PMDB ganha adjetivos como “turbinado” – linha 12 – ou substantivos como “musculatura” – linha 19. Nos termos personificadores percebemos a intenção de tratar como “forte” o partido e, por conseguinte, os seus pretensos candidatos. Observamos, também, o discurso direto presente nas enunciações construídas pelo jornalista e segundo Maingueneau: “O discurso direto não se contenta em eximir o enunciador de qualquer responsabilidade, mas ainda simula restituir as falas citadas pelo fato de dissociar claramente as duas situações de enunciação: a do discurso citante e a do discurso citado.” (2001:140). Nas linhas 1 e 2 “o PMDB não discute mais se deixará ou não o governo”. O verbo discutir em sua acepção significar trocar idéias, debater, contudo neste contexto leva o auditório a construir dúvidas em relação à futura decisão do PMDB, entretanto apresenta o partido como protagonista deste pleito eleitoral, fazendo-o ser cortejado pelo principal opositor do partido do governo.

O segundo parágrafo é organizado em discurso direto, contudo este não pode ser entendido como um elemento que contribui para a manutenção da objetividade da notícia, pois são eliminados elementos que pertencem à oralidade, no seu processo de retextualização, sendo assim, Maingueneau afirma que: “O discurso direto é sempre um fragmento de texto submetido ao enunciador do discurso citante, que dispõe de múltiplos meios para lhe dar um enfoque pessoal” (2001:140) Nas linhas 7 e 8 “afirma o senador Pedro Simon, principal líder do PMDB no Estado.” O verbo em destaque pertence ao discurso de poder, no caso oficial e classifica-se como indicador de posição oficial e afirmação positiva, no sentido de declarar a expectativa do senador Pedro Simon (PMDB), em relação ao pleito de 2010 no Rio Grande do Sul, apresentando suas aspirações partidárias. Na linha 24 “o deputado Raul Ponte(PT) diz que tudo caminha para indicação do ministro da Justiça, Tarso Genro...” O verbo dizer introduz uma opinião referente à personalidade no poder e a sua autonomia decisória, pois admite a expectativa relacionada a indicação do ministro da justiça, Tarso Genro, para concorrer ao cargo de governador nas próximas eleições no Rio Grande do Sul.

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Na linha 35 “A avaliação do PSDB é que Yeda vai muito mal no trato com os aliados”, há a nominalização do verbo avaliar, caracterizando como um procedimento mais incisivo que pode subentender o conhecimento da opinião, pois segundo o relato, o PSDB tem uma queda de 37% em relação às intenções de votos, comprovadas pela última eleição. Portanto sua avaliação revela que mesmo sem a influência política da governadora do estado, conseguirão um número significativo de votos. A escolha destes verbos introdutores de opinião comprova a manipulação do referente feito por intermédio do relato jornalístico, pois orienta a construção opinativa das cognições sociais.

Pois para Marcuschi (2007:165), “os verbos nem sempre assumem funções que relatem as opiniões originais do autor, mas podem reunir informações às vezes díspares para introduzir a opinião de alguém em relação à enunciação apresentada pelo texto jornalístico (notícia).” Percebe-se assim o alto grau de subjetividade do texto.

5. Considerações Finais Constatou-se que o presente trabalho se serviu ao propósito de apontar, um dos mecanismos empregados pela mídia para a organização opinativa da notícia, que são os verbos introdutores de opinião e a elucidação do discurso direto, escolha vocabular e elementos persuasivos do texto. Nesse contexto, foi identificado que quaisquer escolhas lexicais feitas pelo texto jornalístico de notícia passam pelo filtro de um ponto de vista institucional (empresa-jornal) e as informações reunidas, havendo minimizações ou apagamentos de alguns elementos, maximizações de outros, até inserções de novos elementos, criam um novo estado de coisas, a partir de focalizações construídas pela circunstância, presente na categoria semântica Inusitado, eixo orientador do texto jornalístico de notícia. A categoria anterior, em conjunto com a categoria Atualidade, contribuem para que o leitor tenha a sensação de que a informação, veiculada pelo jornal, seja fruto apenas de um processo investigativo, sem que haja a presença de um ponto de vista particular.

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Logo, tais elementos construirão novas crenças e valores acerca do que foi relatado, entretanto será realizado por meio de uma projeção que encontrar-se-á, em conformidade às ideologias convergentes ao jornal-empresa, em função da impossibilidade de se informar algo sem manipular o produto da informação pretendida.

6. Referências Bibliográficas

ABRAMO, Perseu. Padrões de manipulação na grande imprensa. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2003. BAUDET e DENHEIÉRE. Lecture compréhension de texte el science cognitive. Paris: Presses Universitaires de France, 1992. BELLENGER, Lionel, La Persuasion, , 1985, Paris, Frannce, Universitaires de France, 1985. BRANDÃO, H. H. N. Introdução à Análise do Discurso. 7. ed. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1991. CHARAUDEAU, P. Discurso das Mídias. Trad. Angela S. M. Corrêa. São Paulo: Contexto, 2006). CITELLI, Adilson, Linguagem e Persuasão, 12ª ed,São Paulo, Ática, 1998 FIORIN, J. L. Linguagem e Ideologia. 8. ed. São Paulo: Ática, 2007. FOLHA DE SÃO PAULO. Fiador de Yeda, PMDB é cortejado pelo PT. São Paulo, 17 de maio de 2009. P. A21 MAINGUENEAU, D. Análise de textos da comunicação. Trad. Cecília P. de Souza-e-Silva e Décio Rocha. São Paulo: Ed. Cortez, 2001. MARCUSCHI, L.A. A ação dos verbos introdutores de opinião. In.: Intercom – Revista brasileira de comunicação – 64. São Paulo, 1991, p. 74-92. _________________. Fenômenos da linguagem reflexões semânticas e discursivas. Rio de Janeiro: Ed. Lucerna, 2007 PERELMAN, Chaïm, TYTECA,Lucie O., Tratado da Argumentação : A Nova Retórica, São Paulo, Martins Fontes, 1996. SILVA, R. L. A organização textual da opinião em textos dissertativos acadêmicos, notícias jornalísticas e crônicas do cotidiano. Dissertação de Mestrado. PUC-SP, 2010. SILVEIRA, Regina C. P. Em busca de uma tipologia dos discursos científicos: O Dissertativo Expositivo e o Dissertativo Argumentativo. São Paulo: Revista da Série Encontros. Editora Contexto. 1994.

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Globalização, Culturas Locais e Educação: a comunidade japonesa no bairro da Liberdade frente aos desafios impostos pela Globalização para a preservação de seus costumes.

Francisco Daniel Mota Lima Graduado em Gestão Ambiental (Universidade de São Paulo) dnlmota@usp.br

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RESUMO Através de um estudo de campo no Bairro da Liberdade em São Paulo, o presente artigo visa, estudar a influência da Globalização nos hábitos religiosos, alimentares e culturais na comunidade japonesa existente no bairro. Expondo os mecanismos desenvolvidos pela comunidade em questão, que visam a preservação de suas origens, presentes na transmissão da língua aos seus descendentes, assim como, a preocupação com a educação, culinária, cultura e religião. Através dos resultados obtidos, pôde-se auferir que a Globalização exerce sim, forte influência na comunidade japonesa, onde os jovens são os mais afetados e os mesmos não são suficientemente estimulados pelas gerações anteriores para a preservação de seus costumes e tradições. Palavras chaves: Cultura Japonesa, Educação, Globalização, Bairro da Liberdade, Japão. ABSTRACT Through a field study in Bairro da Liberdade in Sao Paulo, this paper aims to study the influence of globalization on religious habits, food culture and the Japanese community in the existing neighborhood. Exposing the mechanisms developed by the community concerned for the preservation of their origins, present in language transmission to their offspring, as well as the concern for education, cuisine, culture and religion. Through the results, we could obtain that globalization exerts rather strong influence on the Japanese community, where young people are most affected and they are not sufficiently stimulated by previous generations to preserve their customs and traditions. Keywords: Japanese Culture, Education, Globalization, Bairro da Liberdade, Japan.

1. Introdução

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Oficialmente, a partir de 1908 atracaram no Brasil os primeiros tripulantes vindos do Japão, primeiramente para o interior do Estado de São Paulo, formando as chamadas colônias japonesas, onde se instalaram a princípio, e posteriormente para a capital, formando comunidades em pontos específicos da cidade ( DEMARTÍNI, 2000). Ainda segundo Demartíni, esses imigrantes de costumes tão diferentes dos brasileiros, foram responsáveis desde sua chegada, por inserir uma diversidade cultural, alimentar, religiosa, entre outras. No entanto, a chegada e estadia dessa nova leva de imigrantes fora marcada por tempos difíceis, privações e por vezes até humilhações. Esses costumes, que outrora nos parece tão marcante à cultura japonesa, nos dias de hoje pode parecer contraditório, haja vista vivermos em um cenário de Globalização e inserção de uma cultura global, trazendo como uma de suas consequências o enfraquecimento da

cultura local em detrimento dos modelos, costumes e hábitos

“impostos” pelo modelo vigente, ou seja Globalização. O Japão dos dias de hoje, também difere do Japão de décadas atrás, estando passível de mudanças, modernização e influências de outros países, todavia, ainda persiste uma identidade japonesa forte, que também exerce alguma influência nos descendentes espalhados pelo mundo, influência essa que se acredita não ser tão forte quanto a exercida pelas famílias de imigrantes no período da imigração, ( ARRUDA, 2005). No entanto, até que ponto o modelo vigente interfere na manutenção dos costumes e tradições da comunidade Japonesa do bairro da Liberdade? Qual a relação dos líderes familiares com os seus descendentes para que essas tradições e costumes sejam mantidos, tratando esses costumes não como os mesmos do Japão Imperial, mas como costumes arraigados a um povo que no inicio do século XX se viu a própria sorte em um país estrangeiro? A resposta para ambas as perguntas é o objetivo do trabalho.

2. Metodologia Para o seu desenvolvimento o artigo utilizou de duas ferramentas principais:  Um relevante levantamento bibliográfico de modo a garantir um forte embasamento teórico acerca do assunto. 37


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 Realização de uma entrevista de campo com 100 pessoas no bairro da liberdade, abarcando os gêneros feminino e masculino em diferentes faixas etárias, de modo a pesquisa não se restringir a apenas uma parcela dessa comunidade imigrante. 3. Fundamentação Bibliográfica Em 1908 atracava no Brasil o Kasatu Maru, trazendo a primeira leva de imigrantes japoneses para trabalhar na lavoura de café, substituindo a mão de obra escrava. Cheios de tradição, trouxeram consigo costumes religiosos, culturais, esportivos e alimentares que foram amplamente difundidos no Brasil. No entanto, embora houvesse garantias legais à liberdade de culto no Brasil, a propagação das religiões nipônicas foi inibida pelas autoridades japonesas, pretendendo assim, evitar que os imigrantes fossem vítimas de hostilidade e repúdio pelos brasileiros sob a hegemonia católica (PEREIRA, 2004). Ainda segundo Pereira, mesmo após a proibição ao culto, os japoneses se organizaram e difundiram dentro e fora da colônia principalmente o Budismo. Atualmente, estima-se que exista em torno de 60 grupos xintoístas, budistas e outros, tornando o Brasil o país com a maior expansão das religiões japonesas fora do Japão. Conforme já dito anteriormente, tais influências estenderam-se ao campo do esporte, onde, embora não seja dos mais populares, o Judô foi introduzido no Brasil conquistando adeptos que o praticam até hoje, tornando o país ganhador de medalhas nas competições olímpicas de Barcelona, Atlanta e Seul. Considerando seus hábitos e costumes, a questão alimentar representa outro importante ponto, talvez um dois mais marcantes nos dias de hoje, sendo que tal suposição será refutada ou corroborada com o resultado da pesquisa. Em O Imigrante Japonês – História de sua vida no Brasil, Handa, 1987

relata o início dos

hábitos alimentares japonês no Brasil: Assim que os japoneses chegaram no Brasil, no inicio do século 20, depois que eles já estavam instalados nas fazendas, algumas famílias vieram para as cidades, para a cidade de São Paulo e aqui elas se instalaram em pequenas casas e começaram a formar as primeiras pensões no centro da cidade de são Paulo, mais especificamente no bairro da Liberdade.Essas pensões começaram a receber filhos de imigrantes japoneses que vieram a cidade para estudar e ali

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eles serviam o café da manhã, o almoço e o jantar meio misturado de comida brasileira e comida japonesa, então tinha tempurá, arroz (HANDA, 1987).

O crescente número de imigrantes tornou o bairro da Liberdade uma referência oriental. A culinária típica ficava restrita ao círculo de imigrantes. Os primeiros restaurantes eram em números reduzidos e atendiam apenas a comunidade, no entanto não demora para cair no gosto do brasileiro, depois de meados da década de 70, a culinária japonesa se tornou uma unanimidade entre as cozinhas do Oriente em São Paulo, em especial no Bairro da Liberdade, tão importante que hoje são raras as capitais brasileiras que não possuem pelo menos um representante da culinária japonesa.

4. Resultados e discussões Em posse dos resultados obtidos através da pesquisa de campo, realizada na Praça da Liberdade, percebe-se que parte considerável das famílias japonesas, buscam preservar as tradições originais de seu país (figura 1). Porém, tal prática está cada vez mais fraca, sendo que, quanto mais as gerações de descendentes se distanciam dos seus parentes imigrantes, mais fraca tende a ser a influência dos costumes e tradições de origem.

Figura 1 – Preservação das tradições originais japonesas

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Figura 2 - Grau de Interesse sobre a língua japonesa

Dos que falam a língua japonesa, poucos falam fluentemente. O que levou essas pessoas a se aprofundarem no dialeto, ficam divididas entre o incentivo da família ou interesse próprio. Em algumas famílias, é comum preparar o jovem para viver no Japão, em busca de melhores empregos e novas oportunidades. Sendo nesses casos, o conhecimento da língua um fator primordial. Em outros casos, os descendentes aprendem nihongo (língua japonesa) por iniciativa própria e para outros fins. A religião que possui o maior número de devotos no Brasil é o catolicismo, e isto não é diferente com os japoneses estabelecidos no bairro da Liberdade. Aproximadamente 55% dos entrevistados, tiveram o catolicismo como religião passada pela família (figura 3). O budismo é praticado e incentivado por uma parcela menos significante da amostra, segundo relatos dos entrevistados, quando a família impõe para os jovens o budismo, geralmente eles acabam não praticando, buscando outras religiões. Percebe-se que o mesmo budismo que outrora fora motivo por parte dos imigrantes de realização de cultos escondidos, atualmente, com maior tolerância religiosa, tal prática é pouco realizada e difundida, caracterizando uma influência negativa da Globalização no tocante à religião.

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Figura 3 - Religiões transmitidas pelos familiares

Quanto à gastronomia (figura 4), os entrevistados consideram que é a principal influência passada e mantida pelos seus antepassados, e endossam a ideia de que a culinária japonesa possui grande divulgação, tudo isso facilitado pelo relevante número de restaurantes no Bairro da Liberdade.

Figura 4-Influência da gastronomia Entre os entrevistados, é recorrente o pensamento onde considera-se como a principal fonte de disseminação da cultura japonesa é o interesse individual da comunidade (figura 5), vide palavras de Dona Myneiko, 57 anos ao dizer:

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Para manter vivo todo um conjunto vivencial oriundo do Japão, quem tem que se interessar são os próprios descendentes. São eles que devem querer levar para futuras gerações suas tradições e costumes. A família não tem que impor, estabelecer como uma regra a ser cumprida a risca, mas sim orientar e incentivar os jovens a se aprofundarem nesse universo todo.

Figura 5 – Favorecimento na disseminação da cultura japonesa

Figura 6- Fatores que dificultam a manutenção da Cultura Japonesa

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No entanto, considerando as dificuldades para a transmissão de seus conhecimentos, assim como a perpetuação de costumes e tradição para os descendentes que residem no bairro considerado, em disparado, apontam a influência de outras culturas como a grande responsável, sendo que os mais jovens são os mais suscetíveis as mudanças, seja na maneira de vestir-se, prática religiosa, formas de entretenimentos entre outros.

Figura 7-Dificuldades para manter as tradições e costumes E por fim, a figura 8 expressa a opinião dos entrevistados acerca da influência da Globalização, a maior parte considera que a influência ocorre de maneira negativa, acarretando um enfraquecimento da cultura local e seus costumes de origem: menor interesse na língua japonesa e menor difusão do budismo. Uma ressalva diz respeito aos hábitos alimentares, em que as delícias japonesas se faz presente no cardápio da comunidade.

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Figura 8- influência da Globalização

5. Conclusão Após o término do estudo, puderam-se obter conclusões acerca da importância da imigração japonesa, assim como a influência da Globalização na comunidade estudada. A imigração japonesa constituiu-se como um importante processo histórico e social ocorrido no início do século vinte, sendo geradores de mão de obra para as lavouras de café e influenciando, principalmente, o esporte, religião e hábitos alimentares. Inicialmente, os hábitos, costumes e tradições foram mantidos e passados aos descendentes, no entanto, não demorou para que fossem assimilados por não nativos também. Fora do Japão, o Brasil, mais especificamente São Paulo, é o lugar do mundo com a maior comunidade japonesa, sendo o bairro da Liberdade o seu maior e principal reduto. As influências que por hora se fez tão marcante e influente, começa a perder força. Em detrimento as tradições e culturas locais, a Globalização surge decorrente do atual momento econômico vigente no mundo, “impondo” uma nova dinâmica ao modelo que outrora existia. A pesquisa de campo corrobora com a idéia anterior, os resultados mostram que na maioria dos casos considerados na pesquisa, houve um enfraquecimento da cultura local, onde os entrevistados consideram a influência de outras culturas- por meio do processo de Globalização- como o principal fator para o enfraquecimento. No entanto, os lideres familiares, mesmo em meio ao atual processo de Globalização, buscam preservar e passar os hábitos culturais nipônicos, porém tal processo se torna mais enfraquecido na medida em que se distanciam dos seus descendentes. Sendo assim, a Globalização interveio negativamente para a manutenção da cultura japonesa no bairro da liberdade e os mecanismos desenvolvidos pelos lideres familiares não são suficientes para frear as influências externas advindas principalmente do processo de Globalização.

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6. Referências ARRUDA, Maria Arminda do Nascimento. Empreendedores culturais imigrantes em São Paulo de 1950. Tempo Soc., June 2005, vol.17, no.1, p.135-158. Disponível em < http://www.scielo.br/> Acesso em 24 mar.2007. DEMARTÍNI, Zélia de Brito Fabri. Relatos orais de famílias de imigrantes japoneses: elementos para a história da educação brasileira. Educ. Soc., Aug. 2000, vol.21, no.72, p.43-72. Disponível em < http://www.scielo.br/> Acesso em: 28 mar.2007. HANDA, Tomoo, O Imigrante Japonês – História de sua vida no Brasil, São Paulo: T.A Queiroz Editor Ltda, 1987. PEREIRA, Valdemar Carneiro , Sociedade Brasileira de Cultura. Uma epopéia moderna-80 anos da imigração japonesa no Brasil, Ed. Hucitec, 1992 São Paulo

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Indisciplina na escola: carência de limites ou de valores? ______________________________________________________________________ Ruy Ferreira da Silva Doutorando em Psicologia pela Universidad de Ciencias Empresariales y Sociales UCES / Argentina. MBA Executivo Empresarial em Gestão de Recursos Humanos / ESAB. ruyfersi@terra.com.br

______________________________________________________________________ RESUMO Um dos grandes desafios para os professores é saber lidar com a indisciplina dos alunos em sala de aula. O objetivo desta pesquisa foi de identificar os fatores que têm causado a carência de limites e valores morais por parte dos alunos, resultando na indisciplina na sala de aula. Foi aplicado questionário nos alunos da turma de 1º ano, do Ensino Médio, do período matutino, do Instituto Educacional Emmanuel, do município de Goiânia/GO, com intuito de buscar melhor compreender a origem dos comportamentos considerados indisciplinados. Palavras-chave: Indisciplina, Limites e valores morais. ABSTRACT A major challenge for teachers is how to deal with indiscipline among students in the classroom. The objective of this research was to identify the factors that have caused the lack of limits and moral values by students, resulting in indiscipline in the classroom. Questionnaires were given to students in the class of 8 the year of elementary school , the morning period , the Institute of Education Emmanuel , the municipality of Goiânia / GO , with the aim of finding better understand the origin of the behaviors considered disruptive. Keywords: Indiscipline, Limits and moral values.

1- Introdução: Atualmente, o grande desafio para o professor é enfrentar a indisciplina do aluno na sala de aula. O professor, na tentativa de desempenhar seu papel de educador comprometido, se defronta com problema em ensinar o aluno: que faz barulho, que fala alto sem parar, que grita, que é inquieto, que contesta, que não se interessa em aprender o conteúdo escolar, que é descomprometido com o horário da aula e com a realização da atividade solicitada, que vive “desligado”, enfim, que rejeita o que a escola e o professor tem a oferecer. Diariamente encontra-se o professor desestimulado, que se queixa do aluno que o enfrenta com desrespeito, que o ignora, que quer “reinar” sem respeitar o outro, que dificulta tanto o relacionamento professor-aluno, quanto o processo ensino aprendizagem, gerando indisciplina. Corroborando com isso, está a questão da educação familiar, pois a grande maioria dos pais educa seus filhos sem dar-lhes limites e eles crescem achando que só têm direitos a exigir e nenhum dever a cumprir. Com o objetivo de identificar os fatores que têm causado a carência de limites e valores morais por parte do aluno, foi aplicado questionário nos alunos da turma de 1º ano, do Ensino Médio, do período matutino, do Instituto Educacional Emmanuel, do município de Goiânia/GO.

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2-Indisciplina: uma relação família – escola – sociedade Um problema enfrentado no cotidiano escolar é a indisciplina do aluno na sala de aula. A causa da indisciplina pode ser atribuída à falta de imposição de limite por parte dos pais, da escola e da sociedade. Ou ainda pela falta de valores ou do enfraquecimento do vínculo entre a moralidade e o sentimento de vergonha. Autores como Freud e Piaget, segundo La Taille (1996), concordam em situar a origem da moralidade na relação da criança com seus pais e o importante sentimento de amor nesta relação. Para Freud, de acordo com La Taille (1996), a interiorização das proibições paternas constitui-se uma imagem ideal de si que servirá como medida empregada para avaliar o próprio valor como pessoa. Para Piaget, de acordo com La Taille (1996), a interiorização das regras corresponde uma assimilação racional destas e uma nova exigência moral: a reciprocidade, respeitar e ser respeitado. Para uma criança acostumada a ser valorizada quando obtém sucesso, cujos pais valorizem a competitividade ao invés de solidariedade, a criança não se envergonhará em infringir as regras morais e sentirá orgulho disso. La Taille (1996, p. 22) diz que “a indisciplina em sala de aula não se deve essencialmente a falhas psicopedagógicas, pois está em jogo o lugar que a escola ocupa hoje na sociedade, o lugar que a criança e o jovem ocupam o lugar que a moral ocupa”. Rego (1996, p. 100) defende que “o comportamento indisciplinado está diretamente relacionado à ineficiência da prática pedagógica desenvolvida: propostas curriculares problemáticas e metodologias que subestimam a capacidade do aluno, o constante uso de sanções e ameaças visando ao silêncio da classe, pouco diálogo etc.” Isso aponta que em toda indisciplina existe uma razão que precisa ser investigada. Nas obras de Vygotsky, segundo Rego (1996), não há referência explícita para a questão da indisciplina. Porém, em suas teses, ele atribui atenção à noção de construção social do sujeito que podemos fazer relações com o plano educacional. Um aluno indisciplinado não é entendido como aquele que questiona, pergunta se inquieta e se movimenta, mas sim como aquele que não tem limite, que não respeita a opinião e sentimentos alheios, que apresenta dificuldades em entender o ponto de vista do outro e de se autogovernar, que não consegue compartilhar, dialogar e conviver de modo cooperativo com seus pares. (REGO, 1996, p. 87) De acordo com Rego (1996), Vygotsky chama a atenção para o importante papel mediador exercido por outras pessoas nos processos de formação de conhecimentos, habilidades de raciocínio e procedimentos comportamentais de cada sujeito. 47


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O desenvolvimento individual é sempre mediado pelo outro que indica que delimita e atribui significado à realidade. E é por intermédio das pessoas que os seres humanos, desde criança, vão aos poucos se apropriando de tudo o que vivenciam no seu grupo. E quando internalizam, estes processos passam a ocorrer sem a intermediação de outras pessoas e os adolescentes passam a agir controlar e dirigir o seu comportamento. O próprio conceito de indisciplina, como toda criação cultural, não é estático, uniforme, nem tampouco universal. Ele se relaciona com o conjunto de valores e expectativas que variam ao longo da história, entre as diferentes culturas e numa mesma sociedade, nas diversas classes sociais. No plano individual, a palavra indisciplina pode ter diferentes sentidos que dependerão das vivências de cada sujeito e do contexto em que forem aplicadas. (REGO, 1996, p.84) Na perspectiva de Vygotsky, segundo Rego (1996), as conquistas individuais do ser humano: valores, informações, atitudes, posturas resultam de um processo compartilhado com pessoas de sua cultura, diferente dos animais que já nascem com o seu comportamento programado geneticamente. Portanto, os traços de cada ser humano estão vinculados ao aprendizado em seu grupo cultural. Diante disso, é possível afirmar que o comportamento indisciplinado do indivíduo dependerá de suas experiências, de sua história educativa e das características sociais em que está inserido. Ninguém nasce rebelde ou disciplinado. O comportamento indisciplinado resulta de inúmeras influências que a criança recebe ao longo de seu desenvolvimento e vai internalizando. Por isso, a disciplina ou indisciplina não estão alheias a família ou a escola. Aliás, a atitude dos pais interfere profundamente no desenvolvimento individual e conseqüentemente influenciará no comportamento da criança na escola. De acordo com Rego (1996), os chamados pais autoritários, valorizam a obediência às normas e regras, sem se preocupar em explicar as crianças os motivos das ameaças, castigos e imposições. Os pais permissivos têm dificuldade em exercer controle sobre os filhos, não estabelecem limites e nem costumam exigir responsabilidades de seus filhos. Os pais democráticos parecem ter equilíbrio entre controlar e dirigir as ações dos filhos respeita as necessidades, capacidades e sentimentos de seus filhos e se esforçam para compreendê-los e conseguem estabelecer regras e limites e uma disciplina firme. Os filhos de pais autoritários manifestam obediência, organização, timidez, apreensão, baixa autonomia e baixa auto-estima. Os filhos de pais permissivos são alegres, porém

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apresentam um comportamento impulsivo e imaturo, com dificuldade de assumir responsabilidades. Os que recebem educação democrática apresentam autocontrole, auto-estima, tem iniciativa, autonomia, facilidade no relacionamento, demonstra que os valores morais ensinados pela família foram interiorizados. Percebe-se, portanto, a importância que a educação familiar tem sobre o indivíduo, do ponto de vista cognitivo, afetivo e moral. Porém, a influência que caracteriza o jovem ao longo de seu desenvolvimento não serão somente as vivenciadas na sua família, mas também as aprendizagens nos diferentes contextos sociais, como na escola. Sendo assim, uma relação entre professores e alunos baseada no controle excessivo, na ameaça e na punição ou tolerância permissiva, provocará reações diversas. Para Rego (1996), a escola e os professores precisam adequar as suas exigências às possibilidades e necessidades dos alunos. Devem dar condições para que os alunos construam e interiorizem os valores e as posturas consideradas corretas na nossa cultura. Os alunos precisam ter oportunidade de conhecer as intenções e até mesmo discutir as regras estabelecidas e as conseqüências caso sejam infringidas. De acordo com Rego (1996), os professores precisam ser coerentes entre sua conduta e a que espera dos alunos, pois afinal, é através da imitação dos valores externos que a criança aprende. A disciplina ou indisciplina depende do ponto de vista de quem analisa a situação, depende do contexto e dos sujeitos envolvidos. Porém, alunos e sociedade não podem esquecer que a finalidade principal da escola é a preparação para o exercício da cidadania e para serem cidadãos, precisa do conhecimento, memória, respeito pelo espaço público, normas e relações interpessoais e éticas. Segundo Camargo (2000), pais e professores são fundamentais na constituição de filhos e alunos como cidadãos. Mas torna-se difícil para pais e professores assumirem a responsabilidade na educação de filhos/alunos quando a sociedade se encontra carente de valores éticos e morais que norteiem a conduta do sujeito na sua constituição como ser. 3-Metodologia: 3.1-Procedimentos: Foi aplicado questionário para uma turma de alunos de 1º ano do Ensino Médio, do período matutino, do Instituto Educacional Emmanuel, do município de Goiânia/GO, para identificar os fatores que têm causado a carência de limites e valores morais por parte dos alunos, resultando na indisciplina na sala de aula. 49


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3.2-Descrição dos instrumentos: 3.2.1-Questionário: Com a finalidade de obter opinião dos alunos, foram formuladas algumas questões que foram respondidas por 35 alunos de uma turma de 1º ano do Ensino Médio, do período matutino, do Instituto Educacional Emmanuel, do município de Goiânia/GO. Com a questão “O que é indisciplina para você?”, pretendeu-se saber sobre a indisciplina do ponto de vista dos alunos, uma vez que na maioria das vezes, sejam em revistas, livros, palestras etc., são divulgadas somente as opiniões de professores. Na grande maioria dos casos de indisciplina, a causa é apontada para os alunos, por isso, deseja-se saber se o aluno se julga indisciplinado. Com esse objetivo, foi formulada a questão: “Você se considera um aluno indisciplinado?” Apesar de tudo, os alunos continuam freqüentando as escolas, mesmo que aparentemente não demonstrem gosto ou interesse pelo estudo. Com o objetivo de saber a opinião dos alunos, foi perguntado: “Você estuda por quê?”. E para saber a opinião dos alunos a quem eles responsabilizam pela indisciplina na sala de aula, foi feito a pergunta: “Quando um aluno é indisciplinado, você atribui responsabilidade a quem?”. Uma vez que para a maioria das pessoas, os adolescentes são indisciplinados porque não tem interesse pelo estudo, não tem limites, a escola e a educação estão sempre em tempos defasados aos dos alunos, foi perguntado: “Para você, como seria a escola ideal?”, para saber como deve ser a escola, para que estudem com maior interesse. 3.2.2-Técnica: Aplicação de questionário aos alunos do 1º ano do Ensino Médio, do período matutino, do Instituto Educacional Emmanuel, do município de Goiânia/GO. 3.3-Caracterização dos sujeitos: Trinta e cinco (35) alunos de uma turma de alunos do 1º ano, do Ensino Médio, do período matutino, do Instituto Educacional Emmanuel, do município de Goiânia/GO. 3.3.1- Alunos da Turma: ALUN O A1 A2

SEXO F F

IDAD E 14 14

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A3 A4 A5 A6 A7 A8 A9 A10 A11 A12 A13 A14 A15 A16 A17 A18 A19 A20 A21 A22 A23 A24 A25 A26 A27 A28 A29 A30 A31 A32 A33 A34 A35

F F F F F F F F F F F F F F M M M M M M M M M M M M M M M M M M M

14 14 15 15 15 15 15 15 15 15 15 15 16 16 14 14 14 14 14 15 15 15 15 15 15 15 15 15 15 15 16 17 17

A turma é composta de alunos com a idade entre 14 e 17 anos, sendo: 

05 do sexo masculino e 04 do sexo feminino de 14 anos;

11 do sexo masculino e 10 do sexo feminino de 15 anos;

02 do sexo masculino e 02 do sexo feminino de 16 anos;

01 do sexo masculino e 00 do sexo feminino de 17 anos,

Sendo 19 alunos do sexo masculino e 16 do sexo feminino totalizando 35 alunos, sendo que 07 do sexo masculino trabalham e 12 do sexo masculino e 16 do sexo feminino não trabalham.

4.

Resultados e análise:

4.1- Ponto de vista dos alunos:

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No questionário aplicado na turma, as respostas foram muito parecidas, por isso, a análise foi da turma como um todo. Em relação à pergunta: “O que é indisciplina para você?”, a maioria respondeu que indisciplina é ser mal educado, não ter respeito por nada nem por ninguém, é bagunçar, é não ter limites e não ter interesse pelas aulas. De acordo com o aluno A31, “Indisciplina é quando tem que respeitar uma regra e ela não é respeitada, como por exemplo, as normas da escola.” O aluno A11 respondeu: “Indisciplina é não cumprir com os deveres, não respeitar o seu espaço e não ter respeito para com os outros.” No que se refere a pergunta: “Você se considera um aluno indisciplinado?”, pode-se dizer que a maioria não se considera indisciplinado. Quanto à pergunta “Você estuda por quê?”, é possível dizer que do total de 35 alunos: 

77,9% estudam porque acham o estudo importante para a sua vida;

11,6% porque seus pais obrigam;

3,8% nunca pensaram no assunto;

3,8% não citaram motivos;

2,9% estudam porque muitos dos seus amigos estudam. Para a pergunta “Quando um aluno é indisciplinado, você atribui responsabilidade a

quem?”, pode-se dizer que: 

37,2% atribuíram ao desinteresse dos alunos em estudar;

33% aos pais que não souberam educar com limites;

13,5% aos professores que não dominam a turma;

6,7% aos professores que não dominam o conteúdo da aula;

4,8% ao método utilizado pelos professores;

4,8% ao próprio aluno. Quanto à pergunta: ”Para você, como seria uma escola ideal?”, a maioria dos alunos

respondeu que seria uma escola com regras mais rígidas, com alunos que respeitassem os professores e os colegas, com professores mais qualificados e melhores preparados, que dessem aulas mais interessantes e que somente os alunos responsáveis, interessados, esforçados e disciplinados fossem estudar. 5. Considerações finais: 52


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Ao término deste trabalho, podemos dizer que a falta de limites e valores morais têm produzido a indisciplina na sala de aula. Vários são os responsáveis por isso: a família, a escola, o professor e o próprio aluno. No entanto, não podemos deixar de salientar que todos estão inseridos em meio social que tanto é produzido quanto é produtor destas instituições. 6. Referências ANTUNES, C. Certos passos que são passos certos. In: Professor bonzinho = aluno difícil: a questão da indisciplina em sala de aula. 6ª Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007, fasc. 10, p. 54 et seq. ____________. O que Maiakowsky – ou o que a ele se atribui – tem a nos ensinar sobre a indisciplina? Tudo! In: Professor bonzinho = aluno difícil: a questão da indisciplina em sala de aula. 6ª Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007, fasc.10, p. 34 et seq. BOYNTON, M; BOYNTON, C. Prevenção e resolução de problemas disciplinares: guia para educadores. Trad. Ana Paula Pereira Breda. Porto Alegre: Artmed, 2008, p. 163. CAMARGO, J.S. Pais e professores à beira de um ataque de nervos entre o limite e o poder. Arquivos da Apadec, v. 4, n.2, p. 61, jul./dez., 2000. PARRAT, D.S. Indisciplina na escola. In: Como enfrentar a indisciplina na escola. São Paulo: Contexto, 2008, p. 07 et.seq. ____________. Causas da indisciplina. In: Como enfrentar a indisciplina na escola. São Paulo: Contexto, 2008, p. 55 et.seq. ____________. As transformações sociais e as tarefas do professor. São Paulo: Contexto, 2008, p. 107 et. Seq. REGO, T. C. R. A indisciplina e o processo educativo: uma análise na perspectiva vygotskyana. In: AQUINO, J. G. (org.). Indisciplina na escola. 11ª Ed. São Paulo: Summus, 1996, p. 83 et seq. _____________. A indisciplina do ponto de vista dos professores e dos alunos. In: AQUINO, J. G. (org.). Indisciplina na escola. 11ª Ed. São Paulo: Summus, 1996, p. 87 et seq. TAYLLE, Y. de L. A indisciplina e o sentimento de vergonha. In: AQUINO, J. G. (org.). Indisciplina na escola. 11ª Ed. São Paulo: Summus, 1996, p. 09 et seq. VASCONCELLOS, C. dos S. Disciplina: construção da disciplina consciente e interativa em sala de aula e na escola. 3ª Ed. São Paulo: Libertad, 1994, cadernos pedagógicos do Libertad, v. 4, p. 20. ZAGURY, T. Por que você estuda? In: O adolescente por ele mesmo. 14ª Ed. Rio de 53


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Janeiro: Record, 2004, p. 36 et seq. ____________. O adolescente nas aulas. In: O adolescente por ele mesmo. 14ª Ed. Rio de Janeiro: Record, 2004, p. 54 et seq.

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O desdém para com o inferno - análise do cordel A chegada de Lampião no inferno. Carlos Cariacás Doutor em Ciências da Religião (PUC-SP); professor da Faculdade de Direito da Universidade Nove de Julho (SP). carolussanctorum@yahoo.com.br

RESUMO Levanta-se dos meios populares uma verdade que consiste na ideia de que o mal pode ser controlado pelo homem e isto acontece no poema de Cordel intitulado “A chegada de Lampião no inferno “; onde o terrível Lampião, após a sua morte, assim como sempre fez em vida acaba enfrentando e destruindo as forças demoníacas. Na esteira do enredo me detenho na análise de duas questões: a primeira, a de que o poeta popular, como representante do seu tempo, anuncia as fragilidades inerentes ao pensar o castigo eterno nivelando este a efemeridade da vida; a segunda, na via reflexiva, de que o poema pautado pela ironia acaba contribuindo para o enfrentamento das abstrações sobre a vida eterna uma vez que materializa e ridiculariza os componentes do discurso acerca do inferno. Palavras-chave: Literatura de Cordel; Inferno; Ironia. ABSTRACT In the popular media arises a truth that is the idea that evil can be controlled by man and this happens in the Cordel poem "A chegada de Lampiao no infernol" where the terrible Lampiao, after his death, as he had always done in life, ends up facing and destroying the demonic forces. Going through the story I dwell on the analysis of two issues: first, that the popular poet, as a representative of his time, announces the weaknesses inherent in thinking of eternal punishment as equal to the transience of life; the second in a reflexive way, that the poem ruled by irony ends by confronting the abstractions about eternal life since it embodies and ridicules the components of the discourse about Hell. Keywords: Cordel Literature; Hell; Irony.

1. Introdução É comum que em conversas sobre religião em terras brasileiras desponte o assunto sobre o céu, o inferno e o purgatório. E este trabalho, apresentado como parte de nossa pesquisa do tempo do mestrado1, procura salientar como o inferno fora pensado mediante o cordel A chegada de Lampião no inferno de autoria de José Pacheco (1970). O propósito do texto no contexto do mestrado era a de vasculhar como Deus fora plasmado. Todavia, além dessa busca, os caminhos da pesquisa levaram a abordar o modo como o inferno estava sendo repensado pela mentalidade popular de então – manifesta na referida literatura. Vale a pena recordar que publicamos na Revista Interletras (da Universidade da Grande Dourados) um artigo sobre a questão do céu e do purgatório intitulado Assim na Terra como no céu- o cordel questiona os habitantes da morada celeste.2. De sorte que o presente artigo se deterá somente sobre a questão do pensar acerca do inferno. A escolha de A chegada de Lampião no inferno se deu por pensarmos que encontraríamos muitas referências sobre a imagem de Deus – uma vez que a temática, por tradição, chama este personagem para ser abordado. 1

Defendido no Programa Multidisciplina em Educação, Administração e Comunicação da Universidade São Marcos sob a orientação do Dr. Evandro Faustino. 2 Disponível em << http://www.unigran.br/interletras/ed_anteriores/n14/#artigos>>. Acessado em: 22 set 2012.

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Contudo, para a nossa decepção, somente no poema sobre o céu é que chegamos a encontrar uma referência (mesmo assim nas entrelinhas) à imagem de Deus. De resto, a trilogia não emite imagens sobre Deus. Mesmo assim não me satisfazendo perguntei: como poemas de cunho popular, que versam sobre as moradas do além, não citam Deus? Lendo os poemas3, observei que são escritos de contestação baseados na ironia para com o patrimônio do imaginário católico acerca da vida pós-morte. E isto acontece de modo saliente e relevante em A chegada de Lampião no inferno e sobre isto as linhas que seguem abordarão.

2. O Poema O poeta começa a narrar a história de maneira horripilante, certamente, com o intuito de chamar a atenção do ouvinte e do leitor. Diz: “Um cabra de Lampião,/ por nome Pilão-Deitado,/ que morreu numa trincheira/ um certo tempo passado,/ agora no sertão/ anda correndo visão,/ fazendo mal assombrado./ E foi quem trouxe a notícia/ que viu Lampião chegar. / O inferno, nesse dia, / faltou pouco pra virar-/ incendiou-se o mercado, morreu tanto cão queimado,/ que faz pena até contar!” (PACHECO, 1970, p. 3) Apesar da introdução um tanto fúnebre, o restante do poema relata o caso em tom jocoso e até mesmo com termos maliciosos. Vemos tal construção textual quando o poeta diz que no inferno a desgraça foi tanta que diabos morreram e outros tantos se feriram devido à ação do temível rei do cangaço: “Morreu a mãe de Canguinha,/ o pai de forrobodó,/ cem netos de Parafuso,/ um cão chamado Cotó./ Escapuliu Boca-Insossa/ e uma moleca moça/ quase queimava o totó.( PACHECO, 1970, p. 3)” Mas, “Vamos tratar na chegada,/ quando Lampião bateu./ Um moleque ainda moço/ no portão apareceu:/ - Quem é você, cavalheiro?/ - Moleque, sou cangaceiro!/ Lampião respondeu. Moleque, não! Sou vigia!/ e não sou o seu parceiro- e você aqui não entra,/ sem dizer quem é primeiro! – Moleque, abra o portão! Saiba que sou Lampião, / assombro do mundo inteiro (PACHECO, 1970, p. 4) Então, o pequeno diabo que servia de porteiro se prontificou a ir falar com o seu grande chefe para ver se haveria acordo de aceitar o cangaceiro naquele lugar. Lampião, de forma muito ousada e nada educada, apresentou-se de modo arrogante e ameaçou: “Vá logo,/ quem conversa perde hora-/ Vá depressa e volte logo,/ Eu quero pouca demora!/ Se não me derem o ingresso, eu viro tudo à avessos, toco fogo e vou embora! (PACHECO, 1970, p. 5)”. Porém, a conversa do porteiro com Satanás não teve resposta satisfatória quanto à permanência do pedinte. O argumento foi que Lampião era gente ruim, “... é um bandido, Ladrão da honestidade: só vem desmoralizar/ a nossa propriedade- e eu não vou procurar/ sarna pra me coçar/ sem haver necessidade! (PACHECO, 1970, p. 5). E recomendou ao porteiro que levasse a “negrada”(p. 6) com ele para dar fim às pretensões de Lampião. Os diabos, (“negrada”) de nomes muito cômicos como: Cambota, Crioulo-queté, Bagé, Pecaia, Maçarico, Cão-de-bico e tantos outros, partiram para cima de 3

Os outros poemas são: O Grande debate de Lampião com São Pedro (também de José Pacheco) e A chegada de Lampião no purgatório (de Luiz Gonzaga de Mima) – todos da Editora Luzeiro.

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Lampião que valorosamente a todos enfrentou, a ponto de destruir todo o inferno incendiando o mercado que nele havia. E o poema é concluído: “Houve grande prejuízo/ no inferno nesse dia:/ queimou-se todo o dinheiro/ que Satanás possuía,/ queimou-se o livro de pontos,/ perdeu-se vinte mil contos, somente em mercadorias. Reclamou Lúcifer:/ - Horror maior não precisa!/ Os anos ruins de safra, agora mais esta pisaSe não houver um bom inverno,/ To cedo aqui no inferno, ninguém compra uma camisa! (PACHECO, 1970, pgs. 8 e 9).”

3. Lampião: protótipo do sertanejo

Faz-se necessário mirar o principal personagem destas narrativas: Lampião. Herói e bandido- é assim que Lampião resplandece no imaginário popular. Para uns o termo herói é mais cabível já, para outros, o terrível cangaceiro não passou de um bandido. E o poema, por sua vez, traz a marca da heroicidade de Lampião. Aja vista que quando de maneira senhoril se reporta aos demônios. O modo de tratar o porteiro do inferno é marcado pelo desdém daqueles que na vida, no mundo, se portam como superiores aos demais e isto vemos presente no termo moleque, na forma de exigir agilidade burocrática junto deste ao chefe daquela morada eterna. Resultado de um processo de exclusão social, o cangaço surgiu como um movimento contestatório que procurou na revolta e, posteriormente, na vida bandida a superação da miséria. Do cangaceiro o que se tem a dizer é que: ... é, antes de tudo, uma vítima do próprio meio atrasado em que nasceu e se criou. A falta de instrução, a pobreza, a carência de alimentos, pois as secas são freqüentes e devastadoras no seu habitat, as perseguições políticas e a falta de justiça, grandes flagelos do sertão, entregue, assim, à sua própria sorte, são os fatores da terrível praga nordestina, que tem ainda a alimentá-la...(ROCHA, 1998, p. 107).

Da mesma sorte Lampião se avulta em esperteza, se mostrando destemido no enfrentament daqueles que sempre fizeram terror no imaginário popular, no enfrentamento dos demônios. Tornando-se, deste modo, senhor do inferno (visto que este ficou vazio quando da fuga de seus moradores) assim como se portava como senhor no meio das catingas sertanejas. Virgulino Ferreira da Silva (o Lampião) foi intitulado de o “rei do cangaço”. Dentre todos os grupos dos movimentos da caatinga, foi o seu grupo o mais conhecido e temido. O rei do cangaço veio a ser morto em uma emboscada realizada por forças policiais que procuravam acabar com as ações daquele grupo, em 28 de julho de 1938, no município de Santana do Ipanema, na fazenda Angicos, em Sergipe. A história de Lampião, assim como contos e fatos (muitos não verídicos), rodou todas as cercanias nordestinas.E o imaginário sobre as andanças feitas pelo cangaceiro se prestou para construir o modo como o mesmo continuaria a se comportar na vida pósmorte. E, sem dúvida, a literatura de cordel, de maneira proeminente, foi uma grande difusora do herói e bandido do sertão.

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A referência ao termo herói remonta não propriamente ao herói tratado de forma positiva pela cultura que vislumbra, por si, a prática da virtude como exigência para atingir tal grau. Por exemplo: A busca heróica, em essência, é uma jornada simbólica, que representa o desdobramento progressivo do caráter e do destino transcendentes do herói. Jesus e o Buda são figuras que levaram a efeito a profunda transformação interior graças a qual uma porta se abriu entre os mundos, e a sociedade humana foi levada a uma condição parcial ou temporariamente restaurada. Finalmente, os registros de suas vidas são metáforas do que deve ocorrer na experiência de quem quer que encete a busca (HEINBERG, 1991, p. 309).

Mas, ao tratar sobre o termo herói, desfilam diante do imaginário sertanejo e mesmo da literatura, diversos estilos de herói. Lampião encarna a personificação do herói negativo que se veste de “diabruras e proezas, cobre-se da simpatia popular, que o desculpa pela falta de escrúpulos e pela ausência moral de qualquer remorso.”( VASSALO, 1993, p. 36) Segundo Curran (1998, p. 28) ...os heróis fazem a história, mas também fazem os anti-heróis e os vilões. E os anti-heróis mais fascinante será, antes de mais nada, o próprio povo, na sua luta diária para sobreviver num mundo às vezes cheio de miséria, pobreza e outros males. O cordel concentra a história disso tudo.

A bem da verdade, como se haverá de constatar, Lampião personifica, como disse Curran, o próprio povo em seus questionamentos e vida.

Para ilustrar tal adendo, é relevante observar um trecho de um poema que apresenta Lampião segundo os dados demonstrados acima, onde a imagem de cangaceiro resplandece em formas memoráveis de um herói. O poema é de autoria do famoso Zabelê, então muito conhecido no Nordeste: “Para havê paz no sertão/ E a gente pudê vivê/ E os mato pudê crescê/ E as muié pudê rezá/ E os matuto trabaiá/ Com gosto e sastifação,/ Percisa que Lampião/ Venha o povo gunverná...” (ROCHA, 1988, p. 100). Com a morte de Lampião, a sua memória foi guardada pelo povo sertanejo. O cordel dedicou-lhe numerosos poemas. 4. Sobre o Inferno e seus Habitantes É conhecido o fato de a Igreja, em meio aos seus discursos e pregações, usar a imagem do Diabo com a finalidade bem específica de doutrinar os fiéis. Podemos afirmar que a imagem do Diabo foi e é extremamente significativa para a doutrinação desenvolvida pelas instituições religiosas. Desta feita, o demônio, parte do patrimônio religioso cristão na condução das consciências, marcou sua presença ao longo da história como apresenta Libânio acerca da ... relevância da presença do demônio”. Onde “O ocidente conheceu, por assim dizer, ondas de incrível medo do demônio. Alguns autores colocam o séc. XI e XII como a primeira grande ‘explosão diabólica’(J. le Goff), onde satanás aparece com os olhos vermelhos, cabelos e asas de fogo e no Apocalipse de São Severo como diabo comedor de homens, ou que possui e tortura. Durante a idade clássica das catedrais, 58


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desencadeia-se outra tempestade sobre a consciência dos fiéis. A Divina Comédia de Dante marca simbolicamente essa passagem para o novo período de satanismo, que se arrefecerá somente na Segunda metade do século XVII de maneira surpreendente ( LIBÂNIO, 1988, p. 32).

Todavia, devido às mudanças sociais, o ocidente, de modo geral, viu, gradativamente, a força da imagem do Diabo perder a sua influência sugestiva no imaginário social. O Satã todo-poderoso foi privado de seu privilegiado espaço no Século XX. Essa perda de espaço começou com um lento processo de interiorização do mal, sendo reforçado pelo Iluminismo e com o aparecimento da psicanálise, culminando com a abertura do Concílio Vaticano II (1962-1965). Destarte, o humano passou a contemplar o seu interior como a origem do mal, percebendo que a tentação estaria na própria mente e não numa potestade sobrenatural (Cf. MUCHEMBLED, . 1997) A chegada de Lampião no inferno encontra-se em sintonia com essas mudanças. É o que podemos considerar na transcrição do poema acima, onde o Diabo é materializado e derrotado, levando-nos a contemplar um novo patamar nas relações religiosas onde é repensada a velha e temível teologia acerca do problema do mal. No poema, o mal, personificado na imagem do Diabo, perde seu aspecto de força sobrenatural capaz de controlar o natural e assume personalidade material. Isso é perceptível com clareza no poema quando o inferno é comparado com uma cidade que sofre de seca (má safra) e citada a existência de um mercado para prover as necessidades dos demônios. Ora, ao materializar o mal, o poeta tornou-o possível de ser controlado e, portanto, como consequência, vê-se a fuga do medo ante ao que antes era desconhecido e que agora assume fisionomia conhecida. Esta materialização pode-se constatar na fala de Lúcifer, no fim do poema, que retrata o inferno com as mesmas características do sertão em tempos de dificuldades. Diz Lúcifer: “-Horror maior não precisa!/ Os anos ruins de safra,/ agora mais esta pisa-/ Se não houver bom inverno,/ tão cedo aqui no inferno,/ Ninguém compra uma camisa!” (p. 9).

5. Conclusão Para concluir essas observações, ressaltamos que com essas nossas colocações não queremos afirmar que a crença no inferno tenha se extinguido da mentalidade popular. O que os textos de cordel nos trazem, é que as ideias de inferno e demônios estão perdendo a sua forma tradicional plasmada pelo imaginário como realidade puramente transcendental. Os novos tempos legaram para as imagens sobre as forças do mal aspectos de materialidade que podem ser controlados pelo homem. Este indício de declínio foi constatado, por outro lado, com os estudos da CNBB (1991, p. 22) que demonstram uma relativa queda na crença no inferno. Todavia, segundo o supramencionado estudo, a crença em Deus continua em alta: 99,9% dos católicos dizem possui-la, e 89,7% dos sem religião também confirmam a sua crença em Deus. Quanto ao inferno, há um decréscimo na crença: 55, 6% dos católicos nele acreditam e 44, 1% dos sem religião nele ainda pensa. Vale lembrar que neste poema o nome de Deus não aparece. 6. Referências CURRAN, Mark. História do Brasil em Cordel. São Paulo: EDUSP, 1998. HEINBERG, Richard. Memória e Visões do Paraíso- explorando o mito universal de uma idade de ouro perdida. Rio de Janeiro: Editora Campus. 1991, p. 309 59


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LIMA, Luiz Gonzaga de. A Chegada de Lampião no Purgatório. São Paulo: Luzeiro, 1981. MUCHEMBLED, Robert. Uma História do Diabo (Séculos XII- XX). Recife: Editora Bom Tempo. 1997. PACHECO, José. A Chegada de Lampião no Inferno. São Paulo: Luzeiro, 1970. _____, O Grande Debate de Lampião com São Pedro. São Paulo: Luzeiro, 1973. ROCHA, Melchiades da. Bandoleiros das Catingas. Rio de Janeiro: Francisco Alves Editora, 1998, p. 107.

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Estudo exploratório sobre a visão dos gestores de produção e gestores de RH nas empresas. Antonio Carlos de Lemos Oliveira (Pós-Graduação UERJ) prof.lemos@gmail.com.br Fabio Claudino dos Santos (EPEGI) f70@uol.com.br Renato Brito do Carmo (EPEGI) renato.carmo@volkswagen.com.br Thiago Moreira da Silva (EPEGI) thiago.rsd@bol.com.br _____________________________________________________________________

RESUMO Este artigo apresenta o resultado de uma pesquisa realizada com 07gestores de produção e 03 gestores de RH de empresas variadas da região Sul Fluminense, interior do estado do Rio de Janeiro. O estudo baseou-se em aspectos distintos, porém inter-relacionados. São eles: como os gestores lidam no dia-a-dia com os diferentes aspectos relacionados, tais como; conflitos, motivação e resultados das suas equipes de forma a atingirem metas. Este artigo tem como objetivo, observar as visões dos gestores de produção e gestores de Rh, e como esses gestores interagem junto a suas equipes na busca dos resultados. O trabalho encontra-se estruturado em quatro seções. Na primeira, são abordados os conceitos existentes e encontrados através de uma pesquisa bibliográfica. Na segunda seção, a metodologia utilizada. No terceiro tópico, são expostos os dados coletados nas entrevistas.E por fim, na última seção, apresentam-se os comentários finais, com uma conclusão dos resultados obtidos. Palavras-chaves: Gestão, Rh, conflitos e motivação.

1. Introdução No mundo atual, caracterizado por grandes avanços tecnológicos e acelerado crescimento da competitividade, as organizações buscam novas estratégias sustentáveis de negócios e ferramentas que as destaquem. Vemos que as relações entre as pessoas continuam sendo motivos de grandes conflitos e muitas dificuldades, apesar de todo progresso alcançado pelo homem. As diferenças de valores, crenças, experiências, percepções e opiniões são tão grandes quanto diversas são as pessoas que habitam o mundo. Segundo (Nonaka e Takeuchi) numa economia onde a única certeza é a incerteza, a única fonte de garantia de vantagem competitiva duradoura é o conhecimento. Seguindo este conceito, as empresas de sucesso são aquelas que criam sistematicamente novos conhecimentos, disseminam-nos pela organização inteira e rapidamente os incorporam em novas tecnologias e produtos.

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Cada empresa, ao definir sua estratégia, está suportada por competência organizacionais, individuais, das suas equipes e da própria organização – que assegura um melhor desempenho. É assim de certa forma, que se criam perfis profissionais que servem de referencia para o desenvolvimento do capital humano na organização (Stewart, 1999). Neste contexto, indivíduo competente não é aquele que tem determinados recursos e sim aquele que consegue mobilizá-lo em momentos oportuno, sob a forma de conhecimento, capacidade cognitivas, capacidade relacionais e competência. Toda e qualquer organização necessita em maior ou menor grau, do elemento humano. Por isso, o presente artigo visa realizar um estudo das competências e habilidades necessárias aos gestores, de forma a verificar se os mesmos utilizam técnicas de gestão de pessoas, a fim de motivarem suas equipes visando um bom relacionamento, entre as partes, no cumprimento das metas estipuladas por suas empresas. Para tal, foi realizada uma pesquisa exploratória de campo com dez gestores, responsáveis por equipes de trabalhos ou processos cuja análise foi comparada com conceitos teóricos já existentes. 2. Fundamentação Teórica A utilização da psicologia como ciência capaz de apoiar a compreensão e a intervenção na vida organizacional provocou nova orientação do foco de ação da gestão de recursos humanos. Para Millesi, em um artigo da Harvad Business Review, o modelo de recursos humanos corresponderia a uma nova fase do processo de gerenciamento de pessoas, na qual a diferença fundamental estaria na postura do gerente na condução das equipes de trabalho (CONRAD e PIEPER, 1990). Millesi publicaria em 1975, Theories of management, propondo uma classificação composta de três modelos de gerenciamento: o tradicional, o modelo de relações humanas e o modelo de recursos humanos. Considerando a importância desses modelos como ferramenta de apoio, observou-se sua utilização pelas organizações para nortear e inspirar seus gerentes. 3. Metodologia Buscou-se fazer um estudo de caráter exploratório que, segundo Vergara (1997), é realizado em áreas nas quais há pouco conhecimento acumulado e sistematizado e, por sua 62


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natureza de sondagem, não comporta hipóteses que, todavia, poderão surgir durante ou ao final da pesquisa. O procedimento utilizado nesta pesquisa para a coleta de dados foi a entrevista, que é considerada por muitos autores como a técnica por excelência na investigação social, possuindo grande flexibilidade. Gil (1989, p.113) a define como “uma forma de diálogo assimétrico, em que uma das partes busca coletar dados e a outra se apresenta como fonte de informação”. As entrevistas foram realizadas com dez gestores (gerentes, supervisor, coordenador ou líderes) de diferentes empresas situadas na região Sul Fluminense, no interior do estado do Rio de Janeiro. É importante ressaltar que as empresas selecionadas possuem faturamento anual próximo de R$ 2 bilhões, sendo duas empresas do setor automobilístico e uma empresa do ramo de siderurgia. Os gestores foram questionados separadamente, sem que um conhecesse as respostas do outro e sem quaisquer explicações sobre conceitos referentes a gerenciamento de pessoas. Para alcançar os objetivos propostos neste artigo, inicialmente realizou-se um estudo bibliográfico sobre gestão de pessoas. O objetivo dessa pesquisa em campo é servir de embasamento para análises e comparativos da visão da organização versus a visão dos gestores entrevistados. Logo após, são apresentadas as entrevistas dos dez gestores, seguidas de suas respectivas análises. E finalmente, as considerações, apresentando as conclusões observadas na pesquisa com os gestores das organizações. 4. Descrição e Análise de Dados Os dados obtidos através das entrevistas com os gestores foram analisados e comparados ao referencial teórico. Algumas respostas de alguns entrevistados, cujos nomes não foram revelados, foram destacadas para ilustrar o assunto abordado. 4.1. Entrevista com Gestores de Produção 4.1.1. O que é esperado de você? Constatamos que o relacionamento do superior com seus funcionários tem um foco em garantir resultados determinados pela empresa e ao mesmo tempo avaliar em sua equipe comportamentos interpessoais de forma singular para agregar novos valores a organização.

“...G1 entrevista A - o meu principal objetivo é atingir as metas de qualidade da produção. A gestão das pessoas que trabalham na minha equipe é a base para a qualidade da produção. Portanto, o meu papel é 63


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formar uma equipe que trabalhe com o máximo de autonomia para gerar resultados para a empresa. Isso envolve a contratação de profissionais que preencham os pré-requisitos que eu estabeleço para cada cargo/função, o desenvolvimento deles, o acompanhamento e o direcionamento do trabalho de cada um...” 4.1.2. Quais os principais problemas enfrentados por você na indústria?

Verificamos nas respostas dos gestores, sua dificuldade em conciliar a necessidade da organização com a equipe que ele gerencia, devido a falta de com comprometimento de seus colaboradores com os objetivos da empresa. “...G3 entrevista B - Funcionários desmotivados e falta de comprometimento...“ 4.1.3. Quais os principais problemas relativos a gestão de pessoas? Percebemos que os gestores entrevistados, das diferentes empresas pesquisadas, apresentam um conflito em relação a visão altamente economicista das organizações, ou seja, procuram uma mão de obra altamente especializada, porém as empresas não estão dispostas a remunerar de maneira satisfatória. “... G2 entrevista A – Hoje é administrar expectativa dos colaboradores em um mercado de trabalho em expansão, ou seja, administrar a demanda por maiores salários dos colaboradores versus a capacidade de fato da empresa em ofertar melhores salários ou benefícios...” 4.1.4. Como você gerencia conflitos na sua equipe? Observamos nas entrevistas, que em momentos de conflitos a maior parte dos gestores entrevistados procuram ou tentam sinalizar um comportamento imparcial de mediador. Percebemos também que os conflitos são gerados por vários motivos, tais como, aumento de

salário,

viagens,

tratamentos

diferenciados

e

problemas

interpessoais

e

comportamentais. 4.1.5. Como você classifica a atuação da área de recursos humanos?

Na classificação dos gestores dos vários setores industriais pesquisados, constatamos que, a grande maioria tem parecer favorável à atuação do RH, considerando-o fundamental. Na avaliação dos gestores 67% consideram fundamental sua atuação, 16,5 % acreditam que é muito importante e 16,5% considera importante.

4.2. Entrevista com Gestores de Recursos Humanos 4.2.1. Como vocês fazem o recrutamento na empresa (interno ou externo)?

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Nesta questão percebemos nas respostas dos gestores entrevistados que o recrutamento no primeiro instante é feito internamente, utilizando do próprio quadro se funcionário um colaborador que atenda o perfil desejado. Na falta desta pessoa a empresa recorre ao recrutamento externo. “...R1 entrevista A - A empresa procura dar prioridade ao recrutamento interno, entretanto, quando não há candidatos cuja competências, formação e habilidades se encaixem ao perfil previsto para a vaga recorrese ao recrutamento externo...” 4.2.2. Como vocês integram os novos empregados/colaboradores no seu trabalho? Foi identificado que as empresas procuram apresentar sua visão, missão e valores como forma de motivação e atração deste capital intelectual (pessoas). A ferramenta mais utilizada pelos gestores entrevistados é o programa de integração, que no primeiro dia de trabalho, expõe para esse novo colaborador como a empresa trabalha, quais são seus valores e metas. Para isso, utiliza filmes, animações, treinamento e palestras. Posteriormente os novos colaboradores são deslocados para suas áreas de atividades onde receberão treinamento prático e direcionado a sua nova atividade. “...R1 entrevista B - Todos os colaboradores passam por um processo de integração, onde é apresentada a empresa e em seguida ele realiza o reconhecimento/treinamento no local onde irá desempenhar suas atividades...” 4.2.3. Vocês sabem os principais motivos de turn-over (rotatividade) na planta industrial? Na pesquisa de campo percebemos que os gestores omitiram os detalhes das causas reais do turn-over, porém alguns gestores de Rh foram bastante generalistas em suas respostas. “...R1 entrevista B - Não podemos divulgar essas informações...” “...R1 entrevista A - Aquecimento da economia, que ocasiona uma oferta maior de postos de trabalho...” 4.2.4. Como a empresa faz para se tornar atrativa em seu mercado, visando a atração de pessoas? Em resposta a este item constamos que os gestores de Rh comungam com a mesma visão de atração de capital intelectual onde o apelo mais forte foi percebido quanto ao aspecto dos benefícios, salários e oportunidade de desenvolvimento. Em nenhum momento percebemos que os gestores valorizavam a organização como uma instituição altamente diferenciada no mercado onde ela atua. “...R1 entrevista B - Buscamos manter a política de cargo e salário conforme o mercado e oferecemos oportunidades de crescimento pessoal e financeiro dentro da nossa organização...” 4.2.5. Qual é o papel esperado dos gestores na indústria? 65


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Verificamos que os gestores de Rh, esperam dos gestores da produção, que atendam as metas de produção a serem atingida. Que os gestores de produção devam ter qualidades tais como;

administrar equipes, conflitos interpessoais e motivar sua equipe para

resultados. “...R1 entrevista B - Ter a sensibilidade de lapidar as pessoas da sua gestão, conseguindo obter e descobrir o seu melhor potencial, superando todos os desafios propostos com alto índice de motivação da equipe...” 4.2.6. Qual o papel esperado dos gestores na industria? Os gestores pesquisados em campo indicaram que diariamente a maior preocupação é com as oscilações de produção que afetam diretamente todos os meios de produção, tais como, mão de obra, máquinas, custo fixo e outras barreiras que possam impedir o fluxo de produção. Os gestores apontaram também que a maior preocupação é oferecer um sistema de produção flexível e adaptativo. “...R1 entrevista A - Lidar com as adversidades da economia e do mercado consumidor, oferecendo um sistema de produção flexível e adaptativo. Portanto, a busca pela flexibilidade é o maior desafio, dado que nessa ação o gestor pode encontrar situações que podem ser barreiras, como máquinas, capacidade de mão de obra e custos fixos...” 4.2.7. Quais os principais problemas relativos a gestão de pessoas, enfrentados pelos gestores na sua planta industrial? Analisando as respostas observamos a seguinte visão, a preocupação em administrar o comportamento do capital intelectual, sua motivação, suas adversidades e a resposta desses colaboradores quanto as metas imposta pela empresa. “... R1 entrevista B - Motivação, diversidade de opiniões, descobrir talentos, superar metas...” 4.2.8. Como você classifica a atuação da área de Rh na sua planta industrial?

Percebemos um consenso nas respostas dos gestores. 4.2.9. Como você acha que os gestores de produção classificam a atuação da área de recursos humanos na sua planta industrial?

Primeiramente vamos acrescentar as informações da pesquisa realizada com os gestores de produção, onde 67% dos gestores entrevistados acham fundamental a atuação do Rh na planta industrial. Na pesquisa realizada com os gestores de Rh constatamos uma convergência com as respostas dos gestores de produção. 5. Considerações finais 66


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O presente estudo foi desenvolvido em três empresas dos Sul Fluminense com ramo de atuação bastante distinto. Essas empresas possuem um faturamento anual aproximadamente de 2 bilhões cada e cultura bastante diferente, uma vez que, a empresa A é de origem alemã, a empresa B nacional e a empresa C de origem francesa. Apesar, das empresas terem visões organizacionais bem diferentes, observamos pontos em comuns nas respostas dos gestores de níveis estratégicos e operacionais. Tanto a empresa A quanto a empresa B, os gestores entrevistados pertencem à área de qualidade e processo, ou seja, gestores de nível estratégico. Enquanto a pesquisa na empresa C foi realizada com gestores de produção - com nível operacional. Observamos que todos os gestores estão preocupados em cumprir suas atribuições, que seu foco é naquilo que a empresa determina, entretanto, os gestores da empresa A e B utilizam um modelo gestão mais próximo ao modelo de recursos humanos – que visa promover atitude de autodeterminação e autogerenciamento entre seus subordinados. Já os gestores da empresa C se identificam mais com o modelo de relações humanas – onde procuram reconhecer as expectativas de seus subordinados, levando-os a sentir-se úteis e importantes naquilo que fazem. A segunda fase deste estudo, foi feita também através de entrevistas, porém desta vez os gestores entrevistados eram da área de Rh. É importante ressaltar que todos os gestores entrevistados, nesta fase, possuem nível superior e pelo menos um curso de especialização. Observou-se que os colaboradores das empresas pesquisadas possuem diferenças de idade, aproximadamente 10 anos, e culturas fabris. As organizações onde estão inseridos os gestores e os colaboradores carregam consigo visões organizacionais de gestão focadas em resultados operacionais. Entretanto as pessoas quando se inter-relacionam em um ambiente fechado são submetidas a um direcionamento de trabalho em grupo, em função destas características são esperados destes colaboradores a competência para solução de problemas e melhorias na capacidade de gerar resultados para essas organizações. Tendo em vista esta realidade de gestão de pessoas os gestores no seu dia-a-dia percebem as ações ao seu redor e intervém quando é necessário, buscando motivar e eliminar interfaces de conflitos entre seus colaboradores. Segundo Barrett, Richard. Pag. 92. - Edgar Schein, professor de Administração da Escola de Administração Sloan do M.I.T, acredita que executivos e engenheiros tendem a “ver pessoas como recursos impessoais que geram problemas em vez de soluções... eles vêem as pessoas e os relacionamentos como meios de alcançar eficiência e produtividade, não como fins em si mesmos. 67


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A cultura do operador, por outro lado, tende a se encontrar no que funciona – valores como participação, trabalho em equipe e colaboração – em outras palavras, valores que se alinham com a execução do trabalho e com a coesão organizacional. É importante também ressaltar, que apesar dos gestores utilizarem a visão da empresa nas relações internas, também detém visão própria. Dessa forma, muitos problemas em sua equipe deixam o gestor em um impasse de qual atitude tomar. Aquela que a empresa espera dele ou aquela que ele acredita ser mais acertada. Enfim, cabe dizer que o artigo realizado abre a possibilidade de novos questionamentos, visando continuar a exploração do tema, ou utilizando-se de uma amostra maior. 6. Referências ALBUQUERQUR, L. G. O papel estratégico de recursos humanos. São Paulo: FEAUSP, 1987. Tese de livre-docência FRAME, J. D. Project Management Competence: Building Key Skills for Individuals, Teams, and Organizations. Jossey-Bass Publishiers, San Francisco, 1999. CONRAD, P.; PIEPER, R. Human resource management in the Federal Republic of Germany. In: PIEPER, R. Human resource management: an international comparison. Berlin/New York: De Gruyter, 1990. PORTER, M. Vantagem competitiva: criando e sustentando um desempenho superior. Rio de Janeiro: Campus,1995. HAMEL, G. e PRAHALAD, C. K. Competindo Pelo Futuro: estratégias inovadoras para se obter o controle de seu setor e criar os mecanismos de amanhã, Rio de Janeiro: Campus, 1995 Barrett Richard Libertando a Alma da Empresa: Cultrix Amana-Key, 2006

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Segurança no Ciberespaço: contextualizando o fator humano por meio da alfabetização digital _____________________________________________________________________________________

Giovani Fernandes Galvão Mestrando em Ensino de Ciência e Tecnologia pela UTFPR gfgalvao@bol.com.br

Adriane Ferreira Galvão Especialista em Ensino, Literatura e Linguística pela UEPG adrianeferreiragalvao@hotmail.com

Guataçara dos Santos Júnior Doutor em Ciências Geodésicas pela UFPR Universidade Tecnológica Federal do Paraná – Campus Ponta Grossa guata@utfpr.edu.br

Siumara Aparecida de Lima Doutora em Estudos Linguísticos pela UFPR Universidade Tecnológica Federal do Paraná – Campus Ponta Grossa siumara@utfpr.edu.br ____________________________________________________________________________________ RESUMO O presente trabalho se trata de um estudo de três casos de usuários inseguros quanto à utilização da internet e de seus recursos tecnológicos para compras, internet banking, caixas eletrônicos, redes sem fio e outros. Inicialmente foram procuradas as causas que levaram os usuários a temer o uso das ferramentas e os criminosos a persistirem em crimes que modificam pouco em relação às suas equivalentes físicas. Após quase dois meses de inferências com os usuários foi possível perceber que quanto maior a sua insegurança e menor o seu conhecimento, melhor foi o seu ganho em relação a um processo de alfabetização digital na era da internet. Palavras-chave: alfabetização digital, cibercultura, segurança da informação, criminologia cibernética. ABSTRACT This paper is about a three case study of insecure internet users and the use of technological resources for shopping, internet banking, cash machines, wireless networking and some other related subjects. By starting it was looked for the causes that led the users to be afraid in the utilization of internet tools and for the persistence of cyber criminals which action is very similar to the real world equivalent crimes. After almost two months of work with the studied users it was possible to perceive that for a higher insecurity and lower knowledge, the gain was better for them in a digital literacy process at the internet era. Keywords: digital literacy, cyberculture, information security, cyber criminolgy

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1.

Introdução

O presente trabalho é a conversão em artigo de uma pesquisa intitulada “A insegurança dos usuários de internet: reduzindo riscos e trabalhando o fator humano na segurança da informação” realizada no ano de 2009 e cujo objetivo geral era “Incentivar os usuários frequentes de internet que temem realizar transações financeiras pela rede a utilizar os sites de bancos e de lojas virtuais para estas atividades”. Tal trabalho foi apresentado como parte do requisito de conclusão do curso de pós-graduação lato sensu em Engenharia de Sistemas oferecido pela Escola Superior Aberta do Brasil – ESAB – e estava formatado em uma monografia. Para a realização da pesquisa de campo foram escolhidos três voluntários, com perfis diferentes de utilização da internet e de outros recursos de informática. Foi utilizada uma metodologia de pesquisa baseada em alfabetização digital lançando mão principalmente de materiais disponíveis pela própria rede mundial de computadores, transformando informação em conhecimento construído. Antes de iniciar o trabalho foi efetuada uma pesquisa teórica referencial a respeito dos fatores que contribuem para que os usuários dessa rede sejam vítimas de golpes virtuais. Descobriu-se que esse fato contribui com a insegurança dos demais, ou seja, daqueles que ainda não foram vítimas de embustes cibernéticos, fazendo-os se sentirem inseguros quanto à utilização dela e consequentemente impedindo que a utilização de suas facilidades como o internet banking ou as próprias compras sem sair de casa. Na pesquisa inicial ficou evidente que por mais que se invistam em novas tecnologias de segurança e criptografia de dados o maior fator de contribuição para a ocorrência dos incidentes de natureza criminal começa nas pessoas, no seu conhecimento sobre o que é e o que não é possível se fazer em rede. Isso não significa que não se deva investir em tecnologias de segurança, pois há piratas virtuais que buscam frequentemente falhas de software, contudo ressalta a importância de se trabalhar muito além das máquinas com os seres humanos que as operam.

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No intuito de melhorar a relação homem-máquina, portanto, o pesquisador esteve durante três semanas com cada um dos pesquisados em encontros que duravam de trinta a sessenta minutos, três dias alternados, perfazendo um total de nove encontros. Neles, além da utilização do material didático impresso pelo pesquisador, eram esclarecidas questões a respeito dos assuntos nos quais o público-alvo mais tinha dúvidas. Foi possível perceber certa dificuldade no tratamento em determinados assuntos que demandaram maior sensibilidade. Contudo, foi possível perceber que para cada perfil houve uma melhoria significativa tanto na redução dos riscos aos quais a pessoa específica estava exposta quanto no aumento da sensação de segurança em relação às máquinas.

2.

Crimes cibernéticos e a alfabetização digital

A evolução das formas de proteção para os usuários da internet tem melhorado proporcionalmente em relação ao tempo em proporção direta à disponibilidade de recursos e quantidade de usuários que acessam à rede. Parte dessas proteções ocorrem em termos de software e técnicas de proteção lógica. Para Silva, et al, um sistema seguro no que tange à informação deve preservar três tipos de serviços: 

Confidencialidade – é a garantia de que a informação é acessível somente por pessoas autorizadas;  Integridade – consiste em proteger a exatidão e completeza da informação e dos métodos de processamento;  Disponibilidade – é a garantia de que os usuários autorizados, sempre que necessário, obtenham acesso à informação e aos benefícios correspondentes. (2008, p. 17) A forma de proteger os dados é a criptografia que “é a 'ciência' de fazer com que o custo de adquirir uma informação de maneira imprópria seja maior do que o custo obtido com a informação” (ibid, p.28). Para um leigo, criptografia seria uma forma de “embalar” uma ou mais palavras e atribuir uma senha ao arquivo gerado. O custo, no sentido que está sendo tratado na citação acima, seria relativo ao tempo que o “criptoanalista” (ibid, 2008) levaria para recuperar tal informação. Esse tempo pode ser tão grande que quando ele finalmente consiga quebrar a proteção do arquivo ela já não mais seja confidencial. Há senhas que com o melhor computador atualmente construído levariam milhares de anos para serem quebradas.

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Baseando-se no conceito de que as trocas de informação de um correntista com seu banco por meio da internet sejam criptografadas, quando o criptoanalista conseguir quebrar a senha ela já foi modificada ou talvez a vítima já nem sequer exista, não compensando portanto ataques à criptografia de tais comunicações por “força bruta” (SILVA, et al, 2008). A partir desse momento entra em ação o “engenheiro social” no contato físico entre ele e a vítima, seja de forma direta ou indireta. Tais ações, embora não diretamente referenciadas no código penal brasileiro, são passíveis de outras tipificações penais o que as configura como crimes. O crime surge com o desejo do criminoso de possuir algo sem a necessidade de pagar por tal objeto ou conceder algum tipo de troca, ou seja, simplesmente subtrair algo geralmente para benefício próprio. Essa forma de subtração está na ilegalidade e é seguida de uma interferência no bem material que culmina nos casos mais graves com a agressão a um bem jurídico. Os crimes são tipificados de formas diferentes conforme as leis de cada país ou de cada estado, alguns mais invasivos e mais puníveis do que outros. Enquanto houver diferenças de posses ou necessidades e pseudo necessidades por parte de criminoso e vítima, haverá crimes. A criminalidade evolui com as pessoas, evolui com a sociedade. Como nos explicam Chiesa, Ducci e Ciappi (2007), quando surgiram os automóveis, surgiu também o roubo de automóveis e a imagem do ladrão de carros. Para Lombroso “Fraud is a civilized metamorphosis of crime, which has replaced the cruelty and ruthlessness of primitive man […] with the lies and greed which are sadly becoming common, a generalized trend” (apud ibid, p.13). Sutherland (ibid) compara os criminosos virtuais aos do colarinho branco: a principal forma de obter o que se deseja é baseada na usurpação da confiança que sua(s) vítima(s) têm nele. Silva, et al (2008), complementa afirmando que além disso o engenheiro social também induz ao medo quando não consegue por meio da confiabilidade, seja a fonte da informação necessária pala aplicação do golpe um funcionário novo da empresa alvo ou um familiar da pessoa física que será lesionada pelo criminoso. No entanto, para Mitnick & Simon, a motivação do criminoso virtual parte inicialmente da curiosidade, mas evolui rapidamente para as formas que podem vir a prejudicar os usuários de computador pessoal (2006). A evolução do criminoso virtual – seja ele um cracker, hacker, carder ou demais denominações dadas aos piratas da informática – depende das oportunidades que ele terá, mas principalmente de sua inclinação ou índole. 72


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Na maior parte dos casos esse criminoso é uma pessoa que sente a necessidade de ser reconhecido por sua inteligência (CHIESA, DUCCI e CIAPPI, 2007 e MITNICK & SIMON, 2006). Supondo-se que seja possível eliminar ou coibir em grande escala as atuação das atuais quadrilhas que aplicam golpes virtuais ainda existe o elo mais representativo na relação homem-máquina nomeado por Mitnick & Simon de ‘Fator humano’ (2006). Portanto, além do trabalho dos profissionais da lei há de se instruir a população em geral para os cuidados mínimos quando em relação à utilização não somente da internet, mas dos caixas eletrônicos e das máquinas para débito eletrônico. Como nos diz Peixoto (2006), se houver algum tipo de dúvida ou desconfiança, não se deve realizar a operação. Essa dúvida surge da insegurança e é dentro de tal conceito que este trabalho é realizado: instrução no contexto da alfabetização digital para reduzir a insegurança e estimular os usuários a utilizar da forma correta e mais segura essas tecnologias que lhes trazem praticidade e conforto. Conhecimento é uma construção pessoal que envolve uma série de processos, na concepção de Ausubel, Novak & Hanesian (1980). Chegar à sua plenitude talvez não seja possível em quaisquer que sejam as linhas, porém a evolução dele pode ser constante. Estar inserido em um meio lançando mão de seus recursos disponíveis ainda pede que se os saiba utilizar. Esse conhecimento, que levará ou ajudará a construir novos conhecimentos pede certa segurança na sua utilização. Conhecer o que se está utilizando em termos de tecnologia digital pede uma inserção cultural no ciberespaço, uma cibercultura (LÈVY, 1999). Todavia, os conhecimentos básicos para a decodificação de instrumentos digitais deve ser como um impulso inicial, um processo de alfabetização para o universo digital. A alfabetização, em geral, se trata de um “processo de aquisição de determinada tecnologia de codificação e decodificação de signos” (ELER & VENTURA, 2007, p. 3), ou seja, a alfabetização é o processo de aquisição de conhecimentos básicos para a compreensão do funcionamento de algo sendo que na transposição para a ‘alfabetização digital’ os signos são os termos usados na cibercultura como ‘e-mail’, ‘spam’ ou ‘vírus de computador’, por exemplo. Embora ainda, nesta sociedade tão permeada por esses conceitos, não seja difícil observar certa “fobia” em relação à utilização de recursos tecnológicos. A alfabetização digital se desenvolve dentro do contexto cibercultural. De posse, portanto, de conhecimentos básicos, será possível se atualizar em relação aos recursos tecnológicos utilizados.

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Em resumo, o desenvolvimento de uma cibercultura de prevenção nos envolvidos nesse processo de ensino para tecnologias está ligado à alfabetização digital que não tem um estado final, mas é construída e intensificada (FREIRE, 1996, AULER & DELIZOICOV, 2001 e ELER & VENTURA, 2007), afirmação que é diretamente relativa à própria evolução tecnológica ocorrida a uma velocidade cada vez mais difícil de acompanhar. Tal busca, que inicia após o vencimento da inércia e do medo, resultará no encontro de cada vez mais recursos na medida em que se trabalha e se os conhece.

3.

Materiais e Métodos

A pesquisa realizada foi do tipo estudo de caso. Para tal foram escolhidos três tipos de usuários sendo que todos eles acessavam à internet e estavam inseguros por motivos definidos e próprios, que também foram levantados na pesquisa. Após levantamento de tais motivos os usuários foram instruídos sobre as formas como os golpes virtuais ocorrem e as principais formas de ação dos engenheiros sociais, fosse ela por meio eletrônico ou por interação social. Os três usuários estudados têm os seguintes perfis básicos: 1. Pessoa que foi vítima de golpe real ou virtual, teve sua senha bancária roubada e consequente prejuízo financeiro; 2. Pessoa insegura que, apesar de acessar a internet com frequência para diversas atividades, temia usar a rede mundial para acessar contas bancárias ou para realizar compras embora tivesse interesse de realizar tais atividades; 3. Pessoa insegura que, apesar de acessar a internet com frequência para diversas atividades, não tinha interesse em usar a rede mundial para acessar contas bancárias ou para realizar compras.

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O objetivo geral da pesquisa foi “Incentivar os usuários frequentes de internet que temem realizar transações financeiras pela rede a utilizar os sites de bancos e de lojas virtuais para estas atividades”, desdobrado em três objetivos específicos: 1. Identificar os motivos que levaram ou levariam os usuários pesquisados a temer a efetivação de transações financeiras pela internet; 2. Desenvolver um trabalho informativo com os usuários pesquisados estimulando-os a não temer a efetivação de transações financeiras pela internet; 3. Avaliar os resultados do trabalho efetuado junto aos usuários pesquisados.

4. Material didático utilizado

Dentro do contexto da educação para a segurança na internet foram escolhidos alguns materiais auxiliares para o desenvolvimento do trabalho que estão disponíveis gratuitamente para download na internet. Para o início lançou-se mão de quatro vídeos explicativos e dois folhetos para auxiliar na realização do trabalho. O material era gratuito e estava disponível nos sites de seus produtores. Segue um breve relato sobre o conteúdo de cada material. a) Vídeos educativos

Vídeos no formato do Windows Media Video – WMV – que puderam ser baixados ou assistidos diretamente nos sítios referenciados. São divididos em quatro assuntos: 1. Navegar é preciso (2010): introduz a história da internet e suas principais funcionalidades, além de trazer conceitos sobre os principais dispositivos de proteção; 2. A Defesa (2010): praticamente uma versão em vídeo do folheto explicativo fornecido aos usuários pesquisados, abordando conceitos que passam pela utilização de softwares de proteção – como antispam, anti-vírus e firewall – e pela segurança das informações pessoais do usuário; 3. Spam (2010): principal material no tratamento de conceitos sobre os golpes virtuais. Explica denominações de tais acontecimentos e formas de se proteger dos mesmos apelando para as atitudes dos usuários;

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4. Os Invasores (2010): introduz aos conceitos de vírus e relaciona os principais tipos bem como as formas de se proteger deles. b) Cartilha

Publicada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (2006 A), a cartilha é direcionada ao público em geral e um resumo em formato A4 pode ser encontrada no sítio oficial da instituição (ibid, 2006 B). Tal resumo foi escolhido para este trabalho devido à sua praticidade em abordar temas como: 1. Proteção contra fraudes; 2. Proteção contra vírus, cavalos de tróia, spyware, worms e bots; 3. Navegação com segurança; 4. Cuidados na leitura de e-mails; 5. Proteção da privacidade; 6. Segurança com celulares e PDA's; 7. Dicas de segurança em Banda Larga; 8. Dicas de segurança em redes Wireless.

c) Dicas de segurança para uso do cartão

Publicada por Malta (2010) em seu blog sobre golpes contra usuários de cartões de débito ou crédito se trata de um material também bastante simples de ser compreendido. O autor trabalha com dicas sobre como identificar um caixa eletrônico que possa ter sido adulterado para copiar cartões e filmar a digitação de senhas.

5. Níveis de riscos e de conhecimentos

Para melhor avaliar as diferenças entre início e final do trabalho o pesquisador atribuiu escalas para risco e conhecimento que avaliariam de forma qualitativa e quantitativa a evolução do aprendizado. Os valores estão em uma escala de 1 (um) a 3 (três), sendo um o valor para risco máximo ou conhecimento mínimo e três o valor para risco mínimo ou conhecimento máximo. A relação risco e conhecimento deveria ser inversa, ou seja, quando houvesse um conhecimento mínimo o risco deveria ser máximo e a recíproca seria 76


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verdadeira. Para cada usuário haveria um risco maior ou menor também conforme a sua atividade predominante como, por exemplo, no caso do usuário que não fazia download de softwares piratas e não tinha interesse em tal atividade seu conhecimento e risco seriam mínimos. Ao final da pesquisa os usuários deveriam alcançar o nível de conhecimento máximo e de risco mínimo relativo aos cinco tipos de ameaças trabalhadas. Vale ressaltar que os riscos registrados eram os que deixavam os usuários pesquisados mais vulneráveis, conforme tratados anteriormente. Existiam durante a realização da pesquisa, e ainda atualmente, muitas outras ameaças que não foram consideradas neste trabalho por não serem parte do enfoque. Quadros de riscos

Item

Valor

Descrição

Sítios

1

Risco mínimo: não acessa sítios suspeitos.

suspeitos

2

Risco médio: acesso ocasional por curiosidade.

3

Risco máximo: acessa frequentemente quaisquer tipos de sítios.

Quadro 1: Escala de risco: sítios suspeitos. Fonte: banco de dados da pesquisa.

Item

Valor

Descrição

Anexos em 1

Risco mínimo: não abre e-mails ou não abre anexos.

e-mails

Risco médio: só abre anexos ou e-mails quando é de rementente

2

conhecido ou ocasionalmente. 3

Risco máximo: abre e-mails e executa arquivos anexos indiscriminadamente.

Quadro 2: Escala de risco: anexos em e-mails. Fonte: banco de dados da pesquisa.

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Item

Valor

Descrição

Software

1

Risco mínimo: não faz download de softwares.

pirata

2

Risco médio: faz download de softwares originais gratuitos ou de teste ou downloads ocasionais.

3

Risco máximo: faz download indiscriminado de softwares independentemente de serem originais ou piratas.

Quadro 3: Escala de risco: software pirata. Fonte: banco de dados da pesquisa.

Item

Valor

Descrição

Caixas

1

Risco mínimo: não usa o caixa eletrônico.

eletrônicos 2 suspeitos 3

Risco médio: usa o caixa eletrônico. Risco máximo: usa caixas eletrônicos indiscriminadamente em qualquer lugar.

Quadro 4: Escala de risco: caixas eletrônicos suspeitos. Fonte: banco de dados da pesquisa.

Item

Valor

Descrição

Máquinas

1

Risco mínimo: não usa o cartão de débito eletrônico.

de débito

2

Risco médio: usa com frequencia o cartão de débito, mas está atento

eletrônico

aos valores. 3

Risco máximo: usa indiscriminadamente o cartão de débito independentemente do local e deposita confiança total no comerciante.

Quadro 5: Escala de risco: máquinas de débito eletrônico. Fonte: banco de dados da pesquisa.

78


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Quadros de conhecimentos

Item

Valor

Descrição

Sítios

1

Conhecimento mínimo: não sabe quais são as ameaças a que está

suspeitos

exposto nem diferenciar um sítio comum de um sítio suspeito. 2

Conhecimento médio: reconhece sítios suspeito e pensa antes de acessá-los ou que fornecer informações pessoais.

3

Conhecimento máximo: reconhece sítios suspeitos e/ou clonados, se protege com bloqueadores de script e de pop-ups e não informa dados pessoais.

Quadro 6: Escala de conhecimento: sítios suspeitos. Fonte: banco de dados da pesquisa.

Item

Valor

Descrição

Anexos em 1

Conhecimento mínimo: não sabe das ameaças que está sujeito.

e-mails

2

Conhecimento médio: sabe das ameaças a que está sujeito.

3

Conhecimento máximo: não costuma abrir mensagens de remetentes desconhecidos ou abrir arquivos anexos não solicitados.

Quadro 7: Escala de conhecimento: anexos em e-mails. Fonte: banco de dados da pesquisa.

Item

Valor

Descrição

Software

1

Conhecimento mínimo: não sabe que esses programas podem conter

pirata

vírus e outras ameaças ou as ignora. 2

Conhecimento médio: sabe dos riscos, mas mantem o anti-vírus atualizado.

3

Conhecimento máximo: não faz download de software pirata e seleciona os programas gratuitos que deseja usar ou os originais que deseja testar.

Quadro 8: Escala de conhecimento: software pirata. Fonte: banco de dados da pesquisa.

79


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Item

Valor

Descrição

Caixas

1

Conhecimento mínimo: não faz distinção entre um caixa comum e um

eletrônicos suspeitos

adulterado. 2

Conhecimento médio: sabe que deve pelo menos testar as partes fixas do caixa eletrônico.

3

Conhecimento máximo: procura utilizar caixas eletrônicos somente em agências bancárias, sempre reparando nas partes fixas dos aparelhos e na movimentação de pessoas estranhas próximas ao local.

Quadro 9: Escala de conhecimento: caixas eletrônicos suspeitos. Fonte: banco de dados da pesquisa. Item

Valor

Descrição

Máquinas

1

Conhecimento mínimo: não sabe diferenciar máquinas suspeitas de

de débito eletrônico

máquinas comuns. 2

Conhecimento médio: sabe identificar pelo menos a sigla da empresa do se cartão e confere o valor antes de digitar.

3

Conhecimento máximo: identifica a máquina com a sigla da empresa do cartão, está atento aos valores digitados e se realmente a opção escolhida pelo comerciante é de pagamento.

Quadro 10: Escala de conhecimento: máquinas de débito eletrônico. Fonte: banco de dados da pesquisa.

6. Resultados e discussões

A pesquisa aconteceu em forma de três encontros semanais em horários diferenciados e tiveram duração de trinta minutos a uma hora durante três semanas, o que totalizou nove encontros que ocorriam principalmente após o horário comercial, mas não exclusivamente. Neles foram focados em primeiro lugar os pontos fracos e exploradas as principais vulnerabilidades dos usuários.

80


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O pesquisador levava até os usuários seu computador pessoal tipo laptop com o conteúdo e no primeiro encontro já era entregue o material impresso. Também no primeiro encontro era exibido o primeiro vídeo sobre a evolução da internet (NAVEGAR É PRECISO, 2010). Nos dois seguintes o pesquisador explorava cada um dos itens do folheto impresso sobre dicas de segurança (COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO BRASIL, 2006, B). Na segunda semana o conteúdo foi revisto, explorando ainda mais o folheto citado, e exibido o vídeo da sequencia sobre spams (SPAM, 2010). Já na última semana forma exibidos os outros vídeos (A DEFESA e OS INVASORES, 2010). Foi também explorada a folha sobre os cuidados nos caixa eletrônicos e compras com cartões de débito. No último encontro seriam tratados em específico o internet banking e o Comércio Eletrônico, mas após efetuar tal procedimento com a primeira pessoa o pesquisador percebeu que deveria ter abordado tal assunto antes, o que o obrigou a ter um décimo encontro com a primeira pessoa. Felizmente havia tempo hábil para corrigir o erro com os demais usuários sendo que o segundo usuário teve conhecimento do assunto no começo da terceira semana e o terceiro, ao final da segunda semana. A primeira e a terceira pessoa jamais haviam efetuado compras pela internet e o acesso a seus bancos jamais acontecera. O objetivo final era estimular essas atividades para que fossem tratadas como tarefas físicas, ou seja, uma loja virtual como uma loja comum e o sítio do banco como se fosse um caixa eletrônico, com a única exceção de se limitar ao saque por motivos óbvios. A avaliação era baseada na quantidade e na qualidade – em relação às escalas de riscos e conhecimentos – de atividades desse tipo que os usuários passariam a fazer após a interferência do pesquisador. O pesquisador entendeu que quando houve evolução nos índices de riscos e conhecimentos era possível acessar a sites de compras e internet banking com maior segurança e que, ao se sentirem mais seguros os usuários trabalhados passariam a realizar mais essas atividades devido ao conforto e praticidade que elas proporcionariam. O avanço percebido está exposto nas tabelas que seguem, mostrando o que se cogitou no início da pesquisa: que enquanto os índices de riscos caíam, os de conhecimentos aumentavam. Já para analisar o aproveitamento das inferências do pesquisador foi necessário fazer uma média das notas atribuídas para cada usuário.

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Tabela 1: Evolução de riscos. Fonte: banco de dados da pesquisa. RISCOS item / usuário Usuário 1 Usuário 2 Usuário 3 a

3

2

2

1

3

1

b

3

2

2

2

3

1

c

2

1

2

2

3

2

d

3

2

2

2

3

2

e

3

2

2

2

1

2

1,8

2,0

1,8

2,6

1,6

média 2,8 razão de melhoria

1,6

1,1

1,6

Tabela 2: Evolução de conhecimentos. Fonte: banco de dados da pesquisa. CONHECIMENTOS item / usuário Usuário 1 Usuário 2 Usuário 3 a

1

2

2

3

1

2

b

1

2

2

2

2

3

c

1

3

3

3

1

2

d

1

3

3

3

1

3

e

1

2

3

3

1

3

2,4

2,6

2,8

1,2

2,6

média 1,0 razão de melhoria

2,4

1,1

2,2

A média é a simples média aritmética dos valores atribuídos a cada perfil e significa o nível de risco ou conhecimento no qual o usuário está, enquanto que a razão de melhoria foi adotada da maior nota para a menor, pois as atribuições de riscos e conhecimentos são inversamente proporcionais. Contudo, o resultado foi equivalente, pois 82


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para uma razão de melhoria maior que 1,0 há indício de melhoria, enquanto que se a razão fosse menor, seria indício de resultado adverso ao desejado, o que felizmente não foi observado. Tanto no caso dos riscos quanto dos conhecimentos os usuários 1 e 3 obtiveram as melhores notas não em relação ao que já sabiam ou ao que vieram a saber, mas em relação ao significado que o trabalho do pesquisador teve em suas atitudes de acesso à internet. O segundo usuário teve a menor nota não porque ficou mais inseguro, mas por ser o mais curioso e aparentemente o que melhor conhecia a tecnologia. Portanto, o ganho com a interferência do pesquisador foi mais perceptível naqueles que tinham um menor conhecimento e estavam mais suscetíveis aos riscos. O conhecimento que foi construído com eles pode ser comparado à alfabetização pelo menos em relação às tecnologias e ao universo virtual ou ciberespaço, pois para a explicação dos termos científicos envolvidos com a ciência da segurança na rede e da criminologia cibernética, o pesquisador procurou abster-se por considerar não serem necessários naquele momento. Nesse sentido a alfabetização digital pode ter sido parcial, porém o processo foi iniciado. Quanto aos objetivos específicos alcançados foi possível observar que na história de cada usuário havia elementos que definiam seus perfis, ou seja, os motivos passaram a ser o ponto de partida dos trabalhos. Por meio de um processo informativo, foi possível ainda levar as pessoas estudadas à construção de um conhecimento significativo que teve importância conforme as necessidades de cada usuário, como o caso daquele que mesmo após encontros com o pesquisador achou que não necessitaria do acesso ao internet banking por simplesmente não querer. Os resultados avaliados e expostos nos quadros e tabelas anteriores corroboram o resultado positivo do objetivo geral, pois em índices criados para a pesquisa foi possível perceber que a segurança em relação à utilização da internet por parte dos usuários melhorou sensivelmente. Talvez resultados mais significativos possam ser observados em longo prazo em uma revisitação às pessoas que contribuíram com a pesquisa. Foi demonstrado que com pequenas informações pontuais e personalizadas para os perfis de acesso à rede mundial de computadores é possível melhorar a qualidade e a segurança das pessoas fazendo com que elas modifiquem alguns hábitos ou pelo menos passem a refletir sobre determinadas

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atitudes que podem, em determinadas ocasiões, prejudicá-las de forma pessoal, social e financeira. 7. Considerações finais

Para conhecer os pontos fracos de pessoas que foram vítimas de embustes tecnológicos foi necessário, além do conhecimento do perfil de utilização da internet pelos usuários pesquisados, conhecer as principais metodologias, ou modus operandi, pois evidentemente as que tinham maior resultado seriam as mesmas das quais os riscos eram maiores para quaisquer utilizadores da rede. Portanto o contexto da criminologia na era da informação foi importante em uma primeira instância para tentar pensar como os criminosos virtuais. Em seguida o conhecimento dos motivos que continuavam a levar as pessoas a serem vítimas dos golpes que, em uma análise um pouco mais aprofundada, se mostraram serem evoluções daqueles que ocorrem no mundo físico. Qual seria então a conexão entre os crimes cibernéticos e os reais? Com base em referenciais teóricos foi possível chegar à conclusão de que esse elo é relativo às pessoas. O fator humano é a força motriz para que eles persistam, seja esse fator relativo às vítimas em seu desconhecimento e insegurança ou ainda à curiosidade e vaidade dos criminosos. O intuito dessa pesquisa foi trabalhar o lado mais próximo e sensível desse elo: as pessoas que se utilizam de recursos tecnológicos em seu dia a dia e que, de uma forma ou de outra, acabaram sendo vítimas de criminosos cibernéticos. Em um dos casos, o prejuízo chegou a ser financeiro. Nos outros foi de ordem técnica, representado pela contaminação por vírus ou pela multiplicação da disseminação deles por meio de arquivos que continham macros, por exemplo. Após verificar e analisar os perfis de cada usuário, o pesquisador formas de ensino e materiais disponíveis quanto à maneira como deveriam ser realizadas as inferências. Transformando informação em conhecimento, pelo menos em algumas partes específicas para cada usuário, foi possível perceber que houve ao menos o início de um processo de alfabetização digital.

84


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A evolução do conhecimento e a redução dos riscos foram percebidas com maior intensidade principalmente naqueles usuários que tinham o menor conhecimento do assunto, que tinham menor segurança e até mesmo menor interesse em conhecer os novos recursos oferecidos para sua comodidade. Foi possível perceber, então, que o trabalho de alfabetização digital teve maior efeito naqueles que dele mais necessitavam e que estavam receosos pelo medo de serem novas vítimas ou de serem enganados e usados para disseminar suas informações particulares àqueles que dela mais fariam proveito ilegal. É bastante provável que um outro trabalho semelhante a esse, em maior escala, necessite análise de perfis de turmas tanto em relação às formas de acesso predominante quanto à dinâmica mais observada em cada pessoa que se submeterá aos novos trabalhos.

8. Referências A DEFESA, Produzido pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil. S.l.: CERT.br. Arquivo formato

Windows

Media

Video

WMV

(393

s):

didático,

port..

Disponível

em:<http://www.antispam.br/videos/>. Acesso em: 19 fev. 2010. AULER, Décio; DELIZOICOV, Demétrio. Alfabetização científico-tecnológica para quê? Ensaio: Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v. 3, n. 1, p.1-13, jun. 2001.

Semestral.

Disponível

em:

<http://www.portal.fae.ufmg.br/seer/index.php/ensaio/article/view/44/203>.

Acesso

em: 29 jan. 2011. AUSUBEL, David; NOVAK, Joseph; HANESIAN, Helen. Psicologia educacional. 2ª Rio de Janeiro: Interamericana, 1980. 625 p. CHIESA, Raoul; DUCCI, Stephania; CIAPPI, Silvio. Profiling Hackers: the science of criminal profiling as applied to the world of hacking. London: CRC Press, 2007. 288 p. Referência traduzida pelo pesquisador. COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO BRASIL (Ed.). Cartilha de Segurança para Internet.

Versão

3.1.

S.l:

CERT.br,

2006

A.

117

p.

Disponível

em:

<http://cartilha.cert.br/>. Acesso em: 19 fev. 2010.

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___________. Folheto com dicas de segurança, formato A4. S.l: CERT.br, 2006 B. 1p . Disponível em: <http://cartilha.cert.br/download/cartilha-folheto-a4.pdf>. Acesso em: 19 fev. 2010. ELER, Denise; VENTURA, Paulo Cezar Santos. Alfabetização e Letramento em Ciência e Tecnologia: reflexões para a educação tecnológica. Anais do VI ENPEC, Florianópolis, 2007. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 25ª Ed. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra, 1996. 54 p. LÉVY, Pierre. Cibercultura. 1ª São Paulo: 34, 1999. 250 p. (Trans) MALTA, Isaias. Galeria de casos de golpes do chupa-cabra: para você ficar esperto com

a

segurança

dos

seus

cartões

de

crédito.

Disponível

em:

<http://www.blogpaedia.com.br/2008/11/galeria-de-casos-de-golpes-chupa-cabra.html>. Acesso em: 01 fev. 2010. MITNIK, Kevin; SIMON, William. A Arte de Enganar: ataques de hackers – controlando o fator humano na segurança da informação.São Paulo: Makron Books, 2006. 284 p. NAVEGAR É PRECISO, Produzido pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil. S.l.: CERT.br. Arquivo formato Windows Media Video WMV (363 s): didático, port.. Disponível em:<http://www.antispam.br/videos/>. Acesso em: 19 fev. 2010. OS INVASORES, Produzido pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil. S.l.: CERT.br. Arquivo formato Windows Media Video WMV (363 s): didático, port.. Disponível em:<http://www.antispam.br/videos/>. Acesso em: 19 fev. 2010. PEIXOTO, Mauro César Pintaudi. Engenharia Social e Segurança da Informação: na Gestão Corporativa. São Paulo: Brasport, 2006. 132 p. SILVA, Luiz Gustavo Cordeiro da et al. Certificação Digital: conceitos e aplicações. Rio de Janeiro: Ciência Moderna, 2008. 198 p. SPAM, Produzido pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil. S.l.: CERT.br. Arquivo formato

Windows

Media

Video

WMV

(415

s):

didático,

port..

Disponível

em:<http://www.antispam.br/videos/>. Acesso em: 19 fev. 2010.

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